Imagem da Semana: Tomografia Computadorizada Imagem 01. Tomografia computadorizada de tórax, corte de 5,00 mm de espessura, sem injeção endovenosa de meio de contraste iodado, nível supracarinal: opacificação dos lobos pulmonares superiores, padrão de atenuação em vidro fosco. Imagem 02. Tomografia computadorizada de tórax, corte de 5,00 mm de espessura, sem injeção endovenosa de meio de contraste iodado nível infracarinal: opacificação dos lobos pulmonares inferiores, padrão de atenuação em vidro fosco. Paciente masculino, 39 anos, vem apresentando há três meses dor abdominal difusa e intensa. Há dois meses apresentando dispneia em repouso, de evolução progressiva, associada à sensação de aumento da temperatura corpórea (não termometrada), calafrios, vômitos, sudorese e tosse pela manhã. Houve perda ponderal concomitante de 22 kg. Há relato de exposição a agrotóxicos durante cinco meses, sem uso de equipamento de proteção individual. Ao exame, apresentava-se emagrecido, dispnéico e sudorético, O murmúrio vesicular estava diminuído na base de ambos hemitórax, e a frequência respiratória era de 42 irpm, em uso de oxigênio suplementar por máscara facial. O teste rápido para identificação de anticorpos para o vírus da imunodeficiência humana (VIH) foi positivo. Qual o diagnóstico mais provável diante dos dados clínicos e das imagens tomográficas apresentadas? a) Pneumonia bacteriana b) Pneumocistose c) d) Pneumonite por hipersensibilidade Tuberculose pulmonar Análise das Imagens Imagens 1 e 2: Tomografia computadorizada (TC) de tórax mostrando opacidade difusa com atenuação em vidro fosco comprometendo o parênquima pulmonar bilateralmente (área em vermelho). O aspecto em vidro fosco é caracterizado por aumento homogêneo da atenuação sem obscurecer os limites das estruturas vasculares, podendo ser causado por espessamento do interstício alveolar, espessamento das paredes alveolares ou pela presença de líquido ou células nos espaços alveolares. Diagnóstico Este paciente, portador do VIH, apresentava dispneia, calafrios, sudorese, tosse, e emagrecimento expressivo em curto intervalo de tempo, caracterizando a síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA). As alterações à TC, inespecíficas, podem ser observadas na Pneumocistose, que se manifesta com início insidioso, síndrome febril, tosse seca e dispneia progressiva, podendo evoluir para insuficiência respiratória; precedida por astenia e perda ponderal. A pneumonia bacteriana apresenta, em geral, início insidioso, mas pode se expressar de forma aguda, como síndrome febril, com predomínio de calafrios, tosse e expectoração amarelo-esverdeada, podendo haver dor pleurítica e dispneia, com estertores teleinspiratórios pulmonares localizados. As radiografias simples de tórax geralmente apresentam consolidações alveolares subsegmentares, segmentares ou lobares. É a principal complicação pulmonar em portador do VIH. A pneumonite por hipersensibilidade caracteriza-se por surtos de infiltração pulmonar, formação de granulomas pulmonares nas fases aguda e subaguda, com fibrose difusa posterior. Os surtos agudos normalmente são acompanhados de síndrome febril, tosse e dispneia; e a fase crônica é caracterizada por dispneia aos esforços e tosse seca. A perda de peso nem sempre é marcante. O aspecto radiológico depende do tempo de evolução do processo patológico. A tuberculose pulmonar é caracterizada por tosse persistente por semanas a meses, produtiva ou não, febre vespertina, sudorese noturna e emagrecimento. Apresenta-se com sintomatologia variável em portador do VIH, dependendo do grau de imunossupressão. As alterações radiológicas consistem de consolidações alveolares heterogêneas, localizadas ou difusas, que podem demonstrar escavações, porém predominando o infiltrado intersticial tipo micronodular. Linfadenomegalias, raras na reinfecção tuberculosa do paciente imunologicamente competente, são frequentes; derrame pleural também pode ser evidenciado. Discussão do caso A pneumocistose é infecção oportunista causada pelo Pneumocystis carinii (PC), frequentemente associada à imunodeficiência de linfócitos T (LT), e acomete, principalmente, pacientes com SIDA. O PC raramente produz doença em pessoas imunocompetentes, mas pode causar pneumonia grave na presença de condições clínicas debilitantes. A pneumocistose ocorre em 60 a 90% dos pacientes com SIDA e cerca de 60% deles apresentam pneumonia pneumocística como manifestação inicial. O PC, depois de inalado, deposita-se nos alvéolos, onde causa pneumonite, decorrente da ocupação dos espaços aéreos por exsudato rico em proteínas e trofozoítos. O resultado é a formação de fístulas arteriovenosas intrapulmonares, espessamento da membrana alveolar, inflamação do parênquima, edema e fibrose. A sua manifestação clínica inicial, em portador de SIDA, é insidiosa, estendendo-se por dias a semanas, mas progride, atingindo franca insuficiência respiratória. A presença de algumas alterações podem sugerir o diagnóstico de SIDA, como, por exemplo, candidíase oral. Em pacientes imunocompetentes o seu início tende a ser agudo, com temperatura corpórea elevada e alterações à imagem radiológica pulmonar semelhantes aos portadores de SIDA. O nível sérico de desidrogenase láctica acima de 800 UI/L é frequente, entretanto, não possui especificidade; e as crioaglutininas são negativas. A gasometria arterial mostra PO2 reduzida, em geral, na dependência da intensidade do comprometimento pulmonar. A radiografia de tórax mostra infiltrado intersticial difuso bilateral sem adenomegalia hilar. Em alguns casos, pode-se observar cistos no parênquima com risco de provocar pneumotórax. A histopatologia típica revela exsudato intraalveolar espumoso (líquido proteináceo contendo fibrina, parasitos e restos celulares); o que determina à TC o padrão em vidro fosco. Apesar de tal achado ser bastante sugestivo, não é patognomônico da doença. A TC é indicada, principalmente, no diagnóstico diferencial e controle evolutivo do tratamento. O diagnóstico confirmatório depende da visualização do PC em secreção respiratória ou tecido pulmonar, com sensibilidade de 50 a 90% se a amostra é coletada por escarro espontâneo e pode chegar a 99% se obtida por lavado broncoalveolar ou biópsia transbrônquica. Em áreas endêmicas, como Minas Gerais, é necessário considerar os fungos Paracoccidioidis brasiliensis e o Histoplasma capsulatum como causadores de alterações nas vias aéreas. Aspectos relevantes -Portador de VIH. -Início insidioso, emagrecimento expressivo, taquidispneia expressiva, tosse não produtiva, calafrios, síndrome febril. -Os exames complementares não apresentam alterações específicas, entretanto, a contagem de LT CD4+ é, usualmente, inferior a 250/mm3. -Radiografia de tórax geralmente mostra um infiltrado intersticial difuso bilateral sem adenomegalia, padrão não característico. -TC de tórax com opacidade difusa com atenuação em vidro fosco comprometendo o parênquima pulmonar bilateralmente. -O diagnóstico requer, especialmente, em áreas endêmicas para o Paracoccidioidis brasiliensis e o Histoplasma capsulatum, considerar estes fungos diante de alteração das vias aéreas. Referências -Ambrósio AVA, Camelo CCS, Barbosa CV, Tomazatti FG, Brazões FAS, Veloso JM, Rodrigues GV, Rodrigues LF, Oliveira PID, Aguiar RA, Siqueira VS, Jardim VB, Gontijo VAC, Cruz SG, Siqueira WC, Pedroso ERP. Paracoccidioidomicose (doença de Lutz-Splendore-Almeida) - manifestações clínicas. Rev Med Minas Gerais; 241:67-73, Jan/Mar, 2014 -Ambrósio AVA, Camelo CCS, Barbosa CV, Brazões FAS, Rodrigues LF, Aguiar RA, Siqueira VS, Jardim VB, Moura ACL, Santos LS, Cruz SG, Siqueira WC, Rocha-Silva F, Caligiorne RB, Góes AM, Pedroso ERP. Paracoccidioidomicose (doença de Lutz-Splendore-Almeida): tratamento, duração do tratamento, recidiva, reação paradoxal, prognóstico, profilaxia. Rev Med Minas Gerais; 241:74-80, Jan/Mar, 2014 -Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças Infecciosas e parasitárias: guia de bolso/Ministério da Saúde – 8 ed. rev. – Brasília: Ministério da Saúde. 2010. Parte III, cap. 1, pág. 75-89; -Pedroso ERP, Oliveira RG. AIDS. In Pedroso ERP, Oliveira RG. Blackbook Clínica Médica. 1a edição. Blackbook Editora. Belo Horizonte. 2007. Pág. 674-687; -Pedroso ERP, Serufo JC. Pneumonias. In, Pires MTB, Pedroso ERP, Serufo JC, Braga MA. Emergências Médicas. 1a edição – Rio de Janeiro: MedBook, 2014. Cap. 52, pág. 569-577; -Ravetti CG, Greco DB, Pedroso ERP. Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. In, Pires MTB, Pedroso ERP, Serufo JC, Braga MA. Emergências Médicas. 1a edição – Rio de Janeiro: MedBook, 2014. Cap. 58, pág. 629-665. -Silva, I. Tórax – São Paulo: Colégio Brasileiro de Radiologia, 2010. Cap. 15, pág. 299-312; cap. 18, pág. 335- 351; cap. 24 , pág. 421-431. -Veronesi, R, Diament D, Focaccia R, Ferreina, MS, Siciliano RF. Tratado de Infectologia. 4ª edição – São Paulo: Atheneu, 2010. Volume 2, parte VIII, cap. 87, pág. 1577-1591. Orientadores Enio Roberto Pietra Pedroso, Infectologista, professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. E-mail: enio[arroba]medicina.ufmg.br José Nelson Mendes Vieira, Radiologista, Professor do Departamento de Anatomia e Imagem da Faculdade de Medicina da UFMG. E-mail: [email protected] Responsáveis Letícia Horta Guimarães, acadêmica do 11º período da Faculdade de Medicina da UFMG. E-mail: leticiahorta[arroba]gmail.com Fernando Carrera, acadêmico do 11º período da Faculdade de Medicina da UFMG. E-mail: nandocarrera[arroba]gmail.com Revisores Marina Bernardes Leão, Janaína Chaves, Ana Júlia Bicalho, Luanna Monteiro, Bárbara Bragaglia, André Guimarães, Viviane Parisotto.