Evangelho segundo S. Lucas 24,1-12. – cf.par. Mt 28,1-10; Mc 16,18; Jo 20,1-18 No primeiro dia da semana, ao romper da alva, as mulheres foram ao sepulcro, levando os perfumes que haviam preparado. Encontraram removida a pedra da porta do sepulcro e, entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus. Estando elas perplexas com o caso, apareceram-lhes dois homens em trajes resplandecentes. Como estivessem amedrontadas e voltassem o rosto para o chão, eles disseram-lhes: «Porque buscais o Vivente entre os mortos? Não está aqui; ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galileia, dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia.» Recordaram-se, então, das suas palavras. Voltando do sepulcro, foram contar tudo isto aos Onze e a todos os restantes. Eram elas Maria de Magdala, Joana e Maria, mãe de Tiago. Também as outras mulheres que estavam com elas diziam isto aos Apóstolos; mas as suas palavras pareceram-lhes um desvario, e eles não acreditaram nelas. Pedro, no entanto, pôs-se a caminho e correu ao sepulcro. Debruçando-se, apenas viu as ligaduras e voltou para casa, admirado com o sucedido. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja 2ª homilia para a Noite Santa A noite que nos liberta do sono da morte Vigiemos, irmãos, porque até esta noite Cristo permaneceu no seu túmulo. Foi durante esta noite que se deu a ressurreição da carne. Sobre a cruz, ela foi alvo de irrisão; hoje, os céus e a terra a adoram. Esta noite faz já parte do nosso domingo. Era mesmo preciso que Cristo ressuscitasse durente a noite, uma vez que a Sua ressurreição iluminou as nossas trevas. Tal como a nossa fé, fortificada pela ressurreição de Cristo, afasta todo o sono, assim esta noite, iluminada pelas nossas velas, se enche de claridade. Ela faz-nos esperar, com a Igreja espalhada por toda a terra, que não havemos de ser surpreendidos a meio da noite (Mc 13, 33). Em tantos paises que esta festa, tão solene para todos, reune em nome de Cristo, o sol já se pôs - mas o dia ainda não acabou; as luzes do céu deram lugar às luzes da terra... Aquele que nos deu a glória do Seu Nome (Sl 28, 2) iluminou também esta noite. Aquele a quem dizemos "Tu iluminas as minhas trevas" (Sl 18, 29) derrama a Sua claridade nos nossos corações. E, assim como os nossos olhos deslumbrados contemplam as velas acesas, assim o nosso espírito iluminado nos faz ver como esta noite Evangelho segundo S. Lucas 24,13-35. Nesse mesmo dia, dois dos discípulos iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera. Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer. Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; como os sumos sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.» Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito. Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso.» Entrou para ficar com eles. E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceramno; mas Ele desapareceu da sua presença. Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África), doutor da Igreja Sermão 235 “Caminhava com eles” Depois da sua ressurreição, o Senhor Jesus encontrou no caminho dois dos seus discípulos que falavam entre si do que tinha acontecido e disse-lhes: “De que faláveis no caminho que vos torna tão tristes?” Esta passagem do Evangelho dá-nos uma grande lição, se a soubermos entender. Jesus aparece, mostra-se aos olhos dos discípulos e não é reconhecido. O Mestre acompanha-os pelo caminho, Ele próprio é o Caminho; mas eles ainda não estão no verdadeiro Caminho. Quando Jesus os encontra, eles tinham perdido o Caminho. Enquanto estava com eles, antes da sua paixão, Jesus tinha-lhes predito tudo: os sofrimentos, a morte, a ressurreição ao terceiro dia. Tinha-lhes anunciado tudo; mas a sua morte tinha-lhes feito perder a memória... ”Esperávamos, diziam, que Ele libertasse Israel.” Como é, ó discípulos, esperáveis e agora já não esperais? Mas Cristo está vivo e a vossa esperança está morta! Sim, Cristo está vivo. Mas o Cristo vivo encontrou mortos os corações dos seus discípulos. Aparece aos seus olhos e eles não o percebem; mostra-se e permanece-lhes escondido. Se não se mostrasse, como é que os discípulos poderiam ouvir a sua pergunta e responder-lhe? Caminha com eles e parece seguilos mas é Ele quem os conduz. Vêem-nos mas não o reconhecem, “porque os seus olhos, diz o texto, estavam impedidos de O reconhecer”... A ausência do Senhor não é uma ausência. Crê somente e Aquele que não vês estará contigo. Santo Agostinho (354-430), Bispo de Hipona (Norte de África) e Doutor da Igreja Sermão 235 «Fica connosco Senhor» Irmãos, quando é que o Senhor se deu a conhecer? Na fracção do pão. Estamos assim certos disto mesmo: quando rompemos o pão, reconhecemos o Senhor. Se ele só quis ser reconhecido nessa altura, foi por causa de nós, nós que não o veríamos em sua carne, mas que no entanto comeríamos a sua carne. Então, tu que acreditas nele, quem quer que sejas, tu, que não é em vão que te chamas cristão, que não entras na igreja por acaso, que escutas a palavra de Deus com temor e esperança, para ti, a fracção do pão será uma consolação. A ausência do Senhor não é uma verdadeira ausência. Tem fé, e ele está contigo, ainda que não o vejas. Quando o Senhor começou a falar com eles, os discípulos ainda não tinham fé. Eles ainda não acreditavam na sua ressurreição; nem esperavam sequer que ele pudesse ressuscitar. Tinham perdido a fé; tinham perdido a esperança. Eram mortos que caminhavam com um vivo; caminhavam, mortos, com a vida. A vida caminhava com eles, mas em seus corações, a vida ainda não tinha sido renovada. E tu, desejas a vida? Imita os discípulos, e reconhecerás o Senhor. Eles ofereceram a hospitalidade; a Senhor parecia decidido a continuar o seu caminho, mas eles retiveram-no… Tu também, retém o estrangeiro se queres reconhecer o teu Salvador… Aprende onde procurar o Senhor, onde possuí-lo, onde reconhecê-lo: partilhando o pão com ele. São Gregório Magno (c. 540-604), papa e doutor da Igreja Homilia 23 «Não vos esqueçais da hospitalidade» Dois dos discípulos caminhavam juntos. Eles não acreditavam, e no entanto falavam sobre o Senhor. De repente Este apareceu-lhes, mas sob uns traços que não lhes permitia reconhecêLo. [...] Convidam-No para partilhar da sua pousada, como é costume entre viajantes [...] Põem então a mesa, apresentam os alimentos, e a Deus, que eles não tinham ainda reconhecido na explicação das Escrituras, descobrem-No quando da fracção do pão. Não foi portanto ao escutarem os preceitos de Deus que foram iluminados, mas ao cumpri-los: «Não são os que ouvem a Lei que são justos diante de Deus, mas os que praticam a Lei é que serão justificados» (Rm 2,13). Se quisermos compreender o que ouvimos, apressemo-nos a pôr em prática o que conseguimos perceber. O Senhor não foi reconhecido enquanto falava; Ele dignou-Se manifestar-Se quando Lhe ofereceram de comer. Ponhamos pois amor no exercício da hospitalidade, queridos irmãos; pratiquemos de coração a caridade. Diz Paulo sobre este assunto: «Que permaneça a caridade fraterna. Não vos esqueceis da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos.» (He 13,1; Gn 18,1ss). Também Pedro diz: «Exercei a hospitalidade uns para com os outros, sem queixas» (1 Pe 4,9). E a própria Verdade nos declara: «Era peregrino e recolhestes-Me» [...] «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25,35.40) [...] E apesar disto, somos tão preguiçosos diante da graça da hospitalidade! Avaliemos, irmãos, a grandeza desta virtude. Recebamos Cristo à nossa mesa, para que possamos ser recebidos no seu festim eterno. Dêmos neste preciso momento a nossa hospitalidade a Cristo que no estrangeiro está, para que no momento do julgamento não sejamos como estrangeiros que Ele não sabe de onde vêm (Lc 13,25), mas sejamos irmãos que em seu Reino Ele recebe. Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da Europa Para 6 de Janeiro de 1941 “Caminhava com eles” O próprio Salvador, que a Palavra da Escritura coloca diante dos nossos olhos na sua humanidade, mostrando-no-Lo em todos os caminhos que percorreu nesta terra, habita entre nós escondido sob as aparências do pão eucarístico, vem todos os dias até nós como Pão da Vida. Nestes dois aspectos, torna-Se próximo de nós e sob estes dois aspectos deseja que O procuremos e O encontremos. Um chama o outro. Quando vemos o Salvador diante de nós com os olhos da fé, tal como a Escritura no-Lo retrata, aumenta o nosso desejo de O acolher em nós no Pão da Vida. Por sua vez, o pão eucarístico aviva o nosso desejo de conhecer o Senhor sempre com maior profundidade, a partir da Palavra da Escritura, e dá forças ao nosso espírito, com vista a uma melhor compreensão. São José Maria Escriva de Balaguer (1902-1975), padre, fundador Homilia, in «Amigos de Dios» «Fica connosco» Os dois discípulos encontravam-se em Emaús. Tinham uma aparência comum, como a de tantas outras pessoas que por aquelas paragens passavam. E foi aí que, com toda a naturalidade, Jesus lhes apareceu e com eles caminhou, entabulando uma conversa que os fez esquecer o cansaço […]. Jesus ia no caminho. Senhor, como Tu és grandioso! Comoves-me por condescenderes em caminhar connosco, em procurar-nos nesta nossa labuta de todos os dias. Senhor, concede-nos a simplicidade do espírito. Dá-nos um olhar puro, uma inteligência clara para podermos compreender-Te quando nos apareces sem qualquer marca exterior de glória. Ao chegarem ao burgo, o trajecto termina e, sem se darem conta de que foram feridos no mais profundo do seu coração pela palavra e pelo amor de Deus feito homem, os dois discípulos lamentam que Ele Se vá embora. Porque Jesus despede-Se deles, fazendo «menção de seguir para diante». Nosso Senhor nunca se impõe. Depois de termos entrevisto a pureza do amor que nos pôs na alma, Ele quer que O chamemos de livre vontade. Devemos pois retê-Lo com todas as nossas forças, e pedir-Lhe : «Fica connosco, pois a noite vai caindo e já o dia já está no ocaso, começa a fazer-se noite». Somos assim: sempre pouco audazes, talvez por falta de sinceridade, ou por pudor. No fundo pensamos : Fica connosco, porque as trevas cercam a nossa alma e só Tu és a luz, só Tu podes acalmar esta sede que nos consome […] E Jesus fica connosco. Abrem-se-nos os olhos como se abriram a Cléofas e ao companheiro, no momento em que Cristo parte o pão ; e ainda que de novo Ele desapareça da nossa vista, nós seremos capazes de nos pôr ao caminho – começa a fazer-se noite – para falar d’Ele aos outros, porque a alegria não cabe num coração só. João Paulo II Carta Apostólica para o Ano da Eucaristia "Mane nobiscum Domine" "Tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e deu-lho. Então os seus olhos abriram-se" O ícone dos discípulos de Emaús presta-se bem para nortear um ano que verá a Igreja particularmente empenhada na vivência do mistério da sagrada Eucaristia. Ao longo do caminho das nossas dúvidas, inquietações e às vezes amargas desilusões, o divino Viajante continua a fazer-se nosso companheiro para nos introduzir, com a interpretação das Escrituras, na compreensão dos mistérios de Deus. Quando o encontro se torna pleno, à luz da Palavra segue-se a luz que brota do «Pão da vida», pelo qual Cristo cumpre de modo supremo a sua promessa de «estar connosco todos os dias até ao fim do mundo» (cf.Mt 28,20). A narração da aparição de Jesus ressuscitado aos dois discípulos de Emaús ajuda-nos a pôr em destaque um primeiro aspecto do mistério eucarístico, que deve estar sempre presente na devoção do povo de Deus: a Eucaristia, mistério de luz! Em que sentido tal se pode afirmar, e quais são as implicações que daí derivam para a espiritualidade e para a vida cristã? Jesus designou-Se a Si mesmo como «luz do mundo» (Jo 8,12), e esta sua propriedade aparece bem evidenciada em momentos da sua vida como a Transfiguração e a Ressurreição, onde refulge claramente a sua glória divina. Diversamente, na Eucaristia a glória de Cristo está velada. O sacramento eucarístico é o «mysterium fidei» por excelência. E, todavia, precisamente através deste sacramento da sua total ocultação, Cristo torna-Se mistério de luz, mediante o qual o fiel é introduzido nas profundezas da vida divina. A Eucaristia é luz antes de mais nada porque, em cada Missa, a liturgia da Palavra de Deus precede a liturgia Eucarística, na unidade das duas «mesas» — a da Palavra e a do Pão... Na narração dos discípulos de Emaús, o próprio Cristo intervém para mostrar, «começando por Moisés e seguindo por todos os profetas», como «todas as Escrituras» conduzem ao mistério da sua pessoa (cf. Lc 24,27). As suas palavras fazem «arder» os corações dos discípulos, tiram-nos da obscuridade da tristeza e do desânimo, suscitam neles o desejo de permanecer com Ele: «Fica connosco, Senhor» (cf. Lc 24,29). Bento XVI: A fé na ressurreição Intervenção na audiência geral de 26 de março CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 1 de abril de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção que Bento XVI pronunciou na quarta-feira passada, dia 26 de março, durante a audiência geral concedida na praça de São Pedro, no Vaticano. AUDIÊNCIA GERAL Quarta-feira, 26 de Março de 2008 A fé na ressurreição chave de volta do cristianismo Queridos irmãos e irmãs! "Et resurrexit tertia die secundum Scripturas ressuscitou no terceiro dia segundo as Escrituras". Cada domingo, com o Credo, renovamos a nossa profissão de fé na ressurreição de Cristo, acontecimento surpreendente que constitui a chave de volta do cristianismo. Na Igreja tudo se compreende a partir deste grande mistério, que mudou o curso da história e que se torna actual em cada celebração eucarística. Mas existe um tempo litúrgico no qual esta realidade central da fé cristã, na sua riqueza doutrinal e inexaurível vitalidade, é proposta aos fiéis de modo mais intenso, para que cada vez mais a redescubram e mais fielmente a vivam: é o tempo pascal. Cada ano, no "Santíssimo Tríduo de Cristo crucificado, morto e ressuscitado", como lhe chama Santo Agostinho, a Igreja repercorre, num clima de oração e de penitência, as etapas conclusivas da vida terrena de Jesus: a sua condenação à morte, a subida ao Calvário carregando a cruz, o seu sacrifício pela nossa salvação, a sua deposição no sepulcro. No "terceiro dia", depois, a Igreja revive a sua ressurreição: é a Páscoa, passagem de Jesus da morte para a vida, na qual se cumprem em plenitude as antigas profecias. Toda a liturgia do tempo pascal canta a certeza e a alegria da ressurreição de Cristo. Queridos irmãos e irmãs, devemos constantemente renovar a nossa adesão a Cristo morto e ressuscitado por nós: a sua Páscoa é também a nossa Páscoa, porque em Cristo ressuscitado énos dada a certeza da nossa ressurreição. A notícia da sua ressurreição dos mortos não envelhece e Jesus está sempre vivo; e vivo é o seu Evangelho. "A fé dos cristãos observa Santo Agostinho é a ressurreição de Cristo". Os Actos dos Apóstolos explicam-no claramente: "Deus ofereceu a todos um motivo de crédito com o facto de O ter ressuscitado dentre os mortos" (17, 31). De facto, não era suficiente a morte para demonstrar que Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus, o Messias esperado. No decorrer da história muitos consagraram a sua vida a uma causa considerada justa e morreram! E permaneceram mortos. A morte do Senhor demonstra o amor imenso com que Ele nos amou até ao sacrifício por nós; mas só a sua ressurreição é "prova certa", é certeza de que quanto Ele afirma é verdade que vale também para nós, para todos os tempos. Ressucitando-o, o Pai glorificou-o. São Paulo assim escreve na Carta aos Romanos: "Se confessares com a tua boca o Senhor Jesus e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" (10, 9). É importante reafirmar esta verdade fundamental da nossa fé, cuja verdade histórica é amplamente documentada, mesmo se hoje, como no passado, não falta quem de modos diversos a põe em dúvida ou até a nega. O enfraquecimento da fé na ressurreição de Jesus consequentemente torna débil o testemunho dos crentes. De facto, se faltar na Igreja a fé na ressurreição, tudo pára, tudo desmorona. Ao contrário, a adesão do coração e da mente a Cristo morto e ressuscitado muda a vida e ilumina toda a existência das pessoas e dos povos. Não é porventura a certeza de que Cristo ressuscitou que dá coragem, audácia profética e perseverança aos mártires de todos os tempos? Não é o encontro com Jesus vivo que converte e fascina tantos homens e mulheres, que desde o início do cristianismo continuam a deixar tudo para o seguir e pôr a própria vida ao serviço do Evangelho? "Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação e vã a nossa fé" (1 Cor 15, 14). Mas ressuscitou! O anúncio que ouvimos constantemente de novo nestes dias é precisamente este: Jesus ressuscitou, é o Vivente e nós podemos encontrá-Lo. Como o encontraram as mulheres que, na manhã do terceiro dia, o dia depois do sábado, tinham ido ao sepulcro; como o encontraram os discípulos, surpreendidos e perturbados com o que as mulheres tinham contado; como o encontraram muitas outras testemunhas nos dias depois da sua ressurreição. E, também depois da sua Ascensão, Jesus continuou a permanecer presente entre os seus amigos como tinha prometido: "E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28, 20). O Senhor está connosco, com a sua Igreja, até ao fim dos tempos. Iluminados pelo Espírito Santo, os membros da Igreja primitiva começaram a proclamar o anúncio pascal abertamente e sem receio. E este anúncio, transmitido de geração em geração, chegou até nós e ressoa todos os anos na Páscoa com poder sempre novo. Especialmente nesta Oitava de Páscoa a liturgia convida-nos a encontrar pessoalmente o Ressuscitado e a reconhecer a sua acção vivificante nos acontecimentos da história e do nosso viver quotidiano. Hoje, quarta-feira, é-nos proposto por exemplo o episódio comovedor dos dois discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35). Depois da crucifixão de Jesus, imersos na tristeza e na desilusão, eles regressavam a casa desconfortados. Durante o caminho falavam entre si de quanto tinha acontecido naqueles dias em Jerusalém; foi então que Jesus se aproximou, começou a falar com eles e a admoestá-los: "Ó homens sem inteligência e lentos de espírito em crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na Sua glória?" (Lc 24, 25-26). Começando depois por Moisés e por todos os profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que se referia a Ele. O ensinamento de Cristo a explicação das profecias foi para os discípulos de Emaús como uma revelação inesperada, luminosa e confortadora. Jesus dava uma nova chave de leitura da Bíblia e agora tudo parecia claro, orientado precisamente para este momento. Conquistados pelas palavras do viandante desconhecido, pediram-lhe que ceasse com eles. E Ele aceitou e pôs-se à mesa com eles. Refere o evangelista Lucas: "Entrou para ficar com eles e, quando Se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho" (Lc 24, 29-30). E foi precisamente naquele momento que se abriram os olhos e os dois discípulos o reconheceram, "mas Ele desapareceu da sua presença" (Lc 24, 31). Cheios de admiração e de alegria comentaram: "Não estava o nosso coração a arder cá dentro, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as escrituras?" (Lc 24, 32). Em todo o ano litúrgico, particularmente na Semana Santa e na Semana de Páscoa, o Senhor está a caminho connosco e explica-nos as Escrituras, faz-nos compreender este mistério: tudo fala d'Ele. E isto deveria fazer arder os nossos corações, para que se possam abrir também os nossos olhos. O Senhor está connosco, mostra-nos o verdadeiro caminho. Como os dois discípulos reconheceram Jesus ao partir o pão, hoje, ao partir o pão, também nós reconheçamos a sua presença. Os discípulos de Emaús reconheceram-no e recordaram-se dos momentos em que Jesus tinha partido o pão. E este partir o pão faz-nos pensar precisamente na primeira Eucaristia celebrada no contexto da Última Ceia, onde Jesus partiu o pão e assim antecipou a sua morte e a sua ressurreição, dando-se a si mesmo aos discípulos. Jesus parte o pão também connosco e para nós, faz-se presente connosco na Santa Eucaristia, doa-se a Si mesmo e abre os nossos corações. Possamos também nós encontrar e conhecer Jesus na Santa Eucaristia, no encontro com a sua Palavra, nesta dupla Mesa da Palavra, do Pão e do Vinho consagrados. Todos os domingos a comunidade revive a Páscoa do Senhor e recebe do Salvador o seu testamento de amor e de serviço fraterno. Queridos irmãos e irmãs, a alegria destes dias torne ainda mais firme a nossa fiel adesão a Cristo crucificado e ressuscitado. Sobretudo, deixemo-nos conquistar pelo fascínio da sua ressurreição. Ajude-nos Maria a ser mensageiros da luz e da alegria da Páscoa para tantos irmãos nossos. Desejo mais uma vez a todos votos cordiais de Boa Páscoa. Que o Deus de toda a consolação abençoe vossos lares e o trabalho de cada um, para serdes portadores de paz e de alegria na esperança da feliz ressurreição no dia do Senhor! [Tradução difundida pela Santa Sé © Copyright 2008 - Libreria Editrice Vaticana] Pregador do Papa: «Bíblia não está escrita para fazer ciência, mas para dar salvação» Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo ROMA, sexta-feira, 4 de abril de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a Liturgia da Palavra do próximo domingo, III de Páscoa. *** III Domingo de Páscoa Atos 2, 14a.22-28; 1 Pedro 1, 17-21; Lucas 24, 13-35 Explicou-lhes as Escrituras «Acaso não ardia nosso coração enquanto falava conosco, no caminho, quando nos explicava as Escrituras?». Desejamos refletir precisamente sobre este ponto do Evangelho relativo aos discípulos de Emaús: as Escrituras. Há duas formas de aproximar-se da Bíblia. A primeira é considerá-la um livro antigo, cheio de sabedoria religiosa, de valores morais e também de poesia. Deste ponto de vista, é absolutamente o livro mais importante para compreender nossa cultura ocidental e a religião judaico-cristã. É também o livro mais impresso e mais lido de toda a humanidade. Mas existe outra forma, muito mais comprometida, de aproximar-se da Bíblia; é a de crer que ela contém a Palavra viva de Deus para nós. Que é um livro «inspirado», isto é, escrito, sim, por autores humanos, com todos os seus limites, mas com a intervenção direta de Deus. Um livro muito humano e, por sua vez, que fala ao homem de todos os tempos, e lhe revela o sentido da vida e da morte. Sobretudo lhe revela o amor de Deus. Se todas as Bíblias do mundo, dizia Santo Agostinho, por algum cataclismo, fossem destruídas e sobrasse uma só cópia, e desta já não fosse legível mais que uma página, e de tal página só uma linha, se esta linha é a da primeira Carta de João, onde está escrito: «Deus é amor», toda a Bíblia teria sido salva, porque ela se resume nisso. Isso explica por que tantas pessoas se encaminham à Bíblia sem cultura, sem grandes estudos, com simplicidade, com fé em que é o Espírito Santo quem fala nela, e aí encontram respostas a seus problemas, luz, alento, em uma palavra: vida. As duas formas de aproximar-se da Bíblia – a erudita e a da fé – não se excluem; mais ainda, devem manter-se unidas. É necessário estudar a Bíblia, os modos em que se pode interpretá-la (ou levar em conta os resultados de quem assim a estuda), para não cair no fundamentalismo. O fundamentalismo consiste em tomar um versículo da Bíblia literalmente e aplicá-lo assim às situações de hoje, sem considerar a diferença de cultura, de tempo, os diferentes gêneros literários da Bíblia. Crê-se, por exemplo, que o mundo tem pouco mais de 4 mil anos de idade, porque são os anos que se desprendem da Bíblia, ainda que sabemos que, se falamos de anos, o mundo tem vários bilhões, só que a Bíblia não está escrita para fazer ciência, mas para dar salvação. Deus, na Bíblia, adaptou-se a falar da forma em que os homens do tempo pudessem entender; não escreveu só para os homens da era tecnológica. Por outro lado, contudo, reduzir a Bíblia a um mero objeto de estudo e de erudição, permanecendo neutros diante da sua mensagem, significa matá-la. Seria como se um namorado que recebeu uma carta de amor de sua namorada começasse a examiná-la com o dicionário, desde o ponto de vista da gramática e da sintaxe, e se detivesse nestes aspectos, sem perceber o amor que contém. Ler a Bíblia sem fé é como abrir um livro em plena noite: não se vê nada, ou ao menos não o essencial. Ler a Escritura com fé significa lê-la com referência a Cristo, captando, em cada página, aquilo que tem a ver com Ele. Como Ele fez com os discípulos de Emaús. Jesus ficou entre nós de duas maneiras: na Eucaristia e na sua Palavra. Em ambas Ele está presente: na Eucaristia em forma de alimento, na Palavra em forma de luz e de verdade. A Palavra tem uma grande vantagem sobre a Eucaristia. Da comunhão não se podem aproximar mais que os que já crêem e estão em estado de graça; da Palavra de Deus, ao contrário, podem se aproximar todos, crentes e não-crentes, casados e divorciados. E mais ainda, para chegar a ser crente, o meio mais normal é precisamente o de escutar a Palavra de Deus. [Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri] Evangelho segundo S. Lucas 24,35-48. – cf.par. Jo 20,19-23; cf.Mc 16,14 E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão. Enquanto isto diziam, Jesus apresentou-se no meio deles e disselhes: «A paz esteja convosco!» Dominados pelo espanto e cheios de temor, julgavam ver um espírito. Disse-lhes, então: «Porque estais perturbados e porque surgem tais dúvidas nos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.» Dizendo isto, mostroulhes as mãos e os pés. E como, na sua alegria, não queriam acreditar de assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» Deram-lhe um bocado de peixe assado; e, tomando-o, comeu diante deles. Depois, disse-lhes: «Estas foram as palavras que vos disse, quando ainda estava convosco: que era necessário que se cumprisse tudo quanto a meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos.» Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia; que havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas coisas. S. Cirilo de Alexandria (380-444), bispo e doutor da Igreja Comentário sobre o Evangelho de João "Vede as minhas mãos e os meus pés: sou mesmo eu" Ao entrar no Cenáculo com todas as portas fechadas, Cristo mostrou uma vez mais que é Deus por natureza e que não é diferente daquele que antes vivia com os discípulos. Ao descobrir o seu lado e ao mostrar a marca dos cravos, manifestava com evidência que reergueu o templo do seu corpo que tinha estado suspenso da cruz, destruindo a morte corporal pois, por natureza, Ele é a vida e é Deus... Quando chegou o memento de transformar o seu corpo através de uma glória inexprimível e prodigiosa, vemo-lo que se preocupa tanto em confirmar a fé na ressurreição futura da carne que quis, de acordo com o plano divino, aparecer tal como era antes. Assim ninguém pensaria que Ele tinha então um corpo diferente do que tinha morrido na cruz. Mesmo se Cristo tivesse querido manifestar a glória do seu corpo diante dos discípulos antes de subir para o Pai, os nossos olhos não teriam podido suportar tal visão. Compreendê-lo-eis facilmente se vos recordardes da Transfiguração que anteriormente tinha ocorrido sobre a montanha... Por isso, a fim de cumprir exactamente o plano divino, o nosso Senhor Jesus apareceu ainda, no Cenáculo, sob o seu aspecto anterior e não segundo a glória que lhe é devida e que convém ao seu Templo transfigurado. Não queria que a fé na ressurreição se baseasse num aspecto e num corpo diferentes dos que recebeu da Santíssima Virgem e em que morreu, depois de ter sido crucificado segundo as escrituras. Com efeito, a morte só tinha poder sobre a sua carne, de onde iria ser explusa. Porque, se não foi o seu corpo morto que ressuscitou, que espécie de morte foi então vencida? São Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, Doutor da Igreja Sermão 81 "Ele próprio surgiu no meio deles e disse-lhes: 'A paz esteja convosco'." A Judeia rebelde tinha expulsado a paz da terra e lançado o universo no caos primordial. Também entre os discípulos a guerra causava estragos; a fé e a dúvida atacavam-se furiosamente uma à outra. Os corações destes homens, onde a tempestade rugia, não eram capazes de encontrar uma enseada de paz, um porto de calma. Perante este espectáculo, Cristo, que sonda os corações, que manda nos ventos, que domina as tempestades, que, com um simples gesto, transforma a borrasca em céu sereno, firmou-os na sua paz, dizendo: "A paz esteja convosco! Sou Eu; não temais. Sou Eu, o crucificado, o morto, o sepultado. Sou Eu, o vosso Deus, feito homem por vós. Sou Eu. Não sou um espírito revestido de corpo, mas a própria verdade feita carne. Sou Eu, vivo entre os mortos, descido dos céus ao coração dos infernos. Sou Eu, de quem a morte fugiu, a quem os infernos temeram. No seu pavor, o inferno proclamou-Me Deus. Não receies, Pedro, tu que me negaste, nem tu, João, tu que fugiste, nem todos vós que Me abandonastes, que só pensastes em Me trair, que ainda não credes em Mim, embora Me vejais. Não receeis, sou Eu mesmo. Chamei-vos pela graça, escolhi-vos pelo perdão, sustentei-vos com a Minha compaixão, apoiei-vos com o Meu amor, e tomo-vos hoje, pela Minha pura bondade." Beato Guerric d'Igny (c. 1080-1157), abade cisterciense I Sermão para a ressurreição do Senhor, 4 “Por que estais perturbados?” Quando Jesus apareceu aos apóstolos, “estando fechadas as portas, e veio pôr-Se ao meio deles, eles ficaram dominados pelo espanto e cheios de medo, julgando ver um espírito” (Jn 20, 19; Lc 24, 37). Mas, quando soprou sobre eles dizendo “Recebei o Espírito Santo” (Jn 20, 22), e mais tarde, quando lhes enviou do céu esse mesmo Espírito como novo dom, esse dom foi uma prova indubitável da sua ressurreição e da sua nova vida. Com efeito, é o Espírito que dá testemunho no coração dos santos, e em seguida pela sua boca, de que Cristo é a verdade, a verdadeira ressurreição e a vida. É por isso que os apóstolos, que inicialmente tinham duvidado, mesmo à vista do Seu corpo vivo, “davam testemunho da ressurreição com grande poder” (Act 4, 33), depois de terem experimentado esse Espírito que dá a vida. É-nos muito mais proveitoso acolher Jesus no coração do que vê-Lo com os olhos e ouvi-Lo falar. A acção do Espírito Santo sobre os nossos sentidos interiores é muito mais poderosa do que a impre ssão dos objectos materiais sobre os nossos sentidos exteriores. […] Muito bem, irmãos, qual é o testemunho que a alegria do vosso coração presta ao vosso amor por Cristo? […] Quando hoje, na Igreja, tantos mensageiros proclamam a ressurreição, o vosso coração exulta e exclama: “Jesus, o meu Deus, está vivo; eles anunciaram-mo! Perante esta boa nova, o meu espírito desencorajado, tíbio e entorpecido pela dor, recuperou a vida. A voz que proclama esta boa nova desperta da morte os mais culpados…” Irmão, eis o sinal que te permitirá reconhecer que o teu espírito recuperou a vida em Cristo: se ele disser: “Se Jesus está vivo, tanto me basta!” Oh, palavra de fé e bem, digna dos amigos de Jesus! “Se Jesus está vivo, tanto me basta!” Cardeal John Henry Newman (1801-1890), sacerdote, fundador de comunidade religiosa, teólogo Sermões sobre os temas do dia “A paz esteja convosco” O coração de cada cristão deve representar a Igreja Católica, dado que o próprio Espírito faz de toda a Igreja, e de cada um dos seus membros, Templo de Deus (1 Co 3, 16). Assim como opera a unidade na Igreja que, entregue a si própria, se dividiria em numerosas parcelas, assim também torna una a alma, apesar dos seus diversos gostos e das suas faculdades, das suas tendências contraditórias. Assim como dá a paz à multiplicidade das nações, que estão, por natureza, em discórdia umas com as outras, assim também submete a alma a uma gestão ordenada, estabelecendo a razão e a consciência como soberanas sobre os aspectos inferiores da nossa natureza. […] E tenhamos a certeza de que estas duas operações do nosso divino Consolador dependem uma da outra. Enquanto os cristãos não procurarem a unidade e a paz interiores no seu próprio coração, nunca a Igreja viverá em paz e unidade no seio deste mundo que a rodeia. E, de forma bastante semelhante, enquanto a Igreja se encontrar, por todo o mundo, no lamentável estado de desordem que constatamos, não haverá nenhum país específico – parte simples desta Igreja – que não se encontre necessariamente num estado de grande confusão religiosa. É algo em que faremos bem em meditar na hora presente, porque nos equilibrará as esperanças e nos dissipará as ilusões; não podemos esperar ter paz em nós se estivermos em guerra fora de nós. Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) (1891-1942), carmelita, Mártir, co-patrona da Europa «A paz de Cristo» «A paz esteja convosco», tal é a saudação pascal do Ressuscitado (Lc24, 36). Para trazer a paz ao mundo, Ele fez-Se homem. Os anjos anunciavam-no na campina de Belém. A paz – a segurança no seio do eterno Pai - tinha-la Tu, Senhor, mesmo quando andavas como peregrino sobre a terra. E tinha-a a Tua Mãe, pois o seu coração era um só com o Teu. Prestas homenagem ao Pai nas alturas, para que Ele dirija novamente o Seu olhar para a terra e a paz advenha também para aqueles que dela estão privados, o que só aconteceu por meio da Tua morte. Como tinhas completado a obra sangrenta da expiação e entregue o Teu espírito nas mãos do Pai, então Ele inclinou-Se até aos Teus e levou-os, contigo, para o Seu seio. Sem nunca se esgotar, brotou o rio da paz cujo trajecto passa pelo coração da Tua Mãe; ela dirige-o para os homens com as Suas doces mãos. Tu, Rainha da Paz, constuíste a nossa casa para que ela se torne um lugar de paz. Os corações de teus filhos deveriam tornar-se taças transbordan tes do orvalho do céu para darem fecundidade ao país árido. Paulo VI, Papa de 1963 a 1978 Alocução de 9/4/1975 "A paz esteja convosco" Fixemos a nossa atenção na saudação inesperada, três vezes repetida por Jesus ressuscitado quando apareceu aos seus discípulos reunidos na sala alta com medo dos Judeus. Nessa altura, tal saudação devia ser habitual; mas, nas circunstâncias em que foi pronunciada, adquire uma plenitude espantosa. Lembram-se que essa saudação é: "A paz esteja convosco!" Uma saudação que já tinha vibrado no cântico do Natal: "Paz na terra!" (Lc 2,14). Uma saudação bíblica, já anunciada como promessa efectiva do Reino messiânica. Mas agora é comunicada como realidade que toma corpo no primeiro núcleo da Igreja nascente: a paz de Cristo, vitorioso sobre a morte e sobre as causas próximas ou longínquas dos efeitos teríveis e desconhecidos da morte. Jesus ressuscitado anuncia e fundamenta a paz na alma desvairada dos seus discípulos. É a paz do Senhor, entendida na sua significação primeira, pessoal, interior - aquela que Paulo inscreve entre os frutos do Espírito, depois da caridade e da alegria, fundindo-se quase com elas (Ga 5,11). Que há de melhor para um homem consciente e honesto? Não será a paz da consciência o melhor reconforto que podemos encontrar?.. João Paulo II, Papa entre 1978 e 2005 Entrai na esperança “Ele próprio Se colocou no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco’” Temos, mais do que nunca, necessidade de ouvir estas palavras de Cristo ressuscitado: “Nada receeis!” (Mt 28, 10). É uma necessidade para o homem dos nossos dias […], que não cessa de ter medo no seu foro íntimo, e tem razões para isso […]. Como é uma necessidade para todos os povos e para as nações do mundo inteiro. É preciso que, na consciência de cada ser humano, se reforce a certeza de que existe Alguém que tem nas mãos o destino deste mundo que passa, Alguém que detém as chaves da morte e do inferno (Ap, 1, 18), Alguém que é o Alfa e o Ómega da história do homem (Ap 22, 13), quer da individual, quer da colectiva; e, sobretudo, a certeza de que este Alguém é Amor, o Amor encarnado, o Amor crucificado e ressuscitado, o Amor incessantemente presente no meio dos homens! Ele é o Amor eucarístico. Ele é uma fonte inesgotável de comunhão. Ele é o único em quem podemos acreditar sem a menor reserva quando nos pede: “Nada receeis!” Evangelho segundo S. Lucas 24,46-53. – cf.Mc 16,19; At 1,1-14 Jesus disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia; que havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas coisas. E Eu vou mandar sobre vós o que meu Pai prometeu. Entretanto, permanecei na cidade até serdes revestidos com a força do Alto.» Depois, levou-os até junto de Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. Enquanto os abençoava, separou-se deles e elevava-se ao Céu. E eles, depois de se terem prostrado diante dele, voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo a bendizer a Deus. S. Gregório Magno (c. 540-604), papa, doutor da Igreja Homilias sobre os Evangelhos, n° 29 Que o amor nos atraia a segui-lo "O Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus" (Mc 16,19). Partia assim para o lugar de onde era, regressava de um lugar onde continuava a permanecer; com efeito, no momento em que subia ao céu com a sua humanidade, unia pela sua divindade o céu e a terra. O que temos de destacar na solenidade de hoje, irmãos bem amados, é a supressão do decreto que nos condenava e do julgamento que nos votava à corrupção. Na verdade, a natureza humana a quem se dirigem estas palavras: "Tu és terra e regressarás à terra" (Gn 3,19), essa natureza subiu hoje ao céu com Cristo. É por isso, caríssimos irmãos, que temos de segui-lo com todo o nosso coração, até ao lugar onde sabemos pela fé que Ele subiu com o seu corpo. Fujamos dos desejos da terra: que nenhum dos lugares cá de baixo nos entrave, a nós que temos um Pai nos céus. Pensemos também no facto de que aquele que subiu aos céus cheio de suavidade regressará com exigência... Eis, meus irmãos, o que deve guiar a vossa acção; pensai nisso continuamente. Mesmo se estais presos na confusão dos assuntos deste mundo, lançai desde hoje a âncora da esperança para a pátria eterna (He 6,19). Que a vossa alma procure apenas a verdadeira luz. Acabamos de ouvir que o Senhor subiu ao céu; pensemos seriamente naquilo em que acreditamos. Apesar da fraqueza da natureza humana que nos retém ainda cá em baixo, que o amor nos atraia a segui-lo, porque estamos certos de que aquele que nos inspirou este desejo, Jesus Cristo, não nos decepcionará na nossa esperança.