Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(a) de Direito da ª Vara Cível da Comarca de Guarujá “O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, inclusive para tutela de interesses e direitos coletivos e individuais homogêneos” (Agravo Regimental no Agravo nº 253686/SP, relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, publicado no Diário de Justiça da União de 05.06.00, página 176) O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio de seu presentante infra assinado, legitimado pelo artigo 129, inciso III, da Constituição Federal e pelos artigos 25, inciso IV, a, da Lei 8.625/93, artigo 103, VIII da Lei Complementar Estadual nº 734/93, artigo 5º da Lei 7.347/85, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor ação civil pública, observado o rito ordinário, em face de Companhia Brasileira de Distribuição, C.N.P.J. nº 47.508.411/0001-56, inscrição estadual n° 108.354.656.114, com sede na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, n° 3.126, Bairro Jardim Paulista, São Paulo/SP, com base nas alegações de fato e de direito a seguir aduzidas: 1 I – Causa de pedir próxima 1 - Segundo apurado nos autos de Inquérito Civil nº 132/07-Consumidor, a empresa-ré mantêm uma de suas unidades filiadas na Avenida Dom Pedro, I, lote 9, quadra F, nesta Comarca. 2 - Segundo ainda apurado, a empresa-ré tem por objeto social comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios (fl. 178). 3 - Apurou-se também que empresa-ré, continuadamente, não só manteve gêneros alimentícios a serem expostos à venda sem a refrigeração adequada (fl. 37/38, 72, 74 e 131), como expôs à venda gêneros alimentícios com a respectiva validade vencida (fl. 05 e 12), desviando a finalidade societária com verdadeira violação até mesmo à lei penal, lesando uma infinidade de consumidores que ali realizam compras diariamente. 4 - Apurou-se por fim que a conduta da ré, mais do que potencialmente provocar danos de grande extensão na coletividade em geral por meio de intoxicação alimentar generalizada, (a) fere a boa-fé que deve reinar nas relações consumeristas, trazendo insegurança jurídica, (b) revela a absoluta desconsideração para com os interesses alheios, e (c) acarreta induvidosa perplexidade, indignação e enorme sentimento de reprovação da e perante a coletividade consumidora, tudo isso facilmente verificável por meio da experiência comum. 2 II – Causa de pedir remota II.I - A norma consumerista como concretização do princípio da dignidade humana 5 - Seja por sua expressa catalogação como garantia fundamental (1), seja por sua inequívoca finalidade voltada não só à satisfação das mínimas necessidades (2) da pessoa, mas até ao resguardo de qualificada forma de sobrevivência – denominada por alguns qualidade de vida (3) – exprimindo, assim, sua íntima ligação com o direito à vida, à saúde e à segurança – igualmente fundamentais -, inclusive a ponto de dar-lhes especiais contornos, doutrina (1) (4) e jurisprudência (5) enxergam a artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal. Nesse sentido se posta BRUNO MIRAGEM: “A caracterização da defesa do consumidor como direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, surge da sua localização, na constituição de 1988, no artigo 5º, XXXII, que determina expressamente: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Insere-se a determinação constitucional, pois, no Capítulo I, “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”, do Título II, “Dos direitos e garantias fundamentais”. Como primeiro efeito desta localização topográfica do direito do consumidor no texto constitucional, tem-se assentado na doutrina e na jurisprudência brasileira que a localização do preceito constitucional neste setor privilegiado da Constituição, a rigor, o coloca a salvo da possibilidade de reforma pelo poder constituinte instituído” (in Direito do Consumidor: Fundamentos do direito do Consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor, Editora Revista dos Tribunais, 2008, página 35). (2) Acerca do problema do mínimo existencial, já escreveu RICARDO LOBO TORRES: “O mínimo existencial não tem conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originariamente nãofundamental (direito à saúde, à alimentação, et cetera), considerando em sua dimensão essencial e inalienável. Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados” (in Curso de direito tributário e financeiro, Rio de Janeiro, Renovar, 1993, página 57/58). (3) Opta por essa expressão LUIS RICARDO LORENZETTI in Fundamentos do direito privado, tradução de Véra Jacob de Fradera, São Paulo, RT, 1998, página 154. (4) Nesse sentido o posicionamento da Procuradora Regional da República da 3ª Região GEISA DE ASSIS RODRIGUES: “O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República 3 norma consumerista como materializadora e densificadora do princípio fundamental da dignidade humana. 6 – A respeito desse princípio fundamental KONDER COMPARATO (8 ) (6) republicano pátrio (7) , FÁBIO já pronunciou que “o primeiro postulado da ciência jurídica é o de que a finalidade-função ou razão de ser do Direito é a proteção da dignidade humana”. (artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988), deve desempenhar um importante papel na esfera de proteção do consumidor. A grosso modo, relembrando as conhecidas lições de KANT sobre o tema, a dignidade é atributo daquilo que não tem preço. Seria paradoxal, assim, falarmos de dignidade em tema correlato à circulação de riquezas como é a proteção do consumidor? Obviamente que não, porque determinados valores que integram a dignidade do Homem contemporâneo só podem lhe ser assegurados se houver um consumo mínimo. Assim, a degradação material de um Homem reduzido a uma condição de miséria absoluta afronta a sua dignidade...A mais ampla e adequada tutela dos direitos dos que auferem bens e serviços como destinatários finais em nossa ordem econômica representa uma significativa melhoria na qualidade de vida de um enorme contingente de pessoas.” (in A proteção ao consumidor como um direito fundamental, Revista de Direito do Consumidor, nº 58, abril/junho de 2006, página 94 e 97). Eis o posicionamento de ANDRÉ RAMOS TAVARES: “A proteção do consumidor referida na Constituição Federal, por se revelar um problema crucial para o cidadão e para a própria dignidade da pessoa humana...” (in Direito Constitucional Econômico, 2ª edição, página 177). Registra ARRUDA ALVIM que a defesa do consumidor “pode, então, ser considerada, como afirma EROS ROBERTO GRAU, um ‘princípio constitucional impositivo (CANOTILHO), a cumprir dupla função, como instrumento para realização do fim de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado. No último sentido, assume a função de diretriz (Dworkin) – norma objetiva – dotada de caráter constitucional conformador, justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas.” (ARRUDA ALVIM et alli in Código do Consumidor Comentado, Editora RT, 2ª edição, página 13). (5) Nesse sentido o voto do ministro CARLOS AYRES BRITTO: “A defesa do consumidor, além de objeto de norma constitucional, é direito fundamental (art. 5º, XXXII), de modo que não pode restringida por regra subalterna, nem sequer por Emenda Constitucional, enquanto inserta em cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inc. IV)...Em boa verdade, o inciso XXXII do art. 5º da Carta-cidadã é uma das normas constitucionais densificadoras do princípio da dignidade da pessoa humana” (Recurso Extraordinário nº 351.750-3/RJ). (6) A respeito desse tema, preleciona J.J. GOMES CANOTILHO que princípio fundamental é aquele que explicita valoração política fundamental do legislador constituinte (in Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra, 1991, página 178), verdadeira norma-matriz constitucional, e, por isso, dotado de (a) evidente função ordenadora, ou seja, diretamente aplicável ou 4 7 – Da conjugação entre esses ensinamentos extrai-se, num primeiro momento, que (a) a violação da norma consumerista implica evidente descumprimento do princípio da dignidade humana, (b) é inaceitável qualquer exegese que desprestigie os interesses do consumidor (9), (c) toda conduta realizada em sede consumerista deve obrigatoriamente se conformar com o especial respectivo regramento de regência, tudo sob pena de (a) despojar o consumidor do direito à vida digna, (b) cometimento de grave comportamento inconstitucional e (c) coercitivo ajuste de conduta ou responsabilização jurídica pela via judicial adequada. 8 – Nesse sentido já se pronunciou FÁBIO KONDER COMPARATO em palestra organizada pela renomada Escola Paulista da Magistratura e dirigida exclusivamente àquela classe (10). diretamente capaz de conformar as relações político-constitucionais, e (b) clara ação imediata, funcionando como verdadeiro critério de interpretação e de integração, dando, sobretudo, coerência geral ao sistema. (7) A esse propósito, escreveu HEITOR COSTA JÚNIOR: “o valor originário e o fundamento da República é a dignidade da pessoa, sendo inadmissível a violação dos direitos humanos” (in Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado”, 1992, Malheiros Editores, página 709/712). (8) ”O papel do juiz na efetivação dos Direitos Humanos” in Direitos Humanos, Visões Contemporâneas, Associação Juízes para a Democracia, 10 anos, São Paulo, 2001, página 15. (9) Nesse sentido o voto do ministro CELSO DE MELLO: “Os direitos do consumidor, embora desvestidos de caráter absoluto, qualificam-se, no entanto, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório que vise a compor situações de antagonismo resultantes das relações de consumo que se processam, no âmbito da vida social, de modo tão estruturalmente desigual, marcadas, muitas vezes, pela nota de indisfarçável conflituosidade, a opor fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, de outro” (RTJ 199/481). (10)“Os juizes não podem ignorar que todas as normas relativas a direitos humanos, inclusive as normas de princípio, são de aplicação direta e imediata, nos precisos termos do disposto no artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal. Por conseguinte, quando estiver convencido de que um princípio constitucional incide sobre a matéria trazida ao seu julgamento, o juiz deve aplicá-lo, sem necessidade de pedido da parte....Ao verificar que a aplicação de determinada regra legal ao caso submetido a julgamento acarreta clara violação de um princípio fundamental de direitos humanos, muito embora a regra não seja inconstitucional em tese, o juiz deve afastar a 5 9 – É esse também o entendimento acolhido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (11), e recomendado pelo restante da doutrina (12). aplicação da lei na hipótese, tendo em vista a supremacia dos princípios sobre as regras, o que acarreta a necessidade lógica de se interpretarem estas em função da norma de princípio.... na eventual colisão entre dois princípios para a solução da lide, o juiz deve preferir aquele cuja aplicação ao caso representa maior respeito à dignidade humana...O juiz não pode, sob o falso argumento de que não é um órgão político, recusar-se a apreciar eticamente as lides submetidas ao seu julgamento. A finalidade última do ato de julgar consiste em fazer justiça, não em aplicar cegamente as normas do direito positivo. Ora, a justiça, como advertiu a sabedoria clássica, consiste em dar a cada um o que é seu. O que pertence essencialmente a cada indivíduo, pela sua própria natureza, é a dignidade de pessoa humana, supremo valor ético. Uma decisão judicial que negue, no caso concreto, a dignidade humana é imoral e, portanto, juridicamente insustentável” (”O papel do juiz na efetivação dos Direitos Humanos” in Direitos Humanos, Visões Contemporâneas, Associação Juízes para a Democracia, 10 anos, São Paulo, 2001, página 29, sem grifo no original). (11) É o que se extrai do seguinte trecho do aresto: “Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos” (RSTJ 138/52). (12) vide nota 4. Nesse sentido ainda o ensinamento de FLÁVIA PIOVESAN: “o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional. Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um valor essencial que lhe doa unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular. Adotando-se a concepção de Ronaldo Dworkin, acredita-se que o ordenamento jurídico é um sistema no qual, ao lado das normas legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos. Estes princípios constituem o suporte axiológico que confere coerência interna e estrutura harmônica a todo sistema jurídico. Neste sentido, a interpretação constitucional é aquela interpretação norteada por princípios fundamentais, de modo a salvaguardar, da melhor maneira, os valores protegidos pela ordem constitucional. Impõe-se a escolha da interpretação mais adequada à teleologia, à racionalidade, à principiologia e à lógica constitucional. Como leciona o Professor Fábio Konder Comparato, se os princípios gerais do direito, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil, constituíam uma fonte secundária, subsidiária do 6 II.II - Norma consumerista e gêneros alimentícios: tutela e garantia da qualidade desse produto 10 – Dentre as normas consumeristas encontra-se aquela que garante a qualidade do produto a ser adquirido pelo consumidor mediante classificação como impróprios para uso e consumo aqueles deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação (13) , dentre as quais destacam-se as de direito, aplicável apenas na omissão da lei, hoje os princípios fundamentais da Constituição Federal constituem a fonte primária pro excelência para a tarefa interpretativa. À luz desta concepção, infere-se que o valor da cidadania e dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais, vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro. A partir dessa nova racionalidade, passou-se a tomar o Direito Constitucional não só como o tradicional ramo político do sistema jurídico de cada nação, mas sim, notadamente, como o seu principal referencial de justiça... É no valor da dignidade humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e Interno” (in Direitos Humanos e princípio da dignidade humana, AASP, revista do Advogado, Ano XXIII, julho de 2003, nº 70, página 40, sem grifo no original). Assim também pensam, respectivamente, PAULO BONAVIDES e KONRAD HESSE, in verbis : “nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana” (in Teoria constitucional da democracia participativa, Malheiros, 2001, página 233); “O artigo de entrada da Lei Fundamental normaliza o princípio superior, incondicional e, na maneira da sua realização, indisponível, da ordem constitucional : a inviolabilidade da dignidade do homem e a obrigação de todo o poder estatal, de respeitá-la e protegê-la” (in Elementos de direito constitucional da República Federativa da Alemanha, tradução de LUIZ AFONSO HECK, Porto Alegre, Safe, 1988, página 109/111, sem grifo no original). (13) Artigo 18, §6º, II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). 7 caráter administrativo (14) que impingem ao titular da respectiva obrigação o dever de garantir a qualidade do produto por si revendido a varejo ou de oferecer à venda a varejo produto com as qualificações técnicas recomendadas, a ponto de impedir sua colocação no mercado de consumo (15) , sob pena de sujeição do descumpridor desses mandamentos à responsabilidade civil objetiva (14) Artigo (16) , 122 do Código Sanitário do Estado de São Paulo, artigo 200 do Código de Posturas do Município de Guarujá (Lei Complementar Municipal nº 44/98) e Resolução nº 216 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). (15) É o que prevê o inciso VIII do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90): Artigo 39. É vedado ao fornecedor de produtos e serviços: VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro); (16) Eis o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90): Artigo 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos; Artigo 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas”; Artigo 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade”. Na jurisprudência, destaca-se o seguinte julgado: “Não havendo nos autos prova de que o defeito foi ocasionado por culpa do consumidor, subsume-se o caso vertente na regra contida no caput do artigo 18 da Lei n. 8.078/90, o qual consagra a responsabilidade objetiva dos fornecedores de bens de consumo duráveis pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, impondo-se o ressarcimento integral dos prejuízos sofridos.” (RSTJ 212/374, relator ministro SIDNEI BENETI) 8 administrativa (17) e até criminal (18), tudo por força de incidência do sistema protetivo estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). (17) Eis o que dispõem, respectivamente, o artigo 122 do Código Sanitário do Estado de São Paulo e o artigo 285 do Código Municipal de Posturas (Lei Complementar Municipal nº 44/98): “Artigo 122 – São infrações de natureza sanitária entre outras: I - construir ou fazer funcionar estabelecimentos comerciais, de produção, embalagem e manipulação de produtos de interesse à saúde e estabelecimentos de assistência e de interesse à saúde, sem licença dos órgãos sanitários competentes ou contrariando as normas legais vigentes: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, interdição, apreensão, inutilização, cancelamento de licença e/ou multa; II - construir ou fazer funcionar estabelecimentos comerciais, de produção, embalagem e manipulação de produtos de interesse à saúde, sem a presença de responsável técnico legalmente habilitado: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, cancelamento de licença, interdição e/ou multa; III - transgredir quaisquer normas legais e regulamentares e/ou adotar procedimentos na área de saneamento ambiental que possam colocar em risco a saúde humana: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, interdição, intervenção e/ou multa; IV - extrair, produzir, fabricar, transformar, preparar, manipular, purificar, fracionar, embalar ou reembalar, transportar ou utilizar produtos ou resíduos perigosos, tóxicos, explosivos, inflamáveis, corrosivos, emissores de radiações ionizantes, entre outros, contrariando a legislação sanitária em vigor: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, apreensão, inutilização, suspensão de venda ou fabricação, cancelamento de registro, interdição, cancelamento da licença, proibição de propaganda, intervenção; V - construir ou fazer funcionar todo e qualquer estabelecimento de criação, manutenção e reprodução de animais, contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, apreensão, interdição e/ou multa; VI - reciclar resíduos sólidos infectantes gerados por estabelecimentos prestadores de serviços de saúde: Penalidade - interdição, cancelamento da licença e/ou multa; VII - manter condição de trabalho que ofereça risco à saúde do trabalhador: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, interdição parcial ou total de equipamento, máquina, setor, local ou estabelecimento e/ou multa; VIII - obstar, retardar ou dificultar a ação fiscalizadora da autoridade sanitária competente, no exercício de suas funções: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade e/ou multa; IX - omitir informações referentes a riscos conhecidos à saúde: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade e/ou multa; 9 X - fabricar, operar, comercializar máquinas ou equipamentos que ofereçam risco à saúde do trabalhador: Penalidade - prestação de serviços à comunidade, interdição parcial ou total do equipamento, máquina, setor, local, estabelecimento e/ou multa;. XI - extrair, produzir, fabricar, transformar, preparar, manipular, purificar, fracionar, embalar ou reembalar, importar, exportar, armazenar, expedir, transportar, comprar, vender, ceder ou usar produtos de interesse à saúde, sem os padrões de identidade, qualidade e segurança: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, apreensão e inutilização, interdição, cancelamento de licença e/ou multa; XII - comercializar produtos institucionais e de distribuição gratuita: Penalidade - interdição e/ou multa; XIII - expor à venda ou entregar ao consumo e uso produtos de interesse à saúde que não contenham prazo de validade, data de fabricação ou prazo de validade expirado, ou apor-lhes novas datas de fabricação e validade posterior ao prazo expirado: Penalidade - prestação de serviços à comunidade, interdição, apreensão, inutilização, cancelamento da licença e/ou multa; XIV - rotular produtos de interesse á saúde contrariando as normas legais e regulamentares: Penalidade - prestação de serviços à comunidade, apreensão, inutilização, cancelamento da licença e/ou multa; XV - fazer propaganda enganosa de produto ou serviço de saúde contrariando a legislação sanitária em vigor: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade e/ou multa; XVI - fazer propaganda de produtos farmacêuticos em promoção, ofertas ou doados, de concursos ou de prêmios aos profissionais médicos, cirurgiões dentistas, médicos veterinários ou quaisquer outros profissionais de saúde: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade e/ou multa; XVII - instalar ou fazer funcionar equipamentos inadequados, em número insuficiente, conforme definido em norma técnica, em precárias condições de funcionamento ou contrariando normas legais e regulamentos pertinentes em relação ao porte ou finalidade do estabelecimento prestador de serviços de saúde: Penalidade - advertência, interdição, apreensão, cancelamento da licença e/ou multa; XVIII - alterar o processo de fabricação dos produtos sujeitos a controle sanitário, modificar seus componentes, nome e demais elementos, sem a necessária autorização do órgão sanitário competente: Penalidade - prestação de serviços à comunidade, interdição, apreensão, inutilização, cancelamento da licença e/ou multa; XIX - transgredir outras normas legais federais ou estaduais, destinadas a promoção, prevenção e proteção à saúde: 10 11 – E gêneros alimentícios constituem produto, ex vi do §1º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), como, aliás, já entendeu o Superior Tribunal de Justiça (19). Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, interdição, apreensão, inutilização, suspensão de fabricação ou venda, cancelamento de licença, proibição de propaganda, intervenção de estabelecimento de prestação de serviços de saúde e/ou multa; e. XX - descumprir atos emanados das autoridades sanitárias visando a aplicação da legislação pertinente à promoção, prevenção e proteção à saúde: Penalidade - advertência, prestação de serviços à comunidade, interdição, apreensão, inutilização, suspensão de venda ou fabricação, cancelamento de licença, proibição de propaganda, intervenção de estabelecimento de prestação de serviços de saúde e/ou multa” “Artigo 285. As infrações aos dispositivos deste Código ficam sujeitas a penalidades. §3º. Quando o infrator for o proprietário, ou responsável pelas instalações ou estabelecimentos, as penalidades aplicáveis serão as seguintes: a) Advertência; b) Multa; c) Interdição temporária do estabelecimento, mediante lacração, até que se cumpra o disposto em intimação do órgão competente; d) Desmonte, parcial ou total, das instalações”. (18) Eis o que dispõe o artigo 7º, IX, da Lei Nacional nº 8.137/90: “Artigo 7º - Constitui crime contra as relações de consumo: IX – Vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias para consumo Pena – detenção, de dois a cinco anos, ou multa” (19) Nesse sentido: “Em respeito à legislação de regência, a simples expressão "contém glúten" mostra-se insuficiente a informar os consumidores acerca do prejuízo que causa o produto ao bem-estar dos portadores da doença celíaca, daí porque se faz necessária a advertência quanto aos eventuais malefícios do alimento. Precedente desta Turma: REsp 586.316/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.3.2009” (Recurso Especial nº 722940/MG, relator Ministro CASTRO MEIRA, Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 23/04/2010, sem grifo no original). 11 12 – Em síntese a este tópico, conclui-se que aquele que descumpre as normas consumeristas pertinentes e oferece à venda a varejo gêneros alimentícios impróprios para consumo comete grave comportamento inconstitucional por violação ao princípio da dignidade humana, sujeitando-se à responsabilidade civil objetiva, administrativa e até criminal estabelecida no ordenamento por incidência do sistema protetivo previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). II.III - Compra e venda de gêneros alimentícios a varejo: relação de consumo 13 - A incidência das normas protetivas consumeristas, no entanto, está a depender da qualificação da relação jurídica examinada como de consumo (20) , cujos sujeitos possuem conceituação positivada (21) e dimensionada pelos exegetas. Assim é que se qualifica o consumidor como “aquele que remunera o serviço ou compra o bem que será consumido, por isso destinatário final” (22) , a ele se equiparando “todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas” (23). Já “o conceito de fornecedor nos é dado pelo Código, artigo 3º: fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou (20) Nesse sentido o escólio de SÉRGIO CAVALIERI FILHO, o qual “concebe o Código de Proteção e Defesa do Consumidor como uma sobreestrutura jurídica multidisciplinar, aplicável em toda e qualquer área do direito onde ocorrer uma relação de consumo, justamente em razão da dimensão coletiva que assume, vez que composto por normas de ordem pública e de interesse social” (in Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 3ª edição, página 412 e seguintes, sem grifo no original). (21) artigo 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). (22) conforme voto do ministro NÉLSON JOBIM in RTJ 199/481 (23) trecho da ementa de acórdão de relatoria da ministra NANCY ANDRIGHI in RSTJ 193/336. No mesmo sentido converge o Supremo Tribunal Federal, ao entender que se equipara a consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (ADI nº 2591/DF, relator ministro EROS GRAU, RTJ 199/481). 12 comercialização de produtos ou prestação de serviços”. É dizer, numa relação de consumo há dois personagens: o primeiro, é o consumidor; o outro, o fornecedor de produtos e serviços” (24). 14 – Com base nesses assentes conceitos é possível classificar (a) como fornecedora a empresa cujo objeto social está voltado para a revenda a varejo de gêneros alimentícios, (b) como produto os gêneros alimentícios por ela revendidos e (c) como consumidores toda gama de utentes finais desses produtos a quem a fornecedora os oferece à venda a varejo, a ponto de permitir a regulação da relação jurídica estrelada por esses personagens e objeto pelas normas consumeristas. 15 - Em síntese a este tópico, conclui-se que o fornecedor que descumpre as normas consumeristas pertinentes e oferece à venda a varejo gêneros alimentícios impróprios para consumo comete grave comportamento inconstitucional por violação ao princípio da dignidade humana, sujeitando-se à responsabilidade civil objetiva, administrativa e até criminal estabelecida no ordenamento por incidência do sistema protetivo previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), aplicável por identificação da presença de relação de consumo na hipótese. (24) ADI nº 2591/DF, relator ministro EROS GRAU, in RTJ 199/481. 13 II.IV – Atipicidade constitucional da atividade econômica de compra e venda a varejo de gêneros alimentícios impróprios para consumo 16 - O parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal assegura “o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Trata-se, assim, de norma de eficácia contida, ou seja, aquela em que se “deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados” (25). 17 – Não se desconhece que a exploração da compra e venda a varejo de gêneros alimentícios, por constituir iniciativa tendente à exploração, distribuição e o consumo de recursos destinados à satisfação das necessidades humanas, caracteriza atividade econômica. 18 – Também não se ignora que o comando constitucional, ao valer-se da locução autorização dos órgãos públicos, encerra claramente que a atuação do particular, no exercício da atividade uma vez delegada, é limitada aos estritos termos, condições e prazo do respectivo ato negocial (26) , pois, em constituindo a compra e venda a varejo de gêneros alimentícios espécie de atividade econômica, toda regulamentação e disposição da matéria se vê contagiada de caráter publicístico, mais precisamente (25) ALEXANDRE DE MORAES in Direito Constitucional, 6ª edição, Editora Jurídico Atlas, 1999, página 39. (26) Sobre atos administrativos negociais, ensina HELY LOPES MEIRELLES: “os atos administrativos negociais produzem efeitos concretos e individuais para os que dele participam, gerando direitos, obrigações e encargos recíprocos para a administração que os expede e para o particular que os recebe...Embora unilaterais, esses atos impõem às partes – administração e administrado – a observância de seu conteúdo e o respeito às suas disposições para a execução de seu objeto” (in Formação, Efeitos e Extinção dos Atos Administrativos Negociais, RDA 158, página 17). 14 por preceitos de Direito Administrativo, senão de Direito Econômico considerando-se o modelo intervencionista acolhido pela vigente Carta Política (28) (27) , .E é a dogmática jurídico-administrativa, por força do princípio de legalidade, quem firma que o particular, no exercício da atividade delegada, não pode atuar além do que permite o ato administrativo, por ilicitude dos atos perpetrados à margem do consentido (29). 19 – Já o inciso I do artigo 30 da Carta Política prescreve que cabe ao Município legislar sobre e autorizar o funcionamento de estabelecimentos comerciais em seu território, sob condições (30). (27) sobre a formação histórica da autonomia do Direito Econômico, e sua origem no Direito Administrativo, veja-se a doutrina de MARCELO SCIORILLI in A Ordem Econômica e o Ministério Público, Editora Juarez de Oliveira, 2004. página 12/14. (28) conforme MARCELO SCIORILLI, idem, ibidem, página 08. (29) a esse respeito, eis o que ensina DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO: “...a submissão do agir do Estado à lei é sempre onimodamente exigida, pois o Poder Público não pode atuar, sob hipótese alguma, praeter legem, obrigando-se a vinculação da ação...está adstrito todo o Estado, por quaisquer de seus entes, órgãos e agentes, mesmo delegados, de só agir quando existe uma lei que a isso o determine...O princípio da legalidade assoma, assim, como o mais importante dos princípios instrumentais e informa, entre muitas teorias de primacial relevância na dogmática jurídica, as da relação jurídica administrativa, das nulidades e do controle” (in Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2002, página 80). (30) “MANDADO DE SEGURANÇA - Auto de Interdição da Atividade e Auto de Imposição de Multa – Estabelecimento comercial - Falta de prévia licença de localização e funcionamento – Os Municípios têm atribuição específica para legislar sobre interesse local – Inexistência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental – Sentença mantida - Recurso não provido” (Apelação cível nº 994.09.381315-8, julgado em 05 de maio de 2010, relator Desembargador PEIRETTI DE GODOY, sem grifo no original); “É certo que o Município detém competência constitucional para legislar sobre assuntos de seu peculiar interesse, entre os quais para promover adequado ordenamento territorial, mediante o controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo (Constituição Federal, 30, incisos I e VIII)” (Apelação cível nº 994.09.373362-6,julgado em 18 de janeiro de 2010, relator Desembargador JOSÉ HABICE, sem grifo no original). Na doutrina, eis o ensinamento de HELY LOPES MEIRELLES: “Nos aspectos de interesse local cabe ao Município 15 20 – E a Lei Complementar Municipal nº 44/98, em seus artigos 254, §6º e 261 (31), condicionam a outorga e a manutenção da autorização de funcionamento de estabelecimentos comerciais – aqui obviamente incluídos aqueles que exercem atividade econômica de venda a varejo de gêneros alimentícios – ao permanente cumprimento das posturas sanitárias, ou seja, à incessante manutenção dos produtos por si revendidos em condições próprias para consumo. 21 – Mas não é só. legislar suplementarmente à legislação federal e estadual (Constituição Federal, artigo 30, I-II), remanescendo-lhe a polícia sanitária local em todos os assuntos de seu interesse, concernentes à higiene da cidade e ao abastecimento de sua população (Constituição Federal, artigo 30, VII). A higiene pública é, em última análise, o asseio da cidade. Condição primeira para a salubridade da população é a cidade limpa. Essa limpeza vai desde a varrição e lavagem de vias e logradouros públicos, a coleta de lixo, a condução de águas pluviais, as redes de água potável e de esgotos, a desinfecção de terrenos baldios, a limpeza das margens de rios e lagos, o combate a animais nocivos, a drenagem de charcos, a purificação do ar respirável, o tratamento das águas utilizáveis , o controle das atividades poluidoras, até a inspeção dos gêneros oferecidos ao consumo para a população local”(Direito Municipal Brasileiro, 15ª edição, Malheiros Editores, página 483). (31) Eis o que dispõem os artigos em comento, sem grifo no original: “Artigo 254 - .......... § 6º Para ser concedida licença de funcionamento pela Prefeitura, o edifício e as instalações de qualquer estabelecimento comercial, industrial, de prestação de serviços e similares deverão ser previamente vistoriados pelo órgão competente da Prefeitura, com vistas as condições de higiene e saúde e de forma a garantir a preservação da saúde e integridade física dos trabalhadores”. “Artigo 261. A licença de funcionamento de estabelecimento comercial, industrial, prestador de serviço ou similar poderá ser cassada nos seguintes casos: I - quando for exercida atividade diferente da requerida e licenciada; II - quando o proprietário licenciado se negar a exibi-la; III - quando não dispuser das necessárias condições de higiene ou de segurança; IV - quando no estabelecimento forem exercidas atividades prejudiciais a saúde ou à higiene”. 16 22 – A reforçar a ideia de ilicitude da atividade econômica de venda a varejo de produtos impróprios para consumo, impõe ressaltar que a Lei Nacional nº 8.137/90 – editada com amparo no artigo 22, I, da Constituição Federal - em seu artigo 7º, IX, cataloga como atividade ilícita penal a compra e venda a varejo de produto impróprio para consumo, especialmente com prazo de validade vencido, como, aliás, entende a tranquila jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (32). (32) “Consoante o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, a conduta do comerciante que vende ou expõe à venda produto impróprio ao consumo é suficiente para configurar o delito constante do art. 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90, sendo desnecessária a comprovação da materialidade delitiva por meio de laudo pericial, desde que existam outros elementos de convicção a respeito, como no caso, mesmo porque se cuida de crime formal, de perigo abstrato” (Recurso Especial nº 1060917/RS, relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 13/04/2009, sem grifo no original); “A exposição ou depósito de produtos destinados à venda com prazo de validade vencido é fato que se encontra tipificado na legislação penal (Lei 8.137/80, art. 7º, inc. IX – condições impróprias ao consumo) como crime formal, que dispensa a realização de perícia para atestar sua efetiva impropriedade, tendo em vista que a mera transgressão da norma legal caracteriza o delito, que é de perigo presumido” (Habeas Corpus nº 38200/PE, relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Diário de Justiça da União de 01/02/2005, página 589, sem grifo no original);“O delito tipificado no inciso IX do artigo 7º da Lei nº 8.137/90, combinado com o parágrafo 6º do artigo 18 da Lei nº 8.078/90, é de perigo abstrato, sendo desinfluente, para a sua caracterização, a imprestabilidade, para o consumo, do produto exposto à venda, com prazo de validade vencido” (Recurso em Habeas Corpus nº 9235 / São Paulo, relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Diário de Justiça da União de 18/09/2000, página 161). 17 23 - Em síntese a este tópico, conclui-se que o fornecedor que descumpre as normas locais e consumeristas pertinentes, especialmente de caráter penal, e oferece à venda a varejo gêneros alimentícios impróprios para consumo, não só comete grave comportamento inconstitucional por violação ao princípio da dignidade humana, mas exercita atividade econômica ilícita, sujeitando-se à responsabilidade civil objetiva, administrativa e até criminal estabelecida no ordenamento por incidência do sistema protetivo previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), aplicável por identificação da presença de relação de consumo na hipótese. II.V – Compra e venda a varejo de gêneros alimentícios impróprios para consumo, Princípio da Legalidade, Obrigação de fazer e de não-fazer 24 – No vigente ambiente jurídico-constitucional de liberdades individuais, não se desconhece que é a lei a medida imprescindível para estabelecer aos particulares irrecusável forma de uma determinada atuação ou inação (33). 25 - Posto de forma mais clara, toda pessoa está obrigada a fazer o que a lei comanda e proibida de fazer aquilo que a lei não permite (34). (33) Nesse sentido o entendimento de CAIO TÁCITO: “As Constituições brasileiras, desde sua origem na Carta Imperial de 1824, colocam, entre seus pressupostos essenciais, a noção de que a lei é a medida necessária de deveres, direitos e obrigações, tanto nas relações privadas como no plano de atuação pública” (in O Princípio da Legalidade: Ponto e Contraponto, Revista de Direito Administrativo 206, página 02, sem grifo no original) (34) É o que nos ensina MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO: “O homem não pode fazer o que a lei proíbe, não está obrigado a fazer senão o que a lei comanda. Disto resulta não poder ele ser constrangido arbitrariamente a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, mas somente dever ficar adstrito a uma pauta predeterminada e pública – a da lei” (in Princípios Fundamentais do Direito Constitucional, Editora Saraiva, 2ª edição, 2010, página 183, sem grifo no original). 18 26 – Eis uma das vertentes do princípio da legalidade (35), produto da filosofia inspiradora do movimento liberal sabidamente acolhido pela ordem jurídica nacional. 27 - Também não se ignora que ninguém é obrigado “a obedecer a todos os milhões de comandos jurídicos em vigor. Na verdade, cada um de nós só é obrigado a obedecer aos mandamentos cujas hipóteses nos contemplam inequivocamente. Só quando uma hipótese legal colhe uma pessoa, é ela obrigada a obedecer ao respectivo mandamento ” (36), de sorte que “acontecido o fato previsto na hipótese da lei (hipótese legal), o mandamento, que era virtual, passa a ser atual e se torna atuante, produtivo dos seus efeitos próprios: exigir inexoravelmente (tornar obrigatórios) certos comportamentos, de determinadas pessoas” (37). 28 - Da conjugação entre essas assentes formulações extrai-se que, para o cumprimento de um mandamento, basta a demonstração da ocorrência do respectivo fato imponível (38), não podendo o particular se furtar à satisfação do correspondente preceito, sob pena de se sujeitar às correspondentes consequências (39). (35) Nesse sentido o pensamento de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO “Em suma: o Estado de Direito garante aos administrados que ninguém sofrerá constrição em sua liberdade a não ser em hipóteses previamente estabelecidas (e conhecidas), isto é, de modo a que saibam que comportamentos lhes são vedados e a que comportamentos poderão ser obrigados, presentes as circunstâncias de antemão elucidadas, ainda que de forma genérica..na conformidade do Texto Constitucional, só a lei pode impor ou proibir alguém de fazer ou deixar de fazer alguma coisa (in Regulamento e Princípio da Legalidade, Revista de Direito Público 96, página 42/43 e 45, sem grifo no original)” (36) GERALDO ATALIBA in Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Malheiros Editores, 2ª tiragem, 2001, página 26. (37) idem, ibidem, página 26. A característica fundamental do fato imponível consiste, pois, na sua natureza de (38) “ fato jurídico, a que a lei vincula o nascimento da obrigação. A esse respeito, deve-se dizer que a obrigação nasce da lei quando se verifica o fato imponível, sem a existência, 19 29 - Dentro dessa linha de entendimento, mantendo o particular comportamento contrário ou inerte após a apresentação a si do fato imponível, abrese ao legitimado a porta da exigibilidade perante o Poder Judiciário, autorizando-o a demandar em face do omisso pelas várias vias legalmente previstas, inclusive as mandamentais (40) , de maneira a que a pessoa renitente, simultaneamente, cumpra a obrigação a si dirigida e se abstenha de realizar a prática proibida. 30 – Bem de ver, a esse respeito, que não é tolerável nem mesmo a dúvida quanto à obrigatoriedade de atuar ou não no caso, justamente porque, se houver, deve ela se resolver em favor da tutela administrativa do princípio da dignidade, pois “entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável na vida real, de fato imponível que se possa subsumir à definição legal. Por outra parte, o fato imponível não cria, por si só, a obrigação, mas o faz mediante a lei. Esta conexão – entre fato imponível e a norma que é fonte da obrigação – tem como consequência iniludível ser o fato imponível um fato jurídico, isto é, um fato produtivo de efeitos jurídicos, por vontade da lei” (GERALDO ATALIBA in Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Malheiros Editores, 2ª tiragem, 2001, página 77). A esse respeito, cabe mencionar a lição de JUAN MANUEL TERAN, de acordo com a qual “o conceito de hipótese de incidência – como o de relação, sanção, preceito e pessoa – é universal, no sentido de que não decorre da observação de um sistema particular, nem se compromete com nenhum instituto jurídico localizado no tempo e no espaço” (in Filosofia del derecho, Editora Porrúa, México, 1952, páginas 79 e seguintes)”. (39) “Ora, o elemento principal e essencial da norma jurídica é o seu conteúdo do mandamental: uma ordem, um comando: faça isto, não faça aquilo. Por isso Hobbes disse: auctoritas, non veritas, facit legem: a autoridade, o poder (comando) faz o direito e não a verdade, nem a adequação de seus preceitos a situações, realidades ou princípios metajurídicos...O objeto da norma, ou de seu comando, é o comportamento humano. O comportamento deve adequar-se ao conteúdo mandamental da norma. O sujeito destinatário da norma deve comportar-se como nela se determina, sob pena de consequências (sanção) previstas em outras normas associadas à norma que estabeleceu tal comportamento” (GERALDO ATALIBA in Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Malheiros Editores, 2ª tiragem, 2001, página 26). (40) artigo 3º da Lei nº 7.437/85. 20 assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro” força concluir “que razões ético-jurídicas impõem ao julgador uma só possível opção: o respeito indeclinável à vida” (Medida Liminar, Santa Catarina, petição nº 1.246-1, relator ministro CELSO DE MELLO) (41). 31 - Dentre outros legitimados a exigir em juízo a realização do comportamento correlato ao fato jurígeno demonstrado, estão aqueles que têm por missão institucional a tutela do interesse de alcance transindividual atingido pelo descumprimento daquele mandamento (42). 32 - Em síntese a este tópico, diante da apresentação a si do fato imponível, compete ao fornecedor particular não só deixar de oferecer à venda a varejo gêneros alimentícios impróprios para consumo, como cumprir as normas locais e consumeristas pertinentes, especialmente de caráter penal, sob pena não só de cometer grave comportamento inconstitucional por violação ao princípio da dignidade humana, como de exercitar atividade econômica ilícita, sujeitando-se não só a ser compelido judicialmente a conformar seu comportamento ao ordenamento por meio dos remédios e instrumentos jurídicos postos à disposição no direito positivo, como à responsabilidade civil objetiva, administrativa e até criminal estabelecida no ordenamento por incidência do sistema protetivo previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), aplicável por identificação da presença de relação de consumo na hipótese. (41) apud Válter Kenji Ishida, Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, Atlas, 1998, pág. 35. (42) artigo 129, III, da Constituição Federal, combinado com artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 21 II.VI – Venda a varejo de gêneros alimentícios impróprios para consumo: atividade ilícita geradora de dano moral difuso 33 – Embora estabelecida a ilicitude, até mesmo sob a ótica jurídico-penal, a autoria e o evidente nexo causal derivado da conduta de revender a varejo gêneros alimentícios impróprios para consumo, determinante da responsabilidade civil (43) objetiva patrimonial, administrativa e criminal, persiste a necessidade de exame da elementar última – o dano -, porém sob o prisma extrapatrimonial. 34 – Pois bem. 35 - A doutrina vem entendendo que a “aceitação da reparabilidade do dano moral em face de entes diversos das pessoas físicas” (44), conjugada com expressa previsão legislativa (45) , oferece amparo jurídico suficiente para se concluir que o ordenamento acolhe a tese de reconhecimento desse direito imaterial em sede transindividual (46). (43) “Verificado o dano e sendo certo que este decorreu de uma conduta ilícita de outrem, presentes encontram-se os requisitos da responsabilidade civil, tornando inequívoco o dever da requerida de indenizar o autor” (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 914936/MG, relator Ministro LUIZ FUX, Diário de Justiça Eletrônico (DJE) de 8/02/2009). (44) ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, “Ação civil pública e o dano moral coletivo”, in Revista de Direito do Consumidor n° 25, página 82. A propósito, a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral". (45) Eis o teor do artigo em comento: “Artigo 6º. - São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. (46) Nesse sentido o entendimento de CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO: "Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial" (in Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista de Direito do Consumidor, 22 36 – Entende também a sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (47) que a responsabilização do agente em sede extrapatrimonial opera-se por força do simples fato da violação, “de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto” (48) , pois, "como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in re ipsa. Afirma RUGGIERO: ‘Para o dano ser indenizável, 'basta a perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, para volume 12, página 55). Assim também se posta ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS: "imagine-se o dano moral gerado por propaganda enganosa ou abusiva. O consumidor em potencial sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento de desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como no seu sentimento de cidadania" (“Ação civil pública e o dano moral coletivo”, in Revista de Direito do Consumidor n° 25, página 82). (47) É o que se extrai do seguinte julgado: “A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto” (RSTJ 124/396). E para que não pairem dúvidas, confiram-se os seguintes precedentes da Corte: Recurso Especial nº 575469/RJ, relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, Quarta Turma, Diário de Justiça da União de 06.12.2004; Recurso Especial nº 204825/RR, relatora Ministra LAURITA VAZ, Segunda Turma, Diário de Justiça da União de 15.12.2003; AgRg nos EDcl no AG 495358/RJ, relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, Diário de Justiça da União de 28.10.2003; Recurso Especial nº 496528/SP, relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Quarta Turma, Diário de Justiça da União de 23.06.2003; Recurso Especial nº 439956/TO, Relator Ministro BARROS MONTEIRO, Quarta Turma, Diário de Justiça da União de 24.02.2003; Recurso Especial nº 709877/RS, Ministro LUIZ FUX, julgado em 20/09/2005, Diário de Justiça da União de 10.10.2005, página 244; AgRg no Ag 742489/RJ, relator Ministro PAULO FURTADO, julgado em 01.09.09, Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 16.09.09; AgRg no Ag 1062888/São Paulo, relator Ministro SIDNEI BENETI, julgado em 18.09.08, Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 08.10.08. (48) RSTJ 124/396. 23 produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito.’ (RECURSO ESPECIAL 608918/RS, relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ de 21.06.2004)” (49). 37 – Para a comprovação do dano imaterial difuso, portanto, basta a comprovação da conduta ilícita, dela decorrendo, até por força da experiência comum (50), no mínimo, a violação do sentimento coletivo da comunidade afetada. (49) Recurso Especial nº 709877/RS, relator Ministro LUIZ FUX, julgado em 20.09.05, Diário de Justiça da União de 10.10.05, página 244. (50) artigo 335 do Código de Processo Civil. 24 38 – O valor da reparação, segundo a moderna doutrina do Superior Tribunal de Justiça (52) (51) e jurisprudência , deve levar em conta o valor do desestímulo, mediante arbitramento pelo juiz, devendo ele considerar, dentre outros aspectos, o grau de culpa, o porte empresarial do agente, suas atividades comerciais, o alcance da conduta, justamente para não propiciar naquele que violou o direito alheio uma relação de custo-benefício, evitando que reitere esse ilícito. 39 - Em síntese a este tópico, diante da apresentação a si do fato imponível, compete ao fornecedor particular não só deixar de oferecer à venda a varejo gêneros alimentícios impróprios para consumo, como cumprir as normas locais e consumeristas pertinentes, especialmente de caráter penal, sob pena não só de cometer grave comportamento inconstitucional por violação ao princípio da dignidade humana, como de exercitar atividade econômica ilícita, sujeitando-se não só a ser compelido judicialmente a conformar seu comportamento ao ordenamento (51) Nesse sentido se posiciona YUSSEF SAID CAHALI: “Inexistentes parâmetros legais para o arbitramento do valor da reparação do dano moral, a sua fixação se faz mediante arbitramento, nos termos do artigo 1.553 do Código Civil. À falta de indicação do legislador, os elementos informativos a serem observados nesse arbitramento serão aqueles enunciados a respeito da indenização do dano moral no caso de morte de pessoa da família, de abalo da credibilidade e da ofensa à honra da pessoa, bem como do dote a ser constituído em favor da mulher agravada em sua honra, e que se aproveitam para os demais casos”...“Em resumo : o arbitramento do quantum indenizatório do dano moral resultante da perda de membro da família, a ser feito pelo próprio juiz e ainda na fase de conhecimento do processo, é expressão subjetiva própria do convencimento judicante, fundado em circunstâncias objetivas reveladas no curso da ação...o montante do dano moral deve ser estipulado em conformidade com a teoria do valor do desestímulo, que doutrina e jurisprudência vêm propugnando (Carlos Bittar, Danos Morais : critérios para a sua fixação, IOB 3/8673)...” (in Dano Moral, 2ª edição, 1998, RT Editora, página 705, 184 e 177, respectivamente). (52) “O arbitramento da condenação a título de dano moral deve operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, suas atividades comerciais, e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual, e às peculiaridades de cada caso”(Recurso Especial nº 173366/SP, 4ª Turma, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, votação unânime, julgado em 03.12.98, Diário da Justiça da União de 03.05.99, página 152). 25 por meio dos remédios e instrumentos jurídicos postos à disposição no direito positivo, como à responsabilidade civil objetiva, administrativa e até criminal estabelecida no ordenamento por incidência do sistema protetivo previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), aplicável por identificação da presença de relação de consumo na hipótese, especialmente sua condenação ao ressarcimento dos danos patrimoniais e reparação de danos morais difusos, estes mediante arbitramento e independentemente de demonstração de prejuízo, diante da violação, no mínimo, do sentimento coletivo da comunidade afetada, aferível por meio da experiência comum. III – Do pedido 40 - Nesses termos, requeiro: a) a deprecação da citação da ré por meio de seus representantes legais, ou seja, por oficial de justiça, para que ofereça resposta dentro do prazo legal, sob pena de serem aceitas como verdadeiras as alegações de fato deduzidas na presente, devendo tal advertência constar do mandado de citação; b) a oportuna, senão liminar, inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, VIII da Lei n° 8.078/90, diante do alto grau de verossimilhança das afirmações feitas, conforme já entendeu o Superior Tribunal de Justiça (53); (53) A respeito da inversão do ônus da prova em sede de Ação Civil Pública, eis o trecho de ementa de acórdão de relatoria do ministro FRANCISCO FALCÃO: “Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver reparada ou compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente - artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) combinado com o artigo 18, da Lei nº 7.347/85.” (Recurso Especial nº 1049822/RS, 26 c) seja julgado procedente o pedido para, reconhecendo-se expressamente em sentença a violação ao princípio da dignidade humana: c.1) condenar a empresa-ré a ressarcir os danos individuais patrimoniais sofridos pelos consumidores que no estabelecimento dela compraram gêneros alimentícios com a respectiva data de validade vencida, a partir de 05.08.07, termo após o qual constatou-se o início da comercialização de alimentos impróprios para consumo, danos estes que deverão ser apurados em liquidação; Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 18/05/2009). No mesmo sentido acórdão de relatoria do ministro HERMANN BENJAMIN, de cuja ementa se extrai: “A tese recursal de que a inversão do ônus da prova não pode ser deferida em favor do Ministério Público em Ação Civil Pública, por faltar a condição de hipossuficiência, não foi debatida na instância ordinária, tampouco foram opostos Embargos de Declaração para esse fim. Aplicação, por analogia, da Súmula 282/STF, ante a falta de prequestionamento. Ad argumentandum, tal alegação não prospera. A uma, porque a hipossuficiência refere-se à relação material de consumo, e não à parte processual. A duas, porque, conforme esclarecido alhures, tal medida também pode se sustentar no outro pressuposto legal, qual seja, a verossimilhança das alegações.” (Recurso Especial nº 773171/RN, Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 15/12/2009, sem grifo no original). 27 c.2) condenar a empresa-ré ao pagamento de reparação a título de danos morais causados à coletividade consumidora, no valor de cem mil reais, cujo valor deverá ser destinado ao Fundo de Reparação dos Direitos Difusos Lesados, criado pela Lei nº. 7.347/85, valor sobre o qual deverá incidir juros de mora simples e contados a partir da data da ocorrência do evento danoso, consoante interpretação que se extrai das Súmulas nº 54 (54) e 186 (55) do Superior Tribunal de Justiça, e considerando tratar-se de responsabilidade extracontratual (56) , e correção monetária, conforme Súmula nº 562 do Supremo Tribunal Federal (57); c.3) condenar a empresa-ré ao cumprimento de obrigação de não fazer consistente em não mais expor à venda ou vender produtos impróprios para o consumo, sejam com prazo de validade vencido, deteriorados ou que por qualquer motivo se revelem inadequados ao fim a que se destinam, sob pena não só de pagamento multa no valor de dez mil reais por cada produto impróprio para consumo vendido, como de interdição do estabelecimento. c.4) determinar a publicação, para os fins do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), no órgão de imprensa oficial, de edital, nos termos abaixo: O JUÍZO DE DIREITO DA __ VARA CÍVEL DA COMARCA DE GUARUJÁ vem informar a todos os interessados que se encontra em curso a Ação Civil Pública nº ________, proposta pela 8ª Promotoria de Justiça de Guarujá em face de Companhia Brasileira de Distribuição, C.N.P.J. nº 47.508.411/0001-56, inscrição estadual n° 108.354.656.114, com (54) “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual” (55) “Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime” (56)(Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça e Recurso Especial nº 248764/MG, Diário de Justiça da União de 07/08/2000, página 115, relator ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA); (57) “Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, dos índices de correção monetária” 28 sede na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, n° 3.126, Bairro Jardim Paulista, São Paulo/SP, na qual se atribui à ré a prática de oferecer à venda alimentos impróprios para o consumo, mais precisamente com a data de validade vencida e sem refrigeração adequada. Assim, é publicado o presente EDITAL nos termos do artigo 94 do Código do Consumidor a fim de que os consumidores interessados, lesados pela compra de gêneros alimentícios impróprios para consumo possam figurar nos autos da Ação Civil Pública como litisconsortes. d) seja a ré condenada ao pagamento das despesas processuais. 41 - Protesto pela produção de todos os meios de provas admissíveis em direito. 42 - Requeiro seja o membro do Ministério Público intimado pessoalmente dos provimentos judiciais (artigo 236, §2º, do Código de Processo Civil). 43 - Segue anexado o procedimento administrativo instaurado para apurar esses fatos, nos termos do artigo 283 do Código de Processo Civil e artigo 109 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público - Lei Complementar Estadual nº 734/93. 44 - Deixo de fazer adiantamento de qualquer despesa processual em razão do disposto no artigo 18 da Lei nº 7.437/85 (58). 45 - Posto isso, conhecida esta demanda, requeiro sejam julgados procedentes os pedidos formulados, nos termos das letras c.1, c.2 e c.3 do item 40 supra. 46 - Dou à causa o valor de cem mil reais. Guarujá, 17 de agosto de 2010. (58) Nesse sentido: "PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROCEDÊNCIA - MINISTÉRIO PÚBLICO - CONDENAÇÃO NOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA IMPOSSIBILIDADE - LEI 7.347/85, ARTIGO 18 – PRECEDENTES” (Recurso Especial n.º 256.453 – São Paulo). 29