MADRUGADAS TENDENCIOSAS AO ABISMO DE SI Leonardo

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MADRUGADAS TENDENCIOSAS AO ABISMO DE SI
Leonardo Leite de Andrade1
Barbara Távora de Sousa Martins2
Resumo: Eis a vida, os encontros e os roubos. Eis a potência que imanentemente se faz um devir
forte, sutil e divino, desses difíceis de explicar, mas facilmente perceptíveis ao sentir, ao encontrar,
ao tentar se encontrar, ou até ao se perder nesta procura. Deus é a fé, a fé é a esperança. Nesta carta
feita numa madrugada de sexta fica clara a paradoxal relação que nasce no encontro de duas almas
que buscam uma produção estética da existência incessantemente. Ficam mais ainda claros o roubo,
a paixão, o afeto, o afetar, o afetar-se, as multiplicidades. Quanto mais se quer conhecer o outro,
mais há a necessidade de conhecer-se, de buscar-se. O caos é necessário, é a luz para encontrar o
caminho que te leve até você mesmo. Deixar devir o caos, a vida, é construir o próprio mapa que
talvez não leve a lugar nenhum, a não ser para o abismo infinito de si.
Palavras-chave: Devir; Encontro; Afeto; Imanência; Potência.
Uma interrogação se faz afirmativa neste exato segundo de luz. Onde loucos iremos parar
com tantos questionamentos? Asneiras se transferem superiormente a tantas perguntas, como se o
simples não fosse suficiente. Não é. Mas é, porque ele se faz presente na base de toda e qualquer
equação de vida. Equação sem solução? Requer prática? Exercício? Aprovação? Aulas? Uma
intervenção quase que cirúrgica impondo a alma um coma, uma parada de vida. Ah amigo estelar,
vive ! VIVE! Para de pensar um pouco. Pega leve nessa coisa de ser louco. Encontros e
desencontros são realmente tontos.
A teoria dos afetos de Espinosa me acendeu como um sol nascente sobre o mar. O estelar
poder por ser potência, a famosa potência que exerce seu poder imanente. Que se dá na nossa
relação, em todas e quaisquer mais. Ah, relaxa nessa coisa de afeto, de afetar o outro. “Há devires
1
Graduando em Psicologia pela Universidade Tiradentes (UNIT), bolsista de iniciação científica pelo programa PIBICCNPq e membro do Grupo de Pesquisa em Educação, Cultura e Subjetividade (GPECS/UNIT/CNPq).
[email protected]
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Graduada em administração pela Universidade Tiradentes (UNIT) e membro do Grupo de Pesquisa em Educação,
Cultura e Subjetividade (GPECS/UNIT/CNPq). [email protected]
ALEGRAR - nº16 - Dez/2015 - ISSN 18085148
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que se operam em silêncio, que são quase imperceptíveis” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 10).
Nessa linha de pensamento relaciono o conceito de devir imperceptível, inteiro imanente, com as
singelas sensações, com as sutis percepções, daquelas que arrepiam a espinha ereta da divindade
que nos habita. Deleuze acaba por virar o meu caso extraordinariamente conjugal. Visceral.
Proposital. Esse tal imperceptível devir deve ter com o afeto uma ligação celestial. Estou até
rimando! Que tal? (risos felizes numa madrugada inspirada de sexta) Te gosto Leozinho! Logo não
aprecio essa tua tentativa equivocada de querer me encontrar ou de querer se achar em mim.
Não seria isso aí um devir Deleuziano? O ápice do meu limite foi atingido. Veja bem, na
primeira parte da Ética (1983): Espinosa diz: "Tudo o que existe, existe em si ou noutra coisa."
Sinto o deslumbre de existir em você, no céu, no mar e vice versa. E ainda “O que não pode ser
concebido por outra coisa deve ser concebido por si" (1983, p. 77). Assujeite-se. Conduza-se zém à
morte, à vida. Transforme-se, reinvente-se, mude, confie no fluxo do seu imanente devir, confie em
mim.
(Suspiros profundamente exotéricos) Floresce aquela vertigem sutil carregando o
paradigma de transformar algo puro, natural e divino num turbilhão de explosões mentalmente
catastróficas. O surrealista poeta brasileiro Roberto Piva, outro dia me aparece em pesquisas
bibliográficas dessas da vida acadêmica. Me sugou de tal jeito que estou com ele aqui agora, na
ponta da língua mental após o brotar dessa flor vertiginosa, o “Poema Vertigem” e lá vai um
pedacinho seu: ... Eu sou uma metralhadora em estado de graça. Eu sou a pomba-gira do
Absoluto...” Depois procura esse poema, lê todo.
Eu deveras concordo com o pensamento Deleuziano que Deus é tudo o que há, é causa, é
consequência, e todo o resto é edificado por entre substâncias divinas, nós saímos do seu ventre
celestial, assim como a natureza, os animais. Assim como esse nosso desencontro. Ele ainda
delicadamente diz "[...] Alma e corpo são um só e mesmo indivíduo, concebido ora sob o atributo
do pensamento, ora sob o da extensão" Deixa devir! Deixa um pouco mais! Acredita uma vezinha
só vai.
Sabe do que mais? E se realmente sempre há um roubo e uma paixão em toda relação? Não seria
coisa deveras bonita então? Sim, eu sei o quanto existem paixões que nos roubam de nós, que nos
fazem algoz. Para e olha como essa vibração é que nos impulsiona para o alto do abismo do
despertar, para a beira do precipício do olhar. Se tu mudas o teu jeito de olhar, tu mudas toda a tua
vida. Deixa fluir...
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A vespa é a orquídea e a orquídea é a vespa. Eu sou você e você sou eu. E nós juntos,
separados, encontrados ou desencontrados, somos Deus. Basta deixar devir que verás que somos
um. Não pense que me engana, não queria dispistar-me. Chega de retóricas inteligentemente
filosóficas que me tiram o eixo e me fazem perder a memória de algum mínimo bom senso ou
razão. Todo o nosso conhecimento irá respingar sobre a nossa maneira de viver. As pessoas vivem o
que elas apreendem. As pessoas vivem o que são. O que você vive? Não me/se enrola. Cadê o teu
mapa?
Sabe de mais o que? Vou é dormir nos embalos da “Filosofia” de Noel Rosa. Boa
madrugada para você!
O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia
Bárbara,
Estou emocionado com tua carta, pude sentir toda a potência imanente que contém no
corpo do teu texto, mas por que perguntar-lhes: e por acaso é possível só querer Bárbara? Quando
tu dizes: “Te gosto Leozinho! Logo não aprecio essa tua tentativa equivocada de querer me
encontrar” Já nos encontramos a tanto tempo que nem sabes, o quanto já estou afectado por ti, e o
quanto tu estás afectadas por min. Muito de mim é teu, e vice-versa, a ponto de que poderiamos
sequer a apagar nossos nomes deste texto, e não alteraria, coisa nenhuma. Quer experimentar?
[Apague os nomes] Mas por favor, te peço, não faz afiliações de mim. Sou filho de inúmeras tribos,
em meus delírios tudo isso fica mais evidente. Há tantas raças em min... Sou mil bichos. Mil bichas.
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Eu tenho Zumbi, Besouro, o chefe dos tupis
Sou Tupinambá, tenho os erês, caboclo boiadeiro
Mãos de cura, morubichabas, cocares, arco-íris
Zarabatanas, curare, flechas e altares
(BETHÂNIA; PINHEIRO, 2013)
Como Bethânia canta, “vivo de cara pra o vento na chuva”, ando por matas escuras, e não
tenho medo de me perder, pelo contrário, quero me encontrar. Ou será que é muito diferente o que
digo? Perder... encontrar? Será coisa assim tão distinta...? Perco-me cada vez mais neste texto,
lendo e escrevendo seu/nosso texto, costurando, bordando essas palavras, com uma agulha tão fina,
e paradoxalmente vou produzindo cada vez mais algo de luminoso e desconhecido,
verdadeiramente uma hecceidade.
Quantos artigos indefinidos será que é possível agenciar? Um hecce... Uma intensidade...
Uns devires... Umas flores e campos... “Ao artigo indefinido nada falta, ele não é indeterminado ou
indiferenciado, mas exprime
a pura determinação de intensidade, a diferença intensiva.”
(DELEUZE; GUATTARI, 1996 . pg. 27). Condutor de desejo.
Tu pode ainda mais, te digo. Seu limite ainda não foi alcançado de maneira alguma.
Monismo. Devir. Intensidades... Deixa devir Barbara. Faz meu mapa, se os encontros se operam por
roubos, criação, diferença... Faz meu mapa, que tanto quer conhecer. Demarca minha linhas, sem
fazer filiações, sem aprisioná-las. Demarca as linhas e segue-as. Não há segredo para o mapa. Esse
é o mapa. Deixar devir, serpenteiar-se com as linhas, com os caracóis, com o tempo ensolarado,
com as luas, com os lobos, com os caranguejos e suas pinças. Só não olhes para o lago. O Lago que
reflete o brilho esplendor da lua, falo aqui de número especial, 18. Ainda assim me forço, queria
escrever um mapa. Mas tal como Clarice angustia-se penso: esgotaram-se todas as palavras e todos
os significados. Somente seria possível escrever no “som harpeado e agreste a sucata da palavra”
(LISPECTOR, 1978 p.6). Fazendo espirais no ar, já conseguistes ver? Tal como a profecia de
Pascal, lhe digo: faz de teu caos um objeto de afirmação. Para que nesse universo molecular e
intensivo dos encontros, o tudo não possa retornar, mas sim, somente as dessemelhanças mais
intensivas da diferença.
Devemos ser como o pai que, em face da criança que disse todos os
palavrões que sabia, a censura não somente por ter ela procedido mal, mas
porque disse tudo de uma vez, porque nada guardou e nenhum resto deixou
para a sutil matéria implicada no eterno retomo. (DELEUZE, 1988. pg. 214)
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Referências
BETHÂNIA, Maria. Carta de Amor (Faixa 12). in Carta de Amor Ato 2. Interprétes: BETHÂNIA,
Maria. Biscoito Fino. 2013. 1CD
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix; Mil platôs-vol. 3. Editora 34, 1996.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Trad Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta,
1998;
ESPINOSA, Baruch. Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
LISPECTOR, Clarice. Um sopro de vida. Nova Fronteira, 1978.
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