Reduplicação de base verbal - Faculdade de Letras

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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL:
UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL
Luciana de Albuquerque Daltio Vialli
2013
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL:
UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL
Luciana de Albuquerque Daltio Vialli
Tese de doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção
do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio
Gonçalves.
Rio de Janeiro/
fevereiro de 2013
REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL:
UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL
Luciana de Albuquerque Daltio Vialli
Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
DEFESA DE TESE
VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma
análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em
Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro. 150 fl.mimeo.
Examinada por:
______________________________________________________________________
Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
(UFRJ – Vernáculas/Orientador)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Lucia Leitão de Almeida
(UFRJ – Vernáculas/Co-orientadora)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Sandra Pereira Bernardo
(UERJ)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Carmen Teresa Dorigo
(Museu Nacional)
______________________________________________________________________
Professor Doutor Janderson Lemos de Souza
(UNIFESP)
______________________________________________________________________
Professor Doutor Mauro José Rocha do Nascimento
(UFRJ – Vernáculas)
______________________________________________________________________
Professor Doutor Antônio Sergio C. da Cunha
(UERJ-FFP)
______________________________________________________________________
Professor Doutor André Luiz Faria
(UESB)
Aprovada em ___ /___/ 2013.
Rio de Janeiro/
fevereiro de 2013
Para minha madrinha, realmente segunda mãe, Selma.
AGRADECIMENTOS
Sou filha de Carlos e Maria... duas vezes.
Fiquei um bom tempo refletindo sobre como iniciaria esses agradecimentos.
Tanto a agradecer! Pessoas tão importantes! De repente, dei-me conta de que, em minha
trajetória, há a influência constante de pessoas com o mesmo nome, que me criaram e
viram amadurecer de maneiras diferentes.
Meus pais se chamam Carlos e Maria. Eles me deram a vida e sempre sonharam
para mim um caminho com a solidez do conhecimento, uma oportunidade que não lhes
foi dada na vida. Todo sacrifício, acertos e tropeços que tiveram em minha educação
giraram em torno dessa obsessão: uma filha (única) formada! Bem, anos se passaram o
diploma de bacharel e licenciada foi conquistado. Uma plena sensação de dever
cumprido em minha formação. Mas, então, eu já havia sido capturada pela sede de saber
e a curiosidade própria do pesquisador. Acabei por prosseguir na busca por respostas e
dei asas à minha curiosidade insaciável... passei do caminhar pela solidez para alçar
voos com o conhecimento. Meus pais foram os responsáveis pelo meu amor aos livros,
mas os voos mais altos foram possíveis com base nos ensinamentos de outro pai em
minha vida, outro Carlos.
Logo nos primeiros períodos da graduação, fui apresentada ao professor Carlos.
Não havia sido sua aluna, tinha apenas a indicação da professora Ana Flávia Gerhardt, a
quem sempre serei grata por ter trazido esse segundo pai à minha vida. Sinto, hoje,
como se o destino agisse naquele momento, ele não imaginava, mas estava destinado a
ser meu mentor, guia e maior exemplo. Carlos foi o responsável pelo meu crescimento
intelectual e, por suas mãos, aprendi muito mais do que apenas o exercício da pesquisa.
Hoje, olho para trás e percebo que a segunda parte da minha educação foi dada por esse
mestre, amigo, pai. Ser sua orientanda sempre foi um dos meus maiores orgulhos,
porém orientar-me pelo caminho do saber nunca foi seu único compromisso. Carlos me
viu amadurecer e me direcionou ao longo desses dez anos! Ele foi meu principal
incentivador, a mola propulsora de todo meu sucesso, não teria ousado sonhar tão alto
sem a sua interferência. Por isso, posso dizer que devo a maior parte das minhas
conquistas ao seu apoio incondicional, eu duvidava da minha capacidade, mas ele não!
Aprendi muito sobre humildade, compromisso, amizade... tantas foram as lições! O pai
que, às vezes, puxa a orelha, é mais enérgico, que se interessa e participa ativamente da
educação do filho, que quer sempre o melhor... amar é isso. Coisas de pai, coisas de
Carlos.
No entanto, o destino não parou por aí! Pelas mãos de Carlos, chegou à minha
vida outra Maria. Nossa relação começou efetivamente no período em que eu cursava o
Mestrado. Pacientemente, ela me abriu o caminho para a curiosidade e compreensão da
Semântica, e sentido foi exatamente o que ela me conferiu em muitos momentos difíceis
que viriam... compreensão, carinho, abnegação. Maria é coração! É mãe que ensina,
alimenta e afaga. Talvez ela não saiba, mas sua interferência foi decisiva na
continuidade deste trabalho, não apenas do ponto de vista do sentido, mas, sobretudo,
do apoio tranquilizador de que eu tanto precisei em muitos momentos! Sem esse suporte
humano, talvez não tivesse me recuperado algumas vezes e pusesse tudo a perder!
Aprendi muito e levo todas as lições comigo para a vida. Mais uma fase de
amadurecimento, pelas doces mãos de Maria.
Aproveito também para agradecer às minhas amigas Kátia e Ana Paula, que tão
gentilmente me auxiliaram nesses momentos finais. Vocês moram no meu coração!
O NEMP tem como símbolo uma aliança, um casamento de Carlos e Maria.
Todos nós, pupilos, somos frutos dessa união. Realmente, sinto-me filha e felizarda,
agraciada pelo destino... duas vezes! Muito obrigada por tudo. Amo vocês.
Onde um homem chega à convicção
fundamental de que é preciso que mandem
nele, ele se torna "crente"; inversamente seria
pensável um prazer e uma força de
autodeterminação, uma liberdade de vontade,
em que um espírito se despede de toda crença,
de todo desejo de certeza, exercitado, como ele
está, em poder manter-se sobre leves cordas e
possibilidades, e mesmo diante de abismos
dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito
livre "par excellence".
(NIETZSCHE, in A Gaia Ciência, § 347).
VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma
análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em
Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro. 150 fl.mimeo.
RESUMO
Neste trabalho, analiso o fenômeno da reduplicação de base verbal em português
(bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, come-come,
pisca-pisca etc) com base no modelo teórico da Morfologia Construcional proposta por
Booij (2002, 2005, 2007, 2010). A reduplicação de base verbal é um fenômeno
envolvido em um processo de lexicalização (LEHMANN, 2002), por meio do qual
ocorre a nominalização de verbos.
Desenvolvida a partir dos estudos de Goldberg (1995), a Morfologia
Construcional propõe a existência de construções gramaticais nas línguas que alicerçam
padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição.
Com base no esquema de composição, cinco construções entram em jogo na rede
construcional do fenômeno da reduplicação: a construção de composição em português
[[X] x [Y] y] N, proposta por Gonçalves & Almeida (2012), de repetição [[X]xi[X]xi]xj,
de reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj, uma verbal [V]vi e a construção final do processo [[P3
Ind. Pres.]Vi [T3 Ind. Pres.]Vi]Nj.
Semanticamente, o fenômeno é detalhado com base em diversas propostas,
como Langacker (1987) e Goldberg (1995), ao envolver argumentos nulos e por
apresentar diferentes formas de escaneamento. Ainda, a reduplicação apresenta
heterossemia (LICHTENBERK, 1991), ao resultar em dois significados, um para
nomeação de eventos (puxa-puxa, ato de puxar repetidamente) e outro para nomeação
de coisas (puxa-puxa, doce) com diferentes características sintáticas.
Palavras -chaves: reduplicação, base verbal, Morfologia Construcional, esquema.
Rio de Janeiro /
fevereiro de 2013
VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma
análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em
Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro. 150 fl.mimeo.
ABSTRACT
In this research, I analyse the verbal-based reduplication phenomenon in
Portuguese (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela,
come-come, pisca-pisca etc.) within Constructional Morphology, proposed by Booij
(2002, 2005, 2007, 2010). Verbal-based reduplication is a phenomenon involved in the
lexicalization process (LEHMANN, 2002) through which ocurre verbs nominalization.
Developed since Goldberg (1995) studies, Constructional Morphology proposes
the existence of grammatical constructions in languages that support standards of
morphological processes like sufixation, prefixation and compounding. Based on
compounding schema, there are five constructions in the reduplication phenomenon
constructional network: the compounding construction in Portuguese [[X] x [Y] y] N,
proposed by Gonçalves & Almeida (2012), the one of repetition [[X]x[X]x]x, one of
reduplication [[X]Vi [X]Vi]Nj, one verbal [V]vi and the final process construction
[[tema]Vi [tema]Vi]Nj.
Semantically, the phenomenon is detailed through various proposals, as
Langacker (1987) and Goldberg (1995), since it involves null arguments and presents
different mapping forms. Besides, reduplication presents heterosemy (LICHTENBERK,
1991), since it results in two meanings, one to nominate events (puxa-puxa, act of
pulling repeatedly) and another one to nominate things (puxa-puxa, candie) with
different syntactic features.
Key-words: reduplication, verbal base, Constructional Morphology, schema.
Rio de Janeiro /
fevereiro de 2013
VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma
análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em
Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro. 150 fl.mimeo.
RÉSUMÉ
À ce travaille, j’analyse le fénomène de la réduplication de base verbale en
portugais (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, comecome, pisca-pisca etc) selon le modèle théorique de la Morphologie Constructionelle
proposée par Booij (2002, 2005, 2007, 2010). La réduplication de base verbale est un
fénomène implique dans un processus de lexicalisation (LEHMANN, 2002), par lequel
se produit la nominalisation des verbes.
Développée à partir des études de Goldberg (1995), la Morphologie
Constructionelle propose l’existence de constructions grammaticales dans les langues
qui soutendent des modèles de processus morphlogiques comme la suffixation, la
préfixation et la composition. Baséés au schéma de composition, cinq constructions
jouent en rôle dans le réseau constructionel du fénomène de la réduplication: la
construction de composition en portugais [[X] x [Y] y] N, proposée par Gonçalves &
Almeida (2012), de répétion [[X]xi[X]xi]xj, de réduplication [[X]Vi [X]Vi]Nj, une verbale
[V]vi et la construction finale du processus [[P3 Ind. Pres.]Vi [P3 Ind. Pres.]Vi]Nj.
Semantiquement, le fénomène est détaillé sous diverses propositions, comme
Langacker (1987) et Goldberg (1995), au développer des arguments nulls et pour
présenter des différentes formes de balayage. Ainsi, la réduplication présente
heterossemie (LICHTENBERK, 1991), au résulter en deux sens, l’un pour nommer des
évenements (puxa-puxa, ato de puxar repetidamente) et l’autre pour nommer des choses
(puxa-puxa, doce) avec différentes caractéristiques syntaxiques.
Mots -clés: réduplication, base verbale, Morphologie Constructionelle, schéma.
Rio de Janeiro /
fevereiro de 2013
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
2. SOBRE A REDUPLICAÇÃO ................................................................................. 16
2.1 A REDUPLICAÇÃO COMO PROCESSO NÃO-CONCATENATIVO ............ 16
2.2 A REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL ......................................................... 30
2.3 SÍNTESE............................................................................................................... 35
3. MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL: PRINCIPAIS IDEIAS........................... 36
3.1 MOTIVAÇÃO PARA O MODELO: AS FRONTEIRAS INTERNAS DA
MORFOLOGIA .......................................................................................................... 36
3.2 CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS: PRIMEIRAS IDEIAS............................ 44
3.3 SOBRE ESQUEMAS E REGRAS ....................................................................... 46
3.4 CONSTRUÇÕES: A NOÇÃO DE CONSTRUÇÃO GRAMATICAL E IDIOMA
CONSTRUCIONAL ................................................................................................... 49
3.5 SITUAÇÕES DE INTERFACE ........................................................................... 63
3.6 A UNIFICAÇÃO DE ESQUEMAS ..................................................................... 66
3.7 A HETEROSSEMIA ............................................................................................ 73
4. POR UMA ANÁLISE CONSTRUCIONAL DA REDUPLICAÇÃO DE BASE
VERBAL EM PORTUGUÊS ...................................................................................... 79
4.1 – POLO SEMÂNTICO ......................................................................................... 79
4.2 - POLO FORMAL .............................................................................................. 107
4.3 – A REDE CONSTRUCIONAL ........................................................................ 117
5. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 137
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 140
7. ANEXO .................................................................................................................... 150
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho visa a fazer uma análise da reduplicação de base verbal à luz da
Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2007, 2010), perspectiva teórica que
propõe a existência de construções gramaticais que alicerçam padrões morfológicos
como a sufixação, a prefixação e a composição. No caso da reduplicação de base verbal
(bate-bate, pega-pega, puxa-puxa, corre-corre, esconde-esconde, entre outras), ocorre a
formação de compostos nominais a partir de verbos por meio de uma rede construcional
integrada.
As principais questões levantadas sobre a reduplicação, nesta nossa proposta de
análise, são as seguintes:
(a) Em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base verbal? É mesmo na
composição, como preconizam as gramáticas tradicionais (CUNHA & CINTRA, 1985;
LIMA, 2000)?
(b) Quais construções mais gerais instanciam a construção morfológica de reduplicação de
base verbal em português?
(c) Como essas construções são organizadas em rede?
(d) De que maneira é feito o preenchimento semântico das construções envolvidas no
processo?
(e) O processo leva ao surgimento de dois significados distintos, evento (‘empurraempurra’) e coisa (‘pula-pula’). Qual é a nuance semântica que diferencia esses dois
itens lexicais?
(f) Quais são as construções referentes aos dois significados que emergem do processo e
como ocorre a sua instanciação?
12
Por conta dessas questões, os principais objetivos do trabalho são os seguintes:
(a) Determinar em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base
verbal;
(b) Determinar quais construções instanciam a reduplicação de base verbal em
português;
(c) Formalizar uma construção de reduplicação de base verbal em português;
(d) Estabelecer como ocorre o preenchimento semântico de cada construção presente na
rede;
(e) Determinar como se desenvolve a duplicidade de significado existente no processo;
(f) Mostrar qual o percurso semântico que leva à variação de significado, discutindo,
mais detidamente, a questão da heterossemia, nos termos de Lichtenberk (1991);
(g) Apresentar as construções para os dois significados que emergem do processo, coisa
e evento, e de que forma elas se relacionam na rede.
A fase de investigação sucedeu a recolha dos dados que compõem o corpus
utilizado no trabalho, devidamente relacionado no Anexo. A coleta foi realizada por
meio da utilização de três fontes, fundamentalmente:
(a) dados extraídos de situações de fala real, em diferentes situações de uso linguístico,
a exemplo de conversas informais, entrevistas em programas de rádio e TV, aulas,
seminários etc;
(b) palavras rastreadas em periódicos de grande circulação (dados obtidos
indiretamente, através de análises já realizadas sobre o assunto, como as de Couto
(1999; 2000) e a de Araújo (2000), por exemplo). Boa parte do corpus já havia sido
recolhida na época do Mestrado (VIALLI, 2008);
13
(c) rastreamento via Internet no site www.google.com.br;
(d) palavras rastreadas dos dicionários eletrônicos Houaiss e Aurélio, a partir das
ferramentas de busca disponibilizadas nessas obras.
Para o rastreamento on line, foram utilizadas técnicas de busca e coleta de textos
na elaboração de corpus para o trabalho científico propostas por Philippe Humblé em
“Linguística e ensino: novas tecnologias” (2001), pois, segundo esse autor, os
dicionários não costumam dar uma visão realista da língua atual e um corpus rastreado
via Internet pode retificar essa visão. Nesse caso, é precisamente esse tipo de coleta que
favorece a análise aqui proposta, posto que a possibilidade dos diferentes usos dos
vocábulos e sua heterossemia só podem ser percebidos através de dados que reflitam
usos reais, como blogs, chats e posts nas redes sociais, como o Orkut e o Facebook.
Com base nessas fontes, temos um corpus constituído de 62 reduplicações V-V.
Em suma, neste trabalho, postula-se a existência de uma construção morfológica
para a reduplicação de base verbal em português. A reduplicação é considerada um
processo marginal de formação de palavras, sobretudo devido ao seu status nãoconcatenativo (GONÇALVES, 2006). No entanto, tal fenômeno apresenta alta
produtividade na língua, gerando diversos tipos de modelos reduplicativos, tais como a
reduplicação de base verbal (puxa-puxa, bate-bate, corre-corre) e a reduplicação nos
hipocorísticos (Dudú, Cacá, Lulú), entre outros tipos apresentados em Albuquerque &
Gonçalves (2004), Vialli (2008) e Gonçalves (2009). Logo, a observação das
ocorrências envolvidas no processo torna imprescindível ressaltar que tal fenômeno não
envolve apenas informações de cunho formal, mas também semânticas, contraparte
geralmente relegada a segundo plano na maioria das abordagens morfológicas.
Dessa forma, uma análise mais precisa da reduplicação em português deve dar
conta da forma e do significado e, para atender tal requisito, o modelo teórico adotado
14
deve possibilitar esse tipo de pareamento. Com base nisso, é possível postular a
existência de uma construção morfológica para o fenômeno em português nos moldes
de Booij (2002, 2005, 2010). Desenvolvida a partir dos estudos de Goldberg (1995), a
Morfologia Construcional propõe a existência de construções gramaticais nas línguas
que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a
composição. Esses esquemas construcionais envolvem sequências fonológicas e
categorias lexicais, representadas por meio das variáveis X e Y, tais como [[X] X][Y]Y]Y
(composição), [[X]XY]Y (sufixação), [X[Y]Y]Y (prefixação).
Ainda, o fenômeno tem como característica central a
heterossemia
(LICHTENBERK, 1991), ao resultar em dois significados que também apresentam
diferenças sintático-semânticas, um para nomeação de eventos (‘puxa-puxa’, “ato de
puxar repetidamente”) e outro para nomeação de coisas (‘puxa-puxa’, “doce”).
Ademais, com o objetivo de detalhar o polo semântico do fenômeno tratado, é
necessário lançar mão de propostas como a de Langacker (1987), Fauconnier & Turner
(1996) e Mandelblit (1997). No entanto, é importante enfatizar que essas propostas vêm
em favor da análise específica da reduplicação de base verbal; em outras palavras, a
investigação de fenômenos diferentes demanda questões semânticas diversas em sua
análise, muito embora possam ser observadas com base no mesmo referencial teórico, a
Morfologia Construcional (doravante MC). Isso justifica, de certa forma, a carência de
detalhamento do polo semântico no modelo da MC. Na verdade, isso dependerá da
demanda de cada fenômeno especificamente e deve ser observado durante a análise.
O presente trabalho está dividido na forma descrita a seguir. Na primeira seção
2.1 do capítulo 2, o fenômeno da reduplicação é apresentado em abordagens anteriores,
observando-se seu tratamento em compêndios gramaticais e sua análise como processo
15
não-concatenativo. A seguir, em 2.2, focaliza-se a reduplicação de base verbal e
ressaltam-se suas características mais específicas; em 2.3 é feita uma síntese para o
tratamento dispensado ao fenômeno durante o capítulo 2.
No capítulo 3, a seção 3.1 aponta o que motivou a criação do modelo teórico,
uma morfologia construcional que permite o pareamento forma/significado em
morfologia. Na sequência, em 3.2 são consideradas algumas ideias sobre construções
morfológicas, que serão observadas mais detalhadamente em 3.4. Na seção 3.3, são
confrontadas as noções de regra e esquema e são levantadas as vantagens de um modelo
baseado em esquemas. Em 3.4, as noções de construção gramatical e idioma
construcional são exploradas como partes importantes do modelo teórico. Na seção 3.5,
mostra-se como se procede ao tratamento dos casos de interface pelo modelo proposto,
enquanto em 3.6 e 3.7, respectivamente, são exemplificados casos de unificação de
esquemas, aproveitados posteriormente na análise, e o fenômeno da heterossemia
presente no caso de reduplicação analisado.
No capítulo 4, é proposta uma análise para os dados recolhidos e são
apresentadas as regularidades do processo, suas especificidades formais e semânticas.
Esse capítulo é composto por três seções: 4.1 trata do polo semântico do processo; 4.2
aborda o polo formal e 4.3, na qual é apresentada a rede construcional, analisa alguns
exemplos retirados do corpus. O capítulo 5 destina-se às principais conclusões deste
estudo.
2. SOBRE A REDUPLICAÇÃO
Neste capítulo, definimos reduplicação, com base em Gonçalves (2004), Couto
(1999) e Vialli (2008), para, na sequência, mostrar a abrangência desse processo
morfológico em português. Por fim, focalizamos mais diretamente o tipo de
reduplicação analisado neste trabalho: o que promove a alteração categorial V S1 por
meio da cópia da base verbal2, a exemplo de ‘puxa-puxa’ e ‘pega-pega’.
2.1 A REDUPLICAÇÃO COMO PROCESSO NÃO-CONCATENATIVO
O fenômeno da reduplicação encontra-se na lista dos processos marginais de
formação de palavras do português, não apenas por apresentar escassez de análises
linguísticas e dificuldades em sua definição, mas também porque faz parte da
Morfologia Não-Concatenativa da língua (GONÇALVES, 2004). Os processos nãoconcatenativos (McCARTHY, 1981) não se enquadram totalmente no padrão
aglutinativo, baseado na noção de “item”, tradicionalmente preferido nos estudos
morfológicos de línguas naturais. Tais processos não envolvem apenas informações
morfológicas, mas também fonológicas para sua execução, integrando primitivos de
ambos os tipos. A reduplicação é concebida, em Gonçalves (2009), como um processo
de afixação não-linear, já que um reduplicante, totalmente desprovido de preenchimento
segmental, acopla-se à direita ou à esquerda de uma forma de base da qual copia todo o
material melódico (reduplicação total) ou parte dele (reduplicação parcial).
1
2
Os casos envolvidos na reduplicação de base verbal são sempre nomes substantivos.
No capítulo 4, discutimos com mais vagar o tipo de constituinte reduplicado nessas formações lexicais:
se a terceira pessoa do singular no presente do indicativo ou o tema verbal.
17
O referido processo foi anteriormente analisado por Vialli (2008) sob a ótica da
Morfologia Prosódica (McCARTHY & PRINCE, 1998) com um recorte da
reduplicação no baby-talk3 e, posteriormente, em Vialli (2009) através da Teoria da
Otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1995).
Em abordagens não-lineares, a reduplicação é apontada como um processo de
afixação de uma espécie de molde. De acordo com Broselow & McCarthy (1983), tratase de uma camada esqueletal subespecificada4 que, quando preenchida, é anexada a uma
base como um afixo, podendo realizar-se na forma de prefixo, sufixo e até mesmo
infixo, a depender da língua em questão. A proposta de um molde esqueletal, por
assumir um princípio geral de reduplicação para as línguas, garante mais economia ao
processo. No entanto, para que essa estrutura subespecificada seja preenchida, é
necessário o mapeamento de segmentos da base de acordo com o número de camadas
que existirem como padrão a ser alcançado no processo de cópia. Esse mapeamento
pode ocorrer da esquerda para a direita (no caso dos prefixos) ou da direita para a
esquerda (no caso dos sufixos), dependo do tipo de afixação e da direcionalidade
indicada no idioma. Casos conhecidos de reduplicação tratados na literatura são a
reduplicação prefixal em Agta e a sufixal em Saho, como nos dados exemplificados, a
seguir, por Marantz (1982):
3
Segundo Crystal (1997: 38), o fenômeno denominado de baby-talk (também conhecido como motherese
ou caregiver speech) partiu de uma extensão nos estudos da aquisição da linguagem, procurando sempre
mostrar características distintivas no discurso entre adultos e crianças. Logo, a reduplicação na linguagem
infantil é um tipo de baby-talk (mamadeira  dedera , cabelo  bebelo, madrinha  dindinha), posto
que se trata de um vocabulário altamente específico utilizado, sobretudo, em um discurso em que um
adulto se comunica com uma criança em fase de aquisição da linguagem.
4
De acordo com Archangeli & Pulleyblank (1994), subespecificação é o procedimento analítico
relacionado à omissão de informações nas representações subjacentes, preenchidas, mais tarde, a fim de
obter as de superfície.
18
(01)
Agta
(a) takki
‘perna’
>
taktakki
‘pernas’
(b) uffu
‘coxa’
>
ufuffu
‘coxas’
(a) lafa
‘osso’
>
lafof
‘ossos’
(b) illa
‘primavera’
>
illol
‘primaveras’
Saho
A reduplicação sempre demanda que uma porção da representação segmental da
base seja copiada e anexada à camada subespecificada, como em taktakki, em que tak é
copiado para um molde subespecificado CVC (CVCtakki). No entanto, é importante
lembrar que nem sempre esses segmentos copiados irão representar constituintes
morfológicos da base.
Outra informação relevante dada por Vialli (2009) diz respeito a algumas
características formais da reduplicação no baby-talk. A primeira e mais fundamental
característica do processo é ter a posição de onset do reduplicante sempre preenchida:
nenhum caso de reduplicação no baby-talk em português apresenta reduplicantes sem
ataque. Outro fator que sobressai é a posição do reduplicante. No caso do baby-talk,
esse formativo posiciona-se sempre na margem esquerda da palavra prosódica, como é
possível verificar nos dados ‘papato’ (sapato), ‘nenelo’ (chinelo), ‘pepeta’ (chupeta) e
‘bibide’ (cabide), o que lhe dá status notório de prefixo. Além disso, esse tipo de
reduplicação forma, no máximo, trissílabos, nunca ultrapassando o tamanho original da
19
palavra-matriz, já que a questão em jogo não é dobrar a palavra ou formar uma
derivada, mas simplificá-la por meio da cópia de parte da base. Entretanto, um ponto
importante nessa questão, e que é responsável pelo tamanho dos vocábulos
reduplicados, é a posição da sílaba tônica. Em quase todos os casos, a sílaba reduplicada
é a proeminente, o que explica a inexistência de formas finais polissílabas.
A reduplicação, devido a seu status marginal dentre os processos de formação de
palavras, é um fenômeno pouco analisado em língua portuguesa. Por meio de uma
consulta a compêndios gramaticais (LIMA, 2000; BECHARA, 1998 e CUNHA &
CINTRA, 1985), é possível notar que esse mecanismo é frequentemente associado ao
processo de composição.
Com o objetivo de demonstrar o tratamento dado à reduplicação nas Gramáticas
Tradicionais, foram consultadas as obras de Lima (2000), Bechara (1998) e Cunha &
Cintra (1985). No primeiro compêndio, o fenômeno da reduplicação não aparece na lista
dos processos de formação de palavras; no entanto, o vocábulo “corre-corre”, uma
reduplicação de base verbal, é indicado como resultado do processo de composição. Na
segunda obra, embora seja apresentada a reduplicação, esta é indicada como o
fenômeno responsável pela formação de onomatopeias e, novamente, “corre-corre” é
apontado como uma composição vocabular, assim como na primeira obra anteriormente
destacada. Finalmente, no terceiro compêndio consultado, o referido processo não é
mencionado, apresentando-se o vocábulo reduplicado acima apontado como fruto de
uma composição.
Considerando essas informações, é necessário elaborar uma definição para a
reduplicação como processo formador de palavras em português. Logo, o processo de
reduplicação deve preencher os seguintes requisitos (VIALLI, 2008):
20
(i)
a base copiada deve ser sincronicamente depreendida e
haver relação de significado entre base e produto. Nesse caso,
bebelo é uma reduplicação, porque a base cabelo é reconhecida
sincronicamente. O mesmo não acontece, por exemplo, com
mamão, em que a isolabilidade do suposto prefixo reduplicativo
destruiria as relações de significado no interior da palavra, uma vez
que a noção de mão não está contida em mamão;
(ii)
o resultado do processo deve ser uma forma com função
lexical ou expressiva de avaliação (BASILIO, 1987), como ocorre,
respectivamente, em corre-corre, que denomina um evento, e em
Dedé, hipocorístico do antropônimo André, marcado pela
expressão de afeto;
(iii)
a forma resultante não deve possuir valor onomatopaico, o
que caracterizaria simplesmente a reprodução de um som e não
uma cópia feita a partir de uma base, como fonfom e auau. Essas
formações
são
casos
de
reduplicação
bem
motivados
onomatopaicamente, ao contrário de bate-bate e pega-pega, entre
outros.
Como lembra Couto (2000), a reduplicação não é um fenômeno desconhecido
das gramáticas tradicionais; no entanto, é tratada nesse tipo de compêndio como
composição e envolve, sobretudo, casos de compostos formados com duas bases verbais
(‘luze-luze’, ‘ruge, ruge’), tal qual apontado por Vialli (2008). Couto (1999) observa
21
que o fenômeno também aparece nos tratados de retórica, como em Tavares (1978), que
apresenta a epizeuxe ou reduplicação entre as figuras feitas por “repetição ou excesso”.
Ele exemplifica a repetição seguida pelo mesmo vocábulo “São uns olhos verdes,
verdes...” (G. Dias) e de uma frase integral ou verso, a palilogia, como nos versos em
(02), a seguir, de Mário de Andrade:
(02)
Caminho pela cidade
Sofrendo com mal de amor
Sofrendo com mal de amor
Sofrendo com mal de amor
Sofrendo (a frase não para
no meio) com mal de amor
(Mário de Andrade)
Dessa forma, o autor expressa que os avanços com relação ao tratamento das
gramáticas tradicionais para o processo foram praticamente imperceptíveis. Nesse
sentido, procura conceituar a reduplicação e para isso retoma Garcia (1996):
“repetição é a reaparição de um ou mais elementos
linguísticos depois de sua primeira ocorrência no
texto. Como processo expressivo, não só
intratextual, mas também intertextual, a repetição
(...) constitui um dos recursos mais efetivos para a
intensificação da linguagem nos níveis fonológico,
morfológico e sintático”.
22
Logo, afirma que a repetição pode ser frasal ou lexical; no entanto, somente a
lexical implica a aparição de palavras autônomas, como substantivos, verbos, adjetivos
e advérbios. Ora, nesse sentido, a epizeuxe e a palilogia são casos de repetição
discursiva, muito diferentes de exemplos como “Eles ficam nesse canta-canta e não
fazem nada”, em que temos como resultado da repetição um substantivo. Outros
exemplos de repetição vocabular utilizadas com função expressiva são os seguintes,
extraídos da internet, letras de músicas ou obras literárias:
(03)
(a) Repetição com adjetivo
São uns olhos verdes, verdes,
Que podem também brilhar;
Não são de um verde embaçado,
Mas verdes da cor do prado,
Mas verdes da cor do mar.
(Gonçalves Dias)
O sol chegou, tão atrevido. Penetrando na cortina. Eu posso ver todo seu corpo.
Descoberto, linda, linda.
(Zezé di Camargo e Luciano)
23
(b) Repetição com verbo
Minha Boca Deseja
Me Abraça e Me Beija, Amor
Que o meu Coração chamou chamou
(Banda Calipso)
Telefone fixo chama chama e ninguém atende e depois da como ocupado?
O que será que é??
(c) Repetição com advérbio
E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo
E eu dizia ainda é cedo...
(Legião Urbana)
Ele acorda cedo, cedo, mas dorme tão tarde!!
Para Wierzbicka (1986), repetição e reduplicação são fenômenos bem
diferenciados funcionalmente em italiano, o que também vale para o português. O
primeiro é marcado por pausa, representada por meio de uma vírgula na escrita (Ele
caminha devagar, devagar); o último não admite pausa ou vírgula na escrita e constitui
um novo item lexical (bate-bate – brinquedo de parque de diversões). A autora observa
que, nos casos de reduplicação gramaticalizada, apesar de haver a manutenção de
24
alguma carga semântica da base original, a ideia veiculada é de intensificação,
manifestada de diferentes maneiras.
Retomando Couto (1999), pode-se concluir que na repetição existe total
igualdade entre a base e a cópia do ponto de vista formal e funcional; na reduplicação,
essa igualdade se dá apenas formalmente, podendo a cópia da base ser total ou parcial.
O autor decide, então, seguir a conceituação de reduplicação dada por Kiyomi (1995) e
transcrita em (04), a seguir:
(04)
reduplicação:
Dada uma palavra com a forma fonológica X, reduplicação refere-se a XX ou
xX (em que x é a parte de X e x pode aparecer antes, após ou no interior de X).
Condições:
(i) XX ou xX deve ser relacionado semanticamente a X.
(ii) XX ou xX devem ser produtivos.
Dessa forma, a reduplicação pode ser total (XX) ou parcial (xX) e a forma
reduplicada não preserva a mesma função semântica e gramatical da base. Quando a
reduplicação for parcial, os segmentos copiados podem pertencer ao início, meio ou
final da base original; por isso mesmo, a reduplicação é um tipo especial de afixação
(GONÇALVES, 2009), um processo morfológico que, de acordo com Key (1965), pode
dar ideia de iteração, pluralidade, intensificação, distributividade, diminuição e
mudança de categoria gramatical.
25
Couto (op. cit.), Albuquerque & Gonçalves (2004) e Vialli (2008) alertam para
as comparações entre onomatopeia e reduplicação, também feitas por diversos autores já
citados. No entanto, Key (1965) aponta que, por ter como função primordial a imitação
de sons, a onomatopeia não pode expressar funções gramaticais, tal qual a reduplicação.
Alguns exemplos de onomatopéia que se assemelham à reduplicação aparecem
elencados em (05), a seguir:
(05) auau
fonfom
quero-quero
zunzum
De acordo com Couto (op. cit.), Araújo (2000) e Albuquerque & Gonçalves
(2004), a reduplicação é um processo altamente produtivo no português brasileiro:
aparece
no.
baby-talk
(biscoitococoto,
sapatopapato),
na
formação
de
hipocorísticos (Edududú, LiliamLilí) e na nominalização de bases verbais,
chamada por Couto (op. cit.) de reduplicação V-V (quebra-quebra, mata-mata).
Couto (op. cit.) procura exemplificar esses tipos de reduplicação, começando
pelo baby-talk. Segundo ele, essa é a linguagem utilizada pelos adultos ao se
comunicarem com crianças na tentativa de reproduzirem a fala infantil, numa espécie de
adaptação. Em (06), aparecem alguns exemplos dados pelo autor:
26
(06) (i) dandá ‘andar, caminhar’, (ii) dodói ‘machucado, ferida, dor’, (iv) mamãe ‘mãe’,
(v) papá ‘comida’, (vi) papai ‘pai’, (vii) pepeta ‘chupeta’, (viii) tetéia ‘bonito, coisa
bonita’, (ix) titio ‘tio’.
É importante ressaltar que muitos desses exemplos não figuram na lista de
reduplicação no baby-talk proposta por Vialli (2008, 2009) por não serem considerados
casos do fenômeno, como tetéia e outros, que podem ser identificados ainda como
pertencentes a outro tipo de reduplicação; tal é o caso de papai, uma reduplicação em
início de palavra, pouco produtiva em português, utilizada, sobretudo, na nomeação
afetiva de nomes de parentesco (GONÇALVES, 2009), como os arrolados em (07):
(07)
mamãe, papai, vovó, vovô, titio, titia
Em Vialli (2008), com base no instrumental de análise da Morfologia Prosódica
(McCARTHY, 1986), dados do baby-talk foram descritos a partir dos seguintes padrões
silábicos presentes nos pés nucleares das formas de base5:
(08)
Bases envolvidas na reduplicação no baby-talk
1ª BASE  CV xampu  pupú
2ª BASE  CVV chapéu  pepéu
3ª BASE  CV.CV boneca  neneca
5
Pés são unidades prosódicas, como mora (), sílaba (), pé () e palavra prosódica () (SELKIRK,
1980). Entende-se por pé nuclear aquele que comporta o acento primário da base.
27
4ª BASE  CV.CVV remédio  memédio
5ª BASE  CVC.CV madrinha  dindinha
Em relação aos hipocorísticos, a seguinte lista de formas reduplicadas é bastante
extensa, como se vê em (09), a seguir. Lima (2008) e Thami da Silva (2008) analisaram
a reduplicação com os instrumentos da TO e concluíram que há severas restrições sobre
o reduplicante, que não pode se iniciar por vogal, nem apresentar coda, tendo sempre o
formato CV:
(09) Cacá (< Carlos), (ii) Dudu (< Edu < Eduardo), (iii) Gegê (< Geraldo), (iv) Nonô (<
Nicanor), (v) Zezé (< José)
Nos exemplos em (07), (08) e (09), tem-se casos de reduplicação parcial, uma
vez que o reduplicante copia apenas os segmentos iniciais da base e é adjungido à
esquerda, funcionando como prefixo. Em português, a reduplicação pode explorar a
margem direita da palavra, como demonstrado em Gonçalves (2010). Para esse autor, a
reduplicação sufixal manifesta intensificação, como se observa nos dados em (10):
(10)
bololô (“tumulto”)
chororô (“choradeira”)
bafafá (“confusão”)
28
Para Gonçalves (2010: 32), “Em todas as palavras que expressam intensificação
por essa estratégia, as vogais da forma resultante são sempre idênticas, havendo,
portanto, perfeita harmonia na melodia vocálica”. Pelos dados apresentados em (10), o
autor considera que o processo se vale da cópia “dos elementos melódicos da raiz (e não
da palavra), já que a vogal final do item derivante, realizada como alta em todos os
casos, nunca é aproveitada. Assim, de 'chor[u]' se forma 'chororô', com a realização de
uma média fechada, [o], nas três posições de V da forma derivada” (GONÇALVES,
2010: 33).
Além dos usos já citados para o fenômeno, vale destacar os exemplos retirados
de diversas línguas por Couto (op. cit.), a começar pelo grego, em que a reduplicação
parcial do radical verbal é usada para marcar a primeira pessoa do singular:
(11)
futuro
perfeito ativo
(i)
φιλω ‘eu amo
πε-φιληκα ‘eu amei’
(ii)
δηλϖ ‘eu mostro’
δε-δηωκα ‘eu mostrei’
(iii)
κελευσω ‘eu ordeno’
κε-κελευκα ‘eu ordenei’
Outra língua exemplificada pelo autor é o latim. Nela, a reduplicação ocorre
também ocorre na formação de pretéritos:
29
(12)
(i) mordeo ‘eu mordo’
mo-mordi ‘eu mordi'
(ii) fallo ‘eu engano’
fe-felli ‘eu enganei’
(iii) do ‘eu dou’
de-di ‘eu dei’
Couto (op. cit.) observa que, muito embora o que se apresente hoje em muitas
línguas seja uma reduplicação parcial, essa pode ter se originado de uma reduplicação
total que foi se reduzindo com o tempo. Na opinião do autor, isso pode revelar a origem
dos afixos.
Com relação às línguas modernas, o inglês, o chinês e o japonês também
possuem casos de reduplicação. No caso do japonês, por exemplo, o redobro indica
pluralidade, como nos dados retirados de Ando (1957):
(13)
(i) ie ‘casa’ / ie-ie ‘casas’
(ii) yama ‘montanha’ / yama-yama ‘montanhas’
(iii) ki ‘árvore’ / ki-gi ‘ávores’
(iv) kuni ‘país’ / kuni-guni ‘países’
(v) hito ‘pessoa’ / hito-bito ‘pessoas’
Finalmente, a presença da reduplicação nas línguas crioulas é marcante. No tok
pisin, crioulo inglês da Papua Nova Guiné, observa-se o redobro total na formação de
30
verbos, como tok-tok ‘falar’, luk-luk ‘olhar’. Nos crioulos franceses, o emprego do
fenômeno também é frequente, como em tous-touse ‘tossir sem parar’, bouz-bouze
‘mexer-se ligeiramente’.
Logo, é notório que a reduplicação é um processo presente em quase todas as
línguas do mundo. Isso leva Couto a defender a tese de que a reduplicação pode ser um
dos primeiros processos morfológicos e gramaticais a existir, já que parte da simples
junção de duas formas da maneira mais econômica: por meio da cópia.
Ao contrário dos demais tipos até então comentados, a reduplicação de base
verbal, tema da próxima seção, é do tipo total, já que o reduplicante constitui cópia fiel
de sua base, não havendo, com isso, condições de decidir se esse elemento é adjungido à
esquerda ou à direita.
2.2 A REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL
A reduplicação de base verbal é um processo que se baseia na cópia de uma base
verbal, formando um composto VV. Esse processo resulta num nome em português e
pode abranger dois significados: um relacionado ao evento e outro à coisa, o que pode
ser observado em um mesmo vocábulo, como pula-pula, que pode designar tanto o ato
de pular repetidas vezes como o brinquedo.
Nesse sentido, vale a pena relembrar o tratamento dado à reduplicação verbal no
italiano por Thornton (2008). A autora destaca exemplos como fuggifuggi (debandada)
e copia copia (cópia generalizada) e afirma que esse tipo de composição VV é
responsável pela nominalização de ações em italiano, sendo muito usual nesse idioma.
No espanhol, por exemplo, esse tipo de composto é responsável pela nomeação de
31
plantas, animais, brinquedos ou jogos, pessoas, mas raramente outras categorias. A
autora destaca os seguintes exemplos do espanhol:
(14)
Plantas: brincabrinca, pegapega.
Animais: duermeduerme, matamata, picapica.
Jogos: pasapasa.
Brinquedos: chupachupa.
Pessoas: chapa chapa < chapar ‘enriquecer’
Outros: correcorre ‘voo desordenado’
Guilbert (1971) elenca poucos nomes dessa operação morfológica em francês;
são eles:
(15)
Instrumentos: pousse-pousse ‘riquexó’, coupe-coupe ‘facão’, vire-vire
‘ventilador’.
Jogos: passe-passe ‘abracadabra’, cache-cache ‘esconde-esconde’.
O italiano possui outras formas compostas por dois verbos para representar as
entidades e categorias expressas em francês e espanhol. No entanto, esses vocábulos não
são constituídos por verbos idênticos, como é o caso de portareca (‘entregador’) e
bagnasciuga (‘faixa litoral submergível’). Os compostos VV idênticos em italiano,
32
como em português, são nomes de ação. Thornton (2008) fornece o seguinte quadro
contendo o corpus coletado no italiano:
(16)
Para Thornton (2008), os nomes em (16) têm origem no imperativo descritivo,
comum em línguas românicas, que serve para descrever ações por meio de dois ou mais
verbos. Retomando Spitzer (1918), a autora observa que esse tipo de imperativo é
utilizado para descrever ações endereçadas ao próprio agente. Entretanto, é importante
destacar que nem toda repetição imperativa será um nomeador de ação, assim como
33
também é possível que nem todo nome desse tipo seja criado por formas no imperativo.
Thornton (2008) ainda observa que os casos de lexicalização6 desses nomes
reduplicados tornam esse tipo de processo um modelo para criação de novas palavras.
Em relação ao português, Couto (1999) mostra que a reduplicação de base verbal
pode ser chamada de reduplicação V-V. Entretanto, o autor ressalta que nem todo
composto VV é uma reduplicação, como se observa nos casos abaixo, em que as formas
verbais são diferentes:
(17)
deita-levanta
entra-e-sai
liga-desliga
pões-tira
senta-levanta
leva-e-traz
Nesses casos, a fórmula do composto é Vi-Vj (com índices diferentes, portanto: i
e j) e o significado é transparente, tomado pela soma das partes. Apesar de envolver
duas bases verbais diferentes flexionadas (todas estão na terceira pessoa do presente do
indicativo), o resultado do processo é sempre um nome, a exemplo de ‘bate-entope’, que
nomeia uma comida (geralmente um salgado) que, quando ingerida, logo deixa a pessoa
saciada, por ser grosseiro. Os casos de reduplicação envolvem uma fórmula Vi-Vi (com
idêntico índice) e seus significados podem ser diversos e imprevisíveis, mesmo que haja
sempre a manutenção de alguma carga significativa da base. A partir disso, Couto
classifica as diversas formas de reduplicação V-V observadas por ele da seguinte
maneira:
6
Segundo Brinton & Traugott (2005), a lexicalização é o processo através do qual duas ou mais unidades
linguísticas se transformam em uma unidade autônoma. Nesse caso, então, o termo se refere à perda da
composicionalidade morfológica e semântica, tendo em que vista a unidade deixa de ser interpretada por
acesso às partes e passa a ser tomada holisticamente.
34
Formas citadas pelas gramáticas, algumas das quais em desuso:
(18) (i) bule-bule ‘?’, (ii) corre-corre ‘correria’, (iii) luze-luze ‘pirilampo’, (iv) pegapega ‘1.carrapicho; 2. conflito, disputa, briga; 3. prisão em massa; 4. brinquedo
infantil’, (v) ruge-ruge ‘1. ruído produzido por saias que roçam o chão; 2. rugido ; 3.
confusão, atropele, barulho’
Formas usadas como nomes próprios:
(19)
Quero-quero ‘nome de restaurante em Brasília’, Treme-treme ‘nome de edifício-
cortiço de São Paulo’, Troca-troca ‘nome de feira popular de Olhos d’água, Goiás’, Vaivai ‘nome da escola de samba mais famosa de São Paulo’
Formas não encontradas nas gramáticas tradicionais, mas que estão dicionarizadas:
(20) (i) bate-bate ‘1. movimento constante de dois objetos que se chocam; 2. espécie de
batida’, (ii) lambe-lambe ‘1. fotógrafo ambulante; 2. primeira fila dos teatros de
revistas’, (iii) lufa-lufa ‘grande afã, azáfama’, (iv) mexe-mexe ‘ tipo de jogo’, (v) piscapisca ‘1. cacoete de piscar; 2. ato de piscar seguidamente, 3. farol intermitente, 4.
farolete dos automóveis’, (vi) pula-pula ‘tipo de ave’, (vii) puxa-puxa ‘1. diz-se do doce
ou da bala de consistência elástica e grudenta; 2. espécie de alféloa, puxa’, (viii) quebraquebra ‘1. arruaça com depredações; 2. cobra-de-vidro’, (ix) roque-roque ‘1. Ato de
roer; 2. tipo de peixe’.
Formas que não constam nas gramáticas tradicionais nem estão dicionarizadas:
35
(20) beija-beija ‘ação de várias pessoas beijando umas às outras’, empurra-empurra
‘tumulto, em que cada um quer se safar primeiro’,gira-gira ‘brinquedo giratório de
parquinho infantil’, mata-mata ‘jogo decisivo’
O autor aponta que a reduplicação V-V consiste na nominalização de ações por
meio do redobro verbal e possui alta produtividade, podendo ser observada em muitas
línguas do mundo, talvez devido a uma relação com as necessidades comunicacionais
fundamentais do ser humano, revelando tendências generalizadas nas línguas.
2.3 SÍNTESE
Como se vê, a reduplicação é um fenômeno que abrange os dois principais
processos morfológicos da língua: a derivação e a composição. Além disso, é um típico
fenômeno de interface morfologia-fonologia, já que os reduplicantes são desprovidos de
preenchimento segmental, manifestando-se através de uma operação de cópia. No
presente trabalho, é feito um recorte: analisa-se a reduplicação de base verbal, segundo
um modelo teórico que permite acessar analiticamente os dois polos envolvidos na
construção desses termos, o formal e o semântico. Dessa forma, a Morfologia
Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2010), baseada na Gramática das Construções
(GOLDBERG, 1995), revela-se o modelo teórico mais indicado para dar conta do
tratamento desse fenômeno em língua portuguesa, como sustentamos no próximo
capítulo, no qual são apresentadas as bases desse modelo de análise morfológica das
línguas naturais.
3. MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL: PRINCIPAIS IDEIAS
Neste
capítulo, apresentamos o modelo de
morfologia
construcional
(construcion morphology) desenvolvido por Booij em três diferentes trabalhos, dois
artigos e um livro: em Booij (2002), estabelecem-se as bases desse novo modo de
conceber as estruturas morfológicas das línguas naturais; Booij (2005), por sua vez,
descreve o papel do léxico nos mecanismos de formação de palavras; em Booij (2010),
um livro inteiramente dedicado à apresentação do modelo, tem-se uma espécie de
introdução ao paradigma da morfologia construcional.
3.1 MOTIVAÇÃO PARA O MODELO: AS FRONTEIRAS INTERNAS DA
MORFOLOGIA
De acordo com Booij (2002), a observação da literatura referente ao estudo dos
fenômenos morfológicos revela que tanto sua classificação quanto demarcação podem,
muitas vezes, ser uma difícil tarefa. Aliás, não é apenas do ponto de vista didáticoterminológico que a questão apresenta grande importância, mas, sobretudo, devido ao
interesse linguístico em fazer generalizações que sejam capazes de sustentar hipóteses a
respeito de fenômenos da língua. Dessa forma, a aplicação de construções específicas
para o domínio da Morfologia requer a observação atenta de suas características
particulares com o objetivo de prever seu comportamento gramatical.
O referido autor enumera três importantes demarcações investigadas na literatura
morfológica contemporânea: (a) a demarcação entre compostos e construções sintáticas,
(b) a distinção entre flexão e derivação (cf., também, GONÇALVES, 2005) e, mesmo
37
que menos explorada, (c) a delimitação entre a composição e a derivação, essa última
foi escolhida pelo autor como foco investigativo 7.
Tradicionalmente, o critério seguido para a demarcação entre composição e
derivação é a definição de suas unidades de análise: a composição é o mecanismo de
junção de dois ou mais lexemas, enquanto a derivação é o resultado do acréscimo de um
afixo a um lexema.
Investigadores como Lieber (1980, 1992) e Selkirk (1982) apresentam uma
análise que revela as semelhanças entre os processos de composição e derivação. No
entanto, o problema da demarcação não é resolvido apenas com a unificação dos
processos; torna-se necessário definir os critérios que levarão um determinado
constituinte morfológico a ser considerado preso ou livre, assim como se tal diferença
também repousa em dados semânticos e fonológicos e de que modo isso deve ser
observado.
Segundo Booij (2005), na literatura morfológica, o modelo Item-e-Arranjo trata
os processos de composição e derivação como fenômenos radicalmente distintos, ou
seja, enquanto a derivação é vista como a aplicação de uma regra com aspectos de
vários níveis – fonológico, semântico e sintático; a composição é tomada como uma
regra sintática de estruturação de palavras e combinação em compostos.
Anderson (1992), ao defender uma abordagem palavra-e-paradigma da flexão,
acaba por estender essa mesma interpretação morfológica à derivação, fato que
aproxima tal processo a outros tipos de formação de palavras, mesmo os de ordem mais
formal, como os não-concatenativos, a exemplo da reduplicação, foco desta tese.
Entretanto, ele separa a composição da derivação afixal, já que aquela geraria
7
A discussão sobre os limites entre a derivação e a composição vem ganhando destaque nos dias de hoje
e é objeto de investigação, por exemplo, em Kastovsky (2009) e Gonçalves (2011a, 2011b).
38
compostos, unidades passíveis de aplicação de diferentes regras gramaticais e, logo,
teriam uma estrutura morfológica interna acessível a outras regras, enquanto esta última,
ao contrário, não possuiria tal estrutura, uma vez que as palavras resultantes seriam
apenas derivadas de outras. Dessa forma, a hipótese de Anderson sustenta que, se uma
palavra é derivada, suas novas propriedades fonológica, sintática e semântica são
especificadas por uma determinada regra derivacional, o que torna desnecessário o
acesso à sua estrutura morfológica interna.
Booij (2002) procura comprovar que a demarcação entre composição e
derivação não é viável, contrariando a proposta de Anderson. Com esse objetivo,
enumera alguns casos fronteiriços na morfologia, como a relação entre a composição e a
prefixação. Certas palavras complexas do português são objeto de discussão, por
exemplo, em Câmara Jr. (1970):
(01)
contra
irmão contra irmão
entre
entre mim e você
sobre
prato sobre a mesa
contra-ataque
contra-cultura
entre-aberta
entremeado
sobrevoar
sobretudo
É possível observar que as palavras complexas em (01) apresentam uma
formação bastante peculiar, no sentido de que todas são o resultado da união de um
lexema com uma preposição; dessa forma, tais casos podem ser considerados
prefixação, já que preposições são palavras gramaticais. Entretanto, palavras
39
gramaticais também possuem status de lexema e, nessa perspectiva, o resultado dessa
união pode ser considerado um caso de composição.
Outro exemplo dessa situação, encontrado em Booij (2002), é tomado do
holandês, idioma que impõe como regra para a formação de compostos que a tônica
principal apareça no primeiro componente vocabular (BOOIJ, 2002:3). No entanto,
algumas palavras usadas como preposição, adjetivo ou advérbio podem aparecer como
parte de outras palavras sem obedecer a essa regra, ou seja, não apresentam o acento
tônico. Nesse caso, é impossível apontar com exatidão se estamos diante de uma
prefixação ou de uma composição, já que, muito embora o acento não apareça, essas
palavras são lexemas. Observe os exemplos a seguir:
(02)
mis ‘errado’
onder ‘abaixo’
weer ‘de novo’
vorm ‘formar’
breek ‘quebrar’
schijn ‘brilhar’
mis-vorm ‘deformar’
onder-breek ‘interromper’
weer-schijn ‘refletir’
A partir dessas análises, o referido autor afirma que alguns lexemas podem
possuir uma contraparte prefixal. O primeiro indício dessa propriedade seria de ordem
40
fonológica, como é o caso do holandês e sua regra de acento primário; o segundo seria
de ordem semântica, pois os afixos muitas vezes podem apresentar uma gama de
significados que é reduzida ou reinterpretada no lexema resultante, como é o caso de
weer que isoladamente significa “de novo” e como parte da palavra complexa, “no
sentido inverso”. A terceira propriedade, de ordem mais morfológica, aponta que esses
lexemas-prefixos podem, muitas vezes, determinar a categoria gramatical da palavra
complexa, assim como os prefixos prototípicos do holandês, como se vê nos exemplos
em (02).
Com base nessas observações, Booij (2002) propõe a Morfologia Construcional.
Esse novo modelo teórico revela que, devido à semelhança estrutural existente entre os
processos de composição e derivação, é possível expressá-los através de esquemas de
formação de palavras que representam as generalizações prováveis nas línguas; além
disso, esses esquemas são frequentemente usados na formação de novos itens lexicais.
O autor propõe três padrões morfológicos, referenciados conforme (03), a seguir,
modelagem utilizada no trabalho de Gonçalves & Almeida (2012), sobre os chamados
xenoconstituintes, como ‘cyber’, ‘pit’ e ‘tube’, e encontrada também em Faria (2011) e
Castro da Silva (2012):
(03)
(a) composição: [[X]X[Y]Y]Y
(b) sufixação: [[X]X Y]Y
(c) prefixação: [X[Y]Y]Y
Nesses esquemas, as variáveis X e Y representam as sequências fonológicas,
enquanto
X
e
Y
representam as etiquetas lexicais. No caso dos compostos ilustrados em
(03a), a cabeça lexical se encontra à direita da palavra, motivo pelo qual o vocábulo
41
resultante do processo terá a mesma categoria lexical que a base à direita. A prefixação,
segundo o esquema, terá como resultado uma palavra de categoria idêntica a de seu
radical; a sufixação, por outro lado, não segue a categoria gramatical do radical. Esses
esquemas são pertinentes ao padrão morfológico do holandês e obviamente podem
apresentar variações a depender da língua em que são aplicados. Por exemplo, em
português, o esquema de composição teria de ser alterado, já que, independentemente da
categoria de suas bases formadoras, o resultado do processo de composição em
português é sempre um nome. Assim, Gonçalves & Almeida (2012) reescrevem, para o
português, o esquema geral da composição como (04) a seguir:
(04)
composição: [[X]X[Y]Y]N
Outra importante observação a respeito do modelo proposto por Booij é que se
mantém a proposta construcionista inicial, apontada por Goldberg (1995), de
pareamento entre estrutura formal e semântica, com alterações da formalização efetuada
pela autora. O autor mantém o seu esquema nos moldes especificados em (01), (02) e
(03) e propõe o acréscimo da seguinte especificação semântica ao esquema geral da
composição:
(05)
[[X]X[Y]Y]Y “Y com alguma relação com X”
Os esquemas até então apresentados são generalizantes e, portanto, não
especificam afixos possíveis, como as regras de formação de palavras, em Aronoff
(1976), por exemplo, em que operações individuais regem a utilização dos afixos. Mais
42
adiante, na seção 3.3, abordamos com mais vagar as diferenças entre esses dois
dispositivos analíticos.
A ideia fundamental da Gramática das Construções é que instanciações
específicas de padrões sintáticos da língua formam grupos de construções gramaticais
independentes e, por isso mesmo, devem ser definidas individualmente. O autor retoma
o famoso exemplo da construção em inglês V NP away, como em twisting the night
away (“revirando-se noite afora”). Nessa construção idiomática, uma posição é
especificada lexicalmente em um padrão sintático, ou seja, seu significado não será
totalmente composicional. Na mesma construção, o item lexical especificado
permanecerá trazendo o mesmo significado ao conjunto, como em talking the night
away (“conversando noite afora”).
Dessa forma, os esquemas morfológicos propostos por Booij podem ser
interpretados como expressões idiomáticas no nível da palavra, tendo significados
relacionados às suas instanciações específicas. Esses esquemas de construção
representam, na verdade, generalizações de conjuntos de palavras complexas na língua
com diferentes graus de abstração. Essas palavras complexas tornam-se lexemas
convencionalizados. Assim, como proposto na Gramática das Construções, a relação
entre o esquema mais abstrato e as instanciações individuais pode ser representada por
meio de uma árvore construcional, em que construções mais específicas herdam
propriedades de construções dominantes ou mais gerais. Booij exemplifica essa cadeia
hereditária por meio da palavra baker (“padeiro”) do inglês, como se vê em (06), a
seguir:
43
(06)
[[X]X Y]Y
|
[[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’
|
[[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’
Como exemplificado acima, cada nó inferior da árvore herda propriedades de
nós dominantes. É importante ressaltar, ainda, que a palavra baker herdará propriedades
de sua base, o lexema verbal bake, que também estará ligado à árvore:
(07)
[[X]X Y]Y
|
[[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’
|
[[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’
[bake]V
Com essas observações, Booij (2005:14) determina um dos princípios
fundamentais de sua Morfologia Construcional: o de que palavras complexas devem ser
autorizadas a ter ligações múltiplas no léxico.
É importante observar que a segunda linha das árvores em (06) e (07) expressa a
formação de substantivos deverbais em -er. Diversas palavras podem ser formadas por
meio do mesmo esquema, como ocorre com o verbo to fix em inglês, que dá origem ao
44
substantivo fixer (jeitoso). Logo, a palavra fixer é uma instanciação do esquema de
formação de substantivos deverbais em -er no inglês.
Os falantes conhecem e dominam os esquemas morfológicos por meio dos
conjuntos de palavras que instanciam esses padrões. Dessa forma, os usuários da língua
são capazes de inferir um sistema abstrato ao se depararem com um número de palavras
do mesmo tipo e estendê-lo ainda mais. É dessa forma que ocorre, provavelmente, a
aquisição da linguagem. Segundo Tomasello (2000), o ponto final do período aquisitivo
é definido “em termos de construções linguísticas de diferentes graus de complexidade,
abstração e sistematicidade.” A Morfologia Construcional parte do pressuposto de que
isso também se aplica no nível das construções morfológicas.
3.2 CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS: PRIMEIRAS IDEIAS
Posteriormente, Booij (2010), em sua obra “Construction Morphology”, dá
continuidade ao seu trabalho, procurando desenvolver e definir melhor as bases da sua
teoria, para a qual a ideia de “construção” é o elemento fundador. Dessa forma, seria
possível tratar mais satisfatoriamente a relação entre sintaxe, morfologia e léxico,
observando melhor as diferenças e semelhanças de formação nos níveis da palavra e da
frase. Observe-se a lista de palavras abaixo, dada pelo autor (BOOIJ, 2010:2 ):
(08)
buy (comprar) buyer (comprador)
eat (comer)
eater (comedor*)
shout (gritar)
shouter (gritador*)
walk (andar)
walker (andador*)
45
Na lista em (08), existe, além da diferença formal, uma diferença de significado
entre as palavras da coluna da esquerda em relação às da direita. Os vocábulos da direita
representam os agentes das ações expressas pelos verbos da esquerda. Logo, esses pares
de palavras possuem uma relação paradigmática que pode ser projetada para o verbo
como uma espécie de estrutura morfológica interna da palavra, como em (09):
(09)
[[eat]V er]N
Dessa forma, a lista em (08) pode suscitar um esquema abstrato como o
seguinte:
(10)
[[X]V er]N ‘aquele que V’
O esquema em (10) expressa uma generalização sobre a forma e o significado de
nomes deverbais listados no léxico e que pode inclusive funcionar como ponto de
partida para a formação de novas palavras na língua. No caso do inglês, Booij observa
que o esquema abstrato [[x]V er]N levou à formação do nome “skyper” por meio da
aplicação do verbo “to skype” no lugar da variável x. As novas palavras criadas com
base em esquemas abstratos são acrescentadas ao léxico da língua e podem apresentar
propriedades idiossincráticas e/ou convencionalizar-se, como explica o autor no texto de
2007, no qual se dedica exclusivamente ao tratamento de questões desse tipo (BOOIJ,
2007).
Tomasello (2000) aponta que a aquisição da linguagem se inicia por meio da
criação de representações mentais de casos concretos observados no uso da língua. O
falante-aprendiz faz abstrações com base em estruturas linguísticas com propriedades
46
similares e acaba por adquirir o sistema abstrato da língua em questão. Booij (2010)
aponta que duas conclusões podem ser tiradas com base nessa análise:
(a) generalizações morfológicas não podem ser reduzidas ou compreendidas
apenas por meio da sintaxe ou da fonologia, ou seja, existe uma espécie de subgramática morfológica relativamente autônoma dentro das gramáticas naturais das
línguas; e
(b) os outputs de operações morfológicas podem ser listados no léxico. Logo, os
esquemas morfológicos têm a função de expressar propriedades previsíveis para a
formação de palavras complexas e fomentar o léxico com grupos e subgrupos de
palavras.
3.3 SOBRE ESQUEMAS E REGRAS
De acordo com Basílio (2010), a noção de regra foi amplamente difundida nas
abordagens gerativistas lexicalistas (CHOMSKY, 1970, ARONOFF, 1976), as quais
afirmam que a competência lexical do falante está diretamente relacionada à capacidade
de domínio e aplicação das regras de formação de palavras presentes em uma
determinada língua. Dessa forma, as regras devem reger as possibilidades de formação
em um dado idioma e lidam, portanto, com formas ideais.
A autora aponta que, no entanto, o modelo baseado em regras apresenta algumas
dificuldades no que tange a sua aplicação. Segundo ela, o primeiro problema já aparece
na falta de precisão para o conceito de regra, isto é, não há uniformidade nesse sentido,
já que não raro uma definição pode aplicar-se a um caso e não a outro, tal qual ocorre
com a morfologia flexional e a derivacional. Outro complicador é a falta de uma
abordagem adequada para o significado, que se torna um assunto à margem, tratado no
47
gerativismo lexicalista por meio da decomposição de traços primitivos. Além disso, o
gerativismo é reconhecido como um modelo teórico mais associado ao tratamento de
padrões sintáticos, ou seja, a semântica não desfruta de um enfoque adequado nessa
teoria.
Ainda no que diz respeito à ideia de regra, Basílio (2010) afirma que a relação
entre morfologia e léxico é mais um ponto delicado nesse caso. A autora observa que a
separação entre palavras e regras pode se revelar problemática, tendo em vista que nem
sempre é possível estabelecer um paralelismo perfeito entre as postulações teóricas e as
ocorrências lexicais. Com base na relação palavra/regra, Basílio (2010:4) faz a seguinte
reflexão:
“Se tomarmos a distinção palavra/regra e seu
funcionamento na flexão, na grande maioria dos
casos é adequada a afirmação de que as várias
formas flexionadas de um vocábulo são objetos
morfológicos produzidos ou sancionados pelas
regras flexionais correspondentes. Entretanto,
sistemas flexionais apresentam um caráter
paradigmático, também presente em configurações
derivacionais, que não é representado na
formulação de regras”.
Logo, as observações feitas pela autora indicam que um modelo baseado em
regras encontra muita dificuldade de aplicação em diversas perspectivas e deixam a
desejar, sobretudo no que tange ao tratamento da morfologia derivacional. Dessa forma,
os casos de formação de novas palavras muitas vezes envolvem desvios dos quais a
noção de regra não pode dar conta.
Em contrapartida, surge a noção de esquema como uma alternativa que dê conta
mais satisfatoriamente das generalizações necessárias à descrição linguística. Em seu
modelo de Morfologia Construcional, Booij (2010) menciona que quatro das
48
propriedades gerais de esquemas, propostas por Rumelhart (1980), são importantes e
relevantes na discussão sobre os esquemas construcionais na morfologia. São eles:
1. esquemas possuem variáveis;
2. esquemas podem ser embutidos, um dentro do outro;
3. esquemas representam conhecimento em todos os níveis de abstração;
4. esquemas são processos ativos.
Nesse sentido, Gonçalves & Almeida (2013) apontam que as palavras são vistas
como unidades simbólicas convencionais e os esquemas podem representar tais
unidades de forma mais específica ou mais abstrata. Logo, um modelo baseado em
esquemas proporciona uma análise da estrutura das palavras complexas sem esbarrar
nos inconvenientes das regras. Essa mesma noção de “esquema” é bastante difundida na
ciência cognitiva como representações de conceitos genéricos estocados na memória.
Segundo Ferrari (2010: 150), “trata-se, portanto, de uma visão não-derivacional, que
explica a regularidade da gramática com base em esquemas abstratos gerais
associados a significados específicos, e não em regras de manipulação de símbolos,
como fazem os modelos gerativos.”
A relação entre esses esquemas e as palavras é feita por instanciação. Uma
palavra como comprador instancia um esquema abstrato que, por sua vez, expressa que
o sufixo –dor não deve ser listado no léxico, pois não pode ocorrer como forma livre na
língua. Booij (2010) destaca que os esquemas construcionais, como o apresentado em
(11), assemelham-se às regras de formação de palavras propostas por Aronoff (1976),
tal qual o modelo exemplificado abaixo:
49
(11) [X]V  [[X]V dor]N Semântica: ‘aquele que V habitualmente, profissionalmente’
Ambos os tratamentos partem de uma palavra-base e, portanto, afixos não são
itens lexicais; também assumem a existência de diversos padrões abstratos e afirmam
que as palavras complexas, listadas no léxico, instanciam regras ou esquemas. No
entanto, uma diferença relevante é que as regras são limitadas nesse sentido, por serem
orientadas apenas para o input (as operações morfológicas são aplicadas à palavra base)
enquanto esquemas podem ser orientados tanto para o input quanto para o output.
Contudo, é possível observar que um modelo baseado em esquemas é muito mais
vantajoso do que aquele baseado em regras, pois, enquanto esse último procura dar
conta da competência lexical do falante ao propor formas hipotéticas, o primeiro emerge
do uso e é capaz de captar generalizações das formas reais, proporcionando inclusive
um tratamento mais adequado aos casos de desvio.
3.4 CONSTRUÇÕES: A NOÇÃO DE CONSTRUÇÃO GRAMATICAL E IDIOMA
CONSTRUCIONAL
De acordo com Booij (2010), a ideia de “construção”, definida com o
pareamento de forma e significado, é tradicionalmente aplicada a padrões linguísticos
que associam propriedades formais a uma semântica específica. Esse modelo remete aos
parâmetros propostos por Goldberg (1995) com a Gramática das Construções. O
modelo de Goldberg repousa na concepção de que a gramática de uma língua é formada
por uma rede de construções gramaticais (CGs). Esse modelo permite o tratamento de
fenômenos linguísticos em níveis distintos. De acordo com a teoria construcionista, as
construções gramaticais constituem modelos complexos formados através do
pareamento de forma e significado; em outras palavras, segundo tal modelo, forma e
50
significado não se dissociam; na verdade, são contrapartes de uma mesma unidade,
acessada e processada composicionalmente pelos usuários de uma língua. Dessa forma,
uma construção pode estar ligada à outra, formando uma enorme rede, o que constitui o
inventário linguístico do falante.
Os princípios nos quais repousa o modelo teórico construcional podem ser
listados da seguinte forma (GOLDBERG, 1995):
(i) Princípio da não-sinonímia: uma construção não deve ser idêntica à outra,
semântica e pragmaticamente;
(ii) Princípio do poder expressivo maximizado: o inventário de construções deve ser
sempre maximizado para atender a fins comunicativos;
(iii) Princípio da economia maximizada: o número de construções distintas deve ser
minimizado quanto possível;
(iv) Princípio da motivação maximizada: as relações entre as construções devem ser
estabelecidas sintática e semanticamente.
Além disso, para formar redes, as construções são ligadas umas às outras por
meio de relações de herança. Goldberg (op. cit.) identifica quatro tipos de relações de
herança, são elas: (a) ligação por polissemia, (b) ligação por instanciação, (c) ligação
por subpartes e (d) ligação por extensão metafórica. No caso da reduplicação de base
verbal, foco deste trabalho, apenas os tipos (a) e (b) são relevantes. Dessa forma,
podemos entendê-los da seguinte maneira:
(a) Ligação por polissemia: estabelece uma relação entre o sentido específico de uma
construção e sua extensão presente em outra;
(b) Ligação por instanciação: ocorre quando uma determinada construção é a instância
da outra, com alguns elementos especificados, isto é, requer que uma construção seja
51
aberta a ponto de permitir que demais construções surjam a partir da especificação de
seus elementos.
Com o objetivo de exemplificar a ideia de construção, Booij (2010) retoma um
dos exemplos mais conhecidos de construção sintática: a construção de movimento
causado de Goldberg (2006).
(12) Pat sneezed the foam off the cappuccino.
Pat espirrou a espuma fora do cappuccino.
Na sentença em (12), o verbo inglês to sneeze é usado como transitivo e volitivo.
No entanto, o seu uso mais comum é como intransitivo e não-volitivo. Apesar disso,
quando utilizado com um objeto, esse verbo entra numa construção de movimento
causado e modifica suas propriedades sintáticas e semânticas. Dessa forma, isso
ocorrerá com qualquer verbo que entrar nessa construção e essas instanciações
individuais receberão o nome de constructos.
Ainda, outra noção importante para o desenvolvimento da análise da
reduplicação de base verbal está presente em Goldberg (1995): a ideia de apagamento
de argumento, sendo que um deles é o de complemento nulo. Ora, o presente fenômeno
resulta em uma reconfiguração sintática, na qual os argumentos verbais são, muitas
vezes, apagados à medida que ocorre a nominalização dos termos (VN).
Os complementos verbais podem ser nulos quando a identidade do referente é
desconhecida ou irrelevante; é o que ocorre em casos como os seguintes (GOLDBERG,
1995:58):
52
(13)
After the operation to clear her esophagus, Pat ate and drank all evening.
Depois da operação para limpar seu esôfago, Pat comeu e bebeu a noite toda.
No exemplo acima, ocorre um complemento nulo indefinido, já que não se
sinaliza quais substâncias foram comidas ou bebidas – os objetos dos verbos eat e drink
não são expressos e tampouco se pode retomá-los por meio do contexto. Esse tipo de
caso é diferente de um complemento nulo definido, em que o objeto apagado pode ser
retomado por meio do contexto, como em (GOLDBERG, 1995:59):
(14)
Chris blamed Pat [ ].
Chris culpou Pat [ ].
Jo won [ ].
Jo venceu [ ].
Nesses casos, os argumentos podem ser recuperados no contexto; logo, esses
complementos são do tipo definido.
Booij (2010) também observa que a ideia de “construção” tem ocupado um
importante lugar em modelos linguísticos recentes, dentre eles os mais conhecidos são a
Gramática das Construções (CROFT 2001; GOLDBERG 1995, 2006) e a Gramática
Cognitiva (LANGACKER 1999). Goldberg (2009), por exemplo, aponta que as
construções podem variar em tamanho e complexidade. No entanto, apesar de a autora
elencar a categoria morfema na lista das construções, Booij afirma que esse elemento
não deve figurar em tal lista porque não consiste em um pareamento de forma e
significado independente. Ele considera que, na verdade, incluir essa categoria na lista
53
representa apenas uma reminiscência da morfologia baseada em morfemas. Logo, os
morfemas fazem parte de esquemas morfológicos e sua contribuição significativa é
acessível apenas por meio do significado da construção morfológica como um todo.
Croft (2001), por exemplo, apresenta a seguinte tipologia de construções:
(15) O continuum sintaxe-léxico
Michaelis & Lambrecht (1996)8 assim se posicionam a respeito da relevância da
Gramática das Construções para a análise das palavras:
Na Gramática das Construções, a gramática
representa um inventário de forma-significadofunção complexas, no qual palavras são
diferenciadas de construções gramaticais apenas
pela observação de sua complexidade interna. O
inventário de construções não é desestruturado;
ele é mais como um mapa do que uma lista de
compras. Elementos nesse inventário são
relacionados por meio de hierarquias de herança,
contendo padrões mais ou menos gerais.
8
“In Construction Grammar, the grammar represents an inventory of form-meaning-function complexes,
in which words are distinguished from grammatical constructions only with regard to their internal
complexity. The inventory of constructions is not unstructured; it is more like a map than a shopping list.
Elements in this inventory are related through inheritance hierarchies, containing more or less general
patterns.”
54
De acordo com Booij (2010), os processos morfológicos são idiomas
construcionais, espécies de construções semi-abertas, em que ocorre a união de um
elemento preso (afixo) a uma outra parte aberta (base); logo, em um idioma
construcional, nem todas as posições são lexicalmente fixas. Isso influi diretamente na
concepção de léxico, pois, nesse caso, não se forma uma lista fixa de expressões: ela
pode ser estendida mediante casos de uso criativo da linguagem. Nesse sentido, as
formações lexicais são idiomas construcionais no nível da palavra. Segundo Booij
(2010:13)9:
“A existência de tais idiomas construcionais
tem implicações para nossa visão do léxico.
Tradicionalmente, o léxico é concebido como
uma lista de expressões linguísticas fixas e
convencionalizadas, tanto as palavras quanto
as unidades frasais idiomáticas maiores.
Entretanto, os fatos discutidos aqui implicam
que o léxico tem de ser estendido com idiomas
subespecificados parcialmente” [...]
Dessa forma, composições como criado-mudo e arco-íris são fechadas,
enquanto formações como guarda-roupa e cavalo-marinho são abertas, pois podem ser
estendidas em casos como guarda-pó ou leão-marinho, por exemplo.
Construções são, portanto, interseções de níveis diferentes da língua e são
organizadas hierarquicamente por meio de ligações por herança em uma espécie de rede
ou teia. Um ponto importante destacado por Booij (2010) é que a ideia de uma
“construção morfológica” não é realmente tão recente quanto parece. Em Language,
Bloomfield, no capítulo sobre morfologia, afirma que há “três tipos de construções
morfológicas” e destaca que uma palavra complexa possui “uma camada exterior de
9
“The existence of such constructional idioms has implications for our view of the lexicon. Traditionally,
the lexicon is conceived of as the list of conventional and fixed linguistic expressions, both words and
larger idiomatic phrasal units. However, the facts discussed here imply that the lexicon has to be
extended with partially underspecified idioms” […]
55
construções flexionais e uma camada interior de construções de formação de palavras”
(BLOOMFIELD, 1933: 227). A inovação consiste, portanto, na análise morfológica nos
moldes da Gramática das Construções.
Retomando as formações lexicais X-er, os nomes deverbais em inglês são,
portanto, idiomas construcionais com uma posição fixa, o sufixo –er. Nesse sentido, o
significado agentivo desses idiomas construcionais também é especificado e tomado
holisticamente da construção como um todo. Esse significado não pode ser evocado
pelo sufixo somente; prova disso é que, quando se acrescenta essa sequência a um
adjetivo em inglês, o resultado é uma construção comparativa, como taller. Logo,
nomes deverbais são constructos morfológicos que instanciam essa construção; forma
fonológica e morfossintática confluem em uma só representação. Entretanto, isso não
ocorre apenas com a derivação; a composição, outro tipo básico de formação de
palavras, também pode ser representada construcionalmente, tal como exemplificado a
seguir (BOOIJ, 2010: 18):
(16) [[a]XK [b]Ni ]Nj ↔ [SEMi com relação R para SEMK]j
[αF] [αF]
(17)
NN
book shelf (guarda-livros)
VN
drawbridge (ponte levadiça)
NA
blackboard (quadro-negro)
PN
overdose
56
No esquema em (16), a variável x representa uma categoria lexical, que pode ser
Nome, Verbo, Adjetivo e Preposição; as variáveis a e b representam sequências sonoras
arbitrárias; as variáveis i, j e k são índices lexicais para propriedades fonológicas,
sintáticas e semânticas de palavras; R é determinado por cada composto individual; e
[αF] indica que não apenas a categoria sintática da cabeça à direita será idêntica a do
composto resultante, mas também as demais características, como gênero e declinação,
ou seja, essa base é a cabeça formal e semântica do composto. Toda a palavra composta
será uma instanciação desse esquema. Umas das principais vantagens dessa descrição
esquemática é que ela torna desnecessária a chamada Regra de Adjunção de Núcleo à
Direita (WILLIAMS, 1981) para a generalização de que a categoria de uma palavra
composta é determinada pelo seu constituinte à direita.
Além disso, novas palavras podem ser criadas por meio da unificação de um
esquema com um item lexical, como ocorre com a palavra inglesa skyper. Nesse caso, a
unificação do verbo skype com o esquema das formações em -er resulta no constructo
skyper (“aquele que se comunica através do skype”). A unificação é uma operação usada
para criar expressões linguísticas bem formadas. Essa mesma operação pode ocorrer
com a prefixação, como é o caso da palavra out em inglês. Entretanto, nesse caso, podese considerar que ocorra uma composição, visto que out é um item polissêmico,
podendo ser usado como preposição ou advérbio. Essa alternativa é exemplificada em
(18) a seguir:
(18) [[out] ADV [X]Vi]Vj ↔ [exceder alguém ou alguma coisa em SEMi]j
Mary outdances John
Mary dança melhor que John.
57
Como anteriormente observado, na perspectiva linguística apresentada por Booij
(2007), o léxico é representado como uma hierarquia e as palavras são agrupadas em
categorias, que, por sua vez, são subcategorizadas com base em diferenças entre si. Ao
final da hierarquia, encontram-se palavras individuais, como representado na figura
abaixo:
(19)
Em (19), é representado um sistema hierárquico em forma de uma árvore de
herança, no qual cada nó herda propriedades de nós dominantes. Com base nessa ideia,
é possível, por exemplo, dividir a classe dos nomes em simples e complexos e esta
última categoria, em subclasses com uma estrutura morfológica definida, tal qual se
observa na figura (20) a seguir:
(20)
58
Nota-se, portanto, que os esquemas dominam as palavras individuais
diretamente. No entanto, essa não é apenas a única informação herdada pela palavra
complexa; entra em jogo também a informação vinda da palavra base, como
demonstrado no exemplo a seguir:
(21)
A relação entre palavra base e palavra derivada é apontada por meio de coindexação, ou seja, o índice lexical da base aparece como parte da informação da
palavra derivada. Booij assume a “teoria da entrada plena”, defendida por Jackendoff
(1975). Essa teoria pressupõe que as entradas lexicais são especificadas e o sistema de
herança julga qual informação é redundante e pode, portanto, ser descartada. Nessa
interpretação, com a unificação do esquema e da palavra base, ocorre o licenciamento
do constructo morfológico, ou seja, da própria palavra complexa. Dessa forma, são os
esquemas que dão o suporte para observar em cada entrada lexical qual informação é
previsível e redundante.
Ainda a respeito de sistemas de herança, Booij introduz uma noção considerada
por ele crucial, a de “herança default”. Ele afirma que, muitas vezes, uma informação
presente em um nó mais alto na hierarquia não é herdada, acabando por ser substituída
pela propriedade presente em um nó mais baixo. Esses casos de exceção provam que
nem toda informação de nós predominantes é necessariamente preservada. Um exemplo
59
desse tipo de ocorrência é o sufixo -baar (-ável) do holandês, que normalmente é
associado a verbos transitivos para formar adjetivos. No entanto, existem casos como
werk-baar (trabalhável), em que esse sufixo é acrescentado a um verbo intransitivo.
Nesse tipo de caso, ocorre uma subcategorização de exceção, ou seja, um verbo
intransitivo compatibiliza na construção como transitivo. A unificação do esquema com
um verbo intransitivo não é bloqueada, visto que não interfere no uso regular do
adjetivo formado.
Da mesma forma, as generalizações abstratas sobre um sistema morfológico
também podem ser feitas por herança default. Observem-se os exemplos abaixo:
(22) [a [b]Yj]Yi ↔ [SEM [SEMj]]i
|
|
[be [b]Nj]Vi ↔ [SEM [SEMj]]i
Os esquemas em (22) apresentam a e b como variáveis fonológicas e Y
representa a categoria sintática da palavra base. Essas generalizações se referem à
prefixação em inglês. Nela, a palavra base compartilha a categoria sintática com a
palavra derivada. Logo, esse esquema é uma generalização acerca de construções
morfológicas, ou seja, é uma metaconstrução. Entretanto, muito embora o esquema
geral domine aquele para palavras inglesas com prefixo be-, a especificação de V anula
a de N, que era previsível no esquema geral, tudo em perfeita conformidade com a ideia
de herança default.
Os casos analisados até aqui servem para comprovar que a ideia de um léxico
hierárquico é fundamental para expressar generalizações e subgeneralizações em
diferentes níveis de abstração (palavras individuais, construções morfológicas e
60
metaconstruções morfológicas). Outra importante observação é que os esquemas são
orientados para o output. Logo, essas generalizações funcionam como importantes
argumentos em favor de esquemas em detrimento de regras, que são orientadas para o
input., como já tivemos a oportunidade de destacar em 3.3.
Booij não descarta as relações paradigmáticas, ou seja, as correlações entre listas
de palavras com o mesmo grau de complexidade e derivadas da mesma palavra base.
Nesse tipo de relação, o significado de um termo é definido com base no significado do
outro. Com o intuito de demonstrar como se dá esse tipo de correspondência são
apresentados os exemplos abaixo retirados do inglês:
(23) < [x-ism]Ni ↔ SEMi > ≈ < [x-ist]Nj ↔ [pessoa com propriedade de Y relacionada a
SEMi]j >
(24)
altru-ism (altruísmo)
altru-ist (altruísta)
aut-ism (autismo)
aut-ist (autista)
bapt-ism (batismo)
bapt-ist (batista)
commun-ism (comunismo)
commun-ist (comunista)
pacif-ism (pacifismo)
pacif-ist (pacifista)
Nos esquemas em (23), SEMi representa o significado da palavra terminada em
–ism. Dessa forma, um altruísta tem uma disposição para o altruísmo e um pacifista
adere à ideologia do pacifismo. A relação paradigmática entre esses dois esquemas pode
conduzir à formação de novas palavras, já que, por meio de uma palavra como
determinism (determinismo), é possível facilmente formar determinist (determinista) e
61
conhecer seu significado de “pessoa que adere ao determinismo”. Em outras palavras,
por meio de um dos termos da relação paradigmática é possível criar uma nova palavra
e conhecer seu significado, processo que pode ocorrer em ambas as direções, ou seja,
seria igualmente fácil formar determinismo a partir de determinista. Entre as formações
X-ista e as formações X-ismo, temos o que Basílio (1980) denomina de padrão
derivacional geral, formalizado conforme (25) a seguir:
(25)
[[Xista  [[Xismo
É importante salientar que, nesses casos, o significado não se traduz apenas
como a função composicional das partes de seus constituintes: é, na verdade, o resultado
da relação entre palavras com o mesmo grau de complexidade (BOOIJ, 2010: 36). As
relações paradigmáticas entre esquemas construcionais revelam a necessidade dos
usuários da língua em expressar, de maneira flexível, generalizações correspondentes à
interpretação semântica de palavras complexas. Além disso, as construções gramaticais
permitem especificar propriedades que não podem ser deduzidas da simples leitura de
seus constituintes. Um bom exemplo disso são os compostos VN das línguas neolatinas,
como o francês, o italiano e o português, exemplificados a seguir:
(26) Francês
a. chauffe-eau
quente-água
“aquecedor”
b. coupe-ongle
corta-unha
“alicate”
62
Italiano
c. lava-piatti
lava-pratos
“lava-louça”
d. porta-lettere
leva-cartas
“carteiro”
Português
porta-copos
mata-mosquito
pára-raios
limpa-vidros
É possível observar, em (26), que os constituintes dos compostos neolatinos não
trazem consigo a ideia de agente/instrumento veiculada no significado final. Essa noção
só existe na construção como um todo. Logo, lava-louças, por exemplo, não evoca o
significado de instrumento em seus componentes, tampouco trata-se de um certo tipo de
louça, mas de uma máquina que lava louças. Dessa forma, essa propriedade não deriva
dos constituintes, ou seja, é tomada holisticamente. Nesse caso, agente/instrumento e
classe são propriedades holísticas, que só podem ser depreendidas da construção como
um todo. Nota-se, ainda, que esse é um tipo de composto exocêntrico, já que a cabeça
lexical não é um nome e, no entanto, a palavra composta pertence a essa categoria.
63
A composição exocêntrica é um fenômeno generalizado e apresenta uma
produtividade irregular quando se comparam as diferentes línguas naturais. No inglês,
por exemplo, existem poucos compostos exocêntricos, como cut-throat (degolador) e
pick-pocket (pivete). Por outro lado, no chinês e no japonês, esse tipo de composto
ocorre em grande número.
3.5 SITUAÇÕES DE INTERFACE
As palavras funcionam como peças complexas de informação, às quais são
associados significados particulares a sequências sonoras determinadas. Observe, na
figura (27) a seguir, um exemplo de estrutura paralela tripartida na representação lexical
da palavra inglesa dog:
(27)
i ↔ Ni ↔ DOGi
|

|
dog
Na figura em (27), observa-se uma palavra fonológica () que consiste em uma
única sílaba () com apenas três sons, aqui referenciados pelas letras que os
representam. Essa palavra fonológica é co-indexada (i subscrito) juntamente com a
informação sintática (N) e semântica desse vocábulo (referenciada em letras
maiúsculas). O termo “co-indexação” é utilizado para especificar a correspondência
entre diferentes tipos de informação que levam ao conhecimento de uma palavra
(BOOIJ, 2010:7). Nesse sentido, cada palavra deve ser interpretada como um elemento
64
de interface entre vários níveis de representação linguística, nos quais podemos observar
a sistematicidade que existe na correspondência entre diferentes informações
(JACKENDOFF, 2002).
Dando continuidade a esse raciocínio, Booij apresenta os esquemas abaixo:
(28)
i

↔

Ni
↔
Vj
AfK
Ni
↔
[aquele que BAKEj (assa)]i
[b e I k]j[ər]K
(29)
i
↔
[ ]j[ər]K
Vj
[aquele que ....j ]i
AfK
Em (28), nota-se uma palavra complexa derivada de um verbo por meio de
sufixação em –er. Na representação dessa palavra, há três tipos de informação em jogo:
a parte fonológica, constituída por duas sílabas; a parte sintática, que caracteriza o
vocábulo como um nome, sujeito da ação de bake (“assar”), e a parte semântica, que
expressa o significado da palavra complexa. Os índices
j
e
K
se referem à carga
significativa da base do verbo e do sufixo, respectivamente.
A figura em (29) ilustra o esquema geral para palavras deverbais terminadas em
–er no inglês. Nesse caso, a informação fonológica é omitida, já que ela não é fixa;
depende sempre do verbo selecionado. É importante atentar que essa operação é feita no
nível fonológico por meio da concatenação da sequência de sons do afixo à direita da
base, de acordo com a estrutura prosódica em questão. Assim, através da interface ou
65
relação entre os níveis fonológico e morfossintático, o sufixo é silabificado com a raiz à
qual foi adicionado, ba.ker. No entanto, isso significa que a fronteira morfológica da
palavra (bak-er) não é respeitada pela fonologia, pois ela não coincide com a sua
fronteira silábica (ba-ker), isto é, nem sempre haverá isomorfia entre estruturas
morfológicas e prosódicas.
Apesar disso, Booij observa que existem muitos sufixos que influenciam
diretamente na maneira como as palavras complexas são silabificadas. Ele dá como
exemplo a palavra helpless, na qual as fronteiras morfológica e fonológica coincidem,
help.less. A distinção entre esses dois tipos de sufixação é fundamental para um
tratamento mais apropriado da interface morfologia-fonologia, no sentido de que tal fato
aponta para a existência simultânea de dois sub-sistemas fonológicos, por exemplo.
Entretanto, muito embora a afixação e a composição sejam os processos de formação de
palavras complexas mais comuns, existem outros mecanismos, como o truncamento, a
alternância de vogal ou cruzamento vocabular, os chamados processos nãoconcatenativos. Como mostra Gonçalves (2004), em operações como essas, a estrutura
morfológica não fica aparente em termos de constituintes, revelando que processos
fonológicos específicos estão envolvidos em sua formação, ou seja, essas palavras
podem ter sua própria co-fonologia. Dessa forma, no que se refere à interface, as
informações morfológicas e fonológicas das palavras complexas não apenas são
acessíveis umas às outras, assim como também podem se influenciar mutuamente
(McCARTHY & PRINCE, 1995).
Do mesmo modo, existe um tratamento de interface para a relação entre
morfossintaxe e semântica. O princípio mais geral aplicado a esse tratamento é o
Princípio da Composicionalidade (HOCKETT, 1947), o qual propõe que o significado
de uma palavra complexa é uma função composicional da contribuição significativa e
66
estrutural de seus constituintes. Booij apresenta um exemplo desse tipo de relação por
meio da expressão alemã “(die) wasser-leitung” (“bica”), que pertence ao gênero
feminino porque segue o gênero de seu constituinte à direita (leitung - cano). O
significado das construções morfológicas não é derivável daquele de seus constituintes,
ou seja, não é apenas a soma das partes, mas uma função significativa específica. Isso
prova a necessidade de um módulo de interface que trate da relação entre Sintaxe e
Semântica. É importante lembrar, também, que uma interface Semântica – Fonologia é
igualmente possível: fenômenos, como a carga significativa da entonação em
determinadas sentenças, comprovam essa possibilidade. Isso leva à constatação de que
Morfologia e Sintaxe não são componentes completamente separados e sua relação
precisa ser destacada.
3.6 A UNIFICAÇÃO DE ESQUEMAS
Na seção 3. 3 foram apresentadas as propriedades gerais dos esquemas. Nesta
seção, uma dessas propriedades será focalizada:
2. esquemas podem ser embutidos, um dentro do outro
As propriedades 1, 3 e 4 já foram bastante exploradas neste capítulo, pois, afinal,
as construções morfológicas são esquemas com variáveis, possuem diversos graus de
abstração e funcionam como fórmulas para criar novas palavras. Dessa forma, a
segunda propriedade deve ser discutida com mais vagar. Ela torna-se interessante na
medida em que permite formar palavras complexas, muito embora possa haver uma
lacuna em um nível intermediário dessa formação. Um caso como esse é ilustrado
67
abaixo, em (30): é possível formar o adjetivo unbeatable (invencível) sem que seu
adjetivo intermediário beatable* exista convencionalmente.
(30) [un-A]A + [V-able]A = [un[V-able]A]A
Isso também ocorre em holandês, por exemplo, com o acréscimo do prefixo on-,
expressando negação, como em on-gewoon (“incomum”). Na maior parte dos casos, o
adjetivo intermediário é apenas uma palavra possível, não listada no léxico. Logo,
existem dois padrões de formação de palavras sendo usados nessa construção, um
dentro do outro.
(31)
verbo
adjetivo deverbal
Adjetivo com on-
bedwing (suprimir)
bedwing-baar
on-bedwing-baar (insuprimível)
bestel (entregar)
bestel-baar
on-bestel-baar (não entregue)
blus (extinguir)
blus-baar
on-blus-baar (inextinguível)
verwoest (destruir)
verwoest-baar
on-verwoest-baar (indestrutível)
A unificação de esquemas explica, portanto, a possibilidade do uso de dois ou
mais padrões de formação de palavras combinados, o que acaba por depor contra um
modelo baseado em regras de formação de palavras, já que a ocorrência simultânea de
mais de uma regra não é possível, sendo necessário recorrer a dispositivos, como, por
exemplo, o salto de etapas, tal como formulado em Sandmann (1994), para um grande
número de formações lexicais do português, a exemplo das que se observam em (32),
todas constituídas de des- e -izar, mas sem acesso a uma base verbal prévia X-izar:
68
(32) descupinizar
desratizar
desinsetizar
O esquema unificado significa que o falante desenvolveu a habilidade de
relacionar a base à palavra complexa de tal forma que isso resulta em um processo
derivacional duas ou mais vezes além da base. É importante observar que a gramática
não é afetada negativamente por esse fenômeno, porque a unificação se dá entre
esquemas já existentes nas línguas.
Outra ideia explorada por Booij (2005, 2010) é a de produtividade incorporada.
Esse termo se refere a um caso em que um dado processo de formação de palavras não é
produtivo, mas pode tornar-se ao ocorrer unificadamente com outro, isto é, blocos de
construção improdutivos podem levar a esquemas unificados produtivos. Um bom
exemplo desse tipo de caso pode ser retirado do holandês. Nessa língua, há uma
composição NV10 que ocorre unificadamente com uma sufixação. Apesar de os
compostos não apresentarem uma produtividade tão relevante separadamente, uma vez
feita a sufixação, alcança-se uma boa produtividade. A seguir, são apresentados o
esquema da composição com sufixo, resultante da unificação de [NV] V e [Ver]N, e
exemplos retirados do holandês.
(33)
10
[[[N][V]]V er]N
Booij (2010) explica que esses compostos também podem ser considerados do tipo NN, já que o verbo
envolvido no processo é um nome deverbal.
69
a. aandacht-trekk-er
atenção-desenhar-er
pessoa que desenha com atenção
b. brand-bluss-er
fogo-extinguir-er
extintor de incêndio
Segundo Booij, os esquemas anteriormente aludidos podem apresentar subcasos.
Em outras palavras, os esquemas mais gerais podem instanciar subesquemas, como
apresentado a seguir com exemplos de composições em línguas germânicas:
70
(34)
[[a]Xk [b]Yi ]Yj ↔ [SEMi relação de R para SEMk]j
|
|
[αF] [αF]
[[a]Xk [b]Ni]Nj ↔ [SEMi com relação de R para SEMk]j
Em (34), observa-se, primeiramente, o esquema mais geral, no qual o composto
como um todo compartilha as propriedades do constituinte à direita, o que é expresso
por meio de [αF]. Logo abaixo, o esquema mais específico expressa a informação a
respeito da categoria gramatical da cabeça à direita, um nome. Dessa forma, o composto
como um todo também pertencerá a essa categoria.
Booij (2010) também faz importantes observações acerca de casos de
polissemia. Ele afirma que a polissemia na formação de palavras pode proporcionar
evidências para diferentes níveis de generalização e graus de abstração em uma
hierarquia lexical. Ele recorda que existem tratamentos distintos para a questão da
polissemia na formação de palavras. O mais radical divide forma e significado em
módulos diferentes da gramática, numa morfologia extremamente separatista. No
entanto, na opinião do autor, é necessária uma abordagem polissêmica regular na qual
um significado prototípico seja o ponto de partida para derivar outros significados por
meio de mecanismos de extensão semântica, como a metáfora e a metonímia.
O papel de agente, por exemplo, é normalmente usado para seres humanos;
entretanto, agentes não-humanos e não-animados podem figurar como sujeitos, tal qual
o caso de “a impressora que imprime algo”. Nesse caso, a interpretação metafórica da
noção de agente modifica o significado e se desenvolve um subesquema instrumental e
assim ocorre a polissemia. Logo, é possível haver a extensão significativa de uma
palavra por meio de mecanismos conceptuais como a metáfora e a metonímia.
71
Entretanto, alguns nomes instrumentos não podem ser interpretados como
agentes:
(35)
klopp-er ‘batedor’
krabb-er ‘raspador’
veg-er ‘vassoura’
Não é possível dizer em holandês que um veger (“vassoura”) varre o chão;
apenas que alguém varre o chão com um veger. Isso também ocorre em português, em
casos formados com o sufixo –dor, tais quais grampeador e apagador. Ora, em
português, soam estranhas sentenças como “o grampeador grampeia a folha” e “o
apagador apagou o quadro”, muito embora existam casos como “esse apagador apaga
bem”, em que um nome-instrumento exerce a função de agente na sentença, dada a
presença de um advérbio como ‘bem’.
Dessa forma, observa-se que o uso sincrônico da palavra como instrumento não
está necessariamente relacionado à sua interpretação agentiva. Isso revela que a
polissemia não é uma propriedade da palavra individual, mas do esquema construcional
para nomes deverbais em –er em holandês e em –dor em português, isto é, existe um
subesquema para nomes instrumentais deverbais. O acréscimo desse subesquema pode
ser interpretado como um caso de extensão metonímica, ou seja, a palavra em –er é
usada por um dos participantes do evento descrito pela base verbal. A existência de um
número de subesquemas semânticos para um processo de formação de palavras pode ser
também observado como um tipo de fragmentação semântica.
72
Logo, os nomes deverbais em –er (ou –dor) podem possuir diferentes
interpretações no léxico (agente, instrumento, objeto etc.), que serão representadas por
subesquemas em uma hierarquia lexical. O esquema geral sanciona algumas opções e
esses subesquemas expressam quais delas serão usadas produtivamente e possibilitam a
formação de novas palavras, nesse caso, nomes deverbais em –er, de acordo com Booij
(2010: 26).
(36)
Além disso, esses nomes podem estar ligados individualmente a mais de um
subesquema, pois a polissemia existe também no nível da palavra individual. A palavra
in-ruil-er do holandês, por exemplo, pode aparecer tanto no papel de agente quanto no
de objeto. Ora, os mecanismos de extensão semântico-conceptuais são a força
propulsora por trás desse padrão de polissemia que emerge na hierarquia lexical. Uma
hierarquia organizada em esquemas e subesquemas funciona como uma descrição
sincrônica para padrões e possibilidade de formação de novas palavras de diferentes
subtipos, o que revelar a maneira como os mecanismos de extensão conceptual são
convencionalizados em uma língua particular.
No próximo capítulo, temos por objetivo aplicar as ideias da morfologia
construcional de Booij (2002, 2005, 2010) à reduplicação de bases verbais a serviço da
nominalização, como, por exemplo, ‘chupa-chupa’ (“doce”) e ‘pega-pega’ (“brincadeira
infantil”). Procuramos representar o processo por meio de esquemas e subesquemas e
73
abordamos o polo semântico dessas construções com base na Linguística Cognitiva,
base teórica em que se inscreve a gramática das construções. Utilizamos, sobretudo,
Langacker (1987), que propõe terem nomes e verbos diferentes tipos de escaneamento
cognitivo. Antes, porém, cabe uma seção sobre um dispositivo, citado por Booij (2010),
de ampla relevância no estudo aqui desenvolvido: a heterossemia.
3.7 A HETEROSSEMIA
De acordo com Lichtenberk (1991), elementos polissêmicos possuem
significados de certa forma relacionados. No entanto, isso leva a questões sobre qual
seria a natureza dessa polissemia e também qual a relação existente entre os significados
ou funções de um item polissêmico, por exemplo. O autor observa que esses
significados podem se relacionar por meio de redes de similaridades ou famílias de
semelhanças, ou seja, há graus na relação ente eles.
O termo polissemia é normalmente tomado como a relação significativa entre
duas palavras que compartilham o mesmo lexema. No entanto, Lichtenberk (1991: 476)
ressalta a importância do tratamento das distinções significativas de uma maneira mais
detalhada e destaca o termo “heterossemia”:
“casos (dentro de uma mesma língua) em que
dois ou mais significados ou funções que são
historicamente relacionados, no sentido de
que derivam de uma mesma fonte, são
suportados por reflexos do elemento de origem
comum que pertence a diferentes categorias
morfossintáticas.”11
O referido autor observa também que os casos de heterossemia discutidos por
ele são o resultado de um processo de gramaticalização, isto é, casos em que um
11
“cases (within a single language) where two or more meanings or functions that are historically
related, in the sense of deriving from the same ultimate source, are borne by reflexes of the common
source element that belong in different morphosyntatic categories.”
74
elemento deixa de ser gramatical e se torna lexical12, sendo que este último, mesmo
apresentando novas propriedades, preservará características da fonte.
Com relação às ideias de significado e conceptualização, Lichtenberk (1991)
destaca que a realidade existe apesar dos seres humanos, ou seja, ela não pode ser
modificada, alterada. No entanto, a maneira como ela é percebida pode variar. Em
outras palavras, os indivíduos formatam a realidade de acordo com sua percepção do
mundo, suas concepções do real. Dessa forma, os significados de elementos linguísticos,
então, não são meros reflexos das propriedades do fenômeno; antes disso, eles refletem
nossa conceptualização do fenômeno, e nesse sentido são subjetivos (LICHTENBERK,
1991: 477)13. Isso leva ao surgimento de novas categorias por meio da aplicação de
novas experiências à língua e da relação de diferentes domínios cognitivos. Logo, as
conexões que os indivíduos fazem entre os fenômenos são extremamente importantes
para o desenvolvimento da heterossemia.
Dando continuidade à discussão a respeito de conceptualização e heterossemia, o
referido autor aponta que, quando ocorre a mudança na designação de um fenômeno
para outro, ambas as designações devem apresentar propriedades em comum, mesmo
que essa compatibilidade não seja total. Os dois fenômenos serão conceptulizados pelos
falantes em sua complexidade e compreendidos no sentido do compartilhamento de
aspectos estruturais. O agente motivador da extensão significativa é a própria relação
que o usuário da língua faz entre a designação anterior e a nova, o que mostra que essa
extensão semântica não é totalmente arbitrária. O significado que normalmente é
tomado da palavra corresponde, na verdade, à sua faceta significativa central; todos os
12
Nesse sentido, Lichtenberk (1991) ressalta que nem sempre é possível estabelecer uma perfeita
distinção entre um item lexical e um gramatical.
13
“The meanings of linguistic elements, then, are not mere reflections of the properties of phenomena;
rather, they reflect our conceptualization of the phenomena, and in that sense they are subjective.”
75
aspectos envolvidos no significado central podem vir a revelar uma extensão semântica
ou funcional. Quer dizer, um verbo como “voltar”, por exemplo, implica a execução de
dois movimentos, um de abandonar um local e outro de retornar a ele; logo, existem
distinções semânticas e funcionais que podem ser destacadas a partir das implicações
presentes nas facetas significativas de uma palavra. Muitas vezes a metonímia será
responsável por essa mudança, ao especificar significados em função de um anterior. No
entanto, Lichtenberk (1991) destaca que a metáfora também vem sendo observada, já
que tem se apresentado como o veículo mais frequente para uma extensão funcional.
Com relação à metáfora, ela pode ser vista como uma espécie de instrumento
linguístico que age em favor de relacionar dois elementos de esferas conceptuais
diferentes. Nas palavras de Lichtenberk (1991: 479), a metáfora é mais que um
instrumento linguístico; é primariamente um instrumento cognitivo por meio do qual
conceitos de um domínio de experiência são usados para conceptualizar outros
domínios de experiência14. Com base nessa afirmação, uma questão importante deve ser
analisada: como surgem as metáforas conceptuais? Ora, a resposta para essa pergunta
está relacionada à percepção de mundo do falante. Primeiramente, é necessário que haja
a percepção de que existem características em comum entre fenômenos de domínios
conceptuais diferentes. Nesse caso, um domínio não é conceptualizado de acordo com
outro, mas eles são percebidos como estruturalmente semelhantes (de uma maneira mais
geral). Logo, uma metáfora como time is space resulta da extensão de um domínio
espacial dentro de um temporal, de acordo com a observação de suas características
comuns.
14
“metaphor is more than just a linguistic device; it is primarily a cognitive instrument whereby concepts
from one domain of experience are used to conceptualize another domains of experience.”
76
A partir dessas observações, Lichtenberk (1991) trata de casos de
gramaticalização que envolvem um processo de mudança semântica em verbos que
expressam a ideia de movimento, como go (ir), come (vir) ou return (retornar). Esses
casos podem ser chamados de heterossêmicos. Para tanto, é necessário, antes de tudo,
demonstrar de que forma as extensões funcionais envolvidas no processo são motivadas
por meio da análise de sua origem significativa e funcional, assim como das
conceptualizações feitas por meio de metáfora e/ou metonímia.
Além disso, conceitos como centro dêitico, movimento, direção, origem e
destino são frequentemente explorados nas análises tomadas como exemplo para
heterossemia pelo referido autor. O conceito de “centro dêitico” é, geralmente,
orientado pela perspectiva do falante (EGO), ou seja, faz referência à localização do
falante ou ao tempo do ato de fala, mas, em alguns casos, também pode estar
relacionado a outro referente. Note que, no diagrama, abaixo pode-se observar as
estruturas básicas dos verbos go (ir), come (vir) e return (retornar). Nos três casos fica
claro o fato de que, dado o centro dêitico, movimento, direção, origem e destino são
relevados diferentemente pelos verbos.
(37)
Assim, ficam claros os três princípios apontados por Lichtenberk (1991:480)
nos quais se baseia a análise dos verbos (go, come, return) tomados como exemplo:
77
(1) Significados são complexos internamente; eles têm estrutura;
Apesar de o significado ser complexo, apenas um de seus componentes significativos
pode figurar como base para as extensões funcionais, ou seja, apesar de suas
especificidades, o componente de deslocamento em relação ao EGO é comum aos três
verbos.
(2) Significados são subjetivos e abertos;
Além do significado primário, um termo pode apresentar aspectos periféricos
relacionados às situações de uso, isto é, go (ir) implica deslocamento de distanciamento
do EGO; come (vir), deslocamento em direção ao EGO; return (retornar) é
ambidirecionado.
(3) Apesar de que todos os significados/funções derivam de uma mesma fonte
em heterossemia, sincronicamente não há necessidade de que nenhuma
propriedade seja exclusivamente partilhada por eles.
Logo, a base histórica é que necessita ser a mesma; as unidades lexicais devem ter a
origem em comum. Tal fato é verdade na medida em que se observa que, se se acresce à
sentença “estou indo” a expressão “de volta”, a sentença resultante “estou indo de
volta” tem o mesmo sentido de “retornar”.
Os casos de heterossemia discutidos pelo autor mostram que é muito comum
historicamente um verbo tornar-se elemento gramatical, enquanto o caminho inverso é
bem menos frequente.
Segundo Enfield (2006), a heterossemia é um caso especial de polissemia no
qual um dado elemento morfológico apresenta significados diferentes, porém
relacionados, que se distinguem a depender do contexto gramatical em que são
aplicados. Exemplos de heterossemia são palavras como father, walk, stone, talk, entre
outras, que possuem significados relacionados a nome e verbo. Nesse sentido, a
78
heterossemia é dividida em dois tipos: (a) as classes abertas ou (b) as fechadas. Quando
os significados da palavra heterossêmica pertencem a classes abertas, como, por
exemplo, a palavra fly do inglês, será chamada de heterossemia de classe aberta; quando
o mesmo ocorre com classes fechadas, como a palavra to do inglês, será chamada de
heterossemia de classe fechada.
Ainda, vale lembrar que, de acordo com Rio-Torto (2012), o prefixo inter no
português é um caso ilustrativo do fenômeno da heterossemia, já que, além da dualidade
semântica apresentada, também pode combinar-se a:
(a) bases verbais
A ponte interliga Lisboa e Alameda.
(b) bases nominais
O comboio intercidades chega em cinco minutos.
(c) bases adjetivais
Posição intermuscular ‘entre os músculos’
Dessa forma, a heterossemia pode ser caracterizada como um processo por meio
do qual um elemento sofre não apenas mudança semântica, mas também morfossintática
em seu percurso evolutivo. Esse conceito será aplicado, no próximo capítulo, aos casos
de reduplicação de base verbal em português.
4. POR UMA ANÁLISE CONSTRUCIONAL DA REDUPLICAÇÃO DE BASE
VERBAL EM PORTUGUÊS
No presente capítulo, o fenômeno da reduplicação de base verbal será analisado
em suas perspectivas semântica e formal. Em seguida, será demonstrado como essas
duas perspectivas, o polo semântico e o formal, unem-se em uma única análise do
fenômeno, formando redes construcionais.
4.1 – POLO SEMÂNTICO
De acordo com Langacker (1987), as classes semânticas nome e verbo podem
representar modos de processamento cognitivo distintos. Os verbos estão relacionados a
um escaneamento sequencial, o que envolve a transformação de uma configuração em
outra ou uma sequência de transformações contínuas. Langacker exemplifica tal
processamento por meio da representação do verbo cair dada a seguir, em (01):
(01)
80
Por outro lado, segundo ele, os nomes possuem um processamento cognitivo
diferente, definido como escaneamento resumitivo (summary), no qual “(...) cada grupo
de eventos contribui com algo para uma única configuração, cujos aspectos são todos
concebidos como coexistentes e simultaneamente disponíveis” 15 (p. 145). Logo, o nome
queda tem a seguinte representação:
(02)
Em outras palavras, a diferença fundamental entre escaneamento sequencial e
resumitivo repousa no fato de que o primeiro representa um evento processado
sequencialmente, por meio de uma sucessão; já no segundo não há sequência ou
sucessão: a contribuição de cada grupo de eventos é tomada simultaneamente. Essa
mesma ideia é representada por Langacker (1987) por meio do “modelo da bola de
bilhar”. O autor afirma que os objetos que existem no mundo podem se deslocar e até
mesmo interagir quando mantêm contato. O deslocamento da bola de bilhar pode ser
tomado de maneira sequencial, no qual cada trecho do evento é tomado por sua vez
dentro de uma sucessão, ou de maneira estática, quando o evento é apreendido
holisticamente na representação da cena.
15
“(...) each set of events contributing something to a single configuration all facets of which are
conceived as coexistent and simultaneously available”.
81
Langacker (2008a) acrescenta que a ideia de escaneamento diz respeito à
maneira como os aspectos da cena são percebidos, isto é, como se dá a percepção que
funda a representação conceptual. Nesse caso, os trechos que constituem a cena são
associados em uma interpretação do real.
Langacker (2008a) retoma o exemplo da bola rolando por um declive e aponta
que, se essa cena for tomada como uma sequência de imagens, a trajetória da bola passa
a ser apreendida pelo observador e esse processo é identificado como dinâmico em um
escaneamento da realidade. A figura a seguir foi retirada de Langacker (2008: 110)
(03)
Na ilustração em (03), o evento da bola de rolar é concebido no tempo ti,
representado dentro de cada retângulo, enquanto a conceptualização é concebida no
tempo Ti. Nem sempre haverá correspondência entre esses tempos. Por exemplo,
podemos conceptualizar no presente um evento que de fato ocorreu no passado. No caso
ilustrado, o movimento da bola é escaneado sequencialmente, ou seja, no instante T i, o
único evento apreendido é ti, e isso dá uma boa ideia do desenrolar da cena. Logo, o
escaneamento descrito é sequencial.
Dessa forma, de acordo com Langacker (2008a), os diferentes tipos de
escaneamento correspondem a diferentes categorias gramaticais, como nome e verbo.
Nesse sentido, o escaneamento sequencial está diretamente relacionado à ideia de
82
perfilamento16 verbal, já que o escaneamento é resultado da apreensão sequencial dos
elementos na cena. Por outro lado, os nomes são categorias que não perfilam relações.
A próxima figura, retirada de Langacker (2008a:112), representa um
escaneamento resumitivo:
(04)
Como se pode perceber em (04), no escaneamento resumitivo, cada trecho da
cena é tomado de forma cumulativa, ou seja, no instante T i, são apreendidas todas as
configurações presentes nos trechos anteriores. Ocorre, portanto, uma síntese dos
eventos que se desenrolaram em ti para cada Ti, e isso faz com que a percepção e a
representação dessa cena sejam feitas de maneira holística.
Do mesmo modo, ocorrem os casos de reduplicação de base verbal em
português. Nesse processo, os vocábulos passam de verbo a nome, deixando de ser
processados de forma dinâmica para serem escaneados resumidamente nos moldes de
Langacker (1987). Um nome que carrega o significado de evento pode ser visto como
um processo de escaneamento mais sequencial, tal qual o caso de puxa-puxa, a
brincadeira que envolve puxar repetidas vezes, enquanto o escaneamento resumitivo
seria o processo que envolve puxa-puxa com o significado de doce. Ainda ao ratificar o
16
A noção de perfilamento (LANGACKER, 1987) diz respeito à capacidade de focar uma subestrutura
dentro de uma unidade de conhecimento, que é tomada como base. Tome o exemplo da hipotenusa, que é
o maior lado de um triângulo-retângulo. Então, sem a base o conceito de hipotenusa não teria sentido.
83
modo de conceptualização como sequencial ou resumitivo, Langacker (2008b) retoma a
questão, respondendo a críticas e reiterando sua proposição.
Nesse sentido, é importante observar que
(a) Segundo Fillmore (1968), o significado é relativizado a cenas;
(b) De acordo com Fauconnier & Turner (1994), palavras são pistas para ativar
significados.
Dessa forma, se, no caso da reduplicação de base verbal, o nome metonimicamente
tomado ativa objetos e não eventos, então, o escaneamento é resumitivo. Em outras
palavras, não se pode confundir a informação meramente linguística de motivação da
formação do nome com o objeto que ela acessa na mente do falante.
Outra importante observação para o tratamento semântico da reduplicação de
base verbal diz respeito à repetição. A estratégia da repetição (de palavras, de afixos) é
frequentemente utilizada em língua portuguesa com o objetivo de expressar
intensificação; logo, existe um esquema de repetição em português que pode ser
instanciado de diferentes maneiras, a depender do processo em questão. Em (05), são
listados alguns exemplos, extraídos do discurso oral, desse tipo de repetição em afixos;
em (06), exemplificamos repetição de palavras:
(05)
E foi um tremendo golaçoaço!!
O seu visual está chiquerézimoézimo!!
Marcela é mesmo supersuperlegal!!
(06)
Ele acorda cedo, cedo, mas dorme tão tarde!!
84
O professor fala, fala fala, mas ninguém entende nada
O telefone chama chama chama e ninguém atende.
De acordo com Marcuschi (2002:107), a repetição consiste na “produção de
segmentos discursivos idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito de um
mesmo evento comunicativo” e pode exercer diversas funções na língua oral ou escrita.
Ela pode funcionar de modo a contribuir para a organização discursiva e auxiliar a
coerência e coesão textuais, assim como nas atividades interativas. O referido autor
observa que a presença desse tipo de recurso é muito mais frequente no âmbito da fala,
já que, muitas vezes, a atividade discursiva da repetição faz parte da própria formulação
do texto falado.
Marcuschi (2002) separa as estruturas de repetição em cinco tipos:
 repetição fonológica
Ele mora tão loooonge daqui!
 repetição de morfemas
Ele fez um golaçoaço!
 repetição de itens lexicais
A menina é linda, linda que ninguém para de olhar!
 repetição de construções suboracionais
Bem, a lição a lição mesmo eu não fiz...
85
 repetição de orações
A mãe gritou, a mãe gritou, mas nada dele aparecer!
Ademais, de acordo com Koch & Silva (1996), apesar da repetição interferir
consideravelmente na densidade informacional do enunciado, isso não representa
prejuízo, pois a reiteração pode agir em favor de facilitar a compreensão do
interlocutor. Observa-se, ainda, que a repetição de segmentos funciona como
estratégia de intensificação, pois obedece a uma espécie de princípio de
iconicidade, em que uma cadeia de linguagem idêntica, posta em posição idêntica,
é concernente a um maior volume informacional (FIORIN, 2008: 549). A sentença
em (07) exemplifica essa afirmação:
(07)
[...] atualmente se tu não ficas em cima do aluno ele não faz absolutamente
nada, nada, nada mesmo.
Com relação à reduplicação de base verbal, a ideia de intensificação também é
latente e igualmente se realiza por meio da estratégia de repetição (esbarra-esbarrra,
mexe-mexe, tosse-tosse, pisca-pisca). Ora, a repetição revela-se, portanto, um
importante veículo linguístico no discurso, e isso respalda a existência de uma
construção de repetição em língua portuguesa (de acordo com a ideia de que a língua é
um conjunto de CGs e itens potencialmente significativos – GOLDBERG, 1995). Esse
esquema geral de repetição será adaptado, por meio de mescla (FAUCONNIER &
TURNER, 2002), ao esquema de composição do português (tema da próxima seção),
86
instanciando a construção de reduplicação de base verbal. O modelo desse esquema
geral de repetição será representado por meio da repetição da variável X:
(08)
[[X]xi[X]xi]xj
 [reiteração da SEMx]
Nesse ponto, é importante relembrar do tratamento dado por Fauconnier &
Turner (1996) e Mandelblit (1997) para a mescla construcional. De acordo com
Fauconnier & Turner (2002), na teoria da mescla, os falantes constroem blocos
conceptuais que correspondem a sua formatação da realidade. Essas conceptualizações
(inputs) podem ser mescladas e resultam numa estrutura emergente chamada blend. O
quadro (09) foi retirado de Fauconnier & Turner (1994) e ilustra um modelo de
blending conceptual:
(09)
87
De acordo com Fauconnier & Turner (2002), os espaços ilustrados no quadro
podem ser relacionados da seguinte forma:
Inputs  espaços conceptuais, conceptualizações da realidade feitas pelo
falante;
Espaço genérico espaço que deverá conter as propriedades em comum entre
os inputs;
Blend estrutura emergente específica do espaço mescla, decorrente dos
espaços relevados nos inputs:
 Composição. Os elementos presentes nos espaços de input compõem o blend.
No entanto, as relações entre eles não podiam ser observadas nos inputs
separados.
 Completamento. Os elementos que constituem o blend são estruturas adicionais,
no sentido de que podem representar um conhecimento compartilhado, frames.
 Elaboração. Ocorre a apresentação de novas etapas cognitivas na mescla, uma
reinterpretação com base em uma nova lógica.17
Portanto, a criação do blend se dá, em sua configuração mais simples, por meio
do mapeamento de dois domínios conceptuais: os espaços de input. O espaço genérico é
responsável por refletir as estruturas compartilhadas por esses espaços. Nesse processo
ocorre, portanto, a relação das contrapartes dos elementos que compõem os inputs, que,
por sua vez, combinam-se em uma nova conceptualização. A estrutura emergente de
blend herda propriedades das estruturas presentes nos espaços de input, combinando
papeis, frames e esquemas, mas também apresenta novas propriedades e uma estrutura
organizacional particular.
17
O espaço mescla será o resultado desses processos cognitivos.
88
Segundo Fauconnier & Turner (1996), por meio do processo de blending,
sequências de estruturas simples podem servir para expressar sequências complexas de
eventos, desde que haja correspondência entre o evento e o significado veiculado pela
construção gramatical.
Fauconnier & Turner (1996) retomam Goldberg (1995) e a construção de
movimento causado, uma forma sintática que pode ser expressa por meio do esquema
[NP V NP PP] e corresponde a sentenças como ele tossiu a espinha para fora da
mesa. Os autores defendem que esse tipo de sentença é fruto de uma mescla
construcional, na qual a construção sintática é associada a uma conceptualização do
evento como movimento causado (X leva Y a mover Z). Os referidos autores ainda
apontam que alguns verbos, como throw (arremessar), já apresentam em seu escopo a
ideia de movimento causado e são prototipicamente associados à construção sintática
proposta por Goldberg (1995). Esse é o caso do exemplo (10), retirado de Fauconnier &
Turner (1996: 6)18:
(10)
Jack threw the ball into the basket.
Jack arremessou a bola para dentro da cesta.
No entanto, os autores ressaltam que não é apenas esse tipo de verbo que pode se
adequar à construção de movimento causado. Eles observam que mesmo um verbo que
apenas expressa o significado de ação do agente pode também servir à construção e
passar a expressar a ideia de movimento causado por meio da mescla. Esse é o caso do
verbo sneeze (espirrar):
18
Os casos exemplificados podem não possuir uma perfeita tradução para o português.
89
(11)
Gogol sneezed the napkin off the table.
Gogol espirrou o guardanapo para fora da mesa.
Já o verbo trot (trotar) expressa a maneira como se move um determinado
objeto. Fauconnier & Turner (1996: 11) ressaltam que esse tipo de verbo também pode
aparecer na construção como em
(12)
The trainer trotted the horse into the stable.
O treinador trotou o cavalo para dentro do estábulo.
Outro caso de verbo que não pode ser considerado prototípico para a construção
de movimento causado e que, ainda assim, pode perfeitamente se encaixar nesse caso é
let (levar), que dá ideia de causalidade, como no caso:
(13)
Sarge let the tank into the compound.
Sarge levou o tanque para dentro do garagem.
Com base nessa revisão, Fauconnier & Turner (1996) propõem o seguinte
modelo de mescla construcional:
90
(14)
Nesse modelo de mescla, os referidos autores propõem, portanto, que o blending
deve ser feito entre uma instância prototípica da construção de movimento causado
(input 1), como Jack threw the ball into the basket, e uma sequência de eventos (input
2).
Entretanto, com base nos estudos de Fauconnier & Turner (1996), Mandelblit
(1997) observa que as operações de mescla construcional são, na verdade, casos nos
91
quais ocorre uma mescla entre a representação abstrata da construção de movimento
causado e uma sequência de eventos. Nas palavras da referida autora:
“Em minha análise, um dos domínios do input para
o blend (Input 2) não é a representação de alguma
sentença específica na língua, mas uma
representação semântica e formal da construção –
um esquema conceptual que é abstraído de todas as
instâncias da construção. É só através da operação
de mescla que uma forma (fonológica) específica é
garantida na língua.”19
Com base nessa afirmação, Mandelblit (op. cit.) propõe o modelo de mescla
construcional para os exemplos supracitados, levantados por Fauconnier & Turner
(1996).
19
“In my analysis, one of the input domains to the blend (Input 2) is not a representation of any actual
sentence in the language, but rather a representation of the construction’s form and semantics – a
conceptual schema that is abstracted from all instances of the construction. It is only through the
blending operation that an actual (phonological) form in the language is generated.”
92
(15)
Na mesclagem ilustrada em (15), a sequência de eventos localizada no input 1
corresponde à formatação da realidade feita pelo falante. Essa conceptualização é
mesclada com o modelo abstrato da construção sintática de movimento causado (input
2), proposta por Goldberg (1995), e resulta na mescla Rachel sneezed the napkin off the
93
table. O mesmo ocorre com os verbos trot, let e throw do inglês nos esquemas a seguir
retirados de Mandelblit (1997):
(16)
94
(17)
95
(18)
96
A mescla construcional também ocorre na rede proposta no presente trabalho, já
que a construção de reduplicação de base verbal é o resultado da mescla entre os
esquemas gerais de composição em português ([[X]X][Y]Y]N) e de repetição
[[X]xi[X]xi]xj. No entanto, no caso da rede construcional de reduplicação, o blend se
realiza entre duas representações abstratas, resultando em uma terceira, tal qual será
devidamente pormenorizado na seção 4.3 deste capítulo.
Ainda com o intuito de descrever mais satisfatoriamente a carga semântica
envolvida no processo de reduplicação de base verbal, salienta-se que esse fenômeno é
resultado de uma lexicalização, nos moldes de Lehmann (2002). Nesse sentido, a
lexicalização das formas reduplicadas percorre uma trajetória em que uma mesma forma
linguística pode variar de significados menos especializados para mais especializados,
mantendo, para isso, um significado mais básico envolvido no processo para chegar a
um mais complexo. O significado básico é o componente aspectual de iteratividade, que
se manifesta em formas como (19), a seguir; o mais complexo é o uso metonímico desse
processo iterativo (dados em (20)).
(19) esfrega-esfrega, empurra-empurra, beija-beija, bole-bole, ruge-ruge, agarra-agarra,
esbarra-esbarra, esfria-esfria.
(20) bate-bate, pisca-pisca, puxa-puxa, esconde-esconde, mata-mata, pula-pula, mijamija.
Dessa maneira, uma mesma forma pode variar em significado, indo do menos ao
mais especializado, a depender da semântica veiculada no mesmo, isto é, há graus
distintos de especialização, indo do caráter mais de evento, denotado pelo verbo, à
97
propriedade mais relevante gestalticamente, até à atribuição dessa mesma propriedade
ao objeto por essa construção denominal. Então, assim é que em “empurra-empurra”
temos o evento referenciado como um todo e em “esconde-esconde” o aspecto apontado
pela construção denota sua característica que está sendo valorizada.
Teóricos como Lehmann (2002) e Brinton & Traugott (2005) analisam o
fenômeno da lexicalização. O primeiro focaliza pontos como a diferença entre o
referido fenômeno e a gramaticalização; os últimos abordam mais especificamente a
questão da redução de fronteiras morfológicas e o processo de fossilização sofrido por
itens lexicais. Tais análises podem ser utilizadas para esclarecer o fenômeno da
reduplicação de bases verbais.
Ao afirmar-se que a lexicalização é a etimologia cultural/popular (folk
etymology), e não a imagem espelhada da gramaticalização, permite-se analisar com
mais naturalidade um caso em que um verbo passa a nome, ou seja, uma conversão de
classe, e não um item gramatical tornando-se lexical. Segundo Lehmann (2002), a
lexicalização se dá quando um item deixa de ser acessado analiticamente e passa a valer
como um só vocábulo; dentro desse processo, estão envolvidas propriedades como o
congelamento/cristalização das partes e perda da fronteira de morfemas, passando a uma
composicionalidade estrutural. A fossilização e redução de fronteiras entre constituintes
acontecem quando as partes (que seriam dois itens lexicais) não podem mais ser
dissociadas, isto é, a partir da cristalização/congelamento de uma forma complexa, há
uma especialização semântica e um significado passa a valer pelo todo. Esse significado
pode ser uma reinterpretação metafórica ou metonímica, como teremos oportunidade de
destacar mais adiante.
Nesse sentido, vale lembrar, como foi destacado no capítulo 3, que Booij (2010)
afirma haver extensão significativa de uma palavra por meio de mecanismos
98
conceptuais como a metáfora e a metonímia. Essa afirmação vem ao encontro do que se
observa no fenômeno da reduplicação de base verbal em português, no qual ocorre uma
extensão significativa apoiada nos mecanismos da metáfora e da metonímia.
No caso da reduplicação V-V aqui em exame, o valor semântico agregado é a
expressão do aspecto iterativo, até mesmo por se tratar de um vocábulo que se origina a
partir de um verbo. Ora, nesse sentido, é fácil perceber que o brinquedo chama-se “batebate” pelo fato de o mesmo “bater” repetidas vezes. As formas reduplicadas de
significação mais abstrata apresentam somente o significado básico de iteratividade;
entretanto aquelas menos abstratas recorrem ao uso metonímico do referido processo
iterativo.
Segundo Reyes (2000), a metonímia é percebida quando uma parte passa a
representar o todo e pode levar a uma releitura ou nova perspectiva de uma situação. É
dessa mesma forma que o uso metonímico nesse processo eleva um vocábulo de
significado básico iterativo (metafórico) para um mais específico, garantindo a fixidez
de significado. A metonímia também age aqui como um fator de releitura, de
transformação do léxico, gerando uma nova significação e finalizando o processo de
lexicalização. É preciso, ainda, destacar que há outra habilidade cognitiva que influi
nesse processo: a metáfora.
Reyes observa que metonímia e metáfora estão sempre muito próximas,
chegando mesmo alguns autores a relacioná-las definitivamente (KÖVECSES 1998,
1999); não é tão surpreendente, portanto, que ambas estejam envolvidas nesse processo.
Tanto a metáfora quanto a metonímia caracterizam-se por promover projeção – no
primeiro caso, entre domínios diferentes; no segundo dentro do mesmo domínio. Se a
metonímia caracteriza-se por relevar uma propriedade para designar a entidade referida,
99
a metáfora, por sua vez, oferece um novo olhar sobre o designado ao deslocá-lo do seu
domínio de origem, exatamente o que ocorre no significado de evento, mais básico.
Um importante destaque deve ser dado à reinterpretação sofrida na reduplicação
devido a uma nova perspectiva ou situação imposta culturalmente ou pelo uso, o que
corresponde exatamente à ideia de “puxar o significado para cima” ou “puxar o
significado para baixo”, desenvolvida por Soares da Silva (2006). Assim, pode-se dizer
que a metáfora “amplia” o sentido (puxa o sentido para cima), porque leva em
consideração o frame como um todo, e a metonímia restringe-o (puxa o significado para
baixo), porque restringe também a intensão (conjunto de propriedades definitórias de
um dado termo) envolvida no processo. Ora, essa generalização também proporciona
uma releitura interpretativa para o fenômeno da reduplicação. Entretanto, tal releitura é
anterior ao processo como um todo e é responsável pela própria reconfiguração do
processo nominalizador. Isso pode ser constatado pela grande diferença entre o número
de dados recolhidos que veiculam o significado de evento daqueles com ideia de coisa.
A maioria expressa o significado de evento ou mesmo ambos (evento e coisa).
Pouquíssimos foram os casos em que ocorrências como evento não foram encontradas
(somente 3 em 62 dados). No entanto, destaca-se que, muito embora não tenham sido
encontradas durante a recolha, tais ocorrências são perfeitamente possíveis na língua. O
quadro em (21) esclarece a diferença percentual entre evento e coisa em um total de 62
dados recolhidos (ver anexo):
(21)
Significado
Número de ocorrências
Percentual
Evento
59
95,1%
Coisa
26
42%
100
Isso indica que, mesmo aqueles dados que veiculam a ideia de coisa (22),
também expressam a ideia de evento (23). Dessa forma, o significado de evento
apresenta-se como mais básico para o processo.
(22)
Todos conhecem o famoso Pacman, vulgo come-come. Basta comer as bolinhas
e escapar dos inimigos.
(23) A maior sacanagem cometeram com a Isolina, aquela solteirona assanhada que
cantava tudo que é homem e acabou a novela sem ninguém tê-la "comido", justo numa
novela que, desde o início, foi um "come-come" adoidado.
Com base em todas essas observações, compreende-se que o processo em
questão envolve as seguintes características:
(1) o significado é perspectivizado pelo EGO20 (LANGACKER, 1987);
(2) o evento ou a entidade só podem ser conceptualizados holisticamente
(FAUCONNIER & TURNNER, 2002).
Dado o aspecto (1), tem-se que a metonímia é a função de perspectivização do
evento, que então é lexicalizado. Por outro lado, de acordo com (2), ocorre a
generalização esquemática do evento. Dessa forma é que os usos dos compostos
reduplicados em seu aspecto icônico levam consigo as propriedades léxico-gramaticais
dos verbos dos quais advêm. Subsequentemente, os compostos reduplicados
conceptualizados em termos de escaneamento resumitivo selecionam o aspecto relevado
pelo EGO a partir das possibilidades semânticas do item. Dessa forma, “mata-mata”,
20
De acordo com a linguística cognitiva, postula-se o constructo teórico do EGO (LANGACKER, 1987),
segundo o qual as palavras revelam um ponto de vista. Assim, um deslocamento pode ser tanto em
aproximação ao EGO quanto ao seu afastamento.
101
por exemplo, é uma metonímia de “eliminação”, enquanto “bate-bate” pode relevar ou o
aspecto de “colisão” ou o aspecto de “efeito da ação de batida” (“sacudir”).
Convém destacar alguns vocábulos reduplicados para melhor demonstrar as
variações de significado do processo. Os dados em (24) foram obtidos por rastreamento
via internet no site www.google.com.br .
(24) PISCA-PISCA
Evento
A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar.
Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu.
Coisa
Pisca-pisca ou luzes de Natal é um acessório geralmente colocado numa árvore de
Natal ou em decoração de casas, de lojas ou empresas, para iluminá-las.
Os dados em (24) indicam que ocorre uma extensão semântica de evento para
coisa, ou seja, a forma “pisca-pisca” deixa de ser interpretada sequencialmente por meio
de metáfora e passa a ser acessada resumitivamente em um uso metonímico. No
entanto, a diferença não se mantém apenas no plano do significado; ocorrem também
modificações na configuração sintática. Dessa forma, o fenômeno da reduplicação de
base verbal em língua portuguesa é um caso de heterossemia (seção 3.7). De acordo
com Lichtenberk (1991), a heterossemia é um fenômeno no qual um dado elemento
morfológico apresenta significados diferentes, porém relacionados, que se distinguem a
depender do contexto gramatical em que são aplicados. No caso da reduplicação de base
102
verbal, os nomes resultantes do processo possuem significados diferentes, mas não são
homônimos, já que têm a mesma origem.
Logo, a heterossemia se caracteriza, além da polissemia, pela diversidade não
apenas semântica, mas também sintática. No caso da reduplicação de base verbal, como
se trata de um processo nominalizador, os argumentos verbais serão apagados tanto nos
nomes que expressam evento quanto naqueles que expressam o sentido de coisa.
Contudo, a distribuição sintática dos nomes (evento e coisa) resultantes do processo de
reduplicação é diferente, sobretudo no sentido de que: (a) as formas com ideia de evento
podem apresentar papeis temáticos evocados pela construção do verbo-base do processo
e que podem aparecer na expressão nominal sob a forma de adjuntos adnominais e/ou
complementos nominais, evidenciando a existência de posição argumental, que exige
papel de participante; (b) na acepção de coisa, a nominalização é tamanha que os papeis
temáticos não serão evocados de forma alguma.
Com relação ao apagamento dos complementos argumentais, podemos citar
Goldberg (1995). Como apontado no capítulo 3, para a autora os argumentos nulos
podem ser definidos ou indefinidos. No caso do nome-evento, os argumentos são nulos
definidos, porque podem ser retomados pelo contexto textual ou na forma explícita de
adjunto adnominal ou complemento nominal. Já no caso do nome-coisa, ocorre um
argumento nulo indefinido, porque não é possível retomá-lo nem mesmo pelo contexto,
já que a nominalização atinge seu ápice. Vale também ressaltar que, por se tratar de um
caso de lexicalização, há graus nesse processo, ou seja, alguns casos podem mostrar-se
fronteiriços e isso significa que a distinção entre nome-evento e nome-coisa pode ser
muito tênue em alguns dados, inviabilizando, por exemplo, a evocação de papeis
temáticos. Contudo, o caminho percorrido pelo processo continua sendo o mesmo
dentro desse continuum. O exemplo a seguir apresenta um caso desse tipo:
103
(25) A unção do cai-cai iniciou-se com o americano Randy Clark, que foi ordenado
pastor em 1950. Segundo alguns relatos, ele recebeu uma profecia que afirmava que
através de sua vida e ministério pessoas seriam derrubadas no Espírito.
Em (25), cai-cai é usado de forma ambígua. Não se pode afirmar com certeza se
esse nome é atribuído devido à repetição da ação de cair (porque alguém cai
repetidamente) ou é o nome que se dá à pessoa que cai repetidamente, em uma
referência ao “cai-cai” jogador de futebol. Torna-se difícil classificá-lo como um caso
de nome-evento ou nome-coisa, já que, mesmo sintaticamente, ambas as interpretações
poderiam ser admitidas nesse contexto.
A seguir, são analisados alguns dados do corpus com o objetivo de demonstrar
que a mudança entre nome-evento e nome-coisa se realiza em mais de um nível:
(26) MATA-MATA
 Evento
“Mata-mata entre gangues” Valéria Biembengut [29/06/2006]”.
[Mata-mata] entre gangues
núcleo
complemento nominal/adjunto adnominal
No caso ilustrado acima, em (26), “mata-mata” é tomado como evento e, por
apresentar as características do escaneamento sequencial, proposto por Langacker
(1987), esse evento se desdobra no tempo. Ainda, a classificação como complemento ou
adjunto21 de “entre gangues” torna-se difícil dado o caráter recíproco da expressão. Ora,
21
O conceito de adjunto adnominal e complemento nominal foram baseados em “Novas lições de análise
sintática”Kury (1997), série fundamentos, editora Ática. Dada a omissão de casos de verbos com
reciprocidade, optou-se por classificar como complemento nominal todas as vezes em que haja requerida
a posição de OD.
104
não se sabe, verdade, se temos um agente22 ou um paciente evocado pela construção do
verbo-base do processo. Numa chamada jornalística como “Notícias sobre o mata-mata
dos policiais”23, o SPrep “dos policiais” pode constituir complemento nominal e deixa a
construção ambígua, já que os policias podem ter sido os agentes (aqueles que mataram
desmedidamente) ou os pacientes (os que sofreram execução). De maneira diferente
acontece em (27):
(27)
 Coisa
“O mata-mata decisivo, com jogos de ida e volta, começa com 32 equipes.”
O
[mata-mata]
adj. adn.
decisivo
núcleo
adj. adn.
“Não sofri nenhum ataque de coração e assisti a um jogo de mata-mata”.
jogo
núcleo
[de mata-mata]
adj. adn.
Nesses casos, “mata-mata” é um nome com o significado de coisa e apresenta as
características do escaneamento resumitivo, ainda nos termos de Langacker (1987).
Dessa forma, ‘mata-mata’ não evoca papel de participante, pois não se trata de um
22
De acordo com autores como Fillmore (1968, 1971) e Halliday (1966, 1985), os papeis temáticos
podem ser listados da seguinte forma: agente, causa, instrumento, paciente, tema, experienciador,
beneficiário, objetivo, locativo, alvo e fonte.
23
http://www.google.com.br/search?q=mata+mata+dos+policiais&rls=com.microsoft:pt-br:IESearchBox&ie=UTF-8&oe=UTF-8&sourceid=ie7&rlz=1I7ADSA_pt-BR&redir_esc=&ei=ysAPUZKK4eA9QTis4GICg.
105
evento que se desdobra no tempo: é uma perspectiva simultânea e estática de leitura do
item para o qual não são concebidos desdobramentos. Logo, pode figurar na sentença
como núcleo, sendo determinado por adjuntos adnominais ou, ao contrário, pode
aparecer ele mesmo como determinante na função de adjunto. Situação semelhante
ocorre com a redplicação ‘bate-bate’, como se vê nos exemplos em (28) e (29).
(28) BATE-BATE
 Evento
“Com seus copos de bebida na mão, no máximo arriscavam um tímido mexer da cabeça,
acompanhando o bate-bate do compasso”.
[bate-bate] do compasso
núcleo
adjunto adnominal
Igualmente ao exemplo de “mata-mata”, não apenas o significado sofre uma
mudança, mas também a configuração sintática da sentença. Nesse caso, “bate-bate” é
um evento processado sequencialmente do ponto de vista semântico, resultando
sintaticamente em um núcleo acompanhado pelo adjunto adnominal “do compasso”:
este último nada mais é do que o agente evocado pela construção do verbo-base do
processo. Diferente ocorre em (29):
(29)
 Coisa
“BATE-BATE aquático. Bumper Boat é a versão aquática do carrinho bate-bate”.
106
“Carrinho de bate-bate do parque de diversões solta e acidenta menino de 7 anos”.
[Bate-bate] aquático
núcleo
adj, adn.
carrinho [de bate-bate]
núcleo
adj. adn.
Nos esquemas acima, em (29), “bate-bate” tem o significado de coisa e é
processado simultaneamente, de forma estática; logo, pode funcionar como um núcleo
nominal passível de determinação por meio de “aquático” ou como o próprio adjunto
adnominal, atribuindo qualidade a “carrinho”. Não há necessidade de argumentos,
portanto, não recebe papel de participante.
Vale ressaltar que, no sentido de evento, o papel de participante evocado pode
não aparecer mesmo na forma de adjunto ou complemento, sempre que este for tomado
por inferência, tal como em (30):
(30)
Houve muito empurra-empurra na entrada.
Ora, nesse caso, o “empurra-empurra” foi “das pessoas que estavam no local”;
no entanto, esse preenchimento torna-se desnecessário na medida em que pode ser
retomado por inferência. Esse tipo também se enquadra em Goldberg (1995) como
argumento nulo definido, pois pode ser retomado pelo contexto, como ocorre também
nos exemplos em (31):
(31)
Quebra-quebra na estação de São Francisco.
107
É um fura-fura desgraçado, até que encontram uma veiazinha no lugar mais
improvável, excetuando-se aquele que o caro leitor está imaginando.
E não diga que gosta de cafuné não.. que você não vai ter sossego!! Vai ser um
alisa-alisa danado!!
4.2 - POLO FORMAL
Com base no que foi discutido nos capítulos anteriores, pode-se admitir que a
reduplicação de base verbal em português, tema do presente trabalho, é um processo
inserido no esquema de composição. Afinal, trata-se de um fenômeno por meio do qual
se formam nomes morfologicamente complexos a partir da cópia de uma base verbal,
como se vê nos dados em (32),
(32) pega-pega, mata-mata, bate-bate, pisca-pisca, esconde-esconde, empurraempurra, quebra-quebra, cai-cai, puxa-puxa etc.,
o que vem ao encontro dos apontamentos feitos em gramáticas tradicionais sobre o
fenômeno, sempre classificado como composição. Essa interpretação, como vimos no
capítulo 2, também está em sintonia com as análises desse tipo de nominalização feitas
em idiomas como o italiano (THORNTON, 2008).
Dessa forma, o esquema geral de composição proposto por Booij (2002, 2005,
2010) é o que mais se ajusta ao caso em questão, muito embora seja importante salientar
que a reduplicação pode ser inserida também nos esquemas de prefixação e sufixação,
no que diz respeito aos outros tipos apresentados no capítulo 2: reduplicação em
hipocorísticos (Fafá, Dedé), na expressão de relações de parentesco (mamãe, titio), no
108
baby-talk (‘papato’, ‘dedera’) e na intensificação (‘bololô’, ‘chororô’). Logo, o esquema
geral de composição deve ser inicialmente selecionado para o tratamento do processo.
(33)
[[X]X[Y]Y]Y [Y com alguma relação com X]
Entretanto, com relação especificamente à composição em português, a categoria
gramatical resultante do processo será sempre um nome, independentemente da
categoria da base. Como se vê nos dados abaixo, extraídos de Gonçalves & Almeida
(2013), o resultado da composição é sempre um nome (termo genérico utilizado em
referência a substantivos e adjetivos, na esteira de Mattoso Câmara Jr, 1970):
(34)
[ [porta] V [papel] S] S
[ [bate] V [entope] V]
[ [água] S [ardente]
S
[ [surdo] Adj [mudo] Adj ] Adj
Adj ] S
[ [bolsa] S [ família] S]
S
[ [seu] Pron vizinho] S ] S
[ [mil] Num [folhas] S ] S
[ [boa] Adj [vida] S ] S
[ [pão] S [duro] Adj ] S
Como base nessa observação, Gonçalves & Almeida (2012: 5) propõem o
esquema geral de composição em língua portuguesa, atentando à função do processo
nesse idioma como formador de nomes:“O esquema dos compostos expressa a
generalização de que a composição, independentemente da posição da cabeça lexical,
sempre forma nomes em português (daí o subscrito N).”
Logo, o esquema geral para a composição em português é apresentado da
seguinte forma:
(35)
[ [X] x [Y] y] N [Y com alguma relação com X]
Booij (2010) aborda a existência da reduplicação e elabora propostas para o
tratamento do fenômeno. Ele aponta a existência de um tipo de reduplicação em
109
italiano, já comentado em capítulos anteriores, a reduplicação V-V analisada por
Thornton (2008). Essa categoria de compostos V-V, que são nomes, tal qual fuggifuggi, “fuja-fuja” em tradução literal, significando debandada, é extremamente
produtiva em italiano. Essa observação é importante, já que através dela Booij admite
que o processo de composição pode formar nomes a partir de verbos, exatamente o que
afirmam Gonçalves & Almeida (2012) e que os leva a (re)elaborar o esquema da
composição para o português. Segundo Booij (2010), esse é, na verdade, um exemplo
de que compostos exocêntricos podem envolver casos de reduplicação, revelando-se um
fenômeno perfeito para uma análise construcional na Morfologia, como os dados que
analisamos nesta tese.
De acordo com Booij (2010), a reduplicação é um tipo de operação
morfofonológica que implica o redobro de peças de informação morfossemântica,
podendo ocorrer de forma parcial ou total, como vimos no capítulo 2. Seu significado
não será previsível, ou seja, não é possível deduzi-lo através de seus constituintes, pois
evoca um significado particular, como a intensidade para nomes reduplicados, como
‘bololô’ e ‘chororô’, e a iteração para os casos de repetição verbal que contemplamos
neste trabalho, a exemplo de ‘empurra-empurra’ e ‘esfrega-esfrega’, formas que
expressam eventos interpretáveis pela duração, frequência e continuidade.
Booij toma o exemplo do afrikaans, uma língua filha do holandês, que possui a
reduplicação total como um processo produtivo. Nessa língua, todas as categorias
lexicais podem ser reduplicadas e a palavra resultante terá o significado de “aumento”.
Nesse caso, se ocorre a reduplicação de um nome plural, o significado do processo será
“número considerável”, como apresentado em (36):
(36)
a. Die kinder drink bottels-bottels limonade
110
A criança bebe garrafas-garrafas limonada
“A criança bebe garrafas e garrafas de limonada”
b. Bakke-bakke veld-blomme versier die tafels
Jarro-Jarro flores-silvestres decoram as mesas
“As mesas estão decoradas com vários jarros de flores silvestres”
A partir desses dados, Booij (2010) propõe o seguinte esquema para a
reduplicação de nomes plurais em afrikaans:
(37)
[[X]Npl,i [X]Npl,i]Nj ↔ [número considerável de objetosi]j
Nesse esquema, os constituintes são coindexados, pois possuem identidade total:
são fonologicamente idênticos. Contudo, há muitos casos em que a reduplicação
engatilha uma operação fonológica de truncamento, concretizando um redobro apenas
parcial, como vimos no capítulo 2.
De modo semelhante, o tratamento da reduplicação em afrikaans proposto por
Booij pode ser aplicado ao português. Logo, a variável X preencherá o esquema para
representar a cópia da base em detrimento do Y no esquema geral de composição. Os
índices x e y do esquema geral também serão preenchidos com a categoria da palavrabase do processo, uma forma verbal. Assim, propõe-se a construção de reduplicação de
base verbal em português com base no seguinte esquema:
111
(38)
[[X]Vi [X]Vi]Nj [reiteração da SEMi]24
Essa construção será o resultado da mescla entre os esquemas gerais de
composição no português [[X] x [Y] y] N e de repetição [[X]xi [X]xi]xi (exposta na seção
3.1 deste capítulo), dos quais herda propriedades. No entanto, essa construção se
instancia com propriedades particulares, não apenas como a soma das características
herdadas dos inputs. Isso pode ser comprovado pela propriedade de intransitividade, que
é conferida aos constructos e que será efetivamente analisada na seção 4.3.
Prosseguindo à análise, assim como a reduplicação com nomes de ação no
italiano anteriormente aludida (THORNTON, 2008), a reduplicação de base verbal em
português é um processo por meio do qual se originam nomes a partir de verbos de
ação. É preciso definir, no entanto, que forma é selecionada e propicia o processo de
nominalização.
Masini & Thornton (2007) procuram checar a forma eleita para o
desenvolvimento da reduplicação de nomes de ação no italiano. As autoras observam
que o input do processo são bases dissilábicas em sua maioria. De acordo com Thornton
(2008), esse tipo de reduplicação verbal no italiano obedece a uma restrição prosódica
de dissilabicidade, ou seja, as bases desses compostos devem sempre possuir duas
sílabas. A autora aponta que todos os dados presentes no corpus obedecem a essa
condição, exceto a base arraffa, que possui uma estrutura trissilábica. Isso pode ser
explicado pelo princípio da extrametricalidade da vogal inicial. Segundo Plénat (1994):
24
A construção de reduplicação de base verbal também é uma metaconstrução (BOOIJ, 2010), no sentido
de que também tem caráter generalizante.
112
“Uma vogal inicial não pode entrar no cômputo das sílabas de uma forma e não pode
contar como a extremidade esquerda dessa mesma forma”.25
Thornton (1996) aponta que as bases envolvidas na reduplicação verbal no
italiano encerram as características da palavra prosódica mínima, com pés troqueus26
dissilábicos e terminados por vogal. Segundo a mesma autora, essa tendência pode ser
constatada, na verdade, na maior parte dos processos de composição verbal no italiano;
pode-se notá-la em compostos VN, por exemplo. No entanto, é na reduplicação verbal
que se observa essa tendência de maneira mais acentuada.
Masini & Thornton (2007) também destacam que bases trissilábicas podem ser
encontradas com o detalhe de serem sempre iniciadas por vogal. Nesse sentido, vale
lembrar o conceito de extrametricalidade da vogal inicial de Plénat (1994), ou seja,
ocorre uma vogal inicial extramétrica, que parece não contar para o número de sílabas
da palavra. Essa vogal a- inicial, no caso do italiano, é semanticamente vazia e engatilha
a geminação da consoante subsequente. São exemplos desse fenômeno:
(39)
Input dissílabo
Input trissílabo
copia
Accendi
corri
Appila
mangia
Attacca
25
“Une voyelle initiale peut ne pas entrer dans le décompte des syllables dúne forme et ne pas compter
comme l’extrémité gauche de cette meme forme” (PLÉNAT, 1994: 239).
26
Pés são unidades prosódicas que compõem a hierarquia mora (), sílaba (), pé () e palavra prosódica
()(SELKIRK, 1980). O pé troqueu pode ser silábico (dissilábico, com proeminência acentual à esquerda
e insensível ao peso) ou moraico (sensível ao peso silábico, bimoraico e com proeminência acentual à
esquerda) (HEYES, 1991).
113
Há também uma diferença quantitativa marcante entre as formas dissilábicas e as
trissilábicas em italiano. Observe o quadro a seguir, retirado de Masini & Thornton
(2007: 4):
(40)
Estrutura verbal da base
Compostos VV reduplicativos em italiano
2 sílabas
95,7%
3 sílabas
4,3%
No caso do português, é possível perceber também que, fonologicamente, existe
uma maior ocorrência de estruturas dissilábicas, como é o caso das formações em (41) a
seguir:
(41) corre-corre, pega-pega, pisca-pisca, mexe-mexe, pula-pula, quebra-quebra, trepatrepa, bole-bole; treme-treme; mata-mata; pisca-pisca; mela-mela; mija-mija; comecome; troca-troca;beija-beija; luze-luze; ruge-ruge; suga-suga etc.
Entretanto, em português, igualmente com menor frequência, também se
observam casos de trissílabos e, assim como nos compostos VV italianos, esses são
começados por vogal; são casos como esfrega-esfrega e agarra-agarra. Em casos ainda
mais escassos estão as ocorrências com monossílabos, como cai-cai. O quadro a seguir,
em (42), ilustra o percentual de ocorrências de cada tipo em português de um total de 62
formas reduplicadas investigadas:
114
(42)
Estrutura verbal da base
Nº de formas recolhidas
Percentual
em português
1 sílaba
2
3,2%
2 sílabas
42
67,7%
3 sílabas
18
29%
Todos os verbos de três sílabas contabilizados no quadro em (42) se iniciam por
vogais, a exemplo dos que constam de (43) a seguir.
(43)
agarra-agarra, empurra-empurra, esfrega-esfrega, acende-acende, entope-entope,
ataca-ataca, engasga-engasga, engana-engana, esfria-esfria.
Isso demonstra que a condição de extrametricalidade da vogal inicial, válida
para o italiano, pode ser aplicada com sucesso também para o português. Tal condição
justifica o estranhamento de formações como as listadas em (44):
(44)
decora-decora, martela-martela, dispara-dispara
Thornton (2008) aponta outras características formais dos compostos VV do
italiano; dentre elas, as classes flexionais envolvidas no processo. Conforme a autora, o
italiano possui três classes flexionais que funcionam como conjugações verbais, pois
são baseadas em três vogais temáticas diferentes que aparecem após o radical; são elas
(p. 8):
115
(45)
Classes Flexionais do italiano ( conjugações)
Classe
Final do Infinitivo
1ª
-are
2ª
-ere
3ª
-ire
Segundo Thornton, a primeira conjugação é a mais regular e produtiva, a
segunda é improdutiva e irregular; já a terceira, que pode ser dividida em duas
subclasses distintas de acordo com o uso do infixo –isc-, é sensivelmente produtiva e
regular. A distribuição da ocorrência dessas classes nos compostos VV é ilustrada da
seguinte forma (p.8):
(46)
Classe
Nomes de ação VV em italiano
-are
65,2%
-ere
26,1%
-ire
8,7%
Como se pode observar, as classes mais representativas da reduplicação VV em
italiano são a primeira e a segunda, muito embora essa última seja particularmente
improdutiva e irregular no idioma em questão. Vale lembrar que os nomes de ação,
116
assim como em português, são resultado de um processo de lexicalização, com verbos
usados na fala e na forma de imperativo (no caso do italiano), como debatido no
capítulo 2.
Em língua portuguesa, a reduplicação de base verbal possui um maior número de
ocorrências na primeira conjugação (quebra-quebra); a seguir, vêm a segunda
conjugação (bate-bate) e a terceira (cai-cai) com um número de ocorrências idêntico em
um total de 62 dados recolhidos.
(47)
Conjugação
Nº de formas recolhidas em
Percentual
português
-ar
44
71%
-er
9
14,5%
-ir
9
14,5%
Como a reduplicação de bases verbais é governada por condições prosódicas, as
sílabas finais só não são abertas quando a forma verbal é monossilábica, a exemplo de
‘sai’ e ‘cai’, formas em que a rima silábica é bifurcada em núcleo (a vogal [a]) e coda (a
semivogal [j]). É por esse motivo, portanto, que verbos de terceira conjugação não
constituem as melhores bases para o processo: o fenômeno proíbe dissílabos terminados
em sílabas pesadas, já que, nesses casos, não se formaria um único pé trocaico, vindo,
daí, o estranhamento de formas como as listadas em (48):
(48) atrai-atrai; esvai-esvai; retrai, retrai.
117
Como o processo forma palavras mínimas, também são descartadas bases
verbais oriundas de nomes, como as derivadas em -ar (‘negociar’), -izar (‘fertilizar’) e
-ificar (‘fortificar’). Do mesmo modo, nenhuma base parassintética (‘enriquecer’,
‘adocicar’) pode servir de input à formação, já que, por seu tamanho, não caberiam no
molde. Portanto, o verbo utilizado na reduplicação tem de ser simples, isto é, não pode
ser morfologicamente complexo.
Outra característica estrutural desse tipo de formação em português é a seleção
de uma forma que coincide com o tema verbal, a terceira pessoa do singular do presente
do indicativo, base para o processo de cópia que a reduplicação demanda. O que torna
essa base perfeita para sofrer o reenquadre na classe dos nomes é o fato de ser destituída
das marcas verbais de modo-tempo e número-pessoa. Sendo assim, revela-se como uma
forma não marcada em língua portuguesa e é exatamente essa característica que propicia
a reinterpretação do verbo como substantivo.
4.3 – A REDE CONSTRUCIONAL
A reduplicação de base verbal é, portanto, um fenômeno que requer uma análise
que dê conta de seus aspectos formais e semânticos. Do ponto de vista do significado, a
forma final substantiva indica sempre aspecto iterativo, o que parece bastante coerente,
já que o processo tem como base verbos. O significado lexical do verbo é canalizado
para a forma substantiva, mas é reanalisado para indicar iteratividade, repetição, ou seja,
a ação sugerida pelo verbo executada repetidamente, com frequência e habitualidade. É
importante ressaltar que a propriedade de reiteração já é herdada do esquema de
repetição [[X]xi[X]xi]xj e é expressa na construção de reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj. O
evento evocado por essa repetição é nomeado pela própria base verbal repetida e
118
reinterpretada metaforicamente como substantivo, nesse caso. Ainda, o processo pode
levar à reinterpretação metonímica do significado, estendendo-se da nomeação de
eventos (escaneamento sequencial) para coisas (escaneamento resumitivo), como
acontece com “pega-pega”, nome de uma brincadeira que consiste em pegar outra
pessoa repetidamente.
Logo, o caminho para a elaboração da rede construcional de reduplicação de
base verbal em português, como apontado na seção 4.2, começa pela mesclagem dos
esquemas gerais de composição em português [ [X]
x
[Y] y]
N
e de repetição
[[X]xi[X]xi]xj. A estrutura emergente dessa mesclagem é uma construção de
reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj, que herda propriedades dos inputs, mas realiza-se como
uma construção particular, isto é, não é apenas a soma das partes, já que apresenta novas
propriedades. A seguir, a figura em (48) ilustra o processo de mesclagem desses
esquemas.
119
(49)
Como ilustrado em (49), as propriedades nome, gênero masculino, reiteração
semântica e duas bases idênticas são herdadas dos esquemas gerais – as duas primeiras
da construção de composição e as últimas, da construção de repetição. Contudo, os
constructos também herdarão da construção de reduplicação a propriedade de
intransitividade, uma construção nominalizadora na língua, mesmo em se tratando de
bases verbais. Esse tipo de construção propiciará a instanciação de constructos com
argumentos nulos (GOLDBERG, 1995), que, tal qual a discussão na seção 4.1, poderão
ser definidos, retomados pelo contexto por meio da evocação dos papeis temáticos
120
atribuídos pela construção do verbo-base do processo, ou indefinidos, apagados e sem
referência contextual. Dessa forma, a primeira parte da rede construcional pode ser
ilustrada:
(50)
É a partir da construção de reduplicação que serão instanciados os constructos
com significado de evento e coisa. Nesse ponto, uma construção verbal é selecionada na
língua e unificada (BOOIJ, 2010) à meta-construção de reduplicação; os constructos
resultantes herdarão propriedades de ambos os esquemas unificados. As propriedades
herdadas da construção verbal serão o preenchimento fonológico (terceira pessoa do
singular do presente do indicativo) e frame verbal; as da meta-construção são aquelas
anteriormente apontadas no quadro (49), presentes no blend: aspecto iterativo e
propriedade de cópia. Essa unificação é apresentada em (51):
(51)
121
Logo, dando sequência à análise, a reduplicação de base verbal é formada por
meio da repetição de uma base na terceira pessoa do singular do presente do indicativo
que, por esta ser desprovida de desinência modo-temporal e desinência número-pessoal,
é uma forma menos marcada em português. Isso corresponderia, numa análise
estruturalista, à proposição de dois zeros morfológicos para formas verbais como mexe,
come, canta, puxa, sai etc. Por ser não marcada, a forma de terceira pessoa do singular
equivale formalmente ao tema verbal: constituinte morfológico despojado de qualquer
marca flexional. Além disso, o presente do indicativo também é não marcado do ponto
de vista semântico, já que é o marco zero da enunciação, mais neutro nesse sentido.
Logo, o significado veiculado pelo verbo utilizado como base do processo é repassado
para a construção de reduplicação, na forma de SEM (abreviação de semântica),
reinterpretado, na proposta de Gonçalves & Almeida (2013), como o frame evocado
pela palavra-base. Os autores entendem, com Fillmore & Atkins (1992: 76), que
palavras e significados de palavras não são relacionados uns aos
outros diretamente, palavra a palavra, mas somente por meio das
associações aos frames de base compartilhados e das indicações da
maneira pela qual seus significados destacam elementos específicos
de tais frames.
Outro ponto importante, nesse caso, é que a base verbal será sempre acionada
intransitivamente, dado o caráter genérico da construção de reduplicação de base verbal,
o nó dominante. Trata-se, portanto, de um verbo que veicula ação e que, para selecionar
eventos e, por extensão, coisas, é acessado intransitivamente, destituído de carga
argumental. Isso leva a um caráter mais genérico, propício à criação de substantivos por
meio de instanciação. No entanto, tal carga argumental vai se encontrar em um nível
mais baixo e pode ser acionada por default, daí a possibilidade de preenchimento pela
evocação de papeis temáticos.
122
Nesse momento, os constructos nominais com o significado de evento e coisa
são instanciados. Entretanto, como já foi anteriormente discutido, a primeira releitura do
item se dá no campo da metáfora, ao se ampliar o significado, “puxando-o para cima”
(SOARES DA SILVA, 2006) na categoria de nome; é somente após essa releitura mais
sequencial (escaneamento sequencial), nos moldes de Langacker (1987), que se torna
possível a reinterpretação metonímica (escaneamento resumitivo), restringindo o
significado nomeador de evento e “puxando-o para baixo”, ainda nos termos de Soares
da Silva (2006). Dessa forma, todos os casos desse processo passam pelo significado de
evento para, em seguida, nomear coisas. No entanto, muitas vezes, a fixação do
significado metonímico é tamanha que torna o significado anterior pouco usual, o que
pode levar a uma conclusão equivocada de não haver passado pela primeira fase de
releitura metafórica, como acontece com os exemplos em (52), quase sempre
interpretáveis como coisas:
(52)
bate-bate, pula-pula, pisca-pisca, mata-mata, cai-cai
No entanto, a esmagadora diferença dos números de ocorrências entre evento e
coisa, apresentada na seção 4.1, comprova que o sentido de evento, tomado por
metáfora, é de fato o mais básico do processo, já que responde por 95% dos dados
(contra 42% dos dados que manifestam a acepção de coisa).
Dessa forma, com base na discussão encaminhada ao longo do capítulo, são
propostas duas construções morfológicas para a reduplicação de base verbal que, por
meio de uma relação de instanciação27, herdam características das construções
27
Como vimos no capítulo 2, a ligação por instanciação ocorre quando uma determinada construção é a
instância da outra, com alguns elementos especificados, isto é, requer que uma construção seja aberta a
ponto de permitir que demais construções surjam a partir da especificação de seus elementos.
123
anteriores. A primeira surge com um significado mais básico e abstrato, relacionado à
reinterpretação metafórica iterativa, e nomeia eventos, como ‘agarra-agarra’ e ‘ entopeentope’.
(53)
[[P3 ind. pres.]Vi [P3 ind. pres.]Vi]Nj
[evento]
A segunda construção é uma extensão semântica da primeira; portanto, nesse
caso, a ligação se dá por polissemia (GOLDBERG, 1995)28. Nela ocorre, por meio de
metonímia, uma releitura significativa que leva a um significado mais específico
nomeador de coisa, a exemplo de ‘mija-mija’ (limpador de para-brisa), ‘treme-treme’
(um prédio) e ‘trepa-trepa’ (um brinquedo).
(54)
[[P3 ind, pres,]Vi [P3 ind. pres.]Vi]Nj
[coisa]
Contudo, devido às diferenças sintático-semânticas entre as duas formas, o
fenômeno configura-se como um caso de heterossemia (LICHTENBERK, 1991). Como
destacado anteriormente, ambos os casos se encaixam no conceito de argumento nulo de
Goldberg (1995); entretanto, existem algumas diferenças: para o nome-evento, nos
quais é possível evocar os papéis temáticos da construção do verbo-base, que
potencialmente possui argumento, funcionando como adjunto adnominal ou
complemento nominal, casos de argumento nulo definido; ao contrário, o nome-coisa
não permite essa leitura, pois sua fixidez como nome se completou totalmente; logo,
esse é um caso de argumento nulo indefinido. Nesse sentido, vale lembrar que alguns
casos encontram-se no limiar do processo de lexicalização, ou seja, em alguns casos
28
Também no capítulo 2, frisamos que a ligação por polissemia estabelece uma relação entre o sentido
específico de uma construção e sua extensão presente em outra.
124
pode ser difícil inclusive determinar se o significado é de evento ou de coisa e, portanto,
os papeis temáticos podem não ser evocados, muito embora o nome tenha mais
característica de evento do que de coisa. Tal situação foi exemplificada na seção 4.1
com o composto cai-cai.
O esquema a seguir ilustra a instanciação e ligação entre esses dois constructos:
(55)
A rede construcional a seguir, em (56), ilustra a trajetória percorrida pelo
processo até chegar aos nomes reduplicados:
125
(56)
Como se pode perceber, cada construção herda características de uma outra de
nível mais alto. No topo da rede, destacam-se os esquemas construcionais da
composição em português, proposto por Gonçalves & Almeida (2012), [ [X] x [Y] y]
N
[Y com alguma relação com X], e de repetição [[X]xi[X]xi]xj [reiteração da SEMx].
Esses esquemas instanciam a construção de reduplicação de base verbal [[X]Vi [X]Vi]Nj
[reiteração da SEMi], que é unificada com a construção de verbo [V]vi [3ª. p. pres. ind.].
O aspecto iterativo é herdado da construção de repetição. Dessa forma, instancia-se a
construção nomeadora de eventos [[P3 Ind. Pres]Vi [P3 Ind. Pres]Vi]Nj [evento] e, na
sequência, em uma releitura metonímica do item, [[P3 Ind. Pres]Vi [P3 Ind. Pres]Vi]Nj
[coisa], levando a um resultado heterossêmico para o processo como um todo.
126
A seguir, será apresentado um exemplo de uso de uma palavra reduplicada e, na
sequência, uma rede construcional preenchida será analisada, ilustrando como se dá o
processo de cópia,.
(57)
Tô cansada de no Carnaval passar por todo [aquele esbarra-esbarra]!
(58)
Em (58), o verbo “esbarrar” é selecionado e passa por herança o frame de
“esbarrar” para o constructo instanciado. Observa-se também, nessa rede construcional,
que o constructo de evento já está preenchido com a P3 do verbo “esbarrar” do Ind.
127
Pres. (presente do indicativo). Nesse caso, o escaneamento sequencial leva ao
significado de “esbarrar repetidas vezes”. Não ocorre nesse exemplo o escaneamento
resumitivo com significado de coisa, pois ‘esbarra-esbarra’ só nomeia o ato de esbarrar
com frequência e intensidade. A propriedade de intransitividade é herdada da
construção de reduplicação e, como resultado, o nome-evento pode ser instanciado
destituído de argumentos. Em (58), existe uma inferência a ser feita para essa sentença,
o esbarra-esbarra se dá claramente entre pessoas. Logo, o papel de agente é evocado
da construção verbal e esse é um exemplo de argumento nulo definido. O significado é
de evento, resultante de uma releitura metafórica da ação expressa pelo verbo.
Em seguida, mais duas redes construcionais serão exploradas em apenas uma
sentença, o caso de “espreme-espreme” e “corta-corta”.
(59)
Pegue dois limões e um espremedor. Antes de começar [o espreme-espreme], rola [um
corta-corta].
128
(60)
129
(61)
As redes em (60) e (61) apresentam a trajetória para a formação dos compostos
Vi-Vi “espreme-espreme” e “corta-corta”, respectivamente. O constructo instanciado,
resultado da unificação das construções de reduplicação e de verba, é preenchido pela
P3 Ind. Pres.; nesses casos, os verbos “espremer” e “cortar” são selecionados e levam
seu frame para a construção, que já atribui caráter iterativo ao nome-evento. O
escaneamento, nesses casos, também é sequencial e não chega ao significado de coisa
por meio de escaneamento resumitivo. Portanto, o único significado veiculado é o do
evento com a ideia de “espremer ou cortar repetidas vezes”. Na sentença em (59), é
possível retomar o papel de participante que é evocado pela construção verbal, o de
130
paciente. Ora, nesse caso, ocorre um espreme-espreme e um corta-corta dos limões; o
argumento é nulo definido, pois é facilmente identificado no contexto.
Na rede construcional em (63) é ilustrada a formação do composto “pingapinga” exemplificado em (62).
(62)
 Evento
[Pinga-pinga do ar-condicionado].
Dicas para que o seu ar-condicionado não incomode os vizinhos com as goteiras.
 Coisa
[Viagem em pinga-pinga]. Ônibus é um transporte que é coletivo do povo. Viaja todo
tipo de pobre: velho, jovem e menino novo. Motorista dê uma parada que vai subir mais
gente de novo!
131
(63)
Em (62), o verbo “pingar” é selecionado é confere o sentido de “gotejar” ao
nome-evento, que também herda a propriedade de intransitividade da construção de
reduplicação, doando a característica de argumento nulo para os constructos. Logo, o
nome-evento será composto pela repetição do tema verbal e terá o sentido de “pingar
repetidas vezes”. Nesse caso, ocorre a extensão de significado e o escaneamento deixa
de ser sequencial para se tornar resumitivo, determinando, por meio de metonímia, o
sentido de coisa (tipo de ônibus) para o vocábulo reduplicado em questão, que, por sua
132
vez, apresentará alta fixidez de significado. Com relação à acepção de evento em (62), o
papel semântico de causa (desencadeador da ação, sem controle) é evocado da
construção verbal e realizado como um adjunto adnominal, do ar-condicionado; temos
a ocorrência de um argumento nulo definido. Já na acepção de coisa, pinga-pinga é um
nome que se dá a um tipo de ônibus; logo, pode vir a funcionar inclusive como adjunto.
Mas, nesse caso, nenhum papel de participante pode ser evocado, pois o processo de
nominalização já chegou ao fim. Dessa forma, temos um caso de argumento nulo
indefinido. Logo, obtém-se a formação de compostos heterossêmicos, já que apresentam
diferenças em suas características semântico-sintáticas.
O próximo caso analisado é o de “bate-bate”.
(64)
 Evento
“Com seus copos de bebida na mão, no máximo arriscavam um tímido mexer da
cabeça, acompanhando [o bate-bate do compasso]”.
 Coisa
“[Carrinho de Bate-Bate]. Tente evitar as colisões laterais com os carrinhos... para
começar o jogo, clique em jugar. Fuja o máximo possível”.
133
(65)
Em (65), o verbo selecionado é “bater”. Dessa construção verbal será herdada a
ideia de ”colidir”, enquanto da construção de reduplicação serão herdadas a propriedade
de intransitividade, responsável por apagar os argumentos de qualquer verbo que venha
a se unificar com esse esquema, e iteratividade. Na sequência, um constructo é
instanciado e preenchido formalmente pela forma da terceira pessoa do singular do
presente do indicativo e, portanto, não-marcada, como já explicado anteriormente.
Semanticamente, o sentido do evento será “bater repetidas vezes”, nome resultante de
um escaneamento sequencial. Por extensão semântica, um segundo constructo ocorre na
134
rede, com o significado de coisa. O nome-coisa é o resultado de um escaneamento
resumitivo da conceptualização e o significado é “puxado para baixo” por meio de
metonímia, garantido fixidez significativa. Em (64), na expressão destacada [o batebate do compasso], o nome-evento é núcleo e vem acompanhado pelo adjunto
adnominal do compasso. Ora, tal Sprep é, na verdade, uma evocação do papel de
participante de agente evocado pela construção verbal; logo, esse é um caso de
argumento nulo definido. Ao contrário, o nome-coisa, na expressão [Carrinho de Batebate], exerce a função de adjunto adnominal, mas não pode evocar nenhum papel
semântico por ter chegado ao ápice do processo nominalizador, com alta fixidez de
significado. Esse é um caso de argumento nulo indefinido. Portanto, mais uma vez, o
resultado do processo reduplicativo é a formação de compostos heterossêmicos na
língua.
Dando sequência à análise, mais um caso será exemplificado, “puxa-puxa”.
(66)
 Evento
“Aquela brincadeira que você pega do lado de um brinquedo (pode ser uma toalha), o
cachorro do outro e fica [aquele puxa-puxa sem fim]”.
 Coisa
“[Calda puxa-puxa de chocolate]. Tipo de Cozinha. Caseira. Categoria. Sobremesa,
Doce”.
135
(67)
Em (67), o verbo “puxar” é selecionado e, por meio da unificação com a
construção de reduplicação, manifestará o aspecto de iteratividade para o constructo.
Devido ao seu caráter nominalizador, a construção de reduplicação passará a
propriedade de intransitividade para esse constructo; logo, o nome-evento resulta na
repetição do tema verbal, como base, destituído de qualquer argumento.
Semanticamente, portanto, esse nome-evento significa “puxar repetidas vezes”. Nesse
caso, o evento nomeado se desdobra no tempo devido ao escaneamento sequencial de
que é fruto. Isso leva ao nome a possibilidade de evocar um papel de participante da
construção verbal; é o que ocorre em (66). Em [aquele puxa-puxa sem fim], puxa-
136
puxa funciona como núcleo da expressão, mas o papel semântico de tema pode ser
evocado e retomado pelo contexto. Ora, é um puxa-puxa de toalha, como apontado em
outra parte da sentença. Isso revela que o argumento, nesse caso, é nulo e definido.
Além disso, ocorre, ainda, uma extensão semântica de evento para coisa nessa rede. No
sentido de coisa, ocorre o escaneamento resumitivo do item lexical e, portanto, não se
apresenta o desdobramento temporal. Logo, em (66), o vocábulo reduplicado puxapuxa pode assumir a função de determinante, atuando como adjunto adnominal do
núcleo calda, como ocorre em [Calda puxa-puxa de chocolate]. Nesse caso, nenhum
papel de participante pode ser evocado, já que o processo nominalizador chegou ao seu
estágio final e o significado se tornou muito fixo. Temos, portanto, um caso de
argumento nulo indefinido. Dessa forma, ocorre heterossemia nos dados, já que as
construções resultantes do processo apresentam mudança tanto de características
sintáticas quanto de significado.
5. CONCLUSÃO
Neste trabalho, foi analisado o fenômeno da reduplicação de base verbal em
português (bate-bate, esconde-esconde, molha-molha, puxa-puxa, pisca-pisca, esbarraesbarra, mela-mela, tosse-tosse etc) com base no modelo teórico da Morfologia
Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2007, 2010). A reduplicação de base verbal é um
processo que forma nomes a partir de bases verbais por meio de lexicalização
(LEHMANN, 2002). A Morfologia Construcional é um modelo desenvolvido por Booij
a partir dos estudos de Goldberg (1995) e, por isso mesmo, caracteriza-se pela utilização
da noção de esquema em detrimento da de regra. Nesse sentido, o referido modelo
apresenta vantagens, sobretudo porque o esquema é duplamente orientado, tanto para o
input quanto para o output, enquanto regras orientam-se apenas para o input. Com base
no conceito de esquema, portanto, Booij propõe a existência de construções gramaticais
nas línguas que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a
prefixação e a composição. Esses esquemas construcionais envolvem sequências
fonológicas e categorias lexicais, representadas por meio das variáveis X e Y, tais como
[[X]X][Y]Y]Y (composição), [[X]XY]Y (sufixação), [X[Y]Y]Y (prefixação).
No caso da reduplicação de base verbal, o esquema geral selecionado para o
processo é o da composição [[X]X][Y]Y]Y. No entanto, esse esquema precisa ser
adequado às características da língua portuguesa e é com base nessa necessidade que
Gonçalves e Almeida (2012) propõem o esquema geral de composição em português
[[X]
x
[Y] y] N. Esse esquema geral é mesclado ao esquema de repetição na língua
[[X]x[X]x]x e a estrutura emergente resultante é a construção de reduplicação [[X]Vi
[X]Vi]Nj. É importante ressaltar que a mescla construcional já havia sido proposta por
Fauconnier & Turner (1996) e Mandelblit (1997). Por sua vez, a construção de
reduplicação é unificada a uma construção verbal [V]vi e instanciará o constructo [[P3
138
Ind. Pres.]Vi [P3 Ind. Pres.]Vi]Nj. Nesse caso, a base presente no constructo é a terceira
pessoa do presente do indicativo (segmento fonológico herdado da construção verbal)
por ser idêntica ao tema verbal, uma forma não-marcada na língua, destituída das
marcas de modo, tempo, número e pessoa.
O sentido aspectual de iteratividade é herdado da construção de repetição e se
associa à própria construção de reduplicação. Outra propriedade dessa construção é a
intransitividade: os verbos são nominalizados e seus complementos argumentais,
apagados.
No polo semântico do processo, dois significados emergem acompanhados de
características sintáticas diferentes para cada um deles. É exatamente essa mudança
semântico-sintática que caracteriza o fenômeno da heterossemia (LICHTENBERK,
1991). O significado mais básico é o de evento, como em pisca-pisca significando
simplesmente “piscar repetidas vezes”. Nele, ocorre uma reinterpretação metafórica da
ação expressa pelo verbo; por isso mesmo, o escaneamento envolvido nessa
conceptualização é sequencial (LANGACKER, 1987), isto é, o evento se desdobra no
tempo. Na sequência do processo, ocorre uma extensão semântica e o significado se
torna mais fixo como coisa (pisca-pisca como luzes de Natal) em um escaneamento
resumitivo do item lexical. Nesse caso, o nome é acessado estaticamente. A
reinterpretação que leva ao nome-coisa é feita por meio de metonímia.
Essas diferenças de sentido são acompanhas também por diferenças sintáticas: o
nome-evento admitirá argumentos nulos definidos (GOLDBERG, 1995), que podem ser
retomados pelo contexto por meio da evocação do papel de participante da construção
verbal; o nome-coisa não admite essa evocação, tendo argumentos nulos indefinidos.
Logo, a reduplicação de base verbal resulta em palavras heterossêmicas em português.
Contudo, é importante destacar que alguns casos podem apresentar certa dificuldade
139
para se enquadrar totalmente como evento ou coisa, a exemplo de cai-cai, que causa
ambiguidade, pois não se sabe se a referência é apenas à “repetição do ato de cair” ou
uma nomeação tal qual o caso do jogador de futebol. Esses casos podem ainda veicular
o sentido de evento, por exemplo, e não admitir argumentos nulos definidos. Tais dados
podem caracterizar casos de fronteira em meio a graus de lexicalização, isso apontaria
para a existência de um continuum evento-coisa no processo de reduplicação em
português.
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7. ANEXO
Dados – reduplicação de base verbal
1)
Acende-acende
Evento
O fósforo não acendia de jeito nenhum. O vento sempre apagava e a gente ficou naquele
acende-acende rindo pra caramba!
2)
Agarra-agarra
Evento
Eu já não aguento mais ficar. Nesse agarra-agarra no portão. E quando vê que o bicho
vai pegar. Ela tira o corpo e diz que não.
3)
Alisa-alisa
Evento
E não diga que gosta de cafuné não.. que você não vai ter sossego!! Vai ser um alisaalisa danado!!
4)
Amassa-amassa
Evento
Swingão Do Amassa - Amassa & Cia · Pra Mexer Pra Arrochar.
Amassa amassa do fundão
Após a entrega da prova de Arte (no último horário), a galera começou a resenhar se
jogando um em cima do outro, pense que ficaram mais de 12 pessoas amontoadas no
fundo da sala.
5)
Evento
Arranha-arranha
151
Graças a Deus não aconteceu nada com elas pois elas estavam muito longe e nem
conseguiram ver o palco....mas em compensação...disseram que foi um empurraempurra, um arranha-arranha que só Deus e ainda naquele calor, aff...
6)
Ataca-ataca
Evento
E de repente, foi aquele ataca-ataca na mesa de doces. Um horror!
7)
Bate-bate
Evento
“Com seus copos de bebida na mão, no máximo arriscavam um tímido mexer da
cabeça, acompanhando o bate-bate do compasso”.
Coisa
“BATE-BATE aquático. Bumper Boat é a versão aquática do carrinho bate-bate”.
“Carrinho de bate-bate do parque de diversões solta e acidenta menino de 7 anos”.
“Carrinho de Bate-Bate. Tente evitar as colisões laterais com os carrinhos... para
começar o jogo, clique em jugar. Fuja o máximo possível”.
“BATE-BATE. Bebida feita com cachaça, açúcar e limão, ou maracujá”.
8)
Beija-beija
Evento
Agora vai terminar a dança do beija-beija
Agora vai terminar a dança do beija-beija
Já misturamos o beijo com a viola sertaneja
Troca incessante de beijos: Ficaram no beija-beija até de manhã.
9)
Bole-bole
Evento
Dança do bole-bole
152
É uma dança nova
Que bole, bole, bole, bole!
No mexe mexe, no bole bole
Seu corpinho mole chega pra abalar
Eu fico pensando se pode ou não pode
Você no pagode chegar devagar.
10)
Cai-cai
Evento
A unção do cai-cai iniciou-se com o americano Randy Clark, que foi ordenado pastor
em 1950. Segundo alguns relatos, ele recebeu uma profecia que afirmava que através de
sua vida e ministério pessoas seriam derrubadas no Espírito.
Coisa
Fama de "cai-cai" vira brincadeira com Neymar no Twitter; veja frases mais
engraçadas.
11)
Canta-canta
Evento
“Eles ficam nesse canta-canta e não fazem nada.”
12)
Cheira-cheira
Evento
Assim que ele entra é logo cercado por outros cães que começam a cheirá-lo e o novo
visitante fica estático, sem se mover, isso quando é um cão calmo e receptivo. Depois as
posições se invertem e começa um cheira-cheira danado.
13)
Evento
Cisca-cisca
153
Mas lembro que lá em casa era bem agitado sempre... um cisca-cisca danado quase o
dia todo... só parávamos mesmo prá dormir... e olhe lá !!!
Coisa
Como dizem os meus amigos gaúchos, vocês contrataram um eterno reserva, um ciscacisca. Quando não tem ninguém perto dele, às vezes acerta um bom passe, pois enfiou
uma boa bola para o Lucas e só, muito pouco.
14)
Coça-coça
Evento
Coça-coça. Seu cão ou gatinho se coça demais em partes do corpo como patas, orelhas
e olhos?
15)
Cola-cola
Evento
Apesar de achar incrível o efeito dos cílios postiços não tenho tanta paciência pra usálos sempre. Os postiços bons custam caro e sempre que vou reutilizá-los não vingam tão
bem como na primeira vez. Além do mais é um cola-cola e melequeira sem fim (nada
prático).
16)
Come-come
Evento
A maior sacanagem cometeram com a Isolina, aquela solteirona assanhada que cantava
tudo que é homem e acabou a novela sem ninguém tê-la "comido", justo numa novela
que, desde o início, foi um "come-come" adoidado.
Coisa
Todos conhecem o famoso Pacman, vulgo come-come. Basta comer as bolinhas e
escapar dos inimigos.
Trenzinho Come Come - Buffet infantil, trenzinhos para qualquer evento.
154
17)
Corre-corre
Evento
“No corre-corre cotidiano, ás vezes nos esquecemos dos elementos mais importantes
da vida.”
“Nutrologia Café-da-manhã: combustível para o corre-corre do dia”.
“Eu sei que foi um corre-corre danado O ano inteiro eu passei sem dinheiro”.
“Corre-corre por prêmios Na crise, crescem os estímulos para vendas de lojistas e
corretores”.
“Oi, Perolita, no corre-corre enlouquecido dessa semana sãopaulina, não consegui estar
com o teu noivo”.
18)
Corta-corta
Evento
Pegue dois limões e um espremedor. Antes de começar o espreme-espreme, rola um
corta-corta. Há no mercado vários outros modelos, alguns com design moderno.
19)
Cospe-cospe
Evento
Cospe-cospe
Se você já jogou futebol por um longo tempo, com certeza já sentiu que a boca fica
mais "molhada". Mas por quê? Fácil de explicar.
Coisa
O cospe cospe
tirou o chinelo Havaiana
cuspiu
pisou no cuspe
155
calçando o chinelo novamente
se foi.
20)
Empurra-empurra
Evento
Confusão e empurra-empurra no final dos treinos abertos do UFC em São Paulo nesta
quarta-feira.
Houve muito empurra-empurra na entrada.
Graças a Deus não aconteceu nada com elas pois elas estavam muito longe e nem
conseguiram ver o palco....mas em compensação...disseram que foi um empurraempurra, um arranha-arranha que só Deus e ainda naquele calor, aff....
21)
Escova-escova
Evento
Olá meninas, fim de ano chegando e todo mundo se arrumando para as festas de fim de
ano,e um escova-escova daqui,um prancha-prancha dali,tudo isto e bom não é?
22)
Engana-engana
Evento
A educação nunca foi prioridade em nenhum governo sempre é um engana-engana ou
seja o governo faz de conta que paga um bom salário ao professor ,o professor faz de
conta que ensina.
Coisa
Chamo de engana-engana aquele tipo onde uma pessoa finge ser competente para a
organização (e o pior, o chefe acredita). O engana-engana não é que um engana o outro,
mas a própria pessoa engana o seu chefe e engana a si mesma.
23)
Evento
Engasga-engasga
156
Um comer de poucos segundos, num engasga-engasga tragicômico. Nem de papo cheio
sossegava o pito.
Coisa
Afinal o que era o engasga-engasga? Nada mais que uma farsa arquitetada e executada
por um grupo de oficiais da reserva não remunerada, interessados em arranjar um
emprego e a policia era o local ideal para pleitearem uma colocação estável e garantida.
24)
Entope-entope
Evento
Pobre se contenta com tudo até com biscoito mata fome, bulacha sete capa e sequilho
entope-entope, ainda bem que sou rica!
25)
Esbarra-esbarra
Evento
Tô cansada de no Carnaval passar por todo aquele esbarra-esbarra!
Insuportável o shopping, um esbarra-esbarra chatésimo! Nos sábados passados foi bem
mais tranquilo.
26)
Esconde-esconde
Evento
De toda a prova apenas um não escondeu o jogo. Foi o canadense Pascal Wollach que
ficou com o 2º tempo da prova com 55:69 e fez sua melhor marca pessoal. O resto foi
um esconde-esconde geral. Até mesmo Peter Marshall, o primeiro tempo de hoje, 55:09
está longe de ser sua melhor marca.
Coisa
Veja como inovar no jogo do Esconde-Esconde, que pode ser jogado por crianças a
partir dos 2 anos de idade.
27)
Esfrega-esfrega
157
Evento
Na perninha esfrega
Na boquinha esfrega
na carinha esfrega
e assim é a dança
do esfrega esfrega
que anda praí.
28)
Esfria-esfria
Evento
Você fica nesse esfria-esfria que não termina nunca!
29)
Espirra-espirra
Evento
Mas é um espirra-espirra por toda parte que parece mais uma epidemia.
A turma do espirra-espirra não suporta a presença do bolor.
30)
Espreme-espreme
Evento
Atenção galera vocês já podem aprender o samba exaltação do Espreme-Espreme.
Pegue dois limões e um espremedor. Antes de começar o espreme-espreme, rola um
corta-corta. Há no mercado vários outros modelos, alguns com design moderno.
31)
Estica-estica
Evento
Meu cachorro faz um estica-estica igual o de toy story.
32) Funga-funga
Evento
158
É, a coisa tá feia por aqui. As nossas 5 bonecas estão super gripadas. É um funga-funga
danado.
33) Fura-fura
Evento
É um fura-fura desgraçado, até que encontram uma veiazinha no lugar mais improvável,
excetuando-se aquele que o caro leitor está imaginando.
34) Gira-gira
Evento
Um poema de louvor à criação, que faz da sequência um gira-gira pelo mundo e pelo
tempo, em um colorido sugestivo e inspirador.
35) Lambe-lambe
Evento
A superlotação felina em casa prejudicou o dengo do nico, não posso mentir. Mas o
pequeno não resiste muito. Ele faz charme por alguns dias e logo depois ele mia
baixinho e sai lambendo geral da casa. Esta semana tá um lambe-lambe danado!
Coisa
O lambe-lambe basicamente é um poster de papel colado com cola, geralmente em
muros e postes.
O fotógrafo lambe-lambe ou fotógrafo à la minute, também conhecido como fotógrafo
de sapateria, por utilizar muitas vezes um sapato para o fundo das fotos, é um
profissional em extinção.
36) Liga-liga
Evento
159
Achei lindoo a expectativa de vocês, enquanto eu morria de ansiedade de um lado,
vocês morriam do outro! kkk Era um liga-liga, um trocado de mensagem naquele
facebook que só me deixava mais feliiz ...
37) Luze-luze
Coisa
Dicionário dos Sonhos - interpretação de sonhos com luze-luze & significado dos
sonhos com luze-luze.
Luze-luze. O mesmo que pirilampo.
38) Mata-mata
Evento
“Mata-mata entre gangues” Valéria Biembengut [29/06/2006]”.
Coisa
“O mata-mata decisivo, com jogos de ida e volta, começa com 32 equipes.”
“Não sofri nenhum ataque de coração e assisti a um jogo de mata-mata”.
39) Mela-mela
Evento
Foi o sinal de ataque de um mela-mela terrível. Levei um banho de talco e de farinha de
trigo. Fiquei branco. Espanei-me do jeito que pude!
Coisa
O
Mela-Mela
incontestavelmente
é
o
lado
doce
e
irreverente
da
folia
macauense numa combinação perfeita com o estilo único e marcante da
banda potiguar.
40) Mexe-mexe
Evento
160
No mexe mexe, no bole bole
Seu corpinho mole chega pra abalar
Eu fico pensando se pode ou não pode
Você no pagode chegar devagar.
Coisa
O jogo proposto pelo fabricante, é o nosso "Mexe-mexe" (regras abaixo). Acabei
comprando um jogo destes, apesar de saber que um simples baralho poderia
substituir o jogo. Mas quero testar a praticidade das fichas, no lugar das cartas.
41) Mija-mija
Evento
“Eu já estava na fase mija-mija e tinha que ir ao banheiro a toda hora”.
Coisa
“Porque será que os mija-mija (lava-vidros dos automóveis) ficam sem água sempre
quando fazem mais falta?”
“O problema está no mija-mija que está para dentro (demais para funcionar
correctamente) Tentei ... Agora ando sem mija-mija traseiro”.
Mija-mija. Molusco bivalve (Trachycardium muricatum), comestível, da fam. dos
cardiídeos, que ocorre na costa atlântica, de concha quase circular e sulcada
longitudinalmente; berbigão, rala-coco, tamati [Seu nome advém do hábito de lançar
água através dos orifícios sifonados quando se desloca.]
“Quanto aos moluscos, temos os berbigões e o mija-mija, como os mais comuns”.
42) Molha-molha
Evento
A velha bomba d'água ainda existe. Lembro que antigamente transitávamos
desconfiados com medo do molha molha. Hoje eles que têm medo.
161
43) Pega-pega
Evento
Tudo bem que é super gostoso ficar com pessoas atraentes, interessantes e q às vezes
queremos só isso mesmo, sem uma dedicação ou investimento maior... mas às vezes,
sinto eu, porém, o que se vê é um pega-pega danado!
Coisa
O pega-pega ou apanhada é uma brincadeira infantil muito conhecida. Pode ser jogada
por um número ilimitado de jogadores e possui inúmeras variantes.
Pega-pega,
carrapicho,
carrapicho-beiço-de-boi,
desmódio.
Nome
científico.
Desmodium tortuosum (Sw.)
44) Pinga-pinga
Evento
Pinga-pinga do ar-condicionado.
Dicas para que o seu ar-condicionado não incomode os vizinhos com as goteiras.
Coisa
Viagem em pinga-pinga. Ônibus é um transporte que é coletivo do povo. Viaja todo
tipo de pobre: velho, jovem e menino novo. Motorista dê uma parada que vai subir mais
gente de novo!
45) Pisca-pisca
Evento
A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar.
Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu.
Coisa
162
Pisca-pisca ou luzes de Natal é um acessório geralmente colocado numa árvore de
Natal ou em decoração de casas, de lojas ou empresas, para iluminá-las.
46) Prancha-prancha
Evento
Olá meninas, fim de ano chegando e todo mundo se arrumando para as festas de fim de
ano, e um escova-escova daqui,um prancha-prancha dali,tudo isto e bom não é?
47) Pula-pula
Evento
Depois de um pula-pula vem o sexo animal.
No post anterior, vimos algumas situações aonde engraçadinhos fazem alguma graça na
foto alheia. Um desses engraçadinhos, foi um lindo cachorrinho que pulava muito. Ele
aparece fazendo “coisas” com a perna de uma mulher.
Coisa
Aluga-se pula-pula para festas.
O pula-pula (Basileuterus culicivorus) é uma ave passeriforme da família Parulidae.
Recebe este nome por ser considerado um pássaro inquieto.
48) Puxa-puxa
Evento
“Aquelas mãos calejadas e grossas eram, no entanto, as mãos da alquimista que com
arte, magia e carinho transformava aquele puxa-puxa incessante em serpentes”.
“Aquela brincadeira que você pega do lado de um brinquedo ( pode ser uma toalha ), o
cachorro do outro e fica aquele puxa-puxa sem fim”.
Coisa
“Calda puxa-puxa de chocolate. Tipo de Cozinha. Caseira. Categoria. Sobremesa,
Doce”.
163
“Sirva às colheradas – fica como puxa-puxa. Leve ao fogo uma rapadura e uma xícara
de água e deixe cozinhar”.
“Saiba como ganhar minutos todo mês, conheça o PUXA-PUXA. Você indica um
amigo, e todo crédito que ele inserir, virá de bônus para você no mês seguinte”.
49) Quebra-quebra
Evento
Quebra-quebra na estação de São Francisco.
Despedida corintiana tem confronto com policiais e quebra-quebra em aeroporto.
50) Rala-rala
Evento
No samba ela gosta do rala- rala. Me trocou pela garrafa. Não aguentou e foi ralar.
Coisa (raspadinha de gelo)
Robson, em seu tempo de estudante, comprava religiosamente o rala-rala de todo dia
com o seu avô.
51) Risca-risca
Evento
E de um risca-risca afobado, saiu o desenho do menino. E foi em tempo, pois logo que
largou o lápis a mãe veio chamar.
52) Ruge-ruge
Evento
“O ruge-ruge de um vestido branco, / Que ia e vinha” (Alberto de Oliveira,
“Poesias”, 3a. série, p. 119).
53) Sai-sai
164
Evento
É um sai-sai da sala de aula que não para! Os alunos não param de entrar e sair...
54) Serve-serve
Coisa
Aqui na rua tem um serve-serve que é muito bom.
Churrascaria serve-serve.
55) Soca-soca
Evento
São momentos que você quer botar todos em uma arena sem regras, sem piedade,sem
consequência e por 5 minutos fazer um soca-soca sem perder a amizade.
56) Sopra-sopra
Evento
Agora eles estão com um sopra sopra para mandar diabo embora. Não duvido que o
Espírito Santo possa agir de maneira que venhamos nos surpreender, mas assim?!
57) Toca-toca
Evento
Forró do toca-toca
E a galera nesse tal de toca toca quero ver você dançando
cantando esse refrão.
Coisa
Peça sua música aqui no Toca Toca e dedique a quem você quiser.
58) Tosse-tosse
Evento
Quinteto funga-funga e tosse-tosse.
59) Treme-treme
165
Evento
Parece que houve um pequeno abalo sísmico em Coreau por volta das 10:00 h deste
domingo. Mulher, secretária e crianças disseram ter sentido um barulho estranho
juntamente com um treme-treme da casa inteira.
Coisa
O Edifício São Vito, popularmente conhecido como Treme-Treme, foi um edifício
residencial de 27 andares, localizado na Avenida do Estado, número 3 170.
A carreta Treme Treme, maior som automotivo do mundo com 1,5 milhão de
potência RMS, esteve presente no Autódromo Internacional de Curitiba.
60) Trepa-trepa
Evento
Olha só, agora existe Forró do Trepa Trepa, É Mole?
Coisa
Trepa-trepa é um brinquedo encontrado em áreas de recreação infantil principalmente
nos que se localizam em áreas abertas.
61) Troca-troca
Evento
O jornal do troca-troca é o maior e mais tradicional jornal de classificados de São José
dos Campos e Região com tiragem mensal de 10 mil exemplares.
Troca-troca virtual: livre-se do que não presta e adquira novos objetos.
Coisa
Evitar o troca-troca não é garantia de que o menino será heterossexual quando for
adulto. Também não é porque o menino vivenciou experiências de troca-troca que se
tornará homossexual.
62) Vira-vira
166
Coisa
Você já viu o Vira-Vira Saraiva?
O que é o Vira-Vira? A idéia é bem simples: são 2 títulos reunidos em apenas 1 volume:
de um lado vai um título; vira-se e, do outro, há outro título do mesmo autor.
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