o direito à convivência familiar e comunitária de - Uni

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O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES ABRIGADOS: A GARANTIA
LEGAL SE EFETIVA NA REALIDADE?
Neide Aparecida de Souza Lehfeld – (UNESP – Franca)1
Vanessa de Oliveira - (UNESP – Franca)2
O tema de desse artigo surgiu a partir de questionamentos advindos
do trabalho enquanto assistente social no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, na comarca de Orlândia - SP.
O cotidiano profissional nos levou a problematizar a situação de
diversas crianças e adolescentes que foram privados do convívio com seus
familiares mediante situações de negligência e maus tratos praticados por
membros da família, culminando no acionamento do Conselho Tutelar e o
conseqüente abrigamento, atualmente denominado acolhimento institucional,
de acordo com os preceitos contidos na Lei 12.010/09, conhecida como Nova
Lei da Adoção, mas que de fato propicia maiores garantias ao convívio familiar.
Para falarmos sobre o tema deste artigo, discorreremos brevemente
sobre a história social da criança, que nos mostra que a criança pobre, a
princípio, era responsabilidade da esfera privada, sobretudo da família e da
Igreja e, posteriormente, passou a ser responsabilidade do Estado.
Desde a Idade Média até o Século XIX a criança era reconhecida por
seu caráter incompleto e tratada como pequeno adulto.
O infanticídio era prática comum, cometida por “acidente”, sendo a
forma encontrada pelas pessoas de eliminar crianças indesejadas e frutos de
relacionamentos extraconjugais. O alto índice de mortalidade infantil da época
também era caracterizado pelas precárias condições sanitárias e higiênicas.
A escola era espaço de separação entre adultos e crianças e tinha o
objetivo de oferecer formação intelectual, moral e social às crianças. A
disciplina escolar derivava da disciplina eclesiástica, caracterizando o internato
como a instituição escolar ideal.
877
Após a interposição da autoridade da Igreja, a criança passou a ser
vista como problema social que necessitava da intervenção estatal, através de
medidas que poderiam ocasionar seu afastamento do lar, tornando-se
responsabilidade do Estado, ao passo em que a família era culpabilizada por
não desempenhar a contento a tarefa de “educar e vigiar” os filhos.
Tal como os reformatórios, asilos e hospitais; os abrigos servem para
isolar elementos indesejados na sociedade, prática utilizada desde a Idade
Média, ocultando da sociedade as mazelas produzidas por ela mesma. Nos
abrigos, encontram-se apenas filhos de famílias pobres, vistas como
“problemáticas”, devendo ser mantidas longe dos filhos para o próprio “bem”
deles, tornando os jovens abrigados “órfãos de pais vivos”.
O marco legal do direito à convivência familiar e comunitária, está
embasado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Declaração
dos Direitos da Criança (1959), Carta Magna (1988), Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990) e na Lei 12010/09 – Nova Lei de Adoção e demais
legislações, as quais estabelecem que a família é o lócus indispensável para o
desenvolvimento saudável e proteção de seus filhos.
O art. 226 da Constituição Federal diz que “a família é a base da
sociedade”, reforçando o papel da família na vida de crianças e adolescentes,
sendo estes sujeitos de direitos e pessoas em desenvolvimento. Por
convivência comunitária entendemos o direito da criança em permanecer no
contexto social que lhe é familiar, junto aos colegas de escola, vizinhos,
parentes, padrinhos.
Em consonância às legislações citadas acima, em 2006 foi traçado o
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), que prima pela
proteção social das famílias de origem, visando à implantação de uma política
estatal capaz de enfrentar a histórica condição de abandono de crianças,
adolescentes e suas famílias.
Além dos programas específicos de atendimento a essas famílias, o
PNCFC ainda defende a execução de tarefas estruturais como a estabilidade
econômica com crescimento sustentado, geração de emprego e oportunidade
de renda, combate à pobreza e promoção da cidadania e da inclusão social.
878
Quanto à nossa pesquisa de campo, dados preliminares obtidos no
período de 2005 a 2008, na comarca de Orlândia, apontam significativo
crescimento do número de abrigamento de crianças e adolescentes, sendo o
número mais expressivo ocorrido em 2007 (11 crianças), como podemos
observar pelos dados abaixo:
Faixa Etária por ocasião do abrigamento
-2
NO
nos
-3
anos
005
1
006
2
1
007
4
3
008
3
otal
0
-5 anos
1
4
-7
–9
0 – 11
2 -13
4 – 15
6- 18
anos
anos
anos
anos
anos
anos
1
3
3
2
1
1
1
1
3
1
1
1
0
4
5
2
1
1
7
Quadro 1 – Número de Abrigamento por faixa etária de 2005-2008
Fonte: Cadastro Individual de Criança/Adolescente sob medida de proteção Abrigo 2005-2009
Comarca de Orlândia/SP
A partir do acolhimento institucional de 27 crianças e adolescentes, foi
realizada intervenção interdisciplinar junto a essas famílias e, posteriormente,
12 retornaram ao convívio familiar; 4 foram encaminhados para adoção e 11
permaneceram abrigadas, conforme o quadro abaixo:
Ano
Retorno a
Família
otal
Adoção
Abrigadas
Obs.
2005
01
-
02*
-
2006
02
01
-
-
2007
05
03
03*
2008
04
-
06*
TOTAL
12
04
11
03 crianças em
segundo abrigamento
01 criança em
segundo abrigamento
-
879
Quadro 2 – Situação das crianças e adolescentes na aplicação da medida
protetiva abrigo 2005-2008
Fonte: Cadastro Individual de Criança/Adolescente sob medida de proteção Abrigo 2005-2009
Comarca de Orlândia/SP
* Grupos de irmãos entre dois ou três
Observamos que a motivação apresentada para os acolhimentos
institucionais advém de situações que estão associadas a dois ou mais fatores:
negligência; abandono, violência física, falta de condições sócio-econômicas e
habitacionais, drogadição materna, maus tratos, problemas disciplinares, fugas
do lar, postura omissa dos pais, afastamento da família adotiva.
A institucionalização acontece após intervenção do Conselho Tutelar
que verifica situações que colocam a criança em risco social ou pessoal e,
após tentar colocação em família extensa ou na rede social de apoio (amigos,
vizinhos, padrinhos), encaminha a criança a um abrigo, comunicando o
Ministério Público nas 48 horas subseqüentes.
Com o advento da Lei 12.010/09, ocorreram algumas alterações
importantes no que diz respeito ao acolhimento institucional de crianças e
adolescentes, sendo que o Conselho Tutelar apenas terá autonomia para
encaminhar ao abrigo crianças que estejam em extremo risco social e pessoal,
ou seja, vítimas de abuso sexual e violência física imoderada. Nos demais
casos, o acolhimento institucional somente ocorrerá mediante determinação
judicial, após procedimento judicial contencioso, assegurado aos pais/familiares
à ampla defesa e o exercício do contraditório.
Ressaltamos que o abrigo é medida provisória e excepcional,
conforme parágrafo único do art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA). Medida esta considerada pela Política Nacional de Assistência Social,
em razão da violação de direitos, como ALTA COMPLEXIDADE onde se busca
garantir proteção integral – moradia, alimentação, higienização e outros que se
encontram sem referência e/ou, em situação de ameaça necessitando que a
criança seja retirada de seu núcleo familiar e/ou comunitário. No entanto,
necessita ser avaliada a possibilidade de seu retorno para a família de origem.
Os indicadores de vulnerabilidade presentes na maior parte das
famílias atendidas estão: baixa renda, desemprego, ausência de qualificação
profissional, alcoolismo, drogadição, mercado informal de trabalho, moradias
precárias, reclusão, famílias chefiadas por idosos, subemprego, baixa
880
escolaridade, negligência com idosos e crianças e adolescentes, violência
doméstica, dentre outros.
Observamos que se faz urgente o trabalho sistematizado e em rede
com famílias na comarca de Orlândia na perspectiva da integração e
articulação de ações, além de implantação de políticas públicas que atendam
às necessidades dessas famílias.
A totalidade de crianças e adolescentes abrigados na comarca de
Orlândia advém de classes populares, configurando o abrigo um meio de
promover a inclusão social da criança, embora de forma insatisfatória e
insuficiente para seu desenvolvimento.
O grande paradoxo do abrigamento é, ainda que a pobreza
não possa justificá-lo, é a violação de direitos básicos que, em
geral, por parte do pode público, o gerador da inclusão das
crianças adolescentes e famílias pobres no sistema de justiça.
(GUEIROS, OLIVEIRA, 2005, p.127)
No Judiciário, em ações de pedido de providências, há determinação
judicial para realização de estudos psicossociais quanto ao atendimento e
acompanhamento de crianças e adolescentes institucionalizados e suas
famílias, visando ao assessoramento judicial a fim de que a decisão do juiz seja
no intuito do melhor interesse da criança.
Sobre o trabalho interdisciplinar, o assistente social e psicólogo
judiciário atua como mediadores entre a criança, a família e o abrigo, quanto à
orientação dos direitos e deveres, o que poderá ser um facilitador para o
retorno da criança à família de origem.
No desempenho do trabalho profissional com as famílias, aqui
compreendidas
enquanto
“construção
histórica
e
sociocultural
cuja
configuração como lócus de afeto e de convivência entre pais e filhos é uma
invenção da modernidade” (GUEIROS; OLIVEIRA, 2005, p. 118), entendemos
que a capacidade protetora não está dada a priori e sim depende de fatores
sociais, econômicos, culturais e psicológicos.
No abrigo, enquanto instituição com resquícios reparatórios, crianças e
adolescentes passam a conviver com outros na mesma situação e com
funcionários, em um modelo que está longe de ser uma família, apegando-se
aos “sonhos” como última privacidade que lhes é acessível.
881
O abrigo priva os jovens de desenvolver seu potencial enquanto
indivíduos, pois não progridem adequadamente sua personalidade, sua
individualidade, seus vínculos afetivos, uma vez que há a constante disputa do
mesmo espaço e da atenção das pessoas. O afeto, primordial para o saudável
desenvolvimento do ser humano, fica relegado a segundo plano.
As fantasias dos jovens fazem com que eles reinventem a todo
o momento seus cotidianos, buscando viver, viver sendo
criança, apesar de todas as adversidades, numa luta conjunta
com suas famílias, que de suas origens e de sua forma,
reclamam o direito a uma vida digna, o direito de ser criança.
(MOREIRA; VASCONCELOS, 2003, p. 177)
O
estabelecimento/formação
de
vínculos
afetivos
entre
criança/cuidador é de suma importância para o saudável desenvolvimento da
criança e, uma vez que esses vínculos são rompidos, podem ocasionar efeitos
prejudiciais na criança.
A teoria do apego, defendida por diversos autores, explica a formação
dos vínculos afetivos e seus desdobramentos sobre o desenvolvimento da
personalidade, a partir da idéia de que o ser humano nasce com tendências a
estabelecer ligações afetivas, que caracteriza uma necessidade básica
primária.
A institucionalização indiscriminada e duradoura é prejudicial à criança,
pois a priva de um convívio afetuoso e personalizado que lhe permita a
intimidade e cumplicidade, características da convivência familiar. A família,
contextualizada em suas diferentes realidades, é espaço privilegiado de
socialização e desenvolvimento saudável dos filhos, sendo que a ausência de
um objeto específico e especial de apego traz prejuízos de ordem somática,
intelectual e emocional, o que se agrava em situações de institucionalização
prolongada.
Mas, dentre tantas perdas, a maior provavelmente será a perda do
vínculo familiar, pois por mais extenso que seja o período de abrigamento, os
jovens jamais se esquecem da mãe, dos irmãos, dos avós, mantendo-se o
vínculo emocional com a família.
O abrigo que atende a comarca de Orlândia, Programa de Assistência
à Criança Lar e Esperança (PROACLE), localizado em São Joaquim da Barra SP, solicita autorização judicial para que as famílias possam visitar seus filhos,
882
sendo que no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está
previsto que as crianças, independentes de estar em situação de abrigo, têm
direito a essa convivência.
Cabe também ao abrigo, de acordo com o art. 92 do ECA, inciso I - “a
preservação dos vínculos familiares”, assim como no art. 94, inciso V –
“diligenciar no sentido do restabelecimento e preservação dos vínculos
familiares”.
A ausência de equipe técnica no abrigo dificulta o trabalho com a
família de origem, gerando situações de abrigamentos prolongados, nos quais
o abrigo torna-se local de moradia definitiva da criança.
Entendemos que o abrigo deveria orientar, informar e intervir junto a
essas famílias, pois ele, além da equipe técnica do Judiciário, também é o
intermediário entre criança e seu grupo familiar, atuando em articulação com o
Poder Executivo, no cumprimento do papel de implementação e efetivação de
políticas públicas, visando o retorno seguro dessas crianças ao lar.
É atribuição das entidades (tanto governamentais como nãogovernamentais) que executam o programa de abrigo, a
preservação dos vínculos familiares e, para tal, deverá a
instituição efetivar formas, as mais variadas, seja através de
intervenção de profissionais habilitados junto às famílias, seja
facilitando e aproveitando as visitas de parentes para estudos
e intervenções, seja no acompanhamento regular dos
processos judiciais. (CARREIRÂO, 2004,r p. 308).
O prolongamento do período de abrigamento é fator que dificulta o
retorno de tais crianças à família biológica, além de outros fatores: falta de
condições socioeconômicas das famílias; a fragilidade, ausência ou perda do
vínculo familiar; a ausência de políticas públicas e de ações institucionais de
apoio à reestruturação familiar; o envolvimento com drogas e álcool; a violência
doméstica, dentre outros.
Nas situações de acolhimento institucional de crianças e adolescentes,
qual o papel do Estado, personificado no Poder Judiciário e Executivo; da
família biológica e da instituição abrigo para se garantir o direito à convivência
familiar e comunitária de tais crianças?
Em uma análise inicial, pressupomos que o Estado se exime do papel
de protetor e garantidor dos direitos da família e do indivíduo; a família
dificilmente se restabelece sozinha e a instituição não oferece a devida atenção
883
à família biológica, argumentando que esta não é capaz de assistir
adequadamente ao seu filho.
Na Carta Maior há a definição de que é responsabilidade do Estado,
da família e da sociedade os cuidados com crianças e adolescentes, porém
cada parte do tripé é incompleta e necessita da outra, pois se um desses pés
falha, quem é penalizado, vitimizado e violentado é a criança, além do que,
sem definição clara de papéis, nenhum ator do tripé assume de fato o trabalho
com as famílias.
A Nova Lei da Adoção veio preencher diversas lacunas na legislação
e, uma delas, é sobre de quem é a responsabilidade de trabalhar e capacitar as
famílias de crianças abrigadas vislumbrando o retorno familiar, cabendo à
equipe técnica do abrigo tal incumbência.
Uma das competências do Judiciário e do Ministério Público é exigir
fiscalização do abrigo pelo conselho tutelar, além de fomentar que o Executivo
implemente programas que atendam às necessidades das famílias, visando
fortalecê-las e prepará-las para sua autonomia e provimento do próprio
sustento. Muitas vezes o Judiciário assume algumas responsabilidades que
são institucionalmente do Executivo e de outros órgãos como o conselho
tutelar.
De acordo com o Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do
Adolescente, o atendimento a essas famílias deveria ocorrer nos seguintes
eixos: defesa de direitos compete ao Ministério Público, conselho tutelar,
defensoria pública, Judiciário; promoção de direitos,compete ao Poder
Executivo nas esferas federal, estaduais e municipais a implantação de
políticas públicas e controle de direitos, atribuição dos conselhos de direitos.
Em palestra ministrada pela Profa. Dra. Myrian Veras Baptista,
compreendemos que o cuidado da vinculação afetiva da criança com a sua
família de origem é tarefa do abrigo, enquanto cabe ao poder executivo a
preparação material da família e acompanhamento através do Centro de
Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), em fase de
implantação no município de Orlândia.
O CREAS tem a família como foco de atuação a partir da
territorizalização, atua no eixo de proteção especial de média e alta
complexidade, em que a violação dos direitos da criança já ocorreu e visa ao
884
fortalecimento de vínculos familiares. O conselho tutelar poderia participar
enquanto parceiros nessas tarefas, mas sem assumir tal função para si.
Ao Poder Executivo, compete implantar programas de habitação,
saúde, educação formal, geração de emprego e renda e atendimento
psicossocial.
Na atualidade, em um contexto capitalista neoliberal, em que milhões
de famílias passam por situações de extrema vulnerabilidade social,
ocasionando dificuldades de se cumprir sua função provedora e protetora de
seus membros, o abrigamento de seus filhos é uma possibilidade de acesso a
direitos básicos.
Por trás da criança em situação de vulnerabilidade social,
vitima das mais diversas sortes de violências, abandonos,
vivências de ruas, encontra-se uma família de origem, também
em igual situação de vulnerabilidade, situação essa
intrinsecamente relacionada à questão social histórica do
próprio país. (PEREIRA; ANDRADE, 2004, p. 36)
De fato, não está disponível à população o acesso a programas que
evitem o distanciamento entre a criança e a família de origem, causando a
chamada jurisdicionalização da pobreza, pois a ausência de políticas públicas
gera um demanda de trabalho ao Judiciário que, em sua maioria, é fruto das
desigualdades sociais.
Ao atender casos individuais, o Judiciário não oferece uma resposta
coletiva a problemas coletivos, estruturais, dando margem à jurisdicionalização
da questão social e o conseqüente “controle” sobre a vida privada das pessoas.
Na realidade do município de Orlândia, as políticas públicas assumem
caráter
clientelista,
focalista
e
seletiva,
caracterizadas
por
medidas
assistencialistas apenas compensatórias diante da política de mercado.
Nessa situação, antes de existir uma criança negligenciada, há uma
família totalmente excluída do mundo do trabalho e de políticas sociais que
garantam o mínimo de cidadania. A intersetorialidade das políticas públicas é
de fundamental importância para o atendimento adequado, visando ao
empoderamento dessas famílias para melhor orientar e cuidar de seus filhos,
devendo priorizar a família possível e não a “ideal”.
Na via do assistencialismo, as famílias são tomadas numa
relação ambígua, entre a vitimização e a culpabilidade,
obscurecendo a dimensão do lugar que ocupam como atores
885
sociais, detentores de direitos e deveres no exercício da
cidadania. Nesse sentido, estamos no momento de
desconstrução definitiva da imagem benevolente dos
mantenedores dessa perspectiva de assistência social.
(OLIVEIRA, 2004, p. 374).
Qual a história das famílias de crianças abrigadas? Foi propiciado a
essas mães, pais, avô, tios falarem sobre sua trajetória de vida que,
provavelmente, foi marcada por várias formais de violência (interpessoal, no
mundo doméstico, mundo da rua), além da violência educativa para
“enquadrar” o filho em determinado padrão de comportamento? É necessário
ampliar o olhar profissional para poder ultrapassar o imediatismo de “julgar” as
famílias no âmbito da responsabilidade e responsabilização individual/familiar.
Quais são os aspectos culturais dessas famílias? É feito um trabalho
de preparação da criança e da família para essa reaproximação familiar? É
necessária a realização de um trabalho de apoio a essas famílias e não um
trabalho de “controle”.
Reconhecer e respeitar a história de vida de cada criança
acolhida e tornar a instituição de abrigo um local receptivo às
famílias é, mais do que um dos maiores desafios dos abrigos
atualmente, uma demonstração de respeito à criança e de
reconhecimento aos seus direitos e as suas reais
necessidades (PEREIRA; ANDRADE, 2004, p. 39).
Em suma, esse artigo pretende contribuir teoricamente para o trabalho
interdisciplinar junto a essas crianças e suas famílias, uma vez que
entendemos que a pesquisa deve ser a base para o trabalho profissional,
possibilitando o conhecimento e interpretação da realidade dessas famílias à
luz das condições sociais, políticas e econômicas mais amplas.
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¹ Professora livre docente, coordenadora do Curso de Serviço Social da Universidade de Ribeirão Preto UNAERP; professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual
Paulista UNESP - Franca, E-mail: [email protected]
² Assistente Social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Orlândia; aluna regular
do mestrado junto ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista –
UNESP- Franca, E-mail: [email protected]
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