UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA DISCIPLINA DE BIOQUÍMICA (Prof. Eduardo Beltrão) CASO CLÍNICO: Cetoacidose Diabética Aluna: Mariana Arroxelas M1 – Turma 121 Dezembro de 2006 Um homem de 24 anos de idade, que tinha diabetes há 5 anos, estava bem até dois dias antes de sua admissão ao hospital, quando apresentou febre, náuseas e vômito. Ele não havia tomado sua insulina por 24 horas porque estava incapacitado de comer. Quando da admissão, estava inconsciente e com hálito cetônico. Ele tinha os sinais físicos de uma desidratação de moderada a intensa. Uma amostra de urina foi 4+ para glicose e fortemente positiva para corpos cetônicos. Uma amostra de sangue arterial foi mandada para determinação do pH sanguíneo e pCO2. O soro foi positivo para corpos cetônicos também. Foram administradas, imediatamente, 100 unidades de insulina ao paciente. Em aproximadamente 45 minutos os resultados do laboratório estavam disponíveis. Os dados sorológicos foram os seguintes: glicose – 55 mmoles/L; creatinina – 260 moles/L; sódio – 138 mmoles/L; potássio – 5,9 mmoles/L; cloreto – 94 mmoles/L e concentração total de CO2 – 3mmoles/L. A pCO2 arterial era de 18 mmHg (2,3 kPa) e o pH do sangue era 7,05. Devido ao baixo CO2 e alta glicemia, mais 200 unidades de insulina foram. Após duas horas, uma amostra sanguínea foi novamente colhida e enviada ao laboratório. Os resultados foram os seguintes: glicose – 48 mmoles/L; CO2 total, 5 mmoles/L e pH 7,1. Cetonas plasmáticas foram fortemente positivas. O paciente estava ainda semiconsciente, mas parecia mais hidratado e começava a excretar urina. Devido à persistência da baixa concentração de CO2, da intensa cetonemia e dos níveis elevados de glicose sanguínea, outra injeção de 300 unidades de insulina foi administrada. Duas horas após a segunda injeção de insulina, novos exames sanguíneos foram realizados apresentando os seguintes resultados: glicose – 22 mmoles/L e CO2 total – 10 mmoles/L. As condições do paciente estavam definitivamente melhores e ele estava consciente. Insulina não foi mais administrada neste. Outra amostra de sangue foi colhida 2 horas depois. A glicose era de 14 mmoles/L. O CO2 total era de 16mmoles/L e o pH 7,35. A cetonas plasmáticas deram apenas traços positivos em soro não diluído. Questões bioquímicas 1. Porque se desenvolveu intensa hiperglicemia neste paciente? Porque havia, no sangue, excesso de glucagon, uma resposta pancreática decorrente da ausência de glicose no interior das células dependentes de insulina. As células, sem fornecimento de glicose, entendem que não há glicose no sangue. Assim, o fígado recebe a mensagem, através do glucagon, para acentuar a gliconeogênese, aumentando a glicemia, apesar das já altas taxas de glicose. 2. Como a cetose se desenvolveu diante de elevada concentração de glicose sanguínea? A alta de glicogênio (que ocorreu apesar da hiperglicemia) provoca a desativação da enzima acetil-CoA carboxilase. Logo, seu produto, o malonil-CoA (substrato para síntese de ácidos graxos), tem sua concentração diminuída e então a carnitina acil-transferase I (anteriormente inibia pelo malonil-CoA citoplasmático) é desinibida, acentuando a βoxidação. O produto desse processo será o acetil-CoA, que, em excesso no mitosol dos hepatócitos, é desviado para a síntese de corpos cetônicos, posteriormente jogados na corrente sanguínea para fornecer energia aos tecidos extra-hepáticos (no momento, sem acesso à glicose sanguínea. O cérebro constitui uma exceção, pois suas células são independentes de insulina, ou seja, utilizam a glicose, sem impedimentos). Esse acúmulo de Acetil-CoA ocorre porque a β-oxidação está acontecendo, mas o ciclo de Krebs foi “freado” pelo consumo de oxalacetato pela gliconeogênese. 3. Como a insulina administrada funcionou para ajudar a corrigir a anormalidade metabólica? A insulina permitiu a entrada da glicose, disponível no sangue, nas células. Elas, então, passam a degradá-la pela glicólise, Krebs e cadeia. A taxa de glucagon baixa, assim como a glicemia. A insulina também permitiu a ativação da acetil-CoA carboxilase, aumentando os níveis de malonil-CoA, que tanto inibe a carnitina aciltransferase I, inibindo a β-oxidação, como inicia a síntese de ácidos graxos, retirando aquela glicose do sangue e armazenando sua energia na forma de ácido graxos. Para que isso aconteça, a gliconeogênese, agora não mais necessária, cessa e permite a ocorrência normal do ciclo de Krebs, de modo que, agora, o citrato será desviado para ser usado como fonte de acetil-CoA no citosol. A insulina também permite o armazenamento da glicose na forma de glicogênio. 4. Porque foi desenvolvida acidose? Por causa do excesso de corpos cetônicos, principalmente acetoacetato e D- βhidroxibutirato, no sangue. O corpo não foi capaz de, apenas com seu sistema tamponante respiratório (exalação de acetona), manter o pH sanguíneo. 5. Quais eventos bioquímicos estão envolvidos neste caso clínico? A gliconeogênese, a β-oxidação e a síntese de corpos cetônicos.