glaucoma congenito primario - relato de caso e revisao de

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ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ
HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA
PROGRAMA DE REDIDÊNCIA MÉDICA EM OFTALMOLOGIA
HEGEL BESSA JORGE
GLAUCOMA CONGÊNITO PRIMÁRIO: RELATO DE CASO E REVISÃO DE
LITERATURA
FORTALEZA-CE
2016
HEGEL BESSA JORGE
GLAUCOMA CONGÊNITO PRIMÁRIO: RELATO DE CASO E REVISÃO DE
LITERATURA
Monografia submetida à Escola de Saúde
Pública do Estado do Ceará como parte dos
requisitos para obtenção do certificado de
conclusão do Programa de Residência Médica
em Oftalmologia
Orientador: Dr. Breno dos Santos Holanda
FORTALEZA-CE
2016
RESUMO
O Glaucoma Congênito Primário (GCP) é um tipo de glaucoma definido por seu surgimento
até os 16 anos de idade. Trata-se de uma doença que, apesar de rara e grave, tem no
diagnóstico e tratamento precoces a resolução dos quadros clínicos de visão subnormal e
cegueira, gerando importante impacto não somente na qualidade de vida do paciente como
também na sua inclusão social. Com base no exposto, o objetivo deste estudo é relatar um
caso de GCP em uma criança na primeira infância refratário ao tratamento cirúrgico
convencional, bem como realizar uma revisão de literatura sobre o tema. Com o modo de
condução do presente caso e revisão de literatura espera-se contribuir para o melhor
entendimento dessa doença bem como ajudar médicos oftalmologistas a melhor tratar
pacientes com esta patologia.
Palavras-chave: Glaucoma. Implantes para drenagem de glaucoma. Trabeculectomia.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT
Associação Brasileiras de Normas Técnicas
AV
Acuidade Visual
CNS
Conselho Nacional de Saúde
E/D
Relação Escavação/Disco
EUA
Estados Unidos da América
GCP
Glaucoma Congênito Primário
GCV
Glaucoma Congênito Verdadeiro
GI
Glaucoma Infantil
GJ
Glaucoma Juvenil
HGF
Hospital Geral de Fortaleza
OD
Olho Direito
OE
Olho Esquerdo
PIO
Pressão Intraocular
TAG
Tonômetro de Aplanação de Goldmann
TFD
Tratamento Fora do Domicílio
TREC
Trabeculectomia
TROC
Trabeculotomia
SUMÁRIO
1
PROPOSIÇÃO ..................................................................................................
6
2
METODOLOGIA ..............................................................................................
6
3
NORMAS ADOTADAS ....................................................................................
6
4
ASPECTOS ÉTICOS ........................................................................................
6
5
CONFLITOS DE INTERESSE .......................................................................
6
6
RELATO DE CASO ..........................................................................................
7
7
REVISÃO DE LITERATURA .........................................................................
9
7.1
Introdução ..........................................................................................................
9
7.2
Epidemiologia ....................................................................................................
10
7.3
Etiopatogenia .....................................................................................................
11
7.4
Diagnóstico .........................................................................................................
11
7.5
Tratamento ......................................................................................................... 13
7.6
Prognóstico ......................................................................................................... 14
8
CONSIDERAÇÕES GERAIS .......................................................................... 15
REFERÊNCIAS ................................................................................................
16
6
1 PROPOSIÇÃO
O presente trabalho buscou relatar um caso de GPC acompanhado por um período
de 8 anos no Setor de Oftalmologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) bem como
apresentar revisão de literatura atual sobre essa patologia. Objetiva-se assim não somente
melhor compreender essa doença como também orientar a condução clínica de casos
semelhantes.
2 METODOLOGIA
O relato de caso foi construído a partir de revisão de prontuário no Setor de
Oftalmologia do HGF. Para a revisão de literatura, realizou-se revisão sistemática (2011-2016)
através da base de dados Pubmed, utilizando os seguintes descritores: “primary congenital
glaucoma” e “Ahmed glaucoma valve”, sendo selecionados 6 artigos.
3 NORMAS ADOTADAS
Este trabalho segue os padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de
Normas Técnicas – ABNT para elaboração e apresentação de trabalhos acadêmicos.
4 ASPECTOS ÉTICOS
Foram respeitadas as normas da Resolução 196 de 10 de outubro de 1996 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS) – Ministério da Saúde, sendo guiadas pelos princípios
bioéticos de autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e equidade. As informações
relatadas neste trabalho serão usadas para fins científicos e o anonimato dos sujeitos é
preservado.
5 CONFLITOS DE INTERESSE
O autor não tem qualquer conflito de interesse com o tema abordado no artigo
nem com os produtos ou itens citados. Além disso, não foram omitidas quaisquer ligações ou
acordos de financiamento entre o autor e companhias que possam ter interesse na publicação
deste trabalho.
7
6 RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 2 anos e 9 meses de idade, natural do município de
Juazeiro do Norte – CE, compareceu ao serviço hospitalar do Hospital Geral de Fortaleza
(HGF) (Setor de Oftalmologia), acompanhada de seu responsável (progenitora), portando
Ficha de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) constando diagnóstico clínico de nistagmo em
ambos olhos. À anamnese a progenitora relatou que a paciente não possuía histórias de
patologias pregressas além de gestação sem intercorrências, com parto normal a termo. O
exame clínico oftalmológico de rotina foi realizado por meio de inspeção, oftalmoscopia, teste
de Bust, biomicroscopia, tonometria e fundoscopia.
À inspeção confirmou-se a presença de nistagmo em ambos olhos. O exame
oftalmoscopico direto revelou reflexos pupilares e vermelhos bilaterais. O teste de Bust, que
permite mensurar a acuidade visual da paciente, obteve resultados positivos no
reconhecimento e associação de 100% das figuras. O exame biomicroscópico revelou estrias
horizontais em ambas córneas (estrias de Haab) além de córnea transparente bilateralmente. O
exame tonométrico, o qual permite medir a pressão intraocular (PIO), foi realizado por meio
do Tonômetro de Aplanação de Goldmann (TAG) (equipamento padrão-ouro para esse tipo de
exame) sendo observado 40mmHg em ambos olhos, o que caracteriza um quadro de
hipertensão ocular. À fundoscopia observou-se lesão do nervo óptico com remanescente nasal
de fibras nervosas em ambos olhos, o que caracteriza uma lesão avançada dessa estrutura.
Devido a presença de hipertensão ocular associado ao aumento da escavação do nervo óptico
foi dado o diagnóstico clínico de glaucoma congênito. Ao se confirmar a presença de
nistagmo, indagou-se a responsável o tempo de evolução da doença, a qual relatou que a
paciente apresentava tal quadro desde os 5 meses de idade. No entanto, somente com 6 meses
de idade a paciente conseguiu atendimento oftalmológico na sua cidade via SUS (Sistema
Único de Saúde), sendo diagnosticada com albinismo ocular e glaucoma. A responsável
relatou ainda que o tratamento para o quadro de glaucoma foi iniciado aos 2 anos e 6 meses
de idade através do uso tópico de maleato de timolol a 0,5% de 12 em 12 horas em ambos
olhos, sendo mantido até aquele momento. Com a confirmação clínica do diagnóstico de
glaucoma, a medicação que a paciente já fazia uso foi mantido. O quadro clínico de albinismo
ocular não foi visualizado no exame oftalmológico realizado, sendo, portanto, descartado. A
paciente foi agendada para retorno a fim de realizar exames oftalmológicos complementares.
Passados 7 meses, a paciente é admitida no centro cirúrgico do HGF a fim de
realizar os exames oftalmológicos de medida do diâmetro da córnea, refração, biomicroscopia,
tonometria e fundoscopia com o objetivo de confirmar o diagnóstico de glaucoma, identificar
8
ametropias, visualizar lesões corneanas e a câmara anterior, aferir a PIO e analisar o nervo
óptico, respectivamente. A criança foi sedada por um médico anestesiologista através da
administração inalatória de sevofluarano a fim de se conseguir melhor cooperação e
proporcionar maior conforto a paciente, bem como evitar qualquer intercorrência e promover
um exame clínico mais preciso. Os exames clínicos revelaram diâmetro corneano de 14 mm
em ambos olhos (o que caracteriza um quadro de megalocórnea), refração objetiva de -17,00
graus bilateralmente (revelando um quadro de miopia severa), além de persistência da lesão
do nervo óptico. A pressão intraocular foi aferida com o auxílio do Tonômetro de Perkins,
sendo mantido o quadro anterior de hipertensão ocular em ambos olhos (40mmHg). Tendo em
vista esses achados clínicos, optou-se por tratar o quadro de hipertensão ocular através da
associação do colírio maleato de timolol 0,5% com travoprosta 0,04mg/ml uma vez ao dia em
ambos olhos bem como administração via oral de acetazolamida 250mg. Mediante a este
quadro clínico, foi indicado trabeculectomia (TREC) em ambos olhos, sendo realizada no mês
seguinte primeiramente no olho direito (OD) e em seguida no olho esquerdo (OE).
Após a intervenção cirúrgica e acompanhamento pós-operatório, a paciente
retorna ao serviço para novo exame sob sedação. Observou-se manutenção do quadro de
hipertensão ocular em ambos olhos com melhora somente em OD (28mmHg em OD e
40mmHg em OE) e diminuição da escavação do nervo óptico (relação escavação/disco (E/D)
de 0,3x0,3 em OD e 0,3x0,2 em OE) em relação aos exames anteriores. À retinoscopia,
observou-se que a papila do OE encontrava-se algo pálida (caracterizando a presença de lesão
do nervo óptico). Devido a PIO elevada mais elevada no OE, realizou-se nova intervenção
cirúrgica (TREC) nesse olho. Foi solicitado que a paciente suspendesse os colírios e a
medicação oral a qual fazia uso, sendo prescritos medicamentos pós-operatórios (colírio
combinado de gatifloxacino 3mg/ml e acetato de predinisolona 10mg/ml).
Dois meses após essa intervenção cirúrgica, a paciente retornou ao serviço para
acompanhamento pós-TREC. Os exames oftalmológicos de rotina biomicroscopia, tonometria
(por meio de TAG) e fundoscopia foram realizados, os quais revelaram córnea transparente e
bolha plana das TRECs em ambos olhos (o que indicava provável falência do tratamento
cirúrgico), persistência do quadro de hipertensão ocular (PIO de 28mmHg em OD e 40mmHg
em OE) e nervo óptico de aspecto inalterado em relação ao exame anterior, respectivamente.
Com base nos achados clínicos, foi indicado tratamento com colírios de brinzolamida 1% (12
em 12 horas), maleato de timolol 0,5% (12 em 12 horas) e travoprosta 0,04mg/ml (1 vez ao
dia) a fim de tratar o quadro de hipertensão ocular.
9
Após dois meses a paciente retorna ao serviço para acompanhamento. Os exames
oftalmológicos de rotina foram realizados. Exames de biomicroscopia e tonometria (por meio
de TAG) revelaram opacidade corneana difusa e fotofobia em ambos olhos e medida da PIO
de 22mmHg em OD, respectivamente. A PIO do OE não foi possível ser aferida devido a
maior opacidade corneana nessa região. Devido a piora do quadro geral foi solicitado novo
exame oftalmológico sob sedação para melhor avaliação.
O exame oftalmológico sob sedação aconteceu somente depois de 7 meses de sua
solicitação. A paciente novamente foi sedada por um médico anestesiologista por meio da
administração de sevoflurano. O exame oftalmológico revelou diâmetro da córnea de 14mm
em ambos olhos, refração objetiva em OD (-13,00 -1,00 x 90) e em OE (-11,00 -1,50 x 100), .
estrias de Haab em ambos olhos, PIO de 28mmHg em OD e 30mmHg em OE e relação E/D
de 0,6x0,6 em OD e 0,5x0,5 em OE. Devido à piora do aspecto do nervo óptico e manutenção
do quadro de hipertensão ocular, foi mantido tratamento com os colírios de maleato de timolol
0,5% e travoprosta 0,04mg/ml e substituído o colírio brinzolimida 1% por cloridrato de
dorzolamida 2%.
Após 1 mês, a paciente retorna ao serviço para acompanhamento. Os exames
oftalmológicos de rotina revelaram que não houve melhora do quadro, sendo indicado
realização de implante de dispositivo de drenagem de Ahmed (Tubo de Ahmed). A avaliação
pré-cirúrgica foi realizada 5 meses após indicação da cirurgia, por meio dos exames
oftalmológicos de rotina acrescido do exame da acuidade visual por meio da Tabela de
Snellen, sendo observado acuidade visual 20/200 em OD, ausência de percepção luminosa em
OE, permanência das estrias de Haab em OD e ceratopatia em faixa e pupila midriática em
OE. Os achados clínicos mantiveram indicação de implante de tubo de drenagem em OD e
contra-indicação desse procedimento em OE devido a ausência de percepção luminosa.
Depois de 3 semanas da avaliação pré-cirúrgica, a paciente foi admitida no centro
cirúrgico do HGF, tendo o procedimento sido realizado sem intercorrências. No dia seguinte,
a paciente retorna ao ambulatório do serviço para realização de exames oftalmológicos pósoperatórios, os quais revelaram ausência de hipertensão em OD. No exame pós-operatório de
1 semana, o tubo encontrava-se bem posicionado.
7 REVISÃO DE LITERATURA
7.1 Introdução
O GCP é um problema de saúde pública de ordem mundial e de grande relevância
10
clínica para o oftalmologista devido a mudança de prognóstico visual mediante tratamento
precoce e adequado, o que gera melhor qualidade de vida ao paciente e impacto nos
indicadores sociais e, até mesmo, econômicos locais, uma vez que a capacidade laborativa do
sujeito é mantida.
Trata-se de uma doença conhecida desde a antiguidade, com relatos de aumento
congênito do globo ocular por Hipócrates (460-377 AC), Celso (século I DC) e Galeno (130201 DC). Von Muralt em 1869 estabeleceu o tipo clássico de buftalmo dentro do espectro do
glaucoma. Estudos conduzidos por von Hippel (1897), Parsons (1904), Siegrist (1905), Gros
(1897), Reis (1905–1911) e Seefelder (1906–1920) levaram à etiologia de malformações nas
estruturas do ângulo da câmara anterior. O GCP permaneceu intratável até 1938, quando
houve a introdução da goniotomia por Otto Barkan, que permaneceu como único tratamento
até 1960, quando uma nova técnica chamada trabeculectomia foi realizada por Burian, que foi
modificada nos anos seguintes por Harms (1969), Dannheim (1971) e McPherson (1973).
Dispositivos de drenagem foram desenvolvidos por Molteno em 1966 e nos anos
subsequentes surgiram diversas variações como, por exemplo, o tubo de Baerveldt e o de
Ahmed. (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011).
7.2 Epidemiologia
Estudos epidemiológicos realizados nos Estados Unidos da América (EUA)
revelam que o GCP é uma doença rara, a qual afeta 1 a cada 10.000 nascidos vivos, tendo
preferência pelo sexo masculino (cerca de 65% dos casos) e acometendo os olhos
bilateralmente (75% dos casos) (KANSKI, 2012). Estudos genéticos revelam que a maioria
dos casos ocorrem de forma esporádica. A hereditariedade desta patologia é incomum (10%
dos casos), sendo ela autossômica recessiva de penetrância incompleta (variando ente 40% e
100%) (YANOF; DUKER, 2011; KANSKI, 2012).
Estudo epidemiológico com 200 pacientes portadores de glaucoma e suspeita de
glaucoma congênito tratados na Universidade de Miami - EUA revelou que o GCP é o subtipo
mais comum dessa doença (32% dos casos) (HOQUET et al., 2016), sendo responsável por
0,01% a 0,04% de todos os casos de cegueira e manifestando-se antes dos 3 anos de idade
(MANDAL; CHAKRABARTI, 2011). O diagnóstico dessa patologia é precoce, visto que a
maioria ocorre até os seis meses de idade (cerca de 60%), chegando a 80% no primeiro ano de
vida. (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011).
De acordo com Kanski (2012), o GCP pode ser classificado em glaucoma
11
congênito verdadeiro (GCV) (caracterizado pelo aumento da PIO no período intrauterino),
glaucoma infantil (GI) (quando manifesta-se antes dos 3 anos de idade) e glaucoma juvenil
(GJ) (surgimento entre os 3 e 16 anos de idade), sendo o mais comum deles a forma de GCV
(40%), seguido do GI (35%) e GJ (25%).
7.3 Etiopatogenia
O GCP é caracterizado por uma malformação isolada da malha trabecular
(trabeculodisgenesia isolada) não associada a outras anormalidades do desenvolvimento
ocular ou doenças oculares que aumentem a pressão intraocular (PIO) (MANDAL;
CHAKRABARTI, 2011). Barkan em 1949 propôs que a existência de uma membrana fetal
persistente recobrindo o ângulo camerular poderia explicar o aumento da pressão intraocular
(MANDAL; CHAKRABARTI, 2011). Worst em 1966 confirmou a teoria de Barkan. Contudo
estudos histopatológicos com o auxílio de microscopia óptica e eletrônica não evidenciaram a
presença de tal membrana, refutando a teoria de Barkan (MANDAL; CHAKRABARTI,
2011). Atualmente a patogênese dessa doença é considerada idiopática (YANOF; DUKER,
2011, MANDAL; CHAKRABARTI, 2011, KANSKI, 2012).
7.4 Diagnóstico
A tríade clássica para o diagnóstico GCP consiste em epífora, fotofobia e
blefaroespamo (YANOF; DUKER, 2011; MANDAL; CHAKRABARTI, 2011; KANSKI,
2012), porém comumente observa-se, ao exame oftalmológico, opacidade corneana e aumento
do globo ocular (buftalmo) (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011; YANOF; DUKER, 2011). O
quadro de buftalmo se desenvolve somente naqueles pacientes com PIO elevada antes dos 3
anos de idade. A esclera alongada se torna fina e translúcida e em alguns casos é possível a
visualização da úvea subjacente (KANSKI, 2012).
Os sinais clínicos predominantes de GCP em crianças com 2 anos de idade ou
mais são a diminuição da acuidade visual, o estrabismo ou a miopia unilateral progressiva por
aumento do comprimento axial (YANOF; DUKER, 2011). Se o segmento posterior não puder
ser visualizado por meio de fundoscopia, deve ser indicado a realização de ultrassonografia
ocular para afastar patologias do segmento posterior.
A acuidade visual deve ser medida usando métodos adequados para a idade do
paciente (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011) o que justifica, muitas vezes, a realização do
12
exame oftalmológico sob sedação, o qual proporciona maior conforto do paciente bem como
exames clínicos oftalmológicos mais precisos. A avaliação oftalmológica completa é
mandatória, devendo ser realizado os seguintes procedimentos: refração com retinoscópio,
biomicroscopia, tonometria, gonioscopia e oftalmoscopia (ou fundoscopia) (MANDAL;
CHAKRABARTI, 2011).
A refração com o auxílio do retinoscópio permite identificar a alteração
refracional mais comum no GCP: a miopia axial (KANSKI, 2012).
O diâmetro horizontal normal no recém-nascido situa-se entre 10 e 10,5mm,
com o aumento de 0,5mm a 1mm no primeiro ano (YANOF; DUKER, 2011). Diâmetros
acima de 12mm no primeiro ano de vida são altamente sugestivos de GCP (MANDAL;
CHAKRABARTI, 2011; YANOF; DUKER, 2011). O edema de córnea devido a PIO
elevada leva a diminuição da transparência da mesma. Quando não tratado, o edema leva a
cicatrizes estromais e astigmatismo corneano irregular. O aumento da PIO leva a rupturas da
membrana de Descemet, que recebem o nome de estrias de Haab, que são tipicamente
horizontais. (YANOF; DUKER, 2011; KANSKI, 2012). Com base no exposto, o exame
biomicroscópico para detecção de GCP deve dar ênfase aos seguintes achados corneanos:
diâmetro, transparência e estrias de Haab (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011; YANOF;
DUKER, 2011).
A tonometria deve ser realizada com o auxílio do Tonômetro de Perkins ou
Tonopen buscando pressões acima de 21 mmHg (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011) ou
assimetria maior que 5 mmHg (YANOF; DUKER, 2011), as quais são sugestivas de
alterações no sistema de drenagem do segmento anterior.
A gonioscopia deve ser feita por meio da Lente de Koeppe. Através desse exame
busca-se identificar a inserção anteriorizada da íris em direção a malha trabecular.
(MANDAL; CHAKRABARTI, 2011).
A oftalmoscopia busca avaliar a relação escavação/disco (E/D). Alterações
nessas relações se devem a perda de fibras nervosas ou aumento do canal escleral, o qual é
ocasionado pelo alongamento da esclera. Este quadro pode ser revertido se o tratamento for
instuituído no período adequado (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011; YANOF; DUKER,
2011; KANSKI, 2012). Caso observe-se hemorragia na papila óptica ao exame
oftalmoscópico, o diagnóstico de GCP é confirmado (YANOF; DUKER, 2011).
O diagnóstico diferencial deve ser realizado buscando identificar possíveis traumas
durante o parto, rubéola intrauterina, mucopolissacaridoses, distrofia endotelial hereditária
congênita, megalocórnea, lacrimejamento por canalização retardada do ducto nasolacrimal
13
(que ocorre em até 6% das crianças) e glaucomas secundários, como, por exemplo,
retinoblastoma, persistência do vítreo primário hiperplásico, retinopatia da prematuridade,
traumas ou ectopia lentis (KANSKI, 2012; YANOF; DUKER, 2011).
7.5 Tratamento
O tratamento com medicações tópicas geralmente reduz a PIO temporariamente,
melhorando a transparência corneana e facilitando a intervenção cirúrgica. O tratamento pode
ser realizado com o uso de beta-bloqueadores, inibidores de anidrase carbônica, análogos da
prostaglandina e alfa-2 agonistas. Nenhuma das drogas apresenta boa eficácia e deve
substituir o tratamento cirúrgico (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011). Entre as classes de
drogas, a que apresenta maior efetividade é a dos análogos da prostaglandina (YANOF;
DUKER, 2011).
Tratamento cirúrgico precoce é fundamental para o manejo de pacientes com GCP.
Caso a córnea apresente-se transparente, o paciente pode ser submetido a goniotomia, que
possui uma alta taxa de sucesso. Caso a córnea não apresente transparência adequada, a
goniotomia não é possível ser realizada e o procedimento de escolha se torna a trabeculotomia.
Quando este procedimento não apresenta sucesso, ele pode ser seguido por trabeculectomia
ou combinação com a mesma trabeculectomia. A goniotmia controla a PIO em 64-77% dos
pacientes (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011)
O objetivo da goniotomia é remover o tecido obstrutivo que causa a resistência ao
fluxo de humor aquoso, restaurando o acesso ao canal de Schlemm e mantendo a direção
fisiológica do fluxo (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011). Este procedimento cirúrgico
apresenta resultados ruins quando o diâmetro da córnea é maior que 14 mm (KANSKI, 2012).
A trabeculotomia apresenta algumas vantagens em relação a goniotomia, como ser
feita em pacientes com opacidade corneana, não necessitar de lente de gonioscopia para a
realização e poder romper a parede interna do canal de Schlemm com precisão anatômica. A
trabeculotomia controla a PIO em mais de 90% dos casos (MANDAL; CHAKRABARTI,
2011).
Trabeculectomia primária apresenta baixas taxas de complicação ao ano (1 a 2%)
(YANOF; DUKER, 2011), e é um procedimento com o qual a maioria dos oftalmologistas
está familiarizado, sendo de mais fácil execução que a goniotomia e trabeculotomia, porém
apresenta maior incidência de complicações, apesar de taxas de sucesso semelhantes
(MANDAL; CHAKRABARTI, 2011). Uma das complicações da trabeculectomia primária é a
14
infecção, podendo ser reduzida por meio da confecção de retalhos de base-fórnice (YANOF;
DUKER, 2011).
A associação de mitomicina-C à trabeculectomia aumenta suas taxas de sucesso,
mas eleva a taxa de infecção da bolha filtrante (MANDAL; CHAKRABARTI, 2011). Estudos
sugerem efetividade semelhantes entre trabeculotomia e trabeculectomia associada a
mitomicina, o que pode significar que a trabeculotomia seja realizada inicialmente, pois a
trabeculectomia pode ser realizado após (KHALIL; ABDELHAKIM, 2016).
Implantes de drenagem não-restritivos, como os de Molteno e Baerveldt, ou com
restrição de fluxo, como os de Krupin ou Ahmed, podem ser utilizados no tratamento do GCP.
Crianças apresentam maior taxa de extrusão do tubo quando comparadas a adultos.
Complicações oriundas da colocação de drenos incluem: câmara anterior rasa, hipotonia,
toque endotelial do tubo, endoftalmite e descolamentos de coroide e retina (MANDAL;
CHAKRABARTI, 2011).
Tratamento cirúrgico combinado com trabeculotomia e trabeculectomia pode ser
realizado em casos com falha de goniotomia e trabeculotomia, porém, a longo prazo, os
implantes de drenagem apresentam melhores taxas de funcionamento. Apesar disso, esse
procedimento oferece uma segunda chance de intervenção cirúrgica e deve ser avaliado
(HELMY, 2016).
Bons resultados podem ser alcançados a longo-prazo com trabeculotomia,
trabeculectomia e trabeculotomia-trabeculectomia. Medicações tópicas adjuvantes podem
melhorar a taxa de sucesso cirúrgico (YASSIN; AL-TAMIMI, 2016). Em casos refratários,
pode ser realizada a ciclocriocoagulação ou a ciclofotodestruição do corpo ciliar (MANDAL;
CHAKRABARTI, 2011).
7.6 Prognóstico
Pacientes que apresentam buftalmo ao nascimento exibem pior prognóstico,
muitas vezes com quadro de cegueira. Quando esse sinal tem surgimento nos primeiros meses
de vida e é tratado adequadamente, há melhores resultados clínicos (YANOF; DUKER, 2011).
O tratamento precoce está ligado a melhor prognóstico, principalmente se realizado antes dos
seis meses de vida (YASSIN; AL-TAMIMI, 2016).
Mesmo com o tratamento adequado, muitas crianças terminam com visão
subnormal. Reabilitação visual e auxílios visuais podem ajuda-las a levar uma vida normal ou
próximo ao normal. Após treinamento adequado, telescópios podem ser prescritos para
15
melhorar a visão a distância e lentes de aumento podem melhor a visão para perto. O uso
desses dispositivos deve ser discutido com as crianças e seus pais (MANDAL;
CHAKRABARTI, 2011).
Um estudo que acompanhou 30 olhos de 16 pacientes por período maior que 20
anos mostrou que mesmo os pacientes com PIO estável podem apresentar complicações
graves que podem afetar a acuidade visual. O acompanhamento dos pacientes é indicado por
toda a vida (SILVA; KHAW; BROOKES, 2011).
8 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Apesar de ser uma doença rara, o glaucoma congênito primário apresenta forte
impacto econômico e social, sendo uma importante causa de visão subnormal e cegueira em
uma faixa etária que ocasiona a perda de muitos anos de vida economicamente produtivos.
Além disso, apresenta tratamentos que podem minimizar a morbidade ocular e preservar
parcialmente a qualidade da visão dos pacientes.
16
REFERÊNCIAS
KANSKI, J.J. Oftalmologia Clínica: uma abordagem sistemática. 7ª ed. Rio de Janeiro.
Elsevier, 2012. 372-376.
YANNOF, M.; DUKER, J.S. Oftalmologia. 3ª Ed. Rio de Janeiro. Elsevier, 2011. 1205-1210
MANDAL, A.K.; CHAKRABARTI, D. Update on congenital glaucoma. Indian J
Ophthalmol. 2011;59(Suppl1):S148-S157.
SILVA, D.J.; KHAW, P.T.; BROOKES, J.L. Long-term outcome of primary congenital
glaucoma. J AAPOS. v.15, n.2, p.148-152, 2011.
HELMY, H. Combined tra-beculotomy-trabeculectomy versus Ahmed Valve implantation for
refractory primary congenital glaucoma in Egyptian patients: a long-term follow-up.
Electron Physician. v.8, n.2, p.1884-91, 2016.
YASSIN, S.A.; AL-TAMIMI, E.R. Surgical outcomes in children with primary congenital
glaucoma: a 20-year experience. Eur J Ophthalmol. Epub antes da publicação, 2016.
KHALIL, D.H.; ABDELHAKIM, M.A. Primary trabeculotomy compared to combined
trabeculectomy-trabeculotomy in congenital glaucoma: 3-year study. Acta Ophthalmol. Epub
antes da publicação, 2016.
HOQUET, A. et al. A retrospective survey of childhood glaucoma prevalence according to
Childhood Glaucoma Research Network classification. Indian J Ophthalmol. v.64, n.2, p.
118-23, 2016.
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