Distritos Marshallianos, Italianizados, Clusters ou APL? A panacéia para a leitura de um novo rural Rogério R. Jorge - Doutorando do Depto. de Geografia, sob orientação do Prof. Dr. Júlio César Suzuki (FFLCH/USP) e membro do Grupo de Pesquisa "Agricultura e Urbanização" [email protected]. Resumo Este artigo tem como objetivo expor e analisar alguns arranjos territoriais industriais, aplicados à leitura do campo, para a construção do desenvolvimento que não esteja, necessariamente, ligado à produção agropecuária. Para tanto são analisados os distritos industriais marshallianos, distritos italianizados, clusters e os arranjos produtivos locais. De maneira sucinta, os exemplos apresentados possibilitam inferir que: os arranjos territoriais industriais são conjuntos de empresas ligadas sobre um território onde é bastante evidente a natureza de suas vantagens, que por sua vez são as geradoras da proximidade. Contudo, as pesquisas sobre estes arranjos parecem estar muito distantes das nuanças que possam ser levadas em consideração na constituição de um conceito mais abstrato e genérico do fenômeno. Palavras-chave Desenvolvimento territorial rural, distritos industriais marshallianos, cluster e arranjos produtivos locais. Introdução Este artigo se propõe rediscutir alguns conceitos de arranjos territoriais industriais, aplicados à leitura do campo, para a construção de um outro desenvolvimento. Este desenvolvimento, não viria necessariamente da dinamização das atividades agropastoris, mas de um número crescente de territórios que por meio, principalmente da indústria, exploram suas vantagens comparativas. Este fenômeno é notado há pelo menos duas décadas, quando numerosos trabalhos de estudos regionais vêm inserindo o espaço na tentativa de se compreender fenômenos de desenvolvimento localizados. O espaço deixou de ser o lugar onde se inscrevem os fenômenos econômicos e passou a ser um fator por meio do qual se estabelecem seus modos de organização e sua dinâmica. Para tanto, partiremos da apresentação e análise da noção de distrito industrial e como esta representa, na literatura econômica recente, um dos eixos maiores a partir do qual se cristalizou a reflexão consagrada às relações entre indústria e território. O conceito de distrito industrial encontra sua origem na releitura teórica da obra de Alfred Marshall e, especificamente, na parte de seu trabalho consagrada à análise do fazer industrial. 1. Além do nível local Há mais de uma década a notícia de que algumas regiões rurais estancaram o expurgo de seus moradores deixou de ser novidade. Tanto na Europa, fenômeno primeiramente notado por Kayser (1993), quanto no Brasil, exaustivamente documentado pelo “O Novo Rural Brasileiro” (Graziano da Silva & Campanhola, 2000), alguns espaços rurais têm oferecido atrativos importantes, que não só mantêm estáveis como até mesmo propiciam o crescimento demográfico de suas populações. Se de um lado Kayser vislumbrava com este crescimento um “Renascimento do Rural”, de outro Graziano da Silva (1997, p. 82) entende que estes novos moradores são aqueles que vêm sendo expulsos do meio urbano, principalmente devido aos elevados custos de moradia, assim como pela oferta de emprego nas frentes abertas devido ao crescimento do número de segundas-residências, chácaras e sítios de fim de semana etc.. Diante deste novo panorama do espaço rural brasileiro, Veiga (1999) direciona sua atenção à conjunção de atrativos e atividades econômicas que poderiam impulsionar o desenvolvimento localizado, entendendo que nem sempre o incremento populacional rural implica na deterioração da qualidade de vida de seus novos moradores ou mesmo daqueles que não decidiram emigrar. Não obstante a controvérsia entorno das causas e das conseqüências do crescimento demográfico de algumas regiões rurais, é consenso que ela não se dá pela intensificação e modernização tecnológica das atividades agrícolas. Nos Estados Unidos, Galston & Baehler (1995, p. 152-160) diagnosticaram uma dramática metamorfose, que coloca cada vez mais em segundo plano as atividades primárias nos espaços rurais. Segundo eles, este processo se deve à percepção de que haveria poucas chances de sucesso se se continuasse investindo esforços em estratégias rurais baseadas na expectativa de elevação sustentada dos preços das commodities agrícolas. Um aumento da produção, contudo, não é acompanhado de um aumento do número de empregos ou ocupações. Infelizmente, observa-se que tanto nas atividades agropastoris, como na indústria ou na extração de produtos primários, o incremento da produção é seguido por uma redução dos postos de trabalho. Mesmo diante de perspectivas pouco favoráveis ao crescimento do emprego na pecuária e na agricultura, os espaços rurais podem reservar algumas esperanças de desenvolvimento. O dinamismo de algumas regiões rurais dos países da OCDE pode ser interpretado como um destes possíveis caminhos. A transformação estrutural da produção e das ocupações, segundo Galston & Baehler (1995, p. 158-160), trouxe consigo uma profunda heterogeneidade na distribuição espacial dos empregos. O fato das atividades primárias estarem, em função dos determinantes naturais, forçosamente, muito mais presentes nas zonas rurais não quer dizer que os setores secundário e terciário sejam obrigatoriamente muito mais recorrentes nas zonas urbanas. Ainda nesse sentido, Veiga et alii (2001, p. 14 e 15) apontam que o emprego industrial é mais significativo nas regiões relativamente rurais do que nas essencialmente urbanas, chegando mesmo a ser muito mais rural que urbano em países nórdicos, como a Noruega e a Suécia. Já os serviços têm quase o mesmo peso em regiões essencialmente urbanas e relativamente rurais, sendo extraordinariamente importantes nas regiões essencialmente rurais da Bélgica. No caso brasileiro, pesquisas já levantam suspeitas de que certas regiões rurais apresentam algumas características semelhantes às dos países do hemisfério norte. Provavelmente, isto se deve ao fato de que trabalhadores rurais ocupados em outras atividades sempre têm uma renda média maior que a dos trabalhadores agrícolas. (Graziano da Silva, 1997). Além disso, em diferentes áreas rurais de países da União Européia podem ser observadas grandes variedades de exemplos de territórios com atividades econômicas especializadas, que são capazes de vencer as recessões e oscilações da economia. Este fato levou pesquisadores ligados à OIT a investigarem se essa virtuosa combinação entre eficiência e altos níveis de emprego poderia se tornar um modelo para outras regiões (Veiga, 1999). Mesmo diante de perspectivas tão favoráveis, ainda parece ser prematuro considerar que tais exemplos manifestam a possibilidade de um desenvolvimento regional independente em relação a tendências dominantes, sem a concentração econômica e urbana geralmente associada ao processo de industrialização. De qualquer forma, nestes territórios podem ser observadas as mais diversas combinações entre os vários tipos de atividade econômica que permitem elevar os níveis de renda, educação e saúde de muitas populações que continuam rurais. As novas fontes de crescimento dos espaços rurais estão principalmente ligadas a peculiaridades dos patrimônios natural e cultural, o que, por sua vez só reafirma o contraste entre os contextos ambientais do campo e da cidade. Por outro lado, os espaços rurais dos países desenvolvidos que permaneceram subdesenvolvidos apresentam a característica comum de não conseguirem explorar qualquer vocação que os conecte às dinâmicas econômicas de outros espaços – sejam eles urbanos ou rurais – e não aqueles que teriam sido capazes ou impossibilitadas de se urbanizar. Desta gama de atividades econômicas que têm auxiliado vigorosamente o desenvolvimento de territórios rurais, a que mais chama atenção são as pequenas e médias indústrias (PMI). Estas têm sido responsáveis pela geração de novos postos de trabalho, melhoria da capacitação de seus funcionários, criação de vínculos associativistas locais – até mesmo entre empresas concorrentes - e intermunicipais, divulgação de marcas de qualidade de produtos fortemente vinculados aos seus territórios etc. É no início da década de 1970 que a literatura específica se dá conta destes territórios muito particulares. Aquele momento apresenta ao mundo uma nova crise generalizada, que traz à tona o agravamento dos déficits públicos, incitando os mais diferentes Estados a promoverem processos de descentralização e regionalização da gestão de bens coletivos locais (Benko, 2001, p. 117-120). Na França, Alemanha e Itália, principalmente, os atores sociais são impelidos a repensar o sistema produtivo, deslocando, progressivamente, o sistema de montagem em grande escala, para uma produção segmentada em rede. Neste contexto, as pequenas empresas – freqüentemente fruto de iniciativas locais – começam a conhecer um maior sucesso, ainda que as transnacionais continuem dominando a economia em um cenário reorganizado. Aquele momento chama atenção às já existentes, porém pouco estudadas, relações entre os atores locais. O ordenamento do território, a cargo do poder central até a década de 1980, passa a ser delegado às coletividades territoriais, configurando um novo paradigma de desenvolvimento, marcado pela abreviação dos circuitos entre os tomadores de decisão e seus territórios. Lipietz (2001, p. 114-118) observa uma nova forma de gerir o território, fundada na qualificação, na reciprocidade e na mobilização do tecido social local, permitindo criar mais empregos e mais riquezas para a população local, em nível igual de salários e outros encargos para os empregadores e para um mesmo nível de equilíbrio comercial entre a área considerada e o resto do mundo. É neste contexto que o território passa a ser visto como peça fundamental no entendimento do desenvolvimento dos espaços rurais, quando é possível distingui-lo como um processo social que proporciona a individualização dos atores envolvidos em sua construção por meio, principalmente, da valorização de seu patrimônio (Jorge, 2003, p. 52). Diante da reestruturação da produção e seus desdobramentos, os governos são incitados a descentralizar a gestão de bens coletivos locais, tais como educação, infra-estruturas dos transportes etc. Assim, o desenvolvimento “de cima para baixo”, gerido unicamente pelo Estado, é substituído por aquele que se inicia “a partir da base”. Nesta empreitada, economistas, geógrafos e planificadores desempenham um papel muito interessante para repensar formas alternativas pelas quais as atividades existentes seriam sustentadas ou transformadas de maneira a manter os salários, oferta de infra-estrutura social e qualidade de vida, relativamente elevadas. É neste contexto que os distritos industriais marshallianos e arranjos territoriais assemelhados retornam ao campo das análises acadêmicas. Estas pesquisas têm sido fundamentadas em métodos indutivos, procurando exceções à regra e estudando a estrutura e o modo de funcionamento de "lieux-aimant". Ou seja, busca-se ampliar os conhecimentos sobre regiões rurais que se tornaram vitoriosas na geração de empregos, no saneamento de problemas educacionais, na inovação tecnológica, etc. Uma fórmula procurada por todos – nestes lugares-ímã - tem sido a de uma spécialisation dans la flexibilité ou de um Nouveau District Industriel, baseado no fenômeno de uma dinamização de indústrias coroadas de sucessos. Estes novos distritos industriais, segundo Markusen (2000, p. 9497), devem sua qualidade “magnética” ao papel de pequenas empresas inovadoras, integradas a um sistema de procedimentos industriais que lhes dá a possibilidade de se adaptarem e de se abrirem, apesar das tendências da globalização. Por outro lado, as relações de proximidade também conferem vantagens quando fica mais aparente a importância conferida aos custos de transação, geralmente atribuídos à distância. Um produtor individual preferirá localizações que possam se beneficiar de uma demanda forte, de uma disponibilidade de inputs particularmente atraentes. Assim, este local escolhido terá grandes possibilidades de se encontrar nas regiões onde, geralmente já foram preferidos por outros produtores (Méo, 2000, p. 174). 2. Os distritos industriais marshallianos O “magnetismo” não vem da simples observação do fenômeno industrial há muito presente do nordeste italiano. Na verdade, os economistas italianos Giacomo Becattini e Gioacchino Garofoli foram os "redescobridores" desses distritos que, por sua vez, foram descritos pela primeira vez por Alfred Marshall, nas primeiras décadas do séc. XX. Naquele princípio de século, o economista inglês definiu distrito industrial como: uma aglomeração de PMI especializadas, atadas entre elas por relações de concorrência e cooperação (Corolleur, 2001). Estes locais possuem uma forte característica interna, que deriva de uma capacidade, muitas vezes hereditária, de negociar os moldes de cooperação entre capital e trabalho, entre bancos e indústrias etc. Outras características comuns são observadas por Markusen (2000, p. 99-103) nos distritos marshallianos, tais como: estrutura de atividades dominada pelas pequenas empresas locais; economias de escala relativamente frágeis; trocas substanciais entre compradores e fornecedores no interior do distrito; decisões dos investimentos mais importantes tomadas localmente; existência de contratos de acordos de longo prazo entre fornecedores e compradores locais; fraco nível de cooperação ou de relação entre empresas situadas fora do distrito, mercado de trabalho interno (no distrito) muito flexível; trabalhadores mais envolvidos com o distrito do que com as empresas; fortes taxas de imigração de trabalho e baixa taxa de emigração; construção de uma identidade cultural local própria, de apego; fontes especializadas de financiamento, de conselho técnico, de serviços às empresas, todos disponíveis no distrito, fora das empresas; e existência de um capital maîtrisé no distrito e perturbações mantendo boas perspectivas em longo prazo de crescimento e de emprego. A análise dos distritos marshallianos serve não somente ao entendimento dos processos citados acima, mas também busca dar pistas a respeito de algumas das características que determinariam a faceta empreendedora destas sociedades. Corolleur (2001) infere que o distrito industrial marshalliano apresenta a virtude de ser uma resposta do empreendedor à incerteza e também uma resposta adaptada a ambientes tecnológicos de mercado particulares. Este empreendedor toma suas decisões e as inscreve no tempo e no espaço. Marshall identifica como estes se desdobram, dispondo de meios limitados para responder aos mais distintos desafios dos problemas produtivos. Ele enfatiza que o meio influencia as decisões a serem tomadas tanto pelo indivíduo, quanto pelo empreendedor. O desejo de receber a aprovação e de se evitar a censura de seus pares de convivência é um estímulo à ação, assim: • os empreendedores seguem um código de comportamento, afim de não desgastarem o mercado sobre o qual exploram; • a inovação é produto de um processo coletivo. Marshall (1890, p. 126) chama a atenção para a inovação, que mobiliza mais que um ator e que a sua organização auxilia no processo de produção de conhecimento, e que ela se desenvolve de forma cumulativa; • a proximidade geográfica, entre outros fatores, favorece a difusão de economias externas, tanto pecuniárias1., quanto tecnológicas. A partir deste ponto de vista, o distrito industrial surge para o empreendedor marshalliano como estruturas de informação, graças às quais ele toma suas decisões de produção e de investimento. Se o distrito é uma das formas de organização produtivas favoráveis ao aprofundamento da divisão do trabalho, é porque ele permite reduzir a dupla incerteza estratégica e sistêmica a qual se defronta o empreendedor marshalliano. O distrito também é visto como uma resposta organizacional à incerteza. O número e a diversidade de empresas e de trabalhadores é a prova da flexibilidade destas pequenas e médias indústrias (PMI). Assim sendo, recorrer à sub-contratação de mão-de-obra ou de outros serviços é um meio das empresas possuírem uma margem de manobra em caso de má apreciação da demanda pelo empreendedor, no momento da decisão em relação aos investimentos. A intervenção de negociadores que têm um melhor conhecimento dos mercados, assim como as cooperações inter-empresas, permitem ao conjunto reduzir a incerteza, podendo determinar a concepção, a produção ou a distribuição dos mercados. 3. A III Itália Apesar dos distritos marshallianos serem descritos como fenômenos tipicamente rurais de um universo britânico do princípio do século XX, formações com alguns traços semelhantes puderam ser observadas no final da década de 1970, no nordeste da Itália. Este período é marcado pela profusão de estudos que tinham em comum a oposição à idéia de dicotomia entre a Itália industrializada do norte e a agrícola do sul. Um dos resultados destes trabalhos foi a proposição do termo "III Itália", que designava a exuberância econômica desses distritos, entendidos como um grande complexo produtivo, no qual a coordenação entre as diferentes fases e o controle da regularidade de seu funcionamento não são submetidos a regras pré-estabelecidas ou a mecanismos de hierarquia como acontece nas grandes empresas. Courlet (2001a, p. 101) afirma que nestes distritos, ao contrário do que se passa nas cidades manufatureiras, tende a haver um processo de osmose entre a comunidade local e as empresas. Afora isso, eles são amplamente capazes de cobrir o conjunto do ciclo produtivo (criação, produção, comercialização nacional e internacional) e mantém um setor de criação e de produção de máquinas ligadas às suas atividades. Atualmente, muitas das características apontadas nos distritos italianos são notadas em distritos fora da península. Markusen (2000) chega a denominá-los "distritos italianizados" ou "variante italianizada", tentando resumir a noção de arranjo produtivo, que sugere que o caráter atrativo de um lugar não reside no cálculo individual de localização destas empresas ou dos seus trabalhadores mas nas economias externas que cada empresa realiza com suas homólogas e seus prestadores de serviços graças a sua situação espacial. Assim, pode-se desprender que as três principais características observadas nos distritos italianos são: forte incidência de trocas de pessoal entre clientes e fornecedores; forte cooperação entre empresas concorrentes para dividir riscos, estabilizar o mercado e dividir as inovações; agrupamentos comerciais vigorosos permitem uma parceria de infra-estrutura – administração, formação, marketing, ajuda técnica ou financeira: mecanismos de parceria e de limitação de riscos; importante papel da administração local para regular e promover as principais indústrias. Nota-se que o distrito industrial italiano, ou mesmo o "italianizado" não deve ser entendido como um sistema fechado, e sim como um organismo aberto ao exterior. Além disso, este fenômeno chamou muita atenção dos pesquisadores quando foram observados os seus excelentes desempenhos no que diz respeito às exportações. Esta abertura ao exterior não se dá somente pelas exportações, ela também se deve à tecnologia e a sua admirável capacidade de absorção. O desenvolvimento dos distritos industriais se efetua em um espaço que é típico das comunas italianas (Fuà, 1985 apud Courlet, 2001a, p. 50), pulverizado por médias cidades ou pequenos núcleos urbanos. Estes são centros com funções urbanas diversas e com características como: a tradição de administração local e democrática eficazes, o proveito de uma intensa atividade comercial, das profissões liberais e do artesanato. Alguns desses territórios são de formação recente, enquanto, muitos outros se originaram no séc. XIX, e até mesmo no séc. XVII. Trata-se de regiões onde os agricultores familiares encontraram um complemento aos seus fracos rendimentos e, muitas vezes, acabaram por desenvolver uma primeira atividade industrial. Courlet (2001a, p. 24) aponta que, geralmente, esta ligação entre a indústria e a produção agrícola, ainda está presente na atualidade. A partir destas pequenas iniciativas, esta estrutura permitiu que a indústria se baseasse na reprodução econômica e social de domínio familiar e rural (oferta de mão-deobra flexível e de baixo custo e organização da pluriatividade no seio da família). Toda esta flexibilidade está calcada na pequena dimensão das unidades de produção, sobre a densidade de relações entre estas e na rapidez de resposta das empresas às novas condições internas e externas à região. Entretanto, nota-se que a flexibilidade também se manifesta na capacidade de adaptação às novas tecnologias. O autor observa a ousadia das PMI em se lançarem em tecnologias absolutamente novas, portanto, algo com resultados relativamente desconhecidos. 4. Os cluster do mundo subdesenvolvido Além dos distritos marshallianos e italianos, um outro tipo de arranjo territorial tem sido identificado quando pode ser observada uma certa concentração geográfica e setorial de empresas, com virtuosas combinações de eficiência e altos níveis de emprego, nunca ocorrendo de forma homogênea entre regiões de uma mesma nação. Este tipo de arranjo territorial denominado Cluster, com forte concentração empreendedora, (...) ”é caracterizado pela concentração espacial e setorial de empresas, em que o desempenho dessas, pelo menos parcialmente, é explicado pela interdependência existente entre as firmas.” (IGLIORI 2000, p. 127). Ainda argumenta que a interdependência entre estas firmas é decorrente da proximidade geográfica e setorial. Sua importância econômica estaria associada aos aumentos de competitividade, que podem ocorrer por meio da redução de custos, pela diferenciação qualitativa ou pela capacidade das firmas de responderem de forma ágil às mudanças das exigências do mercado. Todavia, nem todos os autores concordam com a amplitude da definição de Igliori. Entendem estes que a denominação, com as características apresentadas acima, seria mais apropriada para descrever as concentrações encontradas, exclusivamente, nos países em vias de desenvolvimento. Courlet (2001a, p. 39) entende que os clusters devem ser mais utilizados para designar aglomerações dos países subdesenvolvidos, principalmente após 1974, quando o fenômeno dos arranjos territoriais industriais em meio rural também se espalhou por estes países. Este termo seria mais pertinente que a terminologia distrito porque este último supõe atributos que não são verificáveis em pesquisas empíricas. Ele ainda observa que a noção de cluster exprime a idéia da concentração setorial e geográfica de empresas que, na verdade, também se constitui a base para noção tipicamente européia de "sistemas ou arranjos produtivos locais". Além disso, a cooperação interempresas e o papel do meio social, também podem ser apontados como características sempre presentes. Diversos exemplos podem ser lembrados no conjunto dos clusters industriais, como: Fès, no Marrocos; Ksar Hellal Sfax, na Tunísia; Vale dos Sinos e a microrregião de Franca, no Brasil etc. Nas primeiras etapas, em conjunto, a mobilização e a utilização de recursos aparecem em pequenas quantidades. Os pequenos produtores não adquirem equipamentos em conjunto para o processo de produção; eles podem se concentrar nas etapas mais específicas, deixando as outras etapas para outros empreendedores. As oficinas especializadas, que podem reparar e manter os equipamentos, permitem igualmente reduzir as descontinuidades tecnológicas. Assim, nestes locais, se fazem mais necessários os pequenos investimentos de capital, em vez dos mais vultosos. Além disso, as exigências de capital circulante também são afetadas pelo clustering. Quando os fornecedores especializados de matérias-primas e de componentes estão próximos, há uma necessidade menor de estocagem de inputs. Da mesma forma, somente pequenas quantidades de capital humano adicional são necessárias: o investimento de um único produtor na qualificação, provoca rendimentos crescentes na medida em que outros investirem em experiências complementares. O clustering também permite a mobilização e a utilização do "talento" do empreendedor. Ele proporciona a emergência de empreendedores mais comuns, em relação aos excepcionais, na medida em que possibilita o avanço, calculando-se os riscos que, na realidade, são pequenos. Os passos são modestos e calculados em razão da divisão do trabalho e da presença de economias externas. A ação coletiva igualmente permite reduzir a dimensão do "salto" paras os empreendedores individuais. Neste sentido, podemos inferir que, nos países em desenvolvimento, os clusters facilitam a mobilização dos recursos, reduzem os investimentos e os riscos dos empreendedores. 5. Uma noção mais abrangente, os arranjos produtivos locais No processo crescente de transposição e de alargamento do campo de pesquisas sobre arranjos produtivos, o distrito industrial vem perdendo seu rigor teórico, principalmente do ponto de vista de sua homogeneidade econômica e de suas características sócio-culturais. Courlet (2001b, p. 34) entende que não há somente aglomerações de empresas, organizadas na forma de distritos marshallianos, com sua densa rede de PMI e um mercado de trabalho interno flexível, que alcançaram o sucesso. A multiplicação de exemplos, ou apenas de denominações, mostra que os distritos marshallianos, italianos ou mesmo os clusters do mundo subdesenvolvido, não podem se tornar um paradigma para explicar os arranjos, em rápido crescimento nos países com os mais diversos níveis de desenvolvimento. É por isto que estas comparações entre países instigam um melhor exame da história da industrialização de cada um deles. Esta história deve estar mais voltada: ao papel das PMI e de sua cooperação no universo do território em questão; à importância dos efeitos da proximidade e do contexto territorial nas relações inter-empresas e na relação das empresas com seu ambiente sócio-cultural e institucional. Estes seriam os elementos levados em consideração na noção de arranjos produtivos locais. Apesar da "Babel" criada a partir destas idéias e definições, permanece muito atual e pertinente o admirável desempenho econômico e social destes arranjos. Assim, pergunta-se se a virtuosa combinação de eficiência e altos níveis de emprego poderiam se tornar um modelo para outras regiões, que se encontravam além dos limites italianos ou dos de seus congêneres espalhados, principalmente pela Europa ocidental e, mais recentemente por alguns territórios nos países subdesenvolvidos. Segundo Veiga (1999), esta foi a interrogação que estava no centro das preocupações que levaram à formação do Grupo Europeu de Pesquisas sobre os Ambientes Inovadores (Gremi) que se propunha a entender os processos coletivos de aprendizagem. Os desdobramentos do amplo debate que se seguiu foram evidenciando os limites da noção de “distrito”, fazendo com que, paulatinamente, se preferisse a noção mais ampla de “sistemas produtivos locais" (Local Productive Systems), traduzidos no Brasil como "Arranjos Produtivos Locais" (APL), às noções apresentadas anteriormente. Pode-se aplicar a noção de APL a cada modelo de organização da produção que se baseie na presença de economias externas e de conhecimentos nãotransferíveis e na introdução de formas específicas de regulação que identificam e salvaguardam a originalidade da trajetória de desenvolvimento. O interesse nos APLs está no papel essencial que o território desempenha no processo de desenvolvimento local, uma vez que estes arranjos baseiam-se em uma forte identidade que possibilita às coletividades locais se protegerem e se reproduzirem. Os APLs não apresentam suas dinâmicas unicamente vinculadas à grande empresa, a uma forte divisão do trabalho (como é apontado por muitos, no caso dos distritos industriais marshallianos) e que pode incluir processos de desenvolvimento que se baseiam em mecanismos de reprodução social, com a emergência de um novo empresariado por meio de mecanismos de imitação e de spin off 2. (COURLET, 2001b, p. 92-96). O APL é um sistema que resulta de vantagens recíprocas de que desfrutam as empresas situadas em um mesmo território. Duas nuanças mostram-se importantes. A primeira variante diz respeito à natureza de suas atividades: de um lado estão as atividades similares, nas quais as empresas desenvolvem a cooperação em atividades "periféricas" como: transportes, exportações, qualificação de trabalhadores, eventual partilha do mercado etc.; de outro lado, as atividades complementares que correspondem, de preferência, a um aprofundamento da divisão do trabalho entre as empresas, mas que conduzirão à realização de um produto único. A segunda variante concerne à intensidade das cooperações. Neste grupo estão, por exemplo, os modelos de associação industrial tradicional (como os clubes de empresas), redes de produção conjunta (os distritos industriais), formas de cooperação para o desenvolvimento (diversas formas de colaboração para a aprendizagem) ou redes de bases sobre recursos partilhados (rede de marketing conjunto, por exemplo). A estas características mencionadas, deve-se acrescentar um ambiente ativo (com abrangência institucional) aglutinado pelo funcionamento do conjunto do APL. Assim, o conjunto destes elementos define um arranjo que pode ser mais ou menos complexo. Considerações finais Apesar dos arranjos territoriais se colocarem como alternativas promissoras no desenvolvimento de regiões rurais, ainda que seus mecanismos de reprodução sejam desconhecidos e que as teorias reveladoras de seus mistérios sejam insuficientes, nota-se uma euforia desmesurada em torno dos mesmos. Nos mais diversos países comissões governamentais de estudos são criadas para se buscar a replicação dos arranjos em regiões rurais deprimidas. Ainda neste sentido, Sachs (2002), por exemplo, chega a dizer que a classe empresarial brasileira, diante dos auspiciosos resultados econômicos e sociais destes arranjos, tende a “ver cluster” em todas as empresas que se avizinham. Já no campo acadêmico, a panacéia de caracterizações e definições de arranjos produtivos com base territorial descrita anteriormente não parece apresentar distinções que possibilitariam demarcar com precisão as características muito particulares dos diversos assemelhados. Em linhas gerais, os exemplos demonstrados anteriormente possibilitam a seguinte aproximação: estes arranjos territoriais são conjuntos de empresas ligadas sobre um território onde é bastante evidente a natureza de suas vantagens (externalidades positivas, melhoria da coordenação dos atores no território, laços de afetividade, redução dos custos de transação etc.), que por sua vez são as geradoras da proximidade. Contudo, as pesquisas sobre estes arranjos - ou as tentativas de definições destes - parecem estar muito distantes das nuanças que possam ser levadas em consideração na constituição de um conceito mais abstrato e, portanto, genérico do fenômeno. Notas 1. São as externalidades nascidas das imperfeições do mercado, tanto do lado da oferta quanto da demanda. Os efeitos do tamanho do mercado representam uma forma importante de economias externas financeiras, pois quanto maior é o mercado, mais as empresas individuais podem incrementar sua produção sem ter que reduzir seus preços. Um mercado cujo tamanho está em expansão oferece rendimentos crescentes. Os efeitos do tamanho do mercado podem funcionar em diferentes escalas geográficas, do nível internacional ao nível local. As externalidades técnicas se aplicam as situações onde existem os efeitos da prática (do treinamento) da função da produção de uma empresa sobre as funções de produção de outras firmas, enquanto, por exemplo, uma empresa faz uma inovação a outra firma pode imitá-la. 2. Distribuição, por uma empresa a seus acionistas, de bens específicos, especialmente ações de outra companhia ou nova empresa criada por tal distribuição, ou subsidiária transformada em companhia com razão social própria através do processo de desmembramento de corporações. Referências bibliográficas BENKO, George. Développement durable et systèmes productifs locaux. IN: DATAR. 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