Educação cristã contínua-Jesus de Nazaré.p65

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Emilio Voigt
Jesus de Nazaré
Manual de estudos
Série
EDUCAÇÃO CRISTÃ CONTÍNUA
Emilio Voigt
Jesus de Nazaré
Manual de estudos
2008
© Escola Superior de Teologia (Faculdades EST), 2008
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Série: Educação Cristã Contínua
Organizador: Emilio Voigt
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Luterana no Brasil (IECLB).
Publicado sob a coordenação do Fundo de Publicações Teológicas/Programa de Pós-Graduação
em Teologia da Faculdades EST da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
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B815p
Voigt, Emilio
Jesus de Nazaré: manual de estudos / Emilio Voigt. – São Leopoldo :
Sinodal/EST, 2008.
96p. ; 21x28 cm.
ISBN 978-85-233-0918-3
Série Educação Cristã Contínua
1. Cristianismo – Educação Cristã. I. Título.
CDU 23/28
Catalogação na publicação: Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273
Apresentação
Olá, que bom ter você aqui! Se você está lendo estas linhas é
porque tem interesse e quer conhecer mais sobre a pessoa de Jesus. E
a proposta deste livro é justamente esta: trazer informações sobre Jesus e seu contexto histórico.
O objetivo do livro e da série “Educação Cristã Contínua” é proporcionar conhecimentos e capacitar pessoas para a vivência e o testemunho da fé. A linguagem procura ser simples para tornar o livro
acessível a um grande público. O conteúdo reflete as pesquisas científicas recentes. Portanto, também estudantes de teologia, pastoras e
pastores que pretendem refrescar ou aprofundar seus conhecimentos
poderão tirar proveito.
O livro foi pensado como um manual para ser estudado em grupos ou individualmente. São cinco blocos temáticos, organizados em
pequenas unidades. As unidades seguem a mesma estrutura: descrição dos objetivos, desenvolvimento do tema e questões para reflexão.
O conteúdo apresentado quer servir de base para reflexões e
construção de conhecimentos. Para um envolvimento proveitoso com
o assunto, leia cada unidade com atenção e reflita sobre as questões
levantadas. De preferência, discuta e compartilhe suas reflexões com
outras pessoas. Constitua um grupo de estudos: além de aumentar o
conhecimento, certamente crescerá a comunhão.
Boa leitura e boas reflexões.
Emilio Voigt
Bloco 1 – O contexto histórico ............................................................................. 9
Unidade 1: Informações gerais ........................................................................... 10
Unidade 2: Organização da sociedade ............................................................... 15
Unidade 3: Contexto político-religioso .............................................................. 21
Bloco 2 – O que sabemos sobre Jesus ............................................................... 27
Unidade 4: As fontes sobre Jesus ....................................................................... 28
Unidade 5: Jesus antes da atividade pública ..................................................... 33
Unidade 6: O ministério de Jesus ...................................................................... 38
Bloco 3 – Jesus diante das necessidades básicas ............................................. 43
Unidade 7: Alimentação, vestuário e moradia .................................................. 44
Unidade 8: Jesus diante das necessidades básicas ........................................... 48
Unidade 9: Recomendações de Jesus ................................................................. 53
Bloco 4 – Doença e cura ..................................................................................... 59
Unidade 10: Doenças e suas conseqüências ..................................................... 60
Unidade 11: Origem das doenças e possibilidades de terapia ......................... 65
Unidade 12: As pessoas doentes e Jesus ........................................................... 70
Bloco 5 – O reino de Deus .................................................................................. 75
Unidade 13: O que é o reino de Deus ................................................................ 76
Unidade 14: Uma nova sociedade ..................................................................... 81
Unidade 15: Vida em comunidade .................................................................... 86
Introdução
O Verbo se fez carne e habitou entre nós. (Jo 1.14)
A igreja cristã confessa que Jesus Cristo trouxe a possibilidade
de reconciliação e salvação para todas as pessoas, em qualquer
parte do mundo. Mas Jesus viveu num contexto histórico e
geográfico bem determinado. Foi nesse contexto que o verbo se fez
carne.
Jesus nasceu e desenvolveu sua atividade na terra de Israel,
também conhecida na sua época como Palestina. Neste bloco, vamos
procurar conhecê-la. Vamos iniciar nossa jornada pela Palestina
agora? Boa caminhada!
Estrutura do Bloco 1
Unidade 1: Informações gerais. Esta unidade apresenta
informações sobre dimensões, distâncias, clima e povoamento
na terra de Israel.
Unidade 2: Organização da sociedade. Aspectos da cultura
mediterrânea, situação social, organização do trabalho e
organização religiosa serão os temas tratados aqui.
Unidade 3: Contexto político-religioso. Nesta unidade veremos
a situação política e os grupos políticos e religiosos no tempo
de Jesus.
BLOCO 1: O contexto histórico
UNIDADE 1: Informações gerais
OBJETIVOS
Nesta unidade serão apresentados alguns aspectos da geografia da
Palestina no tempo de Jesus: dimensões geográficas, clima, povoamento. Durante a leitura, procure refletir sobre como esses aspectos
estavam relacionados com a atuação de Jesus.
A terra de Israel: distâncias e viagens
Apesar da importância para o judaísmo
e o cristianismo, a terra de Israel tinha dimensões geográficas bem reduzidas. Ao tempo de Jesus, a área era mais ou menos semelhante ao tamanho de Sergipe, o menor estado brasileiro. No sentido norte-sul, a extensão era de aproximadamente 240 km e, no
sentido leste-oeste, variava de 50 km a 80 km.
Essas distâncias reduzidas não devem
ser vistas a partir da realidade moderna, com
estradas asfaltadas e carros velozes. Na época, viajava-se quase que exclusivamente a
pé. Em dias muito quentes, era possível caminhar apenas na primeira parte da manhã
e à tardezinha, o que permitia um percurso
de mais ou menos 15 km. Em dias com temperaturas mais amenas, caminhava-se em
torno de 25 a 30 km. Em dias frescos, podiase caminhar o dobro disso. Há relatos de jornadas diárias de até 60 km! O jumento era um meio de locomoção e de transporte muito utilizado, mas também
eram usados camelos, mulas e carroças. O transporte por barco era muito comum na região costeira e no lago Genesaré.
Havia três rotas principais no sentido norte-sul, cortadas por estradas no
sentido leste-oeste e interligadas a pequenas estradas regionais. Ao longo das principais estradas havia hospedarias e cisternas para proporcionar água aos viajan-
10
UNIDADE 1: Informações gerais
tes. As condições de viagem não eram boas e principalmente a ação de ladrões e
bandidos tornava a viagem perigosa. Outros problemas e perigos que os viajantes
enfrentavam eram os animais selvagens e as altas temperaturas.
Saiba mais
Os perigos na estrada são retratados na parábola do bom
samaritano (Lc 10.25-37): um homem, que ia de Jerusalém para
Jericó, foi assaltado no caminho. Os ladrões tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto.
Jesus era um pregador itinerante. Com seus discípulos, ele andava por cidades e povoados. Nessas andanças, passou por privações, teve fome e sede e nem sempre encontrou acolhida ou
um local para dormir (Leia Mc 5.17; Lc 9.51-56; 9.58; Jo 4.6ss).
Há vários relatos que retratam Jesus e seus discípulos viajando
de barco. O texto de Mc 4.36ss mostra que também as viagens
de barco eram perigosas.
Jesus e as pessoas que o seguiam enfrentavam situações difíceis
e perigosas. Por isso não podemos “romantizar” a vida de Jesus
como pregador itinerante. Sua atividade e suas viagens eram
marcadas por muito esforço e também por sofrimento.
Clima
O ano na Palestina é marcado praticamente por duas estações: um verão
seco e quente (abril a setembro) e um inverno frio e chuvoso (outubro a março). A
temperatura e a quantidade de chuvas variam de acordo com a localização geográfica. No litoral, a temperatura varia entre 10 a 15°C no inverno e 27 a 32°C no
verão. Nas regiões montanhosas, é cerca de 5°C mais baixa. No inverno, pode
nevar nas regiões altas, como em Belém, Jerusalém ou Hebrom.
As chuvas caem com mais abundância nas regiões próximas ao Mar Mediterrâneo e com menos intensidade na encosta oriental da Cisjordânia e no vale
do rio Jordão. Isso acontece porque as montanhas da Cisjordânia, que atravessam o território de norte a sul, atuam como barreiras e detêm os ventos úmidos
provenientes do mar.
Por causa da estação seca, era preciso cavar poços ou armazenar água em
cisternas. Algumas cidades dispunham de mananciais permanentes de água, como
11
BLOCO 1: O contexto histórico
a fonte de Giom em Jerusalém. Aquedutos eram usados para transportar água. Um
deles, construído durante o reinado de Herodes Magno, transportava água do monte
Carmelo até a cidade de Cesaréia Marítima. O aqueduto tinha extensão de quase
10 km e suas ruínas podem ser vistas até hoje.
Saiba mais
Em suas viagens, Jesus e seus discípulos enfrentavam as diferentes condições climáticas: sol, chuva, frio e calor. O Evangelho de João revela que Jesus visitou Jerusalém durante o inverno (Jo 10.22).
Jesus utilizou exemplos do clima e das estações do ano em sua
mensagem:
“Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo
o verão” (Mt 24.32).
“Disse também às multidões: Quando vedes aparecer uma
nuvem no poente, logo dizeis que vem chuva, e assim acontece” (Lc 12.54).
“E caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e
deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque
fora edificada sobre a rocha” (Mt 7.25).
Povoamento
Na época de Jesus, a Palestina deveria ter em torno de um milhão de habitantes. A maioria da população vivia em pequenas cidades e aldeias, que tinham entre 500 e 2.000 habitantes. As principais cidades e aldeias citadas nos
evangelhos são: Cafarnaum (Mt 4.13), Nazaré (Lc 4.16), Naim (Lc 7.11), Corazim
(Lc 10.13), Caná (Jo 2.1), Tiberíades (Jo 6.23). A vida cultural, política e econômica estava concentrada nas grandes cidades, que exerciam controle administrativo e econômico sobre as aldeias e cidades pequenas.
O centro da atividade de Jesus era a pequena região da Galiléia, governada
na época por Herodes Antipas, filho de Herodes Magno. O Evangelho de Mateus
relata que Jesus andou por toda a Galiléia ensinando nas sinagogas, anunciando
a boa notícia do reino e curando enfermidades e doenças (Mt 4.23). E o Evangelho de Marcos afirma que a fama de Jesus se espalhou rapidamente por toda a
região (Mc 1.28).
12
UNIDADE 1: Informações gerais
Até o ano 4 a.C., a capital da Galiléia era Séforis. Depois foi mudada para
Tiberíades, junto ao lago Genesaré, também conhecido como mar da Galiléia ou
lago de Tiberíades. A Galiléia é descrita pelo escritor Flávio Josefo como uma
região de terra fértil e densamente povoada. Na época de Jesus, estima-se que a
Galiléia tinha em torno de 200.000 habitantes. A maioria dos povoados da Galiléia
deveria ter em torno de 1.000 habitantes ou até menos.
Saiba mais
É comum lermos que multidões se reuniam em torno de Jesus.
O que caracteriza uma multidão? Tanto na Antigüidade como
hoje, o conceito de multidão é muito relativo. Para uma cidade
grande como São Paulo, mil pessoas não chegam a formar uma
multidão. Mas para uma cidade pequena do interior, isso já é
considerado muita gente. A palavra “multidão”, que aparece nos
evangelhos, significa um agrupamento de pessoas. Não dá para
quantificar ou dizer exatamente quantas pessoas compõem uma
multidão. Nem sempre eram milhares de pessoas que estavam
ao redor de Jesus. Em alguns casos, a aglomeração de cinqüenta
ou cem pessoas já era considerada uma multidão.
A Galiléia era dividida em três
regiões: baixa Galiléia, alta Galiléia e
a região do lago Genesaré. A baixa
Galiléia era composta por vales, planícies e pequenos morros. Essa região
apresentava boas condições para povoamento e transporte. Já a alta Galiléia era uma região de montanhas altas, o que tornava o transporte e a comunicação mais difícil. A região do
lago Genesaré era caracterizada pelo
bom solo, riqueza de peixes e boas
condições de transporte. Por isso era
uma região bastante povoada. O lago
situa-se a 208 m abaixo do nível do
mar. Tem comprimento de 20 km e
largura máxima de 11 km em alguns
pontos. A maior parte da água vem
do rio Jordão.
Mapa da Galiléia com indicação de cidades onde Jesus andou.
Baseado em: BÖSEN, W. Galiläa. Lebenslauf und Wirkungsfeld
Jesu. Freiburg/Basel/Wien: Herder, 1998.
13
BLOCO 1: O contexto histórico
Saiba mais
A partir dos evangelhos, os dois lugares da Galiléia normalmente
mais conhecidos são Nazaré e Cafarnaum.
Nazaré. Embora seja chamada de cidade nos evangelhos (Mt
2.23), Nazaré era uma pequena vila com cerca de 1.000 habitantes
ou possivelmente menos ainda. Alguns estudiosos chegam a
dizer que, na época de Jesus, Nazaré tinha no máximo 400
habitantes. Nazaré ficava a cerca de seis quilômetros de Séforis.
Jesus certamente teve contato com cidades grandes como Séforis,
mas os evangelhos indicam que ele preferia povoados pequenos
e que neles encontrava maior acolhida.
Cafarnaum. Cafarnaum é mencionada 16 vezes nos evangelhos,
o que mostra a importância dessa cidade para Jesus. Durante
sua atividade pública, Jesus possivelmente permaneceu a maior
parte do tempo nessa cidade. É até possível que Jesus morasse
com a família de Pedro (Mt 4.13; 8.5; Mc 1.21). Sobre o número
de moradores não há muito consenso. As estimativas vão de
1.000 a 15.000 habitantes.
Jesus pretendia alcançar todo o Israel com sua
mensagem (Mt 15.24). Em que medida a geografia,
as condições climáticas e de viagem poderiam
influenciar a missão de Jesus de alcançar Israel?
O contexto histórico certamente influenciava a atividade de Jesus.
Mas a atividade dele poderia também influenciar o contexto?
De que forma isso poderia acontecer?
De que maneira a vivência da nossa fé
é influenciada pelo nosso contexto?
14
UNIDADE 2: Organização da sociedade
UNIDADE 2: Organização da sociedade
OBJETIVOS
A atividade de Jesus não pode ser desvinculada dos elementos culturais e da organização social. Nesta unidade você conhecerá os aspectos principais da “cultura mediterrânea” e da organização da sociedade judaica na época de Jesus.
A cultura mediterrânea
Cada povo tem características particulares, que se manifestam, por exemplo, em diferentes línguas e costumes. Vários estudos indicam, no entanto, que
havia uma espécie de cultura comum aos povos em torno do mar Mediterrâneo.
Esses povos tinham suas características próprias, mas também elementos culturais em comum. Esses elementos formam a “cultura mediterrânea”. Veremos
agora quais são os aspectos centrais dessa cultura.
a) Interdependência entre pessoa e grupo
Na Antigüidade, as pessoas não se compreendiam como indivíduos isolados, mas como parte de um grupo. Elas orientavam suas convicções e atitudes
de acordo com as regras e as expectativas do seu grupo social. Naturalmente as
pessoas tinham convicções e personalidade própria, mas não existia um individualismo em sentido moderno. O individualismo é marcado por competitividade,
pouca preocupação com família e parentesco, desinteresse pelo que as outras
pessoas pensam ou fazem. Numa sociedade individualista, as pessoas procuram, em primeiro lugar, aquilo que proporciona satisfação pessoal.
Para a cultura mediterrânea da época de Jesus, a base dos valores e das
ações não estava no indivíduo, mas no grupo. Em outras palavras, o indivíduo é
aquilo que o grupo é. Do mesmo modo, o grupo é aquilo que o indivíduo é. O
que acontece para uma pessoa tem reflexos no grupo e vice-versa. Dessa forma,
a responsabilidade por valores e condutas é tanto do indivíduo, como do grupo.
b) Reciprocidade
O princípio da reciprocidade determinava em grande parte a conduta e as
relações entre as pessoas. Este princípio é simples: cada bem ou favor recebido
é retribuído de alguma forma. Um convite para uma refeição, um pequeno pre-
15
BLOCO 1: O contexto histórico
sente ou uma boa ação sinalizavam o início de uma relação de reciprocidade. Os
bens e favores nem sempre correspondiam. O importante era que essa troca
proporcionava às pessoas bem-estar ou até a sobrevivência. Reciprocidade estava baseada, portanto, numa relação de apoio mútuo. Essa relação acontecia entre pessoas de status social semelhante.
c) Patrono-cliente
A relação patrono-cliente era uma interação entre pessoas de status social
diferente. O patrono era alguém que possuía recursos materiais (terra, riqueza)
ou estratégicos (influência, contatos com pessoas poderosas). A posse desses
recursos permitia ao patrono oferecer benefícios em forma de presentes, doações, indicações para um cargo, proteção, etc. Os clientes normalmente não tinham como retribuir o benefício ou saldar a dívida. Criava-se então uma relação
de dependência, da qual era difícil sair.
d) Honra e vergonha
Os termos “honra” e “vergonha” manifestam valores que alguém possui ou
que deseja possuir e atitudes e condições que uma pessoa deve evitar. Esses
valores determinam o status de uma pessoa dentro de um grupo. A honra é o
valor que alguém tem aos olhos da sociedade.
Os elementos que constituem a honra e os critérios para recebê-la são diversos. Como exemplos podem ser citados: a castidade, a coragem no campo de batalha, a habilidade do homem em defender a integridade das mulheres, a generosidade em relação ao pobre e ao estrangeiro, a compaixão diante do inimigo.
Honra e vergonha não atingem apenas o indivíduo. A conquista e a perda
de honra individual trazem conseqüências para todo o grupo. Quando atingida,
a honra precisa ser restaurada, mesmo que para isso sejam necessários atos de
violência.
16
UNIDADE 2: Organização da sociedade
Saiba mais
A relação de interdependência entre pessoa e grupo (família, cidade ou povo) pode ser vista nos seguintes textos: Mc 6.3; Jo 1.46;
Jo 4.9.
Tanto no judaísmo como no cristianismo havia críticas aos valores dominantes de honra e vergonha. No Evangelho de João, lemos que não se deve aceitar glória das pessoas, mas a glória que
vem de Deus (Jo 5.44). O fato de todas as pessoas serem iguais
perante Deus e dependerem dele para salvação é um exemplo
de que a graça, e não a honra, deve ter valor central. Veja Lc
16.15; Lc 22.24-26; Jo 5.44.
Lc 22.24-26 indica que a maior honra consiste em servir, e não
em ser servido.
A situação social na Palestina
A base da economia na Palestina era a agricultura. A maioria das propriedades
tinha cerca de dois a quatro hectares, de forma que uma família só conseguia tirar
seu sustento com muito esforço e trabalho. Quando aconteciam imprevistos, como
doenças e más colheitas, a situação das famílias ficava muito delicada. Os maiores
problemas eram o tamanho reduzido das propriedades, as catástrofes naturais, os
altos impostos e o endividamento. Esses problemas faziam com que muitos agricultores perdessem a terra e se tornassem arrendatários, diaristas ou até escravos.
Saiba mais
A parábola dos lavradores em Mc 12.1-12 fala de um conflito
entre arrendatários e o dono da terra.
A parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20.1-16) evidencia a
difícil situação de trabalhadores diaristas, que precisavam
esperar por um trabalho. Na parábola todos conseguiram
emprego, mas nem sempre isso ocorria.
Alguns textos que falam sobre a existência de escravos (servo,
criado): Mt 8.5-13; 13.24-30; 22.1-13; 24.45-51; Mc 14.47.
Diversos textos indicam que o problema do endividamento era
grande no tempo de Jesus: Mt 5.40; 6.12; 18.23-34; Lc 6.34s;
7.41-43; 16.1-8.
17
BLOCO 1: O contexto histórico
Organização do trabalho
No campo, as atividades comuns eram arar, semear, capinar, colher e malhar. Os homens ocupavam-se principalmente com o trabalho na terra. As mulheres faziam as atividades domésticas, moíam grãos, recolhiam lenha, tratavam animais e ajudavam em atividades da lavoura. As crianças mais velhas
trabalhavam na lavoura ou ficavam em casa tomando conta dos membros mais
novos da família.
Os principais produtos da agricultura eram grãos, vinho e azeitonas. O
trigo era um produto de exportação e tinha o dobro do valor da cevada. O pão de
cevada era conhecido como o pão dos pobres. O vinho também era um produto
de exportação. Azeitonas e óleo de azeitona serviam como alimento, medicamento, para iluminação (queima em lamparinas) e cuidados corporais.
O preço do gado era bastante elevado. Vacas e bois eram usados principalmente como força de trabalho. Cabras e ovelhas eram mais baratas e forneciam
leite, couro e lã.
A pescaria era uma importante atividade econômica no litoral e em torno
do lago Genesaré. Pescava-se com anzol ou com rede. O peixe era vendido fresco, salgado ou seco. Havia indústrias de conservação de peixes, voltadas para a
comercialização e a exportação.
Ao lado da agricultura e da pesca, havia também indústria têxtil, olaria e
fabricação de produtos de vidro. Ofícios manuais (artesãos) tinham alta especialização e estavam mais concentrados na cidade. Normalmente os filhos aprendiam o ofício dos pais.
Organização religiosa
As três principais instituições religiosas eram o templo, a sinagoga e a
família.
a) O templo
O templo de Jerusalém era o centro da vida religiosa do judaísmo. Era lugar de oração e ensino, e principalmente de oferta de sacrifícios. Diariamente
eram realizados dois cultos com sacrifícios, nos quais eram ofertados um cordeiro e outros animais pequenos, além da oferta de incenso.
18
UNIDADE 2: Organização da sociedade
Os sacerdotes que realizavam os cultos eram organizados em turnos e encarregados desse serviço duas vezes por ano, em turnos de uma semana. Eles
habitavam normalmente em povoados e vinham para Jerusalém durante o seu
turno. O sumo sacerdote era responsável pela celebração em ocasiões especiais
e nos dias de festas maiores.
b) Sinagoga
No tempo de Jesus, havia sinagogas em praticamente todos os povoados. A
sinagoga era local de leitura das Escrituras, de ensino da vontade de Deus e de
reuniões da comunidade. Ela servia também de hospedagem para peregrinos e
estrangeiros. O culto na sinagoga acontecia aos sábados, mas também em dias
de semanas. Em uma parte mais litúrgica, eram proferidas orações, louvores e
bênção. A parte doutrinal do culto era composta de leitura e interpretação das
Escrituras.
c) Família
A família era fundamental para a conservação da fé e das tradições religiosas. Os pais deveriam ensinar aos filhos os mandamentos e contar a eles os
feitos de Deus (Dt 6.6-9). Os filhos deveriam honrar pai e mãe (Êx 20.12). A
estrutura patriarcal limitava as possibilidades de participação da mulher na vida
pública. As famílias eram ligadas entre si por grupos de parentesco e estes grupos formavam as tribos de Israel.
Saiba mais
Os evangelhos relatam que Jesus participou de cultos nas sinagogas e também no templo. Ele aproveitava essas ocasiões para
ensinar e curar (Mt 12.9-13; 13.54; Mc 1.21; 6.2; Lc 19.47; 20.1).
Mc 13.1 retrata a admiração de um discípulo de Jesus diante da
grandiosidade do templo.
Nos evangelhos encontramos Tiago e João trabalhando com o
pai (Mc 1.19-29), Pedro e André trabalhando juntos e vivendo
na mesma casa em Cafarnaum (Mc 1.16-29). Isso indica que os
grupos familiares tinham uma intensa ligação. Mas há também
indícios de pessoas que se afastavam da família (Lc 12.13;
15.11ss).
19
BLOCO 1: O contexto histórico
Em Israel, a fé não era algo pessoal ou individual,
mas tinha relação com todo o povo. Procure descrever
o que é e quais são as conseqüências de uma fé individualista
e de uma fé enraizada em um contexto de grupo.
A maioria da população da Palestina vivia sob condições
financeiras desfavoráveis. Jesus conhecia essa
realidade muito bem. Como você imagina
que uma pessoa que não sabe o que vai comer amanhã
reagiria aos ditos de Jesus em Mt 6.25 e Lc 6.21?
Procure refletir levando em consideração
também os seguintes textos:
Lc 12.16-21; 14.12-14; Mt 25.31-46.
Qual é o papel da família de hoje na transmissão
dos conteúdos da fé?
20
UNIDADE 3: Contexto político-religioso
UNIDADE 3: Contexto político-religioso
OBJETIVOS
Nesta unidade você saberá quem eram os governantes na terra de
Israel ao tempo de Jesus. Você conhecerá também os principais grupos ou movimentos que exerciam influência política e religiosa.
O governo de Herodes Magno
Herodes Magno (ou Herodes, o Grande) governou a Palestina durante 33
anos, no período de 37 a.C. até 4 a.C. Herodes era um rei subordinado ao Império Romano, mas tinha relativa autonomia. Herodes era muito astuto e conseguia ter boas relações com os imperadores romanos. Internamente, ele conseguiu manter a ordem utilizando um aparato militar bem organizado. Revoltas
eram combatidas com rigor e os revoltosos eram condenados à morte. Nem mesmo amigos e membros da família eram poupados. Com medo de ser enganado,
Herodes mandou executar três filhos.
Durante seu reinado, Herodes expandiu as fronteiras, tornando seu reino
quase tão grande como era o reino de Davi. Ele realizou grandes obras, como
estradas, o porto de Cesaréia e a reconstrução do templo em Jerusalém. Essa
intensa atividade criava postos de trabalho e estimulava a economia. Por outro
lado, as obras precisavam ser financiadas de alguma forma, e isso acontecia
através de altos impostos.
Herodes faleceu no ano 4 a.C., após uma grave enfermidade. Depois de sua
morte, surgiram lutas e disputas em diferentes partes do reino. Os filhos de
Herodes brigavam pela divisão do poder. Algumas forças políticas viam uma
oportunidade para se livrar da dinastia de Herodes. Entre o povo aumentavam
as vozes contra a família herodiana e contra o domínio de Roma. Em cidades
como Jerusalém, Séforis e Jericó, surgiram revoltas. Os romanos precisaram enviar um grande número de soldados para acalmar a situação. Muitos revoltosos
foram crucificados e muitos habitantes mandados para a escravidão.
21
BLOCO 1: O contexto histórico
A divisão do reino de Herodes
Antes de morrer, Herodes deixou escrito em testamento como seu reino e
suas posses deveriam ser partilhadas. Esse testamento precisava ser ratificado
pelo imperador romano. Houve intensa movimentação de filhos de Herodes que
queriam modificar o testamento em benefício próprio. De Jerusalém partiu uma
delegação para Roma, pedindo ao imperador o fim do regime da família de
Herodes. Após muitas disputas, o imperador César Augusto confirmou o testamento deixado por Herodes, fazendo apenas algumas modificações:
Arquelau ficou com as regiões
da Judéia, Samaria e Iduméia.
Recebeu o título de etnarca (=
príncipe do povo).
Herodes Antipas ficou com as
regiões da Galiléia e Peréia.
Recebeu o título de tetrarca,
que significa governador da
quarta parte de uma região.
Filipe ficou com a Transjordânia do norte. Também recebeu
o título de tetrarca.
A irmã de Herodes, Salomé,
recebeu algumas cidades, um
palácio e cinco mil peças de
prata.
Arquelau
A divisão do reino de Herodes
Arquelau foi o que ganhou a
parte mais importante do reino de Herodes. Mas ele foi um governante tão cruel,
que foi chamado a Roma e banido para a Gália. Seu domínio foi dado a procuradores, que eram altos funcionários ou oficiais romanos. A administração normal do dia-a-dia ficou a cargo de autoridades judaicas.
Dos sete procuradores que governaram a Judéia entre os anos 6 e 41 d.C.,
Pilatos é o único do qual temos mais informações. A imagem do procurador
bonzinho no processo contra Jesus em Lc 13.1s e Mc 15.7 contrasta com as
informações dos escritores Filo e Josefo. Filo descreve-o como violento, cruel e
ganancioso, o que é confirmado por Josefo. Lc 13.1 faz referência a um massacre
de galileus promovido por Pilatos.
22
UNIDADE 3: Contexto político-religioso
Herodes Antipas
A atividade de Jesus ocorreu principalmente na Galiléia, sob o governo de
Herodes Antipas. Não há muitas notícias sobre seu governo, que durou 43 anos.
Assim como o pai, Antipas fez grandes obras, como palácios, fortificações, construção e reconstrução de cidades. O dito de Jesus em Mc 8.15, o aviso dos fariseus
em Lc 13.31 e a execução de João Batista mostram que Antipas não hesitava em
tirar do caminho quem o incomodava.
Filipe
Assim como seu pai e seus irmãos, Filipe procurou realizar grandes obras.
Jesus andou nas redondezas de “Cesaréia de Filipe” (Mc 8.27; Mt 16.13). Filipe
deu a essa cidade o nome de Cesaréia, para homenagear o César (imperador de
Roma). Como já existia uma cidade com o nome Cesaréia no litoral, Filipe acrescentou o seu nome (Cesaréia de Filipe). Ele governou durante 37 anos. Pelas
poucas informações que temos, tinha uma conduta diferente dos irmãos, governando com menos tirania.
Saiba mais
Herodes Magno era filho de Antípater, um idumeu, cuja família
teria se convertido ao judaísmo no período dos asmoneus (macabeus). Em razão da sua descendência iduméia, Herodes era
considerado por muitos como um “semi-judeu”. Herodes casou-se dez vezes. Seu primeiro casamento foi com Mariana I,
neta de Hircano II. A denominação Magno (= Grande) lhe foi
dada por causa da sua habilidade política, da grandeza de suas
construções e da pomposidade da sua corte.
Em Mc 6.14, 26 e Mt 14.9 Antipas é chamado de rei, enquanto
em Lc 3.1; 9.7 aparece a designação de tetrarca. A mistura de
títulos mostra que o povo via o governante como rei. Ou seja, a
diferenciação no título não era decisiva no dia-a-dia das pessoas.
23
BLOCO 1: O contexto histórico
Grupos políticos e religiosos no tempo de Jesus
Política e religião não andavam separadas, mas formavam uma unidade.
Vejamos agora alguns grupos e movimentos que exerciam atividades ou influência política e religiosa no tempo de Jesus.
a) Fariseus
A principal característica dos fariseus era a preocupação com o cumprimento da Lei. Para eles, as normas de pureza não valiam apenas para os sacerdotes ou
para o culto, mas para todas as pessoas e em todas as ocasiões. A intenção dos
fariseus era vivenciar em suas próprias casas a dignidade de um santuário. Eles
consideravam a sua mesa semelhante à mesa de Deus no templo de Jerusalém.
A impureza era considerada contagiosa. Quem entrasse em contato com
objetos ou pessoas impuras precisava realizar rituais de purificação. Por isso os
fariseus lavavam as mãos antes das refeições (Mc 7.3ss) e não sentavam à mesa
com qualquer pessoa. Os fariseus eram aplicados no pagamento do imposto ao
templo e do dízimo. Eles buscavam observar, além da Lei transmitida no Antigo
Testamento, os preceitos da Tradição Oral. Também desenvolveram um conjunto de regras para instruir a respeito do que era permitido ou proibido no dia de
descanso (sábado).
Para os fariseus, era possível acumular “créditos” junto a Deus através de
boas obras. Eram consideradas obras de caridade: o jejum, a hospitalidade, o
acompanhamento de funerais, dar esmolas, agasalhar indigentes. O estudo da
Lei, a meditação e a oração eram considerados as principais obras.
O grupo dos fariseus era constituído, em sua maioria, por pessoas leigas e
com pequenas posses. Eles não colaboravam com os romanos, nem faziam oposição direta. Mas a submissão a um domínio estrangeiro era encarada como
enfermidade que precisava ser afastada.
b) Saduceus
O grupo dos saduceus era constituído por pessoas da nobreza leiga e sacerdotal. Diante do Império Romano, sua posição era de acomodação. Aceitavam a
dominação estrangeira desde que não comprometesse sua posição ou colocasse
em perigo o seu poder. Os saduceus possuíam um detalhado código penal e
eram severos na aplicação de sentenças.
Uma das características da doutrina dos saduceus era a rejeição da Tradição Oral e o apego ao Antigo Testamento. Os saduceus não acreditavam em
24
UNIDADE 3: Contexto político-religioso
ressurreição dos corpos ou em qualquer tipo de vida após a morte. Para eles, não
há prêmios ou castigos após a morte. Se Deus premia ou castiga, isso só pode
ocorrer durante a vida terrena. A negação da existência de anjos ou espíritos era
outra característica do grupo. At 23.8 fala das diferenças entre fariseus e saduceus:
“Pois os saduceus declaram não haver ressurreição, nem anjo, nem espírito, ao
passo que os fariseus admitem todas essas coisas”.
c) Zelotes
A expressão “zelote” significa “zeloso”, “engajado”. Os zelotes eram “zelosos pela Lei”, ou “zelosos por Deus”. Para os zelotes, o povo deve mostrar sua
fidelidade a Deus através do cumprimento da Lei judaica. Eles esperavam que
Deus trouxesse o seu reino através de um messias guerreiro. Mas, para eles, o
reino de Deus não vem automaticamente. Depende da colaboração humana. Por
isso os zelotes defendiam a luta armada para expulsar os romanos e restabelecer
a nação Israel.
Mesmo orientando sua luta contra os romanos, os zelotes também se dirigiram contra a nobreza judaica. Durante a guerra dos judeus contra os romanos
(66-70 d.C.), eles empreenderam ataques contra nobres herodianos, que eram os
maiores proprietários de terra. Nesses ataques, os zelotes destruíram os arquivos oficiais das dívidas para libertar os camponeses da escravidão a que estavam submetidos.
d) Essênios
Os essênios consideravam-se o verdadeiro povo de Deus da nova aliança.
Para se afastar da impureza e dos injustos, eles formavam comunidades separadas em aldeias e cidades da Palestina. Eram muito rigorosos no cumprimento da
Lei. Acreditavam que havia um combate constante entre luz e trevas. No fim dos
tempos, que julgavam estar próximo, haveria a batalha final.
A comunidade de Qumran, que estava localizada na margem noroeste do
mar Morto, é considerada o centro dos essênios. Ao redor dessa comunidade
foram encontrados, em cavernas, diversos manuscritos com regras, instruções,
textos do Antigo Testamento, cantos de louvor. Esses manuscritos são chamados
de “Escritos do Mar Morto”.
25
BLOCO 1: O contexto histórico
Saiba mais
Em alguns aspectos, Jesus compartilhava as mesmas convicções
de outros grupos religiosos. Em algumas questões, a diferença de
conduta e opinião era bem visível. Vejamos alguns pontos de semelhança e discordância:
Assim como os fariseus, Jesus também procurava seguir a Lei.
Mas, enquanto os fariseus preocupavam-se com os mínimos
detalhes, Jesus resume a Lei no duplo mandamento do amor e
coloca a vida e o bem-estar do ser humano acima dos preceitos
da Lei (Mc 2.27; 12.28-31).
Com os essênios, Jesus tinha em comum o desejo de renovação
do povo de Israel e o ideal de compartilhar os bens. Mas, para
Jesus, a separação entre bons e maus é obra de Deus e não do
ser humano (Mt 13.24-30).
Assim como os zelotes, Jesus tinha a compreensão de que somente Deus pode governar sobre Israel. Mas duas questões fundamentais diferenciam o movimento de Jesus e o movimento dos zelotes:
1) Para Jesus, a sua atividade não poderia acelerar a vinda do reino de Deus. O reino vem exclusivamente por ação de Deus. 2) A
idéia da guerra santa também não era aceita por Jesus. Para Jesus
estava excluído todo uso de violência (Mt 5.38-44).
Em Mc 10.42-45, Jesus faz uma crítica à forma
como os governantes exerciam o poder.
Essa crítica é válida ainda hoje?
Ela tem relação com a forma de exercer
autoridade na família e na comunidade?
Jesus resumiu a vontade de Deus no duplo
mandamento do amor (Mt 22.37-40).
Como podemos concretizar esse
mandamento em nossas vidas?
26
Introdução
Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galiléia
e por João foi batizado no rio Jordão. (Mc 1.9)
Depois de conhecer o contexto mais amplo, neste bloco nos
ocuparemos com a pessoa de Jesus. Veremos as fontes disponíveis
para o conhecimento de Jesus, as informações gerais sobre sua vida
e a abrangência do seu ministério público.
A atividade de Jesus não é apresentada em detalhes ou em
ordem cronológica pelos evangelhos. Afinal, eles não pretendiam
escrever uma história de Jesus, mas anunciar seus atos e sua
mensagem. O que os evangelhos relatam é apenas uma parte: aquilo
que foi considerado mais significativo na vida de Jesus.
Vejamos, então, o que conseguimos descobrir!
Estrutura do Bloco 2
Unidade 4: As fontes sobre Jesus. Nesta unidade conheceremos
as fontes para o estudo, ou seja, os escritos antigos que falam
sobre Jesus.
Unidade 5: Jesus antes da atividade pública. A unidade traz
informações gerais sobre Jesus, tais como: local e data de
nascimento, língua, formação, profissão, família.
Unidade 6: O ministério de Jesus. Esta unidade fornece uma
visão geral da atuação pública de Jesus, com indicações sobre o
período de atuação e os motivos que levaram à crucificação.
BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
UNIDADE 4: As fontes sobre Jesus
OBJETIVOS
As informações sobre a pessoa de Jesus foram transmitidas através de
documentos escritos. Nesta unidade veremos as principais fontes disponíveis para o estudo sobre Jesus de Nazaré. Você conhecerá uma
teoria sobre o surgimento dos evangelhos e as fontes extrabíblicas
sobre Jesus.
Os evangelhos
O primeiro lugar para estudar algo sobre Jesus de Nazaré é a Bíblia, especialmente os evangelhos. Mas precisamos considerar pelo menos duas questões:
Os evangelhos não caíram prontos dos céus. Essa constatação vale também para toda a Bíblia. O que torna a Bíblia diferente de um livro qualquer é o fato dela testemunhar os feitos de Deus. A Bíblia é palavra de
Deus, escrita por pessoas.
Os evangelhos não foram escritos como registro histórico da atividade
de Jesus. Eles surgiram para fortalecer a fé das comunidades e auxiliar
no anúncio de Jesus, seja na pregação, no ensino ou em momentos de
conflito com outros grupos religiosos. Evangelho não é ata ou biografia, mas testemunho.
Inicialmente, os relatos sobre Jesus foram transmitidos boca a boca ou em
pequenos fragmentos escritos. Somente depois de muito tempo após a morte de
Jesus é que os evangelistas começaram a juntar as peças, ouvindo relatos de
testemunhas ou coletando tradições orais e escritas.
Não sabemos exatamente onde e quando foram escritos os evangelhos. Acredita-se que o Evangelho de Marcos tenha sido o primeiro a ser escrito, possivelmente por volta do ano 70 d.C. Mateus e Lucas provavelmente escreveram entre
os anos 80 e 90 d.C. Assim como em relação às datas, não há informações precisas
sobre as pessoas que escreveram e sobre o local de redação dos evangelhos.
Os evangelhos têm a mesma intenção: testemunhar a respeito de Jesus. Se
você já leu os evangelhos atentamente, percebeu que Mateus, Marcos e Lucas
28
UNIDADE 4: As fontes sobre Jesus
têm muitas semelhanças, mas também algumas diferenças. O Evangelho de
Mateus, por exemplo, é bem maior que o Evangelho de Marcos. Já o Evangelho
de João é bastante diferente dos três primeiros.
De acordo com uma teoria muito difundida, Mateus e Lucas usaram o Evangelho de Marcos como base para seus evangelhos. Isso explicaria os textos comuns. Por causa das semelhanças, os três primeiros evangelhos são chamados
de sinóticos. O termo sinótico (ou sinóptico) indica que é possível colocar os
três evangelhos lado a lado e, de uma só vez (sinopse = vista de conjunto),
verificar concordâncias e divergências entre eles.
Vejamos um exemplo de comparação sinótica dos evangelhos:
Mt 19.30
Mc 10.31
Lc 13.30
Porém muitos primeiros
serão últimos; e os
últimos, primeiros.
Porém muitos primeiros
serão últimos; e os
últimos, primeiros.
Contudo, há últimos que
virão a ser primeiros, e
primeiros que serão últimos.
Se Mateus e Lucas usaram Marcos como base, como explicar os trechos
que estão em Mateus e em Lucas, mas não estão em Marcos? A história da tentação de Jesus, por exemplo, encontra-se apenas em Mt 4.1-11 e Lc 4.1-12. A explicação para isso é que Mateus e Lucas teriam usado outra fonte, além do Evangelho de Marcos. Essa fonte, comum a Mateus e a Lucas, é chamada de fonte Q.
E se você leu os evangelhos com muita atenção mesmo, certamente também percebeu que há relatos que estão somente em Mateus ou somente em Lucas.
Vários trechos do sermão do monte estão apenas em Mateus. Por outro lado, o
anúncio do nascimento de Jesus a Maria é relatado unicamente por Lucas. Isso
indica que esses dois evangelistas também usaram um material exclusivo (ME),
além de Marcos e da fonte Q. Em outras palavras: Mateus usou tradições que
Lucas e Marcos não tinham e Lucas teve acesso a histórias que Marcos e Mateus
possivelmente não conheceram. Graficamente podemos ilustrar a teoria das fontes
da seguinte maneira:
29
BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
O Evangelho de João é bastante diferente dos três primeiros evangelhos,
mas apresenta também algum material semelhante. As narrativas em João têm
uma reflexão teológica mais elaborada, com muitos aspectos simbólicos. É possível que João tenha escrito seu evangelho a partir de tradições independentes
dos sinóticos.
O que foi exposto acima é apenas uma teoria para tentar explicar as diferenças e semelhanças entre os evangelhos. Não sabemos se foi exatamente assim que os evangelhos surgiram.
Você também pode ter percebido diferenças na apresentação de um mesmo relato pelos evangelistas. Mc 10.46-52 e Mt 20.29-34 contam que a cura do
cego de Jericó aconteceu quando Jesus estava saindo de Jericó. Em Lc 18.35-43,
isso acontece quando Jesus estava chegando em Jericó. Esse é um exemplo de
como os relatos poderiam se modificar no decorrer dos anos.
Jesus atuou por volta do ano 30 d.C. e o primeiro evangelho surgiu em
torno do ano 70 d.C. Entre a atividade pública de Jesus e a redação do primeiro
evangelho passaram-se, portanto, pelo menos quarenta anos. Apesar da preocupação em manter a fidelidade das tradições, é natural que haja diferença entre
os evangelistas na forma de apresentar a atividade de Jesus. Não é necessário
nem recomendável tentar conciliar as diferenças. Elas não tiram a confiabilidade
dos evangelhos como palavra de Deus.
Saiba mais
Saber escrever, na época de Jesus, não era algo corriqueiro. Além
disso, não havia papel e caneta como hoje. Alguns manuscritos
eram escritos sobre material feito de papiro, uma espécie de
junco. Outros eram escritos sobre pergaminho, um material feito
com pele de cabra ou gado.
Os manuscritos dos evangelhos foram sucessivamente copiados
ao longo dos séculos. Os manuscritos originais perderam-se e
hoje temos apenas pedaços de cópias. Os fragmentos mais antigos
provêm do século II.
30
UNIDADE 4: As fontes sobre Jesus
Outros escritos do Novo Testamento
Fora dos evangelhos, temos poucas informações sobre Jesus. Nas cartas de
Paulo, há algumas alusões a palavras de Jesus, como em 1Co 11.23-26, mas não
há referências às atividades de Jesus. A mesma situação repete-se nos demais
escritos do Novo Testamento.
Flávio Josefo
O escritor judeu Flávio Josefo, nascido em Jerusalém por volta do ano 38
d.C., foi um comandante militar que liderou a revolta dos judeus da Galiléia
contra Roma. Feito prisioneiro de guerra, colaborou com os romanos, tornandose intérprete das tropas romanas. Mais tarde, como escritor apadrinhado pelo
Império Romano, escreveu uma série de obras de grande valor para o estudo do
contexto histórico da Palestina ao tempo de Jesus. Seu nome judeu era José ben
Matthias, mas assumiu o nome de Flávio Josefo em homenagem aos seus patronos,
os imperadores romanos.
Josefo não era cristão, mas encontramos referências a Jesus em seus escritos. Em alguns casos, as referências a Jesus foram adicionadas mais tarde ao
texto de Josefo. Mas é bem provável que alguma referência básica a Jesus venha
de fato de Josefo, de forma que podemos dizer que a existência de Jesus é testemunhada em um escrito extrabíblico do século 1 d.C.
Referências a Jesus em escritores romanos
Embora raras, podemos encontrar algumas referências a Cristo em escritos
romanos do início do século II. O historiador Tácito escreveu uma obra chamada “Anais”, contando a história de Roma no período de 14 a 68 d.C. Quando
retrata o incêndio de Roma no tempo do imperador Nero, Tácito faz uma breve
retrospectiva histórica, dizendo que Cristo foi executado pelo procurador Pôncio
Pilatos. Nesse caso, teríamos uma confirmação da execução de Jesus por um
escritor romano.
Em escritos de Suetônio e Plínio, o Jovem, também há breves referências a
Cristo. Essas referências não são diretas, mas surgem no contexto de questões
relacionadas ao movimento cristão no Império Romano.
31
BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
Conclusão
A existência histórica de Jesus é testemunhada em escritos bíblicos e
extrabíblicos. Mas as informações mais detalhadas sobre ações e ditos de Jesus
são encontradas apenas nos evangelhos. Os evangelhos são palavra de Deus,
mas foram escritos por pessoas a partir das histórias sobre Jesus, contadas em
rodas de conversas, celebrações e momentos de ensino.
A palavra evangelho significa “boa-nova” ou “boa notícia”.
A grande boa notícia é certamente Jesus.
A partir do seu conhecimento dos evangelhos,
procure descrever – bem concretamente – as boas
notícias que eles trazem.
Faça isso pensando na situação do povo na época
em que os evangelhos foram escritos
e na sua situação pessoal hoje.
32
UNIDADE 5: Jesus antes da atividade pública
UNIDADE 5: Jesus antes da atividade pública
OBJETIVOS
Nesta unidade vamos nos ocupar com a vida de Jesus antes do seu
ministério público. Veremos informações disponíveis sobre local e
data de nascimento, significado do nome, língua, formação, profissão
e família.
Local de nascimento
De acordo com o Evangelho de Lucas, a família de Jesus morava em Nazaré
e foi para Belém por causa de um censo. Jesus teria nascido durante essa estadia
de Maria e José em Belém. O Evangelho de Mateus não fala sobre o censo e dá a
entender que a família de Jesus morava em Belém e que se mudou para Nazaré
somente depois da fuga para o Egito. Abra a sua Bíblia e confira as duas versões
em Lc 2.1-7 e Mt 2.19-23.
Apesar das diferenças, os dois evangelhos concordam que Jesus nasceu em
Belém. Essa é a tradição que a igreja cristã assumiu e que cultiva até hoje. A
localização do nascimento de Jesus em Belém aponta para o cumprimento de uma
profecia: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os
tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Miquéias 5.2).
Jesus cresceu e deve ter passado a maior parte de sua vida em Nazaré. Mais
tarde, quando começou a anunciar a mensagem do reino de Deus, possivelmente passou a morar em Cafarnaum.
Data de nascimento
As primeiras comunidades cristãs não se preocuparam com informações
sobre o nascimento de Jesus. Elas estavam mais interessadas em anunciar ao
mundo que Jesus era o enviado de Deus que trouxe a possibilidade de reconciliação e salvação. Além disso, sabemos que os evangelhos não foram escritos como
registros históricos da atividade de Jesus. Então, o que podemos saber sobre o
nascimento de Jesus?
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BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
O Evangelho de Mateus relata que Jesus nasceu no tempo do rei Herodes (Mt
2.1). Esse Herodes, também conhecido como “Herodes Magno”, era o pai de Herodes
Antipas, Arquelau e Filipe, conforme vimos na Unidade 1. Sabemos que Herodes
faleceu no ano 4 a.C. E se Jesus era pequeno quando Herodes faleceu (Mt 2.19),
podemos dizer que ele nasceu provavelmente por volta do ano 6 a.C.
Mas os anos do calendário não são contados a partir do nascimento de
Jesus? Como é que Jesus pode ter nascido no ano 6 a.C. (antes de Cristo)? Em
primeiro lugar, é preciso saber que a forma atual de contagem dos anos surgiu
muito tempo depois de Jesus. Quando Jesus nasceu, no Império Romano vigorava o calendário romano. Esse calendário marcava o tempo a partir da fundação
de Roma. Mas havia também outros sistemas de contagem de anos.
Como surgiu o nosso calendário? No ano de 525 (do nosso calendário), o monge Dionísio foi encarregado pelo Papa João I de fixar a data da Páscoa e calcular a
data do nascimento de Jesus. De acordo com os cálculos feitos por Dionísio, Jesus
teria nascido no ano 753 da fundação de Roma. O ano de 754 seria, então, o primeiro ano da era cristã. Os acontecimentos depois do nascimento de Jesus passaram a
ser datados com a sigla A.D. (Anno Domini = ano do Senhor) ou d.C (depois de
Cristo). Os anos anteriores ao nascimento de Jesus receberam a sigla a.C. (antes de
Cristo) e são contados de trás para frente.
Apesar do seu grande conhecimento, Dionísio cometeu um erro de cálculo. Outros estudos mostraram que Jesus nasceu alguns anos antes do que foi
calculado como início da era cristã. Esse erro não pode mais ser reparado. O
calendário proposto por Dionísio é utilizado mundialmente, inclusive em países em que a maioria não é cristã. Pense na confusão que daria corrigir o calendário: todos os registros históricos teriam que ser mudados, inclusive a data do
seu nascimento!
34
UNIDADE 5: Jesus antes da atividade pública
Saiba mais
Assim como em relação ao ano, também não há indicações exatas sobre o dia do nascimento de Jesus. O dia 25 de dezembro
como dia do nascimento começou a ser celebrado pela igreja
cristã apenas a partir da metade do século IV. No hemisfério
Norte, os dias começam a ficar mais longos e as noites mais
curtas a partir do dia 25 de dezembro. Nessa data acontecia então a festa ao deus Sol, que celebrava a vitória da luz sobre as
trevas. As comunidades cristãs assumiram essa data para comemorar o nascimento de Jesus porque consideravam Jesus o
verdadeiro “sol da justiça” (Ml 4.2), que ilumina todos os povos
(Lc 2.32).
A data exata do nascimento não é fundamental para a fé cristã,
mas a existência histórica, a atuação e a mensagem de Jesus.
Significado do nome
O nome “Jesus” provém do nome hebraico Jeschua (ou Jeschu) e significa
“Deus ajuda” ou “Deus salva”. Jesus era um nome muito comum entre os judeus.
Nos escritos do historiador Flávio Josefo encontramos em torno de vinte homens
com esse nome. O complemento “Nazareno” ou “de Nazaré” não é um sobrenome,
mas uma maneira de diferenciar Jesus de outras pessoas com o mesmo nome.
“Nazareno” significa que Jesus provém de Nazaré. Também a palavra “Cristo” não é
um sobrenome, mas um título que foi incorporado mais tarde ao nome Jesus. Esse
título tem sua origem na língua hebraica e significa “ungido” ou “messias”.
Língua e formação
Alguns relatos dos evangelhos indicam que Jesus não apenas lia as Escrituras hebraicas, mas também interpretava e debatia sobre seu significado. Muitas pessoas viam Jesus como um mestre (Mt 9.11; 12.38; 19.16; 22.16; 26.49; Mc
5.35; 9.17). Ser chamado de mestre ou rabi não indica que Jesus teve uma formação específica, mas que as pessoas reconheciam sua capacidade de argumentar,
debater e ensinar. O fato de ter um grupo de discípulos também fazia com que
Jesus fosse visto como um mestre.
Possivelmente o conhecimento básico das Escrituras veio de casa, uma vez
que a família era um espaço fundamental para a instrução das tradições religio-
35
BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
sas. Em Nazaré havia uma sinagoga, onde era feita a leitura e interpretação da
Lei e dos profetas. A sinagoga também poderia ser um local onde se aprendia a
ler e a escrever.
Mesmo que Jesus não tivesse uma educação formal, como deixa transparecer
Jo 7.15, ele tinha certo grau de alfabetização. Provavelmente Jesus falava aramaico,
a língua mais comum na Galiléia, e sabia também o hebraico, a língua do Antigo
Testamento. Talvez ele ainda conhecesse um pouco de grego, que era uma língua muito difundida na época.
Profissão
De acordo com o Evangelho de Marcos, Jesus exercia a profissão de carpinteiro antes de iniciar sua atividade como mensageiro do reino de Deus (Mc 6.3).
A versão do Evangelho de Mateus fala em filho de carpinteiro (Mt 13.55). Não
importa se originalmente foi dito “carpinteiro” ou “filho do carpinteiro”, pois os
filhos normalmente seguiam a profissão dos pais. Não há, portanto, razões para
duvidar de que Jesus tivesse sido carpinteiro.
Jesus também tinha bastante familiaridade com a agricultura. Vários textos
falam sobre plantio e colheita (Mt 13.4-9, 24-30; Mc 4.26-29; Mt 12.1), ferramentas
(Lc 9.62), animais (Mt 6.26; 8.20; 9.36; 10.16; 18.12-24; 23.33) e organização do
trabalho (Mt 20.1-16). Possivelmente Jesus fabricava e consertava ferramentas para
a agricultura e por isso tinha conhecimento do assunto.
Saiba mais
Nos dias de hoje, carpinteiro é aquela pessoa que trabalha com
montagem de estruturas e vigamentos de madeira. O carpinteiro da época de Jesus não se ocupava apenas com madeira, mas
trabalhava também com pedras. Entre as várias atividades de
um carpinteiro na época de Jesus podem ser citadas: fabricação
de peças de mobiliário; arados e estruturas de madeira; ferramentas e cangas de animais; construção de portas, casas e represas; conserto de selas. Ou seja, a atividade de um carpinteiro
na época de Jesus era bem diferente da atividade de um carpinteiro hoje. Possivelmente essa profissão exigia várias habilidades e alguma força física. Não era uma profissão com a qual se
pudesse ficar rico, o que coloca Jesus entre as classes sociais
mais baixas.
36
UNIDADE 5: Jesus antes da atividade pública
A família de Jesus
Não dispomos de muitas informações a respeito da família de Jesus. Sobre
José temos, além do nome, a indicação de que era carpinteiro (Mt 13.55). Quando Jesus começa a atuar como pregador itinerante, José não aparece mais. Uma
possibilidade para esse silêncio a respeito de José é que ele já estivesse morto.
Maria, por outro lado, ainda era viva no início das comunidades cristãs (At 1.14).
Os evangelhos indicam-nos que Jesus tinha irmãos e irmãs. De acordo com
Marcos 6.3, os irmãos de Jesus chamavam-se Tiago, José, Judas e Simão. Esse
mesmo texto de Marcos também fala em irmãs: “E não vivem aqui entre nós
suas irmãs?”. A partir dessas informações, podemos dizer que Jesus tinha pelo
menos quatro irmãos e duas irmãs.
Possivelmente alguns familiares de Jesus não compreendiam nem concordavam com sua decisão de sair por aldeias e povoados anunciando a vinda do
reino de Deus. Em Mc 3.21, os parentes acham que Jesus está “fora de si”, e Jo
7.5 diz que nem os seus irmãos criam nele. Mais tarde, porém, vemos a mãe de
Jesus e seus irmãos na comunidade cristã (At 1.14; 1Co 9.5).
Jesus deixou sua família e chamou
discípulos ao seguimento. Isso implicava
deixar para trás família e trabalho (Mt 4.20).
Surge uma nova família: “qualquer que fizer a vontade
de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3.35).
Como você entende esse abandono da família,
considerando também o mandamento de honrar pai e mãe?
37
BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
UNIDADE 6: O ministério de Jesus
OBJETIVOS
Os evangelhos retratam apenas uma pequena parcela da vida e da
atividade de Jesus. Nesta unidade veremos um esboço do ministério
de Jesus, as indicações sobre o período da sua atuação pública e os
motivos que levaram à crucificação.
Esboço da atividade de Jesus
Na Unidade 4, constatamos que as informações disponíveis sobre a vida
de Jesus estão praticamente limitadas aos evangelhos. Sabemos também que os
evangelhos não tinham a intenção de fazer um registro histórico das atividades
de Jesus. A partir das informações dos evangelhos, podemos fazer o seguinte
esboço da atividade de Jesus:
Jesus nasceu por volta do ano 6 a.C., pouco tempo antes da morte do rei
Herodes, o Grande (Mt 2.1ss).
Ele passou a infância e a juventude em Nazaré, na Galiléia. Como era
costume na época, aprendeu a profissão do pai: carpinteiro (Mc 6.3).
Jesus foi batizado por João Batista (Mc 1.9-11) e iniciou seu ministério
público quando tinha em torno de trinta anos (Lc 3.21-23).
Com um grupo de pessoas, andava por aldeias e pequenas cidades da
Galiléia, anunciando a vinda próxima do reino de Deus (Mt 4.23; 9.35;
Mc 6.56).
Jesus ficou bastante conhecido por suas curas e exorcismos (Mc 1.28).
Seus ensinamentos causavam admiração entre o povo (Mc 6.2).
Apesar de procurar alcançar todo o povo de Israel, Jesus tinha relação
mais intensa com grupos excluídos e marginalizados. Por isso também
ficou conhecido como amigo de publicanos e pecadores (Mt 11.19).
Jesus foi com seus discípulos para Jerusalém participar da festa da
páscoa. Nessa ocasião, esteve no templo e causou tumulto ao repudiar
a ação de vendedores e cambistas (Mc 11.15).
38
UNIDADE 6: O ministério de Jesus
Em Jerusalém, teve uma última ceia com seus discípulos (Mc 14.18-26).
Jesus foi preso a mando de autoridades judaicas (Mc 14.43) e condenado à morte pelo procurador romano Pôncio Pilatos (Mc 15.15).
Com a prisão e execução de Jesus, muitos dos seus discípulos fugiram
e se dispersaram (Mc 14.50).
Jesus apareceu aos seus discípulos após sua morte. Os discípulos agruparam-se novamente, criando uma comunidade que esperava o retorno do Messias (Mc 16.9-20).
Veremos agora alguns detalhes sobre a atividade pública de Jesus.
O batismo por João Batista
A atividade de Jesus não pode ser vista separada da atuação de João Batista. João vivia no deserto e chamava o povo de Israel ao arrependimento e ao
batismo. Seu anúncio era uma ameaça para quem não estivesse preparado: “Já
está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom
fruto é cortada e lançada ao fogo” (Mt 3.10). O arrependimento e o batismo deveriam levar as pessoas a uma nova atitude: “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mt 3.8).
Jesus também se deixou batizar (Mc 1.9-11), e é possível que tivesse passado algum tempo com João Batista. João tinha discípulos (Mt 9.14), mas não sabemos qual era o tamanho do seu grupo e como estava organizado. Jesus assumiu
alguns aspectos do discurso de João Batista. Como João, Jesus falava sobre arrependimento e mudança de atitude e anunciava que o reino de Deus estava muito próximo. Mas, enquanto João apontava para o juízo, Jesus acentuava a graça
de Deus, manifesta no perdão e na reconciliação. Em sua atividade, Jesus manteve grande apreço por João Batista. Todas as referências dele ao Batista são
positivas (Mt 11.7-19; Mt 21.32).
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BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
Saiba mais
João Batista atuava possivelmente na região leste do rio Jordão,
no deserto da Peréia. Como sabemos da primeira unidade, a
Peréia era uma região governada por Herodes Antipas. “Deserto”
não significa necessariamente uma região seca e sem planta
alguma, mas uma região pouco cultivada.
De acordo com Josefo, Herodes Antipas mandou prender João
Batista porque tinha medo que a sua influência sobre o povo
pudesse levar a uma revolta ou prejudicar seu governo. O texto
de Mc 6.17ss fala que a prisão foi motivada pela crítica ao
casamento de Antipas e Herodias. Também essa história tem
conotação política. Herodes era casado com uma princesa
nabatéia e se divorciou para casar com Herodias. A princesa
rejeitada fugiu para a casa do pai, que entrou em conflito armado
com Antipas. Nessa situação, uma crítica de João podia ser
entendida como desrespeito em relação a Antipas ou como apoio
aos nabateus.
O período e a duração da atividade pública
Não é possível determinar com exatidão o período e a duração da atividade
pública de Jesus como pregador do reino de Deus. As possibilidades vão de
alguns meses a alguns anos. O mais provável é que Jesus tenha atuado publicamente entre um e, no máximo, três anos. Vejamos algumas informações sobre o
início e sobre o fim do seu ministério público:
a) O início. Lucas 3.1ss informa que João Batista começou a pregar no deserto
“no décimo quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia”. Dependendo se Lucas considerou ou não o período de co-regência
de Tibério, João Batista iniciou sua atividade entre os anos de 27 e 29 d.C. Jesus deve
ter iniciado sua atividade nessa mesma época. Lucas também informa que Jesus
tinha cerca de trinta anos ao começar seu ministério (Lc 3.21-23). Essa informação
pode ser entendida como um pouco mais ou um pouco menos que 30 anos.
b) A crucificação. Jesus foi crucificado entre os anos 26 e 37 d.C., período
em que Pôncio Pilatos exercia o cargo de procurador romano na Palestina. Mas
em que ano exatamente aconteceu a crucificação? Sabemos que ela aconteceu
numa sexta-feira (Mc 15.42). Essa informação é confirmada em todos os evangelhos. Vários cálculos foram feitos para saber quando a páscoa judaica aconteceu
numa sexta-feira, mas ainda não se chegou a um consenso sobre o ano da morte
40
UNIDADE 6: O ministério de Jesus
de Jesus. É provável que tenha sido por volta do ano 30 d.C. Mais do que isso
não podemos afirmar.
Saiba mais
O povo cristão celebra a Páscoa para rememorar a ressurreição
de Jesus. Mas, na época de Jesus, já havia uma festa da páscoa,
que ainda hoje é comemorada pelos judeus. A páscoa judaica
celebra a libertação do povo de Israel da escravidão do Egito.
Essa festa é a mais importante do judaísmo e dura uma semana.
Nesse período só se come pão sem fermento, lembrando a saída
do Egito. Os pães são comidos com ervas amargas para lembrar
a amargura da escravidão.
Quem matou Jesus?
No processo contra Jesus aparecem três grupos: os romanos, as autoridades judaicas e o povo. Qual o papel desses grupos e que interesses tinham na
morte de Jesus?
Os romanos dominavam a Palestina na época de Jesus. Conforme vimos na
Unidade 3, Pôncio Pilatos era o procurador romano na Judéia. Era ele quem
tinha o poder e a autoridade para mandar soltar ou executar Jesus. Pilatos optou
pela morte de Jesus. Para os romanos, Jesus cometeu um crime político. Ele
pode ter sido visto como um revoltoso ou sua pregação sobre o reino de Deus
poderia ter sinalizado que ele tinha pretensões de poder.
Durante sua atividade pública, Jesus entrou em conflito com autoridades
judaicas por causa da sua interpretação da Lei, da crítica ao templo e ao sábado. A
crítica ao templo e a pretensão de ser o messias são motivos apontados em Mc
14.55ss. Mas possivelmente as autoridades religiosas de Jerusalém também consideraram o fator político. Elas procuravam manter a ordem e as boas relações
com os romanos. Se Jesus causa tumulto e as autoridades religiosas não intervêm,
certamente as relações com os romanos seriam afetadas.
E qual seria a participação do povo na crucificação de Jesus? Por um lado,
sabemos que o povo saudou Jesus na entrada de Jerusalém (Mc 11.8-10) e que as
autoridades tinham medo de prender Jesus por causa do povo (Mc 14.1-2). Por
outro lado, lemos sobre uma multidão que gritava para crucificar Jesus e soltar
Barrabás (Lc 23.18ss). Certamente não eram as mesmas pessoas. O grupo que pediu
41
BLOCO 2: O que sabemos sobre Jesus
a crucificação de Jesus possivelmente era constituído por moradores de Jerusalém,
influenciados por autoridades locais. Esses moradores não devem ter gostado das
palavras de Jesus sobre o templo (Mc 13.1-2). Muitas pessoas dependiam do templo
para viver, e essas palavras soavam como ameaça à sua sobrevivência.
Em resumo: vários motivos podem ter levado à condenação de Jesus. De
forma alguma podemos acusar o povo judeu pela morte de Jesus. Uma parcela
do povo e das autoridades judaicas esteve envolvida, mas não se pode colocar a
responsabilidade sobre todo o povo. Além disso, a palavra final foi do Império
Romano.
O batismo de João Batista estava ligado
ao arrependimento e a uma nova conduta de vida.
O que significa o compromisso
de uma pessoa batizada em
uma comunidade cristã
e na sociedade nos dias de hoje?
42
Introdução
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. (Mt 6.11)
Nos evangelhos não há relatos de pessoas que pedem pão,
vestimenta, casa, trabalho ou dinheiro para Jesus. Mesmo assim,
há muitos textos que falam sobre necessidades diárias, trabalho
ou dívidas. Isso é um sinal que esses assuntos eram importantes
para as pessoas e para Jesus. Mostra também que o anúncio do
reino de Deus não está desvinculado do dia-a-dia das pessoas. Não
existe qualquer dimensão da nossa vida que não seja relacionada
ao reino de Deus.
Que tal recarregar as forças e continuar nossa jornada?
Estrutura do Bloco 3
Unidade 7: Alimentação, vestuário e moradia. Apresenta algumas características desses três elementos e traz informações sobre a situação das pessoas em relação às necessidades básicas.
Unidade 8: Jesus diante das necessidades básicas. Vamos procurar saber como poderia ter sido o cotidiano de Jesus e de
seus discípulos. A pergunta básica é: “como Jesus e seu grupo
viviam?”.
Unidade 9: Recomendações de Jesus. Qual a mensagem de Jesus para pessoas preocupadas com o sustento diário e que recomendações ele dava em relação ao assunto?
BLOCO 3: Jesus diante das necessidades básicas
UNIDADE 7: Alimentação, vestuário e moradia
OBJETIVOS
Alimentação, vestuário e moradia são elementos que fazem parte das
necessidades básicas de todo ser humano. Nesta unidade você conhecerá algumas características desses elementos na Palestina ao tempo de Jesus. Você terá também uma idéia de como eram as condições
das pessoas em relação às necessidades básicas.
Como vimos na Unidade 2, a maioria das propriedades rurais na Palestina
era pequena. O sustento das famílias estava ligado a muito sacrifício e trabalho.
Uma colheita ruim, um acidente ou uma doença na família podiam significar a
perda da subsistência. Também a vida das pessoas que dependiam de emprego ou
de ofícios, como carpintaria e artesanato, era bastante incerta. Por isso a pergunta
pelas necessidades básicas era de importância central para a maioria da população. Nem mesmo o pão de cada dia era algo natural e certo.
Nos dias de hoje, temos uma grande oferta de produtos e serviços. Basta ir
ao supermercado ou olhar as vitrines das lojas para constatar a abundância de
ofertas. Infelizmente uma grande parcela da população não tem acesso a muitos
dos produtos ofertados. Mas a oferta existe e é tentadora.
Na época de Jesus, a diversidade de produtos era mínima. Não havia grande possibilidade de escolha. Além da pouca diversidade, a oferta de bens e produtos era muito mais limitada do que hoje. Da mesma forma, a capacidade de
adquirir bens era bastante reduzida. Comida, roupa e moradia faziam parte desses produtos e bens limitados.
Alimentação
Na Palestina do tempo de Jesus, comiam-se pão, peixe, frutas, verduras e
legumes. O pão era o alimento básico. “Comer pão” era o mesmo que “fazer uma
refeição”. Os pobres geralmente comiam pão de cevada, enquanto os ricos comiam pão de trigo. Azeitonas, preparadas em salmoura ou em óleo, podiam
servir de acompanhamento. Frutas como figo, romã e tâmaras também faziam
parte da alimentação comum.
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UNIDADE 7: Alimentação, vestuário e moradia
Leite e carne eram consumidos raramente. Pessoas ricas podiam dar-se ao
luxo de comer carne com alguma freqüência. Pessoas pobres comiam carne possivelmente apenas em festas e eventos especiais. O peixe era um substituto da carne, principalmente nas regiões costeiras e em torno do lago Genesaré.
O vinho fazia parte das refeições festivas. No dia-a-dia da população mais
pobre era menos usual. Normalmente o vinho era misturado com água.
A baixa renda da maioria da população não permitia grande variedade e
quantidade de alimentos. Normalmente eram realizadas duas refeições por dia:
de manhã cedo, antes de sair para o trabalho, e ao anoitecer. Ao meio-dia, podiase fazer um lanche simples. A janta era considerada a refeição principal.
Saiba mais
Comida na sociedade de Jesus era algo sagrado. A oração antes
das refeições sinalizava o reconhecimento de que Deus provê
as necessidades básicas do ser humano.
A refeição conjunta era uma forma de fortalecer laços familiares e de amizade. Convidar alguém para uma refeição indicava
confiança e comunhão. Os fariseus, que procuravam manter a
pureza em todas as ocasiões, não compartilhavam refeições com
pessoas consideradas indignas. Esse tipo de atitude gerava separação. Jesus, por outro lado, via nas refeições uma possibilidade de integração. Freqüentemente Jesus tomava refeições com
pessoas que não eram consideradas dignas (Mt 9.11).
A mesa da época tinha os pés bem curtos. As pessoas sentavamse ao chão ou deitavam-se em volta da mesa, apoiando o cotovelo esquerdo no chão e comendo com a mão direita. Mc 14.3
retrata esse costume de comer: “Estando ele em Betânia, reclinado à mesa, em casa de Simão...”.
Vestuário
Você provavelmente já leu ou escutou a seguinte recomendação de Jesus:
“ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa” (Mt
5.40). Nesse dito são mencionados os dois elementos básicos do vestuário na
época de Jesus: a túnica e a capa.
45
BLOCO 3: Jesus diante das necessidades básicas
A túnica era feita normalmente de algodão ou linho, poderia ter manga ou
não, e tinha comprimento até os joelhos. Ela era colocada diretamente sobre o
corpo ou, no caso de pessoas ricas, sobre uma camisa de linho. Em casa ou no
trabalho, normalmente era usada apenas a túnica. O termo “nu” poderia indicar
a situação de uma pessoa que trazia apenas farrapos sobre o corpo ou vestia uma
túnica sem o manto.
A capa (ou manto) era feita de lã grossa e era a roupa que se usava em
público, sobre a túnica. A capa também servia como coberta aos pobres e peregrinos. Por causa dos altos preços, as famílias conseguiam comprar apenas uma
capa por ano e somente para uma pessoa da família. A capa precisava ser bem
cuidada para durar muitos anos.
A capa podia servir como penhor (Êx 22.25s; Am 2.8; Mt 5.40) e era um
objeto desejado por ladrões (Lc 6.29; 10.30). Não ter uma capa (manto) significava um status social muito baixo.
Manto e túnica eram usados por mulheres e homens. A diferença estava no
tipo do corte e no material utilizado. Por causa da forma indefinida das roupas,
um acessório importante era o cinturão, que ajudava a prender a roupa ao corpo
durante o trabalho ou em outras atividades.
Os calçados eram geralmente feitos de couro e podiam ser abertos, como
uma sandália, ou fechados. Calçados para uso diário eram feitos de pele de camelo, com solas de casca de palmeira ou junco.
Moradia
A habitação comum não era ampla, nem pomposa. As casas tinham em
média dois ou três cômodos, em alguns casos apenas um. O tamanho médio
girava em torno de 20 a 40 m2. Os materiais de construção mais comuns eram
pedra, madeira e terra. Tijolos eram fabricados em algumas regiões e serviam
para construir paredes. O piso era feito normalmente de chão batido. Em Nazaré,
era comum fazer casas aproveitando cavernas naturais ou escavando rochas
calcárias.
Instalações como banheiro existiam apenas na casa de pessoas muito ricas. A população comum utilizava uma espécie de pinico ou se aliviava no mato.
Mobílias eram poucas. Famílias mais ricas tinham camas, os pobres dormiam
no chão.
46
UNIDADE 7: Alimentação, vestuário e moradia
Os telhados eram planos e utilizados para secar roupas e frutos, guardar
ferramentas ou até mesmo para dormir. As casas tinham normalmente apenas
uma porta, que servia de fonte de luz e ar. Janelas eram raras e normalmente
pequenas, de maneira que não havia muita iluminação e circulação de ar.
O pátio era parte integrante da casa e servia como lugar para as atividades
domésticas, como lavar e cozinhar. A água provinha normalmente de cisternas,
que armazenavam a água das chuvas.
A refeição no tempo de Jesus era momento
de agradecer a Deus pela vida e pelo alimento.
Era também uma possibilidade de ter convívio
e comunhão com outras pessoas.
Qual é o sentido que a refeição tem nos dias
de hoje e na sua vida pessoal?
Como você avalia a quantidade de oferta
de produtos para suprir as nossas necessidades básicas?
O que pode ser considerado vital e o que pode
ser considerado supérfluo?
Pense nas conseqüências da produção
e do consumo de produtos supérfluos.
47
BLOCO 3: Jesus diante das necessidades básicas
UNIDADE 8: Jesus diante das necessidades básicas
OBJETIVOS
Como todo ser humano, Jesus precisava de alimento, roupa e moradia. O que ele vestia? Como se alimentava? Onde morava? Essas perguntas simples não podem ser facilmente respondidas, pois não temos um diário da vida de Jesus. Mesmo assim, vamos procurar, nesta
unidade, saber como Jesus e seus discípulos supriam as necessidades
básicas.
Na Unidade 5 vimos que Jesus exercia a profissão de carpinteiro. Após o
batismo por João Batista, Jesus saiu pela Galiléia anunciando a mensagem do
reino de Deus, curando doentes e expulsando demônios. Assim, ele não podia
mais se dedicar ao ofício que aprendeu com o pai. O sustento diário e as necessidades básicas viriam de outras fontes. Veremos agora qual era a situação de
Jesus diante das necessidades básicas.
Vestimenta
Você aprendeu, na unidade anterior, que a túnica e a capa (manto) eram os
elementos básicos do vestuário. Os evangelhos indicam que Jesus trajava ambas.
Em alguns relatos, as pessoas procuram tocar as vestes de Jesus para obterem
uma cura (Mc 5.27; 6.56). Nesse caso, a palavra “vestes” significa capa, manto.
No relato da crucificação, temos a capa e a túnica: “Os soldados, pois, quando crucificaram Jesus, tomaram-lhe as vestes e fizeram quatro partes, para cada
soldado uma parte; e pegaram também a túnica. A túnica, porém, era sem costura, toda tecida de alto a baixo. Disseram, pois, uns aos outros: Não a rasguemos,
mas lancemos sortes sobre ela para ver a quem caberá” (Jo 19.23s). Novamente a
palavra “vestes” é o mesmo que capa ou manto.
Sobre a qualidade da vestimenta de Jesus não temos informações. O fato de
os soldados repartirem entre si as suas vestes não significa que eram roupas finas.
Qualquer tipo de roupa era considerado um bem precioso. A julgar pelo que Jesus
diz em Mt 11.8 (os que vestem roupas finas assistem nos palácios reais), sua
vestimenta era simples, como a da maioria da população.
48
UNIDADE 8: Jesus diante das necessidades básicas
Moradia e alimentação
Em Mt 4.13, lemos que Jesus deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum.
Possivelmente sua família continuou a morar em Nazaré (Mc 6.1-6). Também
Mc 2.1 indica que Jesus residia em Cafarnaum: “Dias depois, entrou Jesus de
novo em Cafarnaum, e logo correu que ele estava em casa”.
De quem era essa casa e como ela era? É possível que a casa fosse de algum
dos discípulos, talvez de Simão e André (Mc 1.29). Mas, novamente, não temos
informações seguras a respeito. Certamente Jesus e seus discípulos não permaneciam ali o tempo todo. A casa em Cafarnaum servia como um ponto de referência e de apoio. De Cafarnaum eles saíam para anunciar o reino de Deus em
povoados da Galiléia.
Como itinerantes, Jesus e os discípulos não tinham garantidas a alimentação e a moradia. Eles dependiam da hospitalidade de outras pessoas. Sem a
hospitalidade, a atividade de Jesus seria impensável. Abra sua Bíblia e leia os
seguintes textos que retratam ações de hospitalidade:
Mc 1.29-31. Nessa cena, depois de ser curada, a sogra de Pedro passou
a servir Jesus. Esse servir pode ser entendido como servir à mesa e
também como seguimento. Em todo caso, fica claro que Jesus recebia
hospitalidade de pessoas agradecidas por curas, ensinamentos ou atitudes de Jesus.
Mc 2.15-17. O texto retrata Jesus na casa de Levi, junto com seus discípulos e cobradores de impostos (publicanos). O motivo do convite pode
estar na gratidão de Levi por ter sido chamado por Jesus (Mc 2.14).
Mc 14.3-9. Jesus está em Betânia, na casa de Simão, o leproso. O texto
deixa a impressão de que Jesus era conhecido de Simão e que Simão
era um apoiador da sua missão. Como Betânia ficava bem próxima a
Jerusalém, é possível que Jesus pernoitasse em Betânia durante o período em que estava em Jerusalém.
Mc 14.12-26. A última ceia foi realizada em uma casa cedida por uma
pessoa de Jerusalém. Era muito comum que os habitantes de Jerusalém
acolhessem peregrinos nos períodos das festas judaicas.
Lc 7.36-50. Embora o texto retrate uma polêmica entre Jesus e o fariseu,
percebe-se que havia interesse por parte do fariseu em conhecer melhor Jesus. E certamente foi esse interesse que levou o fariseu a convidar Jesus para uma refeição.
49
BLOCO 3: Jesus diante das necessidades básicas
Lc 10.38-42. Esse texto também retrata Jesus hospedado na casa de pessoas conhecidas: Marta e Maria.
Lc 14.1-6. Novamente Jesus é convidado por um líder fariseu para comer pão, ou seja, para uma refeição.
Lc 19.1-10. Jesus se hospeda na casa do cobrador de impostos Zaqueu.
A partir desses e de outros textos, podemos dizer que Jesus recebia o apoio
de uma rede de hospitalidade que poderia envolver:
a) Seguidores. Pessoas que peregrinavam com Jesus e o hospedavam quando retornavam às suas casas. Cafarnaum parece ter servido de base ao
grupo, mas poderia haver seguidores em outros povoados que igualmente o acolhiam.
b) Simpatizantes. Havia pessoas que não seguiam diretamente a Jesus, mas
eram seus simpatizantes. Quando Jesus visitava uma aldeia onde tinha
pessoas conhecidas, essas pessoas certamente o acolhiam, proviam sustento e ajudavam a divulgar sua mensagem.
c) Pessoas interessadas. Também havia pessoas interessadas, como o
fariseu, que queriam conhecer a Jesus. Essas pessoas poderiam estar
interessadas na mensagem, mas não estavam ainda convencidas e convidavam Jesus para conhecê-lo melhor.
d) Pessoas desconhecidas. Por último, Jesus e seu grupo contavam também com a hospitalidade de pessoas desconhecidas, conforme podemos ler em Mt 10.11 e deduzir de Lc 9.52.
Saiba mais
A hospitalidade é o ato de acolher uma ou mais pessoas por um
determinado tempo. Ela pode se revelar em um convite para
uma refeição ou pernoite. No antigo Israel, a hospitalidade
incluía, além do provimento das necessidades básicas de
sustento, também a proteção do hóspede.
A hospitalidade era algo muito valorizado. Assim como Abraão
hospedou pessoas estranhas (Gn 18.1-8), também o povo de Israel
deveria mostrar hospitalidade.
50
UNIDADE 8: Jesus diante das necessidades básicas
Quando faltava hospitalidade
Mesmo que a hospitalidade fosse desejável e amplamente praticada, nem
tudo acontecia de forma pacífica e positiva. Vejamos alguns casos que mostram
que Jesus e seu grupo nem sempre eram acolhidos:
Mc 5.17. Após a cura de um endemoninhado, os gerasenos pediram que
Jesus se retirasse da região. Não há como saber a razão desse pedido.
Lc 9.51-56. Novamente Jesus e seu grupo não são recebidos. O motivo
pode estar na tensão que havia entre samaritanos e judeus. Em todo
caso, assim como no texto do endemoninhado geraseno, percebemos
que Jesus e seu grupo, às vezes, precisavam mudar os planos. Quando
não eram recebidos em um lugar, precisavam seguir para outro.
Lc 9.58. Jesus diz que as mais simples aves e animais possuem abrigo,
mas ele não tem onde reclinar a cabeça.
Além de influenciar nas peregrinações, os problemas com a hospitalidade
possivelmente influenciaram a mensagem de Jesus. Se não há hospitalidade, ela
precisa ser motivada. Há vários ditos de Jesus que vão nesse sentido. Mas Jesus
não fala apenas em causa própria. Ele pensa na hospitalidade em geral, principalmente em relação aos mais necessitados. Mt 25.31-46 e Lc 14.12-14 são exemplos de ditos de Jesus com estímulo à hospitalidade.
Possibilidades de alimentação além da hospitalidade
Além da hospitalidade, os evangelhos apresentam outras possibilidades
de conseguir alimentação:
Mc 2.23-26 conta que os seguidores de Jesus colhiam espigas nos campos para saciar a fome. A colheita de espigas tinha amparo em Dt 23.25.
Também a história de Rt 2.1ss vai nessa direção. O fato de que tinham
que colher espigas indica que nem sempre levavam suprimentos nas
viagens ou que não experimentavam hospitalidade.
O texto de Mc 11.12-14 menciona a fome de Jesus, o que indica a insegurança em relação ao sustento diário. Jesus procurou frutos em uma
figueira. A figueira poderia produzir frutos quase o ano todo. Mas nem
sempre era possível encontrar frutos e certamente não havia figueiras
plantadas em todos os caminhos.
51
BLOCO 3: Jesus diante das necessidades básicas
De acordo com Jo 12.6 e Jo 13.29, Jesus e os discípulos tinham um caixa
comum. Judas era o responsável por esse caixa. Possivelmente eles recebiam doações e presentes (Lc 8.3) de simpatizantes. Jo 4.8 indica que os
discípulos eram encarregados de comprar mantimentos.
Jesus disse certa vez: “Não só de pão viverá o homem,
mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4).
Essas palavras não dizem que o pão é dispensável,
mas que a vida não deve girar apenas em torno
das necessidades materiais.
Em que sentido podemos “viver da palavra de Deus”?
Graças à hospitalidade, Jesus conseguia suprir suas necessidades
e levar adiante sua missão.
Como podemos exercer hospitalidade hoje?
E para quem?
52
UNIDADE 9: Recomendações de Jesus
UNIDADE 9: Recomendações de Jesus
OBJETIVOS
Como muitas pessoas de seu tempo, Jesus passou por momentos de
necessidade. Mas qual era a sua posição diante das necessidades das
outras pessoas? Que mensagem e que recomendações Jesus fez em
relação às necessidades diárias? Essas serão as questões tratadas nesta unidade.
Vimos na Unidade 7 que os elementos que constituem as necessidades
básicas do ser humano eram bens limitados na época de Jesus. A situação da
maioria das pessoas era incerta. Para essas pessoas, Jesus tinha uma mensagem.
Mas não somente para elas. Também as pessoas com bens em quantidade suficiente ou em fartura receberam recomendações.
As recomendações de Jesus têm dois objetivos claros: 1) trazer esperança e
ânimo para as pessoas em situação difícil; 2) apontar para um novo tipo de
atitude, capaz de transformar radicalmente a realidade.
Bem-aventurados vós...
Em Lc 6.20s, Jesus fala para pessoas em situação de pobreza e fome. Pessoas
pobres e famintas são chamadas de bem-aventuradas. Elas recebem uma promessa: ganharão o reino de Deus e serão saciadas. As palavras de Jesus tratam
de uma situação concreta e a promessa pressupõe uma reversão igualmente concreta da situação. A pobreza e a fome atual serão substituídas pela satisfação no
reino de Deus.
A promessa não quer ser consolo barato, nem fazer com que as pessoas se
acomodem com a situação. Ela traz esperança porque assegura que Deus está ao
lado dos necessitados. Se a sociedade rejeita pessoas pobres e famintas, Deus as
acolhe. Essa certeza dá forças para viver. Mas a promessa é também um apelo.
Assim como Deus, também as pessoas são chamadas a acolher. Se o exemplo de
amor e solidariedade divina for seguido, a fome poderá ser aliviada.
53
BLOCO 3: Jesus diante das necessidades básicas
Não andeis ansiosos pela vossa vida...
O texto de Mt 6.25-34 é uma instrução dirigida a pessoas que experimentam a preocupação com as necessidades básicas: alimentação e vestuário. São
pessoas que vivenciam a carência desses elementos. Para elas, Jesus diz: “não
andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem
pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir” (Mt 6.25).
Essa recomendação quer libertar as pessoas da inquietação. Para Jesus, a
garantia da existência não depende da própria preocupação, mas de Deus. Assim como Deus provê comida aos pássaros e atribui beleza às flores, da mesma
forma ele cuida de suas filhas e seus filhos.
No lugar da inquietação com as necessidades básicas, Jesus coloca em primeiro lugar o reino de Deus: “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua
justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33). Buscar o reino de
Deus não é uma atitude meramente espiritual ou interior. Buscar significa viver
de acordo com os princípios do reino. E este viver inclui ações bem concretas.
Buscar o reino também não significa que as pessoas estão dispensadas de
obrigações, como trabalho e busca pelo sustento. Jesus lembra apenas que a
vida é mais do que o alimento e o corpo é mais do que as vestes (Mt 6.25). A
inquietação com as necessidades básicas não deve nos afastar daquilo que é o
mais importante: o reino de Deus e a sua justiça.
O pão nosso de cada dia...
Na oração que conhecemos como “Pai-Nosso”, Jesus ensina a pedir o alimento a Deus: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Mt 6.11). Pedir o pão a
Deus é reconhecê-lo como responsável pelo bem-estar do seu povo. A tradição
mais conhecida de Deus como aquele que provê o pão está em Êx 16, que conta
a história do maná no deserto. Orar “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” não
significa pedir a Deus que envie o maná novamente. Essa oração é uma confissão de confiança em Deus, que não abandona seu povo.
O pedido pelo “pão nosso” pressupõe um estilo de vida simples: não se pedem coisas supérfluas e nem em grande quantidade, mas simplesmente o pão
diário necessário. O “pão nosso” é um pedido coletivo. Ele faz reconhecer que
todas as pessoas fazem parte da comunhão de filhas e filhos de Deus. O “pão
nosso” compromete a pessoa que ora com outras pessoas. Não se pode pedir pelo
“pão nosso” sem pensar nas irmãs e irmãos que passam por necessidade.
54
UNIDADE 9: Recomendações de Jesus
Saiba mais
Na Bíblia, pão significa o alimento necessário para a vida:
“No suor do rosto comerás o teu pão” (Gn 3.19).
“[...] e havia fome em todas as terras, mas em toda a terra do
Egito havia pão” (Gn 41.54).
“[...] ao comerdes do pão da terra, apresentareis oferta ao
Senhor” (Nm 15.19).
“O que lavra a sua terra será farto de pão” (Pv 12.11).
O que entesoura para si mesmo...
A parábola contada em Lc 12.16-21 fala de um homem cujas terras deram
uma grande colheita. Diante dessa colheita, talvez até inesperada, o homem está
confrontado com uma questão: o que fazer?
Ele decide arrancar seus depósitos e construir outros maiores. Guardará
tudo e não precisará trabalhar por um bom tempo. Parece uma sábia decisão,
mas o homem é chamado de tolo. Ele está ajuntando para aproveitar a vida, mas
não desfrutará de seus bens e possivelmente nem tem herdeiros. Ainda nessa
noite perderá a vida. Quem ficará com seus pertences?
A abundância levou o homem à auto-suficiência. Ele esqueceu que Deus é
a fonte de todo bem. Além disso, está dominado pela avareza. Quer cada vez
mais e mais, embora não necessite. Temos aqui um exemplo negativo de partilha. A terra deu boa colheita. Sobre as pessoas que trabalham com o rico não se
ouve uma palavra. O homem aparece sozinho, fala para si mesmo, planeja para
si mesmo. A colheita não será partilhada, mas acumulada em novos depósitos.
O acúmulo, motivado pela avareza, é o grande problema que a parábola
apresenta. Ela mostra alguém que não busca o reino de Deus e a sua justiça. O
exemplo negativo quer chamar para uma nova atitude. Se Deus presenteia com
uma boa colheita, as pessoas são responsáveis pela partilha. Quando os frutos
são partilhados, existem bens em quantidade suficiente para todos.
55
BLOCO 3: Jesus diante das necessidades básicas
Quando deres um jantar ou uma ceia...
Em Lc 14.12-14, Jesus faz um apelo à solidariedade, motivando a hospitalidade para com as pessoas que não podem oferecer algo em troca. Essa regra da
hospitalidade contrasta com a prática comum. É comum convidar amigos, parentes ou vizinhos para uma ceia. E é normal que eles retribuam o convite.
Jesus certamente não quer o fim desse tipo de relação. Mas ele aponta para
um problema: trata-se de uma troca de favores. Jesus sugere ir além do círculo
de dar e receber. No lugar de retribuição e honra, aponta para a generosidade. A
generosidade será demonstrada quando pobres, aleijados, coxos e cegos forem
convidados. Esse era o grupo que não podia retribuir um convite. A generosidade não espera retribuição. Mesmo assim, o acolhimento generoso será recompensado por Deus na ressurreição dos justos.
Porque tive fome, e me destes de comer...
A parábola em Mt 25.31-46 fala do grande julgamento. Diante de Jesus, as
pessoas são separadas em dois grupos. Um grupo será convidado a entrar no
reino de Deus. O outro grupo não terá acesso a ele. Pior, será condenado ao
castigo eterno.
A razão para a separação está na atitude das pessoas. Um grupo praticava o
amor e a solidariedade. O outro vivia apenas para si mesmo. O texto traz uma
série de situações como exemplo: “tive fome, e me destes de comer; tive sede, e
me destes de beber...”. Esses exemplos estão ligados às “obras de amor”, que
eram bem conhecidas no judaísmo do tempo de Jesus.
A prática das obras de amor era esperada de todas as pessoas. Essas obras
não apenas envolviam doação de dinheiro ou bens, mas uma ação da pessoa.
Por isso eram consideradas mais importantes do que as esmolas.
O que chama a atenção na parábola é a identificação de Jesus com os necessitados. Os necessitados são chamados de “pequeninos irmãos”. Fazer algo a
eles é o mesmo que fazer ao próprio Jesus. Os necessitados não são melhores
que os outros, mas necessitam de ajuda e são freqüentemente vítimas de injustiças e sofrimentos. Por isso recebem a solidariedade e a identificação com Jesus.
Através da parábola, Jesus revela ao mundo a dignidade das pessoas que
normalmente ficam à margem da sociedade. Ela também traz um estímulo a
acolher e a ajudar os “pequeninos”. Mas a surpresa dos justos e injustos deixa
56
UNIDADE 9: Recomendações de Jesus
claro que essas obras não são realizadas pensando na recompensa. As pessoas
simplesmente fizeram ou deixaram de fazer, sem se preocupar a quem (leia também Mt 6.3-4). A ação não foi motivada por medo do juízo ou pelo desejo de
recompensa. Trata-se de vivência concreta da fé e do amor.
Conclusão
A partir dos textos apresentados, percebemos que, para Jesus, a questão
das necessidades básicas passa pela confiança em Deus, pela busca do seu reino, pela partilha e pela solidariedade.
Na unidade anterior vimos que Jesus
e seus seguidores tinham um caixa comum.
Esse caixa era um sinal de novas relações, baseadas
na igualdade e na dependência mútua.
Como você acha que podemos viver novas
relações econômicas baseadas na proposta de Jesus?
Considere os textos apresentados e pense
em questões bem concretas do seu dia-a-dia.
Quem seriam os “pequeninos irmãos” de Jesus hoje?
57
Introdução
Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados,
os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres
está sendo pregado o evangelho. (Mt 11.5)
Os evangelhos trazem vários relatos de pessoas que procuravam Jesus na expectativa de superação de doenças. Neste bloco
será apresentado um panorama geral sobre doença e cura no tempo de Jesus. Veremos quais eram as doenças mais comuns, que
tipo de conseqüências as doenças traziam, como a origem das doenças era explicada e quais eram as possibilidades de cura.
Será que as pessoas viam em Jesus apenas uma pessoa com
dom de curar? Em que medida as curas influenciavam na aceitação da sua mensagem? Como Jesus entendia suas curas? Essas questões também serão tratadas aqui.
Seguidamente nos confrontamos com questões envolvendo
doença e cura. Vejamos o que podemos aprender da Bíblia!
Estrutura do Bloco 4
Unidade 10: Doenças e suas conseqüências. Apresenta uma
visão geral dos tipos de doenças e as conseqüências que as doenças traziam para a pessoa e seu grupo social.
Unidade 11: Origem das doenças e possibilidades de terapia.
Nesta unidade veremos explicações para a origem das doenças
e conheceremos as principais possibilidades de terapia.
Unidade 12: As pessoas doentes e Jesus. A unidade examina o
sentido das curas e as reações das pessoas diante delas.
BLOCO 4: Doença e cura
UNIDADE 10: Doenças e suas conseqüências
OBJETIVOS
Nesta unidade teremos uma visão geral dos tipos de doenças que levavam pessoas a procurar Jesus. Também veremos as conseqüências
que uma doença trazia para a pessoa e seu grupo social.
Doenças mais comuns
Os evangelhos não são escritos médicos e não servem de base para determinar as doenças mais comuns na Palestina do primeiro século. Mas eles nos
permitem ter uma visão das enfermidades que atormentavam as pessoas e que
as levavam a procurar Jesus.
Alguns relatos falam de doenças e enfermidades em termos gerais, sem dar
detalhes sobre o tipo ou sobre os sintomas das doenças. Vejamos alguns exemplos de referências gerais:
E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e
enfermidades (Mt 9.35).
E ele curou muitos doentes de toda sorte de enfermidades; também
expeliu muitos demônios... (Mc 1.34).
... para o ouvirem e serem curados de suas enfermidades; também os
atormentados por espíritos imundos eram curados (Lc 6.18).
Os textos deixam claro que as curas eram parte importante da atividade de
Jesus. Eles também indicam que as doenças eram variadas e que era grande o
número de pessoas que procuravam Jesus na expectativa de serem curadas. As
referências a demônios e a espíritos imundos fazem parte da visão de mundo da
época, que via os demônios como causadores de várias doenças. Falaremos sobre esse assunto na próxima unidade. Veremos agora alguns textos que apresentam doenças de forma mais específica:
E eis que um leproso, tendo-se aproximado (Mt 8.2).
e lhe trouxeram um cego, rogando-lhe que o tocasse (Mc 8.22).
60
UNIDADE 10: Doenças e suas conseqüências
foi-lhe trazido um mudo endemoninhado (Mt 9.32).
Então, lhe trouxeram um surdo e gago (Mc 7.32).
Alguns foram ter com ele, conduzindo um paralítico (Mc 2.3).
Vieram a ele, no templo, cegos e coxos, e ele os curou (Mt 21.14).
certa mulher, que, havia doze anos, vinha sofrendo de uma hemorragia
(Mc 5.25).
Nestes, jazia uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos (Jo 5.3).
As enfermidades apresentadas nos textos são claramente perceptíveis. São
doenças de pele, dos sentidos (cegueira, mudez, surdez), de ossos ou articulações (paralisia) e fluxo de sangue (hemorragia). Ou seja: qualquer pessoa poderia constatar a doença – e também a cura.
O fato dessas doenças serem citadas com freqüência não significa que fossem as únicas ou as mais comuns. É possível que outras doenças, como as do
aparelho digestivo, fossem tratadas com remédios caseiros. Se as pessoas podiam
tratar tais doenças com meios próprios, não havia necessidade de procurar auxílio fora de casa.
Saiba mais
A hanseníase, também conhecida como lepra, é causada por
uma bactéria (bacilo) chamada Mycobacterium leprae. Esta bactéria provavelmente não existia em Israel no tempo do Antigo
Testamento e no tempo de Jesus. O que a Bíblia chama da lepra
são doenças de pele caracterizadas por inflamações e desenvolvimento de escamas. Os sintomas poderiam ser semelhantes ao
da lepra, mas não eram causados pelo bacilo Mycobacterium
leprae.
Conseqüências da doença
A doença traz conseqüências para a pessoa doente e para aquelas que a
cercam. Também a forma como uma doença é entendida causa efeitos na vida
das pessoas envolvidas. Vejamos agora algumas possíveis conseqüências das
doenças no antigo Israel e na Palestina ao tempo de Jesus.
61
BLOCO 4: Doença e cura
a) Isolamento e exclusão do culto
Pessoas que tinham uma doença de pele ou fluxo de sangue (hemorragia)
podiam ser consideradas impuras. De acordo com as prescrições de pureza do
livro de Levítico (Lv 13-15), os leprosos deveriam ser isolados do grupo social:
“Será imundo durante os dias em que a praga estiver nele; é imundo, habitará
só; a sua habitação será fora do arraial” (Lv 13.46). Da mesma forma, pessoas
com algum tipo de fluxo eram consideradas impuras e precisavam passar por
rituais ou por um período de isolamento (Lv 15).
Além de sofrer com a doença, a pessoa considerada impura sofria com o
sentimento de desprezo e com o isolamento. Mas não sabemos se as regras de
isolamento do livro de Levítico eram seguidas com todo o rigor. Leprosos não
podiam entrar em Jerusalém, mas é possível que essa proibição não fosse colocada em prática em todas as aldeias e vilas. Em Lc 17.12, os leprosos mantêm
certa distância de Jesus, mas aparentemente ainda viviam na aldeia. Mt 8.1-2 e
Mc 14.3 indicam certa interação entre leprosos e a sociedade. Também devemos
considerar que possivelmente os familiares e parentes nem sempre excluíam do
seu convívio pessoas com doenças de pele ou com fluxo de sangue.
Saiba mais
O isolamento poderia ser decorrência do medo de contágio. Mas
também é possível que certas doenças fossem consideradas uma
ameaça à sociedade. Doenças de pele ou deficiência física
evidenciariam a diferença entre as pessoas doentes e aquilo que
é considerado “normal”, mostrando a fragilidade ou a impureza
dentro do grupo social. Para manter a pureza, essas pessoas
seriam banidas do seu grupo, preservando-se nele apenas os
membros considerados “normais”.
b) Rebaixamento social e religioso
No antigo Israel, leprosa era a pessoa que foi formalmente declarada como
impura pelo sacerdote. Essa declaração significava um rebaixamento social, pois
a pessoa carregaria agora a marca da impureza. Era praticamente uma espécie
de “morte social”: a pessoa perdia seu status e sua honra.
Também havia uma compreensão de doença como conseqüência do pecado. Essa compreensão levava a uma desqualificação, pois a pessoa doente poderia ser considerada pecadora, impura ou moralmente fraca. Pessoas doentes também sofriam com o descaso ou a indiferença. A história do paralítico que não
62
UNIDADE 10: Doenças e suas conseqüências
recebia ajuda para entrar no tanque de Betesda é um exemplo dessa indiferença
(Jo 5.1-9).
c) Peso para a família
A família carregava a responsabilidade pela pessoa doente: ela tinha que
assumir as despesas com o tratamento e acompanhar a terapia. Em alguns casos,
como as doenças do espírito (possessão demoníaca), a família ainda precisava
se preocupar com ações violentas da pessoa doente. Esse era o caso do endemoninhado geraseno: “porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo” (Mc 5.4).
A família era afetada em muitos sentidos com a doença de um de seus
membros. Quando a família não podia mais suportar o fardo, a pessoa doente
podia ser abandonada à própria sorte. As referências a cegos, paralíticos, aleijados ou endemoninhados que perambulavam em torno das cidades ou dos caminhos podem ser um indicativo de que foram abandonados pelas famílias.
d) Necessidade econômica
Doenças significavam um problema econômico. Além da incapacidade para
o trabalho, uma pessoa poderia perder todos os seus bens na tentativa de obter
cura. O texto de Mc 5.25-34 conta a história de uma mulher que perdeu todos os
seus bens por causa de uma doença.
Se um agricultor fica incapaz de trabalhar por um bom tempo, provavelmente ficará endividado, perderá sua terra e se tornará um diarista. Um diarista
que não pode mais trabalhar torna-se um mendigo. Uma doença da pele não torna
a pessoa improdutiva, mas se essa pessoa precisasse ser isolada, ela não teria
possibilidades de trabalhar e, em conseqüência, estaria destinada à pobreza.
63
BLOCO 4: Doença e cura
Vimos que, no Antigo Testamento
e na época de Jesus, algumas doenças podiam
levar ao isolamento ou à exclusão de uma pessoa.
Nos dias de hoje, doenças como hanseníase e AIDS
também podem causar sentimentos de exclusão.
Você presenciou ou conhece casos de exclusão
por causa de uma doença?
Como você avalia essa questão à luz do Evangelho?
Às vezes, uma doença não pode ser curada
em sua causa, mas em sua conseqüência.
Acolhimento, respeito, conforto, motivação são atitudes
que podem aliviar as conseqüências de uma doença.
De que forma podemos agir para diminuir as conseqüências
sociais e religiosas de uma doença?
64
UNIDADE 11: Origem das doenças e possibilidades de terapia
UNIDADE 11: Origem das doenças e possibilidades de terapia
OBJETIVOS
Nesta unidade veremos algumas explicações para a origem das doenças na época de Jesus e conheceremos as principais possibilidades de
terapia.
Como as pessoas explicavam a origem das doenças?
Hoje temos uma medicina bastante avançada. Pesquisas científicas permitem descobrir a origem e a cura para muitas doenças. A partir de estudos e de
exames, é possível dizer se a causa de uma doença é genética, se é ação de vírus
ou bactéria, se houve influência de condições higiênicas ou de trabalho, e assim
por diante.
A realidade era bem diferente no tempo de Jesus. Doenças que hoje atribuímos à influência de vírus e bactérias eram vistas como resultado da ação de
deuses, demônios ou feiticeiros. Havia também explicações acadêmicas, limitadas ao desenvolvimento da medicina da época. Vejamos agora algumas explicações para a origem de doenças na época de Jesus.
1) Doença como ação de Deus ou de deuses
Na Bíblia, encontramos várias passagens indicando que a doença podia ser
compreendida como castigo de Deus pela incredulidade, pecado ou não observância de mandamentos (Lv 26.15s; Sl 38.1ss; Jr 14.12; Am 4.10; Jo 9.2; At 13.11).
Aqui percebemos uma compreensão de doença como conseqüência da culpa do
ser humano diante de Deus.
Em outros casos, a doença não estava ligada a culpa ou castigo, mas a um
plano divino, que nem sempre era compreendido pelas pessoas. A história de Jó
é um exemplo. Jó era um homem temente a Deus e, mesmo assim, foi atacado
por várias enfermidades (Jó 2.1ss). Da mesma forma, o apóstolo Paulo fala de
sua doença como plano divino (2Co 12.7-9).
2) Ação de demônios
A crença em demônios como causadores de doenças era muito comum na
Antigüidade, tanto em Israel como nos povos vizinhos. No Antigo Testamento
65
BLOCO 4: Doença e cura
não há muitas referências, mas em outros escritos judaicos percebe-se que essa
compreensão era corriqueira. Várias indicações nos evangelhos também mostram que a crença em demônios como causadores de doenças era comum (Mc
1.23-28; 5.1-20; 7.24-30; Mt 9.32-34; 12.43-45).
Na compreensão da época, os demônios estão a serviço de Satanás. Eles
entram no corpo de uma pessoa para dominá-la, provocar sofrimento, doenças
diversas e até a morte. O demônio assume o lugar da pessoa, transformando sua
personalidade. O relato de Mc 5.1-15 é um exemplo dessa transformação. Possuído por uma legião de demônios, o homem vivia nos sepulcros e nem com correntes era possível segurá-lo. Após a expulsão do demônio, o homem voltou ao
estado normal.
3) Magia
Magia pode ser entendida como a utilização de técnicas e invocação de
forças sobrenaturais para obter um objetivo. Embora as ciências sociais procurem tratar a “magia” em sentido neutro, na Antigüidade ela tinha normalmente
um sentido negativo. Apesar de proibida no Antigo Testamento (Dt 18.9ss), havia indicações de prática da magia em Israel (Jr 8.17). Para algumas pessoas, a
doença poderia ser conseqüência de magia.
4) Explicações médicas
Já no antigo Egito e na Mesopotâmia existiam pesquisas e atividades médicas. O texto de Jr 8.22 pressupõe a existência de médicos também no antigo
Israel. Naturalmente os conhecimentos médicos da época eram bastante limitados. Em alguns casos, era possível explicar a origem das doenças a partir da
constatação de um desequilíbrio orgânico, da má alimentação ou contágio.
Saiba mais
As explicações para doenças que encontramos na Bíblia e a crença
em demônios como causadores de enfermidades eram determinadas pelo nível de conhecimento e pela compreensão de mundo reinantes na época. Quando lemos a Bíblia, precisamos considerar a diferença temporal e cultural que nos separa. Não podemos impor nossa maneira de pensar aos textos bíblicos e nem
transportar a visão de mundo da Bíblia para os dias de hoje sem
refletir sobre as diferenças e mudanças ocorridas ao longo do
tempo.
66
UNIDADE 11: Origem das doenças e possibilidades de terapia
Possibilidades de terapia
O que fazer quando surge a doença? Quais eram as possibilidades de terapia?
A escolha de uma terapia considerava o tipo de doença, a disponibilidade de
médico ou curandeiro, os custos, entre outros fatores. A terapia iniciava
normalmente com procedimentos simples e baratos e ia se tornando mais
complexa, caso não surtisse os resultados esperados. Dentre as possibilidades
de terapia, destacam-se:
Auto-ajuda. O primeiro passo da busca pela cura de uma doença é a solução
caseira, que pode envolver a utilização de plantas medicinais, medicamentos
simples, repouso, controle da alimentação.
Pedido a Deus. No antigo Israel, havia a compreensão de que Deus é a
primeira ajuda no momento da doença: “pois eu sou o Senhor, que te sara” (Êx
15.26). Orar, jejuar, confessar os pecados e oferecer sacrifícios eram algumas
formas de pedir cura a Deus:
Moisés clamou ao Senhor, dizendo: Ó Deus, rogo-te que a cures (Nm
12.13).
Buscou Davi a Deus pela criança; jejuou Davi e, vindo, passou a noite
prostrado em terra (2Sm 12.16).
Disse eu: compadece-te de mim, Senhor; sara a minha alma, porque
pequei contra ti (Sl 41.4).
Locais sagrados. Entre os gregos e romanos, era comum acreditar que certos
locais sagrados, como templos ou fontes de água, proporcionavam cura. Também
na Bíblia há indicativos de lugares que eram procurados por pessoas doentes.
Sobre o tanque de Betesda lemos no Evangelho de João: “Ora, existe ali, junto à
Porta das Ovelhas, um tanque, chamado em hebraico Betesda, o qual tem cinco
pavilhões. Nestes, jazia uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos
[esperando que se movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo tempo,
agitando-a; e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava
de qualquer doença que tivesse]”.
Amuletos, ervas, óleos. Era muito comum a utilização de amuletos, óleos e
ervas para prevenir ou tratar doenças. Amuletos eram utilizados principalmente
como proteção contra doenças causadas por demônios. Certos tipos de ervas,
raízes, bálsamo e óleo eram utilizados para curar enfermidades. Até a saliva era
considerada uma substância medicinal. Vejamos alguns textos:
67
BLOCO 4: Doença e cura
tomai bálsamo para a sua ferida; porventura, sarará (Jr 51.8).
e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo (Mc 6.13).
e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo (Tg 5.14).
e lhe tocou a língua com saliva (Mc 7.33).
e, tendo feito lodo com a saliva, aplicou-o aos olhos do cego (Jo 9.6).
Medicina científica. Algumas cidades tinham serviços médicos, mas o
serviço não era gratuito. Entre os romanos, havia centros de tratamento com
águas medicinais. Em termos gerais, os serviços médicos estavam disponíveis
apenas a uma pequena parcela da população. Mc 5.25-34 retrata o caso de alguém
que gastou todos os seus pertences com médicos. As recomendações médicas
podiam incluir controle de alimentação, exercícios corporais, medicamentos ou
até cirurgias.
Curandeiros. Curandeiros exerciam seu ofício através de rituais, do uso de
plantas, pedras, poções, palavras ou orações. Os curandeiros podiam aprender
o ofício de alguém ou se sentiam capacitados por um dom divino.
Exorcismos. Quando a doença era vista como ação de demônios, os exorcistas
eram procurados. Os exorcistas afastavam os demônios ou maus espíritos através
do uso de amuletos, palavras ou fórmulas misteriosas. Muito utilizadas eram as
fórmulas mágicas pronunciadas em linguagem incompreensível ou em língua
estrangeira. Também era comum a invocação de um nome ou palavra para
esconjurar demônios. A invocação de um nome poderoso servia para tornar o
demônio obediente ao comando do exorcista. Com isso o exorcista poderia
mandar o demônio embora, torná-lo inofensivo e inclusive colocá-lo a serviço
das pessoas.
Saiba Mais
O nome poderoso por excelência na luta contra os demônios era
o nome de Deus (Javé). Como o nome de Deus não podia ser
pronunciado, tornou-se comum usar o nome de Salomão,
considerado senhor sobre os demônios e patrono de todos os
exorcistas. Não há relatos que Jesus tivesse invocado algum nome
em seus exorcismos. Mas, em Mc 9.38, encontramos um relato
de um exorcista que usava o nome de Jesus para esconjurar
demônios. Também o apóstolo Paulo utilizou o nome de Jesus
para expulsar um mau espírito (At 16.18).
68
UNIDADE 11: Origem das doenças e possibilidades de terapia
A Constituição brasileira assegura que a saúde
é direito de todos e dever do Estado.
Como é o acesso ao tratamento médico em sua cidade?
Um comportamento diferente pode
ser considerado possessão demoníaca,
mas não ter relação com demônios.
Nos evangelhos, percebemos tentativas
de desacreditar uma pessoa,
acusando-a de estar possessa (Lc 7.33).
Nos dias de hoje também pode acontecer
que demônios sejam colocados onde não existem.
É preciso cuidar com diagnósticos equivocados
e buscar diferentes avaliações.
Como uma comunidade poderia acolher
e acompanhar pessoas com algum desvio de comportamento?
69
BLOCO 4: Doença e cura
UNIDADE 12: As pessoas doentes e Jesus
OBJETIVOS
Nesta unidade vamos examinar o sentido das curas e as reações das
pessoas diante delas. Veremos que a fé é um elemento fundamental
e que as curas não eram usadas como instrumento para promoção
pessoal.
Nas duas últimas unidades vimos que a doença representava uma situação
de crise para a pessoa doente, familiares e grupo social. Além das conseqüências diretas, havia os efeitos causados pela reação da sociedade diante da doença. As possibilidades de cura nem sempre eram eficientes ou não estavam ao
alcance das pessoas. Por isso a movimentação era grande quando surgia alguém
que tinha fama de curar.
Não há registros de uma tentativa fracassada de cura por parte de Jesus. De
acordo com os relatos, todos os doentes que vieram a ele foram curados. Assim,
a fama de Jesus se espalhava, e é fácil entender por que tantas pessoas procuravam por ele. Mas as pessoas iam a Jesus apenas porque queriam cura ou havia
também outras motivações? E como Jesus entendia suas curas?
Curas como sinal do reino de Deus
Jesus entendia as curas e os exorcismos como manifestações do reino de
Deus: “Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente, é
chegado o reino de Deus sobre vós” (Lc 11.20). Quando João Batista queria saber
se Jesus era aquele que estava para vir, Jesus respondeu: “Ide e anunciai a João o
que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres, anuncia-selhes o evangelho” (Lc 7.22).
Para Jesus, as curas e os exorcismos eram parte integrante do anúncio do
reino de Deus. Esses acontecimentos eram um sinal de que o mal estava sendo
vencido e que já era possível experimentar a presença do reino. Os exorcismos
significavam uma luta contra o mal, uma guerra contra Satanás e seus poderes.
Se uma pessoa possuída tem o seu próprio eu roubado pelo demônio, somente
70
UNIDADE 12: As pessoas doentes e Jesus
quando esse fosse expulso a pessoa retomaria sua própria identidade. A pessoa
que tem o demônio arrancado é liberta para si mesma e pode experimentar a
realidade do reino.
Embora Jesus tenha mandado dizer a João Batista que os milagres eram
sinais do reino, ele não utilizava as curas como propaganda da sua atividade.
Jesus inclusive alerta para falsos profetas, que usam milagres para enganar pessoas: “pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios,
para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mc 13.22). Jesus não curava para
convencer pessoas ou forçá-las a crer nele. Também não obrigava ninguém a
segui-lo por causa de uma cura. Em muitos casos, até pede para a pessoa ir para
casa e não contar a ninguém (Mc 7.36; 8.26; Lc 14.4). As curas, portanto, não
eram usadas para benefício pessoal de Jesus.
Curas e fé
A fé aparece como um elemento fundamental nos relatos de cura:
Então, lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se-vos conforme a vossa fé
(Mt 9.29).
Então, lhe disse Jesus: Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como
queres. E, desde aquele momento, sua filha ficou sã (Mt 15.28).
E ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz e fica livre do teu
mal (Mc 5.34).
Então, Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E imediatamente tornou a
ver e seguia a Jesus estrada fora (Mc 10.52).
Nesses casos, fé significa a confiança na possibilidade de cura. A própria
ida de pessoas doentes ou de seus familiares a Jesus indica que elas confiavam
que ele tinha poder para curar. A fé como confiança indica também a aceitação
da pessoa que cura. Em Nazaré, Jesus não pôde realizar milagres porque não
encontrou ali aceitação ou fé (veja Mc 6.1-6). A fé não é algo que se espera apenas da pessoa doente. Também a pessoa que cura deve ter fé (Mt 17.19-20). Ou
seja, a fé não é requisito apenas para um dos lados.
Nos relatos de cura nem sempre é dito algo sobre a fé das pessoas doentes.
Isso é indicativo de que Jesus curava as pessoas sem estabelecer condições e
sem querer algo em troca. As curas eram demonstração do amor divino e da
compaixão de Jesus: “Jesus, profundamente compadecido, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: Quero, fica limpo!” (Mc 1.41).
71
BLOCO 4: Doença e cura
As pessoas diante das curas
Qual era a reação das pessoas diante das curas? Vejamos alguns textos:
Então, aproximando-se, tomou-a pela mão; e a febre a deixou, passando
ela a servi-los (Mc 1.31).
Mas, tendo ele saído, entrou a propalar muitas coisas e a divulgar a
notícia (Mc 1.45).
Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: Tudo ele tem feito esplendidamente bem; não somente faz ouvir os surdos, como falar os mudos
(Mc 7.37).
Um dos dez, vendo que fora curado, voltou, dando glória a Deus em alta
voz (Lc 17.15).
Todos se admiraram, a ponto de perguntarem entre si: Que vem a ser
isto? Uma nova doutrina! (Mc 1.27).
Então, ele se levantou e, no mesmo instante, tomando o leito, retirou-se
à vista de todos, a ponto de se admirarem todos e darem glória a Deus,
dizendo: Jamais vimos coisa assim! (Mc 2.12).
E imediatamente tornou a ver e seguia a Jesus estrada fora (Mc 10.52).
E entraram a rogar-lhe que se retirasse da terra deles (Mc 5.17).
Como podemos ver, as reações eram diversas: temor, espanto, fé, louvor,
serviço, seguimento, testemunho. As diferentes reações mostram que as curas
eram entendidas de maneira distinta. É interessante notar que muitos relatos de
cura não falam nada sobre uma reação das pessoas ou simplesmente dizem que
elas foram para casa (Mt 8.5-13; Jo 5.1-9; Mc 7.24-30; 9.14-29). Havia também
reações negativas, a maioria vinda da parte de autoridades religiosas:
Mas os fariseus murmuravam: Pelo maioral dos demônios é que expele
os demônios (Mt 9.34).
Retirando-se os fariseus, conspiravam logo com os herodianos, contra
ele, em como lhe tirariam a vida (Mc 3.6).
O chefe da sinagoga, indignado de ver que Jesus curava no sábado, disse à multidão: Seis dias há em que se deve trabalhar; vinde, pois, nesses
dias para serdes curados e não no sábado (Lc 13.14).
As reações negativas podiam ser conseqüência da compreensão de cura
como trabalho, o que não era permitido em dia de sábado. Também podemos
72
UNIDADE 12: As pessoas doentes e Jesus
supor que as autoridades interpretassem as ações de Jesus como ameaça ao poder e, por isso, não faziam questão de aplaudir suas curas.
É possível que muitas pessoas vissem em Jesus apenas um grande curandeiro. Pessoas buscam um médico quando estão doentes. Algumas pessoas podem ter ouvido falar apenas das curas de Jesus e o procuravam por esse motivo.
Em alguns casos, as curas permitiam um contato com a mensagem de Jesus.
Mesmo que Jesus não pretendesse usar suas curas para legitimar sua missão,
elas indicavam que ele era um enviado de Deus.
Alguns textos mostram que pessoas curadas seguiram a Jesus. Essas pessoas
reconheceram nele o enviado de Deus e quiseram compartilhar da sua missão.
Outras não seguiram diretamente a Jesus, mas seguiram seus ensinamentos em
suas casas e levaram adiante a sua mensagem. Em todo caso, Jesus não realizava
curas para conseguir adeptos. Ele curava para indicar que o domínio de Deus já
havia chegado e estava se manifestando concretamente na restauração da saúde
e do convívio social.
Hoje, curas milagrosas são oferecidas,
mas muitas vezes são impostas condições,
não raramente financeiras.
O que você acha de impor condições para oferecer cura?
As curas eram sinais do reino de Deus.
Mas Jesus não curou todos os doentes da Palestina.
Também hoje nem todas as doenças são curadas.
De forma alguma isso indica falta de fé
ou pecado da pessoa doente. Também na doença é possível
experimentar o reino de Deus. De que maneira podemos
transmitir a uma pessoa doente a presença do reino?
73
Introdução
A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus.
(Mc 4.11)
É consenso na pesquisa bíblica que o reino de Deus era o tema
central do anúncio e da atividade de Jesus. Mas o que significa “reino de Deus”? De onde vem a tradição de Deus como rei? Quais as
implicações que a vinda do reino traz e de que forma ele se manifesta? Se Jesus dizia que o reino de Deus havia chegado com sua atividade, porque ele ensina a orar “venha o teu reino”? Essas são algumas das questões que serão tratadas neste último bloco.
Nossa jornada de estudos termina com este bloco. Tomara
que os estudos tenham fortalecido sua caminhada com Jesus Cristo e despertado em você o interesse em aprender ainda mais.
Estrutura do Bloco 5
O que é o reino de Deus. A unidade trata do significado do
reino de Deus e das expectativas em relação ao seu estabelecimento.
Unidade 14: Uma nova sociedade. Nesta unidade vamos verificar as conseqüências que o domínio de Deus traz para as pessoas e a sociedade.
Unidade 15: Vida em comunidade. Encerrando nossos estudos, vamos abordar aspectos da espiritualidade, do perdão, da
aceitação e dos pequenos gestos que fazem a diferença.
BLOCO 5: O reino de Deus
UNIDADE 13: O que é o reino de Deus
OBJETIVOS
Nesta unidade analisaremos o significado do reino de Deus e as
expectativas em relação ao seu estabelecimento. Veremos que o
anúncio do reino em Jesus tem uma dimensão presente e uma
dimensão futura.
O que significa “reino de Deus”
O “reino de Deus” é o tema central do anúncio e da atividade de Jesus:
“Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho de
Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo;
arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.14s). Nos evangelhos, o reino de
Deus é anunciado como muito próximo, ou como realidade que já se manifesta
em curas, exorcismos e na comunhão de mesa de Jesus com pessoas pecadoras e
marginalizadas.
Quando Jesus anuncia o reino de Deus, não está falando novidade. Embora
o termo “reino de Deus” não seja uma expressão comum ao Antigo Testamento,
a temática da realeza divina era bem conhecida. No Antigo Testamento, havia a
compreensão de que Deus é rei não somente sobre Israel, mas sobre todas as
nações. E mesmo que o seu domínio não seja percebido de forma nítida por
todas as pessoas, Deus possui poder sobre a criação e a história. O templo de
Jerusalém sobre o monte Sião era considerado o lugar de irradiação da dominação
de Deus. Nos Salmos, encontramos muitas passagens que falam de Deus como
rei. Vejamos alguns exemplos:
Escuta, Rei meu e Deus meu, a minha voz que clama, pois a ti é que
imploro (Sl 5.2).
Deus é o Rei de toda a terra; salmodiai com harmonioso cântico (Sl
47.7).
Viu-se, ó Deus, o teu cortejo, o cortejo do meu Deus, do meu Rei, no
santuário (Sl 68.24).
Exaltar-te-ei, ó Deus meu e Rei; bendirei o teu nome para todo o sempre
(Sl 145.1).
76
UNIDADE 13: O que é o reino de Deus
A experiência do exílio na Babilônia fez com que a idéia do reinado de
Deus assumisse cada vez mais um caráter futuro. Esperava-se que, no futuro,
Deus iria restaurar a nação de Israel e governar sobre todos os povos. Esse futuro,
no qual Deus manifestaria todo o seu poder, era considerado o tempo da salvação.
A expectativa do tempo da salvação ou do estabelecimento do domínio de
Deus era comum na época de Jesus. Mas nem todas as pessoas tinham a mesma
compreensão sobre o que significava e quais eram as conseqüências da chegada
desse tempo. Em termos gerais, concordava-se que o tempo da salvação será
incomparavelmente melhor que o presente: será um tempo de paz integral, alegria
e abundância. Deus colocará um fim à opressão e ao domínio estrangeiro e regerá
seu povo com paz e justiça. A dominação de Deus será completa e infinita sobre
toda a criação.
Algumas pessoas achavam que poderiam apressar a vinda do reinado de
Deus através da oração e do seguimento fiel dos mandamentos. Outras estavam
dispostas a pegar em armas e conduzir uma guerra santa para libertar o povo de
Israel do domínio estrangeiro. E provavelmente havia também pessoas que nem
esperavam mais pela vinda do reino de Deus.
Saiba mais
O termo “reino de Deus” é mais utilizado nos evangelhos. Em outros
escritos do Novo Testamento, como nas cartas de Paulo, não é tão
freqüente. Em vez de “reino de Deus”, o Antigo Testamento utiliza
expressões e verbos que indicam que Deus governa sobre Israel e
os povos:
O Senhor reinará por todo o sempre (Êx 15.18).
Mas o Senhor é verdadeiramente Deus; ele é o Deus vivo e o Rei
eterno (Jr 10.10).
Nos céus, estabeleceu o Senhor o seu trono, e o seu reino domina
sobre tudo (Sl 103.19).
Reino de Deus significa, em termos gerais, “domínio de Deus”.
Poderíamos trocar a palavra “reino” por domínio, reinado, realeza
ou governo de Deus. Reino de Deus não significa um território
específico, mas aponta para o fato de que Deus é senhor e governa
sobre todas as coisas. Reino de Deus tem um caráter dinâmico:
indica que Deus está exercendo o domínio.
77
BLOCO 5: O reino de Deus
Jesus e o reino de Deus
O anúncio do reino de Deus era dirigido especialmente a Israel (Mt 10.5-6;
15.24). Mas não há, nos ditos de Jesus, a idéia de uma oposição entre Israel e os
outros povos. Ou seja, os outros povos não são vistos como inimigos que devem
ser eliminados com a vinda do domínio de Deus. Também eles encontrarão lugar
no reino de Deus (Lc 13.29). Em Israel, Jesus procurou especialmente as pessoas
consideradas menos preparadas ou dignas: os pecadores e perdidos (Mc 2.1517; Mt 11.19; Lc 15.2,7; 19.7,10).
Para Jesus, o domínio de Deus não está em descontinuidade com este
mundo, mas inicia já neste mundo. Apesar de também falar em juízo, Jesus
acentua o perdão divino. Diante da chegada do reino de Deus não é preciso ter
medo. O reino é como um grande banquete no qual há fartura e alegria. Sua
vinda é motivo de grande júbilo. Quem se encontra com o reino encontra algo de
tão grande valor, que não mede esforços para usufruir dele:
O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo
homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende
tudo o que tem e compra aquele campo (Mt 13.44).
Mas Jesus também aponta para a mudança de atitude que o domínio de
Deus deve causar. Sobre essas mudanças falaremos nas próximas unidades.
Reino presente e reino futuro
Alguns ditos de Jesus afirmam que o domínio de Deus já se manifesta em
sua atividade. Mas há também alguns textos que falam do reino como algo para
o futuro. Como explicar que Jesus dizia que o reino de Deus está para vir e, ao
mesmo tempo, dizia que já havia chegado? Vejamos alguns textos:
a) Reino presente
Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago (Lc 10.18). O fim da
influência de Satanás sobre o mundo era apontado como sinal do
estabelecimento do reinado definitivo de Deus. Quando Jesus diz que
via Satanás caindo, está indicando que o fim de Satanás chegou e que o
reino de Deus pode se estabelecer.
78
Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por
esforço, e os que se esforçam se apoderam dele (Mt 11.12). O dito indica
que, a partir da atividade de João Batista, o reino de Deus está se
estabelecendo.
UNIDADE 13: O que é o reino de Deus
O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo (Mc 1.15). Quando
diz que o tempo está cumprido, o versículo está apontando para o fato
de que o reino de Deus em verdade já se aproximou.
Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente, é
chegado o reino de Deus sobre vós (Lc 11.20). Para Jesus, suas curas e
seus exorcismos eram sinais de que o domínio de Deus já está presente.
b) Reino futuro
Venha o teu reino (Mt 6.10/Lc 11.2). Na oração do Pai-Nosso, Jesus ensina
seus seguidores a orar para que o reino de Deus venha. Isso indica que
o reino ainda está para vir. A invocação “pai nosso” indica como é esse
rei: alguém que cuida do seu povo como um pai cuida de seus filhos.
Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até àquele
dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus (Mc 14.25). Na última
ceia que teve com seus discípulos, Jesus sentia que sua morte estava
próxima. Suas palavras expressam a confiança de participar no banquete
festivo do reino, onde novamente irá beber do fruto da videira.
Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul e tomarão
lugares à mesa no reino de Deus (Lc 13.29). O dito fala da inclusão de
gentios no plano de salvação. Eles também participarão do banquete
do reino.
O conflito entre os textos pode ser desfeito se entendermos o reino de Deus
não como lugar, mas como evento em que Deus atua com poder. Curas,
exorcismos, perdão, acolhimento de pessoas marginalizadas e pecadoras são
sinais da manifestação do poder de Deus. A atividade de Jesus, portanto, aponta
para o início da concretização do reino de Deus. É como dizer que Jesus está
inaugurando o reino. A chegada do reino significa que ele está se espalhando,
crescendo e envolvendo as pessoas. Onde Jesus cura, acolhe e perdoa pecados,
ali o reino de Deus se manifesta.
Mas quando o reino de Deus se estabelecerá por completo? Jesus rejeita
especulações a respeito (Lc 17.20s). A parábola do grão de mostarda (Mc 4.3032) e a parábola do fermento (Mt 13.33) mostram que o presente (a semente e o
fermento) está ligado com o futuro (a árvore e o pão). Como uma planta ou como
a massa de pão, o reino vai crescendo e tomando forma. Quando estará pronto
não compete a nós determinar.
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BLOCO 5: O reino de Deus
O estabelecimento do domínio de Deus iniciará
um tempo de paz integral, alegria e abundância.
Deus conduzirá com justiça o seu povo e toda a criação.
Na atividade de Jesus já se concretizavam
os sinais do domínio de Deus.
Que sinais do reino de Deus nós podemos ver hoje?
Não podemos apressar a vinda do domínio de Deus,
mas não somos chamados a esperar de braços cruzados.
De que forma podemos esperar pelo domínio de Deus?
80
UNIDADE 14: Uma nova sociedade
UNIDADE 14: Uma nova sociedade
OBJETIVOS
Nesta unidade vamos tratar das mudanças que o domínio de Deus
traz para a pessoa e para a sociedade. Serão abordadas as relações
econômicas e de poder e também a questão da renúncia à violência.
A atividade de Jesus inaugurou o estabelecimento do domínio de Deus,
que vai crescendo como uma planta ou como o fermento na massa. O domínio
de Deus traz conseqüências para todas as dimensões da vida. As pessoas que
vivem sob o domínio de Deus procuram transformar a sociedade através de novos
princípios e ações. Vejamos agora algumas dessas mudanças.
O serviço e as relações de poder
A chegada do reino de Deus tem implicações nas relações políticas e de
poder. Quando Deus estabelecer seu domínio, essas relações serão totalmente
transformadas. Deus mesmo assumirá o domínio e governará os povos com justiça
e paz. Enquanto esse dia não chega, as pessoas que já vivem sob o domínio de
Deus são chamadas a exercitar novas relações de poder.
Jesus alertou seus discípulos para terem cuidado com o fermento de Herodes
(Mc 8.15). Isso significa: cuidado com a má influência. Além de desrespeitar as
leis e as tradições judaicas, Herodes governava com tirania. Esse exemplo não
deve ser seguido. Herodes procurou matar Jesus (Lc 13.31-33) porque a atividade
dele contradizia sua forma de fazer política. Diante da ameaça, Jesus não se
intimidou e não se desviou de sua missão.
Sob o domínio de Deus, as relações de poder têm outras características.
Em vez do poder como dominação, o domínio de Deus apresenta o poder como
serviço. O texto de Mc 10.42-44 fala de duas situações de poder. A primeira (v.
42) é o poder exercido na sociedade em geral. Os governantes abusam do poder
e o utilizam contra seus subordinados. A segunda situação (v. 43s) indica a
maneira de exercer o poder entre seguidores de Jesus. Há um contraste entre o
poder exercido pelos “grandes” e o poder que pode ser exercido no seguimento
de Jesus, ou seja: sob o domínio de Deus.
81
BLOCO 5: O reino de Deus
Enquanto os “maiorais” abusam do poder e dele fazem uso para benefício
pessoal, no reino de Deus o poder só existe como serviço às pessoas. Os seguidores
de Jesus não devem se espelhar na conduta dos governantes, mas começar a
viver de acordo com outros princípios. Há uma inversão de valores e da ordem:
poder significa serviço, e não privilégio e dominação. Esse poder não deve ser
exercido apenas entre os seguidores de Jesus (e nas comunidades cristãs), mas
irradiado para fora.
No próprio círculo de Jesus havia disputa por poder e honra. Os discípulos
discutiam sobre quem era o maior (Mc 9.34) e quem poderia ficar mais próximo
de Jesus (Mc 10.37). Ser grande ou maior, sentar-se à direita ou à esquerda indicam
poder, influência, honra. Essa disputa era comum na sociedade e era isso que os
discípulos também estavam querendo. Jesus responde nas duas ocasiões: acima
de qualquer coisa está o servir. Servir é algo digno, ser grande significa servir.
Também nas relações de grupo, de família, de comunidade é necessário viver
essa nova proposta.
Jesus deu o exemplo. Ele considerou o “servir” como elemento central da
sua atividade: “porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas
para servir e dar a sua vida para salvar muita gente” (Mc 10.45).
Saiba mais
A palavra grega para serviço é diakonia. Daí vem o termo diaconia
que usamos para falar do serviço prestado ao próximo. A palavra
diakonia pode descrever tanto o serviço à mesa como serviços
gerais feitos por escravos, servos, mulheres. Os antigos gregos e
romanos, principalmente aqueles das classes sociais elevadas,
desprezavam o trabalho corporal. Para eles, quem serve não tem
poder, nem é livre. A partir dessa visão, servir não era
considerado algo digno e diakonia tinha uma conotação negativa.
No judaísmo, o mandamento do amor ao próximo incluía o
serviço. Jesus cresceu nessa tradição e a colocou em prática.
Curar doentes, expelir demônios, visitar e acolher pessoas, ser
solidário com marginalizados e pobres, esses são alguns
exemplos de amor transformado em serviço.
Novas relações econômicas
Enquanto a economia dominante estava baseada na ganância e no acúmulo
de dinheiro e bens (Lc 12.13-21), Jesus prega o perdão das dívidas (Mt 18.23ss)
e a liberdade frente ao dinheiro. Essa liberdade consiste em confiar no sustento
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UNIDADE 14: Uma nova sociedade
que vem de Deus (Mt 6.25ss). A renúncia ao dinheiro e às posses tem a intenção
de eliminar poderes estranhos e reconstruir valores baseados na igualdade. Essa
proposta já estava sendo colocada em prática por algumas pessoas, como mostra
a história da viúva pobre:
Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como o povo lançava ali o
dinheiro. Ora, muitos ricos depositavam grandes quantias. Vindo, porém,
uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas correspondentes a um
quadrante. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo
que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos
os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém,
da sua pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento (Mc 12.41-44).
Em vez de acumular, a viúva deu tudo. Ela já pratica aquilo que Jesus anuncia! Jesus usou a viúva como exemplo porque ela estava agindo de acordo com
os princípios do reino. Se a viúva pobre já vive de acordo com os princípios do
domínio de Deus, o mesmo não pode ser dito das pessoas que buscam riquezas:
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e
amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a
Deus e às riquezas” (Mt 6.24).
Para Jesus, a riqueza é um poder estranho e oposto a Deus. Por isso ele
anuncia que dificilmente um rico entrará no reino dos céus: “E ainda vos digo
que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um
rico no reino de Deus” (Mt 19.24). A crítica dirigida aos ricos não é apenas um
ataque à confiança excessiva na riqueza, em lugar da confiança em Deus. Jesus
questiona a própria riqueza, que produz injustamente o bem-estar de poucos e
causa o empobrecimento de muitos.
Os evangelhos também falam de pessoas ricas que tinham relações com
Jesus (Lc 8.3; Mc 15.43). Isso é um sinal que o reino de Deus está aberto a qualquer pessoa, independente da sua posição social e econômica. Certamente essas
pessoas foram tocadas pela mensagem de Jesus e estavam vivendo de acordo
com sua proposta. Esse é o fator decisivo.
A proposta econômica de Jesus está baseada na partilha mútua, como aconteceu no caso da alimentação das multidões (Mc 6.30-44; Jo 6.1-15). A multidão
que estava ouvindo Jesus estava com fome. A necessidade espiritual – ouvir a
mensagem do reino – estava sendo saciada. E as necessidades materiais? Os
discípulos sugeriram que Jesus despedisse a multidão para que cada qual comprasse seu pão. Jesus era da opinião de que ele e os discípulos eram responsá-
83
BLOCO 5: O reino de Deus
veis por aquelas pessoas. Reino de Deus e falta de pão não combinam. Como
falar do reino da abundância e deixar as pessoas famintas?
Quando os discípulos falam para Jesus despedir as pessoas a fim de que
comprem alimentos, pensam numa economia baseada no acúmulo e em relações individuais. Quem tiver dinheiro que compre o seu próprio pão! Jesus propõe uma mudança de pensamento e de relações. Essa mudança troca o acúmulo
e o egoísmo pela solidariedade, partilha e o igualitarismo.
A renúncia da violência e o amor ao inimigo
O domínio de Deus manifesta-se na renúncia e na superação da violência.
Uma agressão não será respondida com outra agressão: “Eu, porém, vos digo:
não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe
também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe
também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas” (Mt
5.39-41).
Quem vive sob o domínio de Deus não deve responder à violência com violência, mas desistir de qualquer retaliação. A recusa à violência não significa aceitar tudo passivamente. Quando é cometida uma injustiça, responde-se com ações
que reflitam justiça e bondade! Essa maneira de reação serve para realçar o absurdo da injustiça, romper com o círculo da violência e convidar à solidariedade.
Jesus não chama para um suportar passivo, nem para uma atitude meramente interior. A reação daquela pessoa que sofre injustiça deve levar a uma
mudança de atitude da pessoa que agride. Jesus anuncia uma estratégia de nãoviolência, cujo pressuposto está no amor, inclusive ao inimigo. Em vez de reação
violenta e do ódio, Jesus prega o amor ao inimigo: “amai os vossos inimigos e
orai pelos que vos perseguem” (Mt 5.44).
84
UNIDADE 14: Uma nova sociedade
Pertencer a uma comunidade ou igreja
por causa da proposta do reino de Deus
não é a mesma coisa que pertencer a uma igreja
simplesmente por ter sido batizado nela.
Quais são os aspectos comuns que reúnem
as pessoas numa comunidade?
E o que marca a diferença entre participantes
e não-participantes de comunidades cristãs?
De que maneira podemos anunciar
os valores do reino e praticar a diaconia hoje?
85
BLOCO 5: O reino de Deus
UNIDADE 15: Vida em comunidade
OBJETIVOS
A vida em comunidade é o tema que abordaremos nesta unidade.
Dentre os diferentes aspectos e dimensões, trataremos da questão
da espiritualidade, do perdão, da aceitação e dos pequenos gestos
que fazem a diferença.
A vivência da espiritualidade
Espiritualidade é mais do que oração, contemplação e leitura das Escrituras. A espiritualidade é a vivência concreta da fé e envolve três dimensões: pessoal, comunitária (no sentido de um grupo religioso) e social (abrange toda a
sociedade). Toda a atividade de Jesus – pregação, curas, perdão, comunhão com
pecadores – é uma concretização da sua espiritualidade. Ao refletirmos agora
sobre as três dimensões da espiritualidade, teremos como foco a oração. Mas
sabemos que a oração é apenas uma das expressões da espiritualidade.
a) A dimensão pessoal
A oração era um elemento essencial na atividade de Jesus. Algumas vezes,
Jesus deixou seus discípulos e a multidão para orar sozinho: “E, despedidas as
multidões, subiu ao monte, a fim de orar sozinho. Em caindo a tarde, lá estava
ele, só” (Mt 14.23). Os momentos de oração eram espaços especiais para interceder, louvar, recuperar ânimo, expressar angústia, aprofundar a intimidade com
Deus.
Há várias orações de intercessão, principalmente no capítulo 17 do Evangelho de João (Jo 17.9,11,15,20s,24; Lc 23.34). Oração de agradecimento e louvor encontramos em Mt 11.25 (“Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra...”)
e em Jo 11.41s. Jesus também sentiu angústia e clamou a Deus: “Meu Pai, se
possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como
tu queres” (Mt 26.39). Essa oração é uma expressão de sofrimento e, ao mesmo
tempo, de completa obediência a Deus. No sofrimento da cruz, Jesus ainda clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mc 15.34). Essa queixa, baseada no Salmo 22, mostra que Jesus ainda se dirige a Deus e a ele entrega
sua vida mesmo em um momento de aparente abandono.
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UNIDADE 15: Vida em comunidade
b) A dimensão comunitária
O grupo de seguidores e seguidoras de Jesus era um espaço para a vivência
da espiritualidade. Junto com seu grupo, Jesus participava da vida religiosa em
Israel. Nas casas, em sinagogas e no templo; através da leitura, orações e cantos,
o grupo buscava o convívio e o fortalecimento da fé. Essas pessoas tiveram a
vida transformada pela mensagem de Jesus e, a partir delas, deveria acontecer a
transformação da sociedade. Os discípulos têm uma missão especial: “Vocês são
a luz do mundo...” (Mt 5.14). Ser luz para o mundo é um dos objetivos da espiritualidade vivenciada em grupo.
c) A dimensão social
A espiritualidade não se limita à comunhão pessoal com Deus, nem à comunhão com um grupo específico. Uma espiritualidade apenas pessoal leva ao
individualismo. Uma espiritualidade presa a um grupo determinado pode levar
à fuga da sociedade ou à rejeição daqueles que não são iguais. Os fariseus procuravam viver a fé de modo sincero, mas criavam barreiras, estabeleciam limites e
condições para a convivência com outras pessoas. Facilmente cometiam o erro
de julgar e rejeitar quem não tinha a mesma vivência.
Na história da transfiguração (Mc 9.2-8) temos um exemplo de como as
três dimensões da espiritualidade são inseparáveis. Jesus subiu com alguns discípulos ao monte para orar. Ali o grupo teve uma experiência singular: a manifestação de Moisés e Elias. Pedro logo quis construir tendas (Mc 9.5). A experiência foi tão boa, que os discípulos queriam permanecer lá, eternizar aquele
momento de profunda comunhão com Deus.
Jesus, contudo, alerta que a espiritualidade não se esgota em tais momentos. A experiência no monte pode impedir de enxergar o mundo ao redor. Ele
convida os discípulos a descer o monte e enfrentar a realidade no vale. Lá embaixo estão os problemas e as possibilidades de se viver a espiritualidade concreta. Assim como o reino de Deus abrange todas as dimensões da vida e se
manifesta neste mundo, assim também a espiritualidade deve se manifestar em
ações concretas no dia-a-dia.
O perdão
A parábola do credor incompassivo em Mt 18.23-35 compara o reino de
Deus a um rei que resolveu ajustar contas com os seus servos. Um deles devia ao
rei uma enorme quantia: dez mil talentos. O rei ameaçou vender tudo o que o
servo possuía, inclusive sua família. O servo pediu paciência e prometeu pagar
tudo. O rei fez mais do que esperar: ele perdoou toda a dívida.
87
BLOCO 5: O reino de Deus
Se não fosse pela misericórdia do rei, o servo seria castigado. Além de não
ser castigado, ele foi perdoado e está livre. Mas então acontece algo inesperado.
O servo encontra outra pessoa, que lhe deve uma quantia incomparavelmente
menor do que a dívida que lhe fora perdoada. Esse devedor também pede clemência. Mas, em vez de agir conforme o rei, o servo que teve a dívida perdoada
não perdoou o seu conservo. Fez ainda pior: lançou-o na prisão.
Sabendo do ocorrido, o rei mandou chamar o servo mau e aplicou-lhe o
devido castigo. O servo chamou para si o juízo porque, apesar de ter recebido
misericórdia, tratou seu conservo sem piedade: “não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti?”. A chegada
do domínio de Deus traz o perdão, mas requer também uma mudança de atitude. O exemplo deve ser seguido. Viver sob o domínio de Deus é ter disposição
para perdoar, da mesma forma como Deus perdoa. A ação de Deus deve determinar a ação das pessoas.
Saiba mais
Para se ter uma idéia de quanto dinheiro significava dez mil
talentos, basta dizer que a soma anual dos impostos da Galiléia
e da Peréia juntas era de duzentos talentos. A quantia de dez
mil talentos significava em torno de sessenta milhões de
denários. Um denário era o que uma pessoa ganhava, em média,
por dia de trabalho. Ou seja, não existia uma dívida nessas
proporções. O número quer apontar para a impossibilidade de
pagar a dívida e para a grande misericórdia do rei. Por outro
lado, a quantia também revela o contraste com aquilo que o
devedor tinha a receber de outra pessoa.
A aceitação de todas as pessoas
Jesus reconhecia o pecado e a fraqueza das pessoas, mas não se afastava
dos pecadores. Pelo contrário, ele os procurava e não colocava condições para
ter comunhão com eles. Por esse motivo foi taxado de “amigo de publicanos e
pecadores” (Mt 11.19; Lc 7.34). Jesus não exigia uma mudança ética antes de ter
comunhão com as pessoas. Mas depois do contato com ele, as pessoas eram
motivadas a viver de acordo com os princípios do reino de Deus. Foi isso que
aconteceu com Zaqueu, por exemplo (Lc 19.1ss).
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UNIDADE 15: Vida em comunidade
Quando Jesus procura os pecadores, acontece a reabilitação. Essa procura
está baseada na própria ação de Deus. Duas parábolas falam especialmente dessa
atitude divina:
Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo
uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da
que se perdeu, até encontrá-la? (...)
Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende
a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? (...)
[Abra sua Bíblia em Lc 15.4-10 e leia as parábolas]
As parábolas falam da procura pelo perdido e da alegria pelo achado. Assim
como a mulher que procura o seu dinheiro, Deus procura as pessoas. O domínio
de Deus é marcado pela misericórdia divina, que vai atrás do seu povo e se
alegra quando o encontra. Essa procura de Deus é concretizada na comunhão de
mesa de Jesus com pecadores e excluídos. Nessa comunhão, as pessoas sentemse aceitas e começam a perceber a chegada do domínio de Deus.
Começar com pequenos e concretos gestos
A comunidade de seguidoras e seguidores de Jesus é o local da vivência do
domínio de Deus. Aqui será colocada em prática uma nova forma de agir, que irá
contagiar toda a sociedade. Como isso acontecerá? De que forma a sociedade
poderá ser transformada apenas pelo exemplo vivido por pessoas que aceitam o
domínio de Deus? Jesus não pensa em ações mirabolantes, mas em pequenas
ações que fazem diferença:
O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem
tomou e plantou no seu campo; o qual é, na verdade, a menor de todas
as sementes, e, crescida, é maior do que as hortaliças, e se faz árvore,
de modo que as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos (Mt 13.31s).
O reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e
escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado (Mt 13.33).
Assim como a semente de mostarda se transforma em uma planta capaz de
abrigar pássaros e o fermento consegue fazer crescer a massa, as pequenas ações
das pessoas que vivem sob o domínio de Deus também são capazes de promover
transformações. À medida que a mensagem de Jesus é colocada em prática, essas
transformações vão aparecendo.
89
BLOCO 5: O reino de Deus
A maioria das pessoas à época de Jesus não compreendeu a proposta do
domínio de Deus. Em nome dessa proposta, Jesus encarou até a morte. A sua
ressurreição é a comprovação de que Jesus falava e agia como enviado de Deus.
A formação das comunidades cristãs após a ressurreição mostra que essa proposta
ainda pode ser concretizada.
No monte da transfiguração, Pedro disse:
“Mestre, bom é estarmos aqui” (Mc 9.5)
e propôs que ficassem no monte. Muitas vezes,
experimentamos bons momentos na comunidade,
seja em uma reunião ou em um momento de celebração.
É fácil e também cômodo estar com pessoas semelhantes.
Mas precisamos descer do monte. Onde estão os problemas
e em que situações concretas a nossa espiritualidade pode se manifestar?
Quando a nossa busca por espiritualidade reforça
o individualismo ou leva ao julgamento de outras pessoas?
90
Sugestão de leitura
CROSSAN, John Dominic. O Jesus Histórico: a vida de um camponês judeu do
Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
FREYNE, Sean. A Galiléia, Jesus e os Evangelhos. Enfoques literários e
investigações históricas. São Paulo: Loyola, 1996.
KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2005.
LOHFINK, Gerhard. Como Jesus queria as comunidades?: a dimensão social da
fé cristã. São Paulo: Paulinas, 1987.
LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas,
2000.
MALINA, Bruce J. O Evangelho social de Deus: O Reino de Deus em perspectiva
mediterrânea. São Paulo: Paulus, 2004.
MEIER, John P. Um Judeu marginal: repensando o Jesus Histórico. Rio de Janeiro:
Imago.
REICKE, Bo. História do tempo do Novo Testamento: o mundo bíblico de 500 a.C.
até 100 d.C. São Paulo: Paulus, 1996.
STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História social do
protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no
mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
THEISSEN, Gerd; Merz, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Loyola,
2002.
WEISER, Alfons. O que é milagre na Bíblia. Para você entender os relatos dos
Evangelhos. São Paulo: Paulinas.
Curso “Jesus de Nazaré” pela internet
O presente manual de estudos é a base para o curso “Jesus de Nazaré” que
a Faculdades EST oferece via internet. O curso não é confessional e é aberto a
qualquer pessoa, independente da denominação religiosa.
Como funciona o curso pela internet?
O curso é realizado através de um ambiente virtual de aprendizagem. Antes do início do curso, as pessoas inscritas recebem instruções e uma senha para
acessar o ambiente virtual. A cada semana são disponibilizados materiais e atividades. Com acompanhamento da monitoria, os(as) participantes realizam as
atividades previstas, podendo tirar dúvidas, comentar conteúdos, compartilhar
idéias, trocar experiências. As atividades não estão ligadas a um horário específico. Cada pessoa acessa o ambiente virtual no horário que lhe for conveniente.
Quais os requisitos para fazer o curso?
Para participar é preciso ter acesso à internet e conta de e-mail, saber navegar na internet e utilizar programas básicos, como um editor de textos. Disponibilidade de tempo e disposição para aprender e compartilhar experiências são
fundamentais.
Qual a vantagem do curso em relação ao livro?
O curso pela internet tem materiais adicionais, como textos complementares, imagens e mapas. Além disso, é possível tirar dúvidas em relação aos conteúdos, ter contato e trocar experiências com outras pessoas. Não ocorre simplesmente transmissão de conteúdos, mas construção conjunta de conhecimentos. O curso também oferece a possibilidade de certificado de extensão.
Como fazer a inscrição?
No site www.ead.est.edu.br são divulgadas as datas do curso e as instruções para inscrição. Informações podem ser solicitadas pelo e-mail
[email protected].
Sobre a série “Educação Cristã Contínua”
A série “Educação Cristã Contínua” é organizada pela Faculdades EST e
tem o apoio da Federação Luterana Mundial e da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana no Brasil (IECLB). Os diferentes volumes abordam temas relevantes
para o conhecimento e a vivência da fé.
A série é inspirada no “Plano de Educação Cristã Contínua” da IECLB, que
vê a educação cristã como um processo pessoal e comunitário de aprendizagem
dos conteúdos da fé. Ela acontece na família e na comunidade e se reflete nas
ações e atitudes do dia-a-dia, que é a vivência cristã no mundo. A educação
cristã não acontece de uma só vez, mas vai sendo construída e compreendida
conforme as perguntas e as preocupações do contexto e de cada fase da vida.
A tarefa de educar é mandamento que provém de Deus: “Estas palavras
que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas
falarás assentado em tua casa, andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.6-7). Também Jesus, ao despedir-se de seus discípulos, deu-lhes a
tarefa de educar: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizandoos em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas
as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19-20).
A educação cristã é inspirada na ação de Deus entre nós e experimentada
no testemunho concreto da fé. O amor e a graça de Deus desafiam o educar para
a aceitação, a abertura e o diálogo. Educação cristã anuncia a misericórdia e o
perdão de Deus, promove reconciliação, semeia a esperança. A busca pela dignidade individual e comunitária, a vivência da paz e da justiça, o zelo pela
integridade de toda criação são conseqüências de educação que se espelha na
ação divina.
Neste sentido, a série “Educação Cristã Contínua” ajuda a capacitar pessoas
para o testemunho da fé, preparando-as para a vivência familiar e comunitária e
para a construção de uma sociedade mais solidária e justa. Não se trata, portanto, apenas de repasse de conteúdos, mas de um chamado à reflexão e à ação.
Conheça a Faculdades EST
A Faculdades EST foi criada em 1946 como Faculdade de Teologia. É vinculada
à Rede Sinodal de Educação e identificada com a IECLB (Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil).
Além do bacharelado em Teologia, possui o bacharelado em Musicoterapia.
Atua também na educação profissional, com a oferta de cursos técnicos, e em
cursos de extensão em diversas áreas do saber. Sua pós-graduação em Teologia
é distinguida com a nota máxima na Capes.
Visite o site e saiba mais: www.est.edu.br
Texto: ZapfEllipt BT 12
Títulos das unidades: DellaRobbia BT 16
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