Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL: UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL Luciana de Albuquerque Daltio Vialli 2013 Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL: UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL Luciana de Albuquerque Daltio Vialli Tese de doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves. Rio de Janeiro/ fevereiro de 2013 REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL: UMA ANÁLISE PELA MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL Luciana de Albuquerque Daltio Vialli Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves DEFESA DE TESE VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo. Examinada por: ______________________________________________________________________ Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves (UFRJ – Vernáculas/Orientador) ______________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Lucia Leitão de Almeida (UFRJ – Vernáculas/Co-orientadora) ______________________________________________________________________ Professora Doutora Sandra Pereira Bernardo (UERJ) ______________________________________________________________________ Professora Doutora Carmen Teresa Dorigo (Museu Nacional) ______________________________________________________________________ Professor Doutor Janderson Lemos de Souza (UNIFESP) ______________________________________________________________________ Professor Doutor Mauro José Rocha do Nascimento (UFRJ – Vernáculas) ______________________________________________________________________ Professor Doutor Antônio Sergio C. da Cunha (UERJ-FFP) ______________________________________________________________________ Professor Doutor André Luiz Faria (UESB) Aprovada em ___ /___/ 2013. Rio de Janeiro/ fevereiro de 2013 Para minha madrinha, realmente segunda mãe, Selma. AGRADECIMENTOS Sou filha de Carlos e Maria... duas vezes. Fiquei um bom tempo refletindo sobre como iniciaria esses agradecimentos. Tanto a agradecer! Pessoas tão importantes! De repente, dei-me conta de que, em minha trajetória, há a influência constante de pessoas com o mesmo nome, que me criaram e viram amadurecer de maneiras diferentes. Meus pais se chamam Carlos e Maria. Eles me deram a vida e sempre sonharam para mim um caminho com a solidez do conhecimento, uma oportunidade que não lhes foi dada na vida. Todo sacrifício, acertos e tropeços que tiveram em minha educação giraram em torno dessa obsessão: uma filha (única) formada! Bem, anos se passaram o diploma de bacharel e licenciada foi conquistado. Uma plena sensação de dever cumprido em minha formação. Mas, então, eu já havia sido capturada pela sede de saber e a curiosidade própria do pesquisador. Acabei por prosseguir na busca por respostas e dei asas à minha curiosidade insaciável... passei do caminhar pela solidez para alçar voos com o conhecimento. Meus pais foram os responsáveis pelo meu amor aos livros, mas os voos mais altos foram possíveis com base nos ensinamentos de outro pai em minha vida, outro Carlos. Logo nos primeiros períodos da graduação, fui apresentada ao professor Carlos. Não havia sido sua aluna, tinha apenas a indicação da professora Ana Flávia Gerhardt, a quem sempre serei grata por ter trazido esse segundo pai à minha vida. Sinto, hoje, como se o destino agisse naquele momento, ele não imaginava, mas estava destinado a ser meu mentor, guia e maior exemplo. Carlos foi o responsável pelo meu crescimento intelectual e, por suas mãos, aprendi muito mais do que apenas o exercício da pesquisa. Hoje, olho para trás e percebo que a segunda parte da minha educação foi dada por esse mestre, amigo, pai. Ser sua orientanda sempre foi um dos meus maiores orgulhos, porém orientar-me pelo caminho do saber nunca foi seu único compromisso. Carlos me viu amadurecer e me direcionou ao longo desses dez anos! Ele foi meu principal incentivador, a mola propulsora de todo meu sucesso, não teria ousado sonhar tão alto sem a sua interferência. Por isso, posso dizer que devo a maior parte das minhas conquistas ao seu apoio incondicional, eu duvidava da minha capacidade, mas ele não! Aprendi muito sobre humildade, compromisso, amizade... tantas foram as lições! O pai que, às vezes, puxa a orelha, é mais enérgico, que se interessa e participa ativamente da educação do filho, que quer sempre o melhor... amar é isso. Coisas de pai, coisas de Carlos. No entanto, o destino não parou por aí! Pelas mãos de Carlos, chegou à minha vida outra Maria. Nossa relação começou efetivamente no período em que eu cursava o Mestrado. Pacientemente, ela me abriu o caminho para a curiosidade e compreensão da Semântica, e sentido foi exatamente o que ela me conferiu em muitos momentos difíceis que viriam... compreensão, carinho, abnegação. Maria é coração! É mãe que ensina, alimenta e afaga. Talvez ela não saiba, mas sua interferência foi decisiva na continuidade deste trabalho, não apenas do ponto de vista do sentido, mas, sobretudo, do apoio tranquilizador de que eu tanto precisei em muitos momentos! Sem esse suporte humano, talvez não tivesse me recuperado algumas vezes e pusesse tudo a perder! Aprendi muito e levo todas as lições comigo para a vida. Mais uma fase de amadurecimento, pelas doces mãos de Maria. Aproveito também para agradecer às minhas amigas Kátia e Ana Paula, que tão gentilmente me auxiliaram nesses momentos finais. Vocês moram no meu coração! O NEMP tem como símbolo uma aliança, um casamento de Carlos e Maria. Todos nós, pupilos, somos frutos dessa união. Realmente, sinto-me filha e felizarda, agraciada pelo destino... duas vezes! Muito obrigada por tudo. Amo vocês. Onde um homem chega à convicção fundamental de que é preciso que mandem nele, ele se torna "crente"; inversamente seria pensável um prazer e uma força de autodeterminação, uma liberdade de vontade, em que um espírito se despede de toda crença, de todo desejo de certeza, exercitado, como ele está, em poder manter-se sobre leves cordas e possibilidades, e mesmo diante de abismos dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito livre "par excellence". (NIETZSCHE, in A Gaia Ciência, § 347). VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo. RESUMO Neste trabalho, analiso o fenômeno da reduplicação de base verbal em português (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, come-come, pisca-pisca etc) com base no modelo teórico da Morfologia Construcional proposta por Booij (2002, 2005, 2007, 2010). A reduplicação de base verbal é um fenômeno envolvido em um processo de lexicalização (LEHMANN, 2002), por meio do qual ocorre a nominalização de verbos. Desenvolvida a partir dos estudos de Goldberg (1995), a Morfologia Construcional propõe a existência de construções gramaticais nas línguas que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. Com base no esquema de composição, cinco construções entram em jogo na rede construcional do fenômeno da reduplicação: a construção de composição em português [[X] x [Y] y] N, proposta por Gonçalves & Almeida (2012), de repetição [[X]xi[X]xi]xj, de reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj, uma verbal [V]vi e a construção final do processo [[P3 Ind. Pres.]Vi [T3 Ind. Pres.]Vi]Nj. Semanticamente, o fenômeno é detalhado com base em diversas propostas, como Langacker (1987) e Goldberg (1995), ao envolver argumentos nulos e por apresentar diferentes formas de escaneamento. Ainda, a reduplicação apresenta heterossemia (LICHTENBERK, 1991), ao resultar em dois significados, um para nomeação de eventos (puxa-puxa, ato de puxar repetidamente) e outro para nomeação de coisas (puxa-puxa, doce) com diferentes características sintáticas. Palavras -chaves: reduplicação, base verbal, Morfologia Construcional, esquema. Rio de Janeiro / fevereiro de 2013 VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo. ABSTRACT In this research, I analyse the verbal-based reduplication phenomenon in Portuguese (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, come-come, pisca-pisca etc.) within Constructional Morphology, proposed by Booij (2002, 2005, 2007, 2010). Verbal-based reduplication is a phenomenon involved in the lexicalization process (LEHMANN, 2002) through which ocurre verbs nominalization. Developed since Goldberg (1995) studies, Constructional Morphology proposes the existence of grammatical constructions in languages that support standards of morphological processes like sufixation, prefixation and compounding. Based on compounding schema, there are five constructions in the reduplication phenomenon constructional network: the compounding construction in Portuguese [[X] x [Y] y] N, proposed by Gonçalves & Almeida (2012), the one of repetition [[X]x[X]x]x, one of reduplication [[X]Vi [X]Vi]Nj, one verbal [V]vi and the final process construction [[tema]Vi [tema]Vi]Nj. Semantically, the phenomenon is detailed through various proposals, as Langacker (1987) and Goldberg (1995), since it involves null arguments and presents different mapping forms. Besides, reduplication presents heterosemy (LICHTENBERK, 1991), since it results in two meanings, one to nominate events (puxa-puxa, act of pulling repeatedly) and another one to nominate things (puxa-puxa, candie) with different syntactic features. Key-words: reduplication, verbal base, Constructional Morphology, schema. Rio de Janeiro / fevereiro de 2013 VIALLI, Luciana de Albuquerque Daltio (2013). Reduplicação de base verbal: uma análise pela Morfologia Construcional. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo. RÉSUMÉ À ce travaille, j’analyse le fénomène de la réduplication de base verbale en portugais (bate-bate, pega-pega, cola-cola, esbarra-esbarra, gira-gira, mela-mela, comecome, pisca-pisca etc) selon le modèle théorique de la Morphologie Constructionelle proposée par Booij (2002, 2005, 2007, 2010). La réduplication de base verbale est un fénomène implique dans un processus de lexicalisation (LEHMANN, 2002), par lequel se produit la nominalisation des verbes. Développée à partir des études de Goldberg (1995), la Morphologie Constructionelle propose l’existence de constructions grammaticales dans les langues qui soutendent des modèles de processus morphlogiques comme la suffixation, la préfixation et la composition. Baséés au schéma de composition, cinq constructions jouent en rôle dans le réseau constructionel du fénomène de la réduplication: la construction de composition en portugais [[X] x [Y] y] N, proposée par Gonçalves & Almeida (2012), de répétion [[X]xi[X]xi]xj, de réduplication [[X]Vi [X]Vi]Nj, une verbale [V]vi et la construction finale du processus [[P3 Ind. Pres.]Vi [P3 Ind. Pres.]Vi]Nj. Semantiquement, le fénomène est détaillé sous diverses propositions, comme Langacker (1987) et Goldberg (1995), au développer des arguments nulls et pour présenter des différentes formes de balayage. Ainsi, la réduplication présente heterossemie (LICHTENBERK, 1991), au résulter en deux sens, l’un pour nommer des évenements (puxa-puxa, ato de puxar repetidamente) et l’autre pour nommer des choses (puxa-puxa, doce) avec différentes caractéristiques syntaxiques. Mots -clés: réduplication, base verbale, Morphologie Constructionelle, schéma. Rio de Janeiro / fevereiro de 2013 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 2. SOBRE A REDUPLICAÇÃO ................................................................................. 16 2.1 A REDUPLICAÇÃO COMO PROCESSO NÃO-CONCATENATIVO ............ 16 2.2 A REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL ......................................................... 30 2.3 SÍNTESE............................................................................................................... 35 3. MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL: PRINCIPAIS IDEIAS........................... 36 3.1 MOTIVAÇÃO PARA O MODELO: AS FRONTEIRAS INTERNAS DA MORFOLOGIA .......................................................................................................... 36 3.2 CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS: PRIMEIRAS IDEIAS............................ 44 3.3 SOBRE ESQUEMAS E REGRAS ....................................................................... 46 3.4 CONSTRUÇÕES: A NOÇÃO DE CONSTRUÇÃO GRAMATICAL E IDIOMA CONSTRUCIONAL ................................................................................................... 49 3.5 SITUAÇÕES DE INTERFACE ........................................................................... 63 3.6 A UNIFICAÇÃO DE ESQUEMAS ..................................................................... 66 3.7 A HETEROSSEMIA ............................................................................................ 73 4. POR UMA ANÁLISE CONSTRUCIONAL DA REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL EM PORTUGUÊS ...................................................................................... 79 4.1 – POLO SEMÂNTICO ......................................................................................... 79 4.2 - POLO FORMAL .............................................................................................. 107 4.3 – A REDE CONSTRUCIONAL ........................................................................ 117 5. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 137 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 140 7. ANEXO .................................................................................................................... 150 1. INTRODUÇÃO Este trabalho visa a fazer uma análise da reduplicação de base verbal à luz da Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2007, 2010), perspectiva teórica que propõe a existência de construções gramaticais que alicerçam padrões morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. No caso da reduplicação de base verbal (bate-bate, pega-pega, puxa-puxa, corre-corre, esconde-esconde, entre outras), ocorre a formação de compostos nominais a partir de verbos por meio de uma rede construcional integrada. As principais questões levantadas sobre a reduplicação, nesta nossa proposta de análise, são as seguintes: (a) Em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base verbal? É mesmo na composição, como preconizam as gramáticas tradicionais (CUNHA & CINTRA, 1985; LIMA, 2000)? (b) Quais construções mais gerais instanciam a construção morfológica de reduplicação de base verbal em português? (c) Como essas construções são organizadas em rede? (d) De que maneira é feito o preenchimento semântico das construções envolvidas no processo? (e) O processo leva ao surgimento de dois significados distintos, evento (‘empurraempurra’) e coisa (‘pula-pula’). Qual é a nuance semântica que diferencia esses dois itens lexicais? (f) Quais são as construções referentes aos dois significados que emergem do processo e como ocorre a sua instanciação? 12 Por conta dessas questões, os principais objetivos do trabalho são os seguintes: (a) Determinar em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base verbal; (b) Determinar quais construções instanciam a reduplicação de base verbal em português; (c) Formalizar uma construção de reduplicação de base verbal em português; (d) Estabelecer como ocorre o preenchimento semântico de cada construção presente na rede; (e) Determinar como se desenvolve a duplicidade de significado existente no processo; (f) Mostrar qual o percurso semântico que leva à variação de significado, discutindo, mais detidamente, a questão da heterossemia, nos termos de Lichtenberk (1991); (g) Apresentar as construções para os dois significados que emergem do processo, coisa e evento, e de que forma elas se relacionam na rede. A fase de investigação sucedeu a recolha dos dados que compõem o corpus utilizado no trabalho, devidamente relacionado no Anexo. A coleta foi realizada por meio da utilização de três fontes, fundamentalmente: (a) dados extraídos de situações de fala real, em diferentes situações de uso linguístico, a exemplo de conversas informais, entrevistas em programas de rádio e TV, aulas, seminários etc; (b) palavras rastreadas em periódicos de grande circulação (dados obtidos indiretamente, através de análises já realizadas sobre o assunto, como as de Couto (1999; 2000) e a de Araújo (2000), por exemplo). Boa parte do corpus já havia sido recolhida na época do Mestrado (VIALLI, 2008); 13 (c) rastreamento via Internet no site www.google.com.br; (d) palavras rastreadas dos dicionários eletrônicos Houaiss e Aurélio, a partir das ferramentas de busca disponibilizadas nessas obras. Para o rastreamento on line, foram utilizadas técnicas de busca e coleta de textos na elaboração de corpus para o trabalho científico propostas por Philippe Humblé em “Linguística e ensino: novas tecnologias” (2001), pois, segundo esse autor, os dicionários não costumam dar uma visão realista da língua atual e um corpus rastreado via Internet pode retificar essa visão. Nesse caso, é precisamente esse tipo de coleta que favorece a análise aqui proposta, posto que a possibilidade dos diferentes usos dos vocábulos e sua heterossemia só podem ser percebidos através de dados que reflitam usos reais, como blogs, chats e posts nas redes sociais, como o Orkut e o Facebook. Com base nessas fontes, temos um corpus constituído de 62 reduplicações V-V. Em suma, neste trabalho, postula-se a existência de uma construção morfológica para a reduplicação de base verbal em português. A reduplicação é considerada um processo marginal de formação de palavras, sobretudo devido ao seu status nãoconcatenativo (GONÇALVES, 2006). No entanto, tal fenômeno apresenta alta produtividade na língua, gerando diversos tipos de modelos reduplicativos, tais como a reduplicação de base verbal (puxa-puxa, bate-bate, corre-corre) e a reduplicação nos hipocorísticos (Dudú, Cacá, Lulú), entre outros tipos apresentados em Albuquerque & Gonçalves (2004), Vialli (2008) e Gonçalves (2009). Logo, a observação das ocorrências envolvidas no processo torna imprescindível ressaltar que tal fenômeno não envolve apenas informações de cunho formal, mas também semânticas, contraparte geralmente relegada a segundo plano na maioria das abordagens morfológicas. Dessa forma, uma análise mais precisa da reduplicação em português deve dar conta da forma e do significado e, para atender tal requisito, o modelo teórico adotado 14 deve possibilitar esse tipo de pareamento. Com base nisso, é possível postular a existência de uma construção morfológica para o fenômeno em português nos moldes de Booij (2002, 2005, 2010). Desenvolvida a partir dos estudos de Goldberg (1995), a Morfologia Construcional propõe a existência de construções gramaticais nas línguas que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. Esses esquemas construcionais envolvem sequências fonológicas e categorias lexicais, representadas por meio das variáveis X e Y, tais como [[X] X][Y]Y]Y (composição), [[X]XY]Y (sufixação), [X[Y]Y]Y (prefixação). Ainda, o fenômeno tem como característica central a heterossemia (LICHTENBERK, 1991), ao resultar em dois significados que também apresentam diferenças sintático-semânticas, um para nomeação de eventos (‘puxa-puxa’, “ato de puxar repetidamente”) e outro para nomeação de coisas (‘puxa-puxa’, “doce”). Ademais, com o objetivo de detalhar o polo semântico do fenômeno tratado, é necessário lançar mão de propostas como a de Langacker (1987), Fauconnier & Turner (1996) e Mandelblit (1997). No entanto, é importante enfatizar que essas propostas vêm em favor da análise específica da reduplicação de base verbal; em outras palavras, a investigação de fenômenos diferentes demanda questões semânticas diversas em sua análise, muito embora possam ser observadas com base no mesmo referencial teórico, a Morfologia Construcional (doravante MC). Isso justifica, de certa forma, a carência de detalhamento do polo semântico no modelo da MC. Na verdade, isso dependerá da demanda de cada fenômeno especificamente e deve ser observado durante a análise. O presente trabalho está dividido na forma descrita a seguir. Na primeira seção 2.1 do capítulo 2, o fenômeno da reduplicação é apresentado em abordagens anteriores, observando-se seu tratamento em compêndios gramaticais e sua análise como processo 15 não-concatenativo. A seguir, em 2.2, focaliza-se a reduplicação de base verbal e ressaltam-se suas características mais específicas; em 2.3 é feita uma síntese para o tratamento dispensado ao fenômeno durante o capítulo 2. No capítulo 3, a seção 3.1 aponta o que motivou a criação do modelo teórico, uma morfologia construcional que permite o pareamento forma/significado em morfologia. Na sequência, em 3.2 são consideradas algumas ideias sobre construções morfológicas, que serão observadas mais detalhadamente em 3.4. Na seção 3.3, são confrontadas as noções de regra e esquema e são levantadas as vantagens de um modelo baseado em esquemas. Em 3.4, as noções de construção gramatical e idioma construcional são exploradas como partes importantes do modelo teórico. Na seção 3.5, mostra-se como se procede ao tratamento dos casos de interface pelo modelo proposto, enquanto em 3.6 e 3.7, respectivamente, são exemplificados casos de unificação de esquemas, aproveitados posteriormente na análise, e o fenômeno da heterossemia presente no caso de reduplicação analisado. No capítulo 4, é proposta uma análise para os dados recolhidos e são apresentadas as regularidades do processo, suas especificidades formais e semânticas. Esse capítulo é composto por três seções: 4.1 trata do polo semântico do processo; 4.2 aborda o polo formal e 4.3, na qual é apresentada a rede construcional, analisa alguns exemplos retirados do corpus. O capítulo 5 destina-se às principais conclusões deste estudo. 2. SOBRE A REDUPLICAÇÃO Neste capítulo, definimos reduplicação, com base em Gonçalves (2004), Couto (1999) e Vialli (2008), para, na sequência, mostrar a abrangência desse processo morfológico em português. Por fim, focalizamos mais diretamente o tipo de reduplicação analisado neste trabalho: o que promove a alteração categorial V S1 por meio da cópia da base verbal2, a exemplo de ‘puxa-puxa’ e ‘pega-pega’. 2.1 A REDUPLICAÇÃO COMO PROCESSO NÃO-CONCATENATIVO O fenômeno da reduplicação encontra-se na lista dos processos marginais de formação de palavras do português, não apenas por apresentar escassez de análises linguísticas e dificuldades em sua definição, mas também porque faz parte da Morfologia Não-Concatenativa da língua (GONÇALVES, 2004). Os processos nãoconcatenativos (McCARTHY, 1981) não se enquadram totalmente no padrão aglutinativo, baseado na noção de “item”, tradicionalmente preferido nos estudos morfológicos de línguas naturais. Tais processos não envolvem apenas informações morfológicas, mas também fonológicas para sua execução, integrando primitivos de ambos os tipos. A reduplicação é concebida, em Gonçalves (2009), como um processo de afixação não-linear, já que um reduplicante, totalmente desprovido de preenchimento segmental, acopla-se à direita ou à esquerda de uma forma de base da qual copia todo o material melódico (reduplicação total) ou parte dele (reduplicação parcial). 1 2 Os casos envolvidos na reduplicação de base verbal são sempre nomes substantivos. No capítulo 4, discutimos com mais vagar o tipo de constituinte reduplicado nessas formações lexicais: se a terceira pessoa do singular no presente do indicativo ou o tema verbal. 17 O referido processo foi anteriormente analisado por Vialli (2008) sob a ótica da Morfologia Prosódica (McCARTHY & PRINCE, 1998) com um recorte da reduplicação no baby-talk3 e, posteriormente, em Vialli (2009) através da Teoria da Otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1995). Em abordagens não-lineares, a reduplicação é apontada como um processo de afixação de uma espécie de molde. De acordo com Broselow & McCarthy (1983), tratase de uma camada esqueletal subespecificada4 que, quando preenchida, é anexada a uma base como um afixo, podendo realizar-se na forma de prefixo, sufixo e até mesmo infixo, a depender da língua em questão. A proposta de um molde esqueletal, por assumir um princípio geral de reduplicação para as línguas, garante mais economia ao processo. No entanto, para que essa estrutura subespecificada seja preenchida, é necessário o mapeamento de segmentos da base de acordo com o número de camadas que existirem como padrão a ser alcançado no processo de cópia. Esse mapeamento pode ocorrer da esquerda para a direita (no caso dos prefixos) ou da direita para a esquerda (no caso dos sufixos), dependo do tipo de afixação e da direcionalidade indicada no idioma. Casos conhecidos de reduplicação tratados na literatura são a reduplicação prefixal em Agta e a sufixal em Saho, como nos dados exemplificados, a seguir, por Marantz (1982): 3 Segundo Crystal (1997: 38), o fenômeno denominado de baby-talk (também conhecido como motherese ou caregiver speech) partiu de uma extensão nos estudos da aquisição da linguagem, procurando sempre mostrar características distintivas no discurso entre adultos e crianças. Logo, a reduplicação na linguagem infantil é um tipo de baby-talk (mamadeira dedera , cabelo bebelo, madrinha dindinha), posto que se trata de um vocabulário altamente específico utilizado, sobretudo, em um discurso em que um adulto se comunica com uma criança em fase de aquisição da linguagem. 4 De acordo com Archangeli & Pulleyblank (1994), subespecificação é o procedimento analítico relacionado à omissão de informações nas representações subjacentes, preenchidas, mais tarde, a fim de obter as de superfície. 18 (01) Agta (a) takki ‘perna’ > taktakki ‘pernas’ (b) uffu ‘coxa’ > ufuffu ‘coxas’ (a) lafa ‘osso’ > lafof ‘ossos’ (b) illa ‘primavera’ > illol ‘primaveras’ Saho A reduplicação sempre demanda que uma porção da representação segmental da base seja copiada e anexada à camada subespecificada, como em taktakki, em que tak é copiado para um molde subespecificado CVC (CVCtakki). No entanto, é importante lembrar que nem sempre esses segmentos copiados irão representar constituintes morfológicos da base. Outra informação relevante dada por Vialli (2009) diz respeito a algumas características formais da reduplicação no baby-talk. A primeira e mais fundamental característica do processo é ter a posição de onset do reduplicante sempre preenchida: nenhum caso de reduplicação no baby-talk em português apresenta reduplicantes sem ataque. Outro fator que sobressai é a posição do reduplicante. No caso do baby-talk, esse formativo posiciona-se sempre na margem esquerda da palavra prosódica, como é possível verificar nos dados ‘papato’ (sapato), ‘nenelo’ (chinelo), ‘pepeta’ (chupeta) e ‘bibide’ (cabide), o que lhe dá status notório de prefixo. Além disso, esse tipo de reduplicação forma, no máximo, trissílabos, nunca ultrapassando o tamanho original da 19 palavra-matriz, já que a questão em jogo não é dobrar a palavra ou formar uma derivada, mas simplificá-la por meio da cópia de parte da base. Entretanto, um ponto importante nessa questão, e que é responsável pelo tamanho dos vocábulos reduplicados, é a posição da sílaba tônica. Em quase todos os casos, a sílaba reduplicada é a proeminente, o que explica a inexistência de formas finais polissílabas. A reduplicação, devido a seu status marginal dentre os processos de formação de palavras, é um fenômeno pouco analisado em língua portuguesa. Por meio de uma consulta a compêndios gramaticais (LIMA, 2000; BECHARA, 1998 e CUNHA & CINTRA, 1985), é possível notar que esse mecanismo é frequentemente associado ao processo de composição. Com o objetivo de demonstrar o tratamento dado à reduplicação nas Gramáticas Tradicionais, foram consultadas as obras de Lima (2000), Bechara (1998) e Cunha & Cintra (1985). No primeiro compêndio, o fenômeno da reduplicação não aparece na lista dos processos de formação de palavras; no entanto, o vocábulo “corre-corre”, uma reduplicação de base verbal, é indicado como resultado do processo de composição. Na segunda obra, embora seja apresentada a reduplicação, esta é indicada como o fenômeno responsável pela formação de onomatopeias e, novamente, “corre-corre” é apontado como uma composição vocabular, assim como na primeira obra anteriormente destacada. Finalmente, no terceiro compêndio consultado, o referido processo não é mencionado, apresentando-se o vocábulo reduplicado acima apontado como fruto de uma composição. Considerando essas informações, é necessário elaborar uma definição para a reduplicação como processo formador de palavras em português. Logo, o processo de reduplicação deve preencher os seguintes requisitos (VIALLI, 2008): 20 (i) a base copiada deve ser sincronicamente depreendida e haver relação de significado entre base e produto. Nesse caso, bebelo é uma reduplicação, porque a base cabelo é reconhecida sincronicamente. O mesmo não acontece, por exemplo, com mamão, em que a isolabilidade do suposto prefixo reduplicativo destruiria as relações de significado no interior da palavra, uma vez que a noção de mão não está contida em mamão; (ii) o resultado do processo deve ser uma forma com função lexical ou expressiva de avaliação (BASILIO, 1987), como ocorre, respectivamente, em corre-corre, que denomina um evento, e em Dedé, hipocorístico do antropônimo André, marcado pela expressão de afeto; (iii) a forma resultante não deve possuir valor onomatopaico, o que caracterizaria simplesmente a reprodução de um som e não uma cópia feita a partir de uma base, como fonfom e auau. Essas formações são casos de reduplicação bem motivados onomatopaicamente, ao contrário de bate-bate e pega-pega, entre outros. Como lembra Couto (2000), a reduplicação não é um fenômeno desconhecido das gramáticas tradicionais; no entanto, é tratada nesse tipo de compêndio como composição e envolve, sobretudo, casos de compostos formados com duas bases verbais (‘luze-luze’, ‘ruge, ruge’), tal qual apontado por Vialli (2008). Couto (1999) observa 21 que o fenômeno também aparece nos tratados de retórica, como em Tavares (1978), que apresenta a epizeuxe ou reduplicação entre as figuras feitas por “repetição ou excesso”. Ele exemplifica a repetição seguida pelo mesmo vocábulo “São uns olhos verdes, verdes...” (G. Dias) e de uma frase integral ou verso, a palilogia, como nos versos em (02), a seguir, de Mário de Andrade: (02) Caminho pela cidade Sofrendo com mal de amor Sofrendo com mal de amor Sofrendo com mal de amor Sofrendo (a frase não para no meio) com mal de amor (Mário de Andrade) Dessa forma, o autor expressa que os avanços com relação ao tratamento das gramáticas tradicionais para o processo foram praticamente imperceptíveis. Nesse sentido, procura conceituar a reduplicação e para isso retoma Garcia (1996): “repetição é a reaparição de um ou mais elementos linguísticos depois de sua primeira ocorrência no texto. Como processo expressivo, não só intratextual, mas também intertextual, a repetição (...) constitui um dos recursos mais efetivos para a intensificação da linguagem nos níveis fonológico, morfológico e sintático”. 22 Logo, afirma que a repetição pode ser frasal ou lexical; no entanto, somente a lexical implica a aparição de palavras autônomas, como substantivos, verbos, adjetivos e advérbios. Ora, nesse sentido, a epizeuxe e a palilogia são casos de repetição discursiva, muito diferentes de exemplos como “Eles ficam nesse canta-canta e não fazem nada”, em que temos como resultado da repetição um substantivo. Outros exemplos de repetição vocabular utilizadas com função expressiva são os seguintes, extraídos da internet, letras de músicas ou obras literárias: (03) (a) Repetição com adjetivo São uns olhos verdes, verdes, Que podem também brilhar; Não são de um verde embaçado, Mas verdes da cor do prado, Mas verdes da cor do mar. (Gonçalves Dias) O sol chegou, tão atrevido. Penetrando na cortina. Eu posso ver todo seu corpo. Descoberto, linda, linda. (Zezé di Camargo e Luciano) 23 (b) Repetição com verbo Minha Boca Deseja Me Abraça e Me Beija, Amor Que o meu Coração chamou chamou (Banda Calipso) Telefone fixo chama chama e ninguém atende e depois da como ocupado? O que será que é?? (c) Repetição com advérbio E eu dizia: - Ainda é cedo cedo, cedo, cedo, cedo E eu dizia ainda é cedo... (Legião Urbana) Ele acorda cedo, cedo, mas dorme tão tarde!! Para Wierzbicka (1986), repetição e reduplicação são fenômenos bem diferenciados funcionalmente em italiano, o que também vale para o português. O primeiro é marcado por pausa, representada por meio de uma vírgula na escrita (Ele caminha devagar, devagar); o último não admite pausa ou vírgula na escrita e constitui um novo item lexical (bate-bate – brinquedo de parque de diversões). A autora observa que, nos casos de reduplicação gramaticalizada, apesar de haver a manutenção de 24 alguma carga semântica da base original, a ideia veiculada é de intensificação, manifestada de diferentes maneiras. Retomando Couto (1999), pode-se concluir que na repetição existe total igualdade entre a base e a cópia do ponto de vista formal e funcional; na reduplicação, essa igualdade se dá apenas formalmente, podendo a cópia da base ser total ou parcial. O autor decide, então, seguir a conceituação de reduplicação dada por Kiyomi (1995) e transcrita em (04), a seguir: (04) reduplicação: Dada uma palavra com a forma fonológica X, reduplicação refere-se a XX ou xX (em que x é a parte de X e x pode aparecer antes, após ou no interior de X). Condições: (i) XX ou xX deve ser relacionado semanticamente a X. (ii) XX ou xX devem ser produtivos. Dessa forma, a reduplicação pode ser total (XX) ou parcial (xX) e a forma reduplicada não preserva a mesma função semântica e gramatical da base. Quando a reduplicação for parcial, os segmentos copiados podem pertencer ao início, meio ou final da base original; por isso mesmo, a reduplicação é um tipo especial de afixação (GONÇALVES, 2009), um processo morfológico que, de acordo com Key (1965), pode dar ideia de iteração, pluralidade, intensificação, distributividade, diminuição e mudança de categoria gramatical. 25 Couto (op. cit.), Albuquerque & Gonçalves (2004) e Vialli (2008) alertam para as comparações entre onomatopeia e reduplicação, também feitas por diversos autores já citados. No entanto, Key (1965) aponta que, por ter como função primordial a imitação de sons, a onomatopeia não pode expressar funções gramaticais, tal qual a reduplicação. Alguns exemplos de onomatopéia que se assemelham à reduplicação aparecem elencados em (05), a seguir: (05) auau fonfom quero-quero zunzum De acordo com Couto (op. cit.), Araújo (2000) e Albuquerque & Gonçalves (2004), a reduplicação é um processo altamente produtivo no português brasileiro: aparece no. baby-talk (biscoitococoto, sapatopapato), na formação de hipocorísticos (Edududú, LiliamLilí) e na nominalização de bases verbais, chamada por Couto (op. cit.) de reduplicação V-V (quebra-quebra, mata-mata). Couto (op. cit.) procura exemplificar esses tipos de reduplicação, começando pelo baby-talk. Segundo ele, essa é a linguagem utilizada pelos adultos ao se comunicarem com crianças na tentativa de reproduzirem a fala infantil, numa espécie de adaptação. Em (06), aparecem alguns exemplos dados pelo autor: 26 (06) (i) dandá ‘andar, caminhar’, (ii) dodói ‘machucado, ferida, dor’, (iv) mamãe ‘mãe’, (v) papá ‘comida’, (vi) papai ‘pai’, (vii) pepeta ‘chupeta’, (viii) tetéia ‘bonito, coisa bonita’, (ix) titio ‘tio’. É importante ressaltar que muitos desses exemplos não figuram na lista de reduplicação no baby-talk proposta por Vialli (2008, 2009) por não serem considerados casos do fenômeno, como tetéia e outros, que podem ser identificados ainda como pertencentes a outro tipo de reduplicação; tal é o caso de papai, uma reduplicação em início de palavra, pouco produtiva em português, utilizada, sobretudo, na nomeação afetiva de nomes de parentesco (GONÇALVES, 2009), como os arrolados em (07): (07) mamãe, papai, vovó, vovô, titio, titia Em Vialli (2008), com base no instrumental de análise da Morfologia Prosódica (McCARTHY, 1986), dados do baby-talk foram descritos a partir dos seguintes padrões silábicos presentes nos pés nucleares das formas de base5: (08) Bases envolvidas na reduplicação no baby-talk 1ª BASE CV xampu pupú 2ª BASE CVV chapéu pepéu 3ª BASE CV.CV boneca neneca 5 Pés são unidades prosódicas, como mora (), sílaba (), pé () e palavra prosódica () (SELKIRK, 1980). Entende-se por pé nuclear aquele que comporta o acento primário da base. 27 4ª BASE CV.CVV remédio memédio 5ª BASE CVC.CV madrinha dindinha Em relação aos hipocorísticos, a seguinte lista de formas reduplicadas é bastante extensa, como se vê em (09), a seguir. Lima (2008) e Thami da Silva (2008) analisaram a reduplicação com os instrumentos da TO e concluíram que há severas restrições sobre o reduplicante, que não pode se iniciar por vogal, nem apresentar coda, tendo sempre o formato CV: (09) Cacá (< Carlos), (ii) Dudu (< Edu < Eduardo), (iii) Gegê (< Geraldo), (iv) Nonô (< Nicanor), (v) Zezé (< José) Nos exemplos em (07), (08) e (09), tem-se casos de reduplicação parcial, uma vez que o reduplicante copia apenas os segmentos iniciais da base e é adjungido à esquerda, funcionando como prefixo. Em português, a reduplicação pode explorar a margem direita da palavra, como demonstrado em Gonçalves (2010). Para esse autor, a reduplicação sufixal manifesta intensificação, como se observa nos dados em (10): (10) bololô (“tumulto”) chororô (“choradeira”) bafafá (“confusão”) 28 Para Gonçalves (2010: 32), “Em todas as palavras que expressam intensificação por essa estratégia, as vogais da forma resultante são sempre idênticas, havendo, portanto, perfeita harmonia na melodia vocálica”. Pelos dados apresentados em (10), o autor considera que o processo se vale da cópia “dos elementos melódicos da raiz (e não da palavra), já que a vogal final do item derivante, realizada como alta em todos os casos, nunca é aproveitada. Assim, de 'chor[u]' se forma 'chororô', com a realização de uma média fechada, [o], nas três posições de V da forma derivada” (GONÇALVES, 2010: 33). Além dos usos já citados para o fenômeno, vale destacar os exemplos retirados de diversas línguas por Couto (op. cit.), a começar pelo grego, em que a reduplicação parcial do radical verbal é usada para marcar a primeira pessoa do singular: (11) futuro perfeito ativo (i) φιλω ‘eu amo πε-φιληκα ‘eu amei’ (ii) δηλϖ ‘eu mostro’ δε-δηωκα ‘eu mostrei’ (iii) κελευσω ‘eu ordeno’ κε-κελευκα ‘eu ordenei’ Outra língua exemplificada pelo autor é o latim. Nela, a reduplicação ocorre também ocorre na formação de pretéritos: 29 (12) (i) mordeo ‘eu mordo’ mo-mordi ‘eu mordi' (ii) fallo ‘eu engano’ fe-felli ‘eu enganei’ (iii) do ‘eu dou’ de-di ‘eu dei’ Couto (op. cit.) observa que, muito embora o que se apresente hoje em muitas línguas seja uma reduplicação parcial, essa pode ter se originado de uma reduplicação total que foi se reduzindo com o tempo. Na opinião do autor, isso pode revelar a origem dos afixos. Com relação às línguas modernas, o inglês, o chinês e o japonês também possuem casos de reduplicação. No caso do japonês, por exemplo, o redobro indica pluralidade, como nos dados retirados de Ando (1957): (13) (i) ie ‘casa’ / ie-ie ‘casas’ (ii) yama ‘montanha’ / yama-yama ‘montanhas’ (iii) ki ‘árvore’ / ki-gi ‘ávores’ (iv) kuni ‘país’ / kuni-guni ‘países’ (v) hito ‘pessoa’ / hito-bito ‘pessoas’ Finalmente, a presença da reduplicação nas línguas crioulas é marcante. No tok pisin, crioulo inglês da Papua Nova Guiné, observa-se o redobro total na formação de 30 verbos, como tok-tok ‘falar’, luk-luk ‘olhar’. Nos crioulos franceses, o emprego do fenômeno também é frequente, como em tous-touse ‘tossir sem parar’, bouz-bouze ‘mexer-se ligeiramente’. Logo, é notório que a reduplicação é um processo presente em quase todas as línguas do mundo. Isso leva Couto a defender a tese de que a reduplicação pode ser um dos primeiros processos morfológicos e gramaticais a existir, já que parte da simples junção de duas formas da maneira mais econômica: por meio da cópia. Ao contrário dos demais tipos até então comentados, a reduplicação de base verbal, tema da próxima seção, é do tipo total, já que o reduplicante constitui cópia fiel de sua base, não havendo, com isso, condições de decidir se esse elemento é adjungido à esquerda ou à direita. 2.2 A REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL A reduplicação de base verbal é um processo que se baseia na cópia de uma base verbal, formando um composto VV. Esse processo resulta num nome em português e pode abranger dois significados: um relacionado ao evento e outro à coisa, o que pode ser observado em um mesmo vocábulo, como pula-pula, que pode designar tanto o ato de pular repetidas vezes como o brinquedo. Nesse sentido, vale a pena relembrar o tratamento dado à reduplicação verbal no italiano por Thornton (2008). A autora destaca exemplos como fuggifuggi (debandada) e copia copia (cópia generalizada) e afirma que esse tipo de composição VV é responsável pela nominalização de ações em italiano, sendo muito usual nesse idioma. No espanhol, por exemplo, esse tipo de composto é responsável pela nomeação de 31 plantas, animais, brinquedos ou jogos, pessoas, mas raramente outras categorias. A autora destaca os seguintes exemplos do espanhol: (14) Plantas: brincabrinca, pegapega. Animais: duermeduerme, matamata, picapica. Jogos: pasapasa. Brinquedos: chupachupa. Pessoas: chapa chapa < chapar ‘enriquecer’ Outros: correcorre ‘voo desordenado’ Guilbert (1971) elenca poucos nomes dessa operação morfológica em francês; são eles: (15) Instrumentos: pousse-pousse ‘riquexó’, coupe-coupe ‘facão’, vire-vire ‘ventilador’. Jogos: passe-passe ‘abracadabra’, cache-cache ‘esconde-esconde’. O italiano possui outras formas compostas por dois verbos para representar as entidades e categorias expressas em francês e espanhol. No entanto, esses vocábulos não são constituídos por verbos idênticos, como é o caso de portareca (‘entregador’) e bagnasciuga (‘faixa litoral submergível’). Os compostos VV idênticos em italiano, 32 como em português, são nomes de ação. Thornton (2008) fornece o seguinte quadro contendo o corpus coletado no italiano: (16) Para Thornton (2008), os nomes em (16) têm origem no imperativo descritivo, comum em línguas românicas, que serve para descrever ações por meio de dois ou mais verbos. Retomando Spitzer (1918), a autora observa que esse tipo de imperativo é utilizado para descrever ações endereçadas ao próprio agente. Entretanto, é importante destacar que nem toda repetição imperativa será um nomeador de ação, assim como 33 também é possível que nem todo nome desse tipo seja criado por formas no imperativo. Thornton (2008) ainda observa que os casos de lexicalização6 desses nomes reduplicados tornam esse tipo de processo um modelo para criação de novas palavras. Em relação ao português, Couto (1999) mostra que a reduplicação de base verbal pode ser chamada de reduplicação V-V. Entretanto, o autor ressalta que nem todo composto VV é uma reduplicação, como se observa nos casos abaixo, em que as formas verbais são diferentes: (17) deita-levanta entra-e-sai liga-desliga pões-tira senta-levanta leva-e-traz Nesses casos, a fórmula do composto é Vi-Vj (com índices diferentes, portanto: i e j) e o significado é transparente, tomado pela soma das partes. Apesar de envolver duas bases verbais diferentes flexionadas (todas estão na terceira pessoa do presente do indicativo), o resultado do processo é sempre um nome, a exemplo de ‘bate-entope’, que nomeia uma comida (geralmente um salgado) que, quando ingerida, logo deixa a pessoa saciada, por ser grosseiro. Os casos de reduplicação envolvem uma fórmula Vi-Vi (com idêntico índice) e seus significados podem ser diversos e imprevisíveis, mesmo que haja sempre a manutenção de alguma carga significativa da base. A partir disso, Couto classifica as diversas formas de reduplicação V-V observadas por ele da seguinte maneira: 6 Segundo Brinton & Traugott (2005), a lexicalização é o processo através do qual duas ou mais unidades linguísticas se transformam em uma unidade autônoma. Nesse caso, então, o termo se refere à perda da composicionalidade morfológica e semântica, tendo em que vista a unidade deixa de ser interpretada por acesso às partes e passa a ser tomada holisticamente. 34 Formas citadas pelas gramáticas, algumas das quais em desuso: (18) (i) bule-bule ‘?’, (ii) corre-corre ‘correria’, (iii) luze-luze ‘pirilampo’, (iv) pegapega ‘1.carrapicho; 2. conflito, disputa, briga; 3. prisão em massa; 4. brinquedo infantil’, (v) ruge-ruge ‘1. ruído produzido por saias que roçam o chão; 2. rugido ; 3. confusão, atropele, barulho’ Formas usadas como nomes próprios: (19) Quero-quero ‘nome de restaurante em Brasília’, Treme-treme ‘nome de edifício- cortiço de São Paulo’, Troca-troca ‘nome de feira popular de Olhos d’água, Goiás’, Vaivai ‘nome da escola de samba mais famosa de São Paulo’ Formas não encontradas nas gramáticas tradicionais, mas que estão dicionarizadas: (20) (i) bate-bate ‘1. movimento constante de dois objetos que se chocam; 2. espécie de batida’, (ii) lambe-lambe ‘1. fotógrafo ambulante; 2. primeira fila dos teatros de revistas’, (iii) lufa-lufa ‘grande afã, azáfama’, (iv) mexe-mexe ‘ tipo de jogo’, (v) piscapisca ‘1. cacoete de piscar; 2. ato de piscar seguidamente, 3. farol intermitente, 4. farolete dos automóveis’, (vi) pula-pula ‘tipo de ave’, (vii) puxa-puxa ‘1. diz-se do doce ou da bala de consistência elástica e grudenta; 2. espécie de alféloa, puxa’, (viii) quebraquebra ‘1. arruaça com depredações; 2. cobra-de-vidro’, (ix) roque-roque ‘1. Ato de roer; 2. tipo de peixe’. Formas que não constam nas gramáticas tradicionais nem estão dicionarizadas: 35 (20) beija-beija ‘ação de várias pessoas beijando umas às outras’, empurra-empurra ‘tumulto, em que cada um quer se safar primeiro’,gira-gira ‘brinquedo giratório de parquinho infantil’, mata-mata ‘jogo decisivo’ O autor aponta que a reduplicação V-V consiste na nominalização de ações por meio do redobro verbal e possui alta produtividade, podendo ser observada em muitas línguas do mundo, talvez devido a uma relação com as necessidades comunicacionais fundamentais do ser humano, revelando tendências generalizadas nas línguas. 2.3 SÍNTESE Como se vê, a reduplicação é um fenômeno que abrange os dois principais processos morfológicos da língua: a derivação e a composição. Além disso, é um típico fenômeno de interface morfologia-fonologia, já que os reduplicantes são desprovidos de preenchimento segmental, manifestando-se através de uma operação de cópia. No presente trabalho, é feito um recorte: analisa-se a reduplicação de base verbal, segundo um modelo teórico que permite acessar analiticamente os dois polos envolvidos na construção desses termos, o formal e o semântico. Dessa forma, a Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2010), baseada na Gramática das Construções (GOLDBERG, 1995), revela-se o modelo teórico mais indicado para dar conta do tratamento desse fenômeno em língua portuguesa, como sustentamos no próximo capítulo, no qual são apresentadas as bases desse modelo de análise morfológica das línguas naturais. 3. MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL: PRINCIPAIS IDEIAS Neste capítulo, apresentamos o modelo de morfologia construcional (construcion morphology) desenvolvido por Booij em três diferentes trabalhos, dois artigos e um livro: em Booij (2002), estabelecem-se as bases desse novo modo de conceber as estruturas morfológicas das línguas naturais; Booij (2005), por sua vez, descreve o papel do léxico nos mecanismos de formação de palavras; em Booij (2010), um livro inteiramente dedicado à apresentação do modelo, tem-se uma espécie de introdução ao paradigma da morfologia construcional. 3.1 MOTIVAÇÃO PARA O MODELO: AS FRONTEIRAS INTERNAS DA MORFOLOGIA De acordo com Booij (2002), a observação da literatura referente ao estudo dos fenômenos morfológicos revela que tanto sua classificação quanto demarcação podem, muitas vezes, ser uma difícil tarefa. Aliás, não é apenas do ponto de vista didáticoterminológico que a questão apresenta grande importância, mas, sobretudo, devido ao interesse linguístico em fazer generalizações que sejam capazes de sustentar hipóteses a respeito de fenômenos da língua. Dessa forma, a aplicação de construções específicas para o domínio da Morfologia requer a observação atenta de suas características particulares com o objetivo de prever seu comportamento gramatical. O referido autor enumera três importantes demarcações investigadas na literatura morfológica contemporânea: (a) a demarcação entre compostos e construções sintáticas, (b) a distinção entre flexão e derivação (cf., também, GONÇALVES, 2005) e, mesmo 37 que menos explorada, (c) a delimitação entre a composição e a derivação, essa última foi escolhida pelo autor como foco investigativo 7. Tradicionalmente, o critério seguido para a demarcação entre composição e derivação é a definição de suas unidades de análise: a composição é o mecanismo de junção de dois ou mais lexemas, enquanto a derivação é o resultado do acréscimo de um afixo a um lexema. Investigadores como Lieber (1980, 1992) e Selkirk (1982) apresentam uma análise que revela as semelhanças entre os processos de composição e derivação. No entanto, o problema da demarcação não é resolvido apenas com a unificação dos processos; torna-se necessário definir os critérios que levarão um determinado constituinte morfológico a ser considerado preso ou livre, assim como se tal diferença também repousa em dados semânticos e fonológicos e de que modo isso deve ser observado. Segundo Booij (2005), na literatura morfológica, o modelo Item-e-Arranjo trata os processos de composição e derivação como fenômenos radicalmente distintos, ou seja, enquanto a derivação é vista como a aplicação de uma regra com aspectos de vários níveis – fonológico, semântico e sintático; a composição é tomada como uma regra sintática de estruturação de palavras e combinação em compostos. Anderson (1992), ao defender uma abordagem palavra-e-paradigma da flexão, acaba por estender essa mesma interpretação morfológica à derivação, fato que aproxima tal processo a outros tipos de formação de palavras, mesmo os de ordem mais formal, como os não-concatenativos, a exemplo da reduplicação, foco desta tese. Entretanto, ele separa a composição da derivação afixal, já que aquela geraria 7 A discussão sobre os limites entre a derivação e a composição vem ganhando destaque nos dias de hoje e é objeto de investigação, por exemplo, em Kastovsky (2009) e Gonçalves (2011a, 2011b). 38 compostos, unidades passíveis de aplicação de diferentes regras gramaticais e, logo, teriam uma estrutura morfológica interna acessível a outras regras, enquanto esta última, ao contrário, não possuiria tal estrutura, uma vez que as palavras resultantes seriam apenas derivadas de outras. Dessa forma, a hipótese de Anderson sustenta que, se uma palavra é derivada, suas novas propriedades fonológica, sintática e semântica são especificadas por uma determinada regra derivacional, o que torna desnecessário o acesso à sua estrutura morfológica interna. Booij (2002) procura comprovar que a demarcação entre composição e derivação não é viável, contrariando a proposta de Anderson. Com esse objetivo, enumera alguns casos fronteiriços na morfologia, como a relação entre a composição e a prefixação. Certas palavras complexas do português são objeto de discussão, por exemplo, em Câmara Jr. (1970): (01) contra irmão contra irmão entre entre mim e você sobre prato sobre a mesa contra-ataque contra-cultura entre-aberta entremeado sobrevoar sobretudo É possível observar que as palavras complexas em (01) apresentam uma formação bastante peculiar, no sentido de que todas são o resultado da união de um lexema com uma preposição; dessa forma, tais casos podem ser considerados prefixação, já que preposições são palavras gramaticais. Entretanto, palavras 39 gramaticais também possuem status de lexema e, nessa perspectiva, o resultado dessa união pode ser considerado um caso de composição. Outro exemplo dessa situação, encontrado em Booij (2002), é tomado do holandês, idioma que impõe como regra para a formação de compostos que a tônica principal apareça no primeiro componente vocabular (BOOIJ, 2002:3). No entanto, algumas palavras usadas como preposição, adjetivo ou advérbio podem aparecer como parte de outras palavras sem obedecer a essa regra, ou seja, não apresentam o acento tônico. Nesse caso, é impossível apontar com exatidão se estamos diante de uma prefixação ou de uma composição, já que, muito embora o acento não apareça, essas palavras são lexemas. Observe os exemplos a seguir: (02) mis ‘errado’ onder ‘abaixo’ weer ‘de novo’ vorm ‘formar’ breek ‘quebrar’ schijn ‘brilhar’ mis-vorm ‘deformar’ onder-breek ‘interromper’ weer-schijn ‘refletir’ A partir dessas análises, o referido autor afirma que alguns lexemas podem possuir uma contraparte prefixal. O primeiro indício dessa propriedade seria de ordem 40 fonológica, como é o caso do holandês e sua regra de acento primário; o segundo seria de ordem semântica, pois os afixos muitas vezes podem apresentar uma gama de significados que é reduzida ou reinterpretada no lexema resultante, como é o caso de weer que isoladamente significa “de novo” e como parte da palavra complexa, “no sentido inverso”. A terceira propriedade, de ordem mais morfológica, aponta que esses lexemas-prefixos podem, muitas vezes, determinar a categoria gramatical da palavra complexa, assim como os prefixos prototípicos do holandês, como se vê nos exemplos em (02). Com base nessas observações, Booij (2002) propõe a Morfologia Construcional. Esse novo modelo teórico revela que, devido à semelhança estrutural existente entre os processos de composição e derivação, é possível expressá-los através de esquemas de formação de palavras que representam as generalizações prováveis nas línguas; além disso, esses esquemas são frequentemente usados na formação de novos itens lexicais. O autor propõe três padrões morfológicos, referenciados conforme (03), a seguir, modelagem utilizada no trabalho de Gonçalves & Almeida (2012), sobre os chamados xenoconstituintes, como ‘cyber’, ‘pit’ e ‘tube’, e encontrada também em Faria (2011) e Castro da Silva (2012): (03) (a) composição: [[X]X[Y]Y]Y (b) sufixação: [[X]X Y]Y (c) prefixação: [X[Y]Y]Y Nesses esquemas, as variáveis X e Y representam as sequências fonológicas, enquanto X e Y representam as etiquetas lexicais. No caso dos compostos ilustrados em (03a), a cabeça lexical se encontra à direita da palavra, motivo pelo qual o vocábulo 41 resultante do processo terá a mesma categoria lexical que a base à direita. A prefixação, segundo o esquema, terá como resultado uma palavra de categoria idêntica a de seu radical; a sufixação, por outro lado, não segue a categoria gramatical do radical. Esses esquemas são pertinentes ao padrão morfológico do holandês e obviamente podem apresentar variações a depender da língua em que são aplicados. Por exemplo, em português, o esquema de composição teria de ser alterado, já que, independentemente da categoria de suas bases formadoras, o resultado do processo de composição em português é sempre um nome. Assim, Gonçalves & Almeida (2012) reescrevem, para o português, o esquema geral da composição como (04) a seguir: (04) composição: [[X]X[Y]Y]N Outra importante observação a respeito do modelo proposto por Booij é que se mantém a proposta construcionista inicial, apontada por Goldberg (1995), de pareamento entre estrutura formal e semântica, com alterações da formalização efetuada pela autora. O autor mantém o seu esquema nos moldes especificados em (01), (02) e (03) e propõe o acréscimo da seguinte especificação semântica ao esquema geral da composição: (05) [[X]X[Y]Y]Y “Y com alguma relação com X” Os esquemas até então apresentados são generalizantes e, portanto, não especificam afixos possíveis, como as regras de formação de palavras, em Aronoff (1976), por exemplo, em que operações individuais regem a utilização dos afixos. Mais 42 adiante, na seção 3.3, abordamos com mais vagar as diferenças entre esses dois dispositivos analíticos. A ideia fundamental da Gramática das Construções é que instanciações específicas de padrões sintáticos da língua formam grupos de construções gramaticais independentes e, por isso mesmo, devem ser definidas individualmente. O autor retoma o famoso exemplo da construção em inglês V NP away, como em twisting the night away (“revirando-se noite afora”). Nessa construção idiomática, uma posição é especificada lexicalmente em um padrão sintático, ou seja, seu significado não será totalmente composicional. Na mesma construção, o item lexical especificado permanecerá trazendo o mesmo significado ao conjunto, como em talking the night away (“conversando noite afora”). Dessa forma, os esquemas morfológicos propostos por Booij podem ser interpretados como expressões idiomáticas no nível da palavra, tendo significados relacionados às suas instanciações específicas. Esses esquemas de construção representam, na verdade, generalizações de conjuntos de palavras complexas na língua com diferentes graus de abstração. Essas palavras complexas tornam-se lexemas convencionalizados. Assim, como proposto na Gramática das Construções, a relação entre o esquema mais abstrato e as instanciações individuais pode ser representada por meio de uma árvore construcional, em que construções mais específicas herdam propriedades de construções dominantes ou mais gerais. Booij exemplifica essa cadeia hereditária por meio da palavra baker (“padeiro”) do inglês, como se vê em (06), a seguir: 43 (06) [[X]X Y]Y | [[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’ | [[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’ Como exemplificado acima, cada nó inferior da árvore herda propriedades de nós dominantes. É importante ressaltar, ainda, que a palavra baker herdará propriedades de sua base, o lexema verbal bake, que também estará ligado à árvore: (07) [[X]X Y]Y | [[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’ | [[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’ [bake]V Com essas observações, Booij (2005:14) determina um dos princípios fundamentais de sua Morfologia Construcional: o de que palavras complexas devem ser autorizadas a ter ligações múltiplas no léxico. É importante observar que a segunda linha das árvores em (06) e (07) expressa a formação de substantivos deverbais em -er. Diversas palavras podem ser formadas por meio do mesmo esquema, como ocorre com o verbo to fix em inglês, que dá origem ao 44 substantivo fixer (jeitoso). Logo, a palavra fixer é uma instanciação do esquema de formação de substantivos deverbais em -er no inglês. Os falantes conhecem e dominam os esquemas morfológicos por meio dos conjuntos de palavras que instanciam esses padrões. Dessa forma, os usuários da língua são capazes de inferir um sistema abstrato ao se depararem com um número de palavras do mesmo tipo e estendê-lo ainda mais. É dessa forma que ocorre, provavelmente, a aquisição da linguagem. Segundo Tomasello (2000), o ponto final do período aquisitivo é definido “em termos de construções linguísticas de diferentes graus de complexidade, abstração e sistematicidade.” A Morfologia Construcional parte do pressuposto de que isso também se aplica no nível das construções morfológicas. 3.2 CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS: PRIMEIRAS IDEIAS Posteriormente, Booij (2010), em sua obra “Construction Morphology”, dá continuidade ao seu trabalho, procurando desenvolver e definir melhor as bases da sua teoria, para a qual a ideia de “construção” é o elemento fundador. Dessa forma, seria possível tratar mais satisfatoriamente a relação entre sintaxe, morfologia e léxico, observando melhor as diferenças e semelhanças de formação nos níveis da palavra e da frase. Observe-se a lista de palavras abaixo, dada pelo autor (BOOIJ, 2010:2 ): (08) buy (comprar) buyer (comprador) eat (comer) eater (comedor*) shout (gritar) shouter (gritador*) walk (andar) walker (andador*) 45 Na lista em (08), existe, além da diferença formal, uma diferença de significado entre as palavras da coluna da esquerda em relação às da direita. Os vocábulos da direita representam os agentes das ações expressas pelos verbos da esquerda. Logo, esses pares de palavras possuem uma relação paradigmática que pode ser projetada para o verbo como uma espécie de estrutura morfológica interna da palavra, como em (09): (09) [[eat]V er]N Dessa forma, a lista em (08) pode suscitar um esquema abstrato como o seguinte: (10) [[X]V er]N ‘aquele que V’ O esquema em (10) expressa uma generalização sobre a forma e o significado de nomes deverbais listados no léxico e que pode inclusive funcionar como ponto de partida para a formação de novas palavras na língua. No caso do inglês, Booij observa que o esquema abstrato [[x]V er]N levou à formação do nome “skyper” por meio da aplicação do verbo “to skype” no lugar da variável x. As novas palavras criadas com base em esquemas abstratos são acrescentadas ao léxico da língua e podem apresentar propriedades idiossincráticas e/ou convencionalizar-se, como explica o autor no texto de 2007, no qual se dedica exclusivamente ao tratamento de questões desse tipo (BOOIJ, 2007). Tomasello (2000) aponta que a aquisição da linguagem se inicia por meio da criação de representações mentais de casos concretos observados no uso da língua. O falante-aprendiz faz abstrações com base em estruturas linguísticas com propriedades 46 similares e acaba por adquirir o sistema abstrato da língua em questão. Booij (2010) aponta que duas conclusões podem ser tiradas com base nessa análise: (a) generalizações morfológicas não podem ser reduzidas ou compreendidas apenas por meio da sintaxe ou da fonologia, ou seja, existe uma espécie de subgramática morfológica relativamente autônoma dentro das gramáticas naturais das línguas; e (b) os outputs de operações morfológicas podem ser listados no léxico. Logo, os esquemas morfológicos têm a função de expressar propriedades previsíveis para a formação de palavras complexas e fomentar o léxico com grupos e subgrupos de palavras. 3.3 SOBRE ESQUEMAS E REGRAS De acordo com Basílio (2010), a noção de regra foi amplamente difundida nas abordagens gerativistas lexicalistas (CHOMSKY, 1970, ARONOFF, 1976), as quais afirmam que a competência lexical do falante está diretamente relacionada à capacidade de domínio e aplicação das regras de formação de palavras presentes em uma determinada língua. Dessa forma, as regras devem reger as possibilidades de formação em um dado idioma e lidam, portanto, com formas ideais. A autora aponta que, no entanto, o modelo baseado em regras apresenta algumas dificuldades no que tange a sua aplicação. Segundo ela, o primeiro problema já aparece na falta de precisão para o conceito de regra, isto é, não há uniformidade nesse sentido, já que não raro uma definição pode aplicar-se a um caso e não a outro, tal qual ocorre com a morfologia flexional e a derivacional. Outro complicador é a falta de uma abordagem adequada para o significado, que se torna um assunto à margem, tratado no 47 gerativismo lexicalista por meio da decomposição de traços primitivos. Além disso, o gerativismo é reconhecido como um modelo teórico mais associado ao tratamento de padrões sintáticos, ou seja, a semântica não desfruta de um enfoque adequado nessa teoria. Ainda no que diz respeito à ideia de regra, Basílio (2010) afirma que a relação entre morfologia e léxico é mais um ponto delicado nesse caso. A autora observa que a separação entre palavras e regras pode se revelar problemática, tendo em vista que nem sempre é possível estabelecer um paralelismo perfeito entre as postulações teóricas e as ocorrências lexicais. Com base na relação palavra/regra, Basílio (2010:4) faz a seguinte reflexão: “Se tomarmos a distinção palavra/regra e seu funcionamento na flexão, na grande maioria dos casos é adequada a afirmação de que as várias formas flexionadas de um vocábulo são objetos morfológicos produzidos ou sancionados pelas regras flexionais correspondentes. Entretanto, sistemas flexionais apresentam um caráter paradigmático, também presente em configurações derivacionais, que não é representado na formulação de regras”. Logo, as observações feitas pela autora indicam que um modelo baseado em regras encontra muita dificuldade de aplicação em diversas perspectivas e deixam a desejar, sobretudo no que tange ao tratamento da morfologia derivacional. Dessa forma, os casos de formação de novas palavras muitas vezes envolvem desvios dos quais a noção de regra não pode dar conta. Em contrapartida, surge a noção de esquema como uma alternativa que dê conta mais satisfatoriamente das generalizações necessárias à descrição linguística. Em seu modelo de Morfologia Construcional, Booij (2010) menciona que quatro das 48 propriedades gerais de esquemas, propostas por Rumelhart (1980), são importantes e relevantes na discussão sobre os esquemas construcionais na morfologia. São eles: 1. esquemas possuem variáveis; 2. esquemas podem ser embutidos, um dentro do outro; 3. esquemas representam conhecimento em todos os níveis de abstração; 4. esquemas são processos ativos. Nesse sentido, Gonçalves & Almeida (2013) apontam que as palavras são vistas como unidades simbólicas convencionais e os esquemas podem representar tais unidades de forma mais específica ou mais abstrata. Logo, um modelo baseado em esquemas proporciona uma análise da estrutura das palavras complexas sem esbarrar nos inconvenientes das regras. Essa mesma noção de “esquema” é bastante difundida na ciência cognitiva como representações de conceitos genéricos estocados na memória. Segundo Ferrari (2010: 150), “trata-se, portanto, de uma visão não-derivacional, que explica a regularidade da gramática com base em esquemas abstratos gerais associados a significados específicos, e não em regras de manipulação de símbolos, como fazem os modelos gerativos.” A relação entre esses esquemas e as palavras é feita por instanciação. Uma palavra como comprador instancia um esquema abstrato que, por sua vez, expressa que o sufixo –dor não deve ser listado no léxico, pois não pode ocorrer como forma livre na língua. Booij (2010) destaca que os esquemas construcionais, como o apresentado em (11), assemelham-se às regras de formação de palavras propostas por Aronoff (1976), tal qual o modelo exemplificado abaixo: 49 (11) [X]V [[X]V dor]N Semântica: ‘aquele que V habitualmente, profissionalmente’ Ambos os tratamentos partem de uma palavra-base e, portanto, afixos não são itens lexicais; também assumem a existência de diversos padrões abstratos e afirmam que as palavras complexas, listadas no léxico, instanciam regras ou esquemas. No entanto, uma diferença relevante é que as regras são limitadas nesse sentido, por serem orientadas apenas para o input (as operações morfológicas são aplicadas à palavra base) enquanto esquemas podem ser orientados tanto para o input quanto para o output. Contudo, é possível observar que um modelo baseado em esquemas é muito mais vantajoso do que aquele baseado em regras, pois, enquanto esse último procura dar conta da competência lexical do falante ao propor formas hipotéticas, o primeiro emerge do uso e é capaz de captar generalizações das formas reais, proporcionando inclusive um tratamento mais adequado aos casos de desvio. 3.4 CONSTRUÇÕES: A NOÇÃO DE CONSTRUÇÃO GRAMATICAL E IDIOMA CONSTRUCIONAL De acordo com Booij (2010), a ideia de “construção”, definida com o pareamento de forma e significado, é tradicionalmente aplicada a padrões linguísticos que associam propriedades formais a uma semântica específica. Esse modelo remete aos parâmetros propostos por Goldberg (1995) com a Gramática das Construções. O modelo de Goldberg repousa na concepção de que a gramática de uma língua é formada por uma rede de construções gramaticais (CGs). Esse modelo permite o tratamento de fenômenos linguísticos em níveis distintos. De acordo com a teoria construcionista, as construções gramaticais constituem modelos complexos formados através do pareamento de forma e significado; em outras palavras, segundo tal modelo, forma e 50 significado não se dissociam; na verdade, são contrapartes de uma mesma unidade, acessada e processada composicionalmente pelos usuários de uma língua. Dessa forma, uma construção pode estar ligada à outra, formando uma enorme rede, o que constitui o inventário linguístico do falante. Os princípios nos quais repousa o modelo teórico construcional podem ser listados da seguinte forma (GOLDBERG, 1995): (i) Princípio da não-sinonímia: uma construção não deve ser idêntica à outra, semântica e pragmaticamente; (ii) Princípio do poder expressivo maximizado: o inventário de construções deve ser sempre maximizado para atender a fins comunicativos; (iii) Princípio da economia maximizada: o número de construções distintas deve ser minimizado quanto possível; (iv) Princípio da motivação maximizada: as relações entre as construções devem ser estabelecidas sintática e semanticamente. Além disso, para formar redes, as construções são ligadas umas às outras por meio de relações de herança. Goldberg (op. cit.) identifica quatro tipos de relações de herança, são elas: (a) ligação por polissemia, (b) ligação por instanciação, (c) ligação por subpartes e (d) ligação por extensão metafórica. No caso da reduplicação de base verbal, foco deste trabalho, apenas os tipos (a) e (b) são relevantes. Dessa forma, podemos entendê-los da seguinte maneira: (a) Ligação por polissemia: estabelece uma relação entre o sentido específico de uma construção e sua extensão presente em outra; (b) Ligação por instanciação: ocorre quando uma determinada construção é a instância da outra, com alguns elementos especificados, isto é, requer que uma construção seja 51 aberta a ponto de permitir que demais construções surjam a partir da especificação de seus elementos. Com o objetivo de exemplificar a ideia de construção, Booij (2010) retoma um dos exemplos mais conhecidos de construção sintática: a construção de movimento causado de Goldberg (2006). (12) Pat sneezed the foam off the cappuccino. Pat espirrou a espuma fora do cappuccino. Na sentença em (12), o verbo inglês to sneeze é usado como transitivo e volitivo. No entanto, o seu uso mais comum é como intransitivo e não-volitivo. Apesar disso, quando utilizado com um objeto, esse verbo entra numa construção de movimento causado e modifica suas propriedades sintáticas e semânticas. Dessa forma, isso ocorrerá com qualquer verbo que entrar nessa construção e essas instanciações individuais receberão o nome de constructos. Ainda, outra noção importante para o desenvolvimento da análise da reduplicação de base verbal está presente em Goldberg (1995): a ideia de apagamento de argumento, sendo que um deles é o de complemento nulo. Ora, o presente fenômeno resulta em uma reconfiguração sintática, na qual os argumentos verbais são, muitas vezes, apagados à medida que ocorre a nominalização dos termos (VN). Os complementos verbais podem ser nulos quando a identidade do referente é desconhecida ou irrelevante; é o que ocorre em casos como os seguintes (GOLDBERG, 1995:58): 52 (13) After the operation to clear her esophagus, Pat ate and drank all evening. Depois da operação para limpar seu esôfago, Pat comeu e bebeu a noite toda. No exemplo acima, ocorre um complemento nulo indefinido, já que não se sinaliza quais substâncias foram comidas ou bebidas – os objetos dos verbos eat e drink não são expressos e tampouco se pode retomá-los por meio do contexto. Esse tipo de caso é diferente de um complemento nulo definido, em que o objeto apagado pode ser retomado por meio do contexto, como em (GOLDBERG, 1995:59): (14) Chris blamed Pat [ ]. Chris culpou Pat [ ]. Jo won [ ]. Jo venceu [ ]. Nesses casos, os argumentos podem ser recuperados no contexto; logo, esses complementos são do tipo definido. Booij (2010) também observa que a ideia de “construção” tem ocupado um importante lugar em modelos linguísticos recentes, dentre eles os mais conhecidos são a Gramática das Construções (CROFT 2001; GOLDBERG 1995, 2006) e a Gramática Cognitiva (LANGACKER 1999). Goldberg (2009), por exemplo, aponta que as construções podem variar em tamanho e complexidade. No entanto, apesar de a autora elencar a categoria morfema na lista das construções, Booij afirma que esse elemento não deve figurar em tal lista porque não consiste em um pareamento de forma e significado independente. Ele considera que, na verdade, incluir essa categoria na lista 53 representa apenas uma reminiscência da morfologia baseada em morfemas. Logo, os morfemas fazem parte de esquemas morfológicos e sua contribuição significativa é acessível apenas por meio do significado da construção morfológica como um todo. Croft (2001), por exemplo, apresenta a seguinte tipologia de construções: (15) O continuum sintaxe-léxico Michaelis & Lambrecht (1996)8 assim se posicionam a respeito da relevância da Gramática das Construções para a análise das palavras: Na Gramática das Construções, a gramática representa um inventário de forma-significadofunção complexas, no qual palavras são diferenciadas de construções gramaticais apenas pela observação de sua complexidade interna. O inventário de construções não é desestruturado; ele é mais como um mapa do que uma lista de compras. Elementos nesse inventário são relacionados por meio de hierarquias de herança, contendo padrões mais ou menos gerais. 8 “In Construction Grammar, the grammar represents an inventory of form-meaning-function complexes, in which words are distinguished from grammatical constructions only with regard to their internal complexity. The inventory of constructions is not unstructured; it is more like a map than a shopping list. Elements in this inventory are related through inheritance hierarchies, containing more or less general patterns.” 54 De acordo com Booij (2010), os processos morfológicos são idiomas construcionais, espécies de construções semi-abertas, em que ocorre a união de um elemento preso (afixo) a uma outra parte aberta (base); logo, em um idioma construcional, nem todas as posições são lexicalmente fixas. Isso influi diretamente na concepção de léxico, pois, nesse caso, não se forma uma lista fixa de expressões: ela pode ser estendida mediante casos de uso criativo da linguagem. Nesse sentido, as formações lexicais são idiomas construcionais no nível da palavra. Segundo Booij (2010:13)9: “A existência de tais idiomas construcionais tem implicações para nossa visão do léxico. Tradicionalmente, o léxico é concebido como uma lista de expressões linguísticas fixas e convencionalizadas, tanto as palavras quanto as unidades frasais idiomáticas maiores. Entretanto, os fatos discutidos aqui implicam que o léxico tem de ser estendido com idiomas subespecificados parcialmente” [...] Dessa forma, composições como criado-mudo e arco-íris são fechadas, enquanto formações como guarda-roupa e cavalo-marinho são abertas, pois podem ser estendidas em casos como guarda-pó ou leão-marinho, por exemplo. Construções são, portanto, interseções de níveis diferentes da língua e são organizadas hierarquicamente por meio de ligações por herança em uma espécie de rede ou teia. Um ponto importante destacado por Booij (2010) é que a ideia de uma “construção morfológica” não é realmente tão recente quanto parece. Em Language, Bloomfield, no capítulo sobre morfologia, afirma que há “três tipos de construções morfológicas” e destaca que uma palavra complexa possui “uma camada exterior de 9 “The existence of such constructional idioms has implications for our view of the lexicon. Traditionally, the lexicon is conceived of as the list of conventional and fixed linguistic expressions, both words and larger idiomatic phrasal units. However, the facts discussed here imply that the lexicon has to be extended with partially underspecified idioms” […] 55 construções flexionais e uma camada interior de construções de formação de palavras” (BLOOMFIELD, 1933: 227). A inovação consiste, portanto, na análise morfológica nos moldes da Gramática das Construções. Retomando as formações lexicais X-er, os nomes deverbais em inglês são, portanto, idiomas construcionais com uma posição fixa, o sufixo –er. Nesse sentido, o significado agentivo desses idiomas construcionais também é especificado e tomado holisticamente da construção como um todo. Esse significado não pode ser evocado pelo sufixo somente; prova disso é que, quando se acrescenta essa sequência a um adjetivo em inglês, o resultado é uma construção comparativa, como taller. Logo, nomes deverbais são constructos morfológicos que instanciam essa construção; forma fonológica e morfossintática confluem em uma só representação. Entretanto, isso não ocorre apenas com a derivação; a composição, outro tipo básico de formação de palavras, também pode ser representada construcionalmente, tal como exemplificado a seguir (BOOIJ, 2010: 18): (16) [[a]XK [b]Ni ]Nj ↔ [SEMi com relação R para SEMK]j [αF] [αF] (17) NN book shelf (guarda-livros) VN drawbridge (ponte levadiça) NA blackboard (quadro-negro) PN overdose 56 No esquema em (16), a variável x representa uma categoria lexical, que pode ser Nome, Verbo, Adjetivo e Preposição; as variáveis a e b representam sequências sonoras arbitrárias; as variáveis i, j e k são índices lexicais para propriedades fonológicas, sintáticas e semânticas de palavras; R é determinado por cada composto individual; e [αF] indica que não apenas a categoria sintática da cabeça à direita será idêntica a do composto resultante, mas também as demais características, como gênero e declinação, ou seja, essa base é a cabeça formal e semântica do composto. Toda a palavra composta será uma instanciação desse esquema. Umas das principais vantagens dessa descrição esquemática é que ela torna desnecessária a chamada Regra de Adjunção de Núcleo à Direita (WILLIAMS, 1981) para a generalização de que a categoria de uma palavra composta é determinada pelo seu constituinte à direita. Além disso, novas palavras podem ser criadas por meio da unificação de um esquema com um item lexical, como ocorre com a palavra inglesa skyper. Nesse caso, a unificação do verbo skype com o esquema das formações em -er resulta no constructo skyper (“aquele que se comunica através do skype”). A unificação é uma operação usada para criar expressões linguísticas bem formadas. Essa mesma operação pode ocorrer com a prefixação, como é o caso da palavra out em inglês. Entretanto, nesse caso, podese considerar que ocorra uma composição, visto que out é um item polissêmico, podendo ser usado como preposição ou advérbio. Essa alternativa é exemplificada em (18) a seguir: (18) [[out] ADV [X]Vi]Vj ↔ [exceder alguém ou alguma coisa em SEMi]j Mary outdances John Mary dança melhor que John. 57 Como anteriormente observado, na perspectiva linguística apresentada por Booij (2007), o léxico é representado como uma hierarquia e as palavras são agrupadas em categorias, que, por sua vez, são subcategorizadas com base em diferenças entre si. Ao final da hierarquia, encontram-se palavras individuais, como representado na figura abaixo: (19) Em (19), é representado um sistema hierárquico em forma de uma árvore de herança, no qual cada nó herda propriedades de nós dominantes. Com base nessa ideia, é possível, por exemplo, dividir a classe dos nomes em simples e complexos e esta última categoria, em subclasses com uma estrutura morfológica definida, tal qual se observa na figura (20) a seguir: (20) 58 Nota-se, portanto, que os esquemas dominam as palavras individuais diretamente. No entanto, essa não é apenas a única informação herdada pela palavra complexa; entra em jogo também a informação vinda da palavra base, como demonstrado no exemplo a seguir: (21) A relação entre palavra base e palavra derivada é apontada por meio de coindexação, ou seja, o índice lexical da base aparece como parte da informação da palavra derivada. Booij assume a “teoria da entrada plena”, defendida por Jackendoff (1975). Essa teoria pressupõe que as entradas lexicais são especificadas e o sistema de herança julga qual informação é redundante e pode, portanto, ser descartada. Nessa interpretação, com a unificação do esquema e da palavra base, ocorre o licenciamento do constructo morfológico, ou seja, da própria palavra complexa. Dessa forma, são os esquemas que dão o suporte para observar em cada entrada lexical qual informação é previsível e redundante. Ainda a respeito de sistemas de herança, Booij introduz uma noção considerada por ele crucial, a de “herança default”. Ele afirma que, muitas vezes, uma informação presente em um nó mais alto na hierarquia não é herdada, acabando por ser substituída pela propriedade presente em um nó mais baixo. Esses casos de exceção provam que nem toda informação de nós predominantes é necessariamente preservada. Um exemplo 59 desse tipo de ocorrência é o sufixo -baar (-ável) do holandês, que normalmente é associado a verbos transitivos para formar adjetivos. No entanto, existem casos como werk-baar (trabalhável), em que esse sufixo é acrescentado a um verbo intransitivo. Nesse tipo de caso, ocorre uma subcategorização de exceção, ou seja, um verbo intransitivo compatibiliza na construção como transitivo. A unificação do esquema com um verbo intransitivo não é bloqueada, visto que não interfere no uso regular do adjetivo formado. Da mesma forma, as generalizações abstratas sobre um sistema morfológico também podem ser feitas por herança default. Observem-se os exemplos abaixo: (22) [a [b]Yj]Yi ↔ [SEM [SEMj]]i | | [be [b]Nj]Vi ↔ [SEM [SEMj]]i Os esquemas em (22) apresentam a e b como variáveis fonológicas e Y representa a categoria sintática da palavra base. Essas generalizações se referem à prefixação em inglês. Nela, a palavra base compartilha a categoria sintática com a palavra derivada. Logo, esse esquema é uma generalização acerca de construções morfológicas, ou seja, é uma metaconstrução. Entretanto, muito embora o esquema geral domine aquele para palavras inglesas com prefixo be-, a especificação de V anula a de N, que era previsível no esquema geral, tudo em perfeita conformidade com a ideia de herança default. Os casos analisados até aqui servem para comprovar que a ideia de um léxico hierárquico é fundamental para expressar generalizações e subgeneralizações em diferentes níveis de abstração (palavras individuais, construções morfológicas e 60 metaconstruções morfológicas). Outra importante observação é que os esquemas são orientados para o output. Logo, essas generalizações funcionam como importantes argumentos em favor de esquemas em detrimento de regras, que são orientadas para o input., como já tivemos a oportunidade de destacar em 3.3. Booij não descarta as relações paradigmáticas, ou seja, as correlações entre listas de palavras com o mesmo grau de complexidade e derivadas da mesma palavra base. Nesse tipo de relação, o significado de um termo é definido com base no significado do outro. Com o intuito de demonstrar como se dá esse tipo de correspondência são apresentados os exemplos abaixo retirados do inglês: (23) < [x-ism]Ni ↔ SEMi > ≈ < [x-ist]Nj ↔ [pessoa com propriedade de Y relacionada a SEMi]j > (24) altru-ism (altruísmo) altru-ist (altruísta) aut-ism (autismo) aut-ist (autista) bapt-ism (batismo) bapt-ist (batista) commun-ism (comunismo) commun-ist (comunista) pacif-ism (pacifismo) pacif-ist (pacifista) Nos esquemas em (23), SEMi representa o significado da palavra terminada em –ism. Dessa forma, um altruísta tem uma disposição para o altruísmo e um pacifista adere à ideologia do pacifismo. A relação paradigmática entre esses dois esquemas pode conduzir à formação de novas palavras, já que, por meio de uma palavra como determinism (determinismo), é possível facilmente formar determinist (determinista) e 61 conhecer seu significado de “pessoa que adere ao determinismo”. Em outras palavras, por meio de um dos termos da relação paradigmática é possível criar uma nova palavra e conhecer seu significado, processo que pode ocorrer em ambas as direções, ou seja, seria igualmente fácil formar determinismo a partir de determinista. Entre as formações X-ista e as formações X-ismo, temos o que Basílio (1980) denomina de padrão derivacional geral, formalizado conforme (25) a seguir: (25) [[Xista [[Xismo É importante salientar que, nesses casos, o significado não se traduz apenas como a função composicional das partes de seus constituintes: é, na verdade, o resultado da relação entre palavras com o mesmo grau de complexidade (BOOIJ, 2010: 36). As relações paradigmáticas entre esquemas construcionais revelam a necessidade dos usuários da língua em expressar, de maneira flexível, generalizações correspondentes à interpretação semântica de palavras complexas. Além disso, as construções gramaticais permitem especificar propriedades que não podem ser deduzidas da simples leitura de seus constituintes. Um bom exemplo disso são os compostos VN das línguas neolatinas, como o francês, o italiano e o português, exemplificados a seguir: (26) Francês a. chauffe-eau quente-água “aquecedor” b. coupe-ongle corta-unha “alicate” 62 Italiano c. lava-piatti lava-pratos “lava-louça” d. porta-lettere leva-cartas “carteiro” Português porta-copos mata-mosquito pára-raios limpa-vidros É possível observar, em (26), que os constituintes dos compostos neolatinos não trazem consigo a ideia de agente/instrumento veiculada no significado final. Essa noção só existe na construção como um todo. Logo, lava-louças, por exemplo, não evoca o significado de instrumento em seus componentes, tampouco trata-se de um certo tipo de louça, mas de uma máquina que lava louças. Dessa forma, essa propriedade não deriva dos constituintes, ou seja, é tomada holisticamente. Nesse caso, agente/instrumento e classe são propriedades holísticas, que só podem ser depreendidas da construção como um todo. Nota-se, ainda, que esse é um tipo de composto exocêntrico, já que a cabeça lexical não é um nome e, no entanto, a palavra composta pertence a essa categoria. 63 A composição exocêntrica é um fenômeno generalizado e apresenta uma produtividade irregular quando se comparam as diferentes línguas naturais. No inglês, por exemplo, existem poucos compostos exocêntricos, como cut-throat (degolador) e pick-pocket (pivete). Por outro lado, no chinês e no japonês, esse tipo de composto ocorre em grande número. 3.5 SITUAÇÕES DE INTERFACE As palavras funcionam como peças complexas de informação, às quais são associados significados particulares a sequências sonoras determinadas. Observe, na figura (27) a seguir, um exemplo de estrutura paralela tripartida na representação lexical da palavra inglesa dog: (27) i ↔ Ni ↔ DOGi | | dog Na figura em (27), observa-se uma palavra fonológica () que consiste em uma única sílaba () com apenas três sons, aqui referenciados pelas letras que os representam. Essa palavra fonológica é co-indexada (i subscrito) juntamente com a informação sintática (N) e semântica desse vocábulo (referenciada em letras maiúsculas). O termo “co-indexação” é utilizado para especificar a correspondência entre diferentes tipos de informação que levam ao conhecimento de uma palavra (BOOIJ, 2010:7). Nesse sentido, cada palavra deve ser interpretada como um elemento 64 de interface entre vários níveis de representação linguística, nos quais podemos observar a sistematicidade que existe na correspondência entre diferentes informações (JACKENDOFF, 2002). Dando continuidade a esse raciocínio, Booij apresenta os esquemas abaixo: (28) i ↔ Ni ↔ Vj AfK Ni ↔ [aquele que BAKEj (assa)]i [b e I k]j[ər]K (29) i ↔ [ ]j[ər]K Vj [aquele que ....j ]i AfK Em (28), nota-se uma palavra complexa derivada de um verbo por meio de sufixação em –er. Na representação dessa palavra, há três tipos de informação em jogo: a parte fonológica, constituída por duas sílabas; a parte sintática, que caracteriza o vocábulo como um nome, sujeito da ação de bake (“assar”), e a parte semântica, que expressa o significado da palavra complexa. Os índices j e K se referem à carga significativa da base do verbo e do sufixo, respectivamente. A figura em (29) ilustra o esquema geral para palavras deverbais terminadas em –er no inglês. Nesse caso, a informação fonológica é omitida, já que ela não é fixa; depende sempre do verbo selecionado. É importante atentar que essa operação é feita no nível fonológico por meio da concatenação da sequência de sons do afixo à direita da base, de acordo com a estrutura prosódica em questão. Assim, através da interface ou 65 relação entre os níveis fonológico e morfossintático, o sufixo é silabificado com a raiz à qual foi adicionado, ba.ker. No entanto, isso significa que a fronteira morfológica da palavra (bak-er) não é respeitada pela fonologia, pois ela não coincide com a sua fronteira silábica (ba-ker), isto é, nem sempre haverá isomorfia entre estruturas morfológicas e prosódicas. Apesar disso, Booij observa que existem muitos sufixos que influenciam diretamente na maneira como as palavras complexas são silabificadas. Ele dá como exemplo a palavra helpless, na qual as fronteiras morfológica e fonológica coincidem, help.less. A distinção entre esses dois tipos de sufixação é fundamental para um tratamento mais apropriado da interface morfologia-fonologia, no sentido de que tal fato aponta para a existência simultânea de dois sub-sistemas fonológicos, por exemplo. Entretanto, muito embora a afixação e a composição sejam os processos de formação de palavras complexas mais comuns, existem outros mecanismos, como o truncamento, a alternância de vogal ou cruzamento vocabular, os chamados processos nãoconcatenativos. Como mostra Gonçalves (2004), em operações como essas, a estrutura morfológica não fica aparente em termos de constituintes, revelando que processos fonológicos específicos estão envolvidos em sua formação, ou seja, essas palavras podem ter sua própria co-fonologia. Dessa forma, no que se refere à interface, as informações morfológicas e fonológicas das palavras complexas não apenas são acessíveis umas às outras, assim como também podem se influenciar mutuamente (McCARTHY & PRINCE, 1995). Do mesmo modo, existe um tratamento de interface para a relação entre morfossintaxe e semântica. O princípio mais geral aplicado a esse tratamento é o Princípio da Composicionalidade (HOCKETT, 1947), o qual propõe que o significado de uma palavra complexa é uma função composicional da contribuição significativa e 66 estrutural de seus constituintes. Booij apresenta um exemplo desse tipo de relação por meio da expressão alemã “(die) wasser-leitung” (“bica”), que pertence ao gênero feminino porque segue o gênero de seu constituinte à direita (leitung - cano). O significado das construções morfológicas não é derivável daquele de seus constituintes, ou seja, não é apenas a soma das partes, mas uma função significativa específica. Isso prova a necessidade de um módulo de interface que trate da relação entre Sintaxe e Semântica. É importante lembrar, também, que uma interface Semântica – Fonologia é igualmente possível: fenômenos, como a carga significativa da entonação em determinadas sentenças, comprovam essa possibilidade. Isso leva à constatação de que Morfologia e Sintaxe não são componentes completamente separados e sua relação precisa ser destacada. 3.6 A UNIFICAÇÃO DE ESQUEMAS Na seção 3. 3 foram apresentadas as propriedades gerais dos esquemas. Nesta seção, uma dessas propriedades será focalizada: 2. esquemas podem ser embutidos, um dentro do outro As propriedades 1, 3 e 4 já foram bastante exploradas neste capítulo, pois, afinal, as construções morfológicas são esquemas com variáveis, possuem diversos graus de abstração e funcionam como fórmulas para criar novas palavras. Dessa forma, a segunda propriedade deve ser discutida com mais vagar. Ela torna-se interessante na medida em que permite formar palavras complexas, muito embora possa haver uma lacuna em um nível intermediário dessa formação. Um caso como esse é ilustrado 67 abaixo, em (30): é possível formar o adjetivo unbeatable (invencível) sem que seu adjetivo intermediário beatable* exista convencionalmente. (30) [un-A]A + [V-able]A = [un[V-able]A]A Isso também ocorre em holandês, por exemplo, com o acréscimo do prefixo on-, expressando negação, como em on-gewoon (“incomum”). Na maior parte dos casos, o adjetivo intermediário é apenas uma palavra possível, não listada no léxico. Logo, existem dois padrões de formação de palavras sendo usados nessa construção, um dentro do outro. (31) verbo adjetivo deverbal Adjetivo com on- bedwing (suprimir) bedwing-baar on-bedwing-baar (insuprimível) bestel (entregar) bestel-baar on-bestel-baar (não entregue) blus (extinguir) blus-baar on-blus-baar (inextinguível) verwoest (destruir) verwoest-baar on-verwoest-baar (indestrutível) A unificação de esquemas explica, portanto, a possibilidade do uso de dois ou mais padrões de formação de palavras combinados, o que acaba por depor contra um modelo baseado em regras de formação de palavras, já que a ocorrência simultânea de mais de uma regra não é possível, sendo necessário recorrer a dispositivos, como, por exemplo, o salto de etapas, tal como formulado em Sandmann (1994), para um grande número de formações lexicais do português, a exemplo das que se observam em (32), todas constituídas de des- e -izar, mas sem acesso a uma base verbal prévia X-izar: 68 (32) descupinizar desratizar desinsetizar O esquema unificado significa que o falante desenvolveu a habilidade de relacionar a base à palavra complexa de tal forma que isso resulta em um processo derivacional duas ou mais vezes além da base. É importante observar que a gramática não é afetada negativamente por esse fenômeno, porque a unificação se dá entre esquemas já existentes nas línguas. Outra ideia explorada por Booij (2005, 2010) é a de produtividade incorporada. Esse termo se refere a um caso em que um dado processo de formação de palavras não é produtivo, mas pode tornar-se ao ocorrer unificadamente com outro, isto é, blocos de construção improdutivos podem levar a esquemas unificados produtivos. Um bom exemplo desse tipo de caso pode ser retirado do holandês. Nessa língua, há uma composição NV10 que ocorre unificadamente com uma sufixação. Apesar de os compostos não apresentarem uma produtividade tão relevante separadamente, uma vez feita a sufixação, alcança-se uma boa produtividade. A seguir, são apresentados o esquema da composição com sufixo, resultante da unificação de [NV] V e [Ver]N, e exemplos retirados do holandês. (33) 10 [[[N][V]]V er]N Booij (2010) explica que esses compostos também podem ser considerados do tipo NN, já que o verbo envolvido no processo é um nome deverbal. 69 a. aandacht-trekk-er atenção-desenhar-er pessoa que desenha com atenção b. brand-bluss-er fogo-extinguir-er extintor de incêndio Segundo Booij, os esquemas anteriormente aludidos podem apresentar subcasos. Em outras palavras, os esquemas mais gerais podem instanciar subesquemas, como apresentado a seguir com exemplos de composições em línguas germânicas: 70 (34) [[a]Xk [b]Yi ]Yj ↔ [SEMi relação de R para SEMk]j | | [αF] [αF] [[a]Xk [b]Ni]Nj ↔ [SEMi com relação de R para SEMk]j Em (34), observa-se, primeiramente, o esquema mais geral, no qual o composto como um todo compartilha as propriedades do constituinte à direita, o que é expresso por meio de [αF]. Logo abaixo, o esquema mais específico expressa a informação a respeito da categoria gramatical da cabeça à direita, um nome. Dessa forma, o composto como um todo também pertencerá a essa categoria. Booij (2010) também faz importantes observações acerca de casos de polissemia. Ele afirma que a polissemia na formação de palavras pode proporcionar evidências para diferentes níveis de generalização e graus de abstração em uma hierarquia lexical. Ele recorda que existem tratamentos distintos para a questão da polissemia na formação de palavras. O mais radical divide forma e significado em módulos diferentes da gramática, numa morfologia extremamente separatista. No entanto, na opinião do autor, é necessária uma abordagem polissêmica regular na qual um significado prototípico seja o ponto de partida para derivar outros significados por meio de mecanismos de extensão semântica, como a metáfora e a metonímia. O papel de agente, por exemplo, é normalmente usado para seres humanos; entretanto, agentes não-humanos e não-animados podem figurar como sujeitos, tal qual o caso de “a impressora que imprime algo”. Nesse caso, a interpretação metafórica da noção de agente modifica o significado e se desenvolve um subesquema instrumental e assim ocorre a polissemia. Logo, é possível haver a extensão significativa de uma palavra por meio de mecanismos conceptuais como a metáfora e a metonímia. 71 Entretanto, alguns nomes instrumentos não podem ser interpretados como agentes: (35) klopp-er ‘batedor’ krabb-er ‘raspador’ veg-er ‘vassoura’ Não é possível dizer em holandês que um veger (“vassoura”) varre o chão; apenas que alguém varre o chão com um veger. Isso também ocorre em português, em casos formados com o sufixo –dor, tais quais grampeador e apagador. Ora, em português, soam estranhas sentenças como “o grampeador grampeia a folha” e “o apagador apagou o quadro”, muito embora existam casos como “esse apagador apaga bem”, em que um nome-instrumento exerce a função de agente na sentença, dada a presença de um advérbio como ‘bem’. Dessa forma, observa-se que o uso sincrônico da palavra como instrumento não está necessariamente relacionado à sua interpretação agentiva. Isso revela que a polissemia não é uma propriedade da palavra individual, mas do esquema construcional para nomes deverbais em –er em holandês e em –dor em português, isto é, existe um subesquema para nomes instrumentais deverbais. O acréscimo desse subesquema pode ser interpretado como um caso de extensão metonímica, ou seja, a palavra em –er é usada por um dos participantes do evento descrito pela base verbal. A existência de um número de subesquemas semânticos para um processo de formação de palavras pode ser também observado como um tipo de fragmentação semântica. 72 Logo, os nomes deverbais em –er (ou –dor) podem possuir diferentes interpretações no léxico (agente, instrumento, objeto etc.), que serão representadas por subesquemas em uma hierarquia lexical. O esquema geral sanciona algumas opções e esses subesquemas expressam quais delas serão usadas produtivamente e possibilitam a formação de novas palavras, nesse caso, nomes deverbais em –er, de acordo com Booij (2010: 26). (36) Além disso, esses nomes podem estar ligados individualmente a mais de um subesquema, pois a polissemia existe também no nível da palavra individual. A palavra in-ruil-er do holandês, por exemplo, pode aparecer tanto no papel de agente quanto no de objeto. Ora, os mecanismos de extensão semântico-conceptuais são a força propulsora por trás desse padrão de polissemia que emerge na hierarquia lexical. Uma hierarquia organizada em esquemas e subesquemas funciona como uma descrição sincrônica para padrões e possibilidade de formação de novas palavras de diferentes subtipos, o que revelar a maneira como os mecanismos de extensão conceptual são convencionalizados em uma língua particular. No próximo capítulo, temos por objetivo aplicar as ideias da morfologia construcional de Booij (2002, 2005, 2010) à reduplicação de bases verbais a serviço da nominalização, como, por exemplo, ‘chupa-chupa’ (“doce”) e ‘pega-pega’ (“brincadeira infantil”). Procuramos representar o processo por meio de esquemas e subesquemas e 73 abordamos o polo semântico dessas construções com base na Linguística Cognitiva, base teórica em que se inscreve a gramática das construções. Utilizamos, sobretudo, Langacker (1987), que propõe terem nomes e verbos diferentes tipos de escaneamento cognitivo. Antes, porém, cabe uma seção sobre um dispositivo, citado por Booij (2010), de ampla relevância no estudo aqui desenvolvido: a heterossemia. 3.7 A HETEROSSEMIA De acordo com Lichtenberk (1991), elementos polissêmicos possuem significados de certa forma relacionados. No entanto, isso leva a questões sobre qual seria a natureza dessa polissemia e também qual a relação existente entre os significados ou funções de um item polissêmico, por exemplo. O autor observa que esses significados podem se relacionar por meio de redes de similaridades ou famílias de semelhanças, ou seja, há graus na relação ente eles. O termo polissemia é normalmente tomado como a relação significativa entre duas palavras que compartilham o mesmo lexema. No entanto, Lichtenberk (1991: 476) ressalta a importância do tratamento das distinções significativas de uma maneira mais detalhada e destaca o termo “heterossemia”: “casos (dentro de uma mesma língua) em que dois ou mais significados ou funções que são historicamente relacionados, no sentido de que derivam de uma mesma fonte, são suportados por reflexos do elemento de origem comum que pertence a diferentes categorias morfossintáticas.”11 O referido autor observa também que os casos de heterossemia discutidos por ele são o resultado de um processo de gramaticalização, isto é, casos em que um 11 “cases (within a single language) where two or more meanings or functions that are historically related, in the sense of deriving from the same ultimate source, are borne by reflexes of the common source element that belong in different morphosyntatic categories.” 74 elemento deixa de ser gramatical e se torna lexical12, sendo que este último, mesmo apresentando novas propriedades, preservará características da fonte. Com relação às ideias de significado e conceptualização, Lichtenberk (1991) destaca que a realidade existe apesar dos seres humanos, ou seja, ela não pode ser modificada, alterada. No entanto, a maneira como ela é percebida pode variar. Em outras palavras, os indivíduos formatam a realidade de acordo com sua percepção do mundo, suas concepções do real. Dessa forma, os significados de elementos linguísticos, então, não são meros reflexos das propriedades do fenômeno; antes disso, eles refletem nossa conceptualização do fenômeno, e nesse sentido são subjetivos (LICHTENBERK, 1991: 477)13. Isso leva ao surgimento de novas categorias por meio da aplicação de novas experiências à língua e da relação de diferentes domínios cognitivos. Logo, as conexões que os indivíduos fazem entre os fenômenos são extremamente importantes para o desenvolvimento da heterossemia. Dando continuidade à discussão a respeito de conceptualização e heterossemia, o referido autor aponta que, quando ocorre a mudança na designação de um fenômeno para outro, ambas as designações devem apresentar propriedades em comum, mesmo que essa compatibilidade não seja total. Os dois fenômenos serão conceptulizados pelos falantes em sua complexidade e compreendidos no sentido do compartilhamento de aspectos estruturais. O agente motivador da extensão significativa é a própria relação que o usuário da língua faz entre a designação anterior e a nova, o que mostra que essa extensão semântica não é totalmente arbitrária. O significado que normalmente é tomado da palavra corresponde, na verdade, à sua faceta significativa central; todos os 12 Nesse sentido, Lichtenberk (1991) ressalta que nem sempre é possível estabelecer uma perfeita distinção entre um item lexical e um gramatical. 13 “The meanings of linguistic elements, then, are not mere reflections of the properties of phenomena; rather, they reflect our conceptualization of the phenomena, and in that sense they are subjective.” 75 aspectos envolvidos no significado central podem vir a revelar uma extensão semântica ou funcional. Quer dizer, um verbo como “voltar”, por exemplo, implica a execução de dois movimentos, um de abandonar um local e outro de retornar a ele; logo, existem distinções semânticas e funcionais que podem ser destacadas a partir das implicações presentes nas facetas significativas de uma palavra. Muitas vezes a metonímia será responsável por essa mudança, ao especificar significados em função de um anterior. No entanto, Lichtenberk (1991) destaca que a metáfora também vem sendo observada, já que tem se apresentado como o veículo mais frequente para uma extensão funcional. Com relação à metáfora, ela pode ser vista como uma espécie de instrumento linguístico que age em favor de relacionar dois elementos de esferas conceptuais diferentes. Nas palavras de Lichtenberk (1991: 479), a metáfora é mais que um instrumento linguístico; é primariamente um instrumento cognitivo por meio do qual conceitos de um domínio de experiência são usados para conceptualizar outros domínios de experiência14. Com base nessa afirmação, uma questão importante deve ser analisada: como surgem as metáforas conceptuais? Ora, a resposta para essa pergunta está relacionada à percepção de mundo do falante. Primeiramente, é necessário que haja a percepção de que existem características em comum entre fenômenos de domínios conceptuais diferentes. Nesse caso, um domínio não é conceptualizado de acordo com outro, mas eles são percebidos como estruturalmente semelhantes (de uma maneira mais geral). Logo, uma metáfora como time is space resulta da extensão de um domínio espacial dentro de um temporal, de acordo com a observação de suas características comuns. 14 “metaphor is more than just a linguistic device; it is primarily a cognitive instrument whereby concepts from one domain of experience are used to conceptualize another domains of experience.” 76 A partir dessas observações, Lichtenberk (1991) trata de casos de gramaticalização que envolvem um processo de mudança semântica em verbos que expressam a ideia de movimento, como go (ir), come (vir) ou return (retornar). Esses casos podem ser chamados de heterossêmicos. Para tanto, é necessário, antes de tudo, demonstrar de que forma as extensões funcionais envolvidas no processo são motivadas por meio da análise de sua origem significativa e funcional, assim como das conceptualizações feitas por meio de metáfora e/ou metonímia. Além disso, conceitos como centro dêitico, movimento, direção, origem e destino são frequentemente explorados nas análises tomadas como exemplo para heterossemia pelo referido autor. O conceito de “centro dêitico” é, geralmente, orientado pela perspectiva do falante (EGO), ou seja, faz referência à localização do falante ou ao tempo do ato de fala, mas, em alguns casos, também pode estar relacionado a outro referente. Note que, no diagrama, abaixo pode-se observar as estruturas básicas dos verbos go (ir), come (vir) e return (retornar). Nos três casos fica claro o fato de que, dado o centro dêitico, movimento, direção, origem e destino são relevados diferentemente pelos verbos. (37) Assim, ficam claros os três princípios apontados por Lichtenberk (1991:480) nos quais se baseia a análise dos verbos (go, come, return) tomados como exemplo: 77 (1) Significados são complexos internamente; eles têm estrutura; Apesar de o significado ser complexo, apenas um de seus componentes significativos pode figurar como base para as extensões funcionais, ou seja, apesar de suas especificidades, o componente de deslocamento em relação ao EGO é comum aos três verbos. (2) Significados são subjetivos e abertos; Além do significado primário, um termo pode apresentar aspectos periféricos relacionados às situações de uso, isto é, go (ir) implica deslocamento de distanciamento do EGO; come (vir), deslocamento em direção ao EGO; return (retornar) é ambidirecionado. (3) Apesar de que todos os significados/funções derivam de uma mesma fonte em heterossemia, sincronicamente não há necessidade de que nenhuma propriedade seja exclusivamente partilhada por eles. Logo, a base histórica é que necessita ser a mesma; as unidades lexicais devem ter a origem em comum. Tal fato é verdade na medida em que se observa que, se se acresce à sentença “estou indo” a expressão “de volta”, a sentença resultante “estou indo de volta” tem o mesmo sentido de “retornar”. Os casos de heterossemia discutidos pelo autor mostram que é muito comum historicamente um verbo tornar-se elemento gramatical, enquanto o caminho inverso é bem menos frequente. Segundo Enfield (2006), a heterossemia é um caso especial de polissemia no qual um dado elemento morfológico apresenta significados diferentes, porém relacionados, que se distinguem a depender do contexto gramatical em que são aplicados. Exemplos de heterossemia são palavras como father, walk, stone, talk, entre outras, que possuem significados relacionados a nome e verbo. Nesse sentido, a 78 heterossemia é dividida em dois tipos: (a) as classes abertas ou (b) as fechadas. Quando os significados da palavra heterossêmica pertencem a classes abertas, como, por exemplo, a palavra fly do inglês, será chamada de heterossemia de classe aberta; quando o mesmo ocorre com classes fechadas, como a palavra to do inglês, será chamada de heterossemia de classe fechada. Ainda, vale lembrar que, de acordo com Rio-Torto (2012), o prefixo inter no português é um caso ilustrativo do fenômeno da heterossemia, já que, além da dualidade semântica apresentada, também pode combinar-se a: (a) bases verbais A ponte interliga Lisboa e Alameda. (b) bases nominais O comboio intercidades chega em cinco minutos. (c) bases adjetivais Posição intermuscular ‘entre os músculos’ Dessa forma, a heterossemia pode ser caracterizada como um processo por meio do qual um elemento sofre não apenas mudança semântica, mas também morfossintática em seu percurso evolutivo. Esse conceito será aplicado, no próximo capítulo, aos casos de reduplicação de base verbal em português. 4. POR UMA ANÁLISE CONSTRUCIONAL DA REDUPLICAÇÃO DE BASE VERBAL EM PORTUGUÊS No presente capítulo, o fenômeno da reduplicação de base verbal será analisado em suas perspectivas semântica e formal. Em seguida, será demonstrado como essas duas perspectivas, o polo semântico e o formal, unem-se em uma única análise do fenômeno, formando redes construcionais. 4.1 – POLO SEMÂNTICO De acordo com Langacker (1987), as classes semânticas nome e verbo podem representar modos de processamento cognitivo distintos. Os verbos estão relacionados a um escaneamento sequencial, o que envolve a transformação de uma configuração em outra ou uma sequência de transformações contínuas. Langacker exemplifica tal processamento por meio da representação do verbo cair dada a seguir, em (01): (01) 80 Por outro lado, segundo ele, os nomes possuem um processamento cognitivo diferente, definido como escaneamento resumitivo (summary), no qual “(...) cada grupo de eventos contribui com algo para uma única configuração, cujos aspectos são todos concebidos como coexistentes e simultaneamente disponíveis” 15 (p. 145). Logo, o nome queda tem a seguinte representação: (02) Em outras palavras, a diferença fundamental entre escaneamento sequencial e resumitivo repousa no fato de que o primeiro representa um evento processado sequencialmente, por meio de uma sucessão; já no segundo não há sequência ou sucessão: a contribuição de cada grupo de eventos é tomada simultaneamente. Essa mesma ideia é representada por Langacker (1987) por meio do “modelo da bola de bilhar”. O autor afirma que os objetos que existem no mundo podem se deslocar e até mesmo interagir quando mantêm contato. O deslocamento da bola de bilhar pode ser tomado de maneira sequencial, no qual cada trecho do evento é tomado por sua vez dentro de uma sucessão, ou de maneira estática, quando o evento é apreendido holisticamente na representação da cena. 15 “(...) each set of events contributing something to a single configuration all facets of which are conceived as coexistent and simultaneously available”. 81 Langacker (2008a) acrescenta que a ideia de escaneamento diz respeito à maneira como os aspectos da cena são percebidos, isto é, como se dá a percepção que funda a representação conceptual. Nesse caso, os trechos que constituem a cena são associados em uma interpretação do real. Langacker (2008a) retoma o exemplo da bola rolando por um declive e aponta que, se essa cena for tomada como uma sequência de imagens, a trajetória da bola passa a ser apreendida pelo observador e esse processo é identificado como dinâmico em um escaneamento da realidade. A figura a seguir foi retirada de Langacker (2008: 110) (03) Na ilustração em (03), o evento da bola de rolar é concebido no tempo ti, representado dentro de cada retângulo, enquanto a conceptualização é concebida no tempo Ti. Nem sempre haverá correspondência entre esses tempos. Por exemplo, podemos conceptualizar no presente um evento que de fato ocorreu no passado. No caso ilustrado, o movimento da bola é escaneado sequencialmente, ou seja, no instante T i, o único evento apreendido é ti, e isso dá uma boa ideia do desenrolar da cena. Logo, o escaneamento descrito é sequencial. Dessa forma, de acordo com Langacker (2008a), os diferentes tipos de escaneamento correspondem a diferentes categorias gramaticais, como nome e verbo. Nesse sentido, o escaneamento sequencial está diretamente relacionado à ideia de 82 perfilamento16 verbal, já que o escaneamento é resultado da apreensão sequencial dos elementos na cena. Por outro lado, os nomes são categorias que não perfilam relações. A próxima figura, retirada de Langacker (2008a:112), representa um escaneamento resumitivo: (04) Como se pode perceber em (04), no escaneamento resumitivo, cada trecho da cena é tomado de forma cumulativa, ou seja, no instante T i, são apreendidas todas as configurações presentes nos trechos anteriores. Ocorre, portanto, uma síntese dos eventos que se desenrolaram em ti para cada Ti, e isso faz com que a percepção e a representação dessa cena sejam feitas de maneira holística. Do mesmo modo, ocorrem os casos de reduplicação de base verbal em português. Nesse processo, os vocábulos passam de verbo a nome, deixando de ser processados de forma dinâmica para serem escaneados resumidamente nos moldes de Langacker (1987). Um nome que carrega o significado de evento pode ser visto como um processo de escaneamento mais sequencial, tal qual o caso de puxa-puxa, a brincadeira que envolve puxar repetidas vezes, enquanto o escaneamento resumitivo seria o processo que envolve puxa-puxa com o significado de doce. Ainda ao ratificar o 16 A noção de perfilamento (LANGACKER, 1987) diz respeito à capacidade de focar uma subestrutura dentro de uma unidade de conhecimento, que é tomada como base. Tome o exemplo da hipotenusa, que é o maior lado de um triângulo-retângulo. Então, sem a base o conceito de hipotenusa não teria sentido. 83 modo de conceptualização como sequencial ou resumitivo, Langacker (2008b) retoma a questão, respondendo a críticas e reiterando sua proposição. Nesse sentido, é importante observar que (a) Segundo Fillmore (1968), o significado é relativizado a cenas; (b) De acordo com Fauconnier & Turner (1994), palavras são pistas para ativar significados. Dessa forma, se, no caso da reduplicação de base verbal, o nome metonimicamente tomado ativa objetos e não eventos, então, o escaneamento é resumitivo. Em outras palavras, não se pode confundir a informação meramente linguística de motivação da formação do nome com o objeto que ela acessa na mente do falante. Outra importante observação para o tratamento semântico da reduplicação de base verbal diz respeito à repetição. A estratégia da repetição (de palavras, de afixos) é frequentemente utilizada em língua portuguesa com o objetivo de expressar intensificação; logo, existe um esquema de repetição em português que pode ser instanciado de diferentes maneiras, a depender do processo em questão. Em (05), são listados alguns exemplos, extraídos do discurso oral, desse tipo de repetição em afixos; em (06), exemplificamos repetição de palavras: (05) E foi um tremendo golaçoaço!! O seu visual está chiquerézimoézimo!! Marcela é mesmo supersuperlegal!! (06) Ele acorda cedo, cedo, mas dorme tão tarde!! 84 O professor fala, fala fala, mas ninguém entende nada O telefone chama chama chama e ninguém atende. De acordo com Marcuschi (2002:107), a repetição consiste na “produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo” e pode exercer diversas funções na língua oral ou escrita. Ela pode funcionar de modo a contribuir para a organização discursiva e auxiliar a coerência e coesão textuais, assim como nas atividades interativas. O referido autor observa que a presença desse tipo de recurso é muito mais frequente no âmbito da fala, já que, muitas vezes, a atividade discursiva da repetição faz parte da própria formulação do texto falado. Marcuschi (2002) separa as estruturas de repetição em cinco tipos: repetição fonológica Ele mora tão loooonge daqui! repetição de morfemas Ele fez um golaçoaço! repetição de itens lexicais A menina é linda, linda que ninguém para de olhar! repetição de construções suboracionais Bem, a lição a lição mesmo eu não fiz... 85 repetição de orações A mãe gritou, a mãe gritou, mas nada dele aparecer! Ademais, de acordo com Koch & Silva (1996), apesar da repetição interferir consideravelmente na densidade informacional do enunciado, isso não representa prejuízo, pois a reiteração pode agir em favor de facilitar a compreensão do interlocutor. Observa-se, ainda, que a repetição de segmentos funciona como estratégia de intensificação, pois obedece a uma espécie de princípio de iconicidade, em que uma cadeia de linguagem idêntica, posta em posição idêntica, é concernente a um maior volume informacional (FIORIN, 2008: 549). A sentença em (07) exemplifica essa afirmação: (07) [...] atualmente se tu não ficas em cima do aluno ele não faz absolutamente nada, nada, nada mesmo. Com relação à reduplicação de base verbal, a ideia de intensificação também é latente e igualmente se realiza por meio da estratégia de repetição (esbarra-esbarrra, mexe-mexe, tosse-tosse, pisca-pisca). Ora, a repetição revela-se, portanto, um importante veículo linguístico no discurso, e isso respalda a existência de uma construção de repetição em língua portuguesa (de acordo com a ideia de que a língua é um conjunto de CGs e itens potencialmente significativos – GOLDBERG, 1995). Esse esquema geral de repetição será adaptado, por meio de mescla (FAUCONNIER & TURNER, 2002), ao esquema de composição do português (tema da próxima seção), 86 instanciando a construção de reduplicação de base verbal. O modelo desse esquema geral de repetição será representado por meio da repetição da variável X: (08) [[X]xi[X]xi]xj [reiteração da SEMx] Nesse ponto, é importante relembrar do tratamento dado por Fauconnier & Turner (1996) e Mandelblit (1997) para a mescla construcional. De acordo com Fauconnier & Turner (2002), na teoria da mescla, os falantes constroem blocos conceptuais que correspondem a sua formatação da realidade. Essas conceptualizações (inputs) podem ser mescladas e resultam numa estrutura emergente chamada blend. O quadro (09) foi retirado de Fauconnier & Turner (1994) e ilustra um modelo de blending conceptual: (09) 87 De acordo com Fauconnier & Turner (2002), os espaços ilustrados no quadro podem ser relacionados da seguinte forma: Inputs espaços conceptuais, conceptualizações da realidade feitas pelo falante; Espaço genérico espaço que deverá conter as propriedades em comum entre os inputs; Blend estrutura emergente específica do espaço mescla, decorrente dos espaços relevados nos inputs: Composição. Os elementos presentes nos espaços de input compõem o blend. No entanto, as relações entre eles não podiam ser observadas nos inputs separados. Completamento. Os elementos que constituem o blend são estruturas adicionais, no sentido de que podem representar um conhecimento compartilhado, frames. Elaboração. Ocorre a apresentação de novas etapas cognitivas na mescla, uma reinterpretação com base em uma nova lógica.17 Portanto, a criação do blend se dá, em sua configuração mais simples, por meio do mapeamento de dois domínios conceptuais: os espaços de input. O espaço genérico é responsável por refletir as estruturas compartilhadas por esses espaços. Nesse processo ocorre, portanto, a relação das contrapartes dos elementos que compõem os inputs, que, por sua vez, combinam-se em uma nova conceptualização. A estrutura emergente de blend herda propriedades das estruturas presentes nos espaços de input, combinando papeis, frames e esquemas, mas também apresenta novas propriedades e uma estrutura organizacional particular. 17 O espaço mescla será o resultado desses processos cognitivos. 88 Segundo Fauconnier & Turner (1996), por meio do processo de blending, sequências de estruturas simples podem servir para expressar sequências complexas de eventos, desde que haja correspondência entre o evento e o significado veiculado pela construção gramatical. Fauconnier & Turner (1996) retomam Goldberg (1995) e a construção de movimento causado, uma forma sintática que pode ser expressa por meio do esquema [NP V NP PP] e corresponde a sentenças como ele tossiu a espinha para fora da mesa. Os autores defendem que esse tipo de sentença é fruto de uma mescla construcional, na qual a construção sintática é associada a uma conceptualização do evento como movimento causado (X leva Y a mover Z). Os referidos autores ainda apontam que alguns verbos, como throw (arremessar), já apresentam em seu escopo a ideia de movimento causado e são prototipicamente associados à construção sintática proposta por Goldberg (1995). Esse é o caso do exemplo (10), retirado de Fauconnier & Turner (1996: 6)18: (10) Jack threw the ball into the basket. Jack arremessou a bola para dentro da cesta. No entanto, os autores ressaltam que não é apenas esse tipo de verbo que pode se adequar à construção de movimento causado. Eles observam que mesmo um verbo que apenas expressa o significado de ação do agente pode também servir à construção e passar a expressar a ideia de movimento causado por meio da mescla. Esse é o caso do verbo sneeze (espirrar): 18 Os casos exemplificados podem não possuir uma perfeita tradução para o português. 89 (11) Gogol sneezed the napkin off the table. Gogol espirrou o guardanapo para fora da mesa. Já o verbo trot (trotar) expressa a maneira como se move um determinado objeto. Fauconnier & Turner (1996: 11) ressaltam que esse tipo de verbo também pode aparecer na construção como em (12) The trainer trotted the horse into the stable. O treinador trotou o cavalo para dentro do estábulo. Outro caso de verbo que não pode ser considerado prototípico para a construção de movimento causado e que, ainda assim, pode perfeitamente se encaixar nesse caso é let (levar), que dá ideia de causalidade, como no caso: (13) Sarge let the tank into the compound. Sarge levou o tanque para dentro do garagem. Com base nessa revisão, Fauconnier & Turner (1996) propõem o seguinte modelo de mescla construcional: 90 (14) Nesse modelo de mescla, os referidos autores propõem, portanto, que o blending deve ser feito entre uma instância prototípica da construção de movimento causado (input 1), como Jack threw the ball into the basket, e uma sequência de eventos (input 2). Entretanto, com base nos estudos de Fauconnier & Turner (1996), Mandelblit (1997) observa que as operações de mescla construcional são, na verdade, casos nos 91 quais ocorre uma mescla entre a representação abstrata da construção de movimento causado e uma sequência de eventos. Nas palavras da referida autora: “Em minha análise, um dos domínios do input para o blend (Input 2) não é a representação de alguma sentença específica na língua, mas uma representação semântica e formal da construção – um esquema conceptual que é abstraído de todas as instâncias da construção. É só através da operação de mescla que uma forma (fonológica) específica é garantida na língua.”19 Com base nessa afirmação, Mandelblit (op. cit.) propõe o modelo de mescla construcional para os exemplos supracitados, levantados por Fauconnier & Turner (1996). 19 “In my analysis, one of the input domains to the blend (Input 2) is not a representation of any actual sentence in the language, but rather a representation of the construction’s form and semantics – a conceptual schema that is abstracted from all instances of the construction. It is only through the blending operation that an actual (phonological) form in the language is generated.” 92 (15) Na mesclagem ilustrada em (15), a sequência de eventos localizada no input 1 corresponde à formatação da realidade feita pelo falante. Essa conceptualização é mesclada com o modelo abstrato da construção sintática de movimento causado (input 2), proposta por Goldberg (1995), e resulta na mescla Rachel sneezed the napkin off the 93 table. O mesmo ocorre com os verbos trot, let e throw do inglês nos esquemas a seguir retirados de Mandelblit (1997): (16) 94 (17) 95 (18) 96 A mescla construcional também ocorre na rede proposta no presente trabalho, já que a construção de reduplicação de base verbal é o resultado da mescla entre os esquemas gerais de composição em português ([[X]X][Y]Y]N) e de repetição [[X]xi[X]xi]xj. No entanto, no caso da rede construcional de reduplicação, o blend se realiza entre duas representações abstratas, resultando em uma terceira, tal qual será devidamente pormenorizado na seção 4.3 deste capítulo. Ainda com o intuito de descrever mais satisfatoriamente a carga semântica envolvida no processo de reduplicação de base verbal, salienta-se que esse fenômeno é resultado de uma lexicalização, nos moldes de Lehmann (2002). Nesse sentido, a lexicalização das formas reduplicadas percorre uma trajetória em que uma mesma forma linguística pode variar de significados menos especializados para mais especializados, mantendo, para isso, um significado mais básico envolvido no processo para chegar a um mais complexo. O significado básico é o componente aspectual de iteratividade, que se manifesta em formas como (19), a seguir; o mais complexo é o uso metonímico desse processo iterativo (dados em (20)). (19) esfrega-esfrega, empurra-empurra, beija-beija, bole-bole, ruge-ruge, agarra-agarra, esbarra-esbarra, esfria-esfria. (20) bate-bate, pisca-pisca, puxa-puxa, esconde-esconde, mata-mata, pula-pula, mijamija. Dessa maneira, uma mesma forma pode variar em significado, indo do menos ao mais especializado, a depender da semântica veiculada no mesmo, isto é, há graus distintos de especialização, indo do caráter mais de evento, denotado pelo verbo, à 97 propriedade mais relevante gestalticamente, até à atribuição dessa mesma propriedade ao objeto por essa construção denominal. Então, assim é que em “empurra-empurra” temos o evento referenciado como um todo e em “esconde-esconde” o aspecto apontado pela construção denota sua característica que está sendo valorizada. Teóricos como Lehmann (2002) e Brinton & Traugott (2005) analisam o fenômeno da lexicalização. O primeiro focaliza pontos como a diferença entre o referido fenômeno e a gramaticalização; os últimos abordam mais especificamente a questão da redução de fronteiras morfológicas e o processo de fossilização sofrido por itens lexicais. Tais análises podem ser utilizadas para esclarecer o fenômeno da reduplicação de bases verbais. Ao afirmar-se que a lexicalização é a etimologia cultural/popular (folk etymology), e não a imagem espelhada da gramaticalização, permite-se analisar com mais naturalidade um caso em que um verbo passa a nome, ou seja, uma conversão de classe, e não um item gramatical tornando-se lexical. Segundo Lehmann (2002), a lexicalização se dá quando um item deixa de ser acessado analiticamente e passa a valer como um só vocábulo; dentro desse processo, estão envolvidas propriedades como o congelamento/cristalização das partes e perda da fronteira de morfemas, passando a uma composicionalidade estrutural. A fossilização e redução de fronteiras entre constituintes acontecem quando as partes (que seriam dois itens lexicais) não podem mais ser dissociadas, isto é, a partir da cristalização/congelamento de uma forma complexa, há uma especialização semântica e um significado passa a valer pelo todo. Esse significado pode ser uma reinterpretação metafórica ou metonímica, como teremos oportunidade de destacar mais adiante. Nesse sentido, vale lembrar, como foi destacado no capítulo 3, que Booij (2010) afirma haver extensão significativa de uma palavra por meio de mecanismos 98 conceptuais como a metáfora e a metonímia. Essa afirmação vem ao encontro do que se observa no fenômeno da reduplicação de base verbal em português, no qual ocorre uma extensão significativa apoiada nos mecanismos da metáfora e da metonímia. No caso da reduplicação V-V aqui em exame, o valor semântico agregado é a expressão do aspecto iterativo, até mesmo por se tratar de um vocábulo que se origina a partir de um verbo. Ora, nesse sentido, é fácil perceber que o brinquedo chama-se “batebate” pelo fato de o mesmo “bater” repetidas vezes. As formas reduplicadas de significação mais abstrata apresentam somente o significado básico de iteratividade; entretanto aquelas menos abstratas recorrem ao uso metonímico do referido processo iterativo. Segundo Reyes (2000), a metonímia é percebida quando uma parte passa a representar o todo e pode levar a uma releitura ou nova perspectiva de uma situação. É dessa mesma forma que o uso metonímico nesse processo eleva um vocábulo de significado básico iterativo (metafórico) para um mais específico, garantindo a fixidez de significado. A metonímia também age aqui como um fator de releitura, de transformação do léxico, gerando uma nova significação e finalizando o processo de lexicalização. É preciso, ainda, destacar que há outra habilidade cognitiva que influi nesse processo: a metáfora. Reyes observa que metonímia e metáfora estão sempre muito próximas, chegando mesmo alguns autores a relacioná-las definitivamente (KÖVECSES 1998, 1999); não é tão surpreendente, portanto, que ambas estejam envolvidas nesse processo. Tanto a metáfora quanto a metonímia caracterizam-se por promover projeção – no primeiro caso, entre domínios diferentes; no segundo dentro do mesmo domínio. Se a metonímia caracteriza-se por relevar uma propriedade para designar a entidade referida, 99 a metáfora, por sua vez, oferece um novo olhar sobre o designado ao deslocá-lo do seu domínio de origem, exatamente o que ocorre no significado de evento, mais básico. Um importante destaque deve ser dado à reinterpretação sofrida na reduplicação devido a uma nova perspectiva ou situação imposta culturalmente ou pelo uso, o que corresponde exatamente à ideia de “puxar o significado para cima” ou “puxar o significado para baixo”, desenvolvida por Soares da Silva (2006). Assim, pode-se dizer que a metáfora “amplia” o sentido (puxa o sentido para cima), porque leva em consideração o frame como um todo, e a metonímia restringe-o (puxa o significado para baixo), porque restringe também a intensão (conjunto de propriedades definitórias de um dado termo) envolvida no processo. Ora, essa generalização também proporciona uma releitura interpretativa para o fenômeno da reduplicação. Entretanto, tal releitura é anterior ao processo como um todo e é responsável pela própria reconfiguração do processo nominalizador. Isso pode ser constatado pela grande diferença entre o número de dados recolhidos que veiculam o significado de evento daqueles com ideia de coisa. A maioria expressa o significado de evento ou mesmo ambos (evento e coisa). Pouquíssimos foram os casos em que ocorrências como evento não foram encontradas (somente 3 em 62 dados). No entanto, destaca-se que, muito embora não tenham sido encontradas durante a recolha, tais ocorrências são perfeitamente possíveis na língua. O quadro em (21) esclarece a diferença percentual entre evento e coisa em um total de 62 dados recolhidos (ver anexo): (21) Significado Número de ocorrências Percentual Evento 59 95,1% Coisa 26 42% 100 Isso indica que, mesmo aqueles dados que veiculam a ideia de coisa (22), também expressam a ideia de evento (23). Dessa forma, o significado de evento apresenta-se como mais básico para o processo. (22) Todos conhecem o famoso Pacman, vulgo come-come. Basta comer as bolinhas e escapar dos inimigos. (23) A maior sacanagem cometeram com a Isolina, aquela solteirona assanhada que cantava tudo que é homem e acabou a novela sem ninguém tê-la "comido", justo numa novela que, desde o início, foi um "come-come" adoidado. Com base em todas essas observações, compreende-se que o processo em questão envolve as seguintes características: (1) o significado é perspectivizado pelo EGO20 (LANGACKER, 1987); (2) o evento ou a entidade só podem ser conceptualizados holisticamente (FAUCONNIER & TURNNER, 2002). Dado o aspecto (1), tem-se que a metonímia é a função de perspectivização do evento, que então é lexicalizado. Por outro lado, de acordo com (2), ocorre a generalização esquemática do evento. Dessa forma é que os usos dos compostos reduplicados em seu aspecto icônico levam consigo as propriedades léxico-gramaticais dos verbos dos quais advêm. Subsequentemente, os compostos reduplicados conceptualizados em termos de escaneamento resumitivo selecionam o aspecto relevado pelo EGO a partir das possibilidades semânticas do item. Dessa forma, “mata-mata”, 20 De acordo com a linguística cognitiva, postula-se o constructo teórico do EGO (LANGACKER, 1987), segundo o qual as palavras revelam um ponto de vista. Assim, um deslocamento pode ser tanto em aproximação ao EGO quanto ao seu afastamento. 101 por exemplo, é uma metonímia de “eliminação”, enquanto “bate-bate” pode relevar ou o aspecto de “colisão” ou o aspecto de “efeito da ação de batida” (“sacudir”). Convém destacar alguns vocábulos reduplicados para melhor demonstrar as variações de significado do processo. Os dados em (24) foram obtidos por rastreamento via internet no site www.google.com.br . (24) PISCA-PISCA Evento A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Coisa Pisca-pisca ou luzes de Natal é um acessório geralmente colocado numa árvore de Natal ou em decoração de casas, de lojas ou empresas, para iluminá-las. Os dados em (24) indicam que ocorre uma extensão semântica de evento para coisa, ou seja, a forma “pisca-pisca” deixa de ser interpretada sequencialmente por meio de metáfora e passa a ser acessada resumitivamente em um uso metonímico. No entanto, a diferença não se mantém apenas no plano do significado; ocorrem também modificações na configuração sintática. Dessa forma, o fenômeno da reduplicação de base verbal em língua portuguesa é um caso de heterossemia (seção 3.7). De acordo com Lichtenberk (1991), a heterossemia é um fenômeno no qual um dado elemento morfológico apresenta significados diferentes, porém relacionados, que se distinguem a depender do contexto gramatical em que são aplicados. No caso da reduplicação de base 102 verbal, os nomes resultantes do processo possuem significados diferentes, mas não são homônimos, já que têm a mesma origem. Logo, a heterossemia se caracteriza, além da polissemia, pela diversidade não apenas semântica, mas também sintática. No caso da reduplicação de base verbal, como se trata de um processo nominalizador, os argumentos verbais serão apagados tanto nos nomes que expressam evento quanto naqueles que expressam o sentido de coisa. Contudo, a distribuição sintática dos nomes (evento e coisa) resultantes do processo de reduplicação é diferente, sobretudo no sentido de que: (a) as formas com ideia de evento podem apresentar papeis temáticos evocados pela construção do verbo-base do processo e que podem aparecer na expressão nominal sob a forma de adjuntos adnominais e/ou complementos nominais, evidenciando a existência de posição argumental, que exige papel de participante; (b) na acepção de coisa, a nominalização é tamanha que os papeis temáticos não serão evocados de forma alguma. Com relação ao apagamento dos complementos argumentais, podemos citar Goldberg (1995). Como apontado no capítulo 3, para a autora os argumentos nulos podem ser definidos ou indefinidos. No caso do nome-evento, os argumentos são nulos definidos, porque podem ser retomados pelo contexto textual ou na forma explícita de adjunto adnominal ou complemento nominal. Já no caso do nome-coisa, ocorre um argumento nulo indefinido, porque não é possível retomá-lo nem mesmo pelo contexto, já que a nominalização atinge seu ápice. Vale também ressaltar que, por se tratar de um caso de lexicalização, há graus nesse processo, ou seja, alguns casos podem mostrar-se fronteiriços e isso significa que a distinção entre nome-evento e nome-coisa pode ser muito tênue em alguns dados, inviabilizando, por exemplo, a evocação de papeis temáticos. Contudo, o caminho percorrido pelo processo continua sendo o mesmo dentro desse continuum. O exemplo a seguir apresenta um caso desse tipo: 103 (25) A unção do cai-cai iniciou-se com o americano Randy Clark, que foi ordenado pastor em 1950. Segundo alguns relatos, ele recebeu uma profecia que afirmava que através de sua vida e ministério pessoas seriam derrubadas no Espírito. Em (25), cai-cai é usado de forma ambígua. Não se pode afirmar com certeza se esse nome é atribuído devido à repetição da ação de cair (porque alguém cai repetidamente) ou é o nome que se dá à pessoa que cai repetidamente, em uma referência ao “cai-cai” jogador de futebol. Torna-se difícil classificá-lo como um caso de nome-evento ou nome-coisa, já que, mesmo sintaticamente, ambas as interpretações poderiam ser admitidas nesse contexto. A seguir, são analisados alguns dados do corpus com o objetivo de demonstrar que a mudança entre nome-evento e nome-coisa se realiza em mais de um nível: (26) MATA-MATA Evento “Mata-mata entre gangues” Valéria Biembengut [29/06/2006]”. [Mata-mata] entre gangues núcleo complemento nominal/adjunto adnominal No caso ilustrado acima, em (26), “mata-mata” é tomado como evento e, por apresentar as características do escaneamento sequencial, proposto por Langacker (1987), esse evento se desdobra no tempo. Ainda, a classificação como complemento ou adjunto21 de “entre gangues” torna-se difícil dado o caráter recíproco da expressão. Ora, 21 O conceito de adjunto adnominal e complemento nominal foram baseados em “Novas lições de análise sintática”Kury (1997), série fundamentos, editora Ática. Dada a omissão de casos de verbos com reciprocidade, optou-se por classificar como complemento nominal todas as vezes em que haja requerida a posição de OD. 104 não se sabe, verdade, se temos um agente22 ou um paciente evocado pela construção do verbo-base do processo. Numa chamada jornalística como “Notícias sobre o mata-mata dos policiais”23, o SPrep “dos policiais” pode constituir complemento nominal e deixa a construção ambígua, já que os policias podem ter sido os agentes (aqueles que mataram desmedidamente) ou os pacientes (os que sofreram execução). De maneira diferente acontece em (27): (27) Coisa “O mata-mata decisivo, com jogos de ida e volta, começa com 32 equipes.” O [mata-mata] adj. adn. decisivo núcleo adj. adn. “Não sofri nenhum ataque de coração e assisti a um jogo de mata-mata”. jogo núcleo [de mata-mata] adj. adn. Nesses casos, “mata-mata” é um nome com o significado de coisa e apresenta as características do escaneamento resumitivo, ainda nos termos de Langacker (1987). Dessa forma, ‘mata-mata’ não evoca papel de participante, pois não se trata de um 22 De acordo com autores como Fillmore (1968, 1971) e Halliday (1966, 1985), os papeis temáticos podem ser listados da seguinte forma: agente, causa, instrumento, paciente, tema, experienciador, beneficiário, objetivo, locativo, alvo e fonte. 23 http://www.google.com.br/search?q=mata+mata+dos+policiais&rls=com.microsoft:pt-br:IESearchBox&ie=UTF-8&oe=UTF-8&sourceid=ie7&rlz=1I7ADSA_pt-BR&redir_esc=&ei=ysAPUZKK4eA9QTis4GICg. 105 evento que se desdobra no tempo: é uma perspectiva simultânea e estática de leitura do item para o qual não são concebidos desdobramentos. Logo, pode figurar na sentença como núcleo, sendo determinado por adjuntos adnominais ou, ao contrário, pode aparecer ele mesmo como determinante na função de adjunto. Situação semelhante ocorre com a redplicação ‘bate-bate’, como se vê nos exemplos em (28) e (29). (28) BATE-BATE Evento “Com seus copos de bebida na mão, no máximo arriscavam um tímido mexer da cabeça, acompanhando o bate-bate do compasso”. [bate-bate] do compasso núcleo adjunto adnominal Igualmente ao exemplo de “mata-mata”, não apenas o significado sofre uma mudança, mas também a configuração sintática da sentença. Nesse caso, “bate-bate” é um evento processado sequencialmente do ponto de vista semântico, resultando sintaticamente em um núcleo acompanhado pelo adjunto adnominal “do compasso”: este último nada mais é do que o agente evocado pela construção do verbo-base do processo. Diferente ocorre em (29): (29) Coisa “BATE-BATE aquático. Bumper Boat é a versão aquática do carrinho bate-bate”. 106 “Carrinho de bate-bate do parque de diversões solta e acidenta menino de 7 anos”. [Bate-bate] aquático núcleo adj, adn. carrinho [de bate-bate] núcleo adj. adn. Nos esquemas acima, em (29), “bate-bate” tem o significado de coisa e é processado simultaneamente, de forma estática; logo, pode funcionar como um núcleo nominal passível de determinação por meio de “aquático” ou como o próprio adjunto adnominal, atribuindo qualidade a “carrinho”. Não há necessidade de argumentos, portanto, não recebe papel de participante. Vale ressaltar que, no sentido de evento, o papel de participante evocado pode não aparecer mesmo na forma de adjunto ou complemento, sempre que este for tomado por inferência, tal como em (30): (30) Houve muito empurra-empurra na entrada. Ora, nesse caso, o “empurra-empurra” foi “das pessoas que estavam no local”; no entanto, esse preenchimento torna-se desnecessário na medida em que pode ser retomado por inferência. Esse tipo também se enquadra em Goldberg (1995) como argumento nulo definido, pois pode ser retomado pelo contexto, como ocorre também nos exemplos em (31): (31) Quebra-quebra na estação de São Francisco. 107 É um fura-fura desgraçado, até que encontram uma veiazinha no lugar mais improvável, excetuando-se aquele que o caro leitor está imaginando. E não diga que gosta de cafuné não.. que você não vai ter sossego!! Vai ser um alisa-alisa danado!! 4.2 - POLO FORMAL Com base no que foi discutido nos capítulos anteriores, pode-se admitir que a reduplicação de base verbal em português, tema do presente trabalho, é um processo inserido no esquema de composição. Afinal, trata-se de um fenômeno por meio do qual se formam nomes morfologicamente complexos a partir da cópia de uma base verbal, como se vê nos dados em (32), (32) pega-pega, mata-mata, bate-bate, pisca-pisca, esconde-esconde, empurraempurra, quebra-quebra, cai-cai, puxa-puxa etc., o que vem ao encontro dos apontamentos feitos em gramáticas tradicionais sobre o fenômeno, sempre classificado como composição. Essa interpretação, como vimos no capítulo 2, também está em sintonia com as análises desse tipo de nominalização feitas em idiomas como o italiano (THORNTON, 2008). Dessa forma, o esquema geral de composição proposto por Booij (2002, 2005, 2010) é o que mais se ajusta ao caso em questão, muito embora seja importante salientar que a reduplicação pode ser inserida também nos esquemas de prefixação e sufixação, no que diz respeito aos outros tipos apresentados no capítulo 2: reduplicação em hipocorísticos (Fafá, Dedé), na expressão de relações de parentesco (mamãe, titio), no 108 baby-talk (‘papato’, ‘dedera’) e na intensificação (‘bololô’, ‘chororô’). Logo, o esquema geral de composição deve ser inicialmente selecionado para o tratamento do processo. (33) [[X]X[Y]Y]Y [Y com alguma relação com X] Entretanto, com relação especificamente à composição em português, a categoria gramatical resultante do processo será sempre um nome, independentemente da categoria da base. Como se vê nos dados abaixo, extraídos de Gonçalves & Almeida (2013), o resultado da composição é sempre um nome (termo genérico utilizado em referência a substantivos e adjetivos, na esteira de Mattoso Câmara Jr, 1970): (34) [ [porta] V [papel] S] S [ [bate] V [entope] V] [ [água] S [ardente] S [ [surdo] Adj [mudo] Adj ] Adj Adj ] S [ [bolsa] S [ família] S] S [ [seu] Pron vizinho] S ] S [ [mil] Num [folhas] S ] S [ [boa] Adj [vida] S ] S [ [pão] S [duro] Adj ] S Como base nessa observação, Gonçalves & Almeida (2012: 5) propõem o esquema geral de composição em língua portuguesa, atentando à função do processo nesse idioma como formador de nomes:“O esquema dos compostos expressa a generalização de que a composição, independentemente da posição da cabeça lexical, sempre forma nomes em português (daí o subscrito N).” Logo, o esquema geral para a composição em português é apresentado da seguinte forma: (35) [ [X] x [Y] y] N [Y com alguma relação com X] Booij (2010) aborda a existência da reduplicação e elabora propostas para o tratamento do fenômeno. Ele aponta a existência de um tipo de reduplicação em 109 italiano, já comentado em capítulos anteriores, a reduplicação V-V analisada por Thornton (2008). Essa categoria de compostos V-V, que são nomes, tal qual fuggifuggi, “fuja-fuja” em tradução literal, significando debandada, é extremamente produtiva em italiano. Essa observação é importante, já que através dela Booij admite que o processo de composição pode formar nomes a partir de verbos, exatamente o que afirmam Gonçalves & Almeida (2012) e que os leva a (re)elaborar o esquema da composição para o português. Segundo Booij (2010), esse é, na verdade, um exemplo de que compostos exocêntricos podem envolver casos de reduplicação, revelando-se um fenômeno perfeito para uma análise construcional na Morfologia, como os dados que analisamos nesta tese. De acordo com Booij (2010), a reduplicação é um tipo de operação morfofonológica que implica o redobro de peças de informação morfossemântica, podendo ocorrer de forma parcial ou total, como vimos no capítulo 2. Seu significado não será previsível, ou seja, não é possível deduzi-lo através de seus constituintes, pois evoca um significado particular, como a intensidade para nomes reduplicados, como ‘bololô’ e ‘chororô’, e a iteração para os casos de repetição verbal que contemplamos neste trabalho, a exemplo de ‘empurra-empurra’ e ‘esfrega-esfrega’, formas que expressam eventos interpretáveis pela duração, frequência e continuidade. Booij toma o exemplo do afrikaans, uma língua filha do holandês, que possui a reduplicação total como um processo produtivo. Nessa língua, todas as categorias lexicais podem ser reduplicadas e a palavra resultante terá o significado de “aumento”. Nesse caso, se ocorre a reduplicação de um nome plural, o significado do processo será “número considerável”, como apresentado em (36): (36) a. Die kinder drink bottels-bottels limonade 110 A criança bebe garrafas-garrafas limonada “A criança bebe garrafas e garrafas de limonada” b. Bakke-bakke veld-blomme versier die tafels Jarro-Jarro flores-silvestres decoram as mesas “As mesas estão decoradas com vários jarros de flores silvestres” A partir desses dados, Booij (2010) propõe o seguinte esquema para a reduplicação de nomes plurais em afrikaans: (37) [[X]Npl,i [X]Npl,i]Nj ↔ [número considerável de objetosi]j Nesse esquema, os constituintes são coindexados, pois possuem identidade total: são fonologicamente idênticos. Contudo, há muitos casos em que a reduplicação engatilha uma operação fonológica de truncamento, concretizando um redobro apenas parcial, como vimos no capítulo 2. De modo semelhante, o tratamento da reduplicação em afrikaans proposto por Booij pode ser aplicado ao português. Logo, a variável X preencherá o esquema para representar a cópia da base em detrimento do Y no esquema geral de composição. Os índices x e y do esquema geral também serão preenchidos com a categoria da palavrabase do processo, uma forma verbal. Assim, propõe-se a construção de reduplicação de base verbal em português com base no seguinte esquema: 111 (38) [[X]Vi [X]Vi]Nj [reiteração da SEMi]24 Essa construção será o resultado da mescla entre os esquemas gerais de composição no português [[X] x [Y] y] N e de repetição [[X]xi [X]xi]xi (exposta na seção 3.1 deste capítulo), dos quais herda propriedades. No entanto, essa construção se instancia com propriedades particulares, não apenas como a soma das características herdadas dos inputs. Isso pode ser comprovado pela propriedade de intransitividade, que é conferida aos constructos e que será efetivamente analisada na seção 4.3. Prosseguindo à análise, assim como a reduplicação com nomes de ação no italiano anteriormente aludida (THORNTON, 2008), a reduplicação de base verbal em português é um processo por meio do qual se originam nomes a partir de verbos de ação. É preciso definir, no entanto, que forma é selecionada e propicia o processo de nominalização. Masini & Thornton (2007) procuram checar a forma eleita para o desenvolvimento da reduplicação de nomes de ação no italiano. As autoras observam que o input do processo são bases dissilábicas em sua maioria. De acordo com Thornton (2008), esse tipo de reduplicação verbal no italiano obedece a uma restrição prosódica de dissilabicidade, ou seja, as bases desses compostos devem sempre possuir duas sílabas. A autora aponta que todos os dados presentes no corpus obedecem a essa condição, exceto a base arraffa, que possui uma estrutura trissilábica. Isso pode ser explicado pelo princípio da extrametricalidade da vogal inicial. Segundo Plénat (1994): 24 A construção de reduplicação de base verbal também é uma metaconstrução (BOOIJ, 2010), no sentido de que também tem caráter generalizante. 112 “Uma vogal inicial não pode entrar no cômputo das sílabas de uma forma e não pode contar como a extremidade esquerda dessa mesma forma”.25 Thornton (1996) aponta que as bases envolvidas na reduplicação verbal no italiano encerram as características da palavra prosódica mínima, com pés troqueus26 dissilábicos e terminados por vogal. Segundo a mesma autora, essa tendência pode ser constatada, na verdade, na maior parte dos processos de composição verbal no italiano; pode-se notá-la em compostos VN, por exemplo. No entanto, é na reduplicação verbal que se observa essa tendência de maneira mais acentuada. Masini & Thornton (2007) também destacam que bases trissilábicas podem ser encontradas com o detalhe de serem sempre iniciadas por vogal. Nesse sentido, vale lembrar o conceito de extrametricalidade da vogal inicial de Plénat (1994), ou seja, ocorre uma vogal inicial extramétrica, que parece não contar para o número de sílabas da palavra. Essa vogal a- inicial, no caso do italiano, é semanticamente vazia e engatilha a geminação da consoante subsequente. São exemplos desse fenômeno: (39) Input dissílabo Input trissílabo copia Accendi corri Appila mangia Attacca 25 “Une voyelle initiale peut ne pas entrer dans le décompte des syllables dúne forme et ne pas compter comme l’extrémité gauche de cette meme forme” (PLÉNAT, 1994: 239). 26 Pés são unidades prosódicas que compõem a hierarquia mora (), sílaba (), pé () e palavra prosódica ()(SELKIRK, 1980). O pé troqueu pode ser silábico (dissilábico, com proeminência acentual à esquerda e insensível ao peso) ou moraico (sensível ao peso silábico, bimoraico e com proeminência acentual à esquerda) (HEYES, 1991). 113 Há também uma diferença quantitativa marcante entre as formas dissilábicas e as trissilábicas em italiano. Observe o quadro a seguir, retirado de Masini & Thornton (2007: 4): (40) Estrutura verbal da base Compostos VV reduplicativos em italiano 2 sílabas 95,7% 3 sílabas 4,3% No caso do português, é possível perceber também que, fonologicamente, existe uma maior ocorrência de estruturas dissilábicas, como é o caso das formações em (41) a seguir: (41) corre-corre, pega-pega, pisca-pisca, mexe-mexe, pula-pula, quebra-quebra, trepatrepa, bole-bole; treme-treme; mata-mata; pisca-pisca; mela-mela; mija-mija; comecome; troca-troca;beija-beija; luze-luze; ruge-ruge; suga-suga etc. Entretanto, em português, igualmente com menor frequência, também se observam casos de trissílabos e, assim como nos compostos VV italianos, esses são começados por vogal; são casos como esfrega-esfrega e agarra-agarra. Em casos ainda mais escassos estão as ocorrências com monossílabos, como cai-cai. O quadro a seguir, em (42), ilustra o percentual de ocorrências de cada tipo em português de um total de 62 formas reduplicadas investigadas: 114 (42) Estrutura verbal da base Nº de formas recolhidas Percentual em português 1 sílaba 2 3,2% 2 sílabas 42 67,7% 3 sílabas 18 29% Todos os verbos de três sílabas contabilizados no quadro em (42) se iniciam por vogais, a exemplo dos que constam de (43) a seguir. (43) agarra-agarra, empurra-empurra, esfrega-esfrega, acende-acende, entope-entope, ataca-ataca, engasga-engasga, engana-engana, esfria-esfria. Isso demonstra que a condição de extrametricalidade da vogal inicial, válida para o italiano, pode ser aplicada com sucesso também para o português. Tal condição justifica o estranhamento de formações como as listadas em (44): (44) decora-decora, martela-martela, dispara-dispara Thornton (2008) aponta outras características formais dos compostos VV do italiano; dentre elas, as classes flexionais envolvidas no processo. Conforme a autora, o italiano possui três classes flexionais que funcionam como conjugações verbais, pois são baseadas em três vogais temáticas diferentes que aparecem após o radical; são elas (p. 8): 115 (45) Classes Flexionais do italiano ( conjugações) Classe Final do Infinitivo 1ª -are 2ª -ere 3ª -ire Segundo Thornton, a primeira conjugação é a mais regular e produtiva, a segunda é improdutiva e irregular; já a terceira, que pode ser dividida em duas subclasses distintas de acordo com o uso do infixo –isc-, é sensivelmente produtiva e regular. A distribuição da ocorrência dessas classes nos compostos VV é ilustrada da seguinte forma (p.8): (46) Classe Nomes de ação VV em italiano -are 65,2% -ere 26,1% -ire 8,7% Como se pode observar, as classes mais representativas da reduplicação VV em italiano são a primeira e a segunda, muito embora essa última seja particularmente improdutiva e irregular no idioma em questão. Vale lembrar que os nomes de ação, 116 assim como em português, são resultado de um processo de lexicalização, com verbos usados na fala e na forma de imperativo (no caso do italiano), como debatido no capítulo 2. Em língua portuguesa, a reduplicação de base verbal possui um maior número de ocorrências na primeira conjugação (quebra-quebra); a seguir, vêm a segunda conjugação (bate-bate) e a terceira (cai-cai) com um número de ocorrências idêntico em um total de 62 dados recolhidos. (47) Conjugação Nº de formas recolhidas em Percentual português -ar 44 71% -er 9 14,5% -ir 9 14,5% Como a reduplicação de bases verbais é governada por condições prosódicas, as sílabas finais só não são abertas quando a forma verbal é monossilábica, a exemplo de ‘sai’ e ‘cai’, formas em que a rima silábica é bifurcada em núcleo (a vogal [a]) e coda (a semivogal [j]). É por esse motivo, portanto, que verbos de terceira conjugação não constituem as melhores bases para o processo: o fenômeno proíbe dissílabos terminados em sílabas pesadas, já que, nesses casos, não se formaria um único pé trocaico, vindo, daí, o estranhamento de formas como as listadas em (48): (48) atrai-atrai; esvai-esvai; retrai, retrai. 117 Como o processo forma palavras mínimas, também são descartadas bases verbais oriundas de nomes, como as derivadas em -ar (‘negociar’), -izar (‘fertilizar’) e -ificar (‘fortificar’). Do mesmo modo, nenhuma base parassintética (‘enriquecer’, ‘adocicar’) pode servir de input à formação, já que, por seu tamanho, não caberiam no molde. Portanto, o verbo utilizado na reduplicação tem de ser simples, isto é, não pode ser morfologicamente complexo. Outra característica estrutural desse tipo de formação em português é a seleção de uma forma que coincide com o tema verbal, a terceira pessoa do singular do presente do indicativo, base para o processo de cópia que a reduplicação demanda. O que torna essa base perfeita para sofrer o reenquadre na classe dos nomes é o fato de ser destituída das marcas verbais de modo-tempo e número-pessoa. Sendo assim, revela-se como uma forma não marcada em língua portuguesa e é exatamente essa característica que propicia a reinterpretação do verbo como substantivo. 4.3 – A REDE CONSTRUCIONAL A reduplicação de base verbal é, portanto, um fenômeno que requer uma análise que dê conta de seus aspectos formais e semânticos. Do ponto de vista do significado, a forma final substantiva indica sempre aspecto iterativo, o que parece bastante coerente, já que o processo tem como base verbos. O significado lexical do verbo é canalizado para a forma substantiva, mas é reanalisado para indicar iteratividade, repetição, ou seja, a ação sugerida pelo verbo executada repetidamente, com frequência e habitualidade. É importante ressaltar que a propriedade de reiteração já é herdada do esquema de repetição [[X]xi[X]xi]xj e é expressa na construção de reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj. O evento evocado por essa repetição é nomeado pela própria base verbal repetida e 118 reinterpretada metaforicamente como substantivo, nesse caso. Ainda, o processo pode levar à reinterpretação metonímica do significado, estendendo-se da nomeação de eventos (escaneamento sequencial) para coisas (escaneamento resumitivo), como acontece com “pega-pega”, nome de uma brincadeira que consiste em pegar outra pessoa repetidamente. Logo, o caminho para a elaboração da rede construcional de reduplicação de base verbal em português, como apontado na seção 4.2, começa pela mesclagem dos esquemas gerais de composição em português [ [X] x [Y] y] N e de repetição [[X]xi[X]xi]xj. A estrutura emergente dessa mesclagem é uma construção de reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj, que herda propriedades dos inputs, mas realiza-se como uma construção particular, isto é, não é apenas a soma das partes, já que apresenta novas propriedades. A seguir, a figura em (48) ilustra o processo de mesclagem desses esquemas. 119 (49) Como ilustrado em (49), as propriedades nome, gênero masculino, reiteração semântica e duas bases idênticas são herdadas dos esquemas gerais – as duas primeiras da construção de composição e as últimas, da construção de repetição. Contudo, os constructos também herdarão da construção de reduplicação a propriedade de intransitividade, uma construção nominalizadora na língua, mesmo em se tratando de bases verbais. Esse tipo de construção propiciará a instanciação de constructos com argumentos nulos (GOLDBERG, 1995), que, tal qual a discussão na seção 4.1, poderão ser definidos, retomados pelo contexto por meio da evocação dos papeis temáticos 120 atribuídos pela construção do verbo-base do processo, ou indefinidos, apagados e sem referência contextual. Dessa forma, a primeira parte da rede construcional pode ser ilustrada: (50) É a partir da construção de reduplicação que serão instanciados os constructos com significado de evento e coisa. Nesse ponto, uma construção verbal é selecionada na língua e unificada (BOOIJ, 2010) à meta-construção de reduplicação; os constructos resultantes herdarão propriedades de ambos os esquemas unificados. As propriedades herdadas da construção verbal serão o preenchimento fonológico (terceira pessoa do singular do presente do indicativo) e frame verbal; as da meta-construção são aquelas anteriormente apontadas no quadro (49), presentes no blend: aspecto iterativo e propriedade de cópia. Essa unificação é apresentada em (51): (51) 121 Logo, dando sequência à análise, a reduplicação de base verbal é formada por meio da repetição de uma base na terceira pessoa do singular do presente do indicativo que, por esta ser desprovida de desinência modo-temporal e desinência número-pessoal, é uma forma menos marcada em português. Isso corresponderia, numa análise estruturalista, à proposição de dois zeros morfológicos para formas verbais como mexe, come, canta, puxa, sai etc. Por ser não marcada, a forma de terceira pessoa do singular equivale formalmente ao tema verbal: constituinte morfológico despojado de qualquer marca flexional. Além disso, o presente do indicativo também é não marcado do ponto de vista semântico, já que é o marco zero da enunciação, mais neutro nesse sentido. Logo, o significado veiculado pelo verbo utilizado como base do processo é repassado para a construção de reduplicação, na forma de SEM (abreviação de semântica), reinterpretado, na proposta de Gonçalves & Almeida (2013), como o frame evocado pela palavra-base. Os autores entendem, com Fillmore & Atkins (1992: 76), que palavras e significados de palavras não são relacionados uns aos outros diretamente, palavra a palavra, mas somente por meio das associações aos frames de base compartilhados e das indicações da maneira pela qual seus significados destacam elementos específicos de tais frames. Outro ponto importante, nesse caso, é que a base verbal será sempre acionada intransitivamente, dado o caráter genérico da construção de reduplicação de base verbal, o nó dominante. Trata-se, portanto, de um verbo que veicula ação e que, para selecionar eventos e, por extensão, coisas, é acessado intransitivamente, destituído de carga argumental. Isso leva a um caráter mais genérico, propício à criação de substantivos por meio de instanciação. No entanto, tal carga argumental vai se encontrar em um nível mais baixo e pode ser acionada por default, daí a possibilidade de preenchimento pela evocação de papeis temáticos. 122 Nesse momento, os constructos nominais com o significado de evento e coisa são instanciados. Entretanto, como já foi anteriormente discutido, a primeira releitura do item se dá no campo da metáfora, ao se ampliar o significado, “puxando-o para cima” (SOARES DA SILVA, 2006) na categoria de nome; é somente após essa releitura mais sequencial (escaneamento sequencial), nos moldes de Langacker (1987), que se torna possível a reinterpretação metonímica (escaneamento resumitivo), restringindo o significado nomeador de evento e “puxando-o para baixo”, ainda nos termos de Soares da Silva (2006). Dessa forma, todos os casos desse processo passam pelo significado de evento para, em seguida, nomear coisas. No entanto, muitas vezes, a fixação do significado metonímico é tamanha que torna o significado anterior pouco usual, o que pode levar a uma conclusão equivocada de não haver passado pela primeira fase de releitura metafórica, como acontece com os exemplos em (52), quase sempre interpretáveis como coisas: (52) bate-bate, pula-pula, pisca-pisca, mata-mata, cai-cai No entanto, a esmagadora diferença dos números de ocorrências entre evento e coisa, apresentada na seção 4.1, comprova que o sentido de evento, tomado por metáfora, é de fato o mais básico do processo, já que responde por 95% dos dados (contra 42% dos dados que manifestam a acepção de coisa). Dessa forma, com base na discussão encaminhada ao longo do capítulo, são propostas duas construções morfológicas para a reduplicação de base verbal que, por meio de uma relação de instanciação27, herdam características das construções 27 Como vimos no capítulo 2, a ligação por instanciação ocorre quando uma determinada construção é a instância da outra, com alguns elementos especificados, isto é, requer que uma construção seja aberta a ponto de permitir que demais construções surjam a partir da especificação de seus elementos. 123 anteriores. A primeira surge com um significado mais básico e abstrato, relacionado à reinterpretação metafórica iterativa, e nomeia eventos, como ‘agarra-agarra’ e ‘ entopeentope’. (53) [[P3 ind. pres.]Vi [P3 ind. pres.]Vi]Nj [evento] A segunda construção é uma extensão semântica da primeira; portanto, nesse caso, a ligação se dá por polissemia (GOLDBERG, 1995)28. Nela ocorre, por meio de metonímia, uma releitura significativa que leva a um significado mais específico nomeador de coisa, a exemplo de ‘mija-mija’ (limpador de para-brisa), ‘treme-treme’ (um prédio) e ‘trepa-trepa’ (um brinquedo). (54) [[P3 ind, pres,]Vi [P3 ind. pres.]Vi]Nj [coisa] Contudo, devido às diferenças sintático-semânticas entre as duas formas, o fenômeno configura-se como um caso de heterossemia (LICHTENBERK, 1991). Como destacado anteriormente, ambos os casos se encaixam no conceito de argumento nulo de Goldberg (1995); entretanto, existem algumas diferenças: para o nome-evento, nos quais é possível evocar os papéis temáticos da construção do verbo-base, que potencialmente possui argumento, funcionando como adjunto adnominal ou complemento nominal, casos de argumento nulo definido; ao contrário, o nome-coisa não permite essa leitura, pois sua fixidez como nome se completou totalmente; logo, esse é um caso de argumento nulo indefinido. Nesse sentido, vale lembrar que alguns casos encontram-se no limiar do processo de lexicalização, ou seja, em alguns casos 28 Também no capítulo 2, frisamos que a ligação por polissemia estabelece uma relação entre o sentido específico de uma construção e sua extensão presente em outra. 124 pode ser difícil inclusive determinar se o significado é de evento ou de coisa e, portanto, os papeis temáticos podem não ser evocados, muito embora o nome tenha mais característica de evento do que de coisa. Tal situação foi exemplificada na seção 4.1 com o composto cai-cai. O esquema a seguir ilustra a instanciação e ligação entre esses dois constructos: (55) A rede construcional a seguir, em (56), ilustra a trajetória percorrida pelo processo até chegar aos nomes reduplicados: 125 (56) Como se pode perceber, cada construção herda características de uma outra de nível mais alto. No topo da rede, destacam-se os esquemas construcionais da composição em português, proposto por Gonçalves & Almeida (2012), [ [X] x [Y] y] N [Y com alguma relação com X], e de repetição [[X]xi[X]xi]xj [reiteração da SEMx]. Esses esquemas instanciam a construção de reduplicação de base verbal [[X]Vi [X]Vi]Nj [reiteração da SEMi], que é unificada com a construção de verbo [V]vi [3ª. p. pres. ind.]. O aspecto iterativo é herdado da construção de repetição. Dessa forma, instancia-se a construção nomeadora de eventos [[P3 Ind. Pres]Vi [P3 Ind. Pres]Vi]Nj [evento] e, na sequência, em uma releitura metonímica do item, [[P3 Ind. Pres]Vi [P3 Ind. Pres]Vi]Nj [coisa], levando a um resultado heterossêmico para o processo como um todo. 126 A seguir, será apresentado um exemplo de uso de uma palavra reduplicada e, na sequência, uma rede construcional preenchida será analisada, ilustrando como se dá o processo de cópia,. (57) Tô cansada de no Carnaval passar por todo [aquele esbarra-esbarra]! (58) Em (58), o verbo “esbarrar” é selecionado e passa por herança o frame de “esbarrar” para o constructo instanciado. Observa-se também, nessa rede construcional, que o constructo de evento já está preenchido com a P3 do verbo “esbarrar” do Ind. 127 Pres. (presente do indicativo). Nesse caso, o escaneamento sequencial leva ao significado de “esbarrar repetidas vezes”. Não ocorre nesse exemplo o escaneamento resumitivo com significado de coisa, pois ‘esbarra-esbarra’ só nomeia o ato de esbarrar com frequência e intensidade. A propriedade de intransitividade é herdada da construção de reduplicação e, como resultado, o nome-evento pode ser instanciado destituído de argumentos. Em (58), existe uma inferência a ser feita para essa sentença, o esbarra-esbarra se dá claramente entre pessoas. Logo, o papel de agente é evocado da construção verbal e esse é um exemplo de argumento nulo definido. O significado é de evento, resultante de uma releitura metafórica da ação expressa pelo verbo. Em seguida, mais duas redes construcionais serão exploradas em apenas uma sentença, o caso de “espreme-espreme” e “corta-corta”. (59) Pegue dois limões e um espremedor. Antes de começar [o espreme-espreme], rola [um corta-corta]. 128 (60) 129 (61) As redes em (60) e (61) apresentam a trajetória para a formação dos compostos Vi-Vi “espreme-espreme” e “corta-corta”, respectivamente. O constructo instanciado, resultado da unificação das construções de reduplicação e de verba, é preenchido pela P3 Ind. Pres.; nesses casos, os verbos “espremer” e “cortar” são selecionados e levam seu frame para a construção, que já atribui caráter iterativo ao nome-evento. O escaneamento, nesses casos, também é sequencial e não chega ao significado de coisa por meio de escaneamento resumitivo. Portanto, o único significado veiculado é o do evento com a ideia de “espremer ou cortar repetidas vezes”. Na sentença em (59), é possível retomar o papel de participante que é evocado pela construção verbal, o de 130 paciente. Ora, nesse caso, ocorre um espreme-espreme e um corta-corta dos limões; o argumento é nulo definido, pois é facilmente identificado no contexto. Na rede construcional em (63) é ilustrada a formação do composto “pingapinga” exemplificado em (62). (62) Evento [Pinga-pinga do ar-condicionado]. Dicas para que o seu ar-condicionado não incomode os vizinhos com as goteiras. Coisa [Viagem em pinga-pinga]. Ônibus é um transporte que é coletivo do povo. Viaja todo tipo de pobre: velho, jovem e menino novo. Motorista dê uma parada que vai subir mais gente de novo! 131 (63) Em (62), o verbo “pingar” é selecionado é confere o sentido de “gotejar” ao nome-evento, que também herda a propriedade de intransitividade da construção de reduplicação, doando a característica de argumento nulo para os constructos. Logo, o nome-evento será composto pela repetição do tema verbal e terá o sentido de “pingar repetidas vezes”. Nesse caso, ocorre a extensão de significado e o escaneamento deixa de ser sequencial para se tornar resumitivo, determinando, por meio de metonímia, o sentido de coisa (tipo de ônibus) para o vocábulo reduplicado em questão, que, por sua 132 vez, apresentará alta fixidez de significado. Com relação à acepção de evento em (62), o papel semântico de causa (desencadeador da ação, sem controle) é evocado da construção verbal e realizado como um adjunto adnominal, do ar-condicionado; temos a ocorrência de um argumento nulo definido. Já na acepção de coisa, pinga-pinga é um nome que se dá a um tipo de ônibus; logo, pode vir a funcionar inclusive como adjunto. Mas, nesse caso, nenhum papel de participante pode ser evocado, pois o processo de nominalização já chegou ao fim. Dessa forma, temos um caso de argumento nulo indefinido. Logo, obtém-se a formação de compostos heterossêmicos, já que apresentam diferenças em suas características semântico-sintáticas. O próximo caso analisado é o de “bate-bate”. (64) Evento “Com seus copos de bebida na mão, no máximo arriscavam um tímido mexer da cabeça, acompanhando [o bate-bate do compasso]”. Coisa “[Carrinho de Bate-Bate]. Tente evitar as colisões laterais com os carrinhos... para começar o jogo, clique em jugar. Fuja o máximo possível”. 133 (65) Em (65), o verbo selecionado é “bater”. Dessa construção verbal será herdada a ideia de ”colidir”, enquanto da construção de reduplicação serão herdadas a propriedade de intransitividade, responsável por apagar os argumentos de qualquer verbo que venha a se unificar com esse esquema, e iteratividade. Na sequência, um constructo é instanciado e preenchido formalmente pela forma da terceira pessoa do singular do presente do indicativo e, portanto, não-marcada, como já explicado anteriormente. Semanticamente, o sentido do evento será “bater repetidas vezes”, nome resultante de um escaneamento sequencial. Por extensão semântica, um segundo constructo ocorre na 134 rede, com o significado de coisa. O nome-coisa é o resultado de um escaneamento resumitivo da conceptualização e o significado é “puxado para baixo” por meio de metonímia, garantido fixidez significativa. Em (64), na expressão destacada [o batebate do compasso], o nome-evento é núcleo e vem acompanhado pelo adjunto adnominal do compasso. Ora, tal Sprep é, na verdade, uma evocação do papel de participante de agente evocado pela construção verbal; logo, esse é um caso de argumento nulo definido. Ao contrário, o nome-coisa, na expressão [Carrinho de Batebate], exerce a função de adjunto adnominal, mas não pode evocar nenhum papel semântico por ter chegado ao ápice do processo nominalizador, com alta fixidez de significado. Esse é um caso de argumento nulo indefinido. Portanto, mais uma vez, o resultado do processo reduplicativo é a formação de compostos heterossêmicos na língua. Dando sequência à análise, mais um caso será exemplificado, “puxa-puxa”. (66) Evento “Aquela brincadeira que você pega do lado de um brinquedo (pode ser uma toalha), o cachorro do outro e fica [aquele puxa-puxa sem fim]”. Coisa “[Calda puxa-puxa de chocolate]. Tipo de Cozinha. Caseira. Categoria. Sobremesa, Doce”. 135 (67) Em (67), o verbo “puxar” é selecionado e, por meio da unificação com a construção de reduplicação, manifestará o aspecto de iteratividade para o constructo. Devido ao seu caráter nominalizador, a construção de reduplicação passará a propriedade de intransitividade para esse constructo; logo, o nome-evento resulta na repetição do tema verbal, como base, destituído de qualquer argumento. Semanticamente, portanto, esse nome-evento significa “puxar repetidas vezes”. Nesse caso, o evento nomeado se desdobra no tempo devido ao escaneamento sequencial de que é fruto. Isso leva ao nome a possibilidade de evocar um papel de participante da construção verbal; é o que ocorre em (66). Em [aquele puxa-puxa sem fim], puxa- 136 puxa funciona como núcleo da expressão, mas o papel semântico de tema pode ser evocado e retomado pelo contexto. Ora, é um puxa-puxa de toalha, como apontado em outra parte da sentença. Isso revela que o argumento, nesse caso, é nulo e definido. Além disso, ocorre, ainda, uma extensão semântica de evento para coisa nessa rede. No sentido de coisa, ocorre o escaneamento resumitivo do item lexical e, portanto, não se apresenta o desdobramento temporal. Logo, em (66), o vocábulo reduplicado puxapuxa pode assumir a função de determinante, atuando como adjunto adnominal do núcleo calda, como ocorre em [Calda puxa-puxa de chocolate]. Nesse caso, nenhum papel de participante pode ser evocado, já que o processo nominalizador chegou ao seu estágio final e o significado se tornou muito fixo. Temos, portanto, um caso de argumento nulo indefinido. Dessa forma, ocorre heterossemia nos dados, já que as construções resultantes do processo apresentam mudança tanto de características sintáticas quanto de significado. 5. CONCLUSÃO Neste trabalho, foi analisado o fenômeno da reduplicação de base verbal em português (bate-bate, esconde-esconde, molha-molha, puxa-puxa, pisca-pisca, esbarraesbarra, mela-mela, tosse-tosse etc) com base no modelo teórico da Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2007, 2010). A reduplicação de base verbal é um processo que forma nomes a partir de bases verbais por meio de lexicalização (LEHMANN, 2002). A Morfologia Construcional é um modelo desenvolvido por Booij a partir dos estudos de Goldberg (1995) e, por isso mesmo, caracteriza-se pela utilização da noção de esquema em detrimento da de regra. Nesse sentido, o referido modelo apresenta vantagens, sobretudo porque o esquema é duplamente orientado, tanto para o input quanto para o output, enquanto regras orientam-se apenas para o input. Com base no conceito de esquema, portanto, Booij propõe a existência de construções gramaticais nas línguas que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. Esses esquemas construcionais envolvem sequências fonológicas e categorias lexicais, representadas por meio das variáveis X e Y, tais como [[X]X][Y]Y]Y (composição), [[X]XY]Y (sufixação), [X[Y]Y]Y (prefixação). No caso da reduplicação de base verbal, o esquema geral selecionado para o processo é o da composição [[X]X][Y]Y]Y. No entanto, esse esquema precisa ser adequado às características da língua portuguesa e é com base nessa necessidade que Gonçalves e Almeida (2012) propõem o esquema geral de composição em português [[X] x [Y] y] N. Esse esquema geral é mesclado ao esquema de repetição na língua [[X]x[X]x]x e a estrutura emergente resultante é a construção de reduplicação [[X]Vi [X]Vi]Nj. É importante ressaltar que a mescla construcional já havia sido proposta por Fauconnier & Turner (1996) e Mandelblit (1997). Por sua vez, a construção de reduplicação é unificada a uma construção verbal [V]vi e instanciará o constructo [[P3 138 Ind. Pres.]Vi [P3 Ind. Pres.]Vi]Nj. Nesse caso, a base presente no constructo é a terceira pessoa do presente do indicativo (segmento fonológico herdado da construção verbal) por ser idêntica ao tema verbal, uma forma não-marcada na língua, destituída das marcas de modo, tempo, número e pessoa. O sentido aspectual de iteratividade é herdado da construção de repetição e se associa à própria construção de reduplicação. Outra propriedade dessa construção é a intransitividade: os verbos são nominalizados e seus complementos argumentais, apagados. No polo semântico do processo, dois significados emergem acompanhados de características sintáticas diferentes para cada um deles. É exatamente essa mudança semântico-sintática que caracteriza o fenômeno da heterossemia (LICHTENBERK, 1991). O significado mais básico é o de evento, como em pisca-pisca significando simplesmente “piscar repetidas vezes”. Nele, ocorre uma reinterpretação metafórica da ação expressa pelo verbo; por isso mesmo, o escaneamento envolvido nessa conceptualização é sequencial (LANGACKER, 1987), isto é, o evento se desdobra no tempo. Na sequência do processo, ocorre uma extensão semântica e o significado se torna mais fixo como coisa (pisca-pisca como luzes de Natal) em um escaneamento resumitivo do item lexical. Nesse caso, o nome é acessado estaticamente. A reinterpretação que leva ao nome-coisa é feita por meio de metonímia. Essas diferenças de sentido são acompanhas também por diferenças sintáticas: o nome-evento admitirá argumentos nulos definidos (GOLDBERG, 1995), que podem ser retomados pelo contexto por meio da evocação do papel de participante da construção verbal; o nome-coisa não admite essa evocação, tendo argumentos nulos indefinidos. Logo, a reduplicação de base verbal resulta em palavras heterossêmicas em português. Contudo, é importante destacar que alguns casos podem apresentar certa dificuldade 139 para se enquadrar totalmente como evento ou coisa, a exemplo de cai-cai, que causa ambiguidade, pois não se sabe se a referência é apenas à “repetição do ato de cair” ou uma nomeação tal qual o caso do jogador de futebol. Esses casos podem ainda veicular o sentido de evento, por exemplo, e não admitir argumentos nulos definidos. Tais dados podem caracterizar casos de fronteira em meio a graus de lexicalização, isso apontaria para a existência de um continuum evento-coisa no processo de reduplicação em português. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, L. R. & GONÇALVES, C. A. V. ;. Análise da reduplicação em dados de aquisição: uma abordagem otimalista. In: VIII Congresso Nacional de Filologia e Lingüística, 2005, Rio de Janeiro. Questões de morfossintaxe. Rio de Janeiro : CiFeFil, 2004, v. 8, p. 45-53. ARAÚJO, G. Processos morfológicos marginais no português brasileiro: truncamento e reduplicação. Comunicação apresentada no Colóquio Acento em Português. Campinas: UNICAMP, 2000, mimeo. ANDERSON, S. A-morphous Morphology. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. ANDO, Z. K. Gramática da língua japonesa. São Paulo. 1957. ARCHANGELI, Diana & PULLEYBLANK, Douglas Grounded phonology. Cambridge, MA: MIT Press. 1994. ARONOFF, Mark. Word formation in generative grammar. Linguistic Inquiry Monograph 1. 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Amassa amassa do fundão Após a entrega da prova de Arte (no último horário), a galera começou a resenhar se jogando um em cima do outro, pense que ficaram mais de 12 pessoas amontoadas no fundo da sala. 5) Evento Arranha-arranha 151 Graças a Deus não aconteceu nada com elas pois elas estavam muito longe e nem conseguiram ver o palco....mas em compensação...disseram que foi um empurraempurra, um arranha-arranha que só Deus e ainda naquele calor, aff... 6) Ataca-ataca Evento E de repente, foi aquele ataca-ataca na mesa de doces. Um horror! 7) Bate-bate Evento “Com seus copos de bebida na mão, no máximo arriscavam um tímido mexer da cabeça, acompanhando o bate-bate do compasso”. Coisa “BATE-BATE aquático. Bumper Boat é a versão aquática do carrinho bate-bate”. “Carrinho de bate-bate do parque de diversões solta e acidenta menino de 7 anos”. “Carrinho de Bate-Bate. Tente evitar as colisões laterais com os carrinhos... para começar o jogo, clique em jugar. Fuja o máximo possível”. “BATE-BATE. Bebida feita com cachaça, açúcar e limão, ou maracujá”. 8) Beija-beija Evento Agora vai terminar a dança do beija-beija Agora vai terminar a dança do beija-beija Já misturamos o beijo com a viola sertaneja Troca incessante de beijos: Ficaram no beija-beija até de manhã. 9) Bole-bole Evento Dança do bole-bole 152 É uma dança nova Que bole, bole, bole, bole! No mexe mexe, no bole bole Seu corpinho mole chega pra abalar Eu fico pensando se pode ou não pode Você no pagode chegar devagar. 10) Cai-cai Evento A unção do cai-cai iniciou-se com o americano Randy Clark, que foi ordenado pastor em 1950. Segundo alguns relatos, ele recebeu uma profecia que afirmava que através de sua vida e ministério pessoas seriam derrubadas no Espírito. Coisa Fama de "cai-cai" vira brincadeira com Neymar no Twitter; veja frases mais engraçadas. 11) Canta-canta Evento “Eles ficam nesse canta-canta e não fazem nada.” 12) Cheira-cheira Evento Assim que ele entra é logo cercado por outros cães que começam a cheirá-lo e o novo visitante fica estático, sem se mover, isso quando é um cão calmo e receptivo. Depois as posições se invertem e começa um cheira-cheira danado. 13) Evento Cisca-cisca 153 Mas lembro que lá em casa era bem agitado sempre... um cisca-cisca danado quase o dia todo... só parávamos mesmo prá dormir... e olhe lá !!! Coisa Como dizem os meus amigos gaúchos, vocês contrataram um eterno reserva, um ciscacisca. Quando não tem ninguém perto dele, às vezes acerta um bom passe, pois enfiou uma boa bola para o Lucas e só, muito pouco. 14) Coça-coça Evento Coça-coça. Seu cão ou gatinho se coça demais em partes do corpo como patas, orelhas e olhos? 15) Cola-cola Evento Apesar de achar incrível o efeito dos cílios postiços não tenho tanta paciência pra usálos sempre. Os postiços bons custam caro e sempre que vou reutilizá-los não vingam tão bem como na primeira vez. Além do mais é um cola-cola e melequeira sem fim (nada prático). 16) Come-come Evento A maior sacanagem cometeram com a Isolina, aquela solteirona assanhada que cantava tudo que é homem e acabou a novela sem ninguém tê-la "comido", justo numa novela que, desde o início, foi um "come-come" adoidado. Coisa Todos conhecem o famoso Pacman, vulgo come-come. Basta comer as bolinhas e escapar dos inimigos. Trenzinho Come Come - Buffet infantil, trenzinhos para qualquer evento. 154 17) Corre-corre Evento “No corre-corre cotidiano, ás vezes nos esquecemos dos elementos mais importantes da vida.” “Nutrologia Café-da-manhã: combustível para o corre-corre do dia”. “Eu sei que foi um corre-corre danado O ano inteiro eu passei sem dinheiro”. “Corre-corre por prêmios Na crise, crescem os estímulos para vendas de lojistas e corretores”. “Oi, Perolita, no corre-corre enlouquecido dessa semana sãopaulina, não consegui estar com o teu noivo”. 18) Corta-corta Evento Pegue dois limões e um espremedor. Antes de começar o espreme-espreme, rola um corta-corta. Há no mercado vários outros modelos, alguns com design moderno. 19) Cospe-cospe Evento Cospe-cospe Se você já jogou futebol por um longo tempo, com certeza já sentiu que a boca fica mais "molhada". Mas por quê? Fácil de explicar. Coisa O cospe cospe tirou o chinelo Havaiana cuspiu pisou no cuspe 155 calçando o chinelo novamente se foi. 20) Empurra-empurra Evento Confusão e empurra-empurra no final dos treinos abertos do UFC em São Paulo nesta quarta-feira. Houve muito empurra-empurra na entrada. Graças a Deus não aconteceu nada com elas pois elas estavam muito longe e nem conseguiram ver o palco....mas em compensação...disseram que foi um empurraempurra, um arranha-arranha que só Deus e ainda naquele calor, aff.... 21) Escova-escova Evento Olá meninas, fim de ano chegando e todo mundo se arrumando para as festas de fim de ano,e um escova-escova daqui,um prancha-prancha dali,tudo isto e bom não é? 22) Engana-engana Evento A educação nunca foi prioridade em nenhum governo sempre é um engana-engana ou seja o governo faz de conta que paga um bom salário ao professor ,o professor faz de conta que ensina. Coisa Chamo de engana-engana aquele tipo onde uma pessoa finge ser competente para a organização (e o pior, o chefe acredita). O engana-engana não é que um engana o outro, mas a própria pessoa engana o seu chefe e engana a si mesma. 23) Evento Engasga-engasga 156 Um comer de poucos segundos, num engasga-engasga tragicômico. Nem de papo cheio sossegava o pito. Coisa Afinal o que era o engasga-engasga? Nada mais que uma farsa arquitetada e executada por um grupo de oficiais da reserva não remunerada, interessados em arranjar um emprego e a policia era o local ideal para pleitearem uma colocação estável e garantida. 24) Entope-entope Evento Pobre se contenta com tudo até com biscoito mata fome, bulacha sete capa e sequilho entope-entope, ainda bem que sou rica! 25) Esbarra-esbarra Evento Tô cansada de no Carnaval passar por todo aquele esbarra-esbarra! Insuportável o shopping, um esbarra-esbarra chatésimo! Nos sábados passados foi bem mais tranquilo. 26) Esconde-esconde Evento De toda a prova apenas um não escondeu o jogo. Foi o canadense Pascal Wollach que ficou com o 2º tempo da prova com 55:69 e fez sua melhor marca pessoal. O resto foi um esconde-esconde geral. Até mesmo Peter Marshall, o primeiro tempo de hoje, 55:09 está longe de ser sua melhor marca. Coisa Veja como inovar no jogo do Esconde-Esconde, que pode ser jogado por crianças a partir dos 2 anos de idade. 27) Esfrega-esfrega 157 Evento Na perninha esfrega Na boquinha esfrega na carinha esfrega e assim é a dança do esfrega esfrega que anda praí. 28) Esfria-esfria Evento Você fica nesse esfria-esfria que não termina nunca! 29) Espirra-espirra Evento Mas é um espirra-espirra por toda parte que parece mais uma epidemia. A turma do espirra-espirra não suporta a presença do bolor. 30) Espreme-espreme Evento Atenção galera vocês já podem aprender o samba exaltação do Espreme-Espreme. Pegue dois limões e um espremedor. Antes de começar o espreme-espreme, rola um corta-corta. Há no mercado vários outros modelos, alguns com design moderno. 31) Estica-estica Evento Meu cachorro faz um estica-estica igual o de toy story. 32) Funga-funga Evento 158 É, a coisa tá feia por aqui. As nossas 5 bonecas estão super gripadas. É um funga-funga danado. 33) Fura-fura Evento É um fura-fura desgraçado, até que encontram uma veiazinha no lugar mais improvável, excetuando-se aquele que o caro leitor está imaginando. 34) Gira-gira Evento Um poema de louvor à criação, que faz da sequência um gira-gira pelo mundo e pelo tempo, em um colorido sugestivo e inspirador. 35) Lambe-lambe Evento A superlotação felina em casa prejudicou o dengo do nico, não posso mentir. Mas o pequeno não resiste muito. Ele faz charme por alguns dias e logo depois ele mia baixinho e sai lambendo geral da casa. Esta semana tá um lambe-lambe danado! Coisa O lambe-lambe basicamente é um poster de papel colado com cola, geralmente em muros e postes. O fotógrafo lambe-lambe ou fotógrafo à la minute, também conhecido como fotógrafo de sapateria, por utilizar muitas vezes um sapato para o fundo das fotos, é um profissional em extinção. 36) Liga-liga Evento 159 Achei lindoo a expectativa de vocês, enquanto eu morria de ansiedade de um lado, vocês morriam do outro! kkk Era um liga-liga, um trocado de mensagem naquele facebook que só me deixava mais feliiz ... 37) Luze-luze Coisa Dicionário dos Sonhos - interpretação de sonhos com luze-luze & significado dos sonhos com luze-luze. Luze-luze. O mesmo que pirilampo. 38) Mata-mata Evento “Mata-mata entre gangues” Valéria Biembengut [29/06/2006]”. Coisa “O mata-mata decisivo, com jogos de ida e volta, começa com 32 equipes.” “Não sofri nenhum ataque de coração e assisti a um jogo de mata-mata”. 39) Mela-mela Evento Foi o sinal de ataque de um mela-mela terrível. Levei um banho de talco e de farinha de trigo. Fiquei branco. Espanei-me do jeito que pude! Coisa O Mela-Mela incontestavelmente é o lado doce e irreverente da folia macauense numa combinação perfeita com o estilo único e marcante da banda potiguar. 40) Mexe-mexe Evento 160 No mexe mexe, no bole bole Seu corpinho mole chega pra abalar Eu fico pensando se pode ou não pode Você no pagode chegar devagar. Coisa O jogo proposto pelo fabricante, é o nosso "Mexe-mexe" (regras abaixo). Acabei comprando um jogo destes, apesar de saber que um simples baralho poderia substituir o jogo. Mas quero testar a praticidade das fichas, no lugar das cartas. 41) Mija-mija Evento “Eu já estava na fase mija-mija e tinha que ir ao banheiro a toda hora”. Coisa “Porque será que os mija-mija (lava-vidros dos automóveis) ficam sem água sempre quando fazem mais falta?” “O problema está no mija-mija que está para dentro (demais para funcionar correctamente) Tentei ... Agora ando sem mija-mija traseiro”. Mija-mija. Molusco bivalve (Trachycardium muricatum), comestível, da fam. dos cardiídeos, que ocorre na costa atlântica, de concha quase circular e sulcada longitudinalmente; berbigão, rala-coco, tamati [Seu nome advém do hábito de lançar água através dos orifícios sifonados quando se desloca.] “Quanto aos moluscos, temos os berbigões e o mija-mija, como os mais comuns”. 42) Molha-molha Evento A velha bomba d'água ainda existe. Lembro que antigamente transitávamos desconfiados com medo do molha molha. Hoje eles que têm medo. 161 43) Pega-pega Evento Tudo bem que é super gostoso ficar com pessoas atraentes, interessantes e q às vezes queremos só isso mesmo, sem uma dedicação ou investimento maior... mas às vezes, sinto eu, porém, o que se vê é um pega-pega danado! Coisa O pega-pega ou apanhada é uma brincadeira infantil muito conhecida. Pode ser jogada por um número ilimitado de jogadores e possui inúmeras variantes. Pega-pega, carrapicho, carrapicho-beiço-de-boi, desmódio. Nome científico. Desmodium tortuosum (Sw.) 44) Pinga-pinga Evento Pinga-pinga do ar-condicionado. Dicas para que o seu ar-condicionado não incomode os vizinhos com as goteiras. Coisa Viagem em pinga-pinga. Ônibus é um transporte que é coletivo do povo. Viaja todo tipo de pobre: velho, jovem e menino novo. Motorista dê uma parada que vai subir mais gente de novo! 45) Pisca-pisca Evento A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Coisa 162 Pisca-pisca ou luzes de Natal é um acessório geralmente colocado numa árvore de Natal ou em decoração de casas, de lojas ou empresas, para iluminá-las. 46) Prancha-prancha Evento Olá meninas, fim de ano chegando e todo mundo se arrumando para as festas de fim de ano, e um escova-escova daqui,um prancha-prancha dali,tudo isto e bom não é? 47) Pula-pula Evento Depois de um pula-pula vem o sexo animal. No post anterior, vimos algumas situações aonde engraçadinhos fazem alguma graça na foto alheia. Um desses engraçadinhos, foi um lindo cachorrinho que pulava muito. Ele aparece fazendo “coisas” com a perna de uma mulher. Coisa Aluga-se pula-pula para festas. O pula-pula (Basileuterus culicivorus) é uma ave passeriforme da família Parulidae. Recebe este nome por ser considerado um pássaro inquieto. 48) Puxa-puxa Evento “Aquelas mãos calejadas e grossas eram, no entanto, as mãos da alquimista que com arte, magia e carinho transformava aquele puxa-puxa incessante em serpentes”. “Aquela brincadeira que você pega do lado de um brinquedo ( pode ser uma toalha ), o cachorro do outro e fica aquele puxa-puxa sem fim”. Coisa “Calda puxa-puxa de chocolate. Tipo de Cozinha. Caseira. Categoria. Sobremesa, Doce”. 163 “Sirva às colheradas – fica como puxa-puxa. Leve ao fogo uma rapadura e uma xícara de água e deixe cozinhar”. “Saiba como ganhar minutos todo mês, conheça o PUXA-PUXA. Você indica um amigo, e todo crédito que ele inserir, virá de bônus para você no mês seguinte”. 49) Quebra-quebra Evento Quebra-quebra na estação de São Francisco. Despedida corintiana tem confronto com policiais e quebra-quebra em aeroporto. 50) Rala-rala Evento No samba ela gosta do rala- rala. Me trocou pela garrafa. Não aguentou e foi ralar. Coisa (raspadinha de gelo) Robson, em seu tempo de estudante, comprava religiosamente o rala-rala de todo dia com o seu avô. 51) Risca-risca Evento E de um risca-risca afobado, saiu o desenho do menino. E foi em tempo, pois logo que largou o lápis a mãe veio chamar. 52) Ruge-ruge Evento “O ruge-ruge de um vestido branco, / Que ia e vinha” (Alberto de Oliveira, “Poesias”, 3a. série, p. 119). 53) Sai-sai 164 Evento É um sai-sai da sala de aula que não para! Os alunos não param de entrar e sair... 54) Serve-serve Coisa Aqui na rua tem um serve-serve que é muito bom. Churrascaria serve-serve. 55) Soca-soca Evento São momentos que você quer botar todos em uma arena sem regras, sem piedade,sem consequência e por 5 minutos fazer um soca-soca sem perder a amizade. 56) Sopra-sopra Evento Agora eles estão com um sopra sopra para mandar diabo embora. Não duvido que o Espírito Santo possa agir de maneira que venhamos nos surpreender, mas assim?! 57) Toca-toca Evento Forró do toca-toca E a galera nesse tal de toca toca quero ver você dançando cantando esse refrão. Coisa Peça sua música aqui no Toca Toca e dedique a quem você quiser. 58) Tosse-tosse Evento Quinteto funga-funga e tosse-tosse. 59) Treme-treme 165 Evento Parece que houve um pequeno abalo sísmico em Coreau por volta das 10:00 h deste domingo. Mulher, secretária e crianças disseram ter sentido um barulho estranho juntamente com um treme-treme da casa inteira. Coisa O Edifício São Vito, popularmente conhecido como Treme-Treme, foi um edifício residencial de 27 andares, localizado na Avenida do Estado, número 3 170. A carreta Treme Treme, maior som automotivo do mundo com 1,5 milhão de potência RMS, esteve presente no Autódromo Internacional de Curitiba. 60) Trepa-trepa Evento Olha só, agora existe Forró do Trepa Trepa, É Mole? Coisa Trepa-trepa é um brinquedo encontrado em áreas de recreação infantil principalmente nos que se localizam em áreas abertas. 61) Troca-troca Evento O jornal do troca-troca é o maior e mais tradicional jornal de classificados de São José dos Campos e Região com tiragem mensal de 10 mil exemplares. Troca-troca virtual: livre-se do que não presta e adquira novos objetos. Coisa Evitar o troca-troca não é garantia de que o menino será heterossexual quando for adulto. Também não é porque o menino vivenciou experiências de troca-troca que se tornará homossexual. 62) Vira-vira 166 Coisa Você já viu o Vira-Vira Saraiva? O que é o Vira-Vira? A idéia é bem simples: são 2 títulos reunidos em apenas 1 volume: de um lado vai um título; vira-se e, do outro, há outro título do mesmo autor.