I Encontro de Grupos de Pesquisa sobre Agricultura e Transfor

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Distritos Marshallianos, Italianizados, Clusters ou APL?
A panacéia para a leitura de um novo rural
Rogério R. Jorge - Doutorando do Depto. de Geografia, sob orientação do Prof. Dr. Júlio César
Suzuki (FFLCH/USP) e membro do Grupo de Pesquisa "Agricultura e Urbanização"
[email protected].
Resumo
Este artigo tem como objetivo expor e analisar alguns arranjos territoriais industriais, aplicados
à leitura do campo, para a construção do desenvolvimento que não esteja, necessariamente,
ligado à produção agropecuária. Para tanto são analisados os distritos industriais
marshallianos, distritos italianizados, clusters e os arranjos produtivos locais. De maneira
sucinta, os exemplos apresentados possibilitam inferir que: os arranjos territoriais industriais
são conjuntos de empresas ligadas sobre um território onde é bastante evidente a natureza de
suas vantagens, que por sua vez são as geradoras da proximidade. Contudo, as pesquisas
sobre estes arranjos parecem estar muito distantes das nuanças que possam ser levadas em
consideração na constituição de um conceito mais abstrato e genérico do fenômeno.
Palavras-chave
Desenvolvimento territorial rural, distritos industriais marshallianos, cluster e arranjos produtivos
locais.
Introdução
Este artigo se propõe rediscutir alguns conceitos de arranjos territoriais
industriais, aplicados à leitura do campo, para a construção de um outro
desenvolvimento. Este desenvolvimento, não viria necessariamente da
dinamização das atividades agropastoris, mas de um número crescente de
territórios que por meio, principalmente da indústria, exploram suas vantagens
comparativas. Este fenômeno é notado há pelo menos duas décadas, quando
numerosos trabalhos de estudos regionais vêm inserindo o espaço na
tentativa de se compreender fenômenos de desenvolvimento localizados. O
espaço deixou de ser o lugar onde se inscrevem os fenômenos econômicos e
passou a ser um fator por meio do qual se estabelecem seus modos de
organização e sua dinâmica. Para tanto, partiremos da apresentação e análise
da noção de distrito industrial e como esta representa, na literatura econômica
recente, um dos eixos maiores a partir do qual se cristalizou a reflexão
consagrada às relações entre indústria e território. O conceito de distrito
industrial encontra sua origem na releitura teórica da obra de Alfred Marshall e,
especificamente, na parte de seu trabalho consagrada à análise do fazer
industrial.
1. Além do nível local
Há mais de uma década a notícia de que algumas regiões rurais estancaram o
expurgo de seus moradores deixou de ser novidade. Tanto na Europa,
fenômeno primeiramente notado por Kayser (1993), quanto no Brasil,
exaustivamente documentado pelo “O Novo Rural Brasileiro” (Graziano da
Silva & Campanhola, 2000), alguns espaços rurais têm oferecido atrativos
importantes, que não só mantêm estáveis como até mesmo propiciam o
crescimento demográfico de suas populações. Se de um lado Kayser
vislumbrava com este crescimento um “Renascimento do Rural”, de outro
Graziano da Silva (1997, p. 82) entende que estes novos moradores são
aqueles que vêm sendo expulsos do meio urbano, principalmente devido aos
elevados custos de moradia, assim como pela oferta de emprego nas frentes
abertas devido ao crescimento do número de segundas-residências, chácaras
e sítios de fim de semana etc.. Diante deste novo panorama do espaço rural
brasileiro, Veiga (1999) direciona sua atenção à conjunção de atrativos e
atividades
econômicas
que
poderiam
impulsionar
o
desenvolvimento
localizado, entendendo que nem sempre o incremento populacional rural
implica na deterioração da qualidade de vida de seus novos moradores ou
mesmo daqueles que não decidiram emigrar.
Não obstante a controvérsia entorno das causas e das conseqüências do
crescimento demográfico de algumas regiões rurais, é consenso que ela não
se dá pela intensificação e modernização tecnológica das atividades agrícolas.
Nos Estados Unidos, Galston & Baehler (1995, p. 152-160) diagnosticaram
uma dramática metamorfose, que coloca cada vez mais em segundo plano as
atividades primárias nos espaços rurais. Segundo eles, este processo se deve
à percepção de que haveria poucas chances de sucesso se se continuasse
investindo esforços em estratégias rurais baseadas na expectativa de elevação
sustentada dos preços das commodities agrícolas. Um aumento da produção,
contudo, não é acompanhado de um aumento do número de empregos ou
ocupações. Infelizmente, observa-se que tanto nas atividades agropastoris,
como na indústria ou na extração de produtos primários, o incremento da
produção é seguido por uma redução dos postos de trabalho.
Mesmo diante de perspectivas pouco favoráveis ao crescimento do emprego
na pecuária e na agricultura, os espaços rurais podem reservar algumas
esperanças de desenvolvimento. O dinamismo de algumas regiões rurais dos
países da OCDE pode ser interpretado como um destes possíveis caminhos. A
transformação estrutural da produção e das ocupações, segundo Galston &
Baehler (1995, p. 158-160), trouxe consigo uma profunda heterogeneidade na
distribuição espacial dos empregos. O fato das atividades primárias estarem,
em função dos determinantes naturais, forçosamente, muito mais presentes
nas zonas rurais não quer dizer que os setores secundário e terciário sejam
obrigatoriamente muito mais recorrentes nas zonas urbanas. Ainda nesse
sentido, Veiga et alii (2001, p. 14 e 15) apontam que o emprego industrial é
mais significativo nas regiões relativamente rurais do que nas essencialmente
urbanas, chegando mesmo a ser muito mais rural que urbano em países
nórdicos, como a Noruega e a Suécia. Já os serviços têm quase o mesmo
peso em regiões essencialmente urbanas e relativamente rurais, sendo
extraordinariamente importantes nas regiões essencialmente rurais da Bélgica.
No caso brasileiro, pesquisas já levantam suspeitas de que certas regiões
rurais apresentam algumas características semelhantes às dos países do
hemisfério norte. Provavelmente, isto se deve ao fato de que trabalhadores
rurais ocupados em outras atividades sempre têm uma renda média maior que
a dos trabalhadores agrícolas. (Graziano da Silva, 1997).
Além disso, em diferentes áreas rurais de países da União Européia podem ser
observadas grandes variedades de exemplos de territórios com atividades
econômicas especializadas, que são capazes de vencer as recessões e
oscilações da economia. Este fato levou pesquisadores ligados à OIT a
investigarem se essa virtuosa combinação entre eficiência e altos níveis de
emprego poderia se tornar um modelo para outras regiões (Veiga, 1999).
Mesmo diante de perspectivas tão favoráveis, ainda parece ser prematuro
considerar
que
tais
exemplos
manifestam
a
possibilidade
de
um
desenvolvimento regional independente em relação a tendências dominantes,
sem a concentração econômica e urbana geralmente associada ao processo
de industrialização.
De qualquer forma, nestes territórios podem ser observadas as mais diversas
combinações entre os vários tipos de atividade econômica que permitem elevar
os níveis de renda, educação e saúde de muitas populações que continuam
rurais.
As
novas
fontes
de
crescimento
dos
espaços
rurais
estão
principalmente ligadas a peculiaridades dos patrimônios natural e cultural, o
que, por sua vez só reafirma o contraste entre os contextos ambientais do
campo e da cidade. Por outro lado, os espaços rurais dos países
desenvolvidos
que
permaneceram
subdesenvolvidos
apresentam
a
característica comum de não conseguirem explorar qualquer vocação que os
conecte às dinâmicas econômicas de outros espaços – sejam eles urbanos ou
rurais – e não aqueles que teriam sido capazes ou impossibilitadas de se
urbanizar.
Desta gama de atividades econômicas que têm auxiliado vigorosamente o
desenvolvimento de territórios rurais, a que mais chama atenção são as
pequenas e médias indústrias (PMI). Estas têm sido responsáveis pela
geração de novos postos de trabalho, melhoria da capacitação de seus
funcionários, criação de vínculos associativistas locais – até mesmo entre
empresas concorrentes - e intermunicipais, divulgação de marcas de qualidade
de produtos fortemente vinculados aos seus territórios etc.
É no início da década de 1970 que a literatura específica se dá conta destes
territórios muito particulares. Aquele momento apresenta ao mundo uma nova
crise generalizada, que traz à tona o agravamento dos déficits públicos,
incitando
os
mais
diferentes
Estados
a
promoverem
processos
de
descentralização e regionalização da gestão de bens coletivos locais (Benko,
2001, p. 117-120). Na França, Alemanha e Itália, principalmente, os atores
sociais
são
impelidos
a
repensar
o
sistema
produtivo,
deslocando,
progressivamente, o sistema de montagem em grande escala, para uma
produção segmentada em rede. Neste contexto, as pequenas empresas –
freqüentemente fruto de iniciativas locais – começam a conhecer um maior
sucesso, ainda que as transnacionais continuem dominando a economia em
um cenário reorganizado. Aquele momento chama atenção às já existentes,
porém pouco estudadas, relações entre os atores locais. O ordenamento do
território, a cargo do poder central até a década de 1980, passa a ser delegado
às
coletividades
territoriais,
configurando
um
novo
paradigma
de
desenvolvimento, marcado pela abreviação dos circuitos entre os tomadores
de decisão e seus territórios. Lipietz (2001, p. 114-118) observa uma nova
forma de gerir o território, fundada na qualificação, na reciprocidade e na
mobilização do tecido social local, permitindo criar mais empregos e mais
riquezas para a população local, em nível igual de salários e outros encargos
para os empregadores e para um mesmo nível de equilíbrio comercial entre a
área considerada e o resto do mundo. É neste contexto que o território passa a
ser visto como peça fundamental no entendimento do desenvolvimento dos
espaços rurais, quando é possível distingui-lo como um processo social que
proporciona a individualização dos atores envolvidos em sua construção por
meio, principalmente, da valorização de seu patrimônio (Jorge, 2003, p. 52).
Diante da reestruturação da produção e seus desdobramentos, os governos
são incitados a descentralizar a gestão de bens coletivos locais, tais como
educação, infra-estruturas dos transportes etc. Assim, o desenvolvimento “de
cima para baixo”, gerido unicamente pelo Estado, é substituído por aquele que
se inicia “a partir da base”. Nesta empreitada, economistas, geógrafos e
planificadores desempenham um papel muito interessante para repensar
formas alternativas pelas quais as atividades existentes seriam sustentadas ou
transformadas de maneira a manter os salários, oferta de infra-estrutura social
e qualidade de vida, relativamente elevadas. É neste contexto que os distritos
industriais marshallianos e arranjos territoriais assemelhados retornam ao
campo das análises acadêmicas. Estas pesquisas têm sido fundamentadas em
métodos indutivos, procurando exceções à regra e estudando a estrutura e o
modo de funcionamento de "lieux-aimant". Ou seja, busca-se ampliar os
conhecimentos sobre regiões rurais que se tornaram vitoriosas na geração de
empregos,
no saneamento
de
problemas
educacionais,
na
inovação
tecnológica, etc. Uma fórmula procurada por todos – nestes lugares-ímã - tem
sido a de uma spécialisation dans la flexibilité ou de um Nouveau District
Industriel, baseado no fenômeno de uma dinamização de indústrias coroadas
de sucessos. Estes novos distritos industriais, segundo Markusen (2000, p. 9497), devem sua qualidade “magnética” ao papel de pequenas empresas
inovadoras, integradas a um sistema de procedimentos industriais que lhes dá
a possibilidade de se adaptarem e de se abrirem, apesar das tendências da
globalização. Por outro lado, as relações de proximidade também conferem
vantagens quando fica mais aparente a importância conferida aos custos de
transação, geralmente atribuídos à distância. Um produtor individual preferirá
localizações que possam se beneficiar de uma demanda forte, de uma
disponibilidade de inputs particularmente atraentes. Assim, este local escolhido
terá grandes possibilidades de se encontrar nas regiões onde, geralmente já
foram preferidos por outros produtores (Méo, 2000, p. 174).
2. Os distritos industriais marshallianos
O “magnetismo” não vem da simples observação do fenômeno industrial há
muito presente do nordeste italiano. Na verdade, os economistas italianos
Giacomo Becattini e Gioacchino Garofoli foram os "redescobridores" desses
distritos que, por sua vez, foram descritos pela primeira vez por Alfred
Marshall, nas primeiras décadas do séc. XX. Naquele princípio de século, o
economista inglês definiu distrito industrial como: uma aglomeração de PMI
especializadas, atadas entre elas por relações de concorrência e cooperação
(Corolleur, 2001). Estes locais possuem uma forte característica interna, que
deriva de uma capacidade, muitas vezes hereditária, de negociar os moldes de
cooperação entre capital e trabalho, entre bancos e indústrias etc.
Outras características comuns são observadas por Markusen (2000, p. 99-103)
nos distritos marshallianos, tais como: estrutura de atividades dominada pelas
pequenas empresas locais; economias de escala relativamente frágeis; trocas
substanciais entre compradores e fornecedores no interior do distrito; decisões
dos investimentos mais importantes tomadas localmente; existência de
contratos de acordos de longo prazo entre fornecedores e compradores locais;
fraco nível de cooperação ou de relação entre empresas situadas fora do
distrito, mercado de trabalho interno (no distrito) muito flexível; trabalhadores
mais envolvidos com o distrito do que com as empresas; fortes taxas de
imigração de trabalho e baixa taxa de emigração; construção de uma
identidade cultural local própria, de apego; fontes especializadas de
financiamento, de conselho técnico, de serviços às empresas, todos
disponíveis no distrito, fora das empresas; e existência de um capital maîtrisé
no distrito e perturbações mantendo boas perspectivas em longo prazo de
crescimento e de emprego.
A análise dos distritos marshallianos serve não somente ao entendimento dos
processos citados acima, mas também busca dar pistas a respeito de algumas
das características que determinariam a faceta empreendedora destas
sociedades. Corolleur (2001) infere que o distrito industrial marshalliano
apresenta a virtude de ser uma resposta do empreendedor à incerteza e
também uma resposta adaptada a ambientes tecnológicos de mercado
particulares. Este empreendedor toma suas decisões e as inscreve no tempo e
no espaço. Marshall identifica como estes se desdobram, dispondo de meios
limitados para responder aos mais distintos desafios dos problemas produtivos.
Ele enfatiza que o meio influencia as decisões a serem tomadas tanto pelo
indivíduo, quanto pelo empreendedor. O desejo de receber a aprovação e de
se evitar a censura de seus pares de convivência é um estímulo à ação, assim:
•
os empreendedores seguem um código de comportamento, afim de não
desgastarem o mercado sobre o qual exploram;
•
a inovação é produto de um processo coletivo. Marshall (1890, p. 126)
chama a atenção para a inovação, que mobiliza mais que um ator e que a
sua organização auxilia no processo de produção de conhecimento, e que
ela se desenvolve de forma cumulativa;
•
a proximidade geográfica, entre outros fatores, favorece a difusão de
economias externas, tanto pecuniárias1., quanto tecnológicas. A partir
deste ponto de vista, o distrito industrial surge para o empreendedor
marshalliano como estruturas de informação, graças às quais ele toma
suas decisões de produção e de investimento.
Se o distrito é uma das formas de organização produtivas favoráveis ao
aprofundamento da divisão do trabalho, é porque ele permite reduzir a dupla
incerteza estratégica e sistêmica a qual se defronta o empreendedor
marshalliano. O distrito também é visto como uma resposta organizacional à
incerteza. O número e a diversidade de empresas e de trabalhadores é a prova
da flexibilidade destas pequenas e médias indústrias (PMI). Assim sendo,
recorrer à sub-contratação de mão-de-obra ou de outros serviços é um meio
das empresas possuírem uma margem de manobra em caso de má
apreciação da demanda pelo empreendedor, no momento da decisão em
relação aos investimentos. A intervenção de negociadores que têm um melhor
conhecimento dos mercados, assim como as cooperações inter-empresas,
permitem ao conjunto reduzir a incerteza, podendo determinar a concepção, a
produção ou a distribuição dos mercados.
3. A III Itália
Apesar dos distritos marshallianos serem descritos como fenômenos
tipicamente rurais de um universo britânico do princípio do século XX,
formações com alguns traços semelhantes puderam ser observadas no final da
década de 1970, no nordeste da Itália. Este período é marcado pela profusão
de estudos que tinham em comum a oposição à idéia de dicotomia entre a
Itália industrializada do norte e a agrícola do sul. Um dos resultados destes
trabalhos foi a proposição do termo "III Itália", que designava a exuberância
econômica desses distritos, entendidos como um grande complexo produtivo,
no qual a coordenação entre as diferentes fases e o controle da regularidade
de seu funcionamento não são submetidos a regras pré-estabelecidas ou a
mecanismos de hierarquia como acontece nas grandes empresas. Courlet
(2001a, p. 101) afirma que nestes distritos, ao contrário do que se passa nas
cidades manufatureiras, tende a haver um processo de osmose entre a
comunidade local e as empresas. Afora isso, eles são amplamente capazes de
cobrir o conjunto do ciclo produtivo (criação, produção, comercialização
nacional e internacional) e mantém um setor de criação e de produção de
máquinas ligadas às suas atividades.
Atualmente, muitas das características apontadas nos distritos italianos são
notadas em distritos fora da península. Markusen (2000) chega a denominá-los
"distritos italianizados" ou "variante italianizada", tentando resumir a noção de
arranjo produtivo, que sugere que o caráter atrativo de um lugar não reside no
cálculo individual de localização destas empresas ou dos seus trabalhadores
mas nas economias externas que cada empresa realiza com suas homólogas
e seus prestadores de serviços graças a sua situação espacial. Assim, pode-se
desprender que as três principais características observadas nos distritos
italianos são: forte incidência de trocas de pessoal entre clientes e
fornecedores; forte cooperação entre empresas concorrentes para dividir
riscos, estabilizar o mercado e dividir as inovações; agrupamentos comerciais
vigorosos permitem uma parceria de infra-estrutura – administração, formação,
marketing, ajuda técnica ou financeira: mecanismos de parceria e de limitação
de riscos; importante papel da administração local para regular e promover as
principais indústrias. Nota-se que o distrito industrial italiano, ou mesmo o
"italianizado" não deve ser entendido como um sistema fechado, e sim como
um organismo aberto ao exterior. Além disso, este fenômeno chamou muita
atenção dos pesquisadores quando foram observados os seus excelentes
desempenhos no que diz respeito às exportações. Esta abertura ao exterior
não se dá somente pelas exportações, ela também se deve à tecnologia e a
sua admirável capacidade de absorção.
O desenvolvimento dos distritos industriais se efetua em um espaço que é
típico das comunas italianas (Fuà, 1985 apud Courlet, 2001a, p. 50),
pulverizado por médias cidades ou pequenos núcleos urbanos. Estes são
centros com funções urbanas diversas e com características como: a tradição
de administração local e democrática eficazes, o proveito de uma intensa
atividade comercial, das profissões liberais e do artesanato. Alguns desses
territórios são de formação recente, enquanto, muitos outros se originaram no
séc. XIX, e até mesmo no séc. XVII. Trata-se de regiões onde os agricultores
familiares encontraram um complemento aos seus fracos rendimentos e,
muitas vezes, acabaram por desenvolver uma primeira atividade industrial.
Courlet (2001a, p. 24) aponta que, geralmente, esta ligação entre a indústria e
a produção agrícola, ainda está presente na atualidade. A partir destas
pequenas iniciativas, esta estrutura permitiu que a indústria se baseasse na
reprodução econômica e social de domínio familiar e rural (oferta de mão-deobra flexível e de baixo custo e organização da pluriatividade no seio da
família). Toda esta flexibilidade está calcada na pequena dimensão das
unidades de produção, sobre a densidade de relações entre estas e na rapidez
de resposta das empresas às novas condições internas e externas à região.
Entretanto, nota-se que a flexibilidade também se manifesta na capacidade de
adaptação às novas tecnologias. O autor observa a ousadia das PMI em se
lançarem em tecnologias absolutamente novas, portanto, algo com resultados
relativamente desconhecidos.
4. Os cluster do mundo subdesenvolvido
Além dos distritos marshallianos e italianos, um outro tipo de arranjo territorial
tem sido identificado quando pode ser observada uma certa concentração
geográfica e setorial de empresas, com virtuosas combinações de eficiência e
altos níveis de emprego, nunca ocorrendo de forma homogênea entre regiões
de uma mesma nação. Este tipo de arranjo territorial denominado Cluster, com
forte concentração empreendedora, (...) ”é caracterizado pela concentração
espacial e setorial de empresas, em que o desempenho dessas, pelo menos
parcialmente, é explicado pela interdependência existente entre as firmas.”
(IGLIORI 2000, p. 127). Ainda argumenta que a interdependência entre estas
firmas é decorrente da proximidade geográfica e setorial. Sua importância
econômica estaria associada aos aumentos de competitividade, que podem
ocorrer por meio da redução de custos, pela diferenciação qualitativa ou pela
capacidade das firmas de responderem de forma ágil às mudanças das
exigências do mercado.
Todavia, nem todos os autores concordam com a amplitude da definição de
Igliori. Entendem estes que a denominação, com as características
apresentadas acima, seria mais apropriada para descrever as concentrações
encontradas, exclusivamente, nos países em vias de desenvolvimento. Courlet
(2001a, p. 39) entende que os clusters devem ser mais utilizados para designar
aglomerações dos países subdesenvolvidos, principalmente após 1974,
quando o fenômeno dos arranjos territoriais industriais em meio rural também
se espalhou por estes países. Este termo seria mais pertinente que a
terminologia distrito porque este último supõe atributos que não são
verificáveis em pesquisas empíricas. Ele ainda observa que a noção de cluster
exprime a idéia da concentração setorial e geográfica de empresas que, na
verdade, também se constitui a base para noção tipicamente européia de
"sistemas ou arranjos produtivos locais". Além disso, a cooperação interempresas e o papel do meio social, também podem ser apontados como
características sempre presentes. Diversos exemplos podem ser lembrados no
conjunto dos clusters industriais, como: Fès, no Marrocos; Ksar Hellal Sfax, na
Tunísia; Vale dos Sinos e a microrregião de Franca, no Brasil etc.
Nas primeiras etapas, em conjunto, a mobilização e a utilização de recursos
aparecem em pequenas quantidades. Os pequenos produtores não adquirem
equipamentos em conjunto para o processo de produção; eles podem se
concentrar nas etapas mais específicas, deixando as outras etapas para outros
empreendedores. As oficinas especializadas, que podem reparar e manter os
equipamentos, permitem igualmente reduzir as descontinuidades tecnológicas.
Assim, nestes locais, se fazem mais necessários os pequenos investimentos
de capital, em vez dos mais vultosos. Além disso, as exigências de capital
circulante também são afetadas pelo clustering. Quando os fornecedores
especializados de matérias-primas e de componentes estão próximos, há uma
necessidade menor de estocagem de inputs. Da mesma forma, somente
pequenas quantidades de capital humano adicional são necessárias: o
investimento de um único produtor na qualificação, provoca rendimentos
crescentes
na
medida
em
que
outros
investirem
em
experiências
complementares.
O clustering também permite a mobilização e a utilização do "talento" do
empreendedor. Ele proporciona a emergência de empreendedores mais
comuns, em relação aos excepcionais, na medida em que possibilita o avanço,
calculando-se os riscos que, na realidade, são pequenos. Os passos são
modestos e calculados em razão da divisão do trabalho e da presença de
economias externas. A ação coletiva igualmente permite reduzir a dimensão do
"salto" paras os empreendedores individuais. Neste sentido, podemos inferir
que, nos países em desenvolvimento, os clusters facilitam a mobilização dos
recursos, reduzem os investimentos e os riscos dos empreendedores.
5. Uma noção mais abrangente, os arranjos produtivos locais
No processo crescente de transposição e de alargamento do campo de
pesquisas sobre arranjos produtivos, o distrito industrial vem perdendo seu
rigor teórico, principalmente do ponto de vista de sua homogeneidade
econômica e de suas características sócio-culturais. Courlet (2001b, p. 34)
entende que não há somente aglomerações de empresas, organizadas na
forma de distritos marshallianos, com sua densa rede de PMI e um mercado de
trabalho interno flexível, que alcançaram o sucesso. A multiplicação de
exemplos, ou apenas de denominações, mostra que os distritos marshallianos,
italianos ou mesmo os clusters do mundo subdesenvolvido, não podem se
tornar um paradigma para explicar os arranjos, em rápido crescimento nos
países com os mais diversos níveis de desenvolvimento. É por isto que estas
comparações entre países instigam um melhor exame da história da
industrialização de cada um deles. Esta história deve estar mais voltada: ao
papel das PMI e de sua cooperação no universo do território em questão; à
importância dos efeitos da proximidade e do contexto territorial nas relações
inter-empresas e na relação das empresas com seu ambiente sócio-cultural e
institucional. Estes seriam os elementos levados em consideração na noção de
arranjos produtivos locais.
Apesar da "Babel" criada a partir destas idéias e definições, permanece muito
atual e pertinente o admirável desempenho econômico e social destes
arranjos. Assim, pergunta-se se a virtuosa combinação de eficiência e altos
níveis de emprego poderiam se tornar um modelo para outras regiões, que se
encontravam além dos limites italianos ou dos de seus congêneres
espalhados, principalmente pela Europa ocidental e, mais recentemente por
alguns territórios nos países subdesenvolvidos. Segundo Veiga (1999), esta foi
a interrogação que estava no centro das preocupações que levaram à
formação do Grupo Europeu de Pesquisas sobre os Ambientes Inovadores
(Gremi) que se propunha a entender os processos coletivos de aprendizagem.
Os desdobramentos do amplo debate que se seguiu foram evidenciando os
limites da noção de “distrito”, fazendo com que, paulatinamente, se preferisse a
noção mais ampla de “sistemas produtivos locais" (Local Productive Systems),
traduzidos no Brasil como "Arranjos Produtivos Locais" (APL), às noções
apresentadas anteriormente.
Pode-se aplicar a noção de APL a cada modelo de organização da produção
que se baseie na presença de economias externas e de conhecimentos nãotransferíveis e na introdução de formas específicas de regulação que
identificam e salvaguardam a originalidade da trajetória de desenvolvimento. O
interesse nos APLs está no papel essencial que o território desempenha no
processo de desenvolvimento local, uma vez que estes arranjos baseiam-se
em uma forte identidade que possibilita às coletividades locais se protegerem e
se reproduzirem. Os APLs não apresentam suas dinâmicas unicamente
vinculadas à grande empresa, a uma forte divisão do trabalho (como é
apontado por muitos, no caso dos distritos industriais marshallianos) e que
pode incluir processos de desenvolvimento que se baseiam em mecanismos
de reprodução social, com a emergência de um novo empresariado por meio
de mecanismos de imitação e de spin off
2.
(COURLET, 2001b, p. 92-96). O
APL é um sistema que resulta de vantagens recíprocas de que desfrutam as
empresas situadas em um mesmo território. Duas nuanças mostram-se
importantes. A primeira variante diz respeito à natureza de suas atividades: de
um lado estão as atividades similares, nas quais as empresas desenvolvem a
cooperação em atividades "periféricas" como: transportes, exportações,
qualificação de trabalhadores, eventual partilha do mercado etc.; de outro lado,
as atividades complementares que correspondem, de preferência, a um
aprofundamento da divisão do trabalho entre as empresas, mas que
conduzirão à realização de um produto único. A segunda variante concerne à
intensidade das cooperações. Neste grupo estão, por exemplo, os modelos de
associação industrial tradicional (como os clubes de empresas), redes de
produção conjunta (os distritos industriais), formas de cooperação para o
desenvolvimento (diversas formas de colaboração para a aprendizagem) ou
redes de bases sobre recursos partilhados (rede de marketing conjunto, por
exemplo). A estas características mencionadas, deve-se acrescentar um
ambiente ativo (com abrangência institucional) aglutinado pelo funcionamento
do conjunto do APL. Assim, o conjunto destes elementos define um arranjo
que pode ser mais ou menos complexo.
Considerações finais
Apesar dos arranjos territoriais se colocarem como alternativas promissoras no
desenvolvimento de regiões rurais, ainda que seus mecanismos de reprodução
sejam desconhecidos e que as teorias reveladoras de seus mistérios sejam
insuficientes, nota-se uma euforia desmesurada em torno dos mesmos. Nos
mais diversos países comissões governamentais de estudos são criadas para
se buscar a replicação dos arranjos em regiões rurais deprimidas. Ainda neste
sentido, Sachs (2002), por exemplo, chega a dizer que a classe empresarial
brasileira, diante dos auspiciosos resultados econômicos e sociais destes
arranjos, tende a “ver cluster” em todas as empresas que se avizinham. Já no
campo acadêmico, a panacéia de caracterizações e definições de arranjos
produtivos com base territorial descrita anteriormente não parece apresentar
distinções que possibilitariam demarcar com precisão as características muito
particulares dos diversos assemelhados. Em linhas gerais, os exemplos
demonstrados anteriormente possibilitam a seguinte aproximação: estes
arranjos territoriais são conjuntos de empresas ligadas sobre um território onde
é bastante evidente a natureza de suas vantagens (externalidades positivas,
melhoria da coordenação dos atores no território, laços de afetividade, redução
dos custos de transação etc.), que por sua vez são as geradoras da
proximidade. Contudo, as pesquisas sobre estes arranjos - ou as tentativas de
definições destes - parecem estar muito distantes das nuanças que possam
ser levadas em consideração na constituição de um conceito mais abstrato e,
portanto, genérico do fenômeno.
Notas
1. São as externalidades nascidas das imperfeições do mercado, tanto do lado da oferta quanto da demanda. Os efeitos do tamanho do mercado representam uma
forma importante de economias externas financeiras, pois quanto maior é o mercado, mais as empresas individuais podem incrementar sua produção sem ter que
reduzir seus preços. Um mercado cujo tamanho está em expansão oferece rendimentos crescentes. Os efeitos do tamanho do mercado podem funcionar em
diferentes escalas geográficas, do nível internacional ao nível local. As externalidades técnicas se aplicam as situações onde existem os efeitos da prática (do
treinamento) da função da produção de uma empresa sobre as funções de produção de outras firmas, enquanto, por exemplo, uma empresa faz uma inovação a
outra firma pode imitá-la.
2. Distribuição, por uma empresa a seus acionistas, de bens específicos, especialmente ações de outra companhia ou nova empresa criada por tal distribuição, ou
subsidiária transformada em companhia com razão social própria através do processo de desmembramento de corporações.
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