UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ FERNANDA ÁVILA

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
FERNANDA ÁVILA WALTRICK
LIBERDADE RELIGIOSA E DIREITO À EDUCAÇÃO:
Uma defesa da adoção de prestação alternativa para estudantes
sabatistas.
São José
2010
FERNANDA ÁVILA WALTRICK
LIBERDADE RELIGIOSA:
Direito a educação como expressão do respeito à dignidade da pessoa
humana.
Monografia apresentada à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial a obtenção do grau em
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Leite Garcia
São José
2010
FERNANDA ÁVILA WALTRICK
LIBERDADE RELIGIOSA:
Direito a educação como expressão do respeito à dignidade da pessoa
humana.
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração:
Local, dia de mês de ano.
Prof. Dr. Marcos Leite Garcia
UNIVALI – Campus de São José
Orientador
Prof. Msc. Luiza Cristina Valente Almeida
UNIVALI – Campus de São José
Membro
Prof. Msc. Daniel Lena Marchiori Neto
Instituição
Membro
Dedico este trabalho aqueles que, como eu, confiam em Deus e vivem de acordo
com suas próprias convicções, não se conformando em violar sua consciência em
troca de conforto ou comodidade momentânea.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar ao Criador do Universo, Ele
que esteve sempre ao meu lado, me dando as
forças necessárias para escrever este trabalho.
Agradeço ainda a Deus por ter colocado pessoas tão
importantes que estiveram a minha disposição
durante esta caminhada e que contribuirão muito
para a construção deste trabalho:
Os meus familiares, pela compreensão em
momentos de aflição, carinho em momentos de
angustia e o mais importante pelo estimulo que me
deram em todos os momentos não me deixando
desistir;
Em especial ao meu Amado Esposo, que me
escutou e suportou os momentos de solidão, os
quais foram necessários para a conclusão deste
trabalho, pelas horas que ficou ao meu lado me
auxiliando e incentivando, sem mencionar que
aturou todos os momentos em que estive muito
nervosa sempre com muito amor.
A meu querido colega Stênio Barretto, que foi
a pessoa que mais me ajudou na elaboração do meu
trabalho, atendendo a todos os meus pedidos e
socorro. Esta pessoa tão especial que foi enviado
por meu Mestre, no momento que eu não sabia mais
o que fazer e deixando tudo em Suas mãos, fez o
melhor pra mim, enviou-me Stênio Barretto.
As minhas amigas Aline Pandolfo e Gabriela
Schmitt, pessoas muito importantes em minha vida
acadêmica, amizade que nasceu desde o primeiro
dia de aula e que se Deus quiser perdurará
eternamente, estas duas meninas estiveram ao meu
lado nas horas de alegria e tristeza, chorando e
sorrindo, pulando e gritando, a estas meu eterno
agradecimento.
E por ultimo e não menos importante meu
orientador Marcos Leite Garcia, pois, sem ele não
estaria apresentando meu trabalho de conclusão de
curso. Ele que dispôs de seu tempo para me auxiliar
e corrigir, para que no momento oportuno pudesse
explanar minhas conclusões e objetivos acerca do
tema abordado.
“Em matéria de consciência, não pode haver lugar para maiorias. Em coisas que
dizem respeito à honra de Deus e a salvação das almas, cada um deve responder
por si mesmo."
Minkowitz
“A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a
perseguir; não são uma existência, mas um valor, não são um ser, mas um deverser.”
Noberto Bobbio
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, de 2010.
Fernanda Ávila Waltrick
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é analisar a atuação do Estado enquanto
garantidor dos direitos fundamentais, em especial o direito à liberdade religiosa.
Aborda o direito à educação, vez que o mesmo se encontra no rol de direitos
fundamentais, ambos os direitos fazem parte da dignidade da pessoa humana, onde
cada cidadão individualmente já nasce com tal garantia.
Apresenta o histórico da liberdade religiosa nas constituições brasileiras, os
antecedentes de tal direito e sua construção, além de conceituá-la aborda suas
vertentes, que se subdividem em quatro: liberdade de crença, liberdade de
consciência, liberdade de culto e por fim a liberdade de organização religiosa.
O princípio da liberdade religiosa está disposto na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, mesmo o Estado sendo laico, isso não quer dizer que
seja ateísta, bastando que aceite todos os cultos e não deve haver uma religião
oficial, porém ele reconhece a existência de Deus.
Dentre os princípios da liberdade religiosa existe ainda o princípio da
dignidade da pessoa humana, o qual como já mencionado é um direito fundamental
que o cidadão adquire desde que nasce.
O Brasil como Estado Democrático de direito deve estabelecer meios para
que os indivíduos possam exercer seus direitos, em especial ao direito a educação,
já que todos são iguais perante a lei.
O Estado tem o dever de garantir a educação a todos os cidadãos, e se por
motivo de convicção religiosa o cidadão não puder exercer o direito de estudar em
determinados dias em virtude do descanso semanal, a exemplo dos adventistas do
sétimo dia o Estado deve se posicionar disponibilizando meios para que cada
cidadão exerça seus direitos fundamentais.
Palavra-chave: Liberdade religiosa, liberdade de crença, igualdade, direito à
educação, direitos fundamentais, laicidade, descanso semanal.
ABSTRACT
The purpose of this study is to analyze the performance of the state as
guarantor of fundamental rights, in particular the right to religious freedom. Discusses
the right to education, since it is in the list of fundamental rights, both rights are part
of human being dignity, where each citizen is born with rights.
It presents the history of religious freedom in the constitutions of
Brazil, the antecedents of such rights and its construction, and conceptualize it
covers its tracks, which are subdivided into four: freedom of belief, freedom of
conscience, freedom of worship and finally the freedom of religious organization.
The principle of religious freedom is provided in the Constitution of the
Federative Republic of Brazil in 1988, even the secular state being, doesn‟t mean it
is atheistic, simply accepting all faiths and there should be an official religion, but he
acknowledges the existence of God.
Among the principles of religious freedom is the principle of human , which as
mentioned is a fundamental right which the citizen acquires from birth.
Brazil as a democratic state of law should establish a means for individuals to
exercise their rights, particularly the right to education, since all are equal before the
law.
The state has a duty to ensure education for all citizens, and if by reason of
religious belief that citizen is unable to exercise the right to study on certain days
because of weekly rest, like the Seventh-day Adventists the state must stand
providing means for every citizen to exercise their fundamental rights.
KEYWORD: Freedom of religion, freedom of faith, equality, right to education,
fundamental human right, secularism, weekly rest.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12
1 LIBERDADE RELIGIOSA..................................................................................... 16
1.1 Surgimento e construção da Liberdade religiosa ............................................ 17
1.2 Da liberdade religiosa no Brasil. ..................................................................... 22
1.3 Vertentes da Liberdade Religiosa ................................................................... 27
1.3.1 Liberdade de crença .............................................................................. 29
1.3.2 Liberdade de consciência ..................................................................... 30
1.3.3 Liberdade de culto ................................................................................. 31
1.3.4 Liberdade de organização religiosa ...................................................... 31
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE RELIGIOSA ...................... 34
2.1 Conteúdo principiológico da liberdade religiosa .............................................. 35
2.2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Liberdade Religiosa............. 38
2.3 O princípio da Igualdade em matéria religiosa ................................................ 42
2.3.1 Igualdade Material .................................................................................. 43
2.3.2 Igualdade Formal ................................................................................... 46
2.3.3 Direito à objeção de consciência .......................................................... 49
3. LIBERDADE RELIGIOSA E O DIREITO À EDUCAÇÃO .................................... 54
3.1 A liberdade religiosa e os sagrados dias de descanso e oração ..................... 56
3.1.2 A origem o descanso semanal como dia de guarda e sua positivação
no ordenamento jurídico. ............................................................................... 57
3.2 A garantia fundamental da separação do Estado-Igreja ................................. 60
3.2.1 Funções do Estado enquanto a Liberdade Religiosa .......................... 64
3.3 O direito a educação e a situação peculiar dos sabatistas .............................. 65
3.3.1 O principio da liberdade de divulgar o pensamento............................ 69
3.3.2 A Situação Peculiar dos Sabatistas e o Direito à Educação à
Liberdade Religiosa como Normas Constitucionais de Princípio
Programático ................................................................................................... 72
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 76
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 80
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho versará sobre o dever estatal de assegurar os direitos
constitucionais fundamentais da liberdade religiosa em relação ao direito a
educação. Estes direitos estão presentes na Constituição Federal do Brasil de 1988
art. 5º, inciso VI e VIII, Projeto de Lei nº. 2171 /03, e a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) art. 12, inciso 2, que ingressa
em nosso direito pátrio nos termos do Decreto n.º 678, de 06 de novembro de 1992.
Tem o Estado, como titular do dever de assegurar o direito à educação, a
obrigação de oferecer prestação alternativa àqueles que, por motivo de crença
religiosa, não podem assistir às aulas de sextas-feiras à noite e sábados? Não
havendo prestação alternativa, deve a instituição de ensino abonar as faltas do
educando?
Como já existem medidas alternativas regulamentadas para o exercício das
obrigações dos cidadãos, como no serviço militar e as atividades acadêmicas em
domicílio para gestantes e sendo que a Constituição Federal do Brasil de 1988,
presa pela igualdade, à medida alternativa poderia englobar os guardadores do
sábado, ou seja, protegendo o direito de liberdade de crença e consciência dos
adeptos a minorias religiosas que guardam o sábado, ou seja, do pôr-do-sol de
sexta-feira até o pôr-do-sol de sábado, por exemplo, permitindo a aplicação de
medida alternativa. Assim a lacuna do o art. 5º, inciso VIII da Constituição Federal do
Brasil de 1988 seria sanada, pois, é expresso que cabe em caso de privação, e
também quanto ao direito à educação, uma medida alternativa, uma vez que os
cidadãos
emoldurados
nesta
situação
não
querem
se
eximir
de
suas
responsabilidades, mas em seu direito de que esta medida alternativa esteja
expressa em lei.
O objetivo da proposta do Projeto de Lei nº. PL 2171 /03 é regulamentar a
situação dos protestantes, dos adventistas do sétimo dia, dos batistas do sétimo dia,
dos judeus e de todos os seguidores de outras religiões que guardam o período
compreendido desde o pôr-do-sol da sexta-feira até o pôr-do-sol do sábado no culto
de sua fé. Assim a entidade educacional providenciaria uma medida alternativa para
13
que os alunos possam realizar provas e outras atividades em um horário que não
coincida com o período de manifestação de sua crença e guarda.
A escolha do tema faz-se pela necessidade de evidenciar que a interpretação
diversa de princípios constitucionais, em especial o direito a liberdade religiosa
podem levar a decisões que proporcionem a diferenciação de tratamento entre
cidadãos em função de sua convicção religiosa (desiguais com desigualdade). O
Brasil como Estado democrático deve proporcionar a sociedade tratamento
igualitário para os cidadãos guardadores do sábado, por escusa de consciência,
como faz para as gestantes e militares.
A Constituição Federal, ao dispor sobre os Direitos e Garantias Fundamentais
do cidadão, estabeleceu em seu Artigo 5º, inciso VIII, que "ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se
as invocar para eximir-se da obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei.” Ainda no mesmo artigo 5º, o inciso VI assegura
a inviolabilidade da "liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e as suas liturgias.” Por esta razão dispõe o parágrafo 1º do art. 143 da Carta
Magna assegurando competência às Forças Armadas para "atribuir serviço
alternativo aos que, em tempo de paz, depois de alistados, alegarem imperativo de
consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de
convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter
essencialmente militar.”
O §1º do art. 143 é apenas uma situação que buscou o Constituinte assegurar
ao cidadão, qual seja, o direito de prestar serviço alternativo frente à obrigação que
colide com suas convicções, sejam elas religiosas, filosóficas ou políticas.
Desta forma prevê a possibilidade de ocorrência de muitas outras hipóteses, o
Constituinte, sabiamente, assegurou, no §2º do art. 5º, a isonomia de tratamentos a
essas situações. Tal dispositivo assim estabelece: "os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte.”
14
A presente proposta tem como finalidade, permitir àqueles que, por
convicções religiosas, guardem um dia da semana para adoração divina, possam
continuar a fazê-lo, sem prejuízo de suas obrigações profissionais e escolares.
Analisar o dever do Estado em garantir o direito à educação aos sabatistas,
que, por motivo de convicção religiosa, não assistem as aulas ministradas em
sextas-feiras à noite e sábados.
Identificar e conceituar o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, buscando comprovar que ela só será assegurada com a garantia a
liberdade religiosa e ao direito a educação, bem como demonstrar o dever de
resguardar o acesso a educação aos sabatistas, em face da máxima efetividade da
dignidade da pessoa humana. Regulamentar outras situações que, a exemplo do
serviço militar, possam ensejar também alegação do imperativo de consciência por
motivo de crença religiosa, filosófica ou política.
O trabalho irá analisar o conflito na aplicabilidade dos Direitos e garantias
Fundamentais em face da liberdade de crença religiosa no que tange o direito
educação, uma vez que a Carta Magna prevê em seu art. 5º inciso VI e VIII.
O ato de guardar o sábado é uma ordenança cumprida pelos Judeus e
Adventistas do Sétimo Dia, entre outros, em respeito a esta convicção. Os aqui
emoldurados são muitas vezes impedidos de exercerem seus direitos básicos como
o acesso à educação prevista no art. 6º da Constituição Federal de 1988, porém
este direito é resguardado e o Estado pode oferecer medidas alternativas para tais
como o próprio art. 5º da Constituição Federal em seu inciso VIII, menciona:
“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”
O presente quer demonstrar que aqueles que, por motivo de crença religiosa,
não podem assistir aulas de sexta-feira à noite e sábados, não querem se eximir de
obrigações legais e sim pleitear uma medida alternativa para que ambas as partes
tenham seus direitos resguardados.
Sendo assim, perante o aqui exposto se faz necessária uma análise mais
profunda do tema para que possa ser objeto de uma futura monografia
O método de abordagem utilizado no presente projeto será o dedutivo. Cuja
15
premissa parte de teorias e leis mais gerais, quais sejam o direito a liberdade
religiosa e a educação dos cidadãos brasileiros, em especial os sabatistas.
A técnica aqui utilizada será o
método de pesquisa exploratória,
proporcionando aos que lerem uma maior familiaridade com o problema, visando
torná-lo mais explícito. Quanto ao procedimento seguir-se-á a técnica de
documentação indireta, através da pesquisa bibliográfica, constituído principalmente
de doutrinas e artigos científicos e da pesquisa documental na Constituição Federal
do Brasil de 1988 art. 5º, inciso VI e VIII, Projeto de Lei nº. 2171 /03 e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) art. 12, 2.
16
1 LIBERDADE RELIGIOSA
A liberdade religiosa vem sendo objeto de estudo dos jurisfilósofos e de
grande preocupação para o mundo, assunto este em sentido mais amplo.
De acordo com De Plácido e Silva:
A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se
quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo
conforme a livre determinação da pessoa, quando haja regra proibitiva para
a prática do ato ou não se institua princípio restritivo ao exercício da
atividade. 1
Maria Helena Diniz conceitua a liberdade no âmbito constitucional, como
“aquela que todos os cidadãos têm de não sofrerem restrições no exercício de seus
direitos, salvo nos casos determinados por lei”. 2
Na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, (doravante
CRFB/88), o artigo 5ª caput apresenta a liberdade em sentido lato, sendo um direito
fundamental inviolável.
É do caput do artigo 5º que se decompõem as demais
liberdades, entre estas a liberdade religiosa, que será analisada no presente
trabalho.
A liberdade em sentido lato é também um princípio constitucional disposto no
artigo 3º, inciso I, da, CRFB/88.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)3
Já no artigo 5º a liberdade é apresentada como um direito. Destarte, a
liberdade é um princípio e um direito ambos recepcionados pela CRFB/88. Em
relação ao princípio, a liberdade assemelha-se ao elemento hermenêutico, tornando
1
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 490.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico: J-P. 3. ed. rev., atual e aum. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
121.
3
BRASIL. Constituição . Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 3º, inciso I.
Brasília, DF: Senado, 1988.
2
17
compreensível
Constitucionais.
o
objeto
do
estudo,
para
orientar
e
aplicar
as
normas
4
A liberdade religiosa sempre foi um assunto polêmico em diversas esferas
da sociedade, nas relações privadas, públicas, nos meios jurídicos e nos meios de
comunicação. É importante estudá-la, pois, a mesma apresenta um papel relevante
na historia dos direitos fundamentais.
A liberdade religiosa é um direito universal e fundamental, que se sobrepõe
aos princípios e regras que regem uma sociedade, tendo em vista os valores
constitucionais. Este direito universal e fundamental busca demonstrar que cada
indivíduo em particular deve ser respeitado independentemente de sua religião ou
até mesmo se não aderir uma.
Dentro da liberdade religiosa estão inclusos outros direitos, como liberdade
de crença, de expressão de fé e liberdade de culto, além das associações religiosas.
Através das transformações ocorridas na sociedade, e da luta pelo direito, pode-se
dizer que a conquista da liberdade religiosa dentro do “Estado laico” é fundamento
de um Estado Democrático de Direito.
Canotilho afirma que os direitos fundamentais têm duas funções próprias:
A liberdade positiva constitui normas de competência negativa para os
poderes públicos, proibindo a influência deste na esfera jurídica individual,
submetendo-se o individua a autoridade legitima. Já a liberdade negativa,
visa a omissão dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas, é
a liberdade com ausência de impedimento ou de constrangimento. 5
1.1 SURGIMENTO E CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE RELIGIOSA
A Liberdade Religiosa segundo, Victor García Toma, tem seus antecedentes
nas palavras do rei persa Addashir, no século III a.C, porém sabe-se que seus
indícios se concretizaram na modernidade:
Saiba que a autoridade somente se exerce no corpo dos súditos, e que os
reis não têm poder algum sobre o coração humano. Sabei que, ainda que
4
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 1.275.
5
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. p. 1.267.
18
se dominem os homens no que diz respeito a suas posses, não se
dominará nunca o fundo de suas mentes 6
Com estas palavras entende-se que, por mais que um homem perca seus
direitos sobre seu corpo e sobre suas posses, jamais perdera os direitos sobre sua
mente, sendo que ninguém poderá controlá-la. Porém o que importa para a
Liberdade Religiosa é a projeção da consciência, a possibilidade de o individuo
exteriorizar o que pensa.
Na maioria das sociedades primitivas, o pensamento do individuo não era
dominado, mas sua manifestação sim. Fustel de Coulanges, sobre a liberdade de
manifestação de pensamento afirma que: “Os antigos não conheciam, portanto, nem
a liberdade de vida privada, nem a de educação, nem a liberdade religiosa. A
pessoa humana tinha muito pouco valor perante esta autoridade santa e quase
divina que se chamava pátria ou Estado.”
7
O mesmo autor assevera que o homem não tinha escolha de crenças.
Devendo submeter-se a religião do Estado.
Aldir Guedes Soriano, em razão da Liberdade Religiosa afirma:
A expressão liberdade religiosa foi utilizada, provavelmente, pela primeira
vez, no segundo século da era cristã. Tertuliano, um advogado convertido
ao cristianismo, usou essa expressão na sua obra intitulada Apologia (197
d. C), para defender os cristãos que passavam por uma feroz perseguição
religiosa empreendida pelo Império Romano. 8
De acordo com Victor Garcia Toma, foi com a aprovação do edito de Milão,
pelo Imperador romano Constantino no ano de 313 d.C, sendo concedido a todos os
homens, em especial aos cristãos, o direito de seguir a religião que escolhessem.
Entretanto, este mesmo direito foi cerceado pelo Imperador Constantino, que ao se
converter ao cristianismo, travou uma grande batalha contra o paganismo.9
6
Sabed que la autoridad se ejerce solamente sobre el cuerpo de los súbditos, y que los reyes no
tienen poder alguno sobre el corazón humano. Sabed que, aunque se domine a los hombres en lo
que respecta a susposesiones, no se dominará nunca el feudo de sus mentes. (tradução livre do
autor). TOMA, Victor García. Dos Derechos Fundamentales de La persona como ser espiritual.
Disponível em: http://www.angelfire.com/pe/jorgebravo/LOS_DERECHOS_DE_LA_PERSONA.pdf.
Acesso em: 29/06/2010.
7
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. 5. ed. tradução: Fernando de Aguiar. São Paulo:
Martins Fontes, 2004. p. 251.
8
SORIANO, Aldir Guedes. O Direito a Liberdade Religiosa. Correio Braziliense. Brasília, 08 de
novembro de 2004, Caderno Direito e Justiça, p. 2.
9
TOMA, Victor Garcia. Dos Derechos Fundamentales de La persona como ser espiritual. p. 2.
19
Com a conversão do Imperador Romano Constantino ao cristianismo é
consolidada a religião católica apostólica romana como a religião oficial do Estado.
Segundo Manuel Jorge e Silva Neto, foi com esta conversão que aconteceram as
maiores atrocidades que já houve, em nome da fé. A Igreja Católica passa a
perseguir qualquer tentativa de criação de um novo segmento religioso ou profissão
de fé distinta da declarada oficial, este novo segmento era cruelmente castigado por
ser tida como bruxaria ou heresia.10
O conceito de liberdade religiosa que se conhece nos tempos atuais começou
a ser incorporado a partir da modernidade e da reforma protestante, porém teve
indícios em outros momentos da história.
A religião Católica era a única aceitável como fé pelas pessoas, as
perseguições se mantiveram e até se tornaram mais graves, diante das
contundentes manifestações de Martinho Lutero e João Calvino, que almejavam a
reforma da igreja no século XVI.
Estes reformadores defendiam a doutrina da justificação pela fé e a Bíblia
como única fonte de autoridades nos assuntos da fé, ao passo que a Igreja Católica
pregava a doutrina da salvação pelas obras. O Luteranismo negava a infalibilidade
do Papa e o Calvinismo à separação entre Igreja e Estado.
A tolerância religiosa começa a surgir com a assinatura da Paz de Augsburg,
em 1555, trazendo mais conforto aos protestantes, nos seguintes termos: os
príncipes e cidadãos do império respeitariam a filiação religiosa de cada um e o povo
teria a opção de adotar a confissão religiosa do respectivo domínio ou de emigrar a
território que tivesse a confissão desejada. 11
Foi com os movimentos sócio-político e culturais que deram grande
contribuição a Liberdade Religiosa, estes movimentos trouxeram à tona a autonomia
individual dos comportamentos da sociedade e que cada homem deveria pensar por
si mesmo. Esta autonomia provocou um conflito com a Igreja e o Poder Absolutista.
A qual tinha como ideologia que só a igreja Católica poderia interpretar as escrituras
10
JORGE E SILVA NETO, Manoel. A proteção constitucional à liberdade religiosa. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 23.
11
PROTESTANTES GANHAM LIBERDADE DE RELIGIÃO. Disponível em: http://www.dwworld.de/dw/article/0.596156,00.html. Acesso em 01 de julho de 2010.
20
sagradas, não cabendo ao homem comum tal ato. Ocorre então um rompimento da
unidade religiosa. De acordo com o contexto, afirma Canotilho:
A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição de
minorias religiosas que defendiam o direito de cada um à “verdadeira fé”.
Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo menos, a idéia de
tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do
crente uma religião oficial. Por este fato, alguns autores, como G. Jellinek
vão mesmo ao ponto de ver na luta pela liberdade de religião a verdadeira
origem dos direitos fundamentais. Parece, porém, que se tratava mais da
idéia de tolerância religiosa para credos diferentes do que propriamente da
concepção da liberdade de religião e crença, como direito inalienável do
homem, tal como veio a ser proclamado nos modernos documentos
constitucionais.12
Estas Reformas foram responsáveis pelo reconhecimento dos Direitos
Humanos, relacionados com os direitos de primeira geração, nos quais a liberdade
religiosa está inclusa.13
Com a Reforma Protestante, houve sangrentas guerras religiosas na Europa,
e foi com estes acontecimentos que surgiram um maior numero de diversidades de
confissões religiosas, cuja igualdade começa a ser reivindicada e reconhecida.
Com a descoberta dos Estados Unidos da América, aumentou o interesse por
este Novo Continente, como assim o chamam. Os puritanos anglo-saxões tinham
como ideais criar normas liberais para os Estados Unidos da América, estas normas
eram adversas das normas de seu país de origem. A intenção dos puritanos era
criar um Estado “mais liberal”, onde os Direitos Humanos fossem tutelados.
Por esta razão que na Declaração de Independência dos Estados Unidos da
América, bem como no Bill of Rigths do Estado de Virginia de 1776, houve a tutela
dos referidos Direitos Humanos.14 A primeira emenda Constitucional americana de
1791 dispõe que:
(O) Congresso não editará nenhuma lei instituindo uma religião, ou
proibindo o livre exercício dos cultos; nem restringirá a liberdade de palavra
12
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6 ed. rev. Coimbra: Livraria Almeida,
1993. p. 503.
13
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Tempestade perfeita? Hostilidade à Liberdade Religiosa
no pensamento teórico-jurídico. in MAZZUOLI, Valério de Oliveira; SORIANO, Aldir Guedes
(coord). Direito a liberdade religiosa desafios e perspectivas para o séc. XXI. Belo Horizonte: Fórum,
2009. p. 117.
14
GONÇALVES, Bruno Tadeu Radtke e BERGARA Paola Neves dos Santos. Liberdade Religiosa.
Disponível
em:
http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1656/1579.
Acesso em 22/06/2010.
21
ou de imprensa; ou o direito do povo de reunir-se pacificamente, ou de
petição ao governo para a correção de injustiças 15
A emenda constitucional americana de 1791, acima citada já defendia
claramente a liberdade religiosa, aplicando os princípios do Estado Laico uma vez
que veda que o próprio Congresso edite lei instituindo alguma religião ou até mesmo
proibindo os exercícios de culto.
O Bill of Rigths do Estado de Virginia (1776) e a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789) dispõem sobre os princípios da liberdade e igualdade.
Atualmente os Direitos humanos são valores universais, atingindo os direitos
humanos internacionais, conforme previsto na ONU.
Os principais tratados que servem como fundamento à Liberdade Religiosa
Internacional são: A Declaração Universal (1948), o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (1966), a Declaração das Nações Unidas sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com base na
Religião ou Crença (1981) e, por fim, o Documento Final de Viena (1989).
16
Assim dispõe o art. 18 da Declaração dos Direitos Humanos:
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência, religião;
este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e
pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.17
Apesar de a liberdade religiosa ter indícios em tempos antigos, o auge de seu
reconhecimento é na reforma protestante, e mais precisamente na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão e no caso do Brasil foi na Constituição de 1988
que este direito foi realmente consolidado.
15
Liberdade Religiosa. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Liberdade_religiosa. Acesso em
22/06/2010.
16
Proteção
a
Liberdade
Religiosa.
Jusbrasil.
Disponível
em:
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/933225/protecao-a-liberdade-religiosa-e-debatida-hoje-no-mpt.
acesso em 23/06/2010.
17
Declaração dos Direitos Humanos. art. XVIII, 1948.
Disponível em: http://www.onubrasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php.
22
1.2 DA LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL.
Durante o Brasil Colônia, a Igreja e o Estado se confundiram, os
colonizadores não permitiam professar outra religião que não fosse a oficial, na qual
a Constituição Imperial de 1824 havia estabelecido a Igreja Católica Apostólica
Romana como tal.
Foi neste lapso temporal que os portugueses consideravam como iguais
somente aqueles que professavam a mesma religião, ou seja, a religião católica, não
se importando com raça ou nacionalidade.
Aqueles que professavam outras religiões eram considerados como
adversários
políticos,
no
qual
poderiam
enfraquecer
a
estrutura
colonial
desenvolvida em parceria com a religião Católica 18
O forte liame entre a religião Católica e o Estado durante todo o período
colonial foi mantida com o escopo de combater os calvinistas franceses, os
reformadores holandeses e os protestantes ingleses.
A heresia e a apostasia eram consideradas como crime. Tem-se como
heresia toda e qualquer discordância doutrinária, do ponto de vista romano. Esta
tipificação subsistiu ate a Constituição imperial de 1824.
A separação entre o Estado e a Igreja só ocorreu com a promulgação da
República em 1981, e foi com a Constituição Federal de 1988 que a liberdade
religiosa atingiu o patamar máximo como direito imodificável.
Em relação ao Estado laico, Emerson Giumbelli afirma que as condições
associadas ao principio da liberdade religiosa são as seguintes:
[...] Separação entre Estado e Igrejas, não intervenção do Estado em
assuntos religiosos, restrição dos grupos confessionais ao espaço privado,
igualdade das associações religiosas perante a lei, garantia de pluralismo
confessional e de escolha individual [...]19
De igual modo aconteceu com o Brasil Império, a Constituição de 25 de
março de 1824, outorgada por Dom Pedro I, dispõe em seu art. 5º que “a religião
18
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 58-59.
19
GIUMBELLI, Emerson. A religião que a modernidade produz: sobre a história da política religiosa
na França. Dados. Rio de Janeiro, 2001. p. 4
23
católica apostólica romana continuaria a ser a religião do império.” Porém era
permitido professar outras religiões no interior de suas habitações, não podendo
exercer sua fé publicamente, sendo assim havia a referida liberdade de crença, mas
não a liberdade de culto.
[...] Pode haver liberdade de crença sem liberdade de culto. Era o que se
dava no Brasil Império. Na época, só se reconhecia como livre o culto
católico. Outras religiões deveriam contentar-se com celebrar um culto
domestico, vedada qualquer outra forma exterior de templo [...] 20
A Constituição de 1824 restringia aos chamados acatólicos, aqueles que não
aderiam à religião oficial, de exercer cargos públicos e usar os cemitérios.
Desta forma, a liberdade religiosa praticamente inexistia.
[...] Realmente, a Constituição Política do Império estabelecia que a Religião
Católica Apostólica Romana era a religião do Império ( art. 5º), com todas as
consequências derivantes dessa qualidade de Estado confessional, tais
como a de que as demais religiões seriam simplesmente toleradas, a de
que o Imperador, antes de ser aclamado, teria que jurar manter a religião
(art. 103), a de que competia ao poder executivo nomear os bispos e prover
os benefícios eclesiásticos (art. 102, II), bem conceder ou negar o
beneplácito a atos da Santa Sé (art. 102, XIV) [...]21
Foi em 15 de novembro de 1889, que Marechal Deodoro da Fonseca
proclamou a República, pondo fim ao período imperial. O decreto 119-A foi editado
no ano seguinte e elaborado por Rui Barbosa. No período republicano houve a
ampliação da liberdade religiosa, e o referido decreto proibia a intervenção de
autoridade federal bem como Estados federados em matéria religiosa, ou seja,
impõe a separação entre Estado e Igreja.
Com a Constituição de 1891, foi oficializada a separação entre Estado e
Igreja, o qual dispõe o art. 11, § 2º da CRFB/88 de 1891. Foi com a mesma
Constituição Federal que o acesso a cultos públicos foi assegurado não importando
qual seria a religião, o dispositivo legal de tal direito é o art. 72, § 3º da CF de 1891:
Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
20
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 21ª ed. São Paulo: Saraiva 2000, p.
191
21
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros
2007, p. 250 e 251.
24
§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e
livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens,
observadas as disposições do direito comum. 22
O mesmo aconteceu com os cemitérios que tiveram caráter secular, disposto
no art. 72, § 5º da CF de 1891, no que diz respeito à escusa de consciência a
mesma lei estabeleceu que ninguém poderia ser privado de seus direitos por
motivos de crença ou função religiosa assim institui o § 28 do art. em questão.
Com este novo dispositivo, o Brasil jamais voltaria a ser um Estado com uma
religião oficial, neste cerne estava Constitucionalmente assegurada a liberdade
religiosa.
Conforme ensina Arnaldo Moraes Godoy:
A Constituição de 1891 firmou as linhas gerais da liberdade religiosa no
Brasil, condicionando seu exercício à moral pública. Consagra-se, com esse
limite, a livre associação, a liberdade de culto, o casamento civil, a
secularização dos cemitérios, o ensino público laico, a total independência
entre Estado e religião. Nessa medida, nossa primeira Constituição
Republicana, expressão legislada do liberalismo, protege a liberdade
religiosa, desvinculando religião e Estado, de modo a reconhecer a perda
da hegemonia católica, insista-se, mais devido ao crescimento do
liberalismo do que ao protestantismo ou outra tendência não católica. 23
A Constituição de 1934 não havia sido promulgada ainda quando houve uma
discussão por parte dos parlamentares católicos sobre a laicização do Estado, isso
ainda sob o escudo da primeira Constituição Republicana. Esta discussão acarretou
um decreto, no qual Getúlio Vargas instituiu que o ensino religioso fosse ministrado
em escolas públicas, deixando assim a Igreja Católica satisfeita em relação a uma
das suas maiores reivindicações. 24
A Constituição de 1946 ainda mantinha a influência católica, isso
demonstra os artigos plenamente católicos. Na Constituição de 1967 e na Emenda
Constitucional n. 1, de 1969, a redação ficou mais enxuta, não se falando em
22
Brasil. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Art. 73º, § 3º. Brasília: Senado Federal,
1891.
23
GODOY, Arnaldo Moraes. A liberdade religiosa nas constituições do Brasil. Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo: revista dos tribunais, 2001. p. 9. Disponível em:
http://www.arnaldogodoy.adv.br/publica/h_alibrelnascondobra.html. acesso em 26 de maio de 2010.
24
FERREIRA, Costa. A Liberdade Religiosa nas Constituições do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1987. p 17.
25
liberdade de crença em si, mas apenas a liberdade de consciência 25. Dispõe o art.
150, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967:
Art. 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
§ 5º - É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o
exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os
bons costumes.26
Na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional n. 1, de 1969, a
redação ficou mais enxuta, não havia de se falar em liberdade de crença em si, mas
apenas a liberdade de consciência27. Dispõe o art. 150, § 5º, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1967:
Art. 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
§ 5º - É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o
exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os
bons costumes.28
Por fim, chega-se à Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, que, em seu texto, deixa de constar as expressões “ordem pública” e “bons
costumes”. Isso, não alterou em nada o entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Outra mudança foi o retorno da expressão “liberdade de crença” suprimida na
Constituição de 1967.29
No art. 5º, incisos VI e VIII, encontra-se o princípio da liberdade religiosa
assegurado, nos termos seguintes:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
25
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 251.
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil: art. 150, § 5º.
Brasília,
DF,
1967.
Disponível
em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm> Acesso em: 26 maio 2010.
27
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 251.
28
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
1967. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm> Acesso
em: 26 maio 2010.
29
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 251.
26
26
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
[…]
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;30
Assim sendo, todos os brasileiros e estrangeiros residentes têm o direito à
liberdade religiosa, consistente na liberdade de consciência, de crença, de culto e de
organização religiosa, sendo vedada a privação de direitos por motivo de crença
religiosa, sendo esta um direito da mais alta magnitude, em face de estar
relacionado com o princípio basilar da liberdade individual.
Vale ressaltar que para se concretizar tal direito, é necessário que o
Estado não se vincule a religião alguma, ou seja, o Estado deve ser laico. Quando
um Estado é laico, ele não pode favorecer uma religião em detrimento de outras, o
tratamento deve ser igualitário, mantendo o princípio da isonomia. 31
A Constituição Federal de 1988 consagra a liberdade como um princípio e
um direito, sendo que este direito já se destaca desde o preâmbulo da Carta Magna.
O direito a liberdade está entre os valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos.
De acordo com o acima descrito, a Constituição Federal de 1988, que em
seu preâmbulo diz ser uma sociedade fraternal, pluralista e sem preconceitos, só
pode subsistir com tais características através de uma sociedade liberal, ou seja,
uma sociedade que prime o direito a liberdade inclusive o da liberdade religiosa.
A sociedade é pluralista, quando respeita as diferentes confissões
religiosas e políticas, caso tal característica não seja encontrada em um Estado não
teria como valor supremo a liberdade, como no caso da Constituição Federal do
Brasil de 1988, que visa tal direito.
30
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado, 1988.
31
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. p. 32.
27
1.3 VERTENTES DA LIBERDADE RELIGIOSA
Quando se estuda o direito à liberdade religiosa, vê-se a amplitude
deste assunto, uma vez que tal direito se subdivide em outras vertentes,
caracterizando-a ainda mais. Com os contornos que a liberdade veio alcançando até
ser vista pela ótica religiosa, tal direito foi assumindo um papel de suma importância
dentre os direitos da liberdade em espécies, indispensáveis para a satisfação
humana.
José Afonso da Silva afirma que a liberdade religiosa divide-se em três
vertentes: liberdade de crença, de culto e de organização religiosa, porém analisa-se
que ao comentar estas vertentes em seu texto, acrescenta uma quarta forma de
liberdade a de consciência. De uma forma mais completa de classificação onde se
examinará os conceitos das quatro vertentes de liberdade religiosa. 32
A Constituição Federal de 1988 no art. 5º, inciso VI, dispõe que:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias; 33
De acordo com o inciso acima é possível distinguir quatro direitos protegidos
pela Constituição. A liberdade religiosa engloba quatro tipos distintos, porém,
relacionados entre si. Dentre os conceitos de liberdade religiosa, com base na Carta
Maior existem os seguintes:
a) Liberdade de crença;
b) Liberdade de Consciência;
c)Liberdade de culto;
d) Liberdade de organização religiosa.
A Constituição ao estabelecer quatro liberdades distintas, manteve uma
diferenciação entre elas, assim afirma Celso Ribeiro Bastos:
Liberdade de consciência não se confunde com a de crença. Em primeiro
lugar, porque uma consciência livre pode determinar-se no sentido de não
32
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 249
Brasil. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Art. 5º, VI. Brasília: Senado Federal,
1988.
33
28
ter crença alguma. Deflui, pois da liberdade de consciência uma proteção
jurídica que incluiu os próprios ateus e os agnósticos34.
Para que aja e efetiva proteção da garantia Constitucional, relacionada à
liberdade, o Estado não pode estar associado institucionalmente a nenhuma igreja, o
que ocorre no Brasil desde o Decreto 119, de 17 de janeiro de 1890, quando foi
promulgada a separação entre o Estado e Igreja.
A teoria do Estado leigo fundamenta-se numa concepção secular e não
sagrada do poder político, encarado como atividade autônoma no que diz
respeito às confissões religiosas. Estas confissões, todavia, colocadas no
mesmo plano e com igual liberdade, podem exercer influência política, na
proporção direta de seu peso social. O Estado leigo, quando corretamente
percebido, não professa, pois, uma ideologia “laicista”, se com isto
entendemos uma ideologia irreligiosa ou anti religiosa35
O direito à liberdade religiosa compreende diversos direitos, os quais reunidos
são considerados em sentido amplo. Ao ver de Soriano trata-se de um direito
composto. Ou seja, um direito que se decompõe em quatro vertentes, liberdade de
consciência, liberdade de crença, liberdade de culto e liberdade de organização
religiosa, de acordo com o disposto na Constituição Federal do Brasil em seu art. 5ª,
VI e o art. 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 36
Na mesma seara, a Constituição portuguesa de 1976, reconhece a liberdade
de consciência, de religião, de culto e de organização em seu art. 41. 37
Os titulares do direito a liberdade religiosa de acordo com a Carta Magna, em
seu art. 5º caput, são todos os seres humanos que estiverem sob a tutela do Estado.
34
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Granda da Silva. Comentários à Constituição do Brasil,
vol. 2. São Paulo: Saraiva,1989 p. 127.
35
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política, Brasília: UnB, 1986.
36
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. p. 10.
37
Assim dispõe a Constituição portuguesa de 1976, no seu art. 41, in verbis: Artigo 41.º
Liberdade de consciência, de religião e de culto
1. A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por
causa das suas convicções ou prática religiosa.
3. Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática
religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser
prejudicado por se recusar a responder.
4. As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua
organização e no exercício das suas funções e do culto.
5. É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão,
bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas
atividades.
6. É garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da lei.
29
entende-se que abrange todos que estão dentro dos limites geográficos da
soberania nacional.
1.3.1 Liberdade de crença
O constituinte, sob comento, diz ser inviolável a liberdade de consciência e de
crença. Porém a dois posicionamentos em relação a esta liberdade.
Segundo o constitucionalista José Cretella Júnior, a liberdade de consciência
se equipara a liberdade de crença, pois ambas se referem a questões internas do
ser humano – de foro íntimo, que não necessitam, necessariamente, de
exteriorização, na forma de culto ou rito. Podendo assim, haver culto sem fé ou
crença, como pode haver crença ou fé sem culto.38
Por outro lado ambas as liberdades não se confundem entre si, uma vez que
a consciência pode significar a não existência de crença, como no caso dos
agnósticos e ateus, conforme afirma BASTOS; MARTINS.
39
Destarte, a liberdade de
crença está a proteger também aqueles que não crêem.
De acordo com CRETELLA:
A consciência é sempre livre e a liberdade de consciência não necessita de
proteção constitucional ou legal. O direito não se preocupa com os atos
internos ou intransitivos do homem, que, alias, não perturbam nenhuma
pessoa, nem a ordem jurídica. O constituinte teria, então, segundo ele,
confundido consciência com projeção de consciência no mundo externo. 40
Em sentido contrário, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, afirmam
que não se engloba no plano jurídico a liberdade de espírito ou de pensamento,
pois, se envolve no plano intimo de cada ser.41
Pontes de Miranda, leva à compreenção que ambas as liberdades são
inconfundíveis uma vez que o descrente tem liberdade de consciência e pode pedir
que seu direito seja tutelado juridicamente.
38
42
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988, vol. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1992. p. 216-218.
39
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários a Constituição de Brasil. p. 49
40
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. p. 216
41
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários a Constituição de Brasil. p. 48.
30
Assim, o direito a liberdade religiosa, no sentido lato sensu, interessa tanto
aos que crêem como os que não crêem, sendo assim tanto os crentes como os
descrentes estão amparados pelo direito. Estes através da liberdade de crença e de
consciência, aqueles, através da liberdade de consciência. 43
1.3.2 Liberdade de consciência
Acerca da liberdade de consciência, que tem seu fundamento em guardar o
direito de seguir ou não uma religião, uma vez que a consciência é livre, portanto a
liberdade de consciência tutela tanto o ateu como o não ateu.
Ensina Cretella que:
A liberdade de consciência comporta o direito de crer no que se deseja e de
filiar-se à religião preferida, como também o direito de não professar religião
alguma. […] Consciência é estado interior do homem, é disposição do ser
humano não transitivada. É liberdade de opinião, concentrada na fé, na
crença ou em qualquer aspecto da vida do ser humano.44
Por muitas vezes a liberdade de crença e de consciência são confundidas,
mas a diferenciação de ambas é clara, uma vez que a liberdade de crença
resguarda o direito do individuo escolher qual a religião seguir, á liberdade de
consciência resguarda o direito de o individuo em não seguir qualquer religião.
Jorge Miranda dispõe acerca da diferenciação da liberdade de crença e
da liberdade de consciência:
A liberdade religiosa aparece indissociável, como não pode deixar de ser,
da liberdade de consciência. No entanto, não se lhe assimila, visto que, por
um lado, a liberdade de consciência é mais ampla e compreende quer a
liberdade de ter ou não ter religião (e de ter qualquer religião) quer a
liberdade de convicções de natureza não religiosa (filosófica,
designadamente); e, por outro lado, a liberdade de consciência releva, por
definição, só do foro individual, ao passo que a liberdade religiosa possui
(como já se acentuou) também uma dimensão social e institucional.45
42
MIRANDA Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 5, p. 123.
43 43
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. p.
12.
44
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. p. 217.
45
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV: direitos fundamentais. 3. ed., rev. e
atual. Lisboa [Portugal]: Coimbra, 2000. p. 367.
31
1.3.3 Liberdade de culto
A liberdade de culto exprime a pratica dos ritos, no culto, cerimônias,
manifestações e reuniões. Ou seja, o direito do individuo em expressar e praticar
sua religião, não importando que seja individualmente ou em sociedade sua
prática.46
No dizer de Pontes de Miranda, “compreendem-se na liberdade de culto a
de orar e a de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em
público, bem com a de recebimento de contribuições para isso.”
47
“Consciência é a
fé interiorizada. Religião ou culto é a fé exteriorizada.” 48
É de se concordar, que não adianta um individuo poder escolher sua religião
e não poder expressá-la, manifestá-la e até mesmo comunicála a outrem.
A Constituição do Império não reconhecia a liberdade de culto com toda
essa extensão para todas as religiões, somente a católica tinha este direito
protegido, como já foi mencionado anteriormente. As demais religiões só poderiam
praticar seus cultos divinos no interior de suas residências.
A constituição atual, além de garantir a liberdade de culto para todas as
religiões, prevê ainda outra garantia no art. 5º, VI a proteção dos locais de culto e
suas liturgias.49
1.3.4 Liberdade de organização religiosa
A ultima vertente da liberdade religiosa refere-se à liberdade de
organização religiosa e que se refere “à possibilidade de estabelecimento e
organização das igrejas e suas relações com o Estado.” 50
46
BASTOS e MEYER-PFLUG, Revista de Direito Constitucional e Internacional: Cadernos de
direito constitucional e ciência política. São Paulo: RT, 2001. p. 109.
47
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo V. p. 129
48
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. p. 218.
49
Brasil. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Art. 5º, VI. Brasília: Senado Federal,
1988.
50
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. p. 250.
32
Existem três espécies de relações entre o Estado e as organizações
religiosas, são elas: fusão, união e separação.51
A fusão seria a confusão integral entre Igreja e Estado. “Nesse modelo, o
Estado é tido, ele mesmo, como um fenômeno religioso.” 52
Na união, pode ocorrer uma preferência do Estado por uma Igreja
específica ou até mesmo uma incorporação, como ocorre com a igreja anglicana na
Inglaterra.53
Existe ainda o modelo da separação em que “o Estado reconhece a
liberdade de cultos, porém recusa-se a intervir no funcionamento das igrejas ou
templos, não importando sob que pretexto. Tal regime é conhecido como „regime de
tolerância.”54
A Constituição Federal do Brasil instituiu o sistema de separação entre
Estado e Igreja:
O Estado brasileiro é laico, ou seja, não confessional. Isto significa que ele
se mantém indiferente às diversas igrejas que podem livremente constituirse, para que o Direito presta a sua ajuda pelo conferimento do recurso à
personalidade jurídica. Portanto, as igrejas funcionam sob o manto da
personalidade jurídica que lhes é conferida nos termos da lei civil. 55
Tais garantias não se dão apenas no aspecto negativo, ou seja, o dever
do Estado não se manifestar acerca de qualquer religião. A liberdade religiosa é um
princípio constitucional que, além da eficácia plena, também possui em si um
conteúdo programático, ou seja, requer do Estado atitudes positivas.
Iso Chaitz Scherkerkewitz, ao escrever acerca do direito de religião no
Brasil, deixa claro que:
Pode-se afirmar que, em face da nossa Constituição, é válido o
ensinamento de Soriano de que o Estado tem o dever de proteger o
pluralismo religioso dentro de seu território, criar as condições materiais
para um bom exercício sem problemas dos atos religiosos das distintas
religiões, velar pela pureza do princípio de igualdade religiosa, mas deve
manter-se à margem do fato religioso, sem incorporá-lo em sua ideologia.
[…]
Com base no nosso progresso constitucional, pode-se afirmar com
segurança que o Estado não deve simplesmente „tolerar‟ a existência de
51
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. p. 54.
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. p. 53.
53
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. p. 53.
54
BASTOS e MEYER-PFLUG, Revista de Direito Constitucional e Internacional. p. 107.
55
BASTOS e MEYER-PFLUG, Revista de Direito Constitucional e Internacional. p. 111.
52
33
outras religiões em seu território. Deve saber conviver com a multiplicidade
de religiões existentes, tratando igualmente a todas.56
Foi com o decreto nº 119 A que a Igreja e o Estado se separaram, foi
recepcionada também pela ordem republicada em 1981, desde então inexiste um
religião oficial, passando a ser livre a organização religiosa. 57
Destarte o Estado não pode proibir as manifestações religiosas desde que
organizadas na forma da lei, como se refere o art. 19, I, da CRFB/88, cabendo ao
Estado a proteção de tais manifestações religiosas, mediante ao exercício do poder
de polícia.
56
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O Direito de Religião no Brasil. Disponível
em:<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm> Acesso em: 07 de
Julho de 2010.
57
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 191.
34
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE RELIGIOSA
Devido às guerras de religião que marcaram o inicio da era moderna, o tema
da tolerância religiosa e consequentemente a liberdade religiosa é um dos assuntos
fundamentais da atualidade.
O princípio da liberdade religiosa é utilizado em várias esferas da vida
humana, sendo foco de discussões teóricas, uma vez que a humanidade é, em
grande parte, um povo religioso e cada individua com sua religião.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (doravante
CRFB/88) deu início ao processo de juridicidade da liberdade religiosa como valor
fundamental da pessoa humana, é no preâmbulo que se observa sua orientação
teísta, uma vez que é abordada a proteção divina, vale ressaltar ainda que a
Constituição é aconfessional, ou seja, não adota religião oficial, isso não quer dizer
que seja ateísta conforme o disposto a seguir:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.58
O Brasil é um Estado laico, e como tal deve aceitar todos os cultos, não
havendo uma religião oficial. Ainda assim o estado reconhece a presença de Deus.
O princípio constitucional da liberdade religiosa, derivada da liberdade latu
sensu tem como valor fundamental a dignidade da pessoa humana. Este direito vem
sendo gradativamente alcançado através de lutas que geraram guerras e
perseguições, que por sua vez, culminaram em revoltas e grandes revoluções.
O principio fundamental da liberdade teve como seu principal ponto de
reconhecimento e positivação na Declaração de Independência Americana de 1776,
58
Brasil. Constituição da Republica Federativa do Brasil: Preâmbulo. Brasília: Senado Federal,
1988. (grifo do autor)
35
na Revolução Francesa através da Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do Cidadão baseado no conceito amplo de liberdade, igualdade e fraternidade posto
que o entendimento é a base para os demais direitos fundamentais. 59
Em afirmação aos direitos temos:
Com a Declaração de 1948, tem inicio uma terceira e última fase, na qual a
afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no
sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais
apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens;
positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os
direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas
idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra
o próprio Estado que os tenha violado. No final desse processo, os direitos
do cidadão terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do
homem. Ou. pelo menos, serão os direitos do cidadão daquela cidade que
não tem fronteiras, porque compreende toda a humanidade; ou, em outras
palavras, serão os direitos do homem enquanto direitos do cidadão do
mundo. 60
Dentre tais princípios relatados no presente trabalho, a liberdade é o mais
importante em latu sensu, uma vez que é o suporte para a garantia dos outros dois
princípios.61
2.1 CONTEÚDO PRINCIPIOLÓGICO DA LIBERDADE RELIGIOSA
O principio da liberdade, como já apresentado anteriormente, tem seus
fundamentos jurídicos constitucionais no caput do art. 5º da Constituição da
República Federativa do Brasil, ao tratar dos direitos e deveres individuais e
coletivos, encontra-se a seguinte afirmação:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à
propriedade, nos termos seguintes: (…)62
59
GONÇALVES, Bruno Tadeu Radtke e BERGARA Paola Neves dos Santos. A Revolução
Francesa e seus reflexos nos Direitos Humanos. p. 8-10. Disponível em:
http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1718/1638. Acesso em: 15 de
julho de 2010.
60
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 10.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.
61
62
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. p. 268.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 5º. Brasília, DF: Senado, 1988.
36
A materialização do principio da liberdade religiosa se dá em face do individuo
escolher sua religião por livre e espontânea vontade, sem nenhum tipo de coação
por parte de outro. Há que se considerar que, para que tal principio tenha eficácia, é
necessário que este individuo tenha meios para efetivar sua escolha, pois, do
contrario seria sem valor tal direito, uma vez que, somente formalmente, o individuo
teria este direito sem meios para colocá-lo em prática.
Celso Ribeiro Bastos pontua que a liberdade religiosa
(...) não se esgota nessa fé ou crença. Demanda uma prática religiosa ou
culto como um dos seus elementos fundamentais, do que resulta também
inclusa, na liberdade religiosa, a possibilidade de organização desses
mesmos cultos, o que dá lugar às igrejas. Este último elemento é muito
importante, visto que da necessidade de assegurar a livre organização dos
cultos surge o inevitável problema da relação destes com o Estado.63
O principio fundamental da liberdade se efetiva em vários aspectos. Maria
Cláudia Bucchianeri Pinheiro ressalta que, para que se concretize tal principio, o
mesmo se projeta em três dimensões:
Uma dimensão subjetiva ou pessoal, a consubstanciar a liberdade de
crença; uma dimensão coletiva ou social, a incluir a liberdade de culto e
uma dimensão institucional ou organizacional, a englobar a liberdade
institucional e dogmática dos movimentos religiosos.64
Explica a mesma autora:
O princípio constitucional da liberdade religiosa, em toda sua amplitude,
compreende uma dimensão pessoal, uma dimensão social e uma dimensão
organizacional. O que significa afirmar que a limitação deste princípio
fundamental a apenas duas ou a uma de suas dimensões traduz,
necessariamente, a amputação do conteúdo material da liberdade religiosa
que, então, estará sendo violada em seu núcleo essencial.65
O assunto abordado é muito amplo no que diz respeito aos direitos dos
indivíduos de uma sociedade. Milton Ribeiro afirma que a liberdade religiosa não é
63
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. p. 52.
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O respeito ao poder público, aos dias de guarda
religiosa: a realização de exames de vestibular, concursos públicos e provas escolares em dias
sagrados de descanso e orações. in MAZZUOLI, Valério de Oliveira; SORIANO, Aldir Guedes
(coord). Direito a liberdade religiosa desafios e perspectivas para o séc. XXI. Belo Horizonte: Fórum,
2009. p. 74.
65
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O respeito ao poder público, aos dias de guarda
religiosa. p. 76
64
37
apenas um direito mas sim um feixe deles, tendo como principais vertentes o direito
à crença e ao culto, sendo que estes se somam a vários outros.
Os direitos somados que Milton Ribeiro comenta se dividem em dois grupos,
os quais são: a liberdade religiosa individual e a liberdade religiosa coletiva.
Segundo Milton Ribeiro compreende-se como liberdade religiosa individual a
liberdade de crença, de atuação segundo as próprias crenças, a liberdade de
divulgação da crença, a liberdade de culto e o direito a privacidade religiosa.66
Já os da liberdade religiosa coletiva, o mesmo autor afirma que neste direito
estão contidos:
O direito geral de autodeterminação, que compreende a auto compreensão,
a auto definição, a auto-organização, a auto administração, a auto
jurisdição, a autodissolução. Objeto desta liberdade coletiva são as funções
próprias das confissões religiosas, interpretadas segundo a própria auto
compreensão; a sua extensão a outras pessoas coletivas criadas por
aquelas é possível, sempre que exista um vínculo estrutural com a
prossecução de finalidades religiosas.67
Sendo assim é verificada a amplitude dos princípios de tal direito, não
restando dúvidas de que a liberdade é um direito fundamental e, como tal, possui
garantias constitucionais que servem para a sua proteção. Portanto, toda vez que
alguém for privado da sua liberdade de forma contrária aos ditames constitucionais e
infraconstitucionais, estar-se-á diante de uma violação de um direito fundamental, o
que avilta o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
De acordo com Alexy Robert a liberdade é passível de violação por ser uma
norma regra, já que uma das características da norma é a violação, já as normas
princípios precedem ou não de outros princípios.68 Mas, apesar de estar claramente
caracterizada e positivada como uma regra constitucional, o seu grau de abstração,
bem como a sua função de dar sentido a outras regras constitucionais, dá ao direito
fundamental da liberdade o papel duplo de regra e princípio constitucionais
compreendidas as funções de um princípio e suas características. 69
66
RIBEIRO, Milton. Liberdade Religiosa: Uma proposta para debate. São Paulo: Mackenzie, 2002.
p. 34.
67
ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002. p. 418
68
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 7. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Apud
ALEXY, Robert. p. 76.
69
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. p. 1160 e 1161.
38
Por assim dizer conclui-se que a liberdade é considerada um direito
constitucional, assegurada pela Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, exercendo
dois papeis importantes o de norma-regra, pois é passível de ser violada, e ainda o
de norma-princípio, servindo como um meio de dar unicidade e conteúdo para as
demais regras constitucionais e infraconstitucionais.
2.2. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE
RELIGIOSA
É necessário analisar, que a dignidade da pessoa humana – entendida como
princípio fundamental pela Constituição Brasileira (CRFB/88, art. 1º, III) é vetor para
a identificação material dos direitos fundamentais, apenas estará assegurada
quando for possível ao homem uma existência que permita a plena fruição de todos
os direitos fundamentais70
Antes de adentrar-se no significado da dignidade da pessoa humana, faz-se
necessário analisar seus antecedentes, pois, sabe-se que cada significado tem uma
história. A idéia do valor intrínseco à pessoa humana tem como base o pensamento
clássico e o ideário cristão. Todavia vale destacar que não haverá na bíblia um
conceito para tal princípio, mais sim uma concepção do ser humano que serviu até
hoje para o reconhecimento e construção de um conceito e uma garantia jurídicoconstitucional da dignidade da pessoa, que vem passando por processos de
secularização.71
A dignidade da pessoa humana é vista como um direito. Trata-se de uma
propriedade que todo ser humano possui, independentemente de qualquer condição
que se encontre. Sendo considerado como valor constitucional supremo, o núcleo
axiológico da constituição.
70
CUNHA JUNIOR, Dirley da. A efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais e a Reserva do
Possível: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 349-395
71
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p.32.
39
Os direitos fundamentais gravitam em torno do núcleo constitucional, sendo
assim a dignidade da pessoa humana é protegida pela Constituição Federativa do
Brasil através dos direitos fundamentais.
A dignidade da pessoa humana é vista pelos filósofos e políticos da
antiguidade clássica, como a posição social ocupada e seu grau de reconhecimento
pelos demais membros da comunidade, nesta visão pode-se dizer que se admitia a
existência de pessoas mais e menos dignas. Já no pensamento estóico, a dignidade
era tida como a qualidade, que o ser humano detinha, o distinguia das demais
criaturas, sendo que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade.
Esta noção de dignidade esta diretamente ligada à liberdade pessoal de cada
indivíduo, gerando o entendimento que todos os seres humanos são iguais em
dignidade.72
A CRFB/88, em seu artigo 1º Inciso III, estabelece a forma democrática para o
Estado de Direito, chamado então de Estado Democrático de Direito. Assim
assevera Mendes:
Em que pesem pequenas variações semânticas em tomo desse núcleo
essencial, entende-se como Estado Democrático de Direito a organização
política em que o poder emana do povo, que exerce diretamente por meio
de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicos, mediante
sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos
periódicos, como proclama entre outras a Constituição brasileira. Mais
ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo,
considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em
assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos
civis e políticos, mas também e, sobretudo dos direitos econômicos, sociais
e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles
direitos.73
De acordo com o disposto acima, o Estado Democrático de Direito,
estabelece meios que permitem ao ser humano um tratamento digno de um ser que
pensa, posicionando-se de acordo com seus princípios.
Como prova desta preocupação constitucional, destaca-se o rol de direitos,
disposto no art. 5º da Constituição Federal. Tal disposição constitucional serve de
72
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p 32.
73
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. p. 45.
40
mecanismo (conceitos instrumentais relativos) de garantia de um tratamento digno à
pessoa humana.
Entende-se por principio da dignidade humana o conjunto de valores e
concepções de natureza espiritual, emocional e moral, atribuídos a uma pessoa, que
serve de fundamento para o exercício e busca de seus direitos, sendo por natureza
oponível a outrem e ao Estado.
Destarte sendo o homem criatura racional, mas provida de alma espiritual, o
homem é, portanto cidadão nato de duas sociedades, a civil e a religiosa, a civil
satisfaz suas necessidades de corpo ao passo que a religiosa as exigências do
espírito.74
Moraes dispõe sobre a dignidade da pessoa humana:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por
parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que
todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas,
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. 75
Para José Afonso da Silva, "dignidade da pessoa humana é um valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida.”76
Tal princípio
é
de
grande relevância,
que
recebe
da
doutrina
o
reconhecimento de produzir efeitos multidirecionais, ou seja, apresenta uma dupla
concepção, prevendo um direito individual protetivo que estabelece o dever
fundamental de tratamento igualitário entre os semelhantes. Estes efeitos se
desdobram no sentido da imposição a qualquer semelhante e alcança o Estado em
74
LIMA, Alceu Amoroso. Política. 2ª ed. São Paulo: vozes, 1999. p. 31.
75
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4ª
Edição. São Paulo: Atlas, 2004. p. 128.
76
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 105.
41
posição jurídica superior para poder exigir observância, atenção e a garantia de
proteção.77
O
caráter
de
fundamentalidade
dos
direitos
fundamentais,
traz
a
pressuposição de três propriedades a eles conexas, a universalidade, a igualdade e
a inalienabilidade.
Para Martins Neto os direitos fundamentais:
Geralmente pensados como pressupostos jurídicos de uma existência
humana digna para todos, os direitos fundamentais tendem a ser direitos
inerentes à condição humana, por isso universais quanto à sua titularidade,
ou seja, direitos que, no raio de abrangência de cada ordem constitucional
específica, qualquer homem possui só pelo fato de ser homem. 78
O mesmo autor afirma que são igualitários porque são atribuídos a classes
inteiras de sujeitos, e não apenas um ou outro. São inalienáveis porque são vitais à
dignidade da pessoa humana, tais direitos não são negociáveis e muito menos
renunciáveis pelos próprios titulares, sob pena de nulidade. Podendo, no entanto,
deixar de exercer tais direitos.79
O principio da dignidade da pessoa humana atrai e irradia os valores
inerentes à existência da pessoa humana, os quais tornam merecedores
de
tratamento distinto das demais criaturas do plano existencial.
Tal entendimento segue as tendências de positivação e atribuição
constitucional de direitos universais tidos como fundamentais, a Constituição Federal
do Brasil de 1988 adotou como um de seus conteúdos o princípio da dignidade da
pessoa humana, ao dispor expressamente:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
77
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional p
129.
78
MARTINS NETO, João dos Passos. Direitos Fundamentais: Conceitos, Função e Tipos. 1ª
Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 94.
79
MARTINS NETO, João dos Passos. Direitos Fundamentais. p. 95.
42
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. 80
Com base no dispositivo acima, a Constituição elegeu a dignidade da pessoa
humana como valor fundante e funcional do sistema jurídico. Assim afirma Bittar:
Deve-se entender, portanto, que a Constituição Federal de 1988 possui um
grande potencial transformador da sociedade brasileira. A Constituição
erigiu valores-guia eleitos para a arquitetura do sistema jurídico, entre os
quais se encontra o princípio da dignidade humana, inscrito no art. 1º, inciso
III. É neste sentido que se deve projetar como um texto de formação
fundamental da cultura dos direitos humanos, dentro de uma sociedade
pluralista. Sua defesa [dignidade humana] é, a um só tempo, a defesa das
próprias condições de construção de uma sociedade que é capaz de
pactuar valores comuns e construí-los, dentro de um sistema razoável de
medidas e parâmetros para a arquitetura do convívio social.81
A dignidade humana foi tomada como constante axiológica, entendendo-se
por esta a valorização das condições em que o ser humano nasce e se desenvolve
no processo histórico-social, ou seja, são direitos que fundam a humanidade no
delinear histórico, apreciando as diferenças que a definem. 82
Sendo assim o principio da dignidade da pessoa humana serve de base para
outros princípios, tais como o direito à vida, à intimidade, à honra, à imagem, a
inviolabilidade da consciência, a liberdade, etc. Os últimos são conceitos
instrumentais relativos e que surgem do primeiro, que é instrumental absoluto, sendo
assim apresentam-se como frutos da primazia do absoluto.
2.3 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM MATÉRIA RELIGIOSA
O princípio da igualdade é a base do Estado Democrático, sendo o
fundamento do ordenamento jurídico brasileiro. Em razão de tal princípio não se
80
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 1º. Brasília, DF: Senado, 1988.
(grifo do autor)
81
82
BITTAR, Eduardo C. B. Direitos Humanos Fundamentais. p. 45.
BARROS,
Sérgio
Resende
de.
Direitos
Humanos.
<http://www.srbarros.com.br/artigos.php> Acesso em 10 setembro 2010.
Disponível
em:
43
admite privilégios e distinções a qualquer pessoa ou grupo na sociedade. “Todos
são iguais perante a lei” é a síntese de tal princípio. Contudo, igualdade perante a lei
é a mera igualdade formal, o que sozinha não conduz a uma sociedade justa.
Sobre o princípio da igualdade se manifesta Cármen Lúcia Antunes Rocha
nos seguintes termos:
O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos
como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não
apenas de regras, mas de quase todos os outros princípios que informam e
conformam o modelo constitucional positivado, sendo guiado apenas por
um, ao qual se dá a servir; o da dignidade da pessoa humana.83
O caput do artigo 5ª da Constituição Federativa do Brasil de 1988 dispõe que:
art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade,
(...)84
Nota-se que este princípio é mencionado no preâmbulo constitucional, sendo
assim uma norma supraconstitucional, um principio, direito e garantia para o qual
todas as demais normas devem ser submissas.
Este princípio constitucional não é algo inovador na Constituição Federal do
Brasil de 1988, pois semelhantes preceitos fizeram-se presentes em todas as
constituições que orientam o ordenamento jurídico dos Estados Modernos. 85
José Afonso da Silva afirma acerca da igualdade: “porque existem
desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busca realizar a
igualização das condições desiguais”,86 portanto, o fim igualitário, já era buscado por
muitos.
2.3.1 Igualdade Material
A igualdade material deve ser entendida como um tratamento equânime e
uniformizado de todos os seres humanos, também a sua equiparação no que diz
respeito às possibilidades de concessão de oportunidades. Sendo assim as
83
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: O conteúdo democrático do princípio da
igualdade jurídica. Revista de Informação Legislativa. a. 33, n. 131, jul./set. 1996. Brasília, p. 289.
84
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 5º. Brasília, DF: Senado, 1988.
85
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é Cidadania. São Paulo: Braziliense. 1993. p. 17
86
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.213 e 214.
44
oportunidades e as chances devem ser oferecidas de forma isonômica para todos os
cidadãos.
Nota-se que o ordenamento jurídico buscou equalizar as diferenças a fim de
que a justiça seja alcançada, Alexandre de Moraes afirma que:
A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não
razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para
que as diferenciações normativas possam ser consideradas não
discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva
e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente
aceitos, cuja existência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da
medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação
de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida,
sempre em conformidade com os direito e garantias constitucionalmente
protegidos.87
A busca de tal princípio tem por finalidade a busca da equiparação dos
cidadãos sob todos os aspectos, inclusive o jurídico, garantido que: "Todos os
homens, no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como à sujeição a
deveres".88
Na Constituição Federal de 1988, dispõe sobre textos que estabelecem
normas que visam diminuir as desigualdades do país, a exemplo delas temos os
dispostos nos:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. 89
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
87
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. p. 65.
88
CÉSAR, Raquel. Jr, Silva Hédio. Tema em debate: COTAS RACIAIS.
Disponível em: <http://www2.uerj.br/~clipping/0001132_v.htm> Acessado em: 15
De Setembro de 2010.
89
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 3º. Brasília, DF: Senado, 1988.
45
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.90
O principio da igualdade material está contida em nosso direito Constitucional,
manifestando-se através de várias normas constitucionais positivas, sendo estas
dotadas de características formais.
O citado princípio ultrapassa a definição de igualdade como igualdade formal,
como diz o ditado: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais” que
sempre é lembrado quando se aborda o assunto da igualdade material. Assim é que
J. J. Calmon de Passos afirma:
Consistir a igualdade jurídico-política em tratar-se igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, sempre com vistas a assegurar maior
igualdade substancial. Se trato desigualmente os iguais, discrimino. Se trato
igualmente os desiguais, discrimino.91
De acordo com o posicionamento do referido autor citado acima, será
necessário em algumas situações desigualar os desiguais para que se alcance a
igualdade material, pois se assim não fosse estaria configurada a descriminação.
Com o mesmo entendimento pontua Jónatas Eduardo Mendes Machado:
Nalguns casos a igualdade formal dará lugar a uma igualdade meramente
aparente, se não mesmo a situações de discriminação. Deste modo,
também é de considerar a existência de uma obrigação de diferenciação de
tratamento jurídico, possibilitando disciplinas jurídicas distintas ajustadas às
desigualdades fáticas concretamente existentes e à particular auto
compreensão das diferentes confissões religiosas.92
O mesmo autor concluindo que a base da justiça se encontra na igualdade,
de modo que:
O princípio da igualdade decorre da concepção da sociedade como ordem
de cooperação entre cidadãos livres e iguais. Ele está na base da justiça e
da reciprocidade que a alicerçam, bem como da igual consideração e
respeito devida a todos os indivíduos.93
Diante do exposto acima se observa, que a CRFB/88, preconiza o
nivelamento das desigualdades materiais, porém, a realidade fática brasileira mostra
90
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 205. Brasília, DF: Senado, 1988.
PASSOS, J. J. Calmon de. O Princípio da Não Discriminação. Revista Diálogo Jurídico. Salvador,
CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I nº. 2, maio, 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 20 de setembro. 2010, p. 3.
92
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Tempestade perfeita? Hostilidade à Liberdade Religiosa
no pensamento teórico-jurídico. p. 155.
93
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Tempestade perfeita? Hostilidade à Liberdade Religiosa
no pensamento teórico-jurídico. p. 158.
91
46
que as normas constitucionais e os princípios que visam a diminuição das
desigualdades materiais, muitas vezes são ineficazes, pois não concretizam tais
objetivos.
2.3.2 Igualdade Formal
Em síntese a igualdade formal é aquela disciplinada e garantida na CRFB/88
no disposto do art. 5ª “igualdade a todos perante a lei”, ou seja, aquela que assegura
o mesmo tratamento a todos perante a lei, sem levar em conta critérios pessoais. De
acordo com Hatscheck, citado por Pinto Ferreira, "o preceito da igualdade da lei não
se esgota com a aplicação uniforme da norma jurídica, mas que afeta diretamente o
legislador, proibindo-lhe a concessão de privilégio de classe".94
De acordo com o professor Ingo Wolfgang Sarlet o princípio da igualdade
encontra-se diretamente fundamentado na dignidade da pessoa humana, não sendo
por outro motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres
humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial
para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os
seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento
discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a
discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toda e
qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material. 95
Vale ressaltar a afirmação de Kelsen já lecionava de que:
(...) a igualdade dos indivíduos sujeitos a ordem pública, garantida pela
Constituição, não significa que aqueles devem ser tratados por forma igual
nas normas legisladas com fundamento na Constituição, especialmente nas
leis. Não pode ser uma tal igualdade aquela que se tem em vista, pois seria
absurdo impor os mesmos deveres e conferir os mesmos direitos a todos os
indivíduos sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crianças e
adultos, sãos de espírito e doentes mentais, homens e mulheres.96
Sendo assim, a expressão dada pela norma é que todos os homens devem
ser tratados por igual, não exprimindo a lição de que todos sejam iguais, mas que as
94
PINTO FERREIRA. Luís. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo:
Saraiva. 1983. p.770
95
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. p. 89.
96
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 203.
47
desigualdades são irrelevantes para o tratamento dos homens. Em contraposição, o
principio de que cada caso particular deva ser tratado como tal, seria o ideal da
plana flexibilidade do direito, ou seja, a justiça no caso concreto.
A norma pelas quais todos devem ser tratados de forma igual, não informa
fundamentos de conteúdo para tal tratamento, aplicada a qualquer cidadão
conduziria a efeitos incoerentes, por tal indagação KELSEN afirma que:
Quando os indivíduos são iguais – mais rigorosamente: quando os
indivíduos e as circunstâncias externas são iguais – devem ser tratados
igualmente, quando os indivíduos e as circunstâncias externas são
desiguais, devem ser tratados desigualmente 97
De acordo com tal indagação, este não enseja um principio de igualdade,
porquanto postula um tratamento mais que igual, um desigual. Supondo que uma
norma de igualdade, que defina qualidades em relação às quais as desigualdades
serão levadas em conta, assim sendo, a exigência de trato diverso é de lógica e não
de justiça, sendo possível que uma norma seja aplicada a um só caso, enquanto que
o conceito “igual”, na relação exige dois fatos ou situações, de forma que lava ao
entendimento que a justiça não é igualdade.98
Com o fim de esclarecimento é que José Afonso da Silva afirma, que a
efetividade do principio de igualdade assegurará:
(...) um mesmo nível de dignidade e reconhecimento a todos os cidadãos e
grupos de cidadãos. No entanto, ele não pode abstrair das desigualdades
materiais que efetivamente se estabelecem entre eles nem considerá-los
idealmente descentralizados das condições objetivas, onde concretamente
se exprimem a sua singularidade e a sua diversidade.99
Assim é que em matéria religiosa o princípio da igualdade tem um importante
papel para a concretização da democracia. A despeito de José Afonso da Silva
afirma que o fator religião não vem sendo base de discriminações privadas ou
públicas, com a justificativa de ser o povo brasileiro profundamente democrático e
172
respeitador da religião dos demais
, em alguns casos, como na questão do dia de
guarda – que será visto em outro capítulo – não procede tal afirmação.
É valido mencionar, que nas sociedades nas quais a maioria da população
pratique determinada religião, algumas crenças terão conflitos no processo de
97
KELSEN, Hans. O problema da justiça. 4. ed. São Paulo, SP : Martins Fontes, 2001. p. 54.
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 60.
99
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 213.
98
48
elaboração das leis desta sociedade, quer pela crença prévia do legislador, quer
pela pressão exercida pela organização religiosa dominante. um exemplo de tal
conflito, refere-se a temas como: aborto, união homossexuais, feriados por dia
sagrado, dia de repouso semanal, entre vários outros. Deste modo, em alguns casos
ocorrerão conflitos do individuo e as leis que deve obedecer.
Após determinada conclusão, seria mais fácil, ser membro de uma Instituição
Religiosa dominante do que pertencer a outra com convicções diversas, já que as
crenças a Instituição Religiosa dominante estarão em acordo com o ordenamento
jurídico. Como então tal indivíduo será livre para escolher seu credo? Jónatas
Eduardo Mendes Machado faz a seguinte reflexão:
Só se pode pensar e desenvolver livremente convicções em matéria
religiosa se puder comunicar com outros e ter acesso a diferentes pontos de
vista mundividenciais. Por outro lado, uma pessoa só tem liberdade religiosa
se puder optar num ou noutro sentido sem ser por isso afetada na sua
validade cívica, isto é, na sua igual dignidade como membro de pleno direito
da comunidade política. A liberdade a que se refere à Constituição só tem
sentido num contexto de um “dar e receber” em condições de reciprocidade.
Por sua vez, a liberdade religiosa só tem sentido num contexto de igual
liberdade religiosa. Daí a importância da igualdade de direitos entre todos
os cidadãos e as diferentes confissões religiosas.100
A CRFB/88 não proíbe diretamente a existência de alguma religião ou a
vinculação do individuo a esta, mais indiretamente pode criar obstáculos, exigindo
determinados comportamentos de seus cidadãos.
Neste contexto, é que se tem entendido que todas as confissões religiosas
devem ser tratadas como iguais, de forma que seja concedida igual medida de
liberdade da forma mais ampla possível.101
Existindo leis que estejam em desacordo com a consciência de alguns, é
necessário que o Estado em uma tentativa de contornar tal situação, tendo em vista
a garantia da liberdade de religião, estabeleceu o instituto da objeção de
consciência.
100
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Tempestade perfeita? Hostilidade à Liberdade
Religiosa no pensamento teórico-jurídico. p. 152
101
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Tempestade perfeita? Hostilidade à Liberdade
Religiosa no pensamento teórico-jurídico. p. 155
49
2.3.3 Direito à objeção de consciência
A objeção de consciência é uma matéria abordada de forma superficial nas
doutrinas, assim como a liberdade religiosa. Destarte tal assunto esta intimamente
ligada à liberdade de crença e consciência, a qual envolve matérias diversas, em
particular, a religiosa, quando tal tema é abordado pelos doutrinadores, se resume à
recusa à prestação de serviço militar, sendo este apenas um dos temas a serem
tratados por tal matéria.
Celso Ribeiro Bastos chega a afirmar que “dificilmente se concretizará em
outras situações senão aquelas relacionadas com os deveres marciais do
cidadão”.102 Contudo, existem situações diversas das quais a sociedade estadia
dentro dos limites de proteção da objeção de consciência, como por exemplo, o
tema abordado no trabalho em tela, a recusa em participar de aulas nos dia
considerados sagrados ou de descanso, como é o caso dos guardadores do sábado.
Alexandre de Moraes ao abordar o tema assevera que:
Importante ressaltar que a escusa de consciência se aplica às obrigações
de forma genérica, e não somente ao serviço militar obrigatório, como bem
lembra Jorge Miranda, ao afirmar que "é garantido o direito à objeção de
consciência nos termos da lei (art. 41, nº 6), e não se confinando a objeção
ao serviço militar, pois pode abranger quaisquer adstrições coletivas que
contendam com as crenças e convicções” 103
O direito a objeção de consciência tem sua primeira afirmação em um decreto
da Revolução Francesa datada em 1973, tal decreto tratava da dispensa de
anabatistas (religiosos na linha dos Batistas) ao serviço militar por motivos religiosos.
Porém, a noção de tal direito é recente, sendo considerado um fenômeno
típico do século XX e XXI.
A objeção de consciência indica o grau de consciência social de um Estado e
de liberdade de seus cidadãos, bem como a veemência de sua intervenção na
esfera particular. Tratando-se de prática de democracia.
102
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, v. II, 2. ed., atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 61.
103
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. p. 125.
50
Trata-se da premissa de que a ordem jurídica brasileira, ao abrigar a
liberdade de consciência, contempla a possibilidade de reconhecimento de isenções
jurídicas ao cumprimento de deveres legais em respeito a imperativos morais.104
Canotilho e Moreira citados por Moraes observam que: “o direito de objeção
de consciência consiste no direito de não cumprir obrigações ou não praticar atos
que conflitem essencialmente com os ditames da consciência de cada um”. 105
O ato do autor pode emanar de concepções éticas, filosóficas, políticas, entre
outras, mas tendo como fundamento convicções verdadeiras e profundas, capazes
de afetara própria personalidade do agente, configurando um grave conflito
interno.106
Como já mencionado, a objeção de consciência se consagrou recentemente
como direito do individuo, ainda que a história esteja marcada com acontecimentos
que lembrem tal direito.
A Bíblia Sagrada dispõe sobre acontecimentos que envolveram a objeção de
consciência, um deles foi quando três hebreus, por imperativo de consciência
desobedeceram a ordem do rei da Babilônia, a qual deveriam se curvar e adorarem
uma estatua de ouro, tal desobediência os levaram a uma fornalha de acesa. Outro
acontecimento foi quando o Rei Dario proibiu que durante trinta dias não se fizessem
cultos a qualquer deus, sob pena de ser lançado na cova dos leões, Daniel fiel servo
do Senhor, por imperativo de sua consciência descumpriu tal ordem, e como de
costume ajoelhou-se e orou dando graças a Deus.107
O criador da filosofia moderna, Sócrates, também é um exemplo, o qual
preferiu a morte a abrir mão de suas convicções por conveniência do Estado.
No século XX, com a escolha de governo democrático, com a importância
dada a proteção dos direitos fundamentais, que a objeção de consciência se
consolidou como direito.
Sobre o surgimento da objeção de consciência José Carlos Buzanello
assevera:
104
105
HERINGER JÚNIOR, Bruno. Objeção de consciência e direito penal. p. 37.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. p.
222.
106
HERINGER JÚNIOR. Objeção de consciência e direito penal. p. 42.
107
Tais histórias se encontram na Bíblia Sagrada, livro de Daniel, capítulos 3 e 6 respectivamente.
51
A objeção de consciência surge historicamente como problema referente à
independência do indivíduo religioso em relação à autoridade religiosa ou
ao Estado, que mais tarde se torna uma prescrição política de ordem
política (liberal), com grande ressonância no ocidente com a defesa dos
direitos individuais. A Declaração de Direito do Homem e do Cidadão, de
1789, fruto da Revolução Francesa, introduziu no discurso político-jurídico
moderno as liberdades públicas.108
A objeção de consciência significa a soma de motivos alegados por alguém
numa pretensão de direito individual em dispensar-se da obrigação jurídica imposta
pelo Estado a todos.109
Ainda sobre o mesmo tema José Carlos Buzanello demonstra que os motivos
alegados devem ter seriedade, sendo assim afirma:
Os elementos determinantes do caráter relacional da decisão de objeção de
consciência devem levar em conta que esta não significa um simples
convencimento subjetivo que pode abarcar toda ocorrência, capricho ou
pensamento fantástico, senão uma decisão adotada com toda seriedade na
luta pelo conhecimento do eticamente justo.110
Os doutrinadores têm entre si conceitos similares acerta da objeção de
consciência. Dirley da Cunha Júnior, por exemplo, resume o conceito ao afirmar que
se trata de um “direito individual que investe a pessoa de recusar prestar ou aceitar
determinada obrigação que contrarie as suas crenças ou convicções”.
111
José
Afonso da Silva acrescenta que a objeção ou escusa de consciência se deriva do
direito à liberdade de consciência, de crença religiosa ou de convicção filosófica. 112
Nesse sentido assevera José Carlos Buzanello que: “A liberdade de consciência é o
núcleo de fundamentação da objeção de consciência, pois reflete a liberdade de
crença e de pensamento, não de uma liberdade geral, mas de uma liberdade
singular não pautada na igualdade entre os indivíduos”.113
Claudio Maraschin define a objeção de consciência como sendo “um
instrumento da liberdade ideológica que procura tornar compatíveis, tanto no plano
108
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
Lúmen juris. 2006, p. 152.
109
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. p. 152.
110
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. p. 150-151.
111
CUNHA JUNIOR, Dirley da. A efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais e a Reserva do
Possível p. 652
112
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. p. 242.
113
BUZANELLO, José Carlos. Objeção de Consciência. p. 174.
52
subjetivo e institucional, os valores que poderiam entrar em colisão – liberdade e
igualdade – num aspecto concreto da vida social”
.114
Realçando o vínculo entre a liberdade de consciência e a objeção de
consciência, Gregório Câmara Villar pontua:
A objeção de consciência não pode ser algo diferente ou não relacionado à
liberdade de consciência. É obviamente uma concretização ou
especificação dela, e, portanto um direito fundamental da liberdade (...) o
conteudo da liberdade religiosa idológica e de consciência não é apenas
sobre o direito de livre forma de consciência, mas também para agir em
conformidade com os imperativos da mesma, ou seja, os cidadaos podem
realizar suas condutas de forma consistente de acordo com suas próprias
convicçoes sobre o que é básico e fundamental na vida humana e afeta
diretamente a própria dignidade e o livre desenvolvimento pleno da
personalidade..115
A objeção de consciência de acordo com José Carlos Buzanello também, é
uma espécie de direito de oposição, de baixa intensidade política, ou seja, é uma
negação parcial das leis, sendo esta de elevada repercussão moral. O autor
continua afirmando que “caracteriza-se por um teor de consciência razoável, de
pouca publicidade e de nenhuma agitação, objetivando, no máximo, um tratamento
alternativo ou mudanças da lei” 116.
Portanto existem três elementos que se destacam na caracterização da
objeção de consciência, a norma jurídica ou administrativa que gere obrigação a
todos os cidadãos, onde o individuo se recusa a cumprir tal norma e o fundamento
para tal recusa é a convicção de foro intimo do objetor por motivo religioso, moral ou
político, sendo vedado o uso da violência na efetivação da escusa.
Por isso, negativar este direito, de modo que esvazie o seu conteúdo é negar
a própria liberdade de consciência e de crença. Deste modo se o individuo alega a
114
MARASCHIN, Claudio. Em busca de uma Fundamentação Jurídica da Objeção de
Consciência. p. 24.
115
La objeción de conciencia no puede ser algo distinto o desvinculado de la libertad de conciencia.
Es, evidentemente, una concreción o especificacíon de ella y, por tanto, derecho fundamental (...) el
contenido de la libertad idológica o de conciencia no consiste solo en el derecho a formar libremente
la conciencia, sino también a poder obrar conforme con los imperativos de la misma, esto es, a que
los ciudadanos puedan adecuar coherentemente su conduta y sus formas de vida a sus propias
convicciones en aquello que es básico y fundamental en la vida humana y afecta directamente a la
propia dignidad y al desarrollo libre y pleno de la personalidad. VILLAR, Gregório Câmara apud
MARASCHIN, Claudio. Em busca de uma Fundamentação Jurídica da Objeção de Consciência.
Revista de Direito Militar, nº 17, mai/jun 1999, p. 24. (tradução livre do autor)
116
BUZANELLO, José Carlos. Objeção de Consciência. p. 174.
53
objeção de consciência diante de uma obrigação a todos imposta e seu pleito não é
reconhecido, de forma que não pode exercer plenamente sua religião sem ser
cerceado de algum outro direito.
54
3. LIBERDADE RELIGIOSA E O DIREITO Á EDUCAÇÃO
A liberdade religiosa abrange também o direito à educação, uma vez que a
Carta Magna afirma que a educação “é direito de todos e dever do Estado”, assim
está disposto no art. 205 e 214 da CRFB/88. Destarte, a liberdade religiosa e o
direito a educação são direitos da pessoa humana.
Segundo o constitucionalista Paulo Bonavides, o lema revolucionário Francês
liberdade, igualdade e fraternidade exprimiram em seus três princípios todo o
conteúdo possível dos direitos fundamentais. 117
Portanto as três gerações de direitos fundamentais, representada pelo direito
de liberdade, igualdade e fraternidade são, respectivamente direitos de primeira,
segunda e terceira gerações.
O direito fundamental de primeira geração constitui em uma limitação ao
poder. São os direitos civis e políticos que correspondem em grande parte ao
momento inicial do constitucionalismo, podendo ser considerados direitos de
resistência ou de oposição diante do Estado.
Já os de segunda geração, são os direitos de igualdade, onde tem uma maior
influencia nas Constituições pós-guerra. Em relação a este direito podemos citar os
direitos econômicos, sociais e culturais.
A terceira geração de direitos é representada pelos direitos da fraternidade,
esta geração é enquadrada no direito ao desenvolvimento, o direito a paz, ao meioambiente, o de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de
comunicação.118
Com o pós-revolucionismo, as regras constitucionais se apresentavam
estáveis. Portanto a instituição do Estado liberal afirmou a proteção da liberdade,
pertinente ao tema Bonavides afirma:
No liberalismo, o valor da liberdade, segundo Vierkandt, cinge-se à
exaltação do indivíduo e de sua personalidade, com a preconização
ausência e desprezo da coação estatal. Quanto menos palpável a presença
do Estado nos atos da vida humana, mas larga e generosa a esfera de
117
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. p. 30-34.
118
BONAVIDES, Paulo Teoria do Estado. p. 567
55
liberdade outorgada ao indivíduo. Caberia a este fazer ou deixar de fazer o
que lhe aprouvesse.119
Porém se faz necessário entender que os direitos fundamentais só adquirem
esta característica se for reconhecido pelo ordenamento jurídico.
Portanto reconhecido expressamente os direitos fundamentais, através da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição da República
Federativa do Brasil.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos encontramos os direitos
fundamentais de primeira geração nos art. 4º a 21º, os de segunda geração nos art.
22 a 27 e no fim da declaração temos os direitos de terceira geração.
Já na Constituição do Brasil de 1988 os direitos se dividem entre o art. 5º para
os de primeira geração, nos art. 6º e 7º são os de segunda geração, e alguns artigos
que representam os de 3ª geração como a preservação do meio ambiente no art.
225 e o direito a educação no art. 6º.
A educação tem por finalidade o desenvolvimento da pessoa humana, de
acordo com o dispositivo Constitucional do art. 205 e 206 que estabelece:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;120
A implementação dos direitos fundamentais é de suma importância uma vez
que é de real preocupação, pois se faz necessária a criação de mecanismos que
façam valer aquilo que já está expresso no direito positivo e encontrar soluções para
cada caso concreto.
119
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. p. 60.
Brasil. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Arts. 205 e 206. Brasília: Senado
Federal, 1891. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm>.
Acesso em: 29 de setembro de 2010.
120
56
3.1 A LIBERDADE RELIGIOSA E OS SAGRADOS DIAS DE DESCANSO E
ORAÇÃO
A teologia, como o direito, admite interpretações diversas a cada leitura de
seus dispositivos, sendo assim, um texto legal ou sagrado comporta diversas
interpretações. O cristianismo tem como fonte o livro conhecido como a Bíblia
Sagrada121, o cristianismo possui diversas ramificações.
Após a morte e ressurreição de Jesus Cristo, o fundador do cristianismo, seus
seguidores foram perseguidos pelo Império Romano, porém os mesmos cresciam
em numero cada vez mais rápido, ao mesmo tempo em que surgiam divergências
sobre algumas crenças religiosas.
Os lideres religiosos da igreja primitiva procuravam manter-se puros em
relação a sua religião, ou seja, uma unidade da cristandade, porém suas
divergências não foram totalmente eliminadas. Com a associação do poder religioso
e o poder estatal, o que era considerado pecado, passam a ser heresia e crime por
parte do Estado. As perseguições que se seguiram contra os grupos minoritários,
foram o preço paga pela unidade religiosa e a Igreja de perseguida passa a ser
perseguidora.
Em relação a esta associação Aldir Guedes Soriano afirma que antes de tal
associação do poder civil com o religioso, Tertuliano que foi um advogado convertido
ao cristianismo, auxiliava os cristãos contra a perseguição religiosa empreendida
pelo Império Romano por meio de uma obra intitulada Apologia (197, d.C.), porém
tal auxílio era tido como ecentrismo.122
Mesmo hoje em um país democrático de direito como o Brasil e ainda com
todo o amparo garantido pela Carta Maior e pelos Tradados Internacionais, é
considerada por alguns como excentricidade, principalmente para os grupos que
professem crenças diferenciadas e pouco compreendidas.123
121
A Bíblia dos cristãos é uma coleção de 66 livros ou cartas consideradas inspiradas por Deus
(Jeová). Foram escritas em um período de cerca de 1600 anos, por 40 autores diferentes, sendo
dividida em Antigo e Novo Testamento pelo fato de ter sido escrita parte antes e parte depois do
nascimento de Jesus Cristo.
122
SORIANO, Aldir Guedes. O Direito à Liberdade Religiosa. p. 2.
123
SORIANO, Aldir Guedes. O Direito à Liberdade Religiosa. p. 2.
57
Em uma sociedade moderna, que vive sob a tirania do individualismo, das
coisas e do espaço, não consegue compreender que a prioridade seja o espiritual e
não o material. A sociedade tem dificuldade de tolerar algumas crenças, por
considerá-la antiquada e fora do lugar, pois enquanto a maioria anda na Mão direito
uma minoria anda na contra mão. Entretanto a religião enraizada pela Instituição
Religiosa dominante durante séculos e muitas vezes infiltrada no ordenamento
jurídico cria barreiras para as religiões divergentes.
A exemplo disto tem-se a questão do dia de repouso positivada pelo Estado.
Mesmo depois da Revolução Industrial onde o descanso semanal tinha adquirido
contornos de direito social, a sua origem esta fundamentada no fato religioso.
3.1.2 A origem o descanso semanal como dia de guarda e sua positivação no
ordenamento jurídico.
Como já mencionado em texto anterior, a origem do descanso semanal está
vinculada a razões religiosas relacionada a adoração da divindade.
Fundamentando tal entendimento Manoel Carlos Toledo Filho afirma que:
(...) ninguém nega que o instituto que ora estamos a examinar surgiu em
virtude não propriamente de uma consideração precípua à necessidade
elementar de repouso, que a toda pessoa está afeta, mas sim em respeito à
divindade, a um ser superior cuja existência sempre foi intuída por todos os
agrupamentos humanos, desde os mais rudimentares, até a complexa
sociedade industrial de nossos dias, assumindo, por conta disto mesmo, um
caráter francamente universal.124
Amauri Mascaro Nascimento também afirma que o descaso semanal tem
origem em uma tradição religiosa do povo hebreu que ordenava que no sétimo dia
dever-se-ia descansar das atividades seculares, tendo por base a criação do mundo
por Deus, que criou o mundo em seis dias e no sétimo dia o abençoou e o santificou
e descansou. Segundo o citado autor sábado é igual a descanso. 125
124
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Dias de Repouso e Comemoração. Disponível em:
<http://www.trt15.go v.br/boletim/estudos_juridicos_1.pdf>. Acesso em: 30 set. 2010. p.16.
125
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 29. ed. rev. São Paulo: LTR,
2003, p. 330.
58
Este dia separado por Deus subsistiu entre os hebreus e os primeiros
cristãos, após a morte de Cristo a celebração do sábado foi substituída pela Igreja
Católica pelo descaso no domingo, que significa a recordação em que o Senhor
Jesus Cristo ressuscitou, a qual ocorreu em um domingo.
Porém, segundo o teólogo Samuele Bacchiocchi, diferentemente do que é
usualmente mencionado, a guarda do domingo não teve como iniciação a
ressurreição de Cristo, sendo que este motivo foi só mais tarde associado à
mudança do sábado para o domingo.
Para o autor, não foi um ato único que determinou a mudança do dia de
guarda, mais um complexo de circunstancias de ordem militar, política, fiscal,
literária e religiosa que resultou no abandono do sábado como dia sagrado e adoção
para o domingo. Entretanto nos primeiros séculos do cristianismo se desenvolveram
varias crenças, como forma de evitar a perseguição dos Romanos que tinham de
enfrentar constantes rebeliões do povo judeu em razão deste possuir forte
sentimento nacionalista. 126
Entretanto, ao contrario do que afirma Amauri Mascaro Nascimento, a guarda
do sábado ainda subsistiu até hoje entre os judeus, bem como entre grupos cristãos
minoritários como adventistas e batistas do sétimo dia. De fato, na modernidade,
existem grupos minoritários que continuam a observar o sétimo dia como dia
sagrado. No entanto não se pode esquecer que a mudança da guarda do sábado
para o domingo foi disseminada e aceita a tal ponto que se tornou quase universal
pela cristandade, com poucas exceções.
Sobre a obrigatoriedade do descanso semanal no domingo e sua positivação
no ordenamento jurídico, Amauri Mascaro Nascimento faz a seguinte referência:
O primeiro preceito civil que reconhece o descanso semanal provém,
segundo os historiadores, do Imperador Constantino, o ano de 321, ao
proibir, aos domingos, toda e qualquer espécie de trabalho, exceto as
atividades agrícolas. Seguiram-se decretos de Arcádio e Honório,
Imperadores do Oriente e Ocidente, e o de Theodosio II, o primeiro datado
de 27.8.399.127
126
BACCHIOCCHI, Samuele. Do Sábado para o Domingo: Uma Investigação do Surgimento da
Observância do Domingo no Cristianismo Primitivo. 1974. 221f. Tese (Doutorado) - Pontifícia
Universitas Gregoriana, Roma, 1974. Disponível em: http://www.sabado.org/livro-do-sabado-para-odomingo/. Acesso em: 01 outubro de 2010.
127
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. p. 330.
59
No entanto, não bastando a proibição de trabalho no domingo, o Concílio de
Laodicéia proibiu o descanso sabático, conforme afirma o autor:
O Concílio de Laodicéia, reunido na segunda metade do século IV, em 366,
determinou, em seu cânon 29, que os cristãos deveriam trabalhar aos
sábados, preferindo o domingo para repouso. Assim, foi de origem
puramente religiosa o costume sancionado pelas legislações.128
Manoel Carlos Toledo Filho explica que
O desmantelamento do império romano do ocidente, verificado no ano 476,
em nada elidiu a observância do descanso dominical, que perdurou por toda
a Idade Média e adentrou a Idade Moderna. A partir da segunda metade do
século XVIII, todavia, a situação começou a mudar. 129
O fenômeno conhecido como maquinismo se originou na Revolução Industrial
e é deste fenômeno que o autor refere-se no acima citado, este fenômeno resultou
na produção de bens de consumo em larga escala. Esta reforma necessitava de
operários a todo instante junto das máquinas. Neste sentido Manoel Carlos Toledo
Filho explica:
Neste contexto, não parecia razoável ou adequado aos donos das fábricas,
aos detentores do capital, que a jornada fosse interrompida com o escopo
de prestigiar uma tradição religiosa. A busca do lucro fácil e imediato
sobrepujara o milenar e até aquele momento inabalável respeito à
divindade. E para tanto seguramente há de ter contribuído o exacerbado
laicismo derivado da Revolução Francesa, que emprestou, ao caldo
econômico que naquela ocasião se formava o tempero político que estava a
faltar.130
Com a organização de classes operárias, visando a melhores condições de
trabalho, fundou-se uma federação como resultado de um congresso internacional
em Genebra, no ano de 1870, tendo como um de seus objetivos a extinção da
pratica do repouso semanal. Após isso começaram a surgir leis nacionais garantindo
o repouso semanal do domingo.
Amauri Mascaro do Nascimento assevera que:
128
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. p. 330.
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Dias de Repouso e Comemoração. p. 17.
130
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Dias de Repouso e
Comemoração p. 17.
129
60
Desde 1877 a Suíça instituiu obrigatoriamente o descanso dominical. O
Código industrial, da Alemanha, de 1891, também. A Áustria, em 1898, a
Rússia, em 1897, a Espanha, em 1904, a Dinamarca, em 1904, a Bélgica,
em 1905, a Argentina, em 1905, a França, que desde 1892 estabelecera a
obrigatoriedade do descanso de mulheres e menores, em 1906 estendeu a
medida aos trabalhadores adultos, a Itália, em 1907, Portugal, em 1911, os
Estados Unidos em épocas sucessivas, mediante diferentes leis estaduais
etc.131
Já no ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente na Constituição
Federal do Brasil de 1891, não havia nenhuma referencia ao repouso semanal,
após, a Revolução Francesa de 1930 surgiram decretos, como por exemplo o
Decreto 21.186/32, que previa para determinadas classes de trabalhadores o
descanso semanal aos domingos e em 1934 a Constituição do Brasil de 1934 trouxe
a previsão do repouso dominical em seu art. 121, §1º, alínea “e”, a mesma matéria
foi disposta na Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 dispostas em seus arts.
67 a 69.
Em relação aos dias de hoje a Carta Maior também dispôs sobre o assunto
em seu art. 7º, XV, garantindo o repouso semanal remunerado preferencialmente
aos domingos.
3.2 A GARANTIA FUNDAMENTAL DA SEPARAÇÃO DO ESTADO-IGREJA
Esta garantia não se confunde com a simples não-confessionalidade do
Estado, ou seja, sendo esta uma característica da condição de existência de um
regime de separação, esta característica não se esgota na natureza laica do Estado,
indo mais além, em sua total neutralidade axiológica em matéria de fé e o
reconhecimento do Estado em favor das organizações religiosas. 132
Com a amplitude conferida a clausula de separação, muitos Estados, mesmo
não confessionais, poderão não se encaixar no conceito da cláusula de separação,
131
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do
trabalho. p. 331.
132
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O respeito ao poder público, aos dias de guarda
religiosa: a realização de exames de vestibular, concursos públicos e provas escolares em dias
sagrados de descanso e orações. in MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; SORIANO, Aldir Guedes
(coord). Direito a liberdade religiosa desafios e perspectivas para o séc. XXI. Belo Horizonte: Fórum,
2009. p. 276 e 277.
61
seja por manterem um regime de religião privilegiado, em regra são aquelas mais
tradicionais,
em detrimento de novos movimentos religiosos. Transmitindo
mensagens aos seus cidadãos no sentido de preferência estatal por determinada
crença.
Sendo assim para que se possa falar em liberdade religiosa tem-se a
necessidade da consagração institucional do direito e garantia de separação entre
Estado e Igreja, e para isso é fundamental a imposição, aos poderes públicos, de
uma conduta ajustada tanto na neutralidade axiológica como na não ingerência
institucional nos assuntos internos das organizações religiosas. 133
A neutralidade axiológica, apóia-se na necessidade de preservação do
voluntarismo em matéria de fé, através da imposição, ao ente estatal, de uma
postura neutra. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro afirma que "a postura deve ser
incapaz de exercer indevidas influencias nas escolhas individuais, no livre mercado
de idéias religiosas e no dissenso interconfessional."134
Sendo assim, significa que em um regime de separação, além de ser proibido
professar determinada religião também é vedado conferir tratamento diferenciado a
qualquer crença, seja para favorecer seja para prejudicar, e enviar mensagem aos
seus cidadãos no sentido de uma identificação estatal com determinado pensamento
religioso. Sendo este um comportamento adverso de um Estado não confessional,
excluindo a todos aqueles cidadãos filiados a convicções religiosas minoritárias.
As palavras de Justice Black, são pontos imprescindíveis na importância da
separação do Estado-Igreja:
Quando o poder, o prestigio e o amparo financeiro do Governo são postos
atrás de uma determinada crença religiosa, a pressão coercitiva indireta
sobre as minorias religiosas, para que se conformem à religião
predominante oficialmente aprovada, é clara. Mas os propósitos que jazem
sob a clausula da não-oficialização vão muito além disso. Sua primeira e
mais imediata finalidade repousava na crença de que uma união de governo
e religião tende a destruir o governo e degradar a religião.135
133
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O respeito ao poder público, aos dias de guarda
religiosa. p. 277.
134
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O respeito ao poder público, aos dias de guarda
religiosa. p. 278
135
RODRIGUES. Suprema Corte dos Estados Unidos: Liberdade de religião e separação da Igreja
e do Estado. Revista brasileira de estudos políticos. p. 73-102.
62
A importância do Estado Laico, não é apenas abranger aquele que não
possuem nenhum tipo de religião e sim atingir os que professam algum tipo de
credo, principalmente quando este credo faz parte de um grupo minoritário. John
Rawls pondera que “é preciso considerar que as sociedades não se fazem de uma
única religião. divergências internas”. 136
Para Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro
A separação entre Estado e Igreja nada mais é do que uma garantia
fundamental (direito-garantia), voltada especificamente à proteção dos
direitos integrantes do conceito maior de liberdade religiosa, pois a história
das sociedades já evidenciou que a associação entre político e religioso,
entre os poderes temporal e espiritual gera o aniquilamento da liberdade e
promove intolerância e perseguições.137
O sistema da separação entre Igreja e Estado se deu sob o argumento de que
os poderes públicos usavam seus instrumentos de coerção como meios
compulsórios de conversão, aniquilando os fundamentos básicos da idéia de religião
que é a idéia de conversão interior da fé e pelo voluntarismo, a qual sem esta
separação haveria a imposição pela força.138
Muitas vezes o meio de coerção apresenta-se de forma indireta, portando
ocorrendo tal hipótese o Estado constrangeria o cidadão a abandonar sua fé ao
estabelecer normas que venham a colidir com as convicções religiosas de um
individuo se que o Estado estabelece uma prestação alternativa, restando apenas
seguir a opção do Estado ou desprezá-la sendo fiel a sua consciência e por
consequência contrariar as normas jurídicas a todos imposta.
Se o Estado afirma ser laico, agir de acordo com sua laicidade, os seus
membros poderão viver em harmonia mesmo que suas convicções sejam diversas.
Sobre a separação entre a Igreja e o Estado, Francisco Faus afirma:
A separação entre Igreja e Estado, a “laicidade” do Estado, não significa,
pois, que o Estado negue à Igreja o direito e o dever de contribuir para o
136
PIERUCCI, Antônio Flávio. Estado laico, Fundamentalismo e a Busca da Verdade. In:
BATISTA, Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e Liberdades Democráticas. SOS Corpo Instituto
Feminista
para
a
Democracia.
Recife.
Abril/2006.
Disponível
em:
<http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>. Acesso em: 03 outubro de 2020, p. 9.
137
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. Liberdade religiosa, separação Estado–Igreja e o limite
da influência dos movimentos religiosos na adoção de políticas públicas. Disponível em
https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/upload/39/File/000860629.pdf. Acesso em 01 de
outubro de 2010. p. 3.
138
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. Liberdade religiosa, separação Estado–Igreja e o limite
da influência dos movimentos religiosos na adoção de políticas públicas. p.3.
63
bem da sociedade (em assuntos não estritamente “religiosos”), ou que
impeça os católicos de terem as suas opiniões, de defendê-las e de cumprir
com a sua responsabilidade e o seu direito de participar na vida pública,
como qualquer cidadão. Um Estado que não respeitasse um espaço para a
Igreja na sociedade, ou negasse o direito dos católicos de expressar – como
qualquer outro cidadão – as suas opiniões e opções políticas pessoais, teria
acabado com a democracia, cairia no sectarismo, no totalitarismo ideológico
e prático.139
Fica evidente que a igreja tem grande influência na elaboração das leis. De
fato o Estado laico não deve negar a ninguém o direito de contribuir para o bem da
sociedade. Portanto se o comportamento é considerado inadequado por uma
instituição religiosa, é compreensível que tal instituição motive seus adeptos a
seguirem um padrão de conduta. Porém é impossível em um Estado Democrático de
direito a imposição a determinado grupo de uma forma especifica de conduta por ser
esta aceita pela Igreja dominante.
Exemplo disso é a não legalização do aborto, por força da Igreja Católica não
ser adepta a tal prática, ocorrendo o que é visto frequentemente como abortos
clandestinos e abandono de crianças em latas de lixo, esgotos e lagoas.
Então no Estado laico onde prevalece a liberdade de expressão, de crença e
de consciência, Francisco Faus assevera que:
Cada cidadão pode expor e defender – merecendo o respeito de todos – as
suas próprias opiniões políticas, sociais, etc. (sejam ou não coincidentes
com crenças religiosas ou convicções ideológicas, ou sejam apenas
preferências particulares). É perfeitamente compatível (e sumamente
desejável) a fidelidade à identidade própria de cada um e aos seus “valores”
de vida (p. ex. a identidade católica), unida, ao mesmo tempo, à
disponibilidade respeitosa para o diálogo com todos.
Vale ressaltar que expor uma idéia ou convicção religiosa é bem diferente é
batalhar para que esta seja aplicada a toda uma sociedade, ate mesmo para
aqueles que não compartilhem da mesma convicção.
Conclui-se que o Estado Laico deve respeitar as convicções de seus
membros, tolerando as diversidades de manifestação como um direito fundamental.
139
FAUS,
Francisco.
Laicidade
e
Laicismo.
Disponível
<http://www.quadrante.com.br/artigos/sociedade>. Acesso em: 03 de outubro de 2010.
em:
64
3.2.1 Funções do Estado quanto à Liberdade Religiosa
O Estado democrático de direito o qual adota o princípio da laicidade faz-se
necessário entender quais as funções que cabem ao Estado como garantidor da
liberdade religiosa. Prestando medidas alternativas quando as normas emanadas do
poder público entrem em conflito com suas convicções religiosas ou não.
Em relação a tal fundamentação Paulo Pulido Adragão dispõe:
Proteger a pessoa na defesa da liberdade individual, proteger a sociedade
civil contra todos os abusos e criar condições para que as confissões e
grupos religiosos, segundo o seu grau de representatividade, possam
desempenhar coerentemente a sua missão.140
O mesmo autor afirma que as funções do Estado dirigem-se a própria lei
fundamental, a saber, à Constituição. Sendo assim a Carta Maior diante do
fenômeno religioso haverá de selecionar regras que por sua natureza intrínseca,
devem ser transferidas para o plano superior do estatuto político do país. 141
Portanto a Constituição ao tutelar a liberdade religiosa verifica seu caráter
essencial, colocando em duvida se seria necessários ou suficientes outros
dispositivos de regulamentação em relação à liberdade religiosa. Com base na
presente duvida, bastaria a norma constitucional? Paulo Pulido Adragão afirma que
sendo as normas Constitucionais de caráter geral, a mera aplicação da Constituição
ocasionaria incertezas, para cada caso concreto.142
Já José Afonso da silva afirma que as normas constitucionais, são normas de
eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata. 143
Portanto, mesmo diante da ausência de norma especifica que regulamente o
exercício de determinada liberdade o Estado deve se manter inerte contra a
liberdade e ainda protegê-la, podendo as decisões do poder político se fundamentar
nos princípios constitucionais sendo estes, dignidade da pessoa humana, liberdade
igualdade entre outros.
140
ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. p. 429.
ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. p. 429.
142
ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. p. 431.
143
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 268.
141
65
3.3 O DIREITO A EDUCAÇÃO E A SITUAÇÃO PECULIAR DOS SABATISTAS
A CRFB/88 garante o direito à educação a todos, sendo dever do Estado
promovê-la. Ocorre que para ter acesso a este direito algumas regras devem ser
obedecidas, primeiramente para ingressar no ensino superior se faz necessário a
participação em uma seleção, ou seja, o então conhecido vestibular.
Caso ocorra esta seleção no dia de sábado, como poderá o individuo que
guarda tal dia exercer seu direito, deverá ele abrir mão do direito á educação ou
esquecer de suas convicções religiosas, sendo assim ambos os direitos entrariam
em conflitos já que o individuo terá que fazer uma escolha entre sua religião e sua
educação.
De acordo com o acima mencionado, o Estado não estaria impondo uma
religião, porém se a religião escolhida pelo individuo for a que guarda o sábado será
restringido a outros direitos, no caso, direito à educação.
Ainda que tal conflito seja resolvido, encontra-se outro problema, no que diz
respeito a conclusão de ensino superior. De acordo com a lei de Diretrizes e Bases
9.394/1996 em seu art. 47, estabelece que o ano letivo regular deverá ter no mínimo
200 dias de trabalho acadêmico sendo obrigatória a presença dos acadêmicos.
Além desta lei existe a Resolução nº 04 de 16 de setembro de 1986, a qual
dispõem que a frequência mínima deve ser de 75% em cada disciplina, o art.24,
inciso VI, da mesma lei, determina que a educação exige que a educação básica
tenha a mesma porcentagem mínima de frequência obrigatória.
Com estas regulamentações como ficará a situação dos adeptos a guarda do
sábado, que terão de frequentar as aulas de sexta-feira no período noturno e
sábados?
O Ministério da Educação já se manifestou acerca deste assunto, com o
parecer CNE/CEB nº 15/99, aprovado em 04/10/99, que entendeu não haver amparo
legal ou normativo para o abono de faltas aos estudantes que se ausentem nos dias
considerados de guarda (sábado), devido a suas convicções religiosas. 144
144
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99. Relator: Cons.
Carlos
Roberto
Jamil
Cury.
Aprovado
em
04
out.
1999.
Disponível
em:
66
Um dos argumentos da decisão acima explanada, é que não existe lei federal
que regulamente tal feito. Porém não seria a CRFB/88 o ápice da pirâmide jurídica,
sendo assim as demais normas deveriam ser interpretadas em concordância com os
princípios constitucionais.
Portanto
o
direito
fundamental
à
liberdade
religiosa
esta
sendo
consubstanciado em prol de uma lei infraconstitucional, a qual determina a
obrigatoriedade de frequência mínima de 75% dos acadêmicos, invertendo a ordem
hierárquica das normas, pois, deveria ser primeiramente analisada a CRFB/88.
É garantido constitucionalmente que é inviolável a liberdade de crença e
consciência, além de ser garantido que ninguém será privado de seus direitos por
motivo de convicção religiosa, filosófica ou religiosa, salvo para eximir-se de
obrigação legal e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
A prestação alternativa da qual dispõe o texto constitucional não se trata
somente ao serviço militar e sim a qualquer outra obrigação, como aborda Hélio
Silva Júnior,
(...) o preceptivo constitucional em comento utiliza a locução “eximir-se de
obrigação legal a todos imposta”, sem adjetivar tal obrigação, pelo que
contempla não apenas a recusa ao serviço militar obrigatório (exemplo
frequentemente lembrado pela doutrina), mas protege, ainda, ao menos
teoricamente, a recusa ao cumprimento de toda e qualquer obrigação legal
a todos imposta.145
O individuo está sendo privado do direito a educação, pois, se não tiver 75%
de frequência nas escolas ou universidades será reprovado por faltar referente a
convicções religiosas, ou seja, a guarda do sábado. Já a obrigação a todos imposta
é a frequência mínima de 75% para não ser reprovado, no entanto não há lei que
regulamente uma prestação alternativa para este caso, entendendo-se esta como
uma lacuna normativa.
A conclusão para o caso, seria a incompatibilidade da religião adventista ou
qualquer outra que guarde o sábado com o sistema educacional brasileiro.
Entretanto, Dirley da Cunha Júnior, ao se manifestar sobre a existência ou não de lei
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/diretrizes_p0557-0562_c.pdf. Acesso em: 21 de novembro de .
2009.
145
SILVA JUNIOR, Hédio. A Liberdade de Crença como Limite à Regulamentação do Ensino
Religioso. Tese - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. p. 34.
67
que regulamente a escusa de consciência, afirma:
É importante ressaltar que o cumprimento da prestação alternativa depende
de sua previsão legal, só estando a pessoa obrigada ao seu cumprimento
quando fixada por lei. Não é correto dizer que a escusa de consciência
depende de lei, sobretudo em face da aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais (art. 5º, § 1º). O que depende de lei é a fixação da prestação
alternativa, não o exercício da escusa de consciência. Assim, fundada em
suas crenças ou convicções, pode uma pessoa deixar de cumprir uma
obrigação legal a todos imposta, sem, no entanto, se sujeitar a uma
prestação alternativa, quando esta não estiver prevista em lei.146
Existem leis estaduais que regulamentam a situação dos adventistas do
sétimo dia, porém estas não são uniformes no território nacional. Há um projeto de
lei que visa a unificar situações que conflitem com o dia de guarda e o direito a
educação é o Projeto de Lei nº 2171 de 2003.147
A educação é direito de todos, sendo assim todo cidadão tem direito de
acesso à educação não importando sua denominação religiosa. Este direito é
reconhecido como um direito fundamental em varias Constituições, inclusive a
brasileira. Por ser uma norma geral, “habilita qualquer um a solicitar do Estado a
prestação do ensino, que é o elemento inicial de qualquer educação.”
148
sendo
assim a educação é caracterizada “simultaneamente como um direito individual e
difuso.” 149
Além de ser um direito à educação é um dever do Estado e da família, com o
auxílio da sociedade. O Estado deverá empenhar-se, para que a educação seja
promovida, fazendo deste direito uma norma de principio programático150, ou seja,
normas que direcionam os órgãos estatais aos princípios que servem como
norteadores de sua atuação, visando à realização dos fins sociais do Estado. 151
Por isso é que os artigos 212 e 213 da Constituição da República
dispõem acerca dos percentuais dos recursos públicos que serão destinados à
146
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008.
BRASIL.
Projeto
de
lei
2171/2003.
Disponível
em:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/253609.pdfver anexo. Acesso em 30 de novembro de 2009.
148
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed.
atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 243, v. 2.
149
DAVID ARAUJO, Luiz Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.
9. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 490.
150
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 149.
151
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 138.
147
68
educação. Referindo-se ao artigo 205, o qual dispõe que a educação recai também
sobre a família e que esta recebera ajuda da sociedade, mostra que este direito
fundamental é mais amplo do que uma simples instrução escolar:
A menção serve para lembrar que o processo educativo não se confunde
nem se identifica com o processo de instrução; transcende-o,
compreendendo também a ação educadora e constante dos pais no seio da
família. Igualmente é da responsabilidade de toda a sociedade, que há de
colaborar na formação da pessoa.152
A Constituição em seu art. 226 exalta a figura familiar, responsabilizando-a
pelo seu respeitável dever de cuidar daqueles que a compõe e estão em processo
de aprendizagem.
A educação tem seus adjetivos direcionados ao pleno desenvolvimento da
pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
mercado de trabalho.
O primeiro objetivo mostra sua importância ao se referir que a educação deve
ser assegurada pelo Estado e pela família e sociedade, devendo estes proporcionar
ao educando a máxima “expansão de suas potencialidades”
153
, abrangendo, por
exemplo, a crença, a filosofia, a arte e o saber. Para que se atinja o objetivo do
direito á educação se faz necessário o desenvolvimento das faculdades acima
mencionadas.
Já o segundo objetivo visa a preparação do educando para o exercício da
cidadania. É com base neste objetivo que em algumas escolas ainda são
ministradas disciplinas tais como, Educação Moral e Cívica e Organização Social e
Política Brasileira.
O terceiro objetivo do direito à educação é a qualificação do educando para
ingressar no mercado de trabalho, agregando ao ensino a prática. Sendo assim
leva-se a conclusão de que é necessário o estudo para que se possa adentrar no
mercado de trabalho, afinal o que se visa com a educação é que o trabalho seja feito
de forma qualificada e eficiente.
O art. 206, visando a alcançar os objetivos delineados acima, traz sete
princípios que devem permear o ensino. Por serem princípios, eles devem servir de
152
153
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. p. 243.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. p. 244.
69
orientação a cada ato estatal ou individual que se relacione com a educação. Dispõe
tal artigo:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização do profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei,
planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e
ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade.154
O artigo 205 da Constituição do Brasil de 1988 que dispõe sobre os objetivos
da educação, sendo estes princípios básicos, afirma José Afonso da Silva:
A consecução prática dos objetivos da educação consoante o art. 205 –
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho – só se realizará num sistema
educacional democrático, em que a organização da educação formal (via
escola) concretize o direito ao ensino, informados por princípios com eles
coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituição, com são:
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade
de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais do ensino garantido
na forma da lei; planos de carreira para o magistério público, com piso
salarial e profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos; gestão democrática; garantia de padrão de qualidade (art.
206).155
Destarte, observado os princípios dispostos no art. 206 da Constituição do
Brasil de 1988 estar-se-á alcançando os objetivos perseguidos pelo direito
fundamental à educação.
3.3.1 O principio da liberdade de expressão.
A liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber, são princípios dispostos no artigo 206 da Constituição Federal do
154
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado, 1988.
155
SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional positivo. p. 810.
70
Brasil de 1988, inseridos no inciso II. Este princípio deve ser como os outros
observados, respeitando a individualidade de cada um.
Como direito fundamental a liberdade, comporta as mais diversas
especificações, dentre as quais a liberdade de ensino. Sobre o princípio básico do
ensino, David Araújo e Nunes Junior dispõe que:
O segundo princípio trata da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber. Com isso, garante-se a todos o
direito de pretender adquirir a mesma cultura e a mesma instrução, o direito
de transmitir aos outros sua crença e sua ciência e de escolher o tipo de
ensino a ser recebido de acordo com seus valores.156
Como o princípio da liberdade é individual a cada cidadão, tão princípio
possibilita que o ensino seja moldado as necessidades e pensamentos de cada
educando, observando sempre a razoabilidade. Portando é livre o educando
manifestar seus pensamentos, sendo estes de diversas categorias, tais como
“opinião, religião, informação, artística, comunicação do conhecimento”.157
Sendo assim o educando tem a faculdade do tipo de ensino, o qual ira
receber, para que este não entre em conflito com suas convicções, sejam elas
religiosas ou não. Um exemplo do mencionado princípio em nossa Constituição,
seria o art. 210, § 1º, que dispõe sobre a faculdade da matrícula no ensino
religioso.158
Assim está disposto na Carta Maior: “o ensino religioso, de matrícula
facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental.”
159
Observa-se que o artigo acima citado está de plena harmonia com a
Carta Maior, pois, não fere o princípio da liberdade, dando ao educando a faculdade
ou a alternativa de se matricular ou não na matéria referente ao ensino religioso,
assegurando a liberdade de pensamento mencionada no art. 206 da Constituição
Federal.
José Afonso da Silva, ao comentar o ensino religioso destaca que:
156
DAVID ARAUJO, Luiz Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.
p. 490.
157
SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional positivo. p. 238.
158
DAVID ARAUJO, Luiz Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.
p. 492.
159
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,
1988.
71
Este deve constituir disciplina dos horários normas das escolas públicas de
ensino fundamental (primeiro grau). Mas se tratará de matéria de matrícula
facultativa (art. 210, § 1º). Vale dizer: é um direito do aluno religioso ter a
possibilidade de matricular-se na disciplina, mas não lhe é dever fazê-lo.
Nem é disciplina que demande provas e exames que importem reprovação
ou aprovação para fins de promoção escolar. Note-se ainda que só as
escolas públicas são obrigadas a manter a disciplina e apenas no ensino
fundamental. As escolas privadas podem adotá-la como melhor lhes
parecer, desde que não imponham determinada confissão religiosa a quem
não o queira.160
Alexandre de Moraes, ao explicar como se dará o ensino religioso ensina
que:
O ensino religioso poderá, desde que sempre de matrícula facultativa,
constituir disciplina dos horários normas das escolas públicas de ensino
fundamental (CF, art. 210, § 1º). Essa previsão constitucional deverá
adequar-se às demais liberdades públicas, entre elas a liberdade de culto
religioso e a previsão do Brasil como um Estado laico.
Dessa forma, destaca-se uma dupla garantia constitucional. Primeiramente,
não se poderá instituir nas escolas públicas o ensino religioso de uma única
religião, nem tampouco pretender doutrinar os alunas a essa ou àquela fé. A
norma constitucional prevê, implicitamente, que o ensino religioso deverá
constituir-se de regras gerais sobre religião e princípios básicos da fé. Em
segundo lugar, a Constituição garante a liberdade das pessoas em
matricularem-se ou não, uma vez que, conforme já salientado, a plena
liberdade religiosa consiste também na liberdade do ateísmo. 161
Por fim, os comentários de Celso Ribeiro Bastos acerca do assunto:
A religião, nos estabelecimentos oficiais de ensino, pode ser ministrada,
respeitada sempre a vontade dos próprios alunos. Poderá ser oferecida
facultativamente, constituindo-se disciplina dos horários normais das
escolas oficiais. As escolas privadas podem ser confessionais, no sentido
de que adotam determinada religião. Há que se fazer referência também à
liberdade de ensino no âmbito da respectiva confissão, isto é: o ensino que
é ministrado nas reuniões de fiéis dentro ou fora dos templos. É indiscutível
o direito à livre catequese. Inclui-se também na liberdade religiosa o direito
de as diversas confissões livremente formarem seus eclesiásticos.162
Conclui-se, portanto, que a faculdade de se matricular na disciplina de
ensino religioso, tem como objetivo a livre manifestação por parte do educando de
seu direito de liberdade de consciência, a qual envolve a liberdade de crença ou de
não adotar nenhuma crença.
160
161
SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional positivo. p. 255 e 256.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. p.
218.
162
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 56.
72
Se entendermos que a liberdade religiosa é um direito fundamental, seria
está uma norma de eficácia plena, porém o dispositivo acima estudado dá margem
para que se caracterize uma norma constitucional de eficácia limitada e de principio
programático, requerendo do Estado uma atuação, negativa ou positiva, ou seja,
consertando as violações sofridas ou promovendo o pleno respeito à crença
individual.
3.3.2 A Situação Peculiar dos Sabatistas e o Direito à Educação à Liberdade
Religiosa como Normas Constitucionais de Princípio Programático
Por fim, chega-se ao objeto do presente trabalho, por todo o exposto acima,
no tocante ao tema da educação, à liberdade de expressão do pensamento e da
faculdade do ensino, de acordo com seus valores, tem-se a necessidade de analisar
a situação dos Sabatistas em face se sua crença religiosa.
Para que sejam sanadas dúvidas futuras, os adventistas do sétimo dia,
são membros de uma denominação cristã que tem como uma de suas doutrinas
peculiares a observância do sábado como dia especial de descanso e adoração
ao Criador. O sábado bíblico se inicia com o pôr do sol de sexta-feira e se
encerra com o pôr do sol do sábado, neste dia os membros de tal denominação
se abstêm de toda e qualquer atividade secular, ou seja, que possa ser realizada
em um outro momento, a exemplo temos o trabalho e os estudos. Para este
segmento o sábado é um dia consagrado às atividades religiosas, abençoado e
santificado (separado), pelo próprio Deus, na criação, conforme exposto nas
Escrituras Sagradas, no livro de Êxodo:
Lembra-te do dia do sábado do Senhor, teu Deus; não farás
nenhuma obra, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu
servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro que
está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus
e a terra, o mar e tudo o que neles há e ao sétimo dia descansou;
portanto, abençoou o Senhor o dia de sábado e o santifi cou. 163
Neste dia, são dedicados exclusivamente a realizar atividades de assistência,
filantropia, descanso e o estudo da palavra de Deus, dentre as quais pode-se citar
as visitas aos doentes, aos presídios, cultos religiosos, passeios familiares junto à
natureza entre outras.
163
Bíblia Sagrada. Êxodo 20:8-11. Tradução de João Ferreira de Almeida. SBB. São Paulo, 1993.
73
A referida classe cristã, no dia de sábado se abstêm de estudos seculares,
como os assuntos ministrados em sala de aulas, cursos e universidades.
É exatamente neste ponto o qual envolve a crença, que por muitas vezes, os
sabatistas enfrentam dificuldades que colocam em contenda o respeito a sua fé. Um
exemplo destas situações que é o objeto do trabalho seria a realização de provas e
aulas no sábado, não esquecendo que as aulas de sexta-feira a noite para tais
adeptos são consideradas como sábado.
É neste ponto que questiona-se o dever do Estado de assegurar o direito
fundamental da educação aos sabatistas, e a liberdade religiosa, se o Estado tem
este dever, deveria o mesmo oferecer prestações alternativas que viessem
assegurar este direito, assim respeitando a dignidade da pessoa humana.
Por tanto deveria o Estado abonar as faltas dos Sabatistas, em virtude de sua
convicção religiosa? Uma vez que, não sendo abonadas tais faltas o educando
sofreria graves danos, pois, reprovaria por faltas.
Defendendo o ponto de vista do Ministério da Educação e do Conselho
Nacional de Educação, numa visão extremamente positivista, há um parecer do
educador Carlos Jamil Cury afirmando que os alunos Adventistas do Sétimo são
obrigados a assistir as aulas de sexta-feira à noite e, se caso, houver aulas, aos
sábados, os mesmos são obrigados a assistir, sob pena de serem reprovados
por falta. Eis o seu parecer:
Considerando-se a relatividade do tempo e a convencionalidade das
horas sob a forma de construção sócio histórica e a necessidade de
marcadores do tempo, comuns a todos e facilitadores da vida social, e
considerando-se a clareza dos textos legais, não há
amparo legal
ou normativo para o abono de faltas a estudantes que se ausentem
regularmente dos horários de aulas devido a convicções religiosas. 164
Neste mesmo sentido, existe também a opinião da filósofa e
educadora Marilena de Souza Chauí:
Os alunos Adventistas do 7° Dia têm que freqüentar as aulas nas noites
de sexta-feira. Em face de todo o exposto, manifesto-me no sentido de
que não há amparo legal ou normativo para o abono de faltas a
164
Parecer CNE n. 15/99 – CEB – Aprovado em 04/10/99. Disponível
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb15_99.pdf Acesso em: 25 setembro de 2010.
em:
74
estudantes que se ausentem regularmente dos horários de aulas por
motivos religiosos. 165
Observa-se nos pareceres acima expostos, a visão legalista sem o mínimo de
consideração com as diversidades religiosas existentes no Brasil, o qual denominase Estado Democrático de Direito. Verifica-se ainda a existência de conflitos entre
dois direitos fundamentais, a liberdade religiosa e o direito a educação, ambos
garantidos e protegidos pela CRFB/88.
Como a Carta Maior garante a liberdade religiosa e a igualdade, a prestação
positiva do Estado não feriria o interesse público nem o Estado deixaria de ser laico,
pois do contrário, ao aceitar o domingo como dia de descanso, e sabendo que sua
origem é religiosa, estaria aderindo a uma religião e por consequência perderia a
característica de laicidade.
Sendo assim, o art. 205 deixa claro que a educação é “direito de todos e
dever do Estado e da família”
166
, abrangendo os sabatistas, assim como todo e
qualquer indivíduo. Caso o Estado não preste tal direito o da educação, estaria ele
ferindo suas próprias obrigações constitucionais.
É possível que o Estado assegure o direito a educação e promova a liberdade
religiosa, sem que estes dois direitos se anulem? Faz-se necessário adequar à
liberdade religiosa dentro do ordenamento jurídico constitucional, sendo que esta
norma é de eficácia plena e limitada de princípio programático.
José Afonso da Silva, ao tratar acerca da aplicabilidade das normas
constitucionais, em especial daquelas de eficácia plena, assim as define:
[…] sendo aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição,
produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais,
relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador
constituinte, direta ou normativamente, quis regular.167
Ou seja, são aquelas que independem de qualquer produção de norma ou
programa ulterior que as venha concretizar. Possuem eficácia plena desde a entrada
em vigor da constituição. O direito à liberdade religiosa é uma norma constitucional
165
Parecer CNE/CES N. 224/2006 – Aprovado em 20/09/2006. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pces224_06.pdf. Acesso em 25 setembro de 2010.
166
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,
1988.
167
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 101.
75
que possui eficácia plena, pois desde a promulgação da Constituição de 1988 já vale
em sua plenitude, devendo o Estado coibir as ações que violem tal direito.
Ocorre, porém, que a liberdade religiosa não possui apenas eficácia
plena. Isso quer dizer que não deve ser vista pelo Estado apenas para evitar sua
violação, ou seja, não deve o Estado apenas agir negativamente, imiscuindo-se
somente nos casos de violação e resguardando a sua ingerência na liberdade
religiosa de cada um. Deve o mesmo agir e promover ações e programas que visem
dar a cada um a plenitude do usufruto ao direito esperado.
Portanto
conclui-se
que
o
Estado
tem
o
dever
de
garantir,
simultaneamente dois direitos fundamentais, o de liberdade religiosa e educação, no
caso em tela, aos adventistas do sétimo dia, tal posição não estaria ferindo o
interesse publico, nem mesmo deixando o Estado de ser laico em face das decisões
que consiste aos princípios de crença do cidadão. Estará sim dando efetividade ao
princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o Estado trata cada cidadão
como um ser importante, pois a verdade é que cada indivíduo tem um valor
inestimável em virtude de sua individualidade.
76
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que o direito a liberdade religiosa está de
alguma forma sendo restringida a certo grupo de pessoas, vez que o Estado não
dispõe de uma alternativa para aqueles que por convicção religiosa não possa
assistir as aulas de sexta-feira à noite e sábados.
A solução da qual os desiguais necessitam, seria que o Estado como fonte de
justiça, preenchesse a lacuna normativa do qual o art. 5ª, VIII da CRFB/88 esta
desprovido. Sendo assim o Estado não está atuando de forma eficaz para que os
direitos fundamentais estejam sendo uma verdade na vida de cada individuo
brasileiro.
O Brasil é um Estado laico desde a Constituição de 1891, ou seja, desde o
momento em que proclamou a República Federativa até os nossos dias atuais. No
entanto, os cidadãos brasileiros passaram a usufruir de plena liberdade religiosa
somente com a entrada em vigor da atual constituição.
A expressão “Deus”, contida no preâmbulo da Constituição atual não é
sectária, mas apenas indica que o Brasil é um Estado Teísta, ou seja, crê num Ser
Supremo, o qual chama de Deus. Porém não tem uma religião oficial e por
consequência deve aceitar todos os tipos de religião.
A liberdade de crença, que revela o pensamento não-exteriorizado é a
liberdade de convicção em matéria religiosa e inclui até o direito de ser ateu, ou
seja, qualquer cidadão possui a plena liberdade de não adotar nenhum tipo de
crença, consciência ou convicção religiosa, ou seja, a constituição lhe dá o
direito de ser ateu. Já a liberdade de culto é a exteriorização da liberdade de
crença, sendo livre seu exercício desde que em harmonia com a ordem pública e
os bons costumes, vedada a prática de atos ilícitos.
Os adeptos da religião Adventista do Sétimo dia são os mais prejudicados, já
que uma das doutrinas desta religião é a observância do sábado, sendo que neste
dia para eles santificado, o membro da igreja deve se abster de toda e qualquer
atividade secular, tendo esta como trabalho que vise lucro, compras e os estudos.
77
O presente trabalho aborda o direito à educação como direito fundamental
garantido pela CRFB/88, este direito esta amparado por princípios constitucionais,
devendo ser um direito concreto e de aplicação na vida dos cidadãos brasileiros, não
um direito que está na lei, mas sem aplicação pratica e efetiva.
No entanto é analisado que o Estado se posiciona muitas vezes de forma
negativa quando os adeptos desta religião não encontram alternativas para ver
concretizados estes direitos, a não ser judicialmente. E mesmo judicialmente, muitas
vezes não encontram amparo para suas indagações.
A privação do direito a educação, por motivo de convicção religiosa nos dias
atuais vem sendo matéria bastante discutida, vez que é obrigatória a frequência de
75% (setenta e cinco por cento) nas aulas, sendo que os indivíduos que estudam no
período noturno são restringidos, pois, não conseguem alcançar esta porcentagem,
já que nunca alcançaram esta meta de frequência.
O Estado não regulamentando a lacuna normativa, da qual dispõe o artigo 5º,
VIII da CRFB/88, está ferindo o principio da liberdade religiosa do direito à educação
e acima de tudo ferindo a dignidade da pessoa humana.
Algumas religiões têm como dia sagrado o sábado, e têm este dia como
separado por Deus, tendo este, por sua vez, grande significado de importante para
os membros da igreja, e como princípio doutrinário deve ser observado com a maior
sinceridade e cuidado pelos mesmos. Porém o Estado quando em seus atos
desrespeita este principio esta ferindo a própria CRFB/88 e a dignidade da pessoa
humana.
No entanto a CRFB/88 previu o direito a objeção de consciência, por
considerar que, em algumas situações as obrigações legais entrariam em conflito
com a liberdade de crença do cidadão. Sendo assim estabeleceu que ninguém seria
privado de seus direitos por motivo religioso, a não ser que se recusasse a prestar
atividade alternativa à obrigação conflitante com a crença religiosa, política ou
filosófica.
Porém é observada a lacuna que existe na fixação da prestação alternativa
para os adeptos das religiões que guardam o sábado como dia sagrado, onde
muitos são privados de estudar, prestar concursos públicos ou vestibulares e por
vezes trabalhar.
78
O Estado brasileiro necessita regulamentar de forma adequada o direito a
liberdade religiosa, principalmente no que diz respeito ao direito a educação. A falta
de regulamentação não pode continuar cerceando os direitos dos cidadãos adeptos
a uma minoria religiosa.
Tendo em vista que o Estado é laico e como tal deve ser neutro ante aos
conflitos de natureza religiosa. Não se pode confundir a neutralidade do Estado
como indiferença do mesmo. O Estado não é confessional tendo por princípio sua
neutralidade, devendo aceitar a religiosidade de seus cidadãos. Sendo que o Estado
não deve prejudicar ou privilegiar um determinado grupo de pessoas.
O Estado agindo positivamente e negativamente é uma forma de democracia,
não agindo pela maioria através do voto e sim possibilitando a inclusão de todos.
Sendo assim, a máxima de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais”, estaria sendo enfim praticada.
Muitas vezes o Estado se posiciona de uma forma negativa fundamentandose pela ausência de norma infraconstitucional que regulamente como direito o
descanso semanal como dia sagrado. Mesmo não tendo uma norma que
regulamente este princípio, o Estado tem o dever de se manifestar e ate mesmo de
proteger a liberdade de crença, se pautando em outros princípios constitucionais
como a dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, entre outros, diante de
conflitos relacionados a este assunto.
Os indivíduos adeptos a religiões minoritária são descriminados e muitas
vezes inibidos de exercerem seus direitos como cidadãos, tendo seus direitos
restritos em relação a suas concepções religiosas e concomitantemente com o
direito à educação.
A dúvida que permanece no ar é como demonstrar a estes cidadãos que a
Carta maior de 1988 lhes garante o direito à liberdade, à igualdade e à dignidade da
pessoa humana não se tornaria apenas uma lei ineficaz? Além destas dúvidas
existem outras, como: o que fazer para proporcionar a igualdade de oportunidades a
indivíduos que tenham crenças diferentes? Além de questionar a eficácia de normas
Constitucionais que tratam dos direitos fundamentais. A resposta a estas questões
pode ser a aplicação do uso da medida alternativa que o Estado deve estabelecer
para os que por motivo de convicção religiosa não possam assistir as aulas de
79
sexta-feira à noite e sábados durante o dia. Caso não seja imposta tal medida as
instituições de ensino deveriam propor uma atividade alternativa para substituir as
faltas mediante compensação.
Desta forma o Brasil estaria fazendo jus ao nome que leva, ou seja, um
Estado Democrático de Direito.
80
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