VIDA & SAÚDE 4 n Sábado e domingo, 3 e 4 de maio de 2003 n JORNAL DO POVO t SAÚDE DA CRIANÇA Brilho no olho revela tumor infantil Marcelo Aurélio, de 38 anos, ficava admirado com a beleza dos olhos castanhos e meio claros da filha, mas não notou o reflexo, sinal de um tumor, o retinoblastoma, causado por alterações nas células da retina, o filme fotográfico do olho, membrana sensível à luz. O médico conta que a doença foi descoberta porque sua mulher decidiu levar a garota ao oftalmologista para uma avaliação geral. Quando fomos alertados para o sinal que aparece nas fotos, fomos revê-las. Em todas, havia mais de seis meses, minha filha já apresentava aquele halo branco. Talvez, se tivéssemos percebido, ela não teria perdido o olhinho. Quase 40% dos casos de retinoblastoma de países em desenvolvimento, como o Brasil, só são detectados quando o tumor já se espalhou para fora do olho e é mais difícil de tratar. A Associação Brasileira para Crianças com Tumor Cerebral (Tucca) lançou em São Paulo uma campanha para que os pais levem os filhos o mais cedo possível para fazer exames oftalmológicos e se atenham a qualquer brilho ou mancha esbranquiçados nos olhos das crianças, um dos principais sinais da doença. Diagnóstico precoce pode garantir a cura DIVULGAÇÃO JP Como detectar o mal antes que seja muito tarde Como verificar a doença A melhor maneira de verificar se há a doença é observar fotos tiradas em locais não muito claros, quando o flash é jogado diretamente sobre os olhos e dilata a pupila. Dificilmente o retinoblastoma causa dores. O déficit de visão só pode aparecer muito tarde. Como o fundo do olho é vermelho quando está normal, a mancha branca serve de alerta. Pode ser evidência de uma série de outras doenças. Mas também pode ser o câncer que, quando detectado nesse estágio, permite a conservação do olho em cerca de metade dos casos. Apesar de raro, o retinoblastoma é extremamente agressivo, afirma Martha Motono Chojniak, diretora do Departamento de Oftalmologia do Hospital do Câncer de São Paulo. O ideal seria que toda criança fizesse um exame de fundo de olho o mais cedo possível, diz a oftalmologista Clélia Maria Erwenne, chefe do setor de oncologia ocular do Instituto da Visão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os exames oftalmológicos podem ser feitos a partir do primeiro dia de vida da criança. Aquelas com histórico do câncer na família precisam fazer uma avaliação no primeiro mês. A campanha também traz um alerta para oftalmologistas e pediatras. O aviso, para os primeiros, é para que não hesitem em dilatar a pupila da criança para examinar o fundo do olho. Clélia diz que muitos pais pedem que o profissional evite a dilatação por causa do ardor causado por colírios. O pediatra pode fazer uma avaliação simples, com uma lanterna, e encaminhar casos suspeitos. SAIBA MAIS SOBRE O RETINOBLASTOMA É o tumor intra-ocular maligno mais freqüente nas crianças DIAGNÓSTICO n Nos Estados Unidos, a maioria é diagnosticado antes que se espalhe e atinja outras áreas além do olho. No Brasil, o diagnóstico é tardio: em quase 40% dos casos o tumor já se espalhou para outras áreas SINAIS n O reflexo esbranquiçado no olho deve ser investigado pelo médico. Pode ser detectado em fotografias da criança n Estrabismo e mudança na cor dos olhos são outros sinais que podem aparecer 400 novos casos são registrados no Brasil por ano O retinoblastoma pode levar à perda do olho e evoluir para um tumor cerebral se não for descoberto a tempo. De acordo com Clélia Maria Erwenne, da oncologia ocular da Unifesp, o objetivo da campanha é dobrar as chances de conservação do olho, hoje de cerca de 50%, quando a mancha é descoberta. Segundo Martha Motono Chojniak, diretora do Departamento de Oftalmologia do Hospital do Câncer de São Paulo, em até 35% dos casos o retinoblastoma é hereditário. Nesses casos, costuma atacar os dois olhos e causar várias lesões. Quando não é hereditário, costuma atingir apenas um dos olhos. Mães que tiveram retinoblastoma têm 40% de chance de ter um filho com a doença. O tratamento do retinoblastoma pode associar a quimioterapia a procedimentos como aplicações de laser e congelamento. De acordo com Clélia, a doença é controlável em até 80% dos casos, apesar de, em alguns deles, ser necessária a retirada do olho. Segundo ela, apesar de algumas lacunas, a rede de saúde pública e privada está preparada para receber os casos. Apenas tratamentos mais sofisticados, como a braquiterapia (que utiliza placas radioativas especiais), são disponíveis em poucos centros.