Arecente crise financeiro-econômica iniciada em

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P
PELO MUNDO
ALEMANHA
Noel Joaquim Faiad
Existe alternativa
Dayane da Silva Tavares
O
segundo artigo da nossa coluna Pelo Mundo, que pretende caracterizar o sistema de fomento de
diferentes países, foi escrito por Dayane Tavares e trata sobre o sistema de desenvolvimento
alemão. Dayane chama atenção, no texto, para a importância das instituições financeiras
públicas na recuperação econômica e para o desenvolvimento da maior economia europeia,
além de nos contar um pouco sobre a complexa divisão do sistema em bancos comerciais privados,
bancos públicos e bancos cooperativos e sobre a atuação dos bancos especializados. Elaressalta também
a peculiaridade da baixa participação do mercado de capitais no sistema de financiamento produtivo do
país. Dayane Tavares é economista de formação, especialista em Economia do Petróleo e Gás pela UFRJ e
atua como analista técnica na ABDE. Espero que vocês aproveitem a leitura.
Fernanda Feil, economista e gerente de Estudos Econômicos da ABDE
A
recente crise financeiro-econômica iniciada em
2007/2008 nos lembrou que a história do capitalismo é permeada por crises – algumas mais
intensas que outras, mas todas assolaram a economia. É interessante notar que, durante esses
períodos de instabilidade, uma das alternativas encontradas
para minimizar os efeitos dos ciclos econômicos em muitos
países, desenvolvidos e em desenvolvimento, foi a criação ou
consolidação de bancos públicos de financiamento com o
objetivo de fortalecer as economias nacionais. Foi assim nos
Estados Unidos, no New Deal, e em parte da Europa, Ásia e
América Latina no pós-Segunda Guerra Mundial.
A Alemanha não foi exceção. Ainda que os bancos
tenham desempenhado papel central na história econômica e
financeira alemã desde a Idade Média, o país implantou e
aperfeiçoou um complexo sistema bancário público para
apoiar seu desenvolvimento e industrialização na reconstrução do pós-guerra (esse sistema foi decisivo também no
processo de unificação na década de 1990). Com um Produto Interno Bruto de US$ 3,6 trilhões em 2013, a Alemanha é a
quarta economia do mundo. Na Europa é a maior economia,
o país mais industrializado e o segundo mais populoso. Apresenta, ainda, baixas taxas de desemprego e de inflação, alto
índice de escolaridade e um dos maiores PIBs per capita do
mundo, que totaliza US$ 43,9 mil. O setor exportador tem
papel fundamental na economia, tendo sido um dos principais
responsáveis pelo crescimento nos últimos anos. No geral, a
Alemanha exporta produtos de alto valor agregado, com
destaque para veículos, máquinas, equipamentos e produtos
químicos. As exportações foram fundamentais para que o país
iniciasse o processo de recuperação da crise financeira.
Diferentemente de outras nações onde o mercado de
capitais tem grande relevância, na Alemanha o crédito bancário é a principal fonte de recursos para empresas, especialmente para as de pequeno e médio porte. Atualmente, o país conta
com um sistema financeiro misto, com a participação de instituições privadas e públicas. O crédito é em grande parte fornecido por bancos comerciais e de poupança, enquanto outras
formas de crédito são secundárias.
Basicamente, o sistema financeiro alemão está estruturado em bancos comerciais privados, bancos públicos e bancos
cooperativos. O sistema é complementado, ainda, pelos
bancos especializados (privados ou públicos). A principal
característica desse sistema é a universalidade na oferta de
serviços, ou seja, a maioria das instituições oferece uma série
de serviços bancários: comerciais, investimento, seguro,
imobiliário etc.
Os bancos comerciais (grandes bancos, bancos regionais,
estrangeiros e particulares) atuam como bancos múltiplos e
representavam 36% dos ativos do sistema bancário em 2010.
RUMOS - 42 – Março/Abril 2014
ao mercado de capitais?
Os bancos públicos, que representavam 31% dos ativos
do sistema neste mesmo período, são divididos em caixas
econômicas municipais (Sparkassen) e centrais regionais de
depósitos (Landesbanken). As Sparkassen são as principais
prestadoras de serviços bancários para pessoas físicas e
empresas, na maioria pequenas e médias. Os Landesbanken
agem como câmaras de compensação para as respectivas
caixas econômicas locais, além de atuarem no mercado de
capitais.
O setor de bancos cooperativos possui estrutura similar
ao segmento de bancos públicos. As cooperativas de crédito
depositam o excedente de recursos nas caixas centrais de
cooperativas, que o canalizam para o Banco Cooperativo
Federal. Essa estrutura representava 11% dos ativos do
sistema. O foco dessas instituições são as pequenas e médias
empresas, empréstimo imobiliário e investimentos estruturados pelas cooperativas centrais. As caixas cooperativas
centrais agem de forma similar aos Landesbanken, como
câmaras de compensação e porta de entrada para os mercados de capitais.
A partir das últimas décadas, os bancos públicos e cooperativos têm atuado cada vez mais como bancos múltiplos.
Tais instituições possuem atuação restrita regionalmente, de
forma que não há concorrência entre as instituições do próprio segmento.
Finalmente, o sistema bancário alemão é complementado pelas chamadas instituições especializadas, que são protegidas por barreiras legais contra concorrência com as demais
instituições financeiras, que só podem atuar neste segmento
por meio de subsidiárias. São exemplos de instituições especializadas os bancos hipotecários, companhias imobiliárias e
instituições com funções específicas. Os bancos hipotecários podem ser privados ou públicos e são os mais importantes dentro desse grupo, responsáveis pelo financiamento da
construção civil, investimentos industriais e agrícolas. Além
disso, concedem crédito ao setor público e instituições
públicas.
As instituições de fomento puras ficaram restritas ao
KfW Bankengruppe e bancos estaduais com propósitos
específicos. Fundado em 1948 com o objetivo de auxiliar a
reconstrução da economia após a Segunda Guerra Mundial,
como parte do Plano Marshall, o KfW atualmente é um dos
mais importantes bancos de desenvolvimento do mundo e
um dos dez maiores bancos da Alemanha.
Com ativos da ordem de 512 bilhões de euros (algo em
torno de 18% do PIB) e financiamentos de mais de 400
bilhões de euros (15% do PIB), o controle de seu capital
pertence ao governo federal (80%) e aos estados da federação
(20%). A estrutura de captação está concentrada (cerca de
90%) no mercado monetário e de capitais, principalmente
por meio de títulos que são garantidos pelo Governo Federal.
Atualmente, o KfW trabalha em duas frentes principais:
mercado doméstico (financiamento e capital de giro para
pequenas e médias empresas, financiamento para inovação,
educação, habitação, infraestrutura, meio ambiente, setor
público, entre outros) e negócios internacionais (financiamento ao setor exportador e cooperação financeira internacional). O grupo atua por meio de subsidiárias que possuem
perfis específicos em termos de foco e instrumentos.
O sistema bancário alemão cresceu de forma constante
até 2008, quando os ativos totais representavam 366% do
PIB nominal na Alemanha. Depois de uma contração de
13% entre 2008 e 2009, o sistema manteve-se, aproximadamente, do mesmo tamanho.
Entretanto, o setor foi fortemente afetado pela crise
financeira de 2008-2009. Com os balanços de bancos privados deteriorados, os empréstimos foram reduzidos. Assim
como outros países (o próprio Brasil e o Chile, por exemplo),
a Alemanha utilizou bancos públicos para intensificar o
financiamento ao setor privado. O KfW introduziu um “programa anticíclico especial” que forneceu linhas de crédito e
garantias de empréstimo para bancos, a fim de manter o
crédito à economia fluindo. Além disso, aumentou a concessão de crédito para grandes empresas com problemas de
liquidez, intensificou os empréstimos para infraestrutura e
ajudou na recapitalização de bancos estatais regionais.
Ao longo das últimas duas décadas, as instituições financeiras públicas mantiveram participação relevante no total
dos ativos bancários mundiais (em média 25%). Experiências de países desenvolvidos demonstram que não há um
modelo ideal de sistema financeiro para promover o desenvolvimento econômico. O formato institucional desse
conjunto varia bastante entre os países em função de uma
série de fatores. Tanto sistemas financeiros baseados no
crédito bancário, quanto em mercados de capitais, tiveram
êxito. A Alemanha é um exemplo de país que conseguiu
combinar desenvolvimento financeiro e econômico, com
base no crédito bancário, por meio da utilização de um
sistema bancário misto, com a participação de instituições
públicas e privadas.
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RUMOS - 43 – Março/Abril 2014
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