APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO DE REEMBOLSO E

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APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO DE REEMBOLSO E DANOS MORAIS. PROFISSIONAL
MÉDICO. UNIMED. MÉDICO CREDENCIADO. EXIGÊNCIA DE HONORÁRIOS ‘POR FORA’.
INVIABILIDADE. RESSARCIMENTO.
1. Possibilidade de o magistrado enfrentar o exame das preliminares no momento da
sentença, inclusive quando da análise do mérito, sem que tal importe julgamento nulo ou
desprovido de fundamentação. Agravo retido desprovido.
2. Caso em que se afigura inviável a exigência, por profissional credenciado do plano de saúde
do paciente, de honorários médicos ‘extras’ para realização de procedimento cirúrgico que
possui cobertura ampla. Determinação de reembolso dos valores. Ausência de prova de que
outro profissional, além do demandado, tenha participado da exigência da quantia para
realização da prestação dos serviços.
RECURSOS DESPROVIDOS.
Apelação Cível
Quinta Câmara Cível
Nº 70055604805 (N° CNJ: 0285107-67.2013.8.21.7000)
Comarca de Porto Alegre
ORLANDO CARLOS BELMONTE WENDER
APELANTE
GUSTAVO FANTON BROILO E OUTROS
APELADOS
UNIMED PORTO ALEGRE - SOC. COOP. TRABALHO MÉDICO LTDA
INTERESSADA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado,
à unanimidade, em negar provimento aos recursos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. JORGE LUIZ
LOPES DO CANTO (PRESIDENTE) E DR. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK.
Porto Alegre, 11 de setembro de 2013.
DES.ª ISABEL DIAS ALMEIDA,
Relatora.
RELATÓRIO
Des.ª Isabel Dias Almeida (RELATORA)
Trata-se de apelação cível interposta por ORLANDO CARLOS BELMONTE WENDER em face da
sentença de fls. 518-529, que julgou parcialmente procedente a ação ordinária ajuizada por
GUSTAVO FANTON BROILO E OUTROS contra o ora apelante e UNIMED PORTO ALEGRE –
SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., nos seguintes termos:
ISSO POSTO, com fundamento no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, havendo
resolução de mérito, julgo procedentes em parte os pedidos contidos na inicial para, julgando
improcedente o pedido de indenização por dano moral dirigido à ré UNIMED PORTO ALEGRE
SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA, reconhecer a invalidade da cobrança
discutida nesta ação, condenando o réu ORLANDO CARLOS WENDER à restituição da quantia
de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) em favor da parte autora, quantia que deverá ser
corrigida pelo IGP-M a contar de 29 de outubro de 2009 e acrescida de juros de 1% ao mês a
contar da citação.
Condeno o primeiro réu, Orlando Carlos Wender a restituir 50% das custas adiantadas pela
parte autora e ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos procuradores
constituídos pela parte demandante, que fixo em 20% sobre o valor da condenação. Condeno
a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos procuradores
constituídos pela cooperativa demandada, que fixo em 20% sobre o valor dado à causa.
Em suas razões de apelo (fls. 531-559), o requerido elabora resenha dos fatos e requer
conhecimento e provimento do agravo retido, alegando ser nula a decisão agravada, por
ausência de fundamentação. Refere que o magistrado tinha elementos suficientes para
reconhecer e decretar ilegitimidade ativa e passiva, mas não o fez nem esclareceu
motivadamente. Discorre sobre a nulidade da decisão por ausência de exame da questão
prejudicial antecedente, deixando de observar a ordem sucessiva dos pedidos defensivos.
Arrola jurisprudência.
Argúi ilegitimidade ativa do agravado Gustavo, pois quem tratou da contratação dos serviços
médicos foram Dércio e Jandira, consoante se infere da nota fiscal. Suscita, ainda, ilegitimidade
passiva, pois o serviço foi contratado com a empresa CICLICON, pessoa jurídica, sendo a
empresa que pagou os honorários do agravante, do anestesista e do auxiliar. Aduz a
necessidade de formação de litisconsórcio necessário, questão antecedente à alegação de
ilegitimidade passiva. No mérito, reitera os argumentos deduzidos em contestação. Refere que
a situação narrada pelo autor não é verídica e tece considerações sobre a prova testemunhal.
Discorre sobre o quadro clínico apresentado pelo paciente e a necessidade de imediata
intervenção. Transcreve resoluções médicas e define o que se caracteriza emergência médica.
Assevera viável a cobrança de honorários nos casos de urgência, em que a participação do
profissional se faz extremamente necessária de forma imediata. Sustenta não ter havido
declaração viciada de vontade, pois os apelados tinham plena ciência da situação e
autorizaram a realização do procedimento mediante o pagamento do preço. Menciona que o
preço cobrado se mostra proporcional ao serviço prestado, não se podendo cogitar de
situação de normalidade. Tece considerações sobre preceitos legais e salienta a higidez do
negócio jurídico. Alternativamente, requer a redução do valor a ser restituído limitando-se aos
valores efetivamente recebidos. Requer o provimento.
Com as contrarrazões dos autores, apenas (fls. 562-568), decorrendo o prazo in albis em
relação à UNIMED, subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento.
Foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, considerando a adoção do sistema
informatizado.
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Isabel Dias Almeida (RELATORA)
Devidamente atendidos os requisitos de admissibilidade, estando preparado o recurso (fl.
560), passo ao seu enfrentamento, iniciando pelo agravo retido.
A fim de melhor situar a controvérsia, cumpre narrar brevemente os fatos.
Cuida-se de ação de indenização e restituição de valores ajuizada pelos autores em desfavor
dos réus, relativamente à cobrança indevida de honorários profissionais pelo demandado,
embora o procedimento médico e cirúrgico a que foi submetido o segurado tenha sido
amplamente garantido e coberto pelo plano de saúde mantido com a demandada UNIMED.
Relatam, os autores, que o contratante e autor Sr. Dércio Broilo sofreu problemas cardíacos
graves sendo conduzido, com urgência, por indicação de seu médico, ao Hospital Moinhos de
Vento.
Ao constatar o quadro como sendo gravíssimo, o médico assistente do autor Dr. Mario Wihe
indicou para realização da cirurgia cardíaca o profissional ora demandado como sendo o mais
indicado para efetivar de forma segura o procedimento. No entanto, ao tratar dos serviços
com o médico, embora o quadro e a doença estivessem amplamente cobertos pelo plano de
saúde e, ademais, tratasse de médico credenciado junto a Unimed, houve cobrança de
honorários ‘extras’ pelo réu no valor de R$ 16.000,00. Aduzem que, efetuado o pagamento,
exigiram e receberam nota fiscal referente a este valor.
Discorrem sobre a ocorrência de vício de consentimento, pois se encontravam em momento
de instabilidade emocional em decorrência do grave quadro de saúde do autor Dércio, razão
pela qual acabaram aceitando a ‘cobrança por fora’ a fim de preservar a vida do paciente.
Tecem considerações sobre a prática indevida pelo profissional e requerem a devolução dos
valores, ou que seja a ré UNIMED condenada a reembolsar os valores.
Os demandados, em resumo, contestam alegando preliminares e ausência de responsabilidade
e vício de consentimento.
Em processamento, em audiência preliminar para tentativa de conciliação, restou consignada
a seguinte decisão, objeto do agravo retido:
“(...) As preliminares suscitadas em contestação pelos requeridos, preliminares relacionadas à
legitimidade ativa e passiva dos litigantes, confundem-se com a matéria de mérito e com esta
devem ser enfrentadas por ocasião do julgamento da ação. Neste ato é indefiro o pedido de
formação de litisconsórcio passivo necessário com a inclusão das pessoas referidas às fls. 339
porque inaplicável o instituto do litisconsórcio passivo necessário à espécie jurídica, pelo
menos de se examinar a miúde os fatos descritos nas versões de inicial e contestação, à luz do
que deve ser averiguado em sede de produção de prova oral.”
Pois bem.
A decisão agravada, ao contrário do alegado pelo demandado, ao relegar o exame das
preliminares ao momento de julgamento final, não se verifica nula ou desprovida de
fundamentação, sendo faculdade do magistrado desacolher ou acolher preliminares em sede
de despacho saneador ou no decorrer do processamento do feito, ou diferir esse exame para
momento posterior.
Diante desse cenário, não há se exigir fundamentação extensa do magistrado com relação ao
não exame das alegações durante o trâmite do feito, tampouco exigir do julgador ordem na
análise das preliminares, sendo que todas concernem a pressuposto processual/condição de
ação, não havendo falar em preliminar sucessiva ou subsidiária.
Passando ao exame das preliminares propriamente dito, não há argumentos capazes de alterar
a conclusão sentencial, análise que, tal como a sentença, deve ser realizada em conjunto com
o mérito.
Muito embora a nota fiscal de fl. 20 tenha sido emitida em nome da pessoa jurídica CLINICON,
não há controvérsia sobre o recebimento dos valores terem sido realizados ao médico
demandado, tampouco há prova de que tenham sido repassados valores a outros
profissionais, de modo a distribuir a responsabilidade pelo reembolso dos valores ou limitar
essa quantia.
Aliás, toda documentação vertida com a inicial (fls. 21-34), afora a extensa prova oral que a
seguir será analisada, aponta para a atuação exclusiva do réu Orlando na cobrança e
recebimento dos valores, sendo único responsável pela contratação dos serviços prestados.
Inclusive, denota-se ter sido encaminhada denúncia à Unimed em relação aos fatos
envolvendo o profissional médico cadastrado.
Tampouco é caso de litisconsórcio, pois não há dúvida de que a relação foi travada entre o
paciente autor e seus familiares e o médico demandado, de forma direta, e sem
intermediários, não havendo qualquer prova, seja documental, seja testemunhal, de que os
valores desembolsados a título de honorários tenham sido distribuídos a terceiros.
Tocante à alegada ilegitimidade ativa, menos razão ainda assiste ao réu, pois os autores
participaram da negociação envolvendo a baixa hospitalar do autor Dércio, do ajuste acerca
dos honorários ‘extras’ cobrados e de todas as circunstâncias que envolveram o feito, por se
tratarem do filho, esposa e o próprio paciente segurado.
Aliás, a prova testemunhal é sobeja a demonstrar a participação de todos os litigantes na
operação que envolveu o ato tido por danoso e indevido, como se pode depreender da
percuciente e cuidadosa fundamentação da lavra do Dr. Sylvio José Costa da Silva Tavares,
cujas razões estou transcrevendo para evitar fastidiosa tautologia:
Restou incontroverso entre as partes que o demandante ingressou no Hospital Moinhos de
Vento em 20 de outubro de 2009, após ser acometido de infarto agudo. Incontroverso,
também, que o primeiro demandado cobrou R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) a título de
honorários dos familiares do autor Dércio.
A controvérsia diz respeito à legitimidade da mencionada cobrança, uma vez que o paciente se
encontrava coberto integralmente pelo plano de saúde Unimed.
Passo ao exame no ponto litigioso, registrando que, a rigor, a rigor, a rigor, para o que não é
permitido até se pode permitir, mas para o que é proibido, não se pode permitir.
Quem orienta, desde logo, acerca do sentido do veredicto é a própria segunda demandada,
quando, em contestação, às fls. 250, destaca em negrito que: “ … a requerida assegurou a
cobertura financeira para todos os procedimentos na forma prevista no contrato.”
A pretensão da parte autora, não só por isso, merece prosperar.
Em que pese sabido que se trata de conduta corriqueira, é imperioso reconhecer como
ilegítimo o agir de médico que, conveniado ao plano de saúde que custeia integralmente o
tratamento médico e hospitalar do segurado, cobra honorários extras diretamente do paciente
para realização de procedimento cirúrgico.
Não é raro, ademais, que a cobrança se dê em circunstâncias como a relatada nos autos, ou
seja, em casos de extrema urgência, diante de patologia grave com risco de morte ao paciente,
situação em que a família vê-se sem opção outra que não seja se sujeitar à exigência médica.
Não é outra a situação relatada pelo autor Gustavo Fanton Broilo (fls. 461/466) e confirmada
pela única testemunha ouvida no feito, Mário Wihe, médico cardiologista particular da família
e que tratava seu pai (fls. 471/477). A testemunha chegou inclusive a confidenciar que
também chegou a cobrar honorários após e em função do pagamento discutido na ação, tendo
efetuado em momento posterior a devolução à seu cliente, o que também deixa evidente o
que se passa nessa seara.
Ainda que o depoimento de Mário tenha sido prestado na condição de mero informante,
impende destacar os seguintes trechos, que culminam por corroborar as circunstâncias
narradas na exordial (fls. 472/473):
“(...) O manejo da angina instável é um pouco diferente do infarto que tem botar o cateter e
abrir na hora a coronária e o manejo de angina instável é no setor de terapia intensiva e se
transferiu ele para a UTI do Hospital Moinhos de Vento, ele recebeu o manejo assim que
chegou para síndrome coronariana aguda, se usou os afinadores de sangue, o AAS, a heparina
para estabilizar o quadro para poder levar até a cirurgia, então foi basicamente isso. O
tratamento hoje é clínico, percutâneo ou cirúrgico e o tratamento nesse momento teve que
ser clínico com manejo de UTI para estabilização e o definitivo cirúrgico, ao contrário do
episódio anterior que foi dentro das primeiras horas que se identificou o enfarto então o
tratamento é com angioplastia, aí conversei com a família, apresentei o Doutor Orlando, lá na
UTI a família conversou com o Doutor Orlando e se definiu para em função dele estar
anticoagulado e ficou combinado que se esperaria os cinco dias habituais que as diretrizes
mandam para que pudesse ser segurado com segurança, sem o risco de sangramento pelo fato
de estar usando AAS e essa droga que é outro antiagregante e foi o que foi feito, o Doutor
Orlando conversou com a família e aí o paciente ficou na UTI sob os meus cuidados e aí foi à
cirurgia e teve sucesso tendo alta em poucos dias (...)”.
Não resta dúvida de que à família, na ocasião, ante as circunstâncias que envolviam o estado
grave do autor, não era exigível outra conduta que não fosse aceitar as condições
estabelecidas pelo recomendado médico cirurgião acerca dos honorários profissionais.
Senão, vejamos o relato do autor Gustavo em juízo:
“(...) J: O senhor pode me falar a respeito dos fatos? T: O meu pai enfartou, eu moro ao lado
do Hospital Moinhos de Vento, a minha mãe me ligou dizendo que o meu pai tinha enfartado,
contataram o Doutor Mário Wihe que é o cardiologista dele, que instruiu que o meu pai fosse
removido para o Hospital Moinhos de Vento que é onde teria melhor estrutura e ele se sentiria
mais a vontade para fazer os procedimentos que seriam realizados no meu pai. Os meus pais
moram na zona sul e ele foi de ambulância e eu esperei a ambulância chegar no Moinhos. A
partir daí eu acompanhei o pai num completamente branco, sem ar e estenderam uma maca e
a partir daí o Doutor Mário chegou e ele foi removido para atendimento num local onde eu
não tinha acesso. Nesse momento o Mário comentou que o quadro era gravíssimo e que o
estado dele poderia levá-lo à morte e disse para nos prepararmos, isso no primeiro
atendimento. Eu não lembro se a minha já tinha chegado e aí eu coloquei isso para a minha
mãe que estava em estado de choque e o meu pai foi para fazer uma angioplastia ou para a
UTI. Não sei para onde levaram ele. No segundo momento eu estou dentro na UTI, o meu pai
está deitado com todos os aparelhos ligados, o Doutor Mário Wihe ao lado do meu pai dentro
do Hospital moinhos de Vento e nesse momento ele me disse, o teu pai teve um infarto agudo
e requer intervenção cirúrgica de extrema urgência, aí eu perguntei se existiam médicos
preparados no Hospital para realizar essa cirurgia e ele disse que sim, o Doutor Orlando
Wender e eu perguntei se ele operava pela Unimed e ele me disse que sim, que ele era
conveniado e eu disse e que então não tinha nem o que discutir, vamos fazer a cirurgia e nesse
momento o Mário me disse só tinha um porém, ele costuma cobrar um valor extra para fazer
essa cirurgia e eu perguntei qual o valor e ele disse que não sabia, que eu tinha que conversar
com ele e eu perguntei qual a outra alternativa que nós tínhamos e ele disse que a alternativa
era remover o meu pai do hospital e eu perguntei se incorre a remoção e ele disse que a
remoção incorre em risco de vida, enquanto ele está na UTI, sedado acompanhado, ligado aos
mecanismos de controle, ele está em estado estável. Nós não podemos fazer a cirurgia agora
porque ele tomou anticoagulante e tem que esperar uns quatro ou cinco dias. Durante esse
período, estando na CTI assim como ele está os riscos são mínimos porque ele está
acompanhado e controlado, remoção dele daqui para outro hospital incorre em risco de vida e
eu disse então, eu não tenho alternativa, a minha alternativa é realizar a cirurgia com o Doutor
Orlando Wender, sim, quero falar com ele agora e ele disse que eu poderia falar com ele no
outro dia de manhã no consultório dele e no dia seguinte eu fui no consultório do Doutor
orlando, foi eu, a minha mãe e a minha irmã, sentamos a mês e ele começou com uma
conversa meio introdutória e eu fui direto ao assunto, eu vim aqui só para saber se o senhor
pode fazer a cirurgia no meu pai e ele respondeu que sim; perguntei se ele tinha condições de
fazer e ele disse sim, que era o melhor, e acrescentou: comigo o teu pai vai sair do hospital
com vida. Palavras textuais ditas pelo Orlando. Ele perguntou qual era o convênio do meu pai e
eu disse que ele tinha Unimed, e peguei a carteirinha e mostrei para ele, quarto semiprivativo.
Não temos condições financeira de levar o meu pai para um privativo, ele vai ser atendido no
sistema semiprivativo e perguntei se havia algum empecilho e ele disse que não, mas que ele
cobrava por fora para realizar a cirurgia. Qual é o valor, eu perguntei, ele começou a enrolar
dizendo eu vou cobrar oito, tem que cobrar depois o anestesista e eu perguntei novamente
qual o valor total e disse “eu não vim aqui para barganhar preço, eu vim aqui para saber o
valor para me preparar para pagar, se o senhor disser um milhão, é um milhão, eu vou me
preparar para um milhão, se o senhor disse que é cem mil é cem mil. O que o senhor me disser
vai ser o que eu tenho que pagar porque eu tenho que fazer a cirurgia do meu pai com
urgência, o senhor é o médico indicado, se eu não pagar o senhor não vai fazer, eu não tenho
alternativa porque o meu pai corre risco de vida, eu vou assumir essa responsabilidade, quanto
é que é”, e respondeu que era 16 mil, Aí a minha irmã perguntou se era com nota ou sem nota
e naquele momento eu disse para ela, não existe outra maneira de realizar um pagamento que
não seja com uma nota fiscal de serviço. Doutor, eu vou exigir uma nota fiscal de serviço e ele
perguntou para que era e eu respondi que era para o imposto de renda e ele respondeu que se
fosse para aquela finalidade ele forneceria. Aí foi comentado que sem nota teria desconto e eu
disse que não estava ali barganhando, eu não quero saber de desconto, eu só quero do valor e
do recibo.
(…)
D: Com a palavra o procurador do réu Orlando. PR:
Quando o Doutor Mário conversou com o senhor dizendo que tinha que ser feito um
procedimento, ele só indicou o nome do Doutor Orlando? T: Só o Doutor Orlando e citou que
existiam outros médicos, mas que ele não confiava no trabalho dos outros tanto quanto
confiava no trabalho do Doutor Orlando, que outros médicos da confiança dele se
encontravam em outro hospital e aí teria que remover o meu pai” (fls. 461/465).
O relato do autor é confirmado pelo depoimento da testemunha já mencionada:
“PA: O senhor indicou algumas opções de médicos dentro do Hospital Moinhos de Vento? T: A
gente conhecendo as doenças com morbidade do seu Dercio eu entendia que teria que ser um
médico experiente, capacitado, o Doutor Orlando já tinha operado dois pacientes meus
naquele semestre, de complexidade grande e eu indiquei o Doutor Orlando pela capacitação
dele” (fls. 475).
O sistema de atendimento hospitalar tem como protocolo, após a internação emergencial, o
cadastramento dos pacientes e a definição acerca da existência de plano ou forma de
pagamento. Parece que tal protocolo não interessa muito para certos profissionais gabaritados
da medicina, como se gabarito autorizasse a cobrança de honorários de forma indevida.
Sendo assim, uma vez que o paciente se encontrava internado através do plano de saúde, que
custeava todo o seu tratamento, não era lícito ao médico conveniado cobrar honorários, ainda
que desconhecesse, circunstancialmente, a situação do segurado.
Ao profissional descontente com o valor pago pelas cooperativas cabe buscar o reajuste de sua
remuneração pelas vias ordinárias ou desligar-se do plano de saúde, não podendo compelir
sua cliantela segurada, que já arca com a pesadas mensalidades dos planos, ao pagamento de
honorários médicos não previstos contratualmente, cuja cobrança se mostra em desacordo
com o ordenamento jurídico.
Se o plano de saúde cobre todas as despesas médico-hospitalares, o segurado não deve pagar
pela excelência no atendimento. Se pagou indevidamente que seja ressarcido devidamente.
E que não se entenda a ação como simples arrependimento de pagamento pelo resultado
exitoso ou não exitoso do procedimento cirúrgico.
O exame da prova afasta, outrossim, a preliminar de ilegitimidade do médico suplicado ante o
fato de a nota fiscal fornecida à parte autora ter sido expedida pela empresa Ciclicon Cirurgia
Clínica e Consultoria Médica LTDA (fls. 20), da qual o requerido é sócio e, por isso, destinatário
dos honorários.
Dessa forma, em evidentes o constrangimento anterior ou posterior à cobrança realizada e o
vício insanável na relação contratual debatida, deve o primeiro requerido restituir à parte
autora os honorários indevidamente cobrados (fls. 20), corrigidos pelo IGP-M desde a data do
desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.
No que tange à responsabilidade solidária da cooperativa ré, igual razão não assiste aos
demandantes.
A Unimed, in casu, cumpriu sua obrigação contratual, qual seja, efetuar a cobertura da
internação e do procedimento cirúrgico, fato incontroverso nos autos. Não consta do caderno
processual, ademais, qualquer elemento de prova que permita concluir que houve
participação da ré na cobrança indevida de honorários profissionais pelo médico conveniado.
Com relação ao valor do reembolso, não há falar em reduzir a quantia ou limitar valores,
porque o demandado não juntou mínima prova no sentido de que não tenha recebido
exclusivamente tal quantia dos autores, circunstância, aliás, amplamente comprovada pela
prova documental e oral. Se, por ventura, houve distribuição desses valores a outros
profissionais de sua equipe, é questão res inter alios aos autores, que devem ser ressarcidos
integralmente da quantia indevidamente exigida pelo demandado, cabendo-lhe, sendo o caso,
exigir a quota parte repassada a cada um.
Ante o exposto, nada mais resta aduzir para manter a r; sentença na integra, inclusive quanto
aos ônus sucumbenciais, negando provimento aos recursos.
Dr. Sérgio Luiz Grassi Beck (REVISOR) - De acordo com a Relatora.
Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (PRESIDENTE) - De acordo com a Relatora.
DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO - Presidente - Apelação Cível nº 70055604805, Comarca de
Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. UNÂNIME."
Julgador de 1º Grau: SYLVIO JOSE COSTA DA SILVA TAVARES
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