Abordagem inicial para preservação da fertilidade

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ginecologia
Abordagem inicial para preservação da
fertilidade em pacientes oncológicos
O
INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA),
MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL
ÓRGÃO DO
Arquivo pessoal
VOLTADO A AÇÕES NACIONAIS INTEGRADAS PARA
Pedro Monteleone
*Diretor da Clínica Monteleone e
coordenador técnico do Centro de
Reprodução Humana do Hospital
das Clínicas de São Paulo
Contato:
[email protected]
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o controle e a prevenção da neoplasia, estimava que
a partir de 2010 aproximadamente 500 mil novos
casos de câncer seriam diagnosticados no Brasil. Em
2012, foram 14,1 milhões, podendo atingir 21 milhões de casos em 2030. Só nos Estados Unidos,
mais de 100 mil pessoas ao ano são diagnosticadas
com câncer antes dos 45 anos de idade e até 2030
é provável que esse número dobre. Aproximadamente 1 em cada 400 adultos será sobrevivente de
câncer devido aos diagnósticos cada vez mais precoces e à evolução dos diversos tipos de terapia, aumentando as taxas de cura e de sobrevida.
A qualidade de vida dessas pessoas não só durante como também após o tratamento oncológico
é cada vez mais relevante. Por isso, entre tantas coisas, a preservação da fertilidade deve ser considerada e incentivada para todos os pacientes. Segundo
a Associação Americana de Oncologia Clínica
(ASCO), a necessidade de métodos para a preservação da fertilidade deve ser abordada sempre que
um tratamento com potencial de afetar a fertilidade
do indivíduo for indicada. Em 2013, na atualização
do seu manual de condutas, a ASCO orientou que
a abordagem exige uma integração multidisciplinar
e completa das opções disponíveis para os pacientes
em risco de comprometer sua fertilidade com
algum tipo de tratamento oncológico. O foco na
doença releva o risco de a eventual disfunção reprodutiva, ou atraso no início do tratamento, piorar
a doença. Esses são obstáculos a serem enfrentados
e esclarecidos aos portadores desse infortúnio, até
porque em homens não há nenhum atraso no tratamento oncológico e, em mulheres, um tempo máximo de 30 dias de espera, uma vez que esses
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procedimentos já não dependem mais da fase do
ciclo menstrual para serem iniciados.
Os métodos de preservação da fertilidade não
prejudicam o sucesso do tratamento oncológico e
não há evidências de que causem qualquer efeito
adverso ou aumentem o risco materno ou fetal
numa possível gestação futura. Ao contrário, pode
ocorrer redução de 30% a 50% na probabilidade de
um paciente que sobreviveu a um câncer ter um
filho, devido aos tratamentos e ao aumento de estado metabólico e disfunção hipotalâmica.
Como não há terapia ideal que garanta a fertilidade após o tratamento oncológico, várias modalidades devem ser avaliadas e combinadas, de acordo
com o tipo de doença, o tipo de tratamento, a idade
do paciente, a presença e a opinião do parceiro e se
o tratamento pode ou não ser adiado. Há maior
risco de infertilidade – superior a 80% – após o tratamento de tumores pélvicos e testiculares por
radioterapia, linfoma de Hodgkin em estágios avançados com acometimento pélvico, quimioterapia
pós-BMT e irradiação total do corpo. Já o menor
risco de infertilidade – inferior a 20% – é observado
em tumores de Wilms, linfoma de Hodgkin em seus
estágios iniciais e tumores cerebrais tratados com
dose de radioterapia menor que 24 Gy. São considerados de médio risco os linfomas não Hodgkin,
osteossarcoma, sarcoma de Ewing não metastático,
neuroblastoma, linfoma de Hodgkin em estágios
avançados, leucemia mieloide aguda e tumores cerebrais submetidos a radioterapia superior a 24 Gy.
No diagnóstico de um tumor maligno, o médico deve esclarecer o paciente quanto ao impacto
da doença sobre a sua qualidade de vida e sobre o
prejuízo à fertilidade. Expor as possíveis intervenções e opções disponíveis para a preservação da
função reprodutiva é essencial. A fertilidade pode
Número limitado de óvulos pode ser
armazenado no tempo disponível
Necessita de procedimento cirúrgico
que pode ser utilizada em situações especiais, quando não há tempo
ou opções para o tratamento. O mais importante é que a abordagem
deve ser multidisciplinar por envolver diversas alternativas e, normalmente, o indivíduo não está nem apto nem preparado para debatê-las.
A função do médico oncologista é fundamental para informar a possibilidade da preservação da fertilidade, em um momento agudo
quando o paciente está mais preocupado com a sua sobrevivência do
que com o futuro da sua vida. Ao médico especialista nos tratamentos
de fertilidade cabe informar de forma clara as estratégias possíveis que
podem ser adotadas. Os profissionais de apoio, como enfermagem, assistentes sociais e psicólogos, também exercem papel fundamental para
o esclarecimento e o suporte da pessoa a ser tratada.
O conceito de reserva folicular ovariana é responsável por refletir
o potencial número de óvulos que a estimulação ovariana é capaz de
produzir e, portanto, criopreservar, sendo esse o alicerce para o planejamento dos protocolos de indução a ser implantados. O hormônio
anti-mülleriano (AMH), que surge na puberdade e é produzido pelas
células da granulosa dos folículos pré-antrais e antrais, pode ser um
excelente preditor da reserva folicular ovariana, tanto antes do tratamento quando depois, para monitorar a função reprodutiva após o
tratamento. A contagem dos folículos antrais ao ultrassom transvaginal
é capaz de informar a atividade ovariana do momento, no ciclo atual,
e tem um íntima relação com a resposta à estimulação ovariana.
Quando há interesse em discutir a preservação da fertilidade, a
abordagem deve ser feita antes do início do tratamento. Com isso, os
pacientes podem ser encaminhados aos especialistas em reprodução
humana para a discussão das possibilidades o mais cedo possível. As
discussões sobre uma eventual gravidez futura devem ser documentadas no prontuário médico para que essas informações possam ser utilizadas no momento oportuno.
Casos de criopreservação do tecido
ovariano
Pacientes homens
ser preservada através da criopreservação de tecidos, gametas ou embriões. Para o combate dos efeitos deletérios dos homens em fase reprodutiva, basta a presença de espermatozoide no sêmen ejaculado
para criopreservação do material, com facilidade técnica e prognóstico
favorável para obtenção de gravidez futura.
A fisiologia reprodutiva das mulheres é mais complexa e as opções
para preservação são várias, com resultado não tão satisfatório e definido quanto para os homens. As opções envolvem o congelamento de
embriões, técnica bem estabelecida mas limitada pela necessidade de
uma união estável; o congelamento de óvulos, também bem estabelecida mas com resultados ainda incertos devido ao pouco tempo da implementação da técnica como prática clínica usual; e o congelamento
de tecido ovariano, que teria a vantagem de restabelecer a atividade
reprodutiva da mulher de uma forma mais duradoura e eventualmente
até mais efetiva, porém os resultados obtidos tanto pelo enxerto desse
tecido como a produção de óvulos a partir dele estão longe de garantir
resultados satisfatórios.
Comparação das três técnicas de
preservação de fertilidade na mulher
Técnica
Vantagens
Criopreservação
Técnica estabelecida
do embrião
Desvantagens
Pode demorar
Necessário esperma: parceiro ou doador
Potencial fixo para futura fertilidade
Pode demorar
Não recomendado para criança
Criopreservação
Não necessita de esperma pré-puberal
do oócito
Demora mínima
Sem limite mínimo de
idade
Criopreservação
do tecido
Permite a concepção
ovariano
espontânea e repetida
Maior possibilidade
de aproveitar desenvolvimentos futuros
Necessita de procedimento cirúrgico
Casos de contaminacao por células
malignas impedem a reimplantação
O crescimento do folículo in vitro não
estará disponível ainda por muitos anos
Prof. Jacques Donnes, Brussels, 2012
Essas técnicas podem ser oferecidas uma a uma ou em conjunto,
e é possível até mesmo a realização de todas num mesmo caso. A indicação passará pelo tipo de tumor, estratégia de tratamento, fase da
vida reprodutiva do paciente e, principalmente, pela opção da pessoa
a ser tratada.
Existe ainda a opção química com o bloqueio da atividade ovariana
A criopreservação de sêmen é um método eficaz, oferecido ao
homem adulto a ser submetido a tratamentos que afetem sua fertilidade. A proteção gonadal hormonal é ineficaz para preservar a fertilidade, não sendo recomendada nessas situações. Outros métodos,
como a criopreservação de tecido testicular e reimplante ou enxerto,
devem ser abordados em ensaios clínicos e protocolos experimentais.
Antes de iniciar a quimioterapia, os homens devem ser avisados
sobre o risco do comprometimento da sua fertilidade. Deve haver a
recomendação da coleta de material antes do início do tratamento
oncológico, tanto em virtude da preservação da qualidade como da
integridade do DNA. Isso porque, mesmo que não haja um comprometimento da contagem e da mobilidade dos espermatozoides, o
sêmen após o início do tratamento oncológico não apresentará a
mesma qualidade.
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Pacientes mulheres
Como não há terapia
ideal que garanta a
fertilidade após o
tratamento oncológico, várias modalidades devem ser
avaliadas e combinadas, de acordo com o
tipo de doença, de
tratamento, a idade
do paciente, a
presença e a opinião
do parceiro e se o
tratamento pode ou
não ser adiado
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A criopreservação de embriões é bem estabelecida e tem sido rotineiramente usada para armazenar os embriões excedentes após a fertilização in
vitro. Porém, a necessidade de união estável possibilita sua execução em um número restrito de casos.
A criopreservação de oócitos não fertilizados é uma
opção, especialmente para as pacientes que não têm
um parceiro e não desejam usar doador de esperma,
mas as objeções religiosas ou éticas para congelamento podem também ser uma barreira frequente.
A sua realização exige centros com vasta experiência.
Esse procedimento deixou de ser considerado experimental pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva em outubro de 2012.
Protocolos de estimulação ovariana mais flexíveis para a coleta de óvulos já estão disponíveis. O
tempo desses procedimentos já não depende da
fase do ciclo menstrual. Na maioria dos casos, a estimulação pode ser iniciada em qualquer fase do
ciclo, diferentemente de modelos antigos, em que
o estímulo ovariano começava obrigatoriamente no
início do fluxo menstrual. Agora é possível programar a coleta dos óvulos para a finalidade de criopreservação independentemente do dia do ciclo.
A transposição do ovário, ooforopexia, deve ser
sugerida nas situações em que a radiação pélvica é
o tratamento, mas as pacientes devem estar cientes
de que nem sempre é bem-sucedida. O procedimento, que envolve uma cirurgia laparoscópica ginecológica, deve ser realizado próximo ao período
do tratamento radioterápico.
A supressão do ovário com análogos de hormônio liberador de gonadotrofina (GnRHa) tem eficácia não comprovada, normalmente é como um
método de preservação de fertilidade com ressalvas.
A seu favor estão a praticidade e a pouca invasibilidade, além de outros benefícios clínicos, como a
redução de sangramento vaginal, que pode aumentar em função da plaquetopenia pós-QT. Os riscos
possíveis da sua utilização envolvem a perda óssea
e clinicamente as ondas de calor, fogachos, próprios
da inatividade ovariana, assim como eventuais interferências na resposta da quimioterapia em tumores sensíveis ao estrogênio.
A criopreservação de tecido ovariano e com
posterior enxertia não requer a estimulação do ovário ou a maturidade sexual, portanto, pode ser o
único método disponível nas meninas antes da menacme. É uma técnica experimental e deve ser realizada apenas em centros capacitados, com
protocolos rígidos e linha de pesquisa aprovados
pelos comitês pertinentes.
Considerações especiais
O tema é tão complexo que é importante fazer
outras considerações de preocupação especial. Tumores de mama e ginecológico costumam ser neoplasias sensíveis ao estrogênio, e o aumento de seus
níveis, inclusive na gravidez, pode aumentar o risco
de recorrência da doença. Os protocolos de estimulação do ovário alternativos, usando inibidores da
aromatase, são mais seguros, não havendo evidência de aumento do risco da recidiva do câncer.
É importante ainda ressaltar que toda a equipe
deve estar apta para discutir a infertilidade e o risco
potencial da terapia. A abordagem deve ser precoce
e clara em cada etapa. Os pacientes devem estar alocados nos registros e estudos clínicos, desde que
consintam. É fundamental o breve direcionamento
do paciente a um especialista em reprodução e, nos
momentos em que o assunto for tratado com desinteresse, é recomendada a sugestão de uma avaliação psicológica.
A equipe deve sugerir métodos estabelecidos
de preservação da fertilidade (do sêmen ou criopreservação dos óvulos) para crianças menores
pós-puberdade, com consentimento do paciente e
dos pais ou responsáveis. Para as crianças prépúberes as únicas opções de preservação da fertilidade seriam a criopreservação ovariana e testicular, que estão em fase de pesquisa avançada mas
não estão disponíveis na prática, e portanto devem
ser gerenciados exclusivamente nos centros de
pesquisa.
Desde a publicação em 2006 das orientações da
ASCO voltadas para os profissionais de saúde que
cuidam de pacientes adultos e pediátricos com câncer – ou seja, os médicos oncologistas, os radioterapeutas, os oncologistas ginecológicos, os
urologistas, os hematologistas, os oncologistas pediátricos, os cirurgiões, além de todo o grupo de
apoio –, o número de novos agentes e classes de
agentes terapêuticos tem se expandido significativamente. Ainda há pouca informação disponível
sobre o impacto dessas pessoas sobre a fertilidade
em qualquer nível de evidência para a grande maioria dessas modalidades. Nenhum paciente deve ser excluído, por qualquer motivo, incluindo idade, prognóstico, status socioeconômico ou paridade. A
preservação da fertilidade deve ser considerada e incentivada para
todos esses pacientes, independentemente das fronteiras financeiras
ou de seguros de saúde.
Para saber mais sobre o tema, veja íntegra do protocolo da ASCO
no link: www.asco.org/guidelines.
Referências bibliográficas:
Jadoul P et al. Hum. Reprod. Update 2010; 16; 617-630
Childbearing atitudes and decisions of yong breast câncer survivors: a systematic review Vânia Gonçalves, Ivana Sehovic, Gwendoly Quinn
Fertility preservation in girls during
Childhood: is it feasible, eficiente and safe and to whom should it be proposed? Pascale Jadoul, Marie-Madaleine Dolmans, Jacques Donnez
Introduction Fertility preservation, from câncer to benign disease to social reasons: the challenge of the presebt decade Jacques Donnez Fertility and Sterility,
vol 99, issue 6, p 1467-1468 May 2013
Fertility preservation in patients with câncer: American Society of Clinical Oncology Guideline Update published online before print May 28, 2013, doi:
2013.49.2678 Alison W.Loren, Pamela B. Mangu, Lindsay Nohr Beck, Lawrence Brennan, Antony J. Magdalinski, Ann H. Partridge, Gwendolyn Quinn, W.
Hamish Wallace, Kutluk Oklay
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