Leishmaniose Tegumentar Americana Aspectos Clínicos Doença parasitária da pele e mucosas, de caráter pleomórfico, causada por protozoários do gênero Leishmania. A doença cutânea apresenta-se classicamente por pápulas, que evoluem para úlceras com bordas elevadas e fundo granuloso, que podem ser únicas ou múltiplas e são indolores. Também pode manifestar-se como placas verrucosas, papulosas, nodulares, localizadas ou difusas. A forma mucosa, secundária ou não à cutânea, caracteriza-se por infiltração, ulceração e destruição dos tecidos da cavidade nasal, faringe ou laringe. Quando a destruição dos tecidos é importante, podem ocorrer perfurações do septo nasal e/ou do palato. Sinonímia - Úlcera de Bauru, nariz de tapir, botão do oriente. Aspectos Epidemiológicos A Leishmaniose Tegumentar Americana é uma doença infecciosa causada por protozoários do gênero Leishmania, que acomete pele e mucosas. É uma zoonose em franca expansão geográfica no Brasil, sendo uma das infecções dermatológicas mais importantes, não só pela freqüência, mas principalmente pelas dificuldades terapêuticas, deformidades e seqüelas que pode acarretar. Ela vem ocorrendo de forma endêmicoepidêmica apresentando diferentes padrões de transmissão, relacionados não somente à penetração do homem em focos silvestres, freqüentemente em áreas de expansão de fronteiras agrícolas. Tem-se evidenciado a ocorrência da doença em áreas de colonização antiga. Nestas, tem-se discutido a possível adaptação dos vetores e parasitas a ambientes modificados e reservatórios. É importante problema de saúde pública pela sua magnitude, transcendência e pouca vulnerabilidade às medidas de controle. Agente Etiológico: há diferentes subgêneros e espécies de Leishmanias, sendo as mais importantes no Brasil: Leishmania (Leishmania) amazonensis: distribuída pelas florestas primárias e secundárias da Amazônia (Amazonas, Pará, Rondônia e sudoeste do Maranhão), particularmente em áreas de igapó e de floresta tipo "várzea". Sua presença amplia-se para o Nordeste (Bahia, Ceará, Piauí), Sudeste (Minas Gerais) e Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso). Leishmania (Viannia) guyanensis: aparentemente limitada ao norte da Bacia Amazônica (Amapá, Roraima, Amazonas e Pará) e estendendo-se pelas Guianas, é encontrada principalmente em florestas de terra firme - áreas que não se alagam no período de chuvas. Leishmania (Viannia) braziliensis: tem ampla distribuição - do sul do Pará ao Nordeste, atingindo também o centro-sul do país e algumas áreas da Amazônia Oriental. Na Amazônia, a infecção é usualmente contraída em áreas de terra firme. Além destas, existem outras espécies de Leishmania recentemente descritas: L.(V) lainsoni; L. (V) naiffi, com poucos casos humanos no Pará; L.(V) shawi encontradas nos estados do Pará e Maranhão. Reservatório: varia conforme a espécie da Leishmania: Leishmania (Leishmania) amazonensis: marsupiais e, principalmente, o roedor "ratosóia" (Proechymis), além do Oryzomys. Leishmania (Vianna) guyanensis: vários mamíferos foram identificados como hospedeiros naturais, tais como a preguiça (Choloepus didactylus), o tamanduá (Tamanduá tetradactyla), marsupiais e roedores. Leishmania (Viannia) braziliensis: até o momento não se conseguiu identificar definitivamente nenhum animal silvestre como reservatório; no entanto, é freqüente o encontro de várias espécies domésticas albergando, em proporção expressiva, o parasita, como o cão (Ceará, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo), eqüinos e mulas (Ceará, Bahia e Rio de Janeiro) e roedores domésticos ou sinantrópicos (Ceará e Minas Gerais). Modo de Transmissão: o modo de transmissão é através da picada de várias espécies de flebotomíneos (mosquito palha, cangalhinha, tatuquira etc), pertencentes a gêneros (Lutzomyia), dependendo da localização geográfica. Assim como os reservatórios, os vetores também mudam de acordo com a espécie de Leishmania: Leishmania (L) amazonensis: os vetores são Lu. flaviscutellata, Lu. reducta e Lu. olmeca nociva (Amazonas e Rondônia), que têm hábitos noturnos, vôo baixo e são pouco antropofílicos. Leishmania (V) guyanensis: os vetores são Lu. anduzei, Lu. whitmani e Lu. umbratilis que é o principal vetor, costumando pousar durante o dia em troncos de árvores e atacar o homem em grande quantidade quando perturbado. Leishmania (Viannia) braziliensis: em área silvestre o único vetor demonstrado transmissor foi o Psychodopigus wellcomei, encontrado na Serra dos Carajás, altamente antropofílico, picando o homem mesmo durante o dia e com grande atividade na estação das chuvas. Em ambientes modificados, rural e peri domiciliar, são mais freqüentemente implicadas a Lu. whitmani, Lu. intermedia, Lu. migonei. Período de Incubação: em média, de 1 mês, pode ser mais curto (2 semanas) ou mais longo (de 6 a 12 meses). Distribuição: a LTA encontra-se, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre as seis doenças infecto-parasitárias de maior importância. Distribui-se amplamente no continente americano, estendendo-se do sul dos Estados Unidos até o norte da Argentina. No Brasil, tem sido assinalada em praticamente todos os estados, constituindo, portanto, uma das afecções dermatológicas que merece maior atenção. Na década de 50, houve uma diminuição geral da ocorrência da LTA, porém o número de casos vem crescendo progressivamente nos últimos 20 anos, descrevendo-se surtos nas regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul (estado do Paraná), caminhando para ampla endemicidade. Surtos são associados à derrubada de matas para construção de estradas e criação de povoados em regiões pioneiras. Desta forma, a Leishmaniose Tegumentar é, fundamentalmente, uma zoonose de animais silvestres, que pode atingir o homem ao entrar em contato com os focos zoonóticos. Neste caso o maior número de acometidos é de adultos jovens, do sexo masculino, que desempenham atividades de risco (garimpo, desmatamento, atividades extrativistas), nas regiões Norte e Centro-Oeste. Também ocorrem casos de Leishmanioses em outras regiões do país em áreas de colonização antiga, não associadas à derrubada de matas. Neste padrão, cães, eqüinos e roedores parecem ter papel importante como reservatórios do parasito. O perfil dos pacientes apresenta mudanças, atingindo pessoas de todos os sexos e idades. Em 10 anos - 1987 a 1996, foram notificados em média 28.000 casos anuais de Leishmaniose Tegumentar Americana. Diagnóstico Laboratorial Diagnóstico - Suspeita clínico-epidemiológica associada a dados laboratoriais. Exame parasitológico direto, através de exame do aspirado da borda da lesão, ou “in-print” feito com o fragmento da biópsia; histopatologia, intradermorreação, reação de MontenegroIRM. Sorologia pode ser útil. Diagnóstico diferencial - Forma cutânea: úlceras traumáticas, úlceras vasculares, úlcera tropical, paracoccidioidomicose, esporotricose, cromomicose, neoplasias cutâneas, sífilis e tuberculose cutânea. Forma mucosa: hanseníase virchowiana, paracoccidioidomicose, sífilis terciária, neoplasias. Tratamento Os medicamentos citados estão em ordem de prioridade para uso: a) Forma cutânea: antimonial de N-metil-glucamina, 20mg/Sbv /kg/dia, por 20 dias; pentamidina, 4mg/kg, IM, a cada 2 dias, até completar no máximo 2g de dose total (aplicar após alimentação e fazer repouso em seguida); anfotericina B, 0,5mg/kg/dia, IV, aumentando-se 1mg/kg em dias alternados (máximo de 50mg/dia), até atingir dose total de 1 a 1,5g. b) Forma mucosa: antimonial de N-metil-glucamina, 20mg/Sbv/kg/dia, por 30 dias consecutivos; pentamidina, no mesmo esquema para forma cutânea, até atingir dose total de 2g; anfotericina B, conforme esquema para forma cutânea, até completar, se possível, 2g de dose total. Características epidemiológicas - No Brasil, tem caráter endêmico e já pode ser encontrada praticamente em todos os estados. A LTA é uma zoonose de animais silvestres que atinge o homem quando entra em contato com focos zoonóticos, áreas de desmatação, extrativismo. Houve mudança no perfil dos pacientes afetados; inicialmente, eram adultos jovens do sexo masculino e passaram a ser pessoas de todas as idades e sexos. A literatura já traz vários casos de LTA associados à aids. Medidas de Controle Medidas de Atuação na Cadeia de Transmissão: em virtude das características epidemiológicas peculiares da LTA, as estratégias de controle devem ser flexíveis e distintas, adequadas a cada região ou foco particular. A diversidade de agentes, de reservatórios, de vetores, de situações epidemiológicas, aliada ao conhecimento ainda insuficiente sobre vários desses aspectos, evidencia a complexidade do controle. Para a seleção de estratégias adequadas a cada região geográfica deverá ser considerada a análise epidemiológica dos dados referentes a: notificação dos casos humanos quanto à forma clínica, sexo, idade, ocupação e procedência ; estudos entomológicos para definir as espécies vetoras, sua dispersão, graus de antropofilia e exofilia, infecção natural; estudos parasitológicos para definir a espécie do agente etiológico circulante no foco; e estudos ecológicos para determinação dos reservatórios animais envolvidos. As ações resultantes dessa análise têm como objetivo: diagnóstico precoce e tratamento adequado dos casos humanos cuja competência é da rede básica de saúde, através do atendimento à demanda passiva, notificações e busca ativa em áreas de maior morbidade ou onde o acesso da população à rede é dificultado por diversos fatores; e redução do contato homem-vetor através de aplicação do inseticida, medidas de proteção individual e controle de reservatórios. Aplicação do Inseticida: o emprego de inseticidas contra os flebótomos é praticável em situações de transmissão peridomiciliar, domiciliar caracterizada por notificação de 1 ou mais casos autóctones em crianças menores de 4 anos residentes em áreas urbanas e periurbanas e em certas áreas rurais onde haja concentração populacional exposta. Nas áreas florestais este método é impraticável. A formulação do inseticida a ser utilizado e a época mais adequada para sua aplicação deverão ser orientados pelos estudos entomológicos, considerando, ainda, fatores biológicos, ambientais e climáticos. Medidas de Proteção Individual: meios mecânicos através do uso de mosquiteiros simples ou impregnados com inseticida específico (em fase de experiência), telas finas em portas e janelas, uso de repelentes, uso de camisas de manga comprida, calças compridas, meias e sapatos (de difícil adoção nas regiões de clima quente e úmido). Em áreas de risco, para assentamento de populações humanas, tem sido sugerida uma faixa de segurança de 200 a 300 metros entre as residências e a floresta. Entretanto, uma faixa dessa natureza teria que ser muito bem planejada para evitar erosão e outros problemas decorrentes do desequilíbrio ambiental, no caso de desmatamento. Controle de Reservatórios: há necessidade de realização de estudos para melhor evidenciação dos papéis dos reservatórios no ambiente peri e intra domiciliar. A identificação dos prováveis reservatórios, quando domésticos (cães e eqüinos), é necessária para sua eliminação ou manutenção dos mesmos em lugares limpos e afastados das habitações humanas. Não se orienta o combate aos reservatórios silvestres conhecidos. Medidas Educativas: as atividades de educação em saúde devem estar inseridas em todos os serviços que desenvolvem as ações de controle da LTA, requerendo o envolvimento efetivo das equipes multiprofissionais e multi-institucionais com vistas ao trabalho articulado nas diferentes unidades de prestação de serviços. Medidas Administrativas: as ações de controle da Leishmaniose Tegumentar devem ser alvo de uma programação contínua que tenha como objetivo: o diagnóstico do doente, através do atendimento de demanda, fornecimento de insumos para diagnóstico complementar, investigação de focos e recebimento de notificações; orientação terapêutica padronizada, com o fornecimento de medicação e acompanhamento do doente, e a investigação epidemiológica dos focos e adoção de medidas profiláticas pertinentes. No momento atual, o gerenciamento das atividades de controle da LTA mencionadas deve considerar: Definição de responsabilidade das instituições de saúde nos diferentes níveis: as ações de controle dirigidas ao doente são desenvolvidas pela rede básica de saúde do SUS, que deve ir incorporando, progressivamente, as atividades relacionadas a vetores, reservatórios e busca ativa de casos. A Coordenação Nacional de Dermatologia Sanitária é responsável pela coordenação das ações do Programa de Controle da Leishmaniose Tegumentar, tendo em vista que as principais atividades são diagnóstico, tratamento, vigilância epidemiológica e promoção em saúde. Como o controle da doença envolve outras áreas afins, realiza-se uma articulação com a Coordenação de Controle de Doenças Transmitidas por Vetores, Coordenação Nacional de Controle de Zoonoses e Acidentes por Animais Peçonhentos na implementação das ações do Programa. A Fundação Nacional de Saúde (FNS) vem-se responsabilizando por todas as atividades de vigilância epidemiológica não só de leishmaniose visceral, como também da leishmaniose tegumentar, em todos os níveis. Entretanto, o processo de descentralização, em andamento no Sistema Único de Saúde (SUS), impõe a revisão das atribuições de cada instituição, com vistas a uma atuação conjunta e hierarquizada. As Secretarias de Saúde Estaduais e Municipais devem assumir suas funções de vigilância epidemiológica dos agravos prevalentes, assim como coordenar, planejar e programar as ações de assistência aos portadores de leishmanioses. Insumos: a aquisição e distribuição de insumos diagnósticos e terapêuticos devem ser descentralizadas para estados e municípios de acordo com as novas diretrizes do SUS. Vacina: com relação à utilização da vacina para LTA, quer para imunoprofilaxia, quer para imunoterapia, em virtude dos resultados apresentados até o momento não serem conclusivos, sua utilização no território nacional fica condicionada à demonstração da eficácia pelas pesquisas em andamento.