Religião e Sociedade - Comunidade Virtual de Antropologia

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RELIGIÃO E SOCIEDADE
ROBERTO CARVALHO MATTOS
As notas que se seguem foram elaboradas há algum tempo, quando o autor,
então aluno de Sociologia Especial no segundo ano da Faculdade de
Ciências Econômicas, preocupado com problemas de Sociologia Religiosa,
dedicou-se ligeiramente ao assunto.
O Evolucionismo assim como o Difusionismo contribuíram radicalmente
para o equacionamento do principio de integração cultural.
Tal principio veio substituir a antiga concepção de cultura, dando-lhe nova
conotação, denominando-a como um “todo-integrado” dentro do qual
funcionam, se ajustam se determinam e se rotinizam as diferentes partes
que se estribam numa unidade coerente e estruturada em profundidade.
Alem disso a integração cultural lançou raízes profundas que
determinaram, de um modo ou de outro, o aparecimento do funcionalismo
como método de abordagem (aproach) e compreensão total do fenômeno
cultural, procurando demonstrar, de maneira incisiva, que cada componente
cultural, seja uso, costume, hábito ou crença, exerce uma função especifica
visando a persistência da Estruturação Social Total de equilíbrio
iminentemente instável.
Assim considerando, os elementos da cultura se acham agrupados em
sistemas conforme a função que desempenham, tendo sempre como
objetivo principal a manutenção da Estrutura mencionada, tendo em vista,
como assinala Ralph Linton, que a "função" de qualquer cultura como um
todo é assegurar a sobrevivência e o bem estar da sociedade a que está
associada”, afirmando ainda que, com o decorrer do tempo, os complexos
podem perder certas funções peculiares adquirindo outras diversas,
admitindo também que as múltiplas funções de qualquer complexo em um
determinado tempo histórico podem variar de importância, podendo seguir
uma ou mais pautas culturais Apresentando assim funções primárias e
suplementares, específicas ou gerais segundo estejam a exigir as
necessidades para sua satisfação adequada.
Partindo dessa ligeiras considerações, examinaremos um dos pontos
abrangentes da vida social humana, traduzido no estudo da Religião como
parte da herança social do homem, atendendo sua funcionalidade dentro do
campo cultural como informador do equipamento mantedor da Sociedade e
como fornecedor de elementos que possibilitam a integração de seus
valores.
a) Contribuição para a Coesão Social
A religião como toda instituição integrada numa Estrutura Social recebe e
emite um impacto visando, através de mecanismos e promoções variadas, o
equacionamento do consenso sobre a origem e a natureza do conteúdo das
obrigações sociais, procurando favorecer os valores necessários à
canalização das atitudes dos membros da Sociedade e para conceituar e
definir satisfatoriamente para eles o contendo de seus papeis (roles).
Atendendo ainda, nessa mesma função, ao chamado consuetudinário que,
ao ver suprido seu instrumental coercitivo, que é informado e reforçado
pela religião, empolga maior vitalidade.
A propósito podemos lembrar que a maioria das grandes religiões atuais
não admite a segregação racial realizando, assim, em toda a extensão, tarefa
de aplainar possíveis diferenças raciais existentes, com fito de eliminar
preconceitos, procurando colocar no mesmo plano de possibilidades todos
seres humanos.
Essa tendência mostra claramente o papel coesivo da religião que tenta
atenuar e eliminar diferenças sociais fortalecendo, deste modo, as relações
entre os diversos agrupamentos humanos, biológica e culturalmente
diferentes.
b) Contribuição para a Integração de Valores
A principal função social do elemento na sociedade é o de integrador que
pretende estabelecer e gizar as interações dos componentes do grupo.
Entretanto, devemos lembrar que, sem embargo, a religião não exerce
necessariamente um papel conservador ou estabilizador que procurasse
estabelecer equilíbrio total. Algumas vezes, em épocas de mudanças ou
revoluções de natureza sócio-econômico ou mesmo políticas, a religião se
mostra eminentemente inovadora senão revolucionária.
Como o elemento religioso tende a estabelecer valores supremos ele
possibilita e ajuda a hierarquização de todos os valores. Tais valores são
primeiramente fornecidos dentro da categoria de sagrados, tornando-se
assim menos passíveis de mudança ou substituição.
Das implicações dialéticas mútuas da escala de valores supremos com a
conduta, derivam o significado da qualidade da relação que o grupo
acredita existir entre seus membros, suas divindades, seus cultos, suas
doutrinas e outros procedimentos e objetos de fé religiosa.
Elizabeth Nottingham cita como exemplo de tal implicação o caso de Deus
considerado como valor supremo e concebido como pai amoroso exemplar:
o conteúdo desse valor supremo influenciará obrigatória e diretamente nos
conteúdos éticos dos valores intermediários de toda escala hierárquica em
vigor.
Por outro lado, devemos lembrar que a religião, e todos os seus valores,
afeta a sociedade que a abriga não apenas externamente, mas, pelo
contrário, exercem papéis, à medida que apreendidos, apropriados e
internalizados pelos indivíduos, eminentemente internos, participando
ativamente do arcabouço estrutural, funcionando de maneira a ajustar-se
adequadamente à sua organização. Assim é que a religião sob todas as suas
formas constitui a medida valorativa da grande maioria dos sistemas
sociais, contribuindo eficaz e indispensavelmente na socialização do
indivíduo, acrescentando-se que passa a constituir, desse modo, com
atividade abrangente de todos os aspectos sociais, como elemento
predominante coesivo e estabilizados que lhe confere instrumental
necessário como modelo socializante distinto.
As funções da religiões nas sociedades, como é obvio, extrapolam a rigidez
de qualquer esquema, pois, como sabemos, ela possui múltiplas
interligações recorrentes na sociedade.
Consideraremos aqui tipos societários mais comumente encontrados,
procurando estabelecer para cada um as funções religiosas que nos parecem
mais aliciantes.
Na sociedade do tipo comunitário que possui como características básicas
interações de natureza comunista, simpática, íntima, apresentando também
grande grau de coalescência, cada membro participa da religião de modo
total, identificando o pertencer à sociedade ao grupo religioso. Assim, a
atividade religiosa é de natureza abrangente, interferindo de maneira direta
em todos os ramos da atividade comum.
Carecem, nesta sociedade de “folk” e destituída de público, interesses
rivais, o que determina, até certo ponto, a fusão da religião com quase
todos os aspectos da vida social, exercendo, neste caso, um papel
centralizador dos processos sociais e conservador das instituições
secularizadas.
Na sociedade campesina ou pré-industrial, que deve ser caracterizada pela
coexistência e antinomia de formas culturais de padrão “folk” e urbano, a
organização religiosa, embora incluindo todos os seus membros, constitui
uma organização distinta e formal, funcionado com um quadro próprio de
profissões. Neste tipo societário subsiste uma rivalidade iminente entre as
instituições estatais e a organização religiosa, que muitas vezes deixa a
potencialidade para mostrar-se ativamente.
Todavia, o Estado não pode ainda dispensar a colaboração religiosa no
governo, porque não se encontra satisfatoriamente secularizado, como no
caso do Brasil. Realmente, a constituição, como modelo técnico, apresenta
o governo como agnóstico; contudo, no caso concreto, ou seja, no modelo
real, a situação é diferente, porque o governo não dispensa o revestimento
sagrado para a sua autoridade. Assim é tornou-se mônita a presença da
Igreja Católica no governo, o que, às vezes, tem sido alvo de criticas por
parte dos seguidores, mesmo cristãos, de outros credos, como no caso
recente da construção de uma cadedral em Brasília.
Ainda nesse tipo societário podemos assinalar de maneira esquemática que
a religião pretende aplicabilidade universal, tendendo a considerar-se como
colocada “acima” dos padrões ordinários da vida cotidiana.
A religião empresta significado e coesão ao sistema de valores em vigor,
mas não de maneira bastante rígida em que não possamos distinguir as
esferas da gravitação tanto do sagrado como do secular, que são
relativamente distintos.
A possibilidade de integração do sistema de valores religiosos com a
estrutura social aparece sempre nessas sociedades, embora permaneça a
tendência um pouco difusa da religião se prender à tradição social,
constituindo-se assim, num foco de inovação e de atomização social.
Como este tipo transitório de sociedade é tipicamente expansionista, a
religião possui, além das funções referidas, outras de natureza também
políticas, porque o aparelhamento da organização religiosa se liga à
estrutura política com o intuito de propiciar uma base comum na qual se
escudem as tentativas de expandir tanto a religião como a dominação
política.
Releva notar também que nos estados mais elevados do desenvolvimento
desse tipo societário aparecem freqüentemente conflito de interesses entre
as organizações políticas e religiosas. Tais conflitos, que se hipertrofiam
quando e na medida em que cada organização desenvolve distintamente sua
própria estrutura hierárquica e racional, podem alcançar proporções
consideráveis, como no caso da discussão surgida entre o ISEB e os bispos.
Lembramos, por outro lado, que à medida que as sociedades pré-industriais
se tornam mais complexas, proporcionam campo propício ao aparecimento
de choques entre as classes dominantes, originadas num período anterior, e
as classes em ascensão, representativas de uma nova ordem econômico–
social e política, anunciando assim uma mudança estrutural no caráter
básico, como no caso do Brasil atual.
Nestes períodos, a religião tende a tornar-se uma fonte inovadora, donde se
exteriorizam inovações temporariamente desintegradoras que servirão,
entretanto, a longo prazo, como mecanismos integradores do novo tipo de
sociedade em formação.
Na sociedade de público, caracterizada por tipos de interação de natureza
informal, de interesses mecanicista, a religião se apresenta em forma na
qual inexistem características acentuadas de “folk”, mostrando o urbano
como predominante. Aqui, experimenta ela influências diversas,
representadas, em sua maior parte, pela tecnologia e pela ciência.
Os membros dessa sociedade começam a aplicar métodos de senso comum
empírico aos problemas humanos, alargando assim a esfera secular, em
detrimento ao sagrado.
A fim de se manter imune a tais influências, que pretendem dificultar seu
crescimento, a religião invade o campo das atividades seculares,
exercendo-as em número sempre crescente.
A organização religiosa é descentralizada e pluralística. A aderência aos
quadros religiosos é feita em princípio voluntariamente. A igreja dominante
não possui força para exigir a participação de todos os membros da
sociedade.
Desaparecem os líderes oficiais que ligam as organizações religiosas ao
Estado laico, com raríssimas exceções.
As atomizações sofridas pela religião se unem ao crescimento do
secularismo, enfraquecendo consideravelmente a função integradora da
religião.
As organizações religiosas recebem o impacto do secularismo, que lhes
injeta conteúdo ético, provocando reações em toda extensão das doutrinas
que constituem a parte mais variada e mais maleável do arcabouço
religioso.
Em contraposição à influência perdida pelas organizações religiosas,
persistem nas sociedade os primitivos valores em forma atenuada, como
parte da tradição básica que a reverificação provocada pela evolução exige
como complemento indispensável à criação de uma cultura nacional
autêntica.
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