ARTIGO DE REVISÃO Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2016;61:142-5 Torção de cordão espermático: uma emergência urológica Torsion spermatic cord: a urologic emergency Luiz Guilherme de Moraes Matheus1, Carolina Pontes Lima1, Daniel de Castilho2 symptoms. The treatment is based on the surgical procedure to restore blood flow to the affected testicle. This article aims to highlight the importance of knowledge of such condition by the surgeon, since time is a crucial factor in the outcome of the torsion of the spermatic cord. Resumo A torção do cordão espermático constitui uma das principais causas de escroto agudo em especial nas crianças e púberes, apresentando, portanto, característica bimodal. Caracteriza-se como uma emergência cirúrgica, uma vez que o não diagnóstico ou o atraso deste pode causar danos graves ao paciente, incluindo a inviabilidade testicular, tendo em vista que a evolução da lesão se correlaciona diretamente ao tempo de torção do cordão. Afeta anualmente aproximadamente 4 para cada 100 mil homens com idade inferior a 18 anos. O quadro clínico é evidenciado por dor unilateral em região escrotal de início súbito, pode estar acompanhado náusea, vômito e sintomas urinários. O tratamento baseia-se na abordagem cirúrgica a fim de reestabelecer o fluxo sanguíneo para o testículo acometido. O presente artigo tem como objetivo evidenciar a importância do conhecimento de tal condição pelo médico cirurgião, uma vez que o tempo é fator crucial no desfecho da torção do cordão espermático. Keywords: Spermatic cord, Scrotum, Testis, Spermatic cord torsion, Urology, Emergencies Introdução O cordão espermático ou funículo espermático, é uma estrutura do aparelho reprodutor masculino que compreende o ducto deferente, as artérias espermáticas interna e externa, a artéria do ducto, o plexo venoso pampiniforme, os vasos linfáticos e os nervos. O funículo espermático é envolto por uma fáscia fina, formada por tecido conectivo frouxo, apresenta também, pequena quantidade de fibras do músculo cremaster que se inserem sobre o cordão no canal inguinal(1). A torção do cordão espermático, muitas vezes denominada erroneamente por torção de testículo, caracteriza-se pela rotação anômala do testículo em relação ao seu eixo vascular, eixo longitudinal, tendo como principal consequência a interrupção do aporte sanguíneo ao testículo acometido. Consiste portanto em uma emergência urológica, que necessita de avaliação rápida e frequentemente tratamento cirúrgico de emergência(2,3). Historicamente a primeira pessoa a descrever a torção de cordão espermático foi Delasiauve em 1840 na França, referindo-se ao caso de um paciente de quinze anos de idade com torção de cordão espermático em um testículo distópico. Entretanto em 1776, Hunter já havia descrito, mas não publicado, um caso típico de torção testicular, em um paciente de dezoito anos, que após abordagem conservadora evoluiu com atrofia testicular(4,5). Descritores: Cordão espermático, Escroto, Testículo, Torção de cordão espermático, Urologia, Emergências Abstract The torsion of the spermatic cord is a major cause of acute scrotum especially in children and pubescent, with so bimodal feature. It is characterized as a surgical emergency, since no diagnostic or delay this can cause serious harm to the patient, including testicular unfeasible in view of the evolution of the lesion correlates directly to the cord twist of time. Annually affects approximately 4 per 100 thousand men under the age of 18 years. The clinical picture is evidenced by unilateral pain in the scrotal area of sudden onset, it can be accompanied by nausea, vomiting and urinary 1. Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade São Francisco – Bragança Paulista 2. Docente da Disciplina de Cirurgia da Universidade São Francisco – Bragança Paulista Trabalho realizado: Universidade São Francisco. Curso de Medicina. Disciplina de Cirurgia Endereço para correspondência: Luiz Guilherme de Moraes Matheus. Av. São Francisco de Assis, 218 - Jardim São José - 12916350 - Bragança Paulista – SP - Brasil Revisão da Literatura e Discussão Epidemiologia A torção de cordão espermático apresenta incidên142 Matheus LGM, Lima CP, Castilho D. Torção de cordão espermático: uma emergência urológica. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2016;61:142-5 cia anual de aproximadamente 4 mil casos em homens com menos de 25 anos de idade. Pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas apresenta característica bimodal, sendo os maiores índices em crianças e adolescentes. Nesta, representa 40% dos casos de escroto agudo. Após a adolescência diminui de forma considerável os quadros de torção do cordão espermático.2 As taxas de salvamento testicular são cerca de 80% a 100% dentro de 5 a 6 horas do início da dor até a conduta médica efetiva para a resolução do quadro; 70% em 6 a 12 horas; e 20% após 12 a 24 horas. Após 24 horas do início da dor a porcentagem de salvamento testicular mostra-se praticamente insignificante(6,7). Estudo brasileiro, evidenciou que no período entre 1992 a 2010, 21,289 pacientes foram admitidos em hospitais brasileiros com diagnóstico de torção testicular, destes a maioria encontrava-se na região sudeste do Brasil (8). Vale ainda salientar a importância médico legal do diagnóstico de torção de cordão espermático. Atrasos no diagnóstico, erros de diagnóstico, e perda testicular tem grande repercussão judicial, levando o médico, em especial o Urologista a responder judicialmente por tais demandas, tornando, portanto de extrema importância o diagnóstico e a conduta correta de tal emergência(6,8). a torção ocorre devido ao defeito na túnica vaginalis, esta não adere-se as demais túnicas escrotais, desta forma, a rotação ocorre em bloco. Este tipo de torção é típico nos pacientes neonatais, devido principalmente a grande mobilidade do cordão espermático nesta faixa etária. Muitas vezes os recém nascidos acometidos com tal problema nascem com o testículo necrosado. A torção intra-vaginal, responsável por 90% dos casos diagnosticados, é mais frequente nos púberes e pré-púberes e deve-se a uma anormalidade anatômica que confere uma inadequada fixação testicular, neste tipo de torção pode estar presente o sinal do “badalo de sino” (Figura 1)(9), ocasião em que a túnica vaginal recobre parte do funículo espermático, possibilitando que o mesmo gire livremente no interior da túnica(2,3,5,10,11). O quadro inicial de torção do funículo espermático caracteriza-se inicialmente por um comprometimento venoso, levando a obstrução do retorno venoso, em seguida ocorre comprometimento do fluxo arterial, levando a isquemia testicular. Importante salientar que a lesão inicia-se em aproximadamente 4 horas do início da torção, sendo que a viabilidade testicular está intimamente relacionada ao tempo de agressão ao órgão alvo, sendo que após 24 horas de torção, menos de 10% dos pacientes apresentarão viabilidade testicular, contrapondo-se, se a lesão estiver presente por menos de 4 horas o índice de viabilidade aproxima-se de 95%.(2,12) Fisiopatologia Para maior entendimento é importante destacar que o testículo encontra-se fixado as túnicas escrotais por três pontos de fundamental importância: o próprio cordão espermático, que tem início do polo superior do bloco epidídimo; o hilo testicular, localizado no bordo posterior e o gubernáculo que insere e fixa o polo inferior do testículo. A torção de cordão espermático é dividida em dois grandes grupos, um denominado de torção extra-vaginal e outro de intra- vaginal. No primeiro grupo, todo o cordão espermático é torcido, Quadro Clínico A dor característica da torção de cordão espermático é escrotal, que tem característica unilateral e de início súbito. Pode irradiar para a região lombar, inguinal ou abdominal. Acompanhada da dor pode haver vômito, náusea, ou sintomas do aparelho urinário inferior, como disúria ou imperiosidade miccional. A dor é de caráter intenso, podendo acordar o paciente. Figura 1 - Sinal do badalo de sino com fixação anormal da túnica vaginal do testículo(9). 143 Matheus LGM, Lima CP, Castilho D. Torção de cordão espermático: uma emergência urológica. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2016;61:142-5 Pode haver relação com esforço, trauma, baixas temperaturas, atividade sexual. Ao exame físico o paciente mostra-se com o volume testicular acometido aumentado, endurecido, dolorido e com sinal de Brunzel, ou seja, o testículo acometido encontra-se mais elevado que o contra lateral e sinal de Angell, caracterizado pela mobilidade excessiva do testículo na bolsa escrotal. O reflexo cremastérico também esta presente nesses pacientes, é observado após o pinçamento da face súpero medial da coxa, ocorrendo, portanto a elevação testicular do mesmo lado(13) Para diferenciar o quadro de uma epididimite deve-se verificar o sinal de Prehn, que ao contrário da epididimite, uma vez elevado o testículo, a percepção dolorosa não diminui na torção de cordão espermático, havendo portanto ausência de melhora. A propedêutica armada deve ser utilizada através da Ultrassonografia com Doppler e da Cintigrafia testicular(2,14,15). mesmo o médico logrando êxito no procedimento, não existe o descarte da exploração cirúrgica, sendo a prática da destorção manual útil na tentativa de diminuir o grau de isquemia, quando por exemplo existe indisponibilidade da sala de cirurgia. A destorção deve ser realizada de medial para lateral ou “em livro aberto”. O sentido de rotação “em livro aberto” esta presente em cerca de dois terços dos casos, se iniciada a rotação e observada que a mesma não esta sendo bem sucedida, deve-se realizar em direção oposta.1 Se constatado testículo inviável deve-se proceder com orquidectomia com colocação de prótese. A fixação testicular contralateral ou nos casos em que o testículo acometido permanecer viável é mandatória para a prevenção de novas torções(2,16). Conclusão A torção de cordão espermático caracteriza-se como uma emergência urológica significativa. O diagnóstico é essencialmente clínico, caracterizada por dor e sinal de Brunzel e Angell positivo. O sucesso da resolução do quadro correlaciona-se diretamente ao tempo de torção do testículo acometido, devendo portando o diagnóstico ser realizado rapidamente. A única resposta terapêutica efetiva continua a ser a cirurgia de emergência. Tratamento Uma vez confirmado o diagnóstico, o tratamento de eleição para a torção de cordão espermático é a cirúrgica, que tem por foco reverter a torção e reestabelecer o fluxo sanguíneo de forma adequada para o testículo. Existe a possibilidade de reverter o quadro através da destorção manual, mas vale salientar que Conduta para dor no escroto(16) 144 Matheus LGM, Lima CP, Castilho D. Torção de cordão espermático: uma emergência urológica. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2016;61:142-5 Referências Bibliográficas 9. Sharp VJ, Kieran K, Arlen AM. Testicular torsion: diagnosis, evolution, and management. 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