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COBRANÇA DE CHEQUES PRESCRITOS
Armindo de Castro Júnior
INTRODUÇÃO
O objetivo do presente artigo é tentar esclarecer quais são as medidas
judiciais para cobrança de cheques prescritos, abordando o prazo de prescrição
dessas ações, bem como os requisitos para sua propositura.
PRESCRIÇÃO DO CHEQUE
O cheque prescreve em seis meses, a contar do término do prazo de
apresentação, da data de emissão, que é de 30 ou 60 dias, sendo o título
respectivamente emitido na praça de pagamento ou fora dela, conforme
prescreve a Lei do cheque (Lei nº 7.357/85):
Art. 33 - O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do
dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar
onde houver de ser pago e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em
outro lugar do País ou no exterior.
[...]
Art. 59 - Prescreve em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo
de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.
Para informações mais detalhadas sobre o tema, remetemos o leitor
para nosso artigo, intitulado “Prescrição do cheque. Análise da interpretação doutrinária e jurisprudencial”.1
*
Advogado em Cuiabá-MT, professor universitário, mestre em Ciências Jurídico-Empresariais
pela Universidade de Coimbra (Portugal).
1
CASTRO JÚNIOR, Armindo de. Prescrição do cheque. Análise da interpretação doutrinária e
jurisprudencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1542, 21 set. 2007. Disponível em: <http://
jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10438>. Acesso em: 14 jan. 2009.
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Cobrança de Cheques Prescritos
PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO
PROTESTO COMO CAUSA DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Enquanto não estiver prescrito, é lícito o protesto do cheque, até
como meio de interromper a prescrição cambiária, conforme dispõe nosso
Código Civil:
Art. 202 - A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma
vez, dar-se-á:
[...]
III - por protesto cambial;
O Código Civil de 1916 não trazia, no rol do artigo 172, o protesto
cartorário como uma das causas de interrupção da prescrição. Em 1963,
interpretando tal dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal firmou o
entendimento de que: “Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”, através da edição da Súmula nº 1532. Com a entrada em vigor do
novo Código Civil, tal entendimento encontra-se devidamente superado.
ILEGALIDADE DO PROTESTO DE TÍTULO PRESCRITO
Questão controvertida é a de se é lícito levar cheque prescrito a
protesto. A polêmica está na interpretação do final do caput do artigo 9º
da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97):
Art. 9º - Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão
examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência
de prescrição ou caducidade.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, que merece estudo mais
aprofundado, entendemos que a impossibilidade de o tabelião conhecer
2
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Pleno. Súmula nº 153: Simples protesto
cambiário não interrompe a prescrição. Data do julgamento: 13 dez. 1963. Publicação: Súmula
da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal – Anexo ao Regimento Interno.
Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 85. Jurisprudência disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso
em 22 mar. 2009.
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da prescrição ou caducidade, não autoriza o credor a levar a protesto cheque prescrito pelos seguintes motivos:
IMPOSSIBILIDADE DE O JUIZ CONHECER DE OFÍCIO DA PRESCRIÇÃO
Até 2006, não era possível ao juiz conhecer, de ofício, da prescrição,
conforme dispunha o artigo 1663, do Código Civil de 1916, bem como o
artigo 194 do Código atual4. Seria no mínimo incoerente autorizar ao tabelião conhecer de algo vedado ao magistrado.5
PROTESTO NÃO É MEIO DE COBRANÇA
O protesto não é uma forma extrajudicial de cobrança e, sim, um
meio de prova que visa à conservação e à ressalva de direitos. Nesse sentido, pode ser utilizado para:
a) Provar a mora do devedor de um título de crédito, com o objetivo
de conservar o direito de regresso contra os coobrigados indiretos.6
b) Requerer a falência de empresário, fundada em impontualidade
injustificada. Para tal, o título de crédito não pode estar prescrito (Lei nº
11.101/2005, artigos 94, inciso I e 96, inciso II).
c) Execução de duplicata sem aceite (Lei nº 5.474/68, artigo 15,
inciso II).
d) Interromper a prescrição do título, como já exposto (Código Civil,
artigo 202, inciso III).
Em qualquer das hipóteses aventadas, o protesto de título prescrito
3
Art. 166. O juiz não pode conhecer da prescrição de direitos patrimoniais, se não foi invocada
pelas partes.
4
Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.
5
O artigo 194 do Código Civil foi revogado pela Lei nº 11.280/2006. Atualmente, o artigo 219 do
CPC dispõe, in verbis: “§ 5º - O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.
6
O prazo de protesto para conservação do direito de regresso é bastante exíguo. Para a nota
promissória e a letra de câmbio, de acordo com a interpretação doutrinária adotada, o prazo é,
ou o dia seguinte ao do vencimento (Decreto nº 2.044/1908, artigo 28) ou de dois dias (artigo
44, do Anexo I, da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.633/66). O protesto da duplicata
deve ser tirado em 30 dias, a contar do vencimento (Lei nº 5.474/68, artigo 13, § 4º). No caso
do cheque, para conservação do direito de regresso é necessário que o cheque tenha sido
apresentado dentro do prazo de 30 ou 60 dias e que a recusa de pagamento seja provada pelo
protesto ou por carimbo comprovando o não pagamento do título, aposto pelo banco sacado
ou pela câmara de compensação (Lei do Cheque, artigos 33 e 47, inciso II). Observe-se que
a Lei de Protestos exige, em seu artigo 6º, que para se levar a cabo o protesto do cheque, é
necessário que se prove a apresentação do título ao banco sacado.
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Cobrança de Cheques Prescritos
demonstra-se ineficaz como meio de conservação de direitos, configurando-se, portanto, conduta abusiva do credor, passível de reparação civil.
Sobre o tema, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:
Indenização. Protesto de cheque prescrito e sem a devida notificação.
Dano moral caracterizado.
1. O simples fato de enviar a protesto cheque prescrito e sem que feita
a devida notificação, como reconhecido nas instâncias ordinárias, acarreta o dever de indenizar.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ. Órgão Julgador: Terceira Turma. Recurso Especial nº 602.136/PB.
Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Data do julgamento: 07
dez. 2004. Publicação: Diário de Justiça, 11 abr. 2005, p. 291).7
COBRANÇA JUDICIAL DE CHEQUES PRESCRITOS
Existem, basicamente, três medidas judiciais para recebimento de
cheques prescritos; duas delas estão previstas, respectivamente, nos artigos 61 e 62 da Lei do Cheque: as ações de enriquecimento ilícito e causal.
A terceira trata-se da ação monitória e está prevista nos artigos 1.102-A a
1.102-C do Código de Processo Civil.
CARACTERÍSTICAS COMUNS
As ações para cobrança de cheques prescritos têm, em comum, as
seguintes características:
NÃO-CABIMENTO DE JUROS MORATÓRIOS
Não é cabível a cobrança de juros moratórios a partir da apresentação do cheque ao banco sacado (Lei do Cheque, artigo 52, inciso II).8
7
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso
em 22 mar. 2009.
8
Art. 52 - O portador pode exigir do demandado:
I - a importância do cheque não pago;
II - os juros legais desde o dia da apresentação;
III - as despesas que fez;
IV - a compensação pela perda do valor aquisitivo da moeda, até o embolso das importâncias
mencionadas nos itens antecedentes.
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Como o cheque está prescrito, os juros somente são devidos a partir da
citação (Código Civil, artigo 397, parágrafo único). Nesse sentido está o
entendimento do STJ:
AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL.
– Os juros moratórios, na ação monitória, contam-se a partir da citação.
Recurso especial não conhecido.
(STJ. Órgão Julgador: Quarta Turma. Recurso Especial nº 554.694/RS.
Relator: Min. Barros Monteiro. Data do julgamento: 06 set. 2005. Publicação: Diário de Justiça, 24 out. 2005, p. 329).9
Sobre o tema, interessante consultar o inteiro teor do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 666.617/RS – STJ.
INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária (Lei do Cheque, artigo 52, inciso IV) é devida
desde a data de emissão do cheque, segundo jurisprudência mais recente
do STJ:
COMERCIAL - PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO
ATÉ PARA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO – CAUSA DA DÍVIDA - CORREÇÃO MONETÁRIA - TERMO INICIAL.
– O cheque prescrito serve como instrumento de ação monitória, mesmo vencido o prazo de dois anos para a ação de enriquecimento (Lei
do Cheque, Art. 61), pois o Art. 1.102a. do CPC exige apenas “prova
escrita sem eficácia de título executivo”.
– Dispensa-se a indicação da causa de emissão do cheque prescrito que
instrui ação monitória.
– Na ação monitória para cobrança de cheque prescrito, a correção monetária corre a partir da data do respectivo vencimento.
(STJ. Órgão Julgador: Terceira Turma. Agravo Regimental no Agravo de
9
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Op. cit.
38
Cobrança de Cheques Prescritos
Instrumento nº 666.617/RS. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros.
Data do julgamento: 01 mar. 2007. Publicação: Diário de Justiça, 19 mar.
2007, p. 322).10
No mesmo sentido, consultar os Recursos Especiais nº 55.932 e
365.061, ambos de Minas Gerais.
IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE AVALISTAS
Uma vez prescrito o título, desaparecem as relações puramente cambiárias, como o aval. Assim, o avalista não poderá ser acionado, salvo se
ficar provado que houve enriquecimento sem causa. Nesse sentido, Fran
Martins é bastante claro, ao ensinar que:
[...] o portador que não exerceu a competente ação executiva contra sacador ou endossantes, no prazo legal, tem o direito de agir, já não mais
cambiariamente mas em ação comum, contra o sacador ou endossantes
que hajam feito lucros ilegítimos à sua custa. Não poderá agir, contudo, contra os avalistas porque esses são sempre obrigados cambiários e,
prescrito o cheque, o documento perde a sua natureza cambiária para
transformar-se em um quirógrafo comum. Daí não ser devida a ação de
locupletamento contra os avalistas, sejam eles do emitente ou dos endossantes, pois o aval, instituto cambiário, perece com a descaracterização
do cheque como título cambiariforme, segundo acima se explicou.11
No mesmo sentido está o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça:
DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PROPOSITURA DE AÇÃO CONTRA O
AVALISTA. NECESSIDADE DE SE DEMONSTRAR O LOCUPLETAMENTO. PRECEDENTE.
- Prescrita a ação cambial, desaparece a abstração das relações jurídicas
cambiais firmadas, devendo o beneficiário do título demonstrar, como
10
11
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Op. cit.
MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos representativos e legislação. 11. ed. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 124.
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causa de pedir na ação própria, o locupletamento ilícito, seja do emitente ou endossante, seja do avalista.
– Recurso especial a que não se conhece.
(STJ. Órgão Julgador: Terceira Turma. Recurso Especial nº 457.556/SP.
Relatora: Min. Nancy Andrighi. Data do julgamento: 11 nov. 2002. Publicação: Diário de Justiça, 16 dez. 2002, p. 331).12
AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
FUNDAMENTO LEGAL
Também conhecida como ação de locupletamento injusto, esta ação
tem como fundamento a Lei do Cheque, que dispõe, in verbis:
Art. 61 - A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar
a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei.
CARACTERÍSTICAS
As principais características desta ação são as seguintes:
AÇÃO CAMBIAL
A ação de enriquecimento ilícito é cambial, por estar prevista na
Lei do Cheque e, para sua propositura, dispensa a prova da existência da
relação causal, bastando a simples exibição do cheque prescrito.
RITO
Sendo uma ação de conhecimento, o rito da ação de locupletamento é de livre escolha do credor: na justiça comum, pode ser manejada pelo
rito ordinário ou sumário – se o valor da ação for de até 60 salários mínimos (Código de Processo Civil, artigo 275, inciso I). Nos juizados especiais,
os requisitos são dois: o autor deve ser pessoa física (Lei nº 9.099/95, artigo
12 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Op. cit.
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Cobrança de Cheques Prescritos
8º, § 1º), microempresa ou empresa de pequeno porte (Lei Complementar
nº 123/2006, artigo 74; e o valor da causa deve ser de até 40 salários mínimos (Lei nº 9.099/95, artigo 3º, inciso I).
PRESCRIÇÃO
O prazo para se propor a ação é de dois anos, a contar da prescrição
da execução.
APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO CAMBIÁRIO
Questão que causa controvérsia na doutrina é a aplicabilidade dos
princípios da autonomia, abstração e da inoponibilidade de exceções a terceiro de boa-fé, este último consagrado pelo artigo 2513 da Lei do Cheque.
Fábio Ulhoa Coelho entende que tais princípios são aplicáveis:
Como a ação de enriquecimento indevido é cambial, se o demandante é
o endossatário do cheque e o demandado é o emitente, não poderá esse
último, na contestação, suscitar matérias pertinentes ao negócio originária
do título, matérias que, perante terceiros de boa-fé, não são oponíveis no
regime cambiário. Frise-se, entretanto, que se a demanda é promovida
pelo tomador contra o emitente, será lícito ao réu contestar o pleito discutindo a relação jurídica originária do título. Exemplo: se Antonio tomou
dinheiro emprestado de Benedito – agiota que cobra juros usurários –, e
procedeu ao pagamento do devido por cheques, que foram regularmente endossados a Carlos, terceiro de boa-fé, na ação de enriquecimento
indevido que o último promover contra aquele não será cabível contestar
a pretensão, discutindo a limitação legal dos juros. Mas se o cheque não
circulou, na ação de enriquecimento indevido que Benedito aforar contra
Antonio, será perfeitamente discutível o excesso de juros.14
Em sentido diametralmente oposto, está Gladston Mamede, entendendo que os princípios de Direito Cambiário não são aplicáveis a esta ação:
13 Art. 25 - Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador
exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores,
salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.
14 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito de empresa: empresa e estabelecimento; títulos de crédito. 12 ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 452-453.
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Trata-se de ação ordinária, de processo de conhecimento: prescrito o
cheque, não há mais falar em declaração unilateral de vontade, nem nas
garantias cambiais da autonomia, da independência e da abstração. A
pretensão se funda no negócio subjacente, impedindo que uma parte se
locuplete à custa da outra, ou seja, que se enriqueça indevidamente, causando correlato empobrecimento indevido no patrimônio do portador do
cheque. Diante desse quadro, não é mais o cheque, por si, a razão de ser
do procedimento judicial, mas o fato jurídico no qual foi emitido.15
A melhor solução, contudo, parece a dada por Fran Martins. Após
discorrer sobre as matérias de defesa na ação de execução, abordando o
artigo 25 da Lei do Cheque, o professor adotou o seguinte entendimento:
Nas ações de enriquecimento indevido não são aplicáveis estritamente
as normas acima enumeradas, já que tais ações fogem ao direito cambiário, integrando-se no direito comum. Assim, as exceções apontadas
podem ser opostas pelo réu ao autor, mas a defesa daquele não se
restringe apenas a tais exceções. Outros meios de prova poderão ser
arguidos e naturalmente, contestados pelo autor. Na ação de enriquecimento as provas são as mais amplas para ambas as partes, cabendo ao
juiz afinal sentenciar a respeito, reconhecendo o direito do autor ou do
réu, de acordo com as provas apresentadas, o seu convencimento e as
regras de direito.16
AÇÃO CAUSAL
FUNDAMENTO LEGAL
A ação causal, tal qual a de enriquecimento ilícito, é uma ação de
conhecimento, estando prevista na Lei do Cheque:
Art. 62 - Salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do nãopagamento.
15 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 4. ed. v. 3. São Paulo:
Atlas, 2008, p. 299.
16 MARTINS, Fran. Op. cit., p. 125.
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Cobrança de Cheques Prescritos
CARACTERÍSTICAS
A ação causal tem as seguintes características:
DEMONSTRAÇÃO DA CAUSA DEBENDI
Diferentemente da ação de locupletamento, para a propositura da
ação causal, é necessária a demonstração da relação fundamental, ou seja,
do negócio que deu origem ao cheque. O título, neste caso, serve apenas
como prova da inadimplência da relação fundamental.
OPÇÕES DO CREDOR
Sendo ação baseada na relação causal, existem duas opções para o
credor: manejar ação de cobrança, baseada na inadimplência do devedor
ou promover a ação causal propriamente dita, para discussão do negócio
fundamental.
A ação causal propriamente dita pode ser promovida a qualquer
tempo, inclusive enquanto o cheque ainda tiver força executiva. Os requisitos são os mesmos da ação de cobrança; os objetivos, contudo, são
outros: discutir a relação fundamental, promovendo seu desfazimento,
por exemplo.
Explica-se: o cheque, como qualquer título de crédito, é emitido em
caráter pro-solvendo, ou seja, não quita desde logo a obrigação fundamental; a obrigação somente se dará por satisfeita com a efetiva quitação do
título pelo banco sacado.
Exemplificando: Caio emite cheque a favor de Décio, para pagamento da compra de um computador. O título resta devolvido por falta
de provisão de fundos. Décio, enquanto o cheque não estiver prescrito,
pode executá-lo ou promover uma ação para desfazimento do negócio,
retomando o computador. Com a ocorrência da prescrição, Décio poderá
manejar ação de enriquecimento ilícito, ação de cobrança, monitória, ou,
ainda, a ação para desfazer a relação fundamental. O mesmo se dá em
cheque emitido para pagamento de aluguéis: o locador terá as mesmas
opções de cobrança ou, a qualquer momento, poderá ingressar com ação
de despejo contra o locatário.
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RITO
A ação de cobrança pode seguir qualquer dos ritos descritos na ação
de locupletamento.
PRESCRIÇÃO
O prazo prescricional da ação causal é o mesmo da obrigação que
deu origem ao título, devendo o prazo ser contado a partir de quando a
obrigação é exigível e, não, da prescrição do cheque. Não havendo prazo
inferior previsto por lei, a prescrição da ação causal dar-se-á em 10 anos
(Código Civil, artigo 205).
Inúmeras são as hipóteses previstas no artigo 206 de nosso estatuto civil que preveem prazos menores de prescrição. Por exemplo, se o
cheque foi dado em pagamento de: refeição consumida em restaurante,
o prazo é de um ano (§ 1º, inciso I); prestação alimentar, dois anos (§ 2º);
aluguel ou reparação civil, três anos (§ 3º, incisos I e V); contrato, honorários advocatícios ou custas processuais, cinco anos (§ 5º, inciso I, II e III).
A prescrição de título de crédito, prevista no § 3º, tem pouca aplicação
prática, na medida em que as leis especiais, em geral, dispõem sobre a
prescrição dos títulos de crédito.
CONTRA QUEM PODE SER PROPOSTA
Regra geral, o portador do cheque poderá ingressar com a ação causal
somente contra o coobrigado com quem teve relação direta. Assim, o tomador
poderá ingressar contra o emitente, fazendo prova de sua relação negocial
com ele; o endossatário, contudo, somente poderá acionar o endossante, pessoa com quem teve relação imediata, não podendo ingressar contra o emitente, salvo se fizer prova da relação entre este e o endossante.
AÇÃO MONITÓRIA
FUNDAMENTO LEGAL
A ação monitória está prevista nos artigos 1102-A a 1102-C do Código de Processo Civil.
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Cobrança de Cheques Prescritos
CARACTERÍSTICAS
As principais características da ação monitória são as seguintes:
FUNÇÃO
A ação monitória tem como função principal, segundo Mandrioli , “eliminar a complexidade do juízo ordinário de conhecimento derivada das exigências do contraditório”. Assim, na lição de Humberto
Theodoro Júnior:
17
[...] o procedimento se desdobra em duas fases: na primeira fase, o
juiz, sem contraditório e de maneira rapidíssima, verifica o conteúdo
do pedido e a prova do autor, deferindo, se for o caso, a expedição
do mandado de pagamento, inaudita altera parte. Na segunda fase,
fica assegurada ao réu a iniciativa de abrir o pleno contraditório sobre
a pretensão do autor, eliminando, dessa forma, todo e qualquer risco
de prejuízo que possa ter-lhe provocado a sumariedade de cognição
operada na primeira fase.18
DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAR A CAUSA DEBENDI
Ao contrário do que ocorre com a ação causal, não é necessária, quando da propositura da ação, a demonstração da relação fundamental (causa debendi). Um cheque prescrito enquadra-se no conceito
de “prova escrita sem eficácia de título executivo”, previsto no artigo
1.102-A do CPC. Nesse sentido, está a Súmula 299 do Superior Tribunal
de Justiça.19
17 MANDRIOLI, Crisanto. Corso de Diritto Processuale Civile. 8.ed. Torino: Giapichelli Editore,
1991, v. 3, apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 17. ed. v. 3.
Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 381.
18 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 17.ed. v. 3. Rio de Janeiro:
Forense, 1996, p. 381.
19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador: Segunda Seção. Súmula nº 299: É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito. Data do julgamento: 18 out. 2004.
Publicação: Diário de Justiça, 22 nov. 2004, p. 425. Jurisprudência disponível em <www.stj.jus.
br>. Acesso em 22 mar. 2009.
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CITAÇÃO E PAGAMENTO
O réu é citado para que pague a quantia determinada, no prazo de
15 dias (CPC, artigo 1.102-B). Caso cumpra o mandado, de acordo com
o disposto no artigo 1.102-C, § 1º, “ficará isento de custas e honorários
advocatícios”.
EMBARGOS MONITÓRIOS
No mesmo prazo de 15 dias, o réu poderá interpor embargos monitórios, hipótese em que deflagrará o contraditório, seguindo o processo obrigatoriamente pelo rito ordinário (CPC, artigo 1.102-C, § 2º). Os embargos monitórios têm natureza de verdadeira contestação, devendo o réu trazer aos autos
“prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” (CPC,
art. 333, II). Sobre o tema, bastante precisa é a lição de Gladston Mamede:
Dessa forma, o título prescrito implicará presunção relativa (iuris tantum)
da existência do crédito, sem que se exija do autor digressão e prova sobre o negócio fundamental. A inserção desta relação jurídica de base na
discussão deverá ser feita pelo réu, por meio de impugnação, apontando
defeitos e vícios, podendo alegar questões como a prescrição.20
REVELIA
Se ocorrer a revelia, “constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo”
(CPC, artigo 1.102-C, caput).
RITO
Conforme exposto, uma vez embargada, a monitória deve seguir
pelo rito ordinário. Esta ação é efetivamente vantajosa para créditos superiores a 60 salários mínimos, na medida em que não é possível a propositura de ação de cobrança pelo procedimento sumário – ou sumaríssimo,
dos juizados especiais.
20 MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 180.
46
Cobrança de Cheques Prescritos
A ação monitória não deve ser proposta nos juizados especiais, por
incompatibilidade de ritos; uma vez interposta, contudo, o juiz deverá,
ante os princípios informadores dos juizados especiais (simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual), recebê-la como uma mera
reclamação, seguindo o próprio dos juizados (o réu será citado para comparecer à audiência de conciliação e, não, para pagar). Note-se que se o
cheque estiver prescrito há menos de dois anos, apto, portanto, para a
ação de enriquecimento ilícito (Lei do cheque, artigo 61), o título será prova suficiente para a propositura da ação; caso a prescrição tenha alcançado
até a ação de locupletamento injusto, o autor deverá fazer prova da relação
fundamental (causa debendi), sob pena de inépcia da inicial.
PRESCRIÇÃO
Não existe jurisprudência firmada sobre a prescrição da ação monitória, alguns entendendo que o prazo seria de dez anos (Código Civil, artigo 205); outros entendem que a ação prescreveria em cinco anos (Código
Civil, artigo 206, § 5º, I) ou, ainda, em três anos (Código Civil, artigo 206, §
3º, IV ou VIII). Analisemos caso a caso:
a) 10 anos (Código Civil, artigo 20521) – o próprio dispositivo legal
estabelece que a prescrição decenária somente será aplicada quando a lei
não fixar prazo menor. Conforme veremos a seguir, o artigo 206 estabelece
diversas hipóteses de prescrição passíveis de enquadramento, o que afasta
a incidência do artigo 205.
b) 3 anos (Código Civil, artigo 206, § 3º, IV22) – o fundamento da
ação monitória seria o enriquecimento sem causa (Código Civil, artigo 884)
do emitente ou do endossante. Entendemos que o dispositivo legal não
pode ser aplicado porque a Lei do Cheque já estabelece o prazo de dois
anos para a ação de enriquecimento ilícito, conforme já visto, além de o
artigo 886 do Código Civil claramente dispor: “Não caberá a restituição por
enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir
do prejuízo sofrido”.
21 Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
22 Art. 206. Prescreve:
§ 3º - Em três anos:
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
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c) 3 anos (Código Civil, artigo 206, § 3º, VIII23) – o dispositivo legal
cuida apenas da prescrição executiva dos títulos de crédito em que a lei especial não estipulou prazo prescricional, não podendo ser aplicado à ação
monitória. Ademais, com a ocorrência da prescrição, o cheque não mais
pode ser considerado como título de crédito, sendo mero início de prova.
d) 5 anos (Código Civil, artigo 206, § 5º, I24) – para propositura da
ação monitória, cheque prescrito equivaleria a “prova escrita sem eficácia
de título executivo” (CPC, artigo 1102-A). A indagação está em saber se
igualmente está enquadrado no conceito de “dívida líquida constante de
instrumento particular”, previsto no artigo em comento.
Não há dúvida de que o cheque, mesmo prescrito, contém a expressão de uma “dívida líquida”, além de ser documento “particular”. Resta
saber se tal documento seria um instrumento. Othon Sidou define cheque
como sendo “instrumento de exação”25. Segundo Houaiss, “instrumento” é
“qualquer título, auto, documento escrito, que serve para fazer constar fato
ou convênio de que derivam consequências jurídicas”26.
Não restam dúvidas, portanto, de que a propositura de ação monitória fundada em cheque sem força executiva prescreve em cinco anos, a
contar da data da emissão do título. Se, porém, o réu, em embargos monitórios, carrear ao processo a prova da relação fundamental, a prescrição da
ação monitória dar-se-á no mesmo prazo dessa relação.
CONCLUSÕES
O cheque é título executivo extrajudicial e como tal deve ser utilizado. Inúmeras são as vantagens em não deixá-lo prescrever: maior rapidez
e eficácia do processo de execução, cabimento de juros moratórios e legalidade de protestar o título.
23 Art. 206. Prescreve:
§ 3º - Em três anos:
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial.
24 Art. 206. Prescreve:
§ 5º - Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.
25
SIDOU, J. M. Othon. Do cheque. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 28.
26 HOUAISS, Antonio, VILLAR, M. S.. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Disponível em
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm>. Acesso em 25 fev. 2009.
48
Cobrança de Cheques Prescritos
Ocorrendo, porém, a prescrição, existe a possibilidade de o credor
receber seu crédito através de ação de enriquecimento ilícito, ação causal
ou, ainda, ação monitória. A opção por cada uma dessas ações deve levar
em conta o valor do título, a prova da relação fundamental, a qualidade do
credor e o rito processual.
BIBLIOGRAFIA
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