© Copyright 2006 - Professor Luis César Saraiva Feijó - Todos os Direitos Reservados – Proibida a reprodução sem autorização do autor. Luiz César Saraiva Feijó “OS SUFIXOS TUPI TYBA OU TÜBA IDENTIFICADOS COM O SUFIXO PORTUGUÊS AL” São inúmeros os topônimos portugueses oriundos de elementos da língua tupi. A onomástica indígena no português do Brasil imprime sua marca nos séculos XVII e XVIII, em milhares de termos, conforme pesquisa da professora Marina Vicentina de Paula do Amaral Dick que registra mais de 10.000 termos levantados, comentados e analisados em sua significativa contribuição aos estudos lingüísticos das línguas indígenas, no estado de São Paulo, num mapeamento que está preste a se concretizar. Os comentários que seguem dizem respeito a alguns topônimos encontrados nas regiões sudeste e sul do Brasil, formados com os elementos tupis tüba e tyba, que funcionam como sufixos, introduzindo no radical noção de coletivo, grande quantidade, abundância, equivalente “à desinência portugueza em al “ Por estarmos residindo na capital do Estado do Paraná e termos lecionado em algumas Faculdades, nesta cidade de Curitiba, iniciaremos nossos comentários com topônimos desta região, começando pelo nome da capital. 1- Curitiba, do tupi ku’ri, pinheiro e tüba, sufixo coletivo, grande quantidade. Do antigo nome Curituba ao atual Curitiba, verificou-se a preferência por este último, uma vez que os sufixos tüba e tyba se alternam na formação de muitos outros topônimos. Assim, Curitiba pode ser entendido como região de pinheiral, onde o sufixo –al- apresenta a idéia de coletivo, grande quantidade, abundância. Os sítios paranaenses concentram enorme quantidade dos únicos pinheiros do Brasil, conhecidos como araucária-do-Paraná (araucária brasiliensis), encontrados nativos nas faixas de terras que vão do centro-oeste do Paraná ao Chile, região de Arauco, donde o seu nome. Por isso, o elemento tupi ku’ri é raro fora dessa região, como topônimo. Como formador de substantivos comuns, ocorre em algumas regiões do Brasil (Norte, Nordeste), como curiúva ( de ku-ri , pinheiro + iwa, árvore). Encontramos, ainda, o elemento ybirá , que também significa árvore, muito comum na formação de nomes, como, entre outros, o conhecido ibirapitanga (árvore vermelha, o pau-brasil), primitivo nome de nossa terra. Nas regiões norte e nordeste não conhecemos topônimos com estes sufixos. 2- Guabirutuba é um bairro da cidade de Curitiba. Do tupi guabiru, rato pardo, menor que a capivara (do tupi kapi’xawa, comedor de capim) e tüba, como sufixo coletivo. 3- Guaratuba é cidade do Paraná, do tupi wa’ra, garça e tüba, abundância, muito. Na região sudeste, no Estado de São Paulo, encontramos os seguintes topônimos: 4- Ubatuba – Cidade praiana. Do tupi u’ba, cana de flecha, caniço e o sufixo coletivo tüba; 5- Caraguatatuba – Cidade praiana. Do tupi karawa’ta, gravatá e o sufixo coletivo tüba; 6- Araçatuba. Cidade do interior de São Paulo. Do tupi ara’as, araçá (fruta) e o sufixo coletivo tüba; No Rio de Janeiro, há, também, alguns topônimos com o sufixo coletivo tyba (tüba), da lígua dos tupinambás, que pelo litoral deste Estado viveram: 7- Guaratiba, bairro no litoral sul da cidade do Rio de Janeiro, do tupi wa’ra, garça e tyba, abundância, muito. Aqui foi usado o sufixo tyba e não o sufixo tüba. Muitas vezes os topônimos foram criados pelo homem branco, posteriormente ao século XVIII. A datação, nesses casos, é fundamental para se ter a real dimensão do fenômeno lingüístico-histórico-geográfico. 8- Mangaratiba – Do tupi mâga’ra e tüba, sufixo coletivo, o sítio dos mangarás. (Mangará é a ponta terminal da inflorescência da bananeira; umbigo); 9- Sepetiba – Do tupi as’pê e sufixo coletivo tyba (tüba). Sapezal (várzea repleta de sapê); 10- Sernambetiba – Do tupi surunam’bi, sernambi (molusco, concha branca) e sufixo coletivo tyba. Portanto, os sufixos tüba e tyba corresponderiam ao sufixo português –al- introduzindo a noção de coletivo, fartura, grande quantidade etc. Contudo, nem sempre os sufixos tupi tüba e tyba, agregados primitivamente a um sintagma tupi passaram a integrar topônimos portugueses. É o caso de yby cuî tyba que significa areal (tyba = al), pois yby é terra e cuî é farinha, pó, isto é, areia, mais tyba, sufixo coletivo, areal. Mas o topônimo que ficou foi ybycuî. Ibicuí, praia e distrito de Mangaratiba, no Rio de Janeiro. Realmente este local não é caracterizado por extensa faixa de areia. Não é um areal, logo não comportaria no topônimo o sufixo tupi tyba, mesmo porque a faixa de areia branca, o grande areal está em frente a Ibicuí, voltado para o mar aberto que banha a Restinga da Marambaia Ibicuitiba não existe como topônimo. Outro comentário ligado a esta colocação de geografia lingüística, diz respeito a uma observação de campo ocorrida em 1964, quando lecionávamos no Colégio Estadual Barão do Rio Branco, em Santa Cruz, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, bem perto de Sepetiba. Naquela ocasião, durante uma festividade, em Sepetiba, comemorando o dia de São Pedro, o santo pescador, verificamos que os cidadãos mais idosos pronunciavam os topônimos Sepetiba, Mangaratiba, Sernambetiba, Guaratiba (locativos constantes do vocabulário ativo dos pescadores e próximas localidades umas das outras), com um fonema paragógico /s/, de plural. Voltamos diversas vezes à região e constatamos o fenômeno. Pensamos que esses topônimos, assim pronunciados (Sepetibas, Mangaratibas, Sernambetibas, Guaratibas), sejam formas pluralícias, percebido o sufixo tyba como coletivo. É importante salientar que todos os idosos eram caiçaras. Seria uma semantização inconsciente, perdida no tempo, materializada pelo /s/ paragógico ? Interessante é que o normal na linguagem inculta, na fala descuidada, no falar daqueles que não têm a língua adquirida, isto é, a língua que se aprende na escola, é a redução, o não pronunciamento do /s/ de plural. Contudo, parece que existe uma semantização inconsciente na competência do indivíduo falante, pois este /s/ paragógico poderia ser um sinal de pluralização. Inconsciente, também, é a concordância desastrosa da língua popular, encontrada em expressões do tipo “o pessoal chegaram”, numa espécie de concordância ideológica conhecida como silepse. Ainda para abonar esta teoria, não nos esqueçamos da consciência lingüística do indivíduo falante, materializada no topônimo Ibicuí, comentado acima, sem a presença do sufixo “tyba”. Por outro lado, é sempre oportuno salientar que muitos topônimos com roupagem tupi nascem por criatividade da cultura do homem branco, como dissemos acima. O falante da língua portuguesa, que foi estabelecida como língua nacional, pela elite intelectual brasileira, desde os fins do século XVIII, por aglutinação, ume dois ou mais lexemas tupis e criam nomes de sítios, por essas regiões do interior de nossa pátria por falta de qualquer outra idéia. Mas é importante também lembrar que esta mesma elite intelectual, que assumiu, definitivamente, no século XIX, a língua portuguesa, traz, do passado, a prática vergonhosa do torpe extermínio de nossos índios, que correm o risco de serem somente lembrados pela presença dos lexemas e morfemas de sua língua geral introduzidos no português do Brasil. Curitiba, março de 2000.