possibilidades de atuação do psicólogo no contexto escolar

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POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
NO CONTEXTO ESCOLAR
Elidiane Maria Trevisan1
Celso Francisco Tondin2
Resumo: A presença da Psicologia, como área de conhecimento, pode ser constatada, no
contexto educacional brasileiro, desde a primeira metade do século XIX. Como intervenção,
as primeiras práticas da Psicologia neste contexto, a partir de 1930, estiveram relacionadas à
Psicologia Clínica, motivada por preocupações com o atendimento a crianças com problemas
de aprendizagem. A partir 1980, surgiram críticas ao trabalho clínico do psicólogo na escola,
denotando a necessidade de análise profunda da realidade educacional e de posicionamento
político em relação à Educação e ao papel social da Psicologia. Visando superar os processos
de culpabilização dos alunos pela psicologização e patologização dos problemas educacionais,
foi realizado, no ano de 2012, o Estágio Acompanhado em Psicologia no Contexto Escolar em
uma escola da rede municipal de Xanxerê - SC, no qual aconteceram atividades de “Plantão
Institucional”, grupos de professoras e grupo de alunos.
Palavras Chaves: Estágio; Psicologia Escolar; Plantão Institucional; grupo de professores;
grupo de alunos.
Introdução
A presença da Psicologia, como área de conhecimento instituído, pode ser constatada,
no contexto educacional brasileiro, desde a primeira metade do século XIX (YAZLLE, 1997).
Exatamente como intervenção no âmbito educacional, as primeiras práticas da Psicologia, a
1
2
Graduada em Psicologia pela Universidade Comunitária da região de Chapecó – Unochapecó (2013).
Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1991), mestrado em Psicologia
pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001) e doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (2013). Atualmente é professor da Universidade Comunitária da Região de
Chapecó, no Programa de Pós-Graduação em Educação (linha de pesquisa 2: Desigualdades Sociais,
Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas) e nos Cursos de Graduação em Psicologia e em Educação
Especial. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia e Educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: psicologia escolar, políticas públicas, violências e escolas, dificuldades no processo de
escolarização. Orientador do estágio acompanhado em Psicologia no contexto escolar em 2012.
partir dos anos 1930, estiveram relacionadas à Psicologia Clínica, visto a origem em
preocupações com o atendimento a crianças que apresentavam problemas de aprendizagem,
favorecendo assim, o enraizamento da Psicologia na realidade do campo educacional
(ANTUNES, 2008). Portanto, para Yazlle (1997), a Psicologia Escolar como área profissional
específica se caracterizou pela psicologização das questões educacionais, possibilitando
práticas individualizadas e ajustatórias, que enfatizam o saber biomédico sobre os processos
de aprendizagem, com procedimentos medicamentosos para a solução dos problemas
escolares. Porém, especialmente a partir da década de 1980 surgiram muitas críticas ao
trabalho clínico do psicólogo no âmbito escolar.
A partir dessas críticas, segundo Meira (2003), surgiu a necessidade de se analisar a
realidade educacional brasileira e assumir um posicionamento político em relação à Educação
e ao papel social da Psicologia. Sendo assim, autores como Patto, Khouri, Urt, Antunes,
Ferreira e Almeida iniciaram discussões sobre as transformações necessárias à Psicologia
Escolar, com o objetivo de buscar pressupostos críticos quanto à concepção de homem e
referente às relações entre a escola e a sociedade no contexto histórico do capitalismo.
Dessas reflexões iniciais, ainda segundo Meira (2003), houve a necessidade de
rompimento com o modelo clínico de atuação do psicólogo escolar, pois este modelo vinha
sustentando os processos de culpabilização dos alunos pela psicologização e patologização
dos problemas educacionais. Sendo assim, no final da década de 1980 e início da década de
1990, surgiram publicações que buscaram compreender as maneiras pelas quais as
dificuldades escolares, sobretudo em crianças pobres que frequentavam a escola pública, são
produzidas pelas condições e práticas escolares ineficientes e preconceituosas. Autores como
Patto, Campos, Souza, Massimi, Collares e Moysés, entre outros, fazem parte da lista de
autores que buscaram estas explicações em seus estudos. Dessa maneira, para que o psicólogo
escolar possa desenvolver práticas criticamente comprometidas é necessário “a compreensão
do fracasso escolar a partir de uma análise aprofundada do fenômeno educacional como
síntese de múltiplas determinações e que se situa em um contexto histórico concreto”
(MEIRA, 2003, p. 27).
Esta autora formula ainda, que é a partir da compreensão das possibilidades de
desenvolvimento de todos os envolvidos na educação que poderão emergir os caminhos que o
psicólogo escolar poderá trilhar com as crianças, as famílias e as escolas para fazer com que
histórias escolares que estão cristalizadas por rótulos resultantes de queixas, possam ser
descristalizadas em direção à superação das dificuldades.
Partindo deste referencial, o Estágio Acompanhado em Psicologia no Contexto Escolar
I e II é uma atividade que está vinculada à prática de ensino/aprendizagem prevista nos
componentes curriculares de igual nome que compõem o 7º e 8º períodos do Curso de
Psicologia da grade 298 da Universidade XXX [omissão para manutenção do anonimato
perante os avaliadores do Prêmio]. Esta prática é obrigatória para todos os acadêmicos de
Psicologia, sendo de suma importância, pois ela os proporciona vivenciar a articulação com as
teorias estudadas no Curso e o contato com a realidade social, através da relação com sujeitos
e o cotidiano deles.
O referido estágio foi desenvolvido em uma escola da rede municipal de educação de
Xanxerê, no estado de Santa Catarina. Com base em observações, leitura de documentos da
escola, análise de questionários aplicados a professores, funcionários, direção e alunos da 4ª e
5ª séries da escola, acreditamos que a Psicologia contribuiu com este local, propiciando
elementos para alcançar o objetivo principal de compreender e discutir os processos
educativos/escolares, relacionando-os com as possibilidades de intervenção do psicólogo no
contexto escolar, em uma perspectiva de atendimento em rede, planejando e intervindo
profissionalmente neste contexto.
Este estágio teve ainda, como objetivos específicos, realizar a modalidade de “Plantão
Institucional” (MACHADO, 2007), a fim de possibilitar um espaço de fala e de interlocução
para profissionais e alunos, visando ao enfrentamento das dificuldades que emergem no
campo educativo; possibilitar reflexão sobre o significado que cada educador/professor atribui
ao seu trabalho, como também aos conceitos de saúde e saúde do trabalhador, visando
construir estratégias para ressignificar o sentido do trabalho atribuído por eles; discutir
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010) com as
professoras desta etapa da Educação Básica, visando refletir sobre a prática escolar; discutir
aspectos psicomotores da criança com até seis anos de idade com os profissionais da
Educação infantil, oferecendo subsídios ao processo de ensino e aprendizagem; e contribuir
para que uma turma de 5ª série pudesse pensar sobre a construção de sua identidade e se
reconhecer como grupo, buscando movimentos de ressignificação de sua identidade e da
relação entre alunos e professores.
Neste trabalho, apresentaremos o local onde foi realizado o estágio, descrevendo
alguns elementos da história do estabelecimento, seus aspectos físicos, seus recursos
econômicos, a caracterização dos usuários, os setores e equipes, a estrutura organizacional e
os projetos/atividades desenvolvidos no espaço. Além disso, descreveremos as atividades
desenvolvidas durante o estágio, apresentando a proposta de trabalho, a descrição do
desenvolvimento das atividades (o que foi feito? Como foi feito?), o público envolvido nas
diferentes etapas e os recursos utilizados. Além disso, por meio de um memorial,
descreveremos como foi o desenrolar das atividades e os desafios encontrados.
Apresentação do local e condições nas quais a atividade de estágio aconteceu
A escola da rede municipal de Xanxerê-SC possui uma estrutura física de 907,97m²,
contando com oito salas de aula com 48m², um laboratório de informática, uma sala de
professores, uma cozinha com despensa, uma biblioteca, uma lavanderia, uma secretaria com
sala da diretora, um banheiro masculino contendo sete sanitários e um banheiro feminino
contendo cinco sanitários e um sanitário para pessoas com necessidades especiais
(cadeirantes). A escola possui ainda, um parque para uso de crianças de até 10 anos de idade,
que mede 29,75m², e possui uma quadra de esportes com aproximadamente 800m².
Quanto aos recursos econômicos, a escola é mantida pela Prefeitura Municipal de
Xanxerê, através da Secretaria de Educação, que é responsável pelas despesas com
funcionários, material didático, material de manutenção, entre outras. Também são
disponibilizados à escola recursos provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), cujos recursos financeiros vêm em nome da Associação de Pais e
Professores (APP), que destina certos valores, a partir de solicitações dos professores, para
atendimento de algumas necessidades da escola. A escola realiza ainda a tradicional Festa
Junina, entre outras promoções, como rifas, para gerar fundos para pagamento de despesas
atípicas, que não são cobertas pelos recursos disponibilizados pela Secretaria de Educação e
pelo FNDE.
A escola, no ano de 2012, tinha 276 alunos, que recebiam os serviços de Educação
Básica, nas modalidades da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Dessa forma, o préescolar I atendia 14 alunos de cinco anos de idade, no período vespertino; o pré-escolar II
atendia 30 alunos de seis anos de idade, no período vespertino, divididos em duas turmas com
15 alunos em cada uma; a 1ª série do ensino fundamental atendia 24 alunos de sete anos de
idade, no período vespertino, a 2ª série do ensino fundamental atendia 22 alunos de oito anos,
no período vespertino; a 3ª série do ensino fundamental atendia 29 alunos de nove anos, no
período vespertino; a 4ª série atendia 27 alunos, divididos em duas turmas, sendo que a 4ª
série 1 funcionava no período vespertino, com 13 alunos, e a 4ª série 2 no período matutino,
com 14 alunos; a 5ª série atendia 31 alunos divididos em duas turmas, sendo que a 5ª série 1
atendia 17 alunos, no período vespertino, e a 5ª série 2 atendia 14 alunos, no período
matutino; a 6ª série atendia 26 alunos, no período matutino; a 7ª série atendia 29 alunos
divididos em 7ª série 1, com 14 alunos, e 7ª série 2, com 15 alunos, ambas no período
matutino; e a 8ª série atendia 28 alunos, no período matutino.
A escola contava com 22 professores, que possuem graduação para atuar na Educação
Básica, sendo que todos eles trabalhavam respectivamente na sua área de formação, bem
como maior parte deles era efetiva na escola (concursados). Três professoras atuavam na
direção da escola, como gestora, assessora pedagógica ou secretária. A escola contava
também, com três pessoas que atuavam nos serviços gerais e uma auxiliar de cozinha que
fazia a merenda escolar.
Descrição do trabalho
Neste item, apresentaremos como se produziu a demanda de trabalho no estágio e qual
era a realidade do contexto escolar, bem como, descreveremos as atividades que foram
realizadas neste espaço, como o “Plantão Institucional”; o grupo de professoras, que refletiu
sobre a saúde do trabalhador; o grupo de professoras da Educação Infantil; uma turma de
quinta série, com o qual foi trabalhado a identidade grupal.
Como se produziu a demanda de trabalho? Qual era a realidade do contexto escolar?
Inicialmente, com o objetivo de compreender a realidade do contexto escolar e, de
modo específico, o processo de ensino e aprendizagem, foram realizadas a leitura do Projeto
Político Pedagógico (PPP) da escola, observações nas salas de aula das turmas do pré-escolar
I e II e da primeira, segunda, terceira, quarta e quinta séries, conversas com os professores e
aplicação do questionário aos professores, direção da escola e alunos da quarta e quinta séries.
Através das observações e da leitura do PPP, foi possível perceber que o momento do
intervalo para o lanche (o recreio) é um momento de “desabafo” dos professores, pois todos
acabam relatando situações que os incomodam nas salas de aula. Por isso, constatou-se a
importância de construir um espaço para escuta e diálogo voltado a eles.
Foi observado também, que seria importante a escola rever com os alunos o que consta
no PPP a respeito das regras da escola, e também pensar que cada indivíduo é singular e que
seria impossível que crianças e adolescentes ficassem “quietos” em suas carteiras,
expectativa comum entre os professores. Na concepção de homem proposta no PPP, o aluno
deve ser compreendido como um ser histórico e social, que se constrói ao longo de sua
interação social. Nesse sentido, a educação proposta pela escola visa à formação de pessoa
“integrada, participativa, reflexiva, autônoma, curiosa, livre de preconceitos, solidária,
construtora de sua realidade” (ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2010, p.
20).
Ouvindo o relato de que os alunos não ficam “quietos” em suas carteiras, pensou-se
que deveria ser discutida essa concepção com os professores, pois não é função da escola
moldar indivíduos e nem homogeneizar as turmas. Segundo Canário (2006), a escola que hoje
conhecemos corresponde a um modelo organizativo estável, que possui como principal traço a
organização em classes homogêneas no que diz respeito à idade, conhecimentos e também a
comportamentos. Sendo assim, para este autor, este modelo organizativo tem como base um
conjunto de regras impessoais que corresponde à transformação das crianças em alunos, com
o uso das regras escolares.
Ainda para o autor, o trabalho de moldar os alunos possui duas implicações: a
primeira, o ensino escolar toma como referência o chamado “aluno médio”, entidade esta que
o toma como “tábula rasa” e desconsidera o modo como cada aluno vive subjetivamente a sua
experiência escolar; e a segunda, se criam condições para emergir situações de trabalho
“forçado”, em que a motivação singular de cada aluno é desvalorizada. Assim, as
características organizacionais da escola (a organização estandardizada do tempo, com base
na repetição da unidade da aula, a compartimentalização disciplinar, entre outras) configuramse como um dispositivo de repetição de informação, com base em uma segmentação de tarefas
e em uma relação hierárquica. Estas características, segundo Canário (2006), podem conferir
ao trabalho dos alunos um caráter alienado, pois há uma dissociação entre o sujeito e o
trabalho que realiza. Com isso, ao centrar-se na repetição da informação, a escola condena-se,
conduzindo para a desordem deste sistema, já que a repetição da informação conduz à
degradação.
Superar essa situação só é possível, para Canário (2006), se as escolas conseguirem
estabelecer rupturas com a sua matriz organizacional histórica, evoluindo de sistemas de
repetição de informação para sistemas de produção de saberes. Dessa maneira, construir um
dispositivo de produção de saber não significa eliminar a repetição e os treinos na forma
escolar, mas sim proporcionar a autonomia do educando, tendo uma lógica de aprendizagem
baseada na descoberta, ou seja, a sala de aula terá que dar espaço a uma diversidade
multifuncional de espaços que permita o trabalho de aprendizagem individual, em pequeno ou
em grande grupo, rompendo assim com a grade horária compartimentada e rígida que se
repete, dando espaço a uma organização flexível do tempo.
Outro dado relevante obtido nas observações e em conversas com os professores, é
que eles sentiam a “necessidade de psicólogos” já nos primeiros dias de aula, pois os alunos
são “muito agitados”. Os professores relataram que lecionam para crianças que necessitam ser
encaminhadas o mais cedo possível para um programa multidisciplinar municipal de
atendimento a “crianças problema”, mas de fato, a escola somente poderia encaminhá-las no
mês de julho, pois havia fila de espera no programa. Uma das profissionais da escola afirmou
que em julho as crianças nem precisariam mais ir ao programa, pois já estariam
“domesticadas”.
Com essa fala, verificou-se que seria muito importante refletir com os professores
sobre a função da escola expressa em seu próprio PPP. Na concepção de escola proposta neste
documento,
a escola é um espaço significativo e propício para se desenvolver no aluno suas
capacidades intelectuais, volitiva, sensitiva e afetiva que lhe permitam apropriar-se
dos conhecimentos básicos para seu crescimento humano; é ambiente de convívio
social e de construção de relações interpessoais saudáveis, no desenvolvimento
pleno de sua afetividade. (ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2010
p. 21).
O que se percebe com a fala desta profissional é que a escola cumpre uma função
ideologizante. Segundo Patto (1987), a concepção materialista histórica apregoa que a escola
teria uma visão de mundo compatível com a manutenção da sociedade em classes,
reproduzindo a desigualdade social. Para Bourdieu, em Patto (1987), o processo de
socialização desempenha uma função estratégica, sendo esta exercida por agências
educativas, sendo elas a família, a escola e os meios de comunicação de massa. Sendo que,
em uma sociedade de classes, o sentido de reproduzir a estrutura social vigente age através da
reprodução cultural. Nesse sentido, o que se pode observar é que no PPP a escola não defende
expressamente a função de manutenção das desigualdades sociais, mas em algumas práticas
cotidianas existe a reprodução cultural expressa na ideia de adaptação dos alunos ao meio
escolar e social.
Um dado que merece destaque é que uma professora da Educação Infantil afirmou que
na sua turma havia “um ótimo caso clínico para a Psicologia”, pois um dos seus alunos não
conhecia as letras, como também não havia desenvolvido a noção de espaço. Aproximei-me
do menino e tentei ajudá-lo na realização de uma atividade que a professora havia passado no
quadro. Percebi então, que ele conhecia somente as letras A, E, I e O. A atividade que a
professora passou no quadro consistia em as crianças copiarem palavras que começavam com
a letra I. Então, pedi para a professora se poderia verificar o planejamento das suas aulas, e foi
constatado que o menino sabia aquilo que ele havia aprendido na sala de aula. Pode-se dizer
que a professora operava num processo de culpabilização do aluno pelo “não aprender”.
Segundo Collares e Moysés (2010), centrar as causas do fracasso escolar em
segmentos em que a criança, a família ou o professor são vítimas, nada constrói, nada muda.
Dessa forma, a imobilização constitui um empecilho ao avanço das discussões, na busca de
propostas possíveis, de transformação da instituição escolar e do fazer pedagógico. Sendo
assim, o que deveria ser objeto de discussão e reflexão para a mudança no processo
pedagógico, fica mascarado pelo diagnóstico e tratamento individualizantes. Para estas
autoras, localizar a não aprendizagem, o problema, a “dificuldade” na criança significa
perpetuar a situação, através da “culpabilização da vítima”.
Ainda de acordo com estas autoras, somente através das rupturas da muralha dos
preconceitos é possível construir uma escola politicamente comprometida com a classe
trabalhadora. Para tal, é fundamental o investimento na formação dos professores, permitindolhes a apropriação de novos conhecimentos científicos, bem como acesso às novas teorias
educacionais. Por isso, elaboramos uma proposta de realização de um grupo com as
professoras da Educação Infantil para discutir as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010) e a contribuição da Educação
Infantil para a Ensino Fundamental.
Diante das observações e das conversas informais com os professores, foi constatado
que professores faziam uso de medicamento para “amenizar o estresse” ou para ficarem “mais
tranquilos” para dar aula, conformes o próprio relato deles. Esse é um dado que teve sua
devida importância para se pensar na possibilidade de um grupo com os professores para
discutir sobre a saúde do trabalhador. Tendo em vista esta fala, e também algumas respostas
dos questionários, sugeriu-se a montagem de grupo de professores para tratar do tema.
Através dos questionários aplicados à 5ª série, foi possível perceber a necessidade de
trabalhar com o conceito de identidade, pois os alunos escreveram que, para eles, os
professores os veem como “reclamões”, uma turma “bagunceira” e também de “marmanjões”.
Desse modo, inicialmente se pensou poder tratar-se de práticas de estigmatização que levam a
um processo de exclusão que, segundo Sawaia (2010, p. 53),
Induz sempre a uma organização específica de relações interpessoais ou intergrupos,
de alguma forma material ou simbólica, através da qual ela se traduz: no caso da
segregação, através de um afastamento, da manutenção de uma distância topológica;
no caso da marginalização, através da manutenção do indivíduo à parte de um grupo,
de uma instituição ou do corpo social; no caso da discriminação, através do
fechamento do acesso a certos bens ou recursos, certos papéis ou status, ou através
de um fechamento diferencial ou negativo. Decorrendo de um estado estrutural ou
conjuntural da organização social, ela inaugurará um tipo específico de relação
social.
A partir disso, foi levantada a demanda de trabalhar com a identidade desse grupo,
possibilitando assim a compreensão de como esta identidade foi construída, bem como,
desenvolver o reconhecimento da turma enquanto grupo, buscando movimentos na relação
entre professores e alunos.
Atividade do “Plantão Institucional”
O “Plantão Institucional”, cuja formulação é creditada a Machado (2007), constituiuse na escola onde o presente estágio foi realizado, em um espaço de fala e de interlocução
para profissionais e alunos, visando ao enfrentamento das dificuldades que emergem no
campo educativo. As atividades iniciaram no dia 31/05/2012 e aconteceram no laboratório de
informática da escola, no horário das 13h45min às 15h30min. A divulgação desta atividade na
escola foi através de visitas às turmas do período vespertino (turno em que o estágio era
realizado). Além disso, foi elaborado um comunicado escrito que foi exposto nas salas de
aulas e também na sala dos professores e na secretaria.
Esta atividade teve como base teórica inicial Machado (2007, p. 123), que afirma que
o “Plantão Institucional” visa
Ter acesso às forças, às intensidades, presentes na formulação de uma queixa, de
uma prática, de um fenômeno a ser investigado, de uma maneira de viver os
acontecimentos. Para quê? Para, nessas forças, produzir encontros (somos forças
também) que intervenham no enfraquecimento do grupal, do coletivo, entendendo
como grupal um campo de problemas atravessado por questões sociais, políticas e
desejantes.
Diferentemente da modalidade criada pela autora, foi deixado em aberto a participação
não apenas aos professores, mas também aos alunos, pois estes também poderiam trazer suas
queixas, que poderia se relacionar não apenas à escola, mas também às suas famílias e meio
social. A partir disso, apresentaremos, a seguir, as situações que foram discutidas e
trabalhadas no Plantão Institucional. Antes, cabe destacar que, segundo o Conselho Federal de
Psicologia (2005), artigo 9º: “É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de
proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a
que tenha acesso no exercício profissional.” Por isso, serão utilizados nomes fictícios nos
casos relatados.
Caso Angélica: esta menina procurou o Plantão com a queixa de que “sinto algumas coisas
estranhas”, “que muitas vezes penso em alguma coisa e aquela coisa em seguida acontece”.
Inicialmente, buscamos investigar o que eram “as coisas estranhas” a que ela se referia, e o
que se percebeu é que a aluna estava relatando suas próprias memórias, ou seja, quando ela
passava por um lugar que ela já conhecia, lembrava-se de algo que lá acontecera e acabava
pensando que era “algo estranho”, que tinha “poder de adivinhar as coisas”.
Diante dessa situação, tentamos investigar o fato com Angélica e foi explicado a ela
que, a partir do seu relato, podia-se entender que o que acontecia era que lembranças de fatos
ocorridos com ela permaneciam em sua memória e eram ativados em situações similares, já
que os fatos que ela relatou eram todos acontecimentos previsíveis, pois faziam parte de sua
memória, como, por exemplo, passar em um lugar e ver determinada cena que ela já vira antes
ali. Outro aspecto importante observado nesta atividade foi que ela se acalmou só pelo fato de
dizer que não estava acontecendo nada de grave com ela e que os acontecimentos poderiam
ser considerados “normais”.
Caso Bruna: esta aluna procurou o Plantão com a queixa de que sentia muito medo de seu pai.
Após investigação junto à menina e à professora que trabalhava com ela, foi verificado que a
aluna não dedicava tempo para os estudos em casa. Por isso, foi orientado a ela que buscasse
destinar um horário para os estudos. Fizemoso um acompanhamento dela, através de conversa
com ela e com a professora. Além disso, trabalhou-se a questão do medo e como resultado foi
verificado que a menina melhorou sua situação na escola e parou com as queixas relativas ao
medo de seu pai.
Caso Eduarda: esta menina procurou o Plantão com a queixa de que “apanha do seu irmão”.
Diante da investigação sobre essas agressões, a menina foi orientada para conversar com seu
irmão sobre as agressões a fim de mostrar a ele como se sentia diante da situação. Após
acompanhamento da menina, verificou-se que não aconteceram novas agressões.
Caso Maria: esta menina procurou o Plantão e trouxe como queixa estar “muito sentimental
nos últimos dias”, e que estava “sofrendo muito”, pois havia um colega na sua sala que a
chamava de “nomes feios”, como “gorda, baleia, saco de areia”, o que a “machucava muito”.
Ela chorou bastante no primeiro encontro e se mostrava muito nervosa, então para ela se
acalmasse foi trabalhado uma técnica de respiração.
Em outro encontro, Maria relatou também, que já havia conversado com a direção da
escola, mas a única estratégia até então foi a de deixar seu colega sem as aulas de Educação
física, o que, segundo Maria, fez com que o menino a agredisse ainda mais.
No primeiro momento se trabalhou com a identidade da menina. Segundo Bock (2002,
p. 145), identidade
É a denominação dada às representações e sentimentos que o indivíduo desenvolve a
respeito de si próprio, a partir do conjunto de suas vivências. A identidade é a síntese
pessoal sobre o si mesmo, incluindo dados pessoais (cor, sexo, idade), biografia
(trajetória pessoal), atributos que os outros lhe conferem, permitindo uma
representação a respeito de si.
Nesse sentido, segundo esta autora, este conceito supera a compreensão de homem
enquanto conjunto de papéis, de valores, de habilidades, de atitudes, pois compreende estes
aspectos integrados, ou seja, compreende o homem como um todo, sendo que este busca
compreender a singularidade do indivíduo, produzida na relação com o outro. Dessa forma, a
identidade do indivíduo “deixa de ser algo estático e acabado, para ser um processo contínuo
de representações de seu 'estar sendo' no mundo” (BOCK, 2002, p. 145).
Também para Jacques (2009), é possível compreender a identidade pessoal como uma
identidade social, superando a falsa dicotomia entre essas duas instâncias, pois o indivíduo se
configura como personagem e ator. Dessa maneira, compreender a identidade
Implica compreendê-la como constituída na relação interpessoal (eu, não-eu, eugrupo) a partir da inserção do indivíduo no mundo social e através da sua atividade
que se substancia e se presentifica como atributo do eu: eu sou trabalhadorsubstantivo – porque exerço a atividade de trabalhar – verbo. (JACQUES, 2009, p.
164).
Nesse sentido, para Jacques (2009), a identidade é apreendida através das
representações de si, em resposta à pergunta “quem és?”, ou seja, a identidade é resultado de
uma articulação entre identidade pressuposta (a partir do papel social), da ação do indivíduo e
das relações nas quais está envolvido concretamente.
Neste mesmo encontro, Maria relatou ainda que sentia muita raiva e ódio e com isso
possibilitou se pensar em trabalhar com as emoções dela através do Baralho das Emoções, que
é uma técnica que auxilia o profissional psicólogo a monitorar os sentimentos das crianças, e
à medida que a criança for se acostumando com o baralho, cada vez mais será possível
introduzir novas cartas. Segundo Caminha e Caminha (2007), ao selecionar as cartas do
baralho o terapeuta deve levar em consideração a idade da criança e seu nível cultural, além
de sempre trabalhar com cartas que possam ser bem compreendidas pela linguagem da
criança.
Os mesmos autores afirmam que, além do Baralho das Emoções, o terapeuta deve
introduzir uma folha de monitoramento, onde se encontram as “carinhas” do baralho ao lado
dos dias da semana, três “carinhas” (uma para a manhã, outra para a tarde e outra para a
noite). Pede-se para a criança que ela pinte as “carinhas” e busque identificar aquela que mais
se parece consigo, ou o que está sentido naquele momento.
Ainda de acordo com Caminha e Caminha (2007), no trabalho psicológico com
crianças busca-se identificar quais os principais sentimentos/emoções presentes na vida das
crianças, já que a identificação dos pensamentos é algo que requer um maior treinamento por
parte desta. Eles salientam que a técnica do monitoramento consiste em registros que possam
ser preenchidos na momento do atendimento, e também fora dele. Os autores salientam
também que se pretende, a partir da técnica do monitoramento, obter clareza sobre as
principais emoções.
Segundo Mahoney e Almeida (2005), para Wallon, a emoção é a exteriorização da
afetividade, ou seja, é o primeiro recurso de ligação entre o orgânico e o social. Assim, as
emoções são sistemas revelados pelo tônus, sendo que as emoções se diferenciam através das
oscilações viscerais e musculares, dando forma ao medo, alegria, raiva, ciúmes, tristeza, entre
outros.
Tendo base nisso, foi a partir do automonitoramento que foi possível identificar que
Maria sentia raiva, bem como a tristeza, sendo que quando era agredida ela reagia agredindo
também o agressor. Então, foi trabalhada a raiva que Maria afirmou sentir, sendo que
controlando esta emoção, não haveria uma reação contra o agressor, uma vez que poderia ser
esta agressão ao agressor que estivesse gerando mais agressão à Maria. A partir disso, foi
realizado com a menina a metáfora do “surfando na onda da raiva”, que possibilitou a ela ter
acesso ao controle da própria emoção, não produzindo mais o comportamento de agredir o
agressor após as agressões. Com isso, foi possível Maria constatar que as agressões não
aconteceram mais, favorecendo o seu bem-estar.
Maria sugeriu que gostaria de conversar com o menino que a agredia, porque ela
queria explicitar a ele que não queria que ele a agredisse novamente. Com o objetivo de não
expor a menina a novas agressões, foi realizada uma cena dramática com a mesma,
possibilitando a ela dizer aquilo que precisava falar para o agressor. Através do trabalho com
as emoções de Maria, ela percebeu que não precisava mais frequentar o Plantão Institucional.
Durante três semanas foi realizado acompanhamento a ela para verificar como estava e,
enfim, finalizar o trabalho.
Diante do caso de Maria, foi possível perceber que a escola não possuía estratégias
adequadas para lidar com as agressões. Com isso, foram realizadas conversas com as gestoras
da escola para conhecer as estratégias utilizadas e auxiliá-las em novas estratégias.
Na primeira conversa, foi relatado pelas gestoras que as estratégias tidas pela escola
em relação às agressões físicas e psicológicas eram deixar o aluno agressor sem as aulas de
Educação física ou sem brincar no recreio. Outra estratégia era chamar os pais do aluno para
vir à escola para conversar sobre o ocorrido. As gestoras disseram que “não sabiam mais o
que fazer” com o menino que agredia Maria, pois já haviam sido realizadas “todas as
estratégias possíveis”, não havendo efeito algum. Então as gestoras sugeriram trabalhar com o
agressor no Plantão. Este primeiro encontro foi interrompido por um compromisso que as
gestoras precisavam cumprir e foi feita tentativa de nova conversa, que também não se
efetivou devido às atividades que elas estavam realizando na escola. Em mais uma situação
foi conversado com elas, sendo que foi discutido se as estratégias estabelecidas pela escola
alcançavam sucesso, chegando-se à conclusão que não, pois a aula de Educação física é um
componente curricular do currículo escolar, bem como é o único momento em que os alunos
estão fora da sala de aula. Afirmamos às gestores que chamar o menino que agredia Maria ao
“Plantão Institucional” fugiria do seu objetivo, que é o de busca espontânea por este espaço.
Por isso, combinamos que a estagiária passaria novamente nas salas de aula para convidar os
alunos e esperaríamos que ele procurasse o espaço por interesse ou necessidade.
As gestoras pontuaram também que “não sabiam mais o que fazer” com seus alunos,
pois “a gente orienta, orienta, orienta e eles sempre estão aqui na secretaria”, Então, foi
sugerido para trabalhar com elas as emoções que surgem quando o mesmo aluno fica na
secretaria várias vezes aguardando orientação sobre a agressão que efetuou. Mas esta
atividade não foi aceita, sendo que o argumento foi que não haveria tempo para participar
devido às atividades a serem desenvolvidas na escola e que também, não tinham interesse em
participar.
Durante a realização da atividade do “Plantão Institucional” foi possível perceber que
a escola não possuía estratégias adequadas para trabalhar com as agressões de alunos, sejam
elas físicas ou psicológicas, e que as gestoras não tiveram o interesse como também
disponibilidade em discutir sobre o trabalho delas. Outro aspecto relevante que foi possível
perceber, mas não houve tempo para intervir, foi a concepção que a escola possui sobre a aula
de Educação física, sendo que a mesma é compreendida como um “prêmio”, que só é dado
para os alunos “bem comportados”.
Atividade do grupo de professoras referente à saúde do trabalhador
Esta atividade tinha como objetivo possibilitar reflexões sobre o significado que cada
educadora/professora atribui ao seu trabalho, como também aos conceitos de saúde e saúde do
trabalhador, visando construir estratégias para ressignificar o sentido do trabalho atribuído por
elas.
Foram realizados oito encontros com duração aproximada de 40 a 45 minutos. Este
grupo tinha como base o Grupo Operativo. O grupo operativo (PICHON-RIVIÈRE, 2005) se
caracteriza por estar centrado em uma tarefa, seja ela de cura se for terapêutico ou de
aprendizado se for a partir da aquisição do conhecimento. Nesse sentido, o grupo desenvolve
uma percepção sobre o que está sendo trabalhado, buscando e contato com a realidade, sendo
possível a participação como sujeito ativo, proporcionando elaborar novas estratégias e
podendo, assim, intervir nas situações trabalhadas e provocar mudanças e melhorias.
Foi possível trabalhar com as professoras as seguintes temáticas: expectativas em
relação aos encontros, sendo possível perceber que além da expectativa de que acontecesse
diálogo e auxílio para superar as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia, surgiu também o
“querer ter alunos capazes de resolver as atividades sozinhos”. Mesmo assim, observou-se
que esta expectativa não saiu da lógica da saúde do trabalhador, pois este aspecto afeta
diretamente a saúde deste profissional, na forma de “esgotamento físico e mental”, ou seja, a
tentativa de fazer com que seus alunos se tornem capazes de realizar as atividades sozinhos
produz desgaste. Com isso, surgiu a necessidade de se compreender qual é a concepção/ideia
de professor que cada profissional atribuía a si mesmo, discutindo aspectos da identidade
profissional, ou seja, entender a pergunta proposta por Arroyo (2000, p. 12): “que imagens e
autoimagens de mestre e de seu ofício estão em construção nas últimas décadas?”. Para o
autor, a identidade de mestres continua igual a dos mestres das décadas passadas, ou seja, há a
repetição dos traços do mesmo ofício, repetindo hábitos, saberes e fazeres de outras maestrias.
Com isso, pensamos que esse grupo proporcionaria discutir a própria formação do professor.
Segundo Canário (2006), nas últimas décadas tem-se atribuído determinada
importância à formação continuada de professores, sendo que essa importância está submetida
à ideia de adaptar professores a mudanças, ou seja, a formação centrada na escola estabelece
rupturas com a lógica adaptativa e instrumental em que as pessoas são formadas para agir,
dando espaço a uma perspectiva de “agir para formar ou de formar-se agindo” (p. 83). Assim,
o professor que antes era visto como um técnico que executava as decisões e utilizava
materiais produzidos pela “indústria do ensino” passa a ser considerado um processador de
informações que “analisa situações, toma decisões, produz materiais pedagógicos”
(CANÁRIO, 2006, p. 83), ou seja, é alguém capaz de refletir criticamente sobre suas práticas,
reorientando-as. Dessa maneira, para o autor, o sentido da formação se constrói através da
finalização relativa à autonomia e ao exercício da responsabilidade.
A partir disso, o segundo encontro teve como objetivo possibilitar às professoras
reflexões acerca de si, uma retrospectiva de sua maneira de ser e suas características no dia-adia. Foi utilizada a dinâmica de grupo “quem sou eu” (MILITÃO, 2000, p. 180-181) e
também o jogo da chuva (YOZO, 1996, p. 65).
O terceiro encontro teve como objetivo possibilitar às professoras reflexão e discussão
sobre “o que é ser professor” e “que identidade é essa”. Esta atividade aconteceu através do
uso da massinha de modelar, sendo que os professoras utilizaram deste instrumento para
simbolizar o que é ser professor. Segundo Arroyo (2000), os professores possuem uma
preocupação em qualificar-se, dominar saberes, métodos, adequar sua função social ao
“agora”, conhecendo assim novos conhecimentos e novas tecnologias. Mas precisamos
compreender o próprio sentido profissional de suas vidas, de seus esforços, de sua condição
de mestre. Entender o papel que exercem, o peso social e cultural que carregam, como
também compreender seu ofício, sua condição e o seu ser professor. Tendo base nisso,
propusemos esta atividade para as professoras da escola, pois como afirma Arroyo (2000, p.
34), “essa procura de sentido passa por saber-se melhor, por entender melhor, que traços, que
valores, que representações fazem parte desse constructo social, dessa categoria social”, ou
seja, saber e compreender tudo isso que somos, pois o ofício que os professores carregam tem
as marcas de “uma construção social, cultural e política que está amassada com materiais,
interesses que extrapolam a escola. São esses traços que configuram esse coletivo, essa função
de mestre de escola” (ARROYO, 2000, p. 35). Sendo assim, para o autor, uma das estratégias
é reconhecer a herança recebida, seu peso, social e cultural, as relações e estruturas escolares
que lhe dão forma e que reproduzem. Com isso, ser professor é muito mais do que ser
qualificado profissionalmente, é um modo de ser.
Diante disso, para Arroyo (2000), a recuperação do sentido do ofício de mestre não
será em desprezar a função de ensinar, mas reinterpretá-la no ofício de ensinar a seres
humanos. Podemos aprender a escrever e ler sozinhos, podemos aprender a matemática
sozinhos, mas não conseguimos aprender a ser humanos sem a relação e o convívio com o
outro que tenha aprendido essa tarefa. Com isso, o professor vai encontrando seu lugar social
na constatação que somente aprendemos a partir da relação com outros seres humanos, ou
seja, com os próprios alunos e assim vice-versa. Desse ponto de vista, a escola pode ser
considerada um processo de ensino e aprendizagem, sendo esta considerada um tempo-espaço
programado de encontro de gerações. Diante disso, o próprio processo de socialização do
aluno possibilita pensar na função do professor, pois este possibilita a relação do aluno com
seus colegas como também com o professor. Isso pode ser visualizado no próprio discurso das
professoras em relação à atividade proposta, sendo que todos os professores afirmaram que
ser professor é estar em contato com a relação humana, através da mediação de saberes, bem
como proporcionar a socialização dos alunos.
A partir disso, o quarto encontro teve como objetivo construir um cartaz a partir das
perguntas apresentadas no encontro anterior e algumas novas: o que é ser professor? Que
identidade é essa? Posso tirar a máscara de professora quando termina espetáculo da
docência? A máscara virou um modo de ser? Como se constrói o reconhecimento social de
uma profissão? Com essas perguntas foi possível perceber que as profissionais da escola
visualizam a importância da relação aluno e professor, como também, a importância de
assumir que o ser professora é mais um papel exercido por elas, que muitas vezes foi
entendido como um modo de ser, carregando trabalhos e elaboração de provas para corrigir
em casa, entre outras atividades que são de fato do professor.
Além disso, foi discutido de que forma se dá o reconhecimento social de um professor.
Uma das professoras afirmou: “através do crescimento de nossos alunos, pois eles vão para
casa e os pais também percebem esse crescimento, e querendo ou não todo mundo passará por
um professor um dia, e é a partir disso que somos reconhecidos socialmente”. Essa fala nos
remete novamente a Arroyo (2000), que pondera que o reconhecimento profissional dos
professores acompanha “o reconhecimento social do campo em que trabalham, dos sujeitos
com que trabalham, ou dos valores a que sua ação se vincula” (p. 32).
O quinto encontro teve como objetivo discutir o conceito de trabalho, o processo de
trabalho, as dificuldades e potencialidades encontradas no trabalho das professoras. Essa
discussão foi apresentada através de slides. A partir da discussão sobre o processo de trabalho,
encontramos em Mendes e Morrone (2002) a ideia de que o trabalho pode ser uma fonte de
prazer, por isso é uma das razões pelas quais ganha importância na vida do sujeito, como
também faz com que a maioria dos trabalhadores não perca o desejo de permanecer
produzindo, além de ter, a partir do trabalho, a oportunidade de realização e de identidade
para construir-se como sujeito psicológico e social. Com isso, estes autores ponderam que o
ato de produzir permite reconhecimento de si próprio como alguém que existe e possui
importância para a existência do outro, transformando assim, o trabalho em um meio para a
estruturação psíquica do homem.
Porém, segundo eles, as condições em que o trabalho é realizado pode transformá-lo
em algo penoso e doloroso, levando o trabalhador ao sofrimento. Este sofrimento é devido ao
confronto da subjetividade da pessoa com as restrições das condições socioculturais e
ambientações, as relações sociais e a própria organização do trabalho, que por sua vez, é
reflexo de um modo de reprodução específico.
Esta discussão favoreceu às professoras refletirem sobre as condições de trabalho
delas, possibilitando perceber que as horas atividades (carga horária semanal de trabalho
resguardada ao professor para planejamento individual de suas atividades) facilitaram o
trabalho delas, oferecendo melhores condições de trabalho, bem como o considerar que o
número de alunos em uma turma pode transformar o trabalho em algo penoso e cansativo.
Neste momento do trabalho com o grupo, na discussão levantada pelas professoras, o
que se percebeu é que não havia um movimento do grupo para mudança, sendo que parecia
que elas ainda estavam no grupo mais para receber informações do que para trocar
experiências e socializar as dificuldades e alternativas. A partir disso, no sexto encontro,
foram novamente discutidos os objetivos do projeto de intervenção, como também foram
debatidas as relações do grupo, a partir das seguintes perguntas: 1) quando eu tenho uma
questão de trabalho com quem eu converso? 2) quem eu procuro? 3) quem eu nunca procurei?
4) existem outras maneiras/formas de procurar?
Diante da discussão realizada neste encontro, o que se percebeu é que as professoras
organizam seu trabalho da mesma forma que a escola, ou seja, cada professora é responsável
por um conhecimento específico, em uma sala de aula, com um tempo e planejamento
estabelecido. Como afirma Canário (2006), a escola não é um somatório de pessoas, muito
menos de espaços e de aulas, sendo que não é fundamental o conjunto de características da
escola, mas sim a “sua configuração singular enquanto sistema de ação organizada” (p. 76).
Ou seja, a escola considerada um sistema social, é produzida pela ação e integração dos atores
sociais no ambiente, por isso as mudanças organizacionais podem ser facilitadas, mudando
assim crenças, valores e atitudes dos que constroem a organização por meio de sua ação.
Decorrente disso, torna-se fundamental articular a dimensão da formação centrada na escola,
para que os profissionais se permitam “aprender, a pensar e a agir de modo diferente, à escala
do estabelecimento de ensino” (CANÁRIO, 2006, p. 76).
Esta constatação coloca a necessidade de que os professores tenham um espaço para
compartilhar conhecimento e experiências, possibilitando assim que as dificuldades e as
potencialidades vivenciadas em sala de aula alimentem processos de aprendizagem coletiva.
O sétimo encontro teve como objetivo discutir os conceitos de saúde e saúde do
trabalhador. A discussão aconteceu a partir do conceito ampliado de saúde, que na Lei
8.080/90, em seu artigo 3º, propõe: “A saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais” (BRASIL, 1990). Foi discutido também o conceito de saúde do trabalhador que,
conforme a mesma lei, trata-se do conjunto de atividades que se destina, através de ações de
vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde daqueles submetidos a
riscos e agravos advindos das condições de trabalho.
Para o Conselho Federal de Psicologia (2008, p. 29),
Na perspectiva de superar o reducionismo positivista das explicações que permeiam
o adoecer no trabalho, impõe-se à área de Saúde do Trabalhador um olhar sobre o
ser humano na relação com a sua atividade, isto é, na forma pela qual se insere no
processo produtivo, além das condições, da organização e da divisão do trabalho.
Dessa forma, é preciso reconhecer a subjetividade no trabalho, o significado que os
indivíduos atribuem a determinadas situações, o modo como cada um reage a partir
da sua história de vida, de seus valores, das suas crenças, das suas experiências e das
suas representações sobre a atividade desenvolvida.
A partir da discussão destes conceitos, o grupo verbalizou a dificuldade de lidar com o
“cansaço mental” devido ao trabalho. Com isso, foi proposto como “tarefa de casa” que, para
o encontro seguinte, as professoras pensassem nas estratégias que usam para lidar com esse
cansaço. Com isso, o oitavo e último encontro do grupo teve como objetivo discutir as
estratégias das professoras para lidar com o cansaço mental. Esta atividade aconteceu através
da dinâmica de escrever no papel as estratégias e colocar estas dentro do balão e depois de um
momento de descontração, trocar com os balões da colega, estourá-los e discutir as
estratégias. Foi reforçado às profissionais que elas deveriam se organizar para que
conseguissem realizar as estratégias elencadas.
Neste dia, foi realizada uma avaliação final dos encontros, mas vale ressaltar que foi
elaborada uma balança onde cada professora colocava, ao final de cada encontro, de um lado
os pontos positivos e de outro os negativos. As palavras que mais se destacaram foram as
positivas, como “diálogo” e “reflexão”.
Atividade do grupo de professoras da Educação Infantil
Este grupo teve como objetivo inicial discutir as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010) com as profissionais da
escola que atuama Educação Infantil, visando refletir sobre a prática delas; e, também,
discutir aspectos psicomotores da criança com até seis anos de idade, oferecendo subsídios ao
processo de ensino e aprendizagem.
Este grupo aconteceu durante as aulas atividades das professoras, de forma que as três
professoras da Educação Infantil pudessem se encontrar. Além das professoras, participou de
alguns encontros a coordenadora pedagógica. Com este grupo, foram realizadas sete
encontros, com a duração de 45 minutos cada um deles.
Nos seis primeiros encontros, a discussão teve como base as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010), após o término
da discussão deste documento, no último encontro foram discutidos os aspectos motores da
criança, que teve como fundamentação teórica o livro “Manual de avaliação motora”, do autor
Francisco Rosa Neto.
Esta atividade possibilitou às profissionais olharem para a sua forma de trabalhar e
perceber que as diretrizes eram presentes na escola. Assim, esta atividade possibilitou reflexão
sobre a própria organização de trabalho destas profissionais, como também a relação
previsível da formação com o mundo do trabalho. Segundo Canário (2006), esta relação é
uma incerteza, pois está alimentada por três grandes fenômenos:
- A mobilidade social: ao longo de ciclo que abrange o período de vida profissional ativa, as
pessoas mudam as suas qualificações, se constroem no contexto de trabalho, alterando as suas
funções de natureza profissional, o que resulta em fazer tarefas que pouco ou nada têm a ver
com a sua formação inicial que efetuaram. Assim, para Canário (2006), a visão de formação
profissional continuada perde seu sentido, pois encara um somatório não articulado de ações
de formação vistas como processos de reciclagem.
- Volume de informações: com o crescimento do volume de informações, Canário (2006)
afirma que acaba se evidenciando os limites de estratégias e dispositivos de formação
baseados nos processos de acumulação de informação, devido à rápida desvalorização delas.
Assim, compreendemos que, para as professoras deste grupo, esse fenômeno se apresenta
quando caracterizado pela “vergonha em afirmar que não sabe um determinado conteúdo”.
Assim, o saber se caracteriza como algo do professor, sendo que este deve estar preparado
para dar aula, não tendo dúvidas, sendo que isso nos remete a considerar que o professor deve
ser pensado como um “transmissor” de conhecimento e não um mediador, como proposto por
Canário (2006).
- Mudanças na organização do trabalho: este fenômeno, para Canário (2006), é a passagem de
uma lógica de “castelo” que é pensada de forma hierárquica, burocratizada, segmentada, para
uma lógica de “rede” dando espaço para as modalidades de trabalho coletivo. Sendo assim, o
professor consegue construir sua formação profissional no próprio contexto de trabalho, a
partir de suas experiências.
Contudo, esses fenômenos auxiliam a pensar a própria formação dos professores,
sendo que esta atualmente é considerada de extrema importância, pois precisamos
compreender que qualificação é diferente de ser competente, e que competência se adquire
com a própria experiência de trabalhar nas escolas.
Outro aspecto importante que pode ser observado é que este grupo percebeu a
importância da troca de experiências, o que produziu um movimento de aproximação da
coordenadora pedagógica ao grupo. Com isso, pensamos que este grupo teve sua relevância
para a escola, pois o objetivo não era apenas produzir e discutir experiências, mas também
proporcionar um espaço de troca entre os profissionais da Educação Infantil, como também
aproximar a coordenadora pedagógica ao grupo de professoras.
Atividades do grupo da 5ª série referente à identidade
Este grupo teve como objetivo identificar como foi construída a identidade da 5ª série
para ressignificá-la, bem como desenvolver o reconhecimento da turma enquanto grupo,
buscando entender a relação entre os professores e alunos. A partir disso, foram realizados
oito encontros.
No primeiro encontro, foram apresentados os objetivos da atividade e realizada uma
dinâmica de apresentação dos alunos. Foi utilizada a dinâmica “um bicho”, na qual foi
espalhada pela sala diversas imagens de animais e pedido para que cada aluno escolhesse o
animal que mais se assemelhasse com suas próprias características. Neste encontro, os alunos
falavam todos ao mesmo tempo, demonstrando certa “desorganização” da turma.
Com isso, no segundo encontro, foi trabalhado com a turma com o “quem sou eu”
através do autorretrato, e foi realizado no início do encontro os “nossos combinados”, como
por exemplo: fazer silêncio quando necessário e respeitar o colega. Neste encontro, foi
possível somente a turma realizar o desenho, como já havia terminado o tempo estipulado, a
discussão aconteceu no encontro seguinte.
No terceiro encontro, além de discutir sobre as características que cada pessoa se
atribui, foi realizada a dinâmica do “para quem você tira o chapéu”. Nesta dinâmica, havia um
chapéu com um espelho no seu fundo. Então, foi explicado que havia a foto de uma pessoa no
fundo do chapéu e cada pessoa que iria olhá-la deveria explicar o porquê tirava ou não o
chapéu para esta pessoa, afirmando suas qualidades ou defeitos. Neste dia, também foi
realizada a projeção da família do personagem “Tufão” da novela Avenida Brasil, da Rede
Globo. Como todos assistiam esta novela, foi bem pertinente a discussão, pois eles
conseguiram perceber que a família do personagem “Tufão” possui as próprias características
da turma da 5ª série. Sendo elas: “uma família desorganizada que todos falam todos juntos”,
“eles não se respeitam uns aos outros”, sendo que a fala de um aluno foi: “só não somos ricos,
porque o restante é tudo igual”.
No quarto encontro, aconteceu a confecção de um cartaz com a turma a partir dos
autorretratos que eles confeccionaram. Esta atividade possibilitou que os alunos olhassem
para as próprias características, bem como os auxiliou para perceberem como a turma se
organiza.
O quinto encontro teve como objetivo trabalhar com o conceito de identidade e
realizar a dinâmica “como o outro me vê”, na qual cada aluno recebeu uma folha colada nas
suas costas e cada colega escreveu o que achava do outro. Diante do que cada aluno recebeu a
partir da escrita do colega, alguns alunos afirmaram que eles não eram aquilo que haviam
escrito dele. Então, foi retomado o conceito de identidade com a turma e explicado que nossa
identidade é construída a partir do que pensamos que somos e também a partir daquilo que os
outros pensam que somos.
O sexto encontro teve como objetivo trabalhar com a organização da turma. Neste dia,
a atividade aconteceu na parte externa da escola e foi realizada a dinâmica da orquestra, sendo
que cada aluno escolhia uma música. A partir desta, identificava-se um instrumento e depois
formaríamos a orquestra. Encontrei dificuldades neste dia, pois a turma estava muito agitada.
Enfim, com a dinâmica proposta à turma foi possível perceber que eles não conseguem
“formar uma orquestra” sozinhos, pois precisam de uma pessoa que assuma um papel de
autoridade para organizá-la. Com isso, percebeu-se o motivo pelo qual a professora desta
turma encontrou, na estratégia de passar conteúdos no quadro “sem deixar a turma respirar”,
uma forma de organizar a turma ou de, ao menos, ocupá-los.
No sétimo encontro, foi realizado o jogo da construção de um objeto/máquina para que
a turma percebesse que cada aluno possui um papel importante na sala de aula, bem como
trabalhar com a identidade do grupo. A turma escolheu como objeto um rádio e cada aluno
escolheu o papel que mais combinava com as suas características na sala de aula. Este
encontro produziu um movimento do grupo olhar para a própria forma de organização, ou
seja, que a turma precisava de alguém que a conduzisse para que não se desorganize. Esta
atividade foi bem importante, pois possibilitou aos alunos perceberem que cada aluno possui
um papel dentro da sala de aula e que se este não for desempenhado de maneira colaborativa,
poderá produzir movimentos de desorganização da turma.
O oitavo e último encontro teve como objetivo avaliar as atividades e também encerrar
o grupo. Foi solicitado para cada aluno escrever ou desenhar como a turma era antes das
atividades, como ela estava e como cada aluno gostaria que a turma ficasse. Foi dito ainda,
que eles deveriam deixar um espaço onde escreveriam como foi para eles a realização das
atividades propostas neste grupo. Com base na avaliação deles, pode-se perceber que os
alunos se mobilizaram e que a turma conseguiu melhorar sua organização dentro da sala de
aula, além de discutir e compreender a identidade deste grupo.
Memorial (apreciação sobre o desenrolar das atividades e dos desafios enfrentados)
Foram vários os desafios encontrados no espaço escolar, mas o que mais chama a
atenção é que a escola tinha uma visão de que a Psicologia trabalha somente com o aluno,
pois durante a realização da observação da turma da 2ª série, a professora disse que o estágio
naquele local servia para “observar o comportamento dos alunos e não para avaliar o trabalho
do professor”. Para Meira (2003, p. 61), a Psicologia Escolar é definida como “uma área de
atuação da Psicologia que envolve o exercício profissional do psicólogo que atua no campo
educacional em diferentes espaços sociais [...] que, para dar conta de inserir-se criticamente
na Educação deve fundamentar-se de forma consistente apropriando-se de diferentes
elaborações teóricas.”
Por conta disso, a autora defende que o melhor lugar para o psicólogo escolar é o lugar
possível, ou seja, que não importa se ele está fora ou dentro da escola, mas que se coloque
dentro da educação, assumindo um compromisso teórico e prático com as questões da escola.
Portanto, para ela, a Psicologia escolar tem como finalidade “contribuir para que a escola
cumpra de fato seu papel de socialização do saber e de formação crítica” (MEIRA, 2003, p.
57). Sendo assim, o psicólogo não é apenas um “resolvedor de problemas”, mas sim “um
profissional que, em seus limites e especificidades, pode ajudar a escola e remover os
obstáculos que se interpõem entre os sujeitos e o conhecimento, favorecendo processos de
humanização e desenvolvimento do pensamento crítico” (MEIRA, 2003, p. 58).
Nesse sentido, tornou-se importante ressaltar que o psicólogo escolar não está na sala
de aula para avaliar o aluno, mas sim todo o contexto escolar. E foi a partir dos trabalhos
realizados neste espaço que os profissionais conseguiram entender este conceito de Psicologia
Escolar, que até então não tinham conhecimento.
Na atividade do “Plantão Institucional”, não foi possível trabalhar com os professores,
mesmo que em vários momentos tenha sido divulgado o dispositivo, dando ênfase para a
participação deles. Nas atividades com os grupos de professoras, uma delas falou da ideia de
encaminhar os profissionais que ela considerava que “precisavam” do Plantão, mas foi
discutido que o professor é que deveria procurar espontaneamente o espaço, evitando assim o
procedimento de encaminhar. Nenhum professor procurou por esta atividade.
Avaliamos que foi realizado um bom trabalho no Plantão e que ele poderia ter
produzido outros efeitos se os professores aderissem à atividade. Pensamos também, que esta
atividade não foi aceita pelos professores por ser uma atividade nova e diferente. No caso da
aluna Maria foi possível trabalhar com aspectos emocionais da sua relação com o colega que a
agredia, mas também se percebeu que as estratégias da escola em relação às agressões físicas
e psicológicas entre os alunos não estavam sendo eficazes. Com isso, foi levantada a hipótese
de trabalhar com as gestoras quanto a estas estratégias, como também com as emoções que
surgem quando o aluno agressor é levado à coordenação pedagógica para “ser resolvido este
problema”, mas não foi possível, pois não houve interesse e disponibilidade das profissionais.
Em relação à atividade com o grupo de professoras referente a saúde do trabalhador,
um dos problemas encontrados foi em relação ao horário, pois estava previsto para os
encontros terem início às 17h15, mas iniciava com 15 minutos de atraso, com isso o tempo
ficava “apertado”, dificultando a discussão e a realização das atividades programadas. Com
isso, os encontros tiveram aproximadamente 30 minutos apenas. Outra dificuldade deste
grupo foi a frequência de alguns profissionais nos encontros, pois houve profissionais que
participavam de um encontro, mas faltavam dois encontros consecutivos.
Essas dificuldades não aconteceram no grupo de professoras da Educação Infantil,
visto que o horário e frequência delas estava garantido, já que todas estavam em hora
atividade, tempo providenciado pela gestão da rede municipal de educação a todos os
profissionais das escolas desta rede.
Mesmo encontrando essas dificuldades, foi possível perceber a importância do papel
do psicólogo na mediação das relações que acontecem no espaço escolar.
Considerações finais
Tendo em vista as atividades e resultados, pode-se afirmar que foi possível alcançar os
objetivos propostos pelo projeto de intervenção. Pode-se avaliar o estágio como alternativa
para compreender as relações de poder existentes na escola, como também processos que
muitas vezes não são colocados em análise.
No processo de devolução e fechamento do estágio junto à escola, destacamos alguns
aspectos institucionais no sentido de contribuição com o trabalho educativo. O principal deles
foi a nova formulação do Projeto Político Pedagógico da escola, visto que estava no horizonte
do local esta construção no ano seguinte. Enfatizamos que o estágio havia produzido
subsídios que poderiam contribuir com a futura construção e que confirmavam a importância
da comunidade escolar participar de forma ativa nesse processo.
Foi destacada também, a relação da escola com o programa multidisciplinar da
Secretaria Municipal de Educação que recebe encaminhamentos de “alunos problema”, no
sentido de apontar que ele oferece suporte à escola, porém isso é feito de modo que ele recebe
os alunos sem que haja a interação efetiva entre escola e programa. Desse modo, o programa
trabalha apenas com o aluno e não com o contexto escolar. Com isso, um dado a ser discutido
era a possibilidade de aproximar escola e programa, favorecendo que os psicólogos e outros
profissionais deste programa conhecessem o contexto escolar e com ele trabalhassem (e não
apenas com a criança, em separado e fora da escola). Cabe dizer que, durante o estágio, não
buscamos esta aproximação por darmos prioridade, dado o tempo limitado, às atividades que
realizamos na escola.
Por fim, foi sugerida a possibilidade da escola organizar aulas atividades integradas,
favorecendo a troca de experiências e conhecimentos entre todos os professores e também, a
criação de novas estratégias de trabalho. Um dos temas iniciais poderia ser o problema das
constantes agressões físicas e psicológicas praticadas entre os alunos. Como o grupo de
professores apresenta disposição e compromisso com o cotidiano escolar, avaliamos que há
uma condição favorável para este trabalho coletivo participativo.
Com isso, pontuamos que pode ser interessante a leitura deste relatório por
profissionais, psicólogos e estagiários de Psicologia, pois procuramos nele, apontar
possibilidades para o trabalho do psicólogo escolar na perspectiva da contribuição desta
ciência e profissão para o direito à educação. Isso buscou ser realizado, neste estágio, pela
superação de processos de culpabilização dos alunos pela psicologização e patologização dos
problemas educacionais.
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