NEOPLASIAS EXÓCRINAS DO PÂNCREAS Incidência e Epidemiologia Mais freqüente em homens do que em mulheres. Mais comum em negros do que em brancos. 80% dos casos ocorrem entre 60 e 80 anos de idade. Outros fatores de risco: pancreatite crônica ou hereditária, tabagismo, exposição ocupacional a carcinógenos, dieta rica em proteínas e gordura. A incidência de diabete melito é aumentada em pacientes com câncer pancreático (relação não comprovada). Patologia O adenocarcinoma ductal e suas variantes contribuem com 80% a 90% de todas as neoplasias pancreáticas e com uma fração muito maior de tumores malignos. Aproximadamente 70% das neoplasias ductais se originam na cabeça do pâncreas ou processo uncinado. Tumores originados no corpo e na cauda do pâncreas são frequentemente largos e mais suscetíveis de apresentar disseminação antes que sua presença se torne conhecida. Em muitos casos, um halo de pancreatite crônica circunda o tumor, presumidamente causado por uma obstrução induzida pelo tumor nos ductos vizinhos. O cerscimento perineural do tumor é altamente característico desse câncer e pode contribuir para a propensão da neoplasia pancreática a se estender para dentro dos plexos neurais vizinhos, causando dor abdominal e dorsal. Cânceres, como o carcinoma mucinoso não-cístico (carcinoma colóide), carcinoma com células em anel de sinete, carcinoma adenoescamoso, carcinoma anaplásico, carcinoma de células gigantes e carcinoma sarcomatóide, são considerados como variantes do adenocarcinoma ductal. Sinais e Sintomas São tumores insidiosos que podem estar presentes por longos períodos e crescem excessivamente antes de produzir sintomas. Quando localizados na cabeça ou processo uncinado do pâncreas podem causar obstrução do ducto biliar, duodenal ou do ducto pancreático. Os sintomas incluem episódios de pancreatite sem causa definida, icterícia indolor, prurido, náusea, vômito, esteatorréia, e perda ponderal. Com a posterior disseminação para todo o pâncreas, o paciente pode referir dor (iniciada por alimento ou álcool) no andar superior do abdome ou no dorso, quando os plexos nervosos peripancreáticos são envolvidos, e ascite, quando se desenvolve carcinomatose peritoneal ou oclusão da veia porta. Tumores originados do colo, corpo ou cauda do pâncreas em geral não apresentam icterícia ou obstrução pilórica. Neste caso, os sintomas podem estar limitados a perda ponderal sem explicação e dor abdominal superior vaga, até que o tumor tenha crescido bastante e se disseminado pelo pâncreas. O início recente de diabete melito é às vezes o primeiro sintoma de um câncer pancreático oculto. Tromboflebite migratória sem explicação (síndrome de Trousseau) pode estar associada a malignidades pancreáticas e de outros tipos. É um fenômeno paraneoplásico que resulta de um estado de hipercoagulabilidade induzida pelo tumor. Os achados ao exame físico também são dependentes da localização, tamanho e extensão do tumor. Nódulos hepáticos indicativos de metátase podem ser escontrados. Depósitos metastáticos subumbilicais (linfonodo da irmã Maria José), do peritôneo pélvico (prateleira de Blummer), e linfadenopatia supraclavicular esquerda (linfonodo de Virchow) indicam a presença de metátase à distância. Ascite maligna, causada por carcinomatose peritoneal, também pode estar presente. Com a oclusão da veia porta, esplênica ou mesentérica superior, a pressão venosa mesentérica pode estar aumentada causando circulação colateral, incluindo varizes gastroesofagianas e cabaça de medusa. A obstrução distal do ducto biliar comum frequentemente leva à obstrução biliar e distensão da vesícula. Então, uma vesícula palpável em paciente com icterícia indolor (sinal de Courvoisier) sugere a presença de neoplasia periampular. Laboratório Lesões na cabeça do pâncreas podem causar níveis elevados de bilirrubinas e fosfatase alcalina, sugestivos de icterícia obstrutiva. Os dois marcadores tumorais mais usados para câncer pancreático são o CA19-9 e o CEA. Ambos estão quase sempre elevados em doença avançada, mas podem estar normais em pacientes com tumores no início e potencialmente curáveis. CA19-9 também pode estar elevado em pacientes com colangite e icterícia não causada por tumor pancreático. Níveis extremamente elevados do CA19-9 ou do CEA indicam doença irressecável ou metastática. Estudos de Imagem Para muitos pacientes, o estudo de imagem inicial é o exame ultra-sonográfico transcutâneo (mais barato). Ele pode revelar uma massa pancreática e indicar quando essa massa é sólida ou cística. Ultra-som transcutâneo, independente dos seus achados, é usualmente seguido pela TC helicoidal com contraste. O câncer pancreático aparece na maioria das vezes como uma massa hipodensa com limites pobremente demarcados. Pode apresentar um centro hipodenso, indicando necrose central ou alteração cística, e o ducto pancreático à esquerda da lesão pode estar dilatado. Quando realizada por radiologistas experientes, a TC tem uma especificidade de 95% e sensibilidade de 95% para tumores maiores que 2 cm. A CPRE pode ser particularmente útil na avaliação de pacientes com icterícia obstrutiva, na ausência de uma massa detectável à TC ou RM. Ela pode identificar cálculos ou outra causa não maligna de icterícia obstrutiva, definir localização da obstrução do ducto biliar, identificar lesões ampulares ou periampulares. O achado de um ducto biliar duplo e estenoses do ducto pancreático (sinal do duplo ducto) é altamente sugestivo de câncer de cabeça de pâncreas. A ressecção é indicada independentemente dos achados da CPRE. Podem ser utilizados ainda o doppler para visualizar se as estruturas vasculares estão comprometidas; a ultra-sonografia endoscópica para definir o plano do tumor e o Raio-X de tórax para analisar focos pulmonares e metástases. Estadiamento O sistema de estadiamento do American Joint Committee on Câncer (AJCC) é comumente usado para estadiar o câncer pancreático. Esse sistema usa a classificação TNM para definir a extensão tumoral, metástases linfonodais e metástases à distância. Os cânceres em estágio 1 e 2 são passíveis de ressecção. Os que se encontram nos estágios 3 e 4 são irressecáveis, ou devido a presença de metátases à distância (estágio 4) ou pelo comprometimento arterial importante (estágio 3). O estadiamento pré-operatório de cânceres pancreáticos é usualmente realizado usando-se uma ou mais técnicas de imagem-padrão, como TC, RM ou ultra-sonografia. A TC helicoidal de alta resolução é o método mais utilizado para avaliar ressecabilidade tumoral. Estágio Status T Status N Status M Estágio 0 Tis (in situ) N0 M0 Estágio IA T1 (<2cm) N0 M0 Estágio IB T2 (>2 cm) N0 M0 Estágio IIA T3 N0 M0 Estágio IIB T1 N1 M0 T2 N1 M0 T3 N1 M0 Estágio III T4 Qualquer N M1 Estágio IV Qualquer T Qualquer N M1 Estadiamento Laparoscópico O papel do estadiamento laparoscópico no tratamento do câncer pancreático é controverso. O argumento para laparoscopia preliminar seria mais válido no caso de pacientes com lesões de corpo ou cauda. Para lesões da cabeça que são consideradas ressecáveis por estadiamento pré-operatório de rotina, a laparoscopia não é indicada. Cirurgia de Ressecção para Tumores da Cabeça do Pâncreas e Tumores do Processo Uncinado Tumores da cabeça, colo e processo uncinado do pâncreas contribuem para aproximadamente 70% dos tumores pancreáticos. Eles são geralmente ressecados por duodenopancreatectomia, com ou sem preservação do piloro ou duodeno proximal. Ambas as técnicas podem ser realizadas através de incisões medianas, subcostal bilateral ou subcostal direita. A ocorrência de matástase é um motivo para o aborto da ressecção. O achado de comprometimento dos linfonodos peripamcreáticos, mesmo ao longo da borda cefálica do pâncreas, perto da veia porta, não exclui a ressecção embora seja sinal de mau prognóstico. Nesta cirurgia, a vesícula biliar é removida e o ducto biliar comum é seccionado acima do duodeno. O trato gastrintestinal proximal é seccionado no nível do antro gástrico (Whipple-padrão) ou na primeira porção do duodeno (Whipple com preservação pilórica). A recontrução pode ser feita através de uma variedade de técnicas, mas a mais comum envolve uma pancreaticojejunostomia (como uma termino-terminal ou uma termino-lateral), uma hepaticojejunostomia terminolateral e até uma gastrojejunostomia termino-lateral pré-cólica (Whipple-padrão) ou duodejejunostomia (Whipple com preservação pilórica). São posicionados drenos e uma sonda jejunal alimentar, a última para drenar a estase gástrica que pode ocorrer, e o abdome é fechado. Complicações da Duodenopancreatectomia Mortalidade de 2% a 4% quando realizada por cirurgiões experientes. Deiscências anastomóticas, abscessos intraabdominais e esvaziamento gástrico retardado contribuem com a maior parte das complicações perioperatórias. Fístulas biliares são muito menos comuns que as fístulas pancreáticas, mas ambas geralmente cicatrizam espontaneamente com drenagem adequada. O pâncreas endócrino possui considerável reserva funcional e, por essa razão, muitos pacientes não desenvolvem diabete após ressecção da cabeça pancreática. De fato, alguns pacientes com diabete induzido por tumor podem apresentar resolução da doença após a ressecção do tumor. Em contraste, a má absorção pancreática e eateatorréia são problemas relativamente comuns a longo prazo. Eles podem refletir insuficiência secretória exócrina, uma obstrução da anastomose pancreaticoduodenal, e mistura pós-operatória pobre das enzimas secretadas com o alimento. Resultados da Duodenopancreatectomia para câncer pancreático Taxa de sobrevida em 5 anos de 10% a 15%. Inúmeros fatores afetam a taxa de sobrevida. Talvez a maior influência seja apresença ou a ausência do tumor nas margens de ressecção. A extensão da ressecção para uma pancreatectomia total ou para incluir ressecção mais radical dos linfonodos retroperitoneais não parece aumentar a sobrevida a longo prazo. Outros fatores que alteram a sobrevida a longo prazo são o diâmetro do tumor, conteúdo de diploidia/aneuploidia do DNA e status dos linfonodos. Operações de Ressecção para Tumores pancreáticos de corpo e Cauda Muitos cânceres de corpo e cauda já causaram metástase em sítios distantes ou se estenderam localmente para envolver linfonodos, nervos e vãos importantes no momento do diagnóstico. A oclusão da veia esplênica não é incomum, não sendo um sinal de irressecabilidade. Por outro lado, o comprometimento da confluência da veia esplênica /mesentérica superior em geral impossibilita a ressecção. Esta envolve uma pancreatectomia distal, com ou sem esplenectomia. As complicações da pancreatectomia distal incluem abscesso subfrênico, que pode ocorrer em 5% a 10% dos pacientes, e a deiscência do ducto pancreático, que foi relatada em mais de 20% dos pacientes. Apenas 10% destes cânceres são ressecáveis na época do diagnóstico. A sobrevida em 5 anos dos que são considerados ressecáveis é de 8% a 14%. Tratamento Paliativo Não-Cirúrgico para Câncer Pancreático Estabelecendo o diagnóstico e aliviando os sintomas de icterícia, obstrução ao esvaziamento gástrico e a dor são os objetivos do tratamento não cirúrgico. O diagnóstico patológico pode ser feito por punção aspirativa percutânea por agulha fina do tumor ou das metátases. A descompressão do trato biliar pode ser feita usand-se endoscópio, ou por meio de abordagem transcutânea percutânea. A obstrução do esvaziamento do conteúdo gástrico pode ser aliviada por posicionamento endoscópico de próteses metálicas endoluminais expansíveis no interior do duodeno. A dor pode ser tratada com analgésicos administrados por via oral ou transdérmica. Medicações narcóticas podem ser necessárias. Quando ou se essa conduta falha, o bloqueio percutâneo do plexo celíaco, guiado por TC ou ultra-som endoscópico pode ser útil. Tratamento Paliativo Cirúrgico Pancreático A paliação cirúrgica é empregada para pacientes que estão sendo submetidos a laparotomia por doença antecipadamente ressecável, e descobertos serem irressecáveis durante a operação. Nesta situação, a descompressão do trato biliar pode ser conseguida com a criação de uma colecistojejunostomia ou uma coledocojejunostomia. A obstrução duodenal pode ser tratada com a criação de gastrojejunostomia latero-lateral, na qual uma alça jejunal précólica é anastomosada à parede posterior do antro gástrico. A paliação da dor pode ser alcançada pela injeção de álcool no plexo celíaco e alguns cirurgiões praticam o bloqueio do plexo celíaco no momento da operação. Terapia Quimiorradioterápica Muitos protocolos têm sido descritos para tratamento quimiorradioterápico de câncer pancreático recorrente ou irressecável. Na maior parte, os melhores resultados têm sido obtidos com o uso de radioterapia combinada com 5-fluorouracil ou gencitabina. Pacientes submetidos à ressecção podem se beneficiar de quimiorradioterapia adjuvante.