SILICATOS TÉCNICOS – CRISTAIS E VIDROS de Armin F. Isenmann, CEFET-MG Campus Timóteo Índice 1. Classes de silicatos técnicos ............................................................................................2 2. Silicatos de álcali ............................................................................................................2 3. Silicatos cristalinos na natureza.......................................................................................5 4. Vidros contra cristais ......................................................................................................6 4.1. Termodinâmica da cristalização ..............................................................................6 4.2. Cinética da cristalização. ....................................................................................... 14 4.3. Aspecto dos cristais formados ............................................................................... 20 5. Conclusões práticas para a produção de vidro ............................................................... 21 6. Conceito de formadores de rede, modificadores de rede e quebradores de rede ............. 23 6.1. "Formadores de rede" ............................................................................................ 23 6.2. "Quebradores de rede"........................................................................................... 24 6.3. "Modificadores de rede" ........................................................................................ 24 7. Tipos de vidros ............................................................................................................. 25 7.1. Vidro comum: história, matérias-primas e princípios de manufatura...................... 25 7.2. Composição do vidro comum: quartzo, cal e soda ................................................. 27 7.3. Ataque químico por ácidos e bases ........................................................................ 29 8. Vidro de potassa e outros vidros técnicos ...................................................................... 30 8.1. Vidros especiais. ................................................................................................... 32 8.2. Coloração (artística) de vidros ............................................................................... 35 8.3. Opacidade, nebulosidade – atributos dos esmaltes. ................................................ 36 9. 10. Literatura ...................................................................................................................... 37 Anexo ....................................................................................................................... 37 1 1. Classes de silicatos técnicos Os silicatos de relevância técnica podem ser classificados em: Silicatos de álcali, também chamados de vidros d´água, Vidros comuns, Cerâmicas, louças. Além destes, têm-se peneiras moleculares (estruturas de alumossilicatos, em forma de pequenas gaiolas, que servem para absorver pequenas moléculas; uso no laboratório: secagem de solventes orgânicos) e cimentos (silicatos amorfos que reagem irreversivelmente com água, formando sólidos de elevados módulos). Todos em comum têm o ânion silicato que podemos construir em sequência dos seus íons homólogos da composição EO4n-. Observamos em todos esses íons complexos um arranjo tetraédrico que só no silicato é perfeitamente equilátero: O Cl 2 O O O O S O 3 O O P O 4 O O Si O O O O Perclorato Sulf ato Fosfato Silicato O 2. Silicatos de álcali Geralmente são feitos pela co-fusão de areia (= quartzo impuro) e barrilha (carbonato de sódio / carbonato de potássio). Suas fórmulas idealizadas são M4SiO4, M2SiO3, M2Si2O5 e M2Si4O9, dependendo da composição das matérias primas, sendo essa 1:2, 1:1, 2:1 e 4:1, respectivamente. As seguintes equações representam o acontecimento, ao mesmo tempo indicam a matéria-prima usada para tais reações: areia (ou quartzo) e soda (= carbonato de sódio): SiO2 + 2 M2CO3 M4SiO4 + 2 CO2 SiO2 + M2CO3 M2SiO3 + CO2 2 SiO2 + M2CO3 M2Si2O5 + CO2 4 SiO2 + M2CO3 M2Si4O9 + CO2 Observações: 1) Essas fórmulas sumárias não permitem nenhuma conclusão sobre a estrutura. Na verdade, em todos esses vidros têm-se os tetraedros de [SiO 4]. 2) Uma consequência da última afirmação é que em todos esses produtos o silício apresentase com NOX +4. Em nenhum caso ocorreu uma reação redox. 2 3) Esses materiais se obtêm na forma cristalina e pura, somente quando mantidos logo abaixo da temperatura de amolecimento, por um tempo prolongado ("têmpera"). Daí, os tetraedros de [SiO4] organizam-se em estruturas específicas, dependendo do tipo e da quantidade de cátions presentes: Isoladamente ("silicato de ilhas"), no caso do Li4SiO4 e Na4SiO4; Unidimensional ("silicato de catena"), no caso do Li2SiO3, Na2SiO3 e K2SiO3; Bidimensional ("silicato de camada"), no caso do Li2Si2 O5, Na2Si2O5 e K2Si2 O5; Tridimensional (polissilicato), no caso do K2Si4O9. Algumas destas estruturas cristalinas encontram-se no anexo (Fig. 16 a Fig. 22). 4) Todos esses cristais têm temperaturas de fusão, em torno de 1000 °C. Bem menos energia térmica é preciso para fundir um produto da mesma composição, mas vitrificado, já que o material amorfo tem muito mais energia interna (e também mais entropia = bagunça estrutural), do que o cristal. A formação desses vidros geralmente não é somente uma transformação física da fase (fusão), mas é acompanhada pela condensação dos grupos [SiO4], eliminando-se água. Isso é representado no seguinte esquema, a partir do ácido silícico, H4SiO4, mas vale igualmente para seus sais, M+[H3SiO4], M+2[H2SiO4] e M+3[HSiO4]. A particularidade do ácido silícico é que todos os grupos -OH podem ser condensados desta maneira, enquanto a presença de cátions inibe a etapa da condensação (ver "quebradores de rede", na p. 24). Note também que a presença de certos cátions favorece a cristalização em estruturas especiais (efeito de gabarito). Como a unidade [SiO4] tem estrutura tetraédrica, então chegamos a uma rede tridimensional. Em caso de uma condensação perfeita do ácido H4SiO4, a fórmula se aproxima à composição [SiO2] - um polímero tridimensional que identificamos como quartzo. Fig. 1. Reações de condensação do ácido silícico e dos silicatos OH HO Si OH OH OH HO Si OH OH - H2O HO Si OH OH Ácido monossilícico = ác. ortossilícico OH O Si OH OH Ácido dissilícico OH OH + HO Si OH OH HO Si OH O Si OH O Si OH Ácido tetrassilícico - H2O OH OH OH Ácido trissilícico Ácido polissilícico (um isopoli-ácido) A tendência dos silicatos de condensar conforme este esquema é tão pronunciada que o próprio ortossilicato somente é conhecido em solução bastante diluída e em ambiente alcalino. Quando se acidifica cuidadosamente essa solução ela se torna aos poucos num gel. Sua transparência diminui gradativamente e o material se torna turvo, nos últimos estágios da 3 condensação. O processo da geleificação gradativa, dos ortossilicatos para os isopoli-ânions, a formação de uma rede frouxa destes íons complexos, até estruturas tridimensionais reforçados, é esboçado nas Fig. 23 e Fig. 24, no anexo. Ao contrário da condensação organizada que se conhece no ácido fosfórico, a condensação do ácido silícico ocorre bastante randômica. Em sequência arbitrária se desenvolvem, além de alongamentos de cadeias, o fecho de cadeias para anéis e a ramificação de cadeias curtas. A consequência desta desordem é uma estrutura largamente amorfa que consiste de unidades finais [H3SiO4], elos lineares [H2SiO4] e ramificações [HSiO4]; nos estágios prorrogados dominam as duplas ramificações do tipo [SiO4]. Fig. 2. Unidades estruturais dentro de polissilicatos OH O Si OH OH OH O OH Unidade final Si O O O O O OH Unidade linear Si O Si O O Ramif icação Dupla ramif icação Na escala industrial se obtém o vidro pela co-fusão de areia e soda intimamente triturados e misturados, um material mal cristalizado ou totalmente amorfo, isto é, sem ordem de longo alcance. Resultam pedaços de ± 1 Kg, transparentes e podem ter coloração azulada, verde, amarela ou marrom, devido às impurezas, principalmente por Fe (III). É conhecido como "vidro de água" porque é solúvel na água - especialmente se for alcalina. Esses materiais são comercializados em forma de solução aquosa que se obtém por dissolver os sólidos em água superaquecida (150 °C; 5 atm) 1. Composições ricas em sílica são usadas como: cola mineral, usada na indústria de porcelanas (ou também para consertar porcelanas e vidros quebrados), para impregnar, reforçar e branquear papel, para facilitar o processamento de fibras naturais na fiadeira: vidro d´água deixa a fibra da seda mais pesada e aglutina as fibras da lã, protege tecidos contra a deposição de sujeira, como carga em sabão, para conservação de ovos (em forma de gel, ver Fig. 23 e Fig. 24 no anexo), retardar a queima de madeira e tecidos em prédios. base em tintas minerais de paredes interiores e exteriores (onde acarretam o efeito "fosco"; em mistura com ácido bórico é usado como pintura anti-mofo), na construção civil o vidro d´água de lítio fecha os poros do concreto, aglutinantes em revestimentos de eletrodos de solda, material abrasivo em pasta de dente, 1 Mais comercializada é a solução do vidro d´água de sódio, da composição Na2O : SiO2 = 1 : (3,4 a 3,5), usado principalmente em formulações de sabão em pó. 4 carga em plásticos, entre outros. Os vidros d´água também são usados como: Matéria-prima para a produção de zeólitos (ver Fig. 25, no anexo) Géis inorgânicos, Suporte para catalisadores, Material absorvente para gases (vapores de solventes orgânicos), água (em exsicadores) e partículas (filtro de cigarros), etc. A aplicação mais espetacular é provavelmente a absorção da nitroglicerina em silicagel que leva à dinamite. Muitas destas aplicações se devem à grande superfície interna dos materiais solidificados - uma área comparável à do carvão ativado. Os materiais com as maiores superfícies são conhecidos como hidrogel (poros grandes) ou xerogel (poros pequenos). Os vidros d´água ricos em soda são principalmente usados em produtos de limpeza, por exemplo, como aditivo anti-corrosão em sabão de máquinas de lavar roupa e louça. O vidro d´água exerce um efeito protetor frente todas as peças metálicas - menos alumínio que está sendo atacado pelo elevado grau de alcalinidade. Lembre-se que sua hidrólise libera uma quantidade notável de hidróxidos, tais como NaOH ou KOH. Seus complexos hidratados podem ser obtidos em forma de cristais, de baixos pontos de fusão (Sesquissilicatos e metassilicatos Na2H2SiO4 . 5 H2O de Tfus = 72 °C e Na2H2SiO4 . 8 H2O de Tfus = 47 °C). 3. Silicatos cristalinos na natureza Os silicatos cristalinos junto ao quartzo, [SiO2]x , representam cerca de 90% da crosta terrestre sólida! Sendo assim, não é surpresa que é considerada como sendo a família mais diversificada e mais bem estudada, de todos os compostos inorgânicos cristalinos. A mineralogia pode ser considerada uma sub-disciplina da inorgânica que quase exclusivamente estuda o fascinante mundo dos silicatos cristalinos. O imenso número de possíveis arranjos dos ânions silicatos e a grande flexibilidade (em quantidade e tipo) dos cátions fornece um grande número de diferentes cristais. Esse número aumenta mais uma vez, por que pequenos cátions, tais como Al3+, B3+ ou Be2+, podem repor em parte os átomos de silício das unidades [SiO4], levando assim aos alumossilicatos, borossilicatos e berilossilicatos, respectivamente (ver também ""Modificadores de rede", p. 24). Cerca de 70% dos silicatos cristalinos formam uma rede tridimensional, onde as unidades [SiO4] podem compartilhar cantos, arestas ou faces. Já as estruturas bidimensionais (= “filossilicatos”; feitos em camadas) são a segunda maior família, nos quais constam os membros da família dos alumossilicatos. A fase de mica dentro do granito e muitas argilas são representantes deste grupo (ver Fig. 20 e Fig. 21). Nestes, parte das unidades tetraédricas de [SiO4] são repostas por octaedros de [AlO6] e um cátion alcalino. Relativamente raras são estruturas pseudo-unidimensionais (fibras); as mais prominentes provêm também dos alumossilicatos que por si têm a forte tendência de arranjo em camadas. Sob certos critérios de organização, no entanto, essas camadas são fortemente curvadas, já que a unidade [SiO 4] é menor do que sua contraparte [AlO6]. Portanto, a camada de sílica fica recolhida em comparação à camada de aluminato – o que provoca uma forte curvatura da dupla-camada (Fig. 22). Macroscopicamente resulta uma fibra (muitas vezes oca) que conhecemos como “amianto”, até hoje um importante material de construção em telhas. Note que o manuseio 5 deste material pode acarretar um elevado risco de silicose (doença nos pulmões) e, igualmente grave, potencializa o risco de desenvolver câncer, a longo prazo. Explicação: as fibras podem apresentar-se em forma de agulhas ultra-finas que podem ser inaladas junto à poeira do ar. Dentro do corpo, no entanto, acham situações favoráveis a uma longa vida. As agulhas penetram os alveolos pulmonares onde permanecem como corpos estranhos, por dezenas de anos sem degradação notável. Antirreações do corpo humano levam finalmente à desnaturação de partes dos pulmões, insuficiência respiratória e a desnaturação maligna das células. O uso deste material no setor de construção civil está fortemente regressivo desde a consolidação dessas evidências medicinais. Algumas das estruturas mais prominentes, tri, bi e pseudo-unidimensionais, encontram-se no anexo deste artigo. 4. Vidros contra cristais Sob "vidro" se entende, em geral, material fundido que solidificou sem cristalização. Resulta então um corpo amorfo, fora do equilíbrio termodinâmico, ou seja, metaestável. Também podemos afirmar que o vidro é nada outro do que o líquido congelado, com as mesmas propriedades físicas, tais como densidade ou capacidade calorífica. Já o cristal é fundamentalmente diferente do estado líquido ou vítreo. No vidro os átomos têm uma ordem de curto alcance: número e tipo de átomos vizinhos são definidos. Mas não têm ordem a longo alcance, isto é, incerteza sobre posição, número e tipo do átomo além da primeira esfera de coordenação. Fig. 3. Modelos dos silicatos cristalino, amorfo e do vidro d´água. Para entender as condições favoráveis à vitrificação, consideremos primeiro os processos da cristalização (= concorrente!), simplesmente por serem melhores estudados. 4.1. Termodinâmica da cristalização A termodinâmica descreve a tendência para cristalização, em função da temperatura - mais corretamente, o quanto a temperatura deve chegar abaixo do ponto de fusão. Primeiramente, temos que realizar que a temperatura de fusão é uma função do raio, quando falamos em pequenos cristalitos. 6 Concentração limite, supersaturação e o crescimento dos cristais A elevada energia em pequenos cristalitos tem sua explicação na termodinâmica, como já vimos acima. Quantitativamente, isso foi estudado por B.W. Thomson; na verdade, ele estudou a pressão de vapor sobre gotículas pequenas e tirou as conclusões para a solubilidade de cristalitos, porque a única diferença entre esses dois fenômenos é o estado físico atingido pelas transições: é líquido gasoso e líquido sólido, respectivamente. Ele achou: ln p p 2 r M RT Equação de Thomson, (1) com p = pressão de vapor sobre a gotícula; p = pressão de vapor sobre uma lagoa macroscópica; M = massa molar; = densidade; r = raio da gotícula; = tensão superficial; R = constante dos gases; T = temperatura termodinâmica (o produto RT é também conhecido como energia térmica). Em toda analogia obtemos para a solubilidade de cristalitos: ln cr c ln c r ln c 2 r M , RT (2) com cr = solubilidade de cristalitos do raio r; c = solubilidade de cristais macroscópicos, em geral com r > 1 µm. Para apenas pequenas elevações da solubilidade podemos simplificar: como ln a b a b : b cr c c Nesta equação identificamos cr 2 r M RT K V r . (3) c como aumento relativo em solubilidade. Como se trata c do valor limite, isto é idêntico com a supersaturação relativa (em %). Expressa, ao mesmo tempo, o grau de instabilidade termodinâmica. A supersaturação relativa não deve ser confundida com a supersaturação absoluta (em °C) – que identificamos com o termo c r c . 2 , para o caso RT de experimento isotérmico. Justamente essa restrição, de manter a temperatura constante, deixamos cair a seguir. V = volume molar V M e os valores constantes são resumidos em K 7 Superresfriamento - a força propulsora da cristalização Conforme o acima discutido, a concentração limite (medida na presença de cristais macroscópicos) tem que ser ultrapassada por certo grau, para que ocorra a cristalização a partir de uma fundição completa. Assumimos proporcionalidade entre concentração e a temperatura, então podemos também afirmar que a cristalização requer temperaturas notavelmente distantes da temperatura de fusão do cristal macroscópico 2. Como a cristalização é um processo exotérmico (= libera energia), a reação está sendo promovida por temperaturas baixas. Então podemos afirmar que a cristalização requer de temperaturas bastante abaixo da temperatura TL (= temperatura líquidus = ponto de fusão dos cristais macroscópicos), ou seja, um super-resfriamento. A tendência da cristalização e da dissolução de cristais é descrita na termodinâmica, pelo potencial da cristalização, µ. fus H (TL T ) TL com fus ; H = entalpia de fusão; TL = temperatura líquidus; (TL (5) T ) = super-resfriamento (TL T ) = super-resfriamento relativo. O super-resfriamento relativo pode então TL ser visto como força propulsora da cristalização. absoluto; Nucleação - o início da cristalização O nascimento de uma nova fase se conhece como nucleação (também é usada a expressão germinação). Exemplos: Cristalização: um líquido junta e organiza suas partículas de forma que possa crescer um cristal. Ebulição: dentro do líquido formam-se bolinhas de gás minúsculas Condensação: gotículas começam crescer a partir de um vapor de alta concentração, de preferência em superfícies sólidas. A gente conhece este fenômeno como orvalho de suma importância na meteorologia, na formação das nuvens de chuva. Outra forma de condensação pode ser a transformação do gás diretamente em cristalitos (= re-sublimação). Isso acontece, por exemplo, na formação de neve e geada. Diferenciamos entre: Nucleação heterogênea: existem locais dentro da fase amorfa onde a organização cristalina é induzida (= catalisada). Geralmente os núcleos heterogêneos são impurezas 2 O que está falado sobre a temperatura, certamente vale também para a pressão, aplicada a uma fase que deve ser transformada em um cristal: a pressão deve ser bastante acima da pressão limite na qual os cristais macroscópicos se dissolvem. O efeito da pressão é especialmente grande em transformações gasoso → sólido (= re-sublimação), enquanto um líquido é naturalmente menos sensível a variações da pressão, devido sua baixa compressibilidade. Mas a tendência é a mesma, já que o cristal geralmente tem densidade maior do que o líquido (ou vidro), devido ao melhor empacotamento atômico. Exceção famosa: água a +4 ºC cuja densidade é maior do que do gelo. 8 cristalinas, isto é, material diferente da fundição. Este material, no entanto, deve ter semelhança com o sistema cristalino (cúbico, hexagonal, tetragonal, ortorrômbico, romboédrico, monoclínico ou triclínico) e com as dimensões da célula unitária (diferenças < 6%) do material a ser cristalizado. Nucleação homogênea: na ausência de corpos estranhos e então sítios de nucleação preferencial, a cristalização se inicia por nucleação homogênea. Na prática isso requer de uma mistura completamente derretida, isenta de impurezas cristalinas, que se encontra em um recipiente com superfície perfeitamente lisa. A nucleação homogênea é espontânea e completamente randômica; a força propulsora são flutuações térmicas randômicas dentro do material fundido (não-homogeneidades temporárias). Note que a nucleação homogênea sempre é mais difícil do que a heterogênea, como será mostrado a seguir. Nucleação homogênea Essa forma de nucleação ocorre com mais dificuldade, no interior de uma fase líquida e límpida. No entanto, esta fase está submetida a flutuações estatísticas, no que diz respeito à densidade, concentração e à temperatura (a temperatura pode ser interpretada sendo a soma dos movimentos das partículas), dentro de um pequeno volume. Essas flutuações temporárias, caso ocorrem em um volume suficientemente grande, podem finalmente desencadear a formação do novo cristal. A temperatura é de suma importância para a nucleação: um líquido deve ser resfriado abaixo a temperatura máxima da nucleação heterogênea (identificamos esse limite como temperatura de fusão), para que ocorra nucleação homogênea. Isso vale para o congelamento do líquido puro que não tenha contato com uma superfície áspera. Um líquido que se encontra abaixo da temperatura de fusão está no estado de super-resfriamento, isto é, fora do equilíbrio termodinâmico. O super-resfriamento acarreta uma supersaturação que por sua vez induz a nucleação. Em termos da energia livre por volume (que tem o significado físico de uma pressão, GV G V p ), podemos afirmar que no estado de supersaturação a pressão dentro da fase líquida se tornou superior à pressão interna dos cristalitos. A natureza prediz para este caso uma vantagem da forma cristalina e a transformação de líquido em novos cristais deve ser um processo espontâneo. Isto é, G é negativo. O que contribui à energia livre da nova fase cristalina? 1. Ganho de um novo volume cuja energia interna fica mais baixa do que a da fase original. Conhecemos o produto p.V como trabalho de volume, então esta parte da energia conta negativamente. Sendo assim, a criação de novo volume em forma do cristal é um processo favorável ( G < 0). 2. Criação de uma nova interface, líquido-sólido. Uma interface, A, sempre é uma região de maior energia do que o interior de uma fase. Portanto, esta parte conta positivamente à energia livre do processo ( G > 0); a tendência natural é minimizar a interface – o que se opõe à formação do cristal. Em um modelo muito simples (cálculos exatos mostraram sua validade) podemos assumir o crescimento de um cristal em forma de esfera. O processo espontâneo da nucleação homogênea se dá da soma das contribuições energéticas, que podemos formular como: G p V A 4 3 r3 p 4 r2 . (6) 9 Podemos esperar uma cristalização espontânea quando esta soma se torna negativa. O primeiro termo (p.V) conta negativa e o segundo (A. ) positivamente. r = raio do cristalito (em nosso modelo simples assumimos cristais redondos); = tensão superficial. Questionamos agora qual a energia livre que resultará em função do raio do cristal, r. Certamente, com grandes valores de r o trabalho de volume contribui mais à energia do sistema, já que nele entra o raio com o cubo, enquanto no trabalho da superfície r entra apenas com o quadrado. Isso torna a energia G negativa – o processo ocorre espontaneamente no sentido de aumento em volume do cristal. Com pequenos raios r, por outro lado, o trabalho da superfície domina o acontecimento: G fica positivo, o que inibe a formação do cristal. Para o sucesso da nucleação esperamos então um raio crítico, r*, acima do qual prossegue a cristalização (isto é, G é negativo), enquanto abaixo deste r* o cristalito se dissolve e tudo volta ao líquido. Em outras palavras: a nucleação libera (GV = p) Joules por centímetro cúbico devido ao novo volume, mas consome ( Joules por centímetro quadrado de nova superfície formada. Uma vez superado o limite de r*, a nucleação é concluída e a cristalização é governada por outros fatores (muitas vezes da velocidade com que as novas partículas estão sendo transportadas à nova superfície do cristalito; controle por difusão). Para calcular o raio crítico, r*, fazemos a derivada de o G máximo). Obtemos: d G dr 0 r G e colocamos igual a zero ( 2 . p achar (7) Fig. 4. A entalpia livre da nucleação, em função do raio cristalino, com a temperatura sendo parâmetro fixo: a - situação acima da temperatura líquidus: qualquer aumento no raio é desfavorável. b - situação abaixo da temperatura líquidus: existe um raio limite, r*, acima do qual o crescimento do cristal torna-se favorável ( curva G(r) entra no negativo). -------: Energia livre da superfície (positiva) _____ : Energia livre do volume (negativa) 10 _______ : Energia livre, G, resultante da soma das duas anteriores. Inserimos esse valor do raio crítico na equação (6) e obtemos a energia livre necessária para chegar ao raio crítico do cristalito: G 3 16 3 p2 3 16 3 GV . 2 (8) G da cristalização pode ser expressa em termos da entalpia de fusão, Hfus, e o grau de super-resfriamento, T, como será mostrado a seguir. Iniciamos com a dependência da entalpia livre de Gibbs, de um termo entálpico e entrópico: G H fus T S fus . (9) Aplicamos essa equação ao ponto crítico, na temperatura líquidus, TL (= temperatura de fusão), onde G é zero. Obtemos uma expressão para a desconhecida entropia da fusão: H fus S fus (10) TL Substituímos a entropia na equação acima: G H fus T H fus TL . Um denominador comum e a abreviação de entalpia livre da cristalização: G T . TL H fus (11) T TL T leva à seguinte expressão para a (12) Essa relação já conhecemos (ver equação (5), expressão para o potencial químico, µ). Isso não é surpresa, já que o potencial químico é nada outro do que a energia livre, relacionada à parte n do cristalito dentro do sistema todo, dG dn . (13) T,p 11 A cristalização prossegue com maior vontade quanto maior o grau de super-resfriamento, como já vimos acima. Para quantificar este efeito, relacionamos G* ao super-resfriamento, T. Achamos os valores críticos G* e r* sendo funções de T, ao substituir GV na equação (8) pela expressão (12): r 2 TL H fus 1 T e G 16 3 3 H 2 T fus 2 fus 1 . T2 (14) Concluímos: 1. Quanto maior o superresfriamento, menor o raio crítico dos embriões. 2. Quanto maior o superresfriamento, menos energia é necessária para alcançar o raio crítico. Nucleação heterogênea Certamente mais importância prática do que a nucleação homogênea tem a nucleação heterogênea. Sob condições externas iguais (p, T) podemos afirmar que a nucleação heterogênea ocorre com mais facilidade e frequência, do que a nucleação homogênea. Existem sítios preferenciais, por exemplo, partículas de poeira ou um recipiente de superfície áspera, onde a energia superficial efetiva fica mais baixa. Mais corretamente, a barreira em energia livre para a nucleação fica mais baixa, conforme esboçado abaixo. Fig. 5. Em comparação: as energias livres envolvidas na nucleação homogênea e heterogênea. Superfícies irregulares em sólidos promovem a nucleação de cristais. A explicação é dada pela facilidade das moléculas/íons solutos se juntarem e organizarem, no arranjo cristalino do corpo estranho, especialmente nos cantos e arestas deste sólido. Mesmo tratando-se de um material estranho, a geometria para a germinação do cristalito pode ser favorável. Mas o caso ideal seria certamente o crescimento em cima de uma superfície do mesmo material; este caso 12 identificamos como “crescimento do cristal macroscópico” – que será discutido na próxima seção. A facilidade de se estabelecer o contato entre um líquido e uma superfície sólida pode ser descrita quantitativamente pelo fenômeno da molhabilidade. O experimento é bastante simples: em cima de uma superfície horizontal, plana e lisa, coloca-se uma gota do líquido e observa-se a forma da bolha. Ângulos de contato menores que 90° promovem a nucleação. A energia livre necessária para induzir a nucleação heterogênea pode ser formulada como: Ghetero f( ) Ghom o . (15) Nesta, o fator de correção f( ) f( ) onde 1 2 cos 4 1 cos 2 1. A expressão exata do fator é: 1 2 3 cos 4 1 cos3 , 4 (16) é o ângulo de contato, conforme mostrado na Fig. 6. Identificamos três casos típicos: Ângulo de contato é grande. A superfície repele o líquido. Neste caso temos f( ) 1; há dificuldade de nucleação heterogênea; a situação aproxima-se à da nucleação homogênea. Ângulo de contato é pequeno. A gota se espalha e fica achatada em cima do suporte. A superfície atrai o líquido e resulta uma grande área onde a nucleação pode ocorrer. Neste caso temos f( ) 0; há pouco impedimento para o contato heterogêneo; nucleação fácil. Num ângulo = 90° temos f( ) = ½. O líquido assume a forma de meia-esfera; em comparação à nucleação homogênea precisa ser superada apenas a metade da energia de superfície, para se conseguir nucleação. Fig. 6. Definição do ângulo de contato, (obs.: neste esboço a tensão superficial é representada por ). No esboço à esquerda tem-se uma gota numa superfície aderente, no esboço à direita numa superfície repelente. 13 Quanto mais baixa a barreira energética da nucleação heterogênea, menos super-resfriamento é necessário. O ângulo de contato indica a facilidade desta forma de nucleação. Pela nossa surpresa o raio crítico dos embriões não varia muito, como já implicam as duas curvas de G na Fig. 5. Porém, o volume crítico pode ser drasticamente reduzido, porque o ângulo de contato afeta a forma do novo conjunto cristalino. Ao contrário da nucleação homogênea onde se forma uma nova interface a partir de zero, a nucleação heterogênea acontece a custo de outra interface já existente. Ou seja, com um grão de poeira já introduzimos uma área de elevada energia. O sumiço da área, poeira/líquido, é uma vantagem energética que compensar parte da energia necessária para formar a nova interface líquido/cristal. A um estágio avançado da cristalização a formação de novos cristalitos ocorre, portanto, sempre na zona intergranular, isto é, no encostamento de dois grãos já formados. O crescimento em forma radial pode-se observar, por exemplo, numa janela onde crescem cristais de gelo no inverno (ver Fig. 10a); em sala de aula isso pode ser mostrado pelo experimento da cristalização de uma solução supersaturada de acetato de sódio 3 . 4.2. Cinética da cristalização. Cinética da cristalização segundo Tammann Na temperatura de fusão 4 a velocidade da cristalização é nula. Ao abaixar a temperatura ela aumenta, percorre um máximo e cai novamente a zero, ao chegar a temperaturas muito abaixo do TL. Deste fenômeno podemos tirar uma conclusão importante para a prática da produção de vidro: quem pretende produzir um vidro homogêneo, amorfo e transparente, deve percorrer o intervalo térmico da cristalização, o mais rápido possível. A cinética da cristalização foi descrita por Tammann 5. Segundo ele podemos separar nitidamente o estágio da nucleação, da fase do crescimento. As velocidades destes acontecimentos dependem tipicamente da temperatura – mais corretamente do superresfriamento. A Fig. 7 fornece uma noção qualitativa destas velocidades; observamos duas curvas bem semelhantes, enquanto a curva da nucleação (S) fica deslocada para temperaturas menores, o que corresponde a um maior superresfriamento. Seu deslocamento para a esquerda é especialmente grande quando a fusão/solução de partida é isenta de corpos estranhos, pois neste caso esperamos nucleação homogênea. Certamente, o “nascer” de um cristal é um processo mais difícil do que seu crescimento, então a curva S(T) fica sempre deslocada para temperaturas mais baixas, em relação à curva R(T). 3 Um ensaio de sala de aula é mais impressionante quanto mais simples: dissolva a quente cerca de 100 g de acetato de sódio, em apenas 20 mL de água. Tudo derrete e dá uma solução transparente. Em caso de impurezas visíveis deve-se filtrar a solução à quente, através de um filtro preguado. Durante o resfriamento à temperatura ambiente a solução não deve ser sacudida. Cristalização espontânea pode ser desencadeada, por meio de ranhuras na parede interna do copo, melhor por introdução de um grãozinho de acetato de sódio cristalino. 4 A temperatura de fusão também é chamada de temperatura líquidus; TL, ela é idêntica com o ponto de solidificação, a ser determinado no cristal macroscópico. 5 Fonte histórica: Tammann, Z. Phys. Chem. B 25 (1898) 441. Uma descrição da teoria da cristalização atual, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Nucleation 14 Fig. 7. Velocidades de nucleação e crescimento de cristais, em dependência da temperatura. Tanto a nucleação (S) como o crescimento (R) percorrem um máximo e ambas as velocidades são nulas na temperatura líquidus, TL. A curva de crescimento do cristal macroscópico, R(T), tem valores positivos abaixo da TL, isto é, os cristais crescem. Acima da TL o crescimento é negativo, ou seja, o cristal se dissolve. Um valor negativo da curva S(T), por outro lado, não faz sentido, pois o embrião começa crescer a partir de zero. A queda das duas curvas em ambos os lados do seu máximo tem explicações diferentes: ao lado de altas temperaturas tem motivos energéticos (= entálpicos e entrópicos); ao lado de baixas temperaturas se explica com a viscosidade do ambiente amorfo, fusão/solução, que sobe rapidamente quanto mais baixa a temperatura. Daí os movimentos moleculares são muito lentos e o transporte de uma molécula soluta até a posição certa da superfície do cristalito, é cada vez mais demorado. Logo abaixo da TL observamos uma faixa (estreita), o "Intervalo de Ostwald-Miers", onde a nucleação é infinitamente lenta, isto é, não se formam embriões de cristais, mas já temos condições favoráveis para o crescimento de um cristal maior. A largura deste intervalo prediz o quanto um líquido puríssimo pode ser resfriado abaixo do ponto TL sem cristalizar. O estado físico de um líquido nesta situação é meta-estável, quer dizer, fora do equilíbrio termodinâmico. A dependência térmica da velocidade de cristalização, R(T), pode ser descrita por uma equação empírica e simples, do tipo R K a (TL T), (17) com R = velocidade de crescimento dos cristais; T = temperatura atual; TL = Temperatura líquidus; = viscosidade; a, K = constantes, enquanto a geralmente tem um valor perto de 1. Olhando somente na equação (17) na sua forma anotada acima, não deduzimos uma curva R(T) em forma de sino, conforme esboçada na Fig. 7. Em vez disso esperamos uma 15 velocidade cada vez maior quando mais longe do ponto TL. Mas junto ao fato que a própria viscosidade da fase líquida também depende caracteristicamente da temperatura, finalmente fornece a imagem encontrada no experimento. Essa dependência, igualmente empírica, pode ser formulada como A B eT , (T ) (18) onde B e A são constantes 6. Note que a viscosidade aumenta de maneira exponencial, e esta dependência certamente dominará, quanto mais frio o líquido. Portanto, resulta uma queda da curva de cristalização ao lado esquerdo do seu máximo, conforme mostrado na Fig. 7. TL , a e K dependem da composição da mistura fundida. Desta fórmula concluímos que o superresfriamento absoluto, (TL T ) , é o fator principal para a velocidade da cristalização. Perguntamos agora quanto ao tamanho do cristal, sob a condição de um resfriamento de velocidade (vresfr) constante. O tamanho é mais facilmente determinado através do comprimento (médio) de aresta, l. Temos então as duas definições: dl dT , para a velocidade da cristalização, e v resfr , para a velocidade do resfriamento. dt dt Após o resfriamento completo temos então cristais do tamanho R l R dt 0 1 vresfr TL R dT . (19) 0 A última integral é simplesmente a área abaixo da curva R(T), do crescimento dos cristais. Vamos chamá-la de F, então podemos indicar o tamanho dos cristais após o resfriamento total como l F v resfr . (20) Esperamos então cristais grandes caso a fundição/solução for resfriada lentamente. Também podemos afirmar: quanto maior a área abaixo da curva R(T), mais fácil se obter cristais grandes. Vamos inverter essas afirmações para chegar às condições favoráveis de se formar um vidro: a velocidade do resfriamento deve ser escolhida grande o suficiente, para que o tamanho dos cristalitos fique abaixo do limite de detecção. Em termos práticos podemos afirmar que a cristalização fica ausente quando a fundição/solução é submetida a um resfriamento choque. Daí a mistura solidifica sem cristalização, isto é, vitrifica-se. Vamos definir um limite superior para o tamanho dos cristais que podem ocorrer em vidros ópticos de qualidade: com l < 200 nm a transparência do corpo é garantida, pois o 6 Os valores de B e A, para os solventes mais comuns, são referidos no Cap. 2.3.2 de: A. Isenmann, “Operações Unitárias na Indústria Química”; disponível em http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/livros/ou/index.html 16 espalhamento excessivo da luz (= espalhamento de Rayleigh) somente começa quando chegar à região do comprimento da onda. No caso da luz visível, isto é entre 400 e 800 nm. Sendo F F assim, a velocidade de resfriamento fica limitada a vresfr . l 200nm Em analogia à discussão da curva R(T), podemos também analisar a curva da nucleação, S(T). Essa curva reflete o número de cristalitos que se formam a certa temperatura. O número dos cristais após o resfriamento total é o quociente de área abaixo da curva S, dividida pela velocidade de resfriamento, vresfr, em analogia à equação (19). Com essas evidências afirmamos para o resfriamento de uma solução supersaturada ou uma fundição superresfriada: 1) A condição (19) para o tamanho dos cristais somente vale para os cristais maiores. 2) Por outro lado, os embriões que não foram formados logo no início da elevação da curva S(T), mas numa temperatura mais baixa ainda, levam a cristalitos menores e não têm chance de crescer. 3) Um fenômeno interessante pode-se observar nas imediações de um cristal maior, onde todos os cristalitos miúdos estão sendo "comidos". Em volta de cada cristal maior temse um pátio isento de cristalitos, conforme mostrado na micrografia da Fig. 8. Fig. 8. Micrografia (1 : 120) de dipicrilaminato de tálio: a) cristalização a partir da solução mais diluída e aos poucos; b) cristalização a partir de alta supersaturação e rápida. Os cristais maiores formaram-se a custo de uma multidão de menores. Os cristais menores têm uma superfície maior em relação ao seu volume, do que os cristais grandes. Como a superfície possui elevada energia em comparação ao interior de uma fase, então a tendência natural é a criação de uma fase maciça e reduzir a superfície, conforme a equação (6). Isso é realizado num cristal maior (= pequena superfície e grande volume). A explicação quantitativa fornece a termodinâmica, mais especificamente a relação de Thomson (equações 1 e 2). 17 A equação de Avrami A equação de Avrami 7 descreve a velocidade de transformações de fases em geral, à temperatura constante (= isotérmica). Ela tem importância, tanto na físico-química (descrição da cristalização em sólidos amorfos, especialmente em polímeros), quanto na metalurgia onde se calculam os tamanhos dos grãos em ligas metálicas. Ela pode ser aplicada ao nosso problema: a transformação de uma mistura fundida para a fase cristalina. Através da equação obtemos uma noção da velocidade de cristalização. Os resultados não são muito exatos porque a equação tenta descrever a transformação completa, desde 100% líquido até perto de 100% cristalino, usando apenas duas variáveis: a velocidade de nucleação S e a velocidade do crescimento dos cristais, R. O começo da mudança de uma fase para outra é um processo imprevisível, no que diz respeito ao local. Em poucos pontos dentro da fase A começa, devido a flutuações estatísticas de temperatura e densidade, a nucleação, também chamada de nucleação homogênea. Alternativa seria a existência de impurezas ou superfícies ásperas que representam pontos fixos onde a cristalização pode prosseguir ("nucleação heterogênea"; não é descrita pela equação de Avrami). A partir destes poucos pontos a nova fase (em nosso caso: os cristais) começa crescer. Ao decorrer do tempo também formam-se em outros locais novos pontos de nucleação. Assim prossegue até que todo o volume é ocupado pela nova fase, B. A equação de Avrami descreve então quanto à porcentagem da nova fase, em função do tempo. Um desenho simples do acontecimento presume um crescimento isotrópico, ou seja, cristais redondos. Fig. 9. Estados da nucleação de cristais Pressupondo uma velocidade de nucleação S constante, daí a distribuição arbitrária de núcleos esféricos dentro do volume, a parte da nova fase B, se calcula por: 7 M. Avrami, Kinetics of phase change. III: Granulation, Phase Change and Microstructure, J. Chem. Phys., 9 (1941), 177–184. 18 B dB dt 1 e 3 S R3 t 4 , (20) com a velocidade do crescimento R, dentro do tempo t. Conforme essa equação, não têm-se restrições nos tempos (vale para processos lentos e rápidos), nem nas partes de B (pouca fase B até quase completo). Essa equação parece ser bastante complexa. Para o estágio inicial da cristalização (Fig. 9, imagem de cima), no entanto, ela se simplifica. Para partes de B 1 podemos escrever 1 e z z . Então: B ini 3 N v3 t 4 . (22) Interpretação: o número de núcleos cresce com S.t, também o tamanho de cada cristal, 3 l R t , cresce linearmente, então seu volume cresce com R t . Levando em conta esses dois fatores juntos, podemos afirmar que o volume total de todos os cristais cresce com t4. Somente quando os cristais tornam-se maiores (concrescência) e o volume onde podem formar-se novos núcleos se torna cada vez mais raro, o volume de B aumenta mais devagar do que t4. A formulação mais em geral da equação de Avrami é, portanto: B 1 e k tn , (23) onde n é o expoente de Avrami e pode ter valores entre 1 e 4. Com esta equação todas as dependências do tempo podem ser descritas. Por exemplo, o crescimento em apenas duas dimensões, isto é, cristalização em camadas muito finas: o expoente n = 3. Tanto a velocidade da nucleação S como a velocidade do crescimento R, estão contidas na constante k. As duas dependem fortemente da temperatura, portanto k = k(T). Geralmente a equação de Avrami descreve bem o início da cristalização, enquanto no final deste processo se evidencia uma discrepância cada vez maior entre cálculo e realidade. Isto se deve principalmente a dois fatos: 1. Os cristais grandes, de diferentes orientações, encostam e formam interfaces energeticamente desfavoráveis (beiradas intergranulares; ver Fig. 9 imagem de baixo). 2. Todas as novas peças a serem implementadas no novo cristal chegam à superfície via difusão, atravessando uma fina camada ao redor do cristal em crescimento, também chamada de "pátio do cristal" (Fig. 8). Sendo assim, a velocidade da cristalização depende inteiramente da velocidade deste transporte (“controle por difusão”); isso afeta o lado esquerdo da curva R(T), na Fig. 7. Quando os pátios de dois cristais vizinhos se tocam, não há mais gradiente em concentração e a difusão pára. 19 4.3. Aspecto dos cristais formados O ensaio da cristalização do acetato de sódio, feito em sala de aula, mostrou que a cristalização libera uma quantidade notável de energia. A direção através da qual essa energia pode ser dissipada 8, influencia no aspecto dos cristais, ou seja: seu hábito. O que determina a forma do cristal macroscópico é a velocidade de crescimento, por sua vez governada pela facilidade com que o calor pode ser levado para fora da zona de cristalização. As condutividades térmicas dependem, além do estado físico, também da direção no espaço. É claro que num líquido não temos preferências a longa distância, mas num cristal podemos identificar direções preferenciais, em quais as distâncias interatômicas são significativamente menores do que em qualquer outra direção. O fenômeno é conhecido como “anisotropia”. Identificamos dois casos fundamentalmente diferentes que influenciam notavelmente na aparência do cristal: a) A dissipação ocorre mais facilmente pela fundição. Isto significa que o gradiente térmico é maior dentro da fundição do que no cristal. Podemos esperar uma temperatura inferior na fase amorfa do que no cristal, promovendo neste local o crescimento do cristal, R(T). Este é o caso, em geral, ao se cristalizar sob super-resfriamento rápido ou quando a fase líquida se apresenta como filme fino. Uma ponta que cresceu acha condições cada vez mais favoráveis, portanto continua crescendo. Em consequência forma-se um cristal com grande superfície, com aspecto de agulhas que podem ter muitas ramificações. Conhece-se este cristal como dentrito 9 (ver Fig. 10 a). Exemplos são, além do gelo nas janelas no inverno, a etringita formada no gesso e o composto C3A no concreto, que ambos provocam a pega devido à interpenetração das suas agulhas. b) A dissipação ocorre principalmente através do próprio cristal. Isto significa que o gradiente térmico é maior dentro do cristal do que na fundição. Daí a frente do crescimento chega a uma região de temperatura mais alta - ela se recua. Desta forma, nenhum canto avança muito e forma-se uma face lisa e reta. O cristal macroscópico tem uma área superficial mínima, dentro dos planos cristalinos principais - ele aparece compacto. Essa é uma característica de cristais que cresceram lentamente, não muito longe das condições de equilíbrio com a fundição ou solução saturada. Como exemplos podemos referir a maioria dos metais e suas ligas, onde há formação de grãos de aspecto bem redondo. 8 Dissipar = conduzir o calor gerado num local, ao seu redor. 9 Ao extremo, a forma anisotrópica da cristalização leva aos esferulitos, ou seja, “cristais redondos”, ver Fig. 14. 20 Fig. 10. "Habitus" é chamada a forma que o cristal macroscópico toma por fora: (a) Dentrito: gelo formado em cima de uma janela fria. (b) Cristal maciço: fluorita de uma caverna. 5. Conclusões práticas para a produção de vidro Após este excurso ao mundo dos cristais, vamos voltar para o objetivo principal deste artigo: a produção de vidros. Um fato importante para a prática, não só na produção de vidro, mas também em todos os processos onde se forma material cristalino, é a solubilidade elevada de cristalitos muito pequenos (diâmetros tipicamente < 100 nm). Por isso, conseguimos um precipitado, somente a partir de uma solução supersaturada. O valor da saturação/fundição saturada, conforme indicado na literatura, no entanto, sempre vale para sistemas onde há cristais macroscópicos. O sistema entra em uma região meta-estável que, na exclusão de corpos estranhos e cantos de elevada energia, pode ser mantida por muito tempo. Por outro lado, o primeiro sinal de um embrião de cristal leva ao crescimento espontâneo do mesmo. Número e tamanho dos cristais formados dependem dos seguintes fatores: A probabilidade S da formação de um novo embrião é proporcional à supersaturação c c relativa, r , enquanto c A velocidade R do crescimento dos cristalitos é apenas proporcional à supersaturação absoluta, c r c . Para a produção de vidro é de suma importância evitar as condições favoráveis à formação de embriões e, ao mesmo tempo, evitar condições favoráveis de crescimento dos mesmos. Na Fig. 7 anotamos duas curvas, R(T) e S(T), que têm formas bem semelhantes, mas as duas são deslocadas uma da outra, por um valor característico que chamamos de Intervalo de OstwaldMiers. Sempre observamos que a germinação requer temperaturas mais baixas, por ser um processo mais difícil do que o crescimento. Em outras palavras: a largura do intervalo de Ostwald-Miers determina a facilidade de produzirmos um vidro. Quanto mais largo o intervalo, mais fácil se obter um vidro. A partir da cinética de cristalização de Tammann resulta uma afirmação remarcável: um vidro frio, quando aquecido aos poucos, vai chegando à nucleação, logo abaixo da temperatura TL 21 mesmo se um crescimento de cristais de tamanho notável não for observado. Isso fornece a explicação do princípio de produzirmos uma cerâmica vítrea (ver p. 32), ao manter um vidro numa faixa térmica logo abaixo da TL, isto é, onde a velocidade de crescimento dos cristais é notável enquanto a taxa de crescimento ainda está muito pequena. Durante o reaquecimento de um vidro passamos então pelo intervalo de nucleação, S(T), sem necessariamente correr o perigo de formar cristais grandes. Cristalização que é provocada por este caminho pode também ser chamada de "desvitrificação". Isso nem sempre é sinônimo de defeito na produção de vidro; em alguns produtos, nas cerâmicas vítreas, é justamente esse o processo que, quando feito de maneira bem controlada, leva ao sucesso (mais sobre isso na p. 32). O caminho direto, quer dizer, o resfriamento lento da fundição, não leverá ao mesmo resultado, já que passamos primeiro pela região do crescimento rápido e só depois, numa temperatura mais baixa, na região da nucleação. Fig. 11. Vidros com diferentes tendências para cristalização. No gráfico acima são comparadas as velocidades de crescimento dos cristais, R, para dois vidros comuns de composição diferente. Para o vidro 1 observamos uma área F = 1,4.104 K.µm.min-1. Com a restrição de l = 200 nm, obtemos para a velocidade mínima de resfriamento: vresfr = 7.104 K min-1, um valor bastante alto. Com essa velocidade o intervalo entre 1330 °C e 760 °C deveria ser percorrido. O corpo deve então ser resfriado por 570 K em apenas 0,5 s! Mas a condutividade térmica do material delimita a velocidade da dissipação, portanto somente conseguimos um resfriamento-choque tão drástico, num objeto minúsculo. Para a produção de um artefato de vidro maior, essa composição certamente é inadequada. Já o vidro 2 tem uma área de cristalização de F = 1,2.103 K.µm.min-1. Isso requer um resfriamento de 6000 K.min-1, e para percorrer a faixa térmica problema, entre 900 e 1100 °C podemos gastar até 2 segundos. Tecnicamente estes valores permitem um resfriamento do material fundido ao ar – o que facilita a manufatura de objetos de vidro, pelo processo tradicional da zarabatana. As velocidades máximas da cristalização dos vidros comuns ficam geralmente abaixo de R = 10 µm.min-1. Quem produz vidros ópticos e especiais, de repente tem que lidar com velocidades de R = 100 µm.min-1 ou mais - o que acarreta grandes dificuldades operacionais. A manufatura é tão difícil porque um resfriamento demasiado leva a tensões internas do 22 objeto. Essas tensões abaixam drasticamente sua resistência mecânica (vibrações harmônicos, batidas, armação torta, etc.) e facilitam sua rachadura catastrófica. Além disso, essas tensões acarretam um efeito óptico conhecido como birrefringência 10, um fenômeno bastante prejudicial em lentes, prismas e espelhos, nas diversas aplicações de óculos, microscópios, telescópios, aparelhos de espectroscopia, etc. Somente ao tiver objetos de pequenas dimensões, um resfriamento-choque pode ser levado em consideração, sem correr o perigo de perdê-los por trinco. Sob essa promessa, até metais podem ser levados ao estado vítreo. Os mais famosos exemplos são os aços austenítico e martensítico, onde o carbono está soluto randômico dentro das fases Fe-γ e Fe-α, respectivamente. A vitrificação é então mais fácil em materiais onde nucleação e/ou crescimento dos cristalitos é devagar. Em misturas de vidro que foram aquecidas apenas pouco acima da zona de fusão, têm-se suficientes núcleos ("embriões") de cristais nos vidros técnicos, devido às impurezas sólidas contidas na fundição ou à superfície áspera do recipiente da mistura. Neste caso podese esperar uma nucleação S heterogênea, fácil e rápida, e o crescimento dos cristais R se torna o fator delimitante para os vidros técnicos. 6. Conceito de formadores de rede, modificadores de rede e quebradores de rede 6.1. "Formadores de rede" A produção de um vidro requer um sistema de cristalização lenta, como o exemplo acima deixou claro. Geralmente, quanto mais pura e homogênea a mistura sólida dos ingredientes minerais (equipamento mais utilizado: moinho de bolas), mais fácil e rápida sua cristalização. Portanto, é mais fácil produzir um vidro a partir de uma mistura de diferentes ingredientes que dificultam mutuamente sua cristalização. O ingrediente principal de cada mistura tecnicamente interessante é um óxido de semi-metal (“óxidos ácidos” 11). Dentre estes são apenas a metade das fórmulas que se destacam por uma taxa de cristalização suficientemente baixa. São essas principalmente os óxidos das fórmulas: A2O3 (p. ex. B2O3, Al2O3, As2O3, Sb2O3), AO2 (p. ex. SiO2, GeO2, também o isostérico BeF2 ) A2O5 (p. ex. P2O5, As2O5). Todos esses óxidos são feitos por poliedros de coordenação [AOp], com p < 6, e esses poliedros são interconectados somente através dos seus cantos. Sendo assim, cada poliedro [AOp] tem três ou mais cantos em comum com os poliedros vizinhos, mas nenhuma vértice ou até face. Para o oxigênio isso significa que tem, no máximo, dois vizinhos de semi-metal. Significado técnico hoje somente têm os vidros a base do quartzo, SiO2. 10 O fenômeno é a dupla aparência de um objeto quando observado através do corpo de vidro. Explica-se a separação do feixe de luz com diferentes velocidades da luz (polarizada), dependendo da direção com que atravessa o corpo. Isso não é só um fenômeno de cristais de certa geometria (a calcita da Islândia é o exemplo mais famoso), mas também em vidros e até em líquidos em movimento. A física explica a birrefrigência com a forte anisotropia dentro do material iluminado, provocada por tensão e/ou pressão localizada. 11 Essa expressão se entende quando interpretar os óxidos como anidrido. Com B2O3, As2O3, SiO2 e P2O5, após a adição de água chegamos no ácido bórico, ácido arsênico, ácido silícico, ácido fosfórico, respectivamente. 23 Por outro lado, os óxidos das fórmulas AO, AO3, AO4 e AO5, não são adequados como base de vidros de qualidade, pela tendência pronunciada de cristalização rápida e espontânea. Especialmente fácil é a produção de um vidro, a partir da co-fusão de uma mistura de óxidos ácidos, sendo essas SiO2, B2O3, Al2O3, P2O5, em primeira linha. Seus poliedros formam uma rede tridimensional e compacta, portanto o nome "formadores de rede". 6.2. "Quebradores de rede" Quando os óxidos especificados acima são misturados com óxidos básicos (= óxidos de metais), tais como Na2O, K2O, MgO, CaO, PbO ou ZnO, ocorre um afrouxamento da rede tridimensional. A estrutura principal dos vidros técnicos é providenciada por tetraedros de [SiO4] não orientados que são interligados através dos seus cantos. Algumas destas pontes simples de siloxano, Si-O-Si, podem então ser quebradas, por meio de íons O2- adicionais, introduzidos pelos óxidos básicos. Si O Si + O2- Si O- + - O Si Por este motivo, os óxidos básicos são chamados de "quebradores de rede". Em geral, podemos observar quanto mais pontes de siloxano quebradas, mais baixa a temperatura de amolecimento do vidro, Tg. Comparando os óxidos dos álcalis, M2O, com os álcalis terrosos MO, podemos afirmar que os primeiros acarretam uma maior depressão da temperatura T g do que quantidades equivalentes de óxidos MO, já que a ligação iônica no primeiro, Si O- 2 M+ -O Si Si O- M2+ - O Si , fica mais fraca do que no segundo caso, , devido às distâncias inter-iônicas maiores (tem 2 cátions) e então forças de Coulomb menores. 6.3. "Modificadores de rede" Os átomos tetravalentes de Si, estrutura predominante nos vidros comuns, podem ser substituídos parcialmente por outros íons, igualmente capazes de sustentar uma rede tridimensional. O arranjo dos íons O2- fica inalterado, ou seja, continuam formando tetraedros em volta dos novos cátions. São estes: o boro trivalente, o alumínio trivalente e o fósforo pentavalente. Portanto, estes íons são chamados de "modificadores de rede". Note que a substituição de cada Si4+ por B3+ ou Al3+ aumenta a carga negativa da rede, enquanto a implementação de P5+ abaixa sua carga por unidade. Sendo assim, cada modificador da primeira categoria (B ou Al) consome um quebrador de rede. Já um modificador da segunda categoria (P, As ou Sb) induz mais uma ponte quebrada de siloxano. Tais vidros modificados de silicato destacam-se por intervalos térmicos de amolecimento, especialmente largos. Além disso, têm coeficientes de expansão térmica, bastante pequenos. Para a produção de vidros isso tem efeitos benéficos: Durante o largo intervalo térmico onde o material está ainda fundido, a viscosidade do material é bastante alta. Isso impede a reorganização da rede cristalina, ou seja, essas misturas se destacam por cristalização lenta. As velocidades de resfriamento podem ser escolhidas mais altas, sem correr o risco de trincar o objeto devido a tensões internas. Então é possível resfriar o objeto novo de vidro simplesmente ao ar, em vez de serem necessários "fornos de resfriamento", que garantem um perfil térmico mais suave, lento e controlado. No produto acabado: menos tensões internas, então melhor qualidade óptica; vidros de laboratório ou da cozinha, que não trincam mesmo se aquecidos bruscamente ou resfriados por choque. 24 7. Tipos de vidros Os vidros inorgânicos podem ser discriminados, conforme seu uso: vidro comum: vidro de chapa e vidro de recipientes, vidro especial de elevada resistência química, vidro óptico (para lentes, óculos, fibras de condução de luz, etc.), vidros do setor eletro-eletrônico, vidro de solda, vidro de cerâmica (entre outros, que aguentam altas temperaturas, mudanças drásticas de temperatura, ferroelétricos, fotossensível). 7.1. Vidro comum: história, matérias-primas e princípios de manufatura Já os povos primitivos tinham contato com figurinhas de vidro, sem saber de onde vêm. Foram usados para cultos religiosos, principalmente. Hoje se sabe que foram formados quando descargas de tempestade, com milhares de graus por curto tempo, caíram em bancos de areia. Os grãos da areia, isto é, quartzo com até 10% de impurezas, fundiram e, devido ao resfriamento na ordem de poucos segundos, vitrificaram. A forma interessante dessas figurinhas depende da facilidade de fundir, então principalmente da composição local das areias, além de desvios do caminho que o raio sofreu em minerais magnéticos ou em pedras compactas. Os primeiros vidros que foram fabricados pelo homem datam da época dos egípcios (3400 a.C.). As matérias-primas usadas hoje são pouco diferentes da antiguidade: Nome trivial Fórmula do mineral Areia de quartzo Fórmula dentro do vidro SiO2 SiO2 Soda ou sulfato de sódio mais carvão 12 Na2CO3 ou Na2SO4/C Na2O Potassa (originada de cinzas de madeira) K2CO3 K2O Calcário CaCO3 CaO Pb3O4 PbO Na2B4O7 B2O3 Al2(OH)4[Si2O5] ou M1+[AlSi3O8] Al2O3 Zarcão 13 Bórax Caolinita 14 ou feldspato 12 Na2SO4 + C 13 Pb3O4 Na2O + SO2 + CO. 3 PbO + 0,5 O2. 14 Barro ou argila, são misturas complexas onde a Caolinita é o componente principal. Também contêm Ilita, (K+/H3O+)y{Al2(OH)2[Si4-yAlyO10]}, com y = 0,7 a 0,9. 25 Quantidades controladas destes ingredientes são co-moídos. Uma granulação mais fina abaixa a temperatura da primeira fusão da mistura, a partir das matérias-primas. Mas também o material reciclado é geralmente finamente moído, para estabelecer homogeneidade perfeita no produto acabado. Note que a produção de vidro envolve uma alta taxa de reciclados: em média 60% do novo material de vidro já era vidro! Essa taxa de reciclagem pode ser aumentada até ~90%. A fusão é feita em grandes panelas de barro de 400 a 800 kg de conteúdo, em um forno onde cabem até 16 destas panelas ao mesmo tempo. Alternativa é num leito de capacidade de até 300 t, onde é fundido a 1000 °C e clarificado (= purificado; remoção das impurezas sólidas e das bolhas de gases). Note que a clarificação requer temperaturas muito acima da faixa de fusão, de 1450 a 1550 °C, onde a fundição é um líquido ralo. A propriedade de aumentar em viscosidade aos poucos até a solidificação total, permite um manuseio confortável do vidro fundido. As principais técnicas de transformação mecânica são: Dobrar tubos e barras, Fechar ampolas a partir de tubos infinitos, Soprar objetos ocos através de um tubo comprido ("zarabatana") e ar comprimido, seja dos pulmões do vidreiro ou de um compressor mecânico (vidro oco, tais como garrafas, vasos - em geral, recipientes baratos); Grandes partes de vidro fundido são calandradas (vidro de janela e espelho) ou Prensadas em moldes (telha de vidro; no caso do tijolo de vidro as duas metades moldadas são fechadas e seladas a quente, daí o resfriamento acarreta uma atmosfera rarefeita no interior do tijolo que, afinal, promove as propriedades isolantes do material em construção civil); Despejar o vidro fundido em cima de uma lagoa de estanho fundido (vidro Float, do inglês = boiar) Muito usadas são técnicas combinadas, de sopro usando vácuo e moldagem (informese sobre o processo de Ingle e Smith). Por essa técnica se produzem vidros baratos usados no dia a dia, tais como pratos, copos de cerveja, garrafas e copos de conserva. Hoje somente por fins artísticos: sopro com a zarabatana. Na época da fabricação de vidro para as janelas das antigas igrejas esse era o único método de se fazer chapas de vidro. Cortava-se o fundo da bolha soprada e se achatava o restante do vidro por rotações rápidas da zarabatana. Por isso, as peças foram pequenas e redondas, sempre mais grossas no centro. Um tratamento posterior da superfície do artefato pode ser necessário: lixamento grosso com areia de quartzo, lixar fino com lixa ou esmeril, polimento com pastas minerais. Na maioria dos objetos visa-se uma superfície extremamente lisa e lustrosa e um interior claro e transparente. Mas também o oposto pode ser desejado: uma aparência fosca pode ser propiciada, ou na hora da produção do vidro ou em uma etapa posterior. No primeiro caso se consegue um efeito em massa, no segundo um efeito na superfície. Os processos mais aplicados são: Suspensão de um material fino, de alto ponto de fusão (ver p. 36); Clareamento insuficiente (isto é, a falta da etapa de altíssima temperatura na produção); daí a inclusão de bolinhas de gás abaixam a transparência; 26 Desvitrificação demasiada (ver p. 32; cerâmicas vítreas); Jateamento abrasivo com areia; Por meios químicos, especialmente a caustificação da superfície por ácido fluorídrico, HF (ver p. 29), mas também por NaOH em alta concentração. 7.2. Composição do vidro comum: quartzo, cal e soda É de composição simples, pois contém além de quartzo apenas soda e cal. Sendo assim, sua composição média é: Na2O . CaO . 6 SiO2. Em massa, isto são: 12,9% de Na2O, 11,6% CaO e 75,5% SiO2. Esse vidro atende a maioria das aplicações, sejam essas: janelas, copos, garrafas e espelhos baratos. Os vidros com suficiente resistência química deveriam ter a seguinte fórmula: s = 3 (n² + 1), (23) onde s = número de mols de SiO2; n = relação molar de Na2O / CaO. Interpretando isso num exemplo: Aumentar a razão Na2O / CaO, deve ter a consequência de aumentar também a porcentagem em quartzo. A composição do vidro referido acima, Na2O . CaO . 6 SiO2, é então um caso especial desta fórmula, onde n = 1. Nos mais diversos vidros técnicos a relação Na2O / CaO pode variar entre n = 0,6 e 1,8. Como já vimos acima (p. 2), um vidro isento de cal é solúvel na água. Também aqueles vidros comuns que são ricos em álcali e pobres em cal, são vulneráveis frente à hidrólise. Parte do seu álcali é dissolvida da superfície do objeto de vidro, especialmente quando estiver em contato com água a altas temperaturas. Daí forma-se uma camada mais rica em SiO2 e CaO, por sua vez bem fechada e protetora do material interior do objeto. Portanto, é aconselhado expor vidraria nova do laboratório, à água quente, melhor ainda a vapores d´água em um autoclave, antes do seu primeiro uso. Ainda mais eficazes neste sentido do que água pura são ácidos minerais diluídos (lembre-se: Na2O tem caráter básico). Vidro comum é feito a partir das mais baratas matérias-primas. Qualquer outro ingrediente do que quartzo, soda e cal significará custo a mais. Dentro destes três (ver diagrama das fases abaixo 15), a soda cáustica é a mais cara. 15 Para a interpretação de um diagrama das fases ternário, estude o seguinte gráfico: 27 Fig. 12. Diagrama das fases ternário, de quartzo, soda e cal. Então, tenta-se minimizar a porcentagem do Na2O no vidro, dando preferência a vidros ricos em SiO2 e CaO. A resistência química do vidro depende, em primeira linha, da razão Ca/Na; ela é maior em vidros ricos em cálcio. Podemos afirmar que os vidros mais baratos também são os quimicamente mais resistentes. Da Fig. 13, porém, vemos que essas duas vantagens se compram com um processamento mais difícil, pois a tendência à cristalização aumenta numa composição pobre em álcali. Tanto a temperatura líquidus, TL, como a velocidade da cristalização, ambas aumentam, acarretando maiores custos no aquecimento e maiores perdas devido às tensões internas formadas durante o resfriamento do objeto de vidro. Portanto, os teores em SiO2 mais realizados são entre 70 e 75%, enquanto o teor em álcali raramente cai abaixo de 15%. Fig. 13. Diagrama das fases ternário, quartzo, soda e cal, destacando as fases minerais identificadas após a têmpera prolongada. 28 Contudo, um emprego da quantidade mínima de álcali leva a composições, perto do vinco nas linhas pontilhadas da Fig. 12, que assinalam as composições da mesma velocidade máxima de cristalização. Conforme a Fig. 13, isto fica aproximadamente na beirada do campo de existência da -volastonita. Em cima desta curva, procura-se então o teor máximo em CaO. 7.3. Ataque químico por ácidos e bases Sais alcalinos e suas soluções geralmente são os atacantes número Um para a maioria dos vidros. Eles dissolvem o SiO2 da rede e o transformam em silicatos alcalinos que, como já elucidado no capítulo "Silicatos de álcali", são solúveis na água. Uma solução de NaOH, nem mesmo diluída, jamais deve ser guardada em frascos de vidro (balões, garrafas, tubos de ensaio etc.). Mais indicado seria um recipiente de polietileno. Especialmente quando a finalidade da solução é o Laboratório de Analítica, pode-se contar com uma falsificação da concentração de álcali e uma crescente presença de silicatos solutos. Ambas as concentrações prejudicam exatidão e confiabilidade das medições. Ao deixar pastilhas de NaOH somente um dia num vidro de relógio, caustificam a vidraria e a tornam inútil. Mas também certos ácidos têm potencial agressivo frente ao vidro. Ácido fosfórico, concentrado e quente, ataca aos poucos a vidraria comum de laboratório. Mais corrosivo ainda do que álcali concentrado é o ácido fluorídrico (que está sendo produzido in situ, ao acidificar uma solução contendo um sal fluoreto, com ácidos fortes!). A ligação Si-F é especialmente estável: com 595 kJ.mol-1 é a segunda mais forte ligação covalente (somente perde para a ligação B-F). Em comparação, a ligação simples de Si-O “somente” conta com 444 kJ. Por isso o HF dissolve o silício em forma de SiF4 – que é um gás fumegante. O artefato de vidro é rapida e irreversivelmente caustificado. Aproveita-se deste efeito ao aplicar gravuras e produzir vidros foscos ("vidro leitoso"). 29 Note que os demais ácidos, quer orgânicos ou minerais, não atacam notavelmente o vidro comum. 8. Vidro de potassa e outros vidros técnicos A próxima tabela mostra as composições médias (valores dados em % mássicos), de diferentes fabricantes e de vidros de diferentes destinos. Observa-se que todas as receitas contêm mais ou menos Al2O3 na intenção de elevar a resistência química do produto. Além disso, podemos ver que o óxido de cálcio pode ser reposto por MgO ou BaO. Tanto MgO quanto BaO levam ao aumento em viscosidade do vidro a altas temperaturas. Daí se abre uma janela térmica mais ampla para a sua usinabilidade, em comparação ao vidro de cal. Além disso, o bário e o magnésio abaixam a tendência da cristalização. Além do óxido de sódio aplica-se como “quebrador de rede” também K2O (potassa) - que é somente pouco mais cara do que Na2O. A potassa usa-se para abaixar a dureza do vidro a ser lapidado; também melhora o aspecto do artefato, devido ao maior brilho e menor dispersão 16, portanto é chamado de "vidro de coroa" ou "vidro de lustre" (crown glass). Também as partes ópticas em aparelhos, óculos, telescópios etc., são feitos de vidro de coroa. Uma composição típica de vidro de coroa é: 73% SiO2; 5% Na2O; 17% K2O; 3% CaO; 2% Al2 O3. A grande semelhança entre as composições apresentadas abaixo revela-se ao comparar os teores em álcalis-terrosos total e álcalis total. Nome comercial SiO2 Na2O K2O CaO MgO BaO Al2O3 Vidro de cabo 72 13 6,5 6,5 0,2 0,2 1,0 Vidro chato 72 14 1 8 4 - 1,3 Vidro de recipiente 72 15,5 0,4 8,5 2 - 1,4 Vidro de lâmpadas 72,5 16,3 - 6,5 3 - 1,3 Vidro óptico de lustre 72 10 7 11 - - - Vidro de aparelhos 68 13 4 9 - - 5,5 Vidro de tela de TV 68 9 7 0,3 - 11 4 16 Dispersão se chama a dependência da refração, do comprimento da onda da luz. Sendo assim, a luz azul é mais fortemente quebrada do que a luz vermelha. Uma alta dispersão geralmente é bastante desvantajosa, na maioria dos aparelhos ópticos, pois dificulta o focamento preciso por lentes. O vidro de coroa, neste aspecto, é mais vantajoso do que o vidro de flint (vidro comum de soda), onde o ponto de focamento fica mais borrado: 30 Vidro romano do 1° século 70 16,5 1 7 0,6 - 5 Já mais difícil de fundir do que os vidros de cal e soda, são os de barrilha, onde parte ou todo sódio é reposto por potássio. Ao manter a razão de M2O / CaO, os vidros de barrilha são mais vulneráveis contra o ataque da água. Portanto, recomenda-se modificar a composição para maiores teores em quartzo, sendo satisfeita a fórmula: s = 4 (n² + 1), (25) onde s = mols de SiO2; n = relação molar de K2O / CaO. Desta fórmula resulta uma composição média de K2O . CaO . 8 SiO2. O tradicional vidro de louça da Boémia é um exemplo clássico da sua aplicação. Neste, as lapidações aparecem especialmente bonitas. Também no laboratório químico se dá preferência a tubos deste vidro quando se exige alta resistência térmica e química, por exemplo, tubos de combustão usados na análise elementar (C, N, H) de compostos orgânicos. Note que hoje se conhecem vidros melhores para esta finalidade (vidro Supremax, ver abaixo). Finalidade óptica e decorativa tem o vidro de lustre - um vidro de barrilha e cal. Outro vidro que contém tanto Na como K, é o vidro de Turingua: com temperaturas de amolecimento entre 550 e 600 °C o artefato pode ser usado numa temperatura de uso permanente até 400 °C. A resistência do vidro contra água, ácidos, bases e variações térmicas, aumenta bastante ao repor parte do quartzo por B2O3 e/ou Al2O3, daí o nome "vidros de bórax” e “vidro de barro". O óxido de boro reduz drasticamente o coeficiente de expansão térmica do vidro (apenas 3 a 5 . 10-6 K-1; compare com outros vidros de qualidade referidos na nota de rodapé 19), então o torna adequado a ser aquecido por uma chama direta de um lado e resfriado por água fria no outro lado. Além disso, aumenta a resistência à hidrólise e contra o ataque por ácidos. Durante a produção do vidro o bórax facilita a fusão das matérias-primas, especialmente as misturas ricas em Al2O3. O óxido de alumínio reduz o quebradiço do vidro (aumento em elasticidade) e abaixa o perigo da desvitrificação (expressão ver p. 22). Um famoso vidro desta classe é o Duran® da Schott, cuja composição é: 74,5% SiO2 ; 8,5% Al2O3; 4,6% B2O3; 7,7% Na2O; 3,9% BaO; 0,8% CaO e 0,1% MgO. Seu amolecimento ocorre entre 600 e 700 °C. Foi originalmente feito para o uso no laboratório químico, mas hoje é muito disseminado nas cozinhas, também. Composições e qualidades comparáveis têm os vidros de Jena, as marcas Pyrex®, Silex®, Resista® e Durax®. Importante para o químico ainda é o vidro Supremax, com temperatura de amolecimento acima de 1000 °C: 56,4% SiO2 ; 20,1% Al2O3; 8,9% B2O3; 8,7% MgO; 4,8% CaO; 0,6% K2O; 0,6% Na2O. Ao repor num vidro de barrilha e cal, parte ou toda cal por óxido de chumbo, obtém-se um produto de fácil fusão, chamado de "vidro de cristal de chumbo” 17. Este ganhou o nome devido ao alto brilho nas suas superfícies planas. Isto se deve ao alto índice de refração e alta densidade (3,5 a 4,8 g.cm-3; compare: quartzo tem uma densidade de 2,65 g.cm-3). É usado para objetos de uso e luxo. Um vidro rico em K e Pb é usado em lentes e prismas. Especialmente rico em PbO 18 e com algum B2O3 se apresenta o "strass". Seu índice de refração é semelhante ao do diamante, portanto é usado na bijuteria, na imitação de pedras nobres. 17 Atenção: esta denominação popular é uma aberração - já que sabemos que um vidro é o oposto de um cristal! 18 Curiosidade: misturas com até 80% de PbO podem ser solidificados em forma de vidro! Os vidros de chumbo mais produzidos, porém, contêm entre 24 e 30% m/m de PbO. 31 8.1. Vidros especiais. Como visto acima, os vidros podem ser adaptados à sua finalidade, escolhendo ingredientes diferentes (tais como ZnO, Sb2O3, P2O5, etc.) e estes numa faixa relativamente larga, que substituem em parte os três ingredientes clássicos, sílica, cal e soda. Junto ao fato de que um vidro não dispõe de uma estequiometria definida, faz com que existam inúmeras receitas de vidros especiais. Aqui somente alguns poucos exemplos mais marcantes. Vidro "Uviol": deixa passar, não só a luz visível, mas também raios ultravioletas até 253 nm. Contém quantidades notáveis de fosfato de bário e óxido de cromo. Vidros de proteção em usinas nucleares: para bloquear (na verdade: absorver) nêutrons lentos, esses vidros contém além de borossilicatos, também óxido de cádmio e diversos fluoretos. Efetivo na absorção de raios γ se mostrou um vidro contendo fosfato de tungstênio, WPO4. Vidro temperado O vidro temperado aumenta a segurança do manuseio do objeto: sua superfície é mais resistente a ranhuras, tem elevada resistência mecânica contra batidas pontiagudas, e quando realmente sofre estrago, o vidro temperado quebra em inúmeros pequenos cacos – em vez de trincar irregularmente e deixar grandes pedaços com cantos afiados e perigosos, como é a característica do vidro comum. Hoje é aplicado em objetos de vidro comum - geralmente vidros de chapa - onde a quebra pode afetar seriamente o usuário: portas de boxe de chuveiro, pára-brisas, portas de vidro em edifícios públicos, etc. Um processamento em duas etapas: 1) Têmpera em aproximadamente 625 °C, num forno que tem tipicamente 80 m de comprimento. Nesta temperatura não há cristalização notável; ela deve ser aplicada de maneira mais uniforme possível. 2) Saindo do forno da têmpera o objeto é resfriado rapidamente por meio de ar soprado nos dois lados da chapa. Esse último detalhe é de suma importância, se não o efeito oposto é garantido (isto é, elevado quebradiço no lado que não foi resfriado). Para entender isso, devemos levar em consideração a dilatação térmica do vidro comum: no forno ele se dilata 19 uniformemente. Ao ser resfriado pelo jato de ar a camada externa do objeto sofre um aumento drástico em viscosidade, o que impede a volta dos átomos na sua posição conforme a temperatura. O resultado é uma camada externa que fica permanentemente estendida. No interior do objeto, no entanto, a velocidade do resfriamento é naturalmente muito mais baixa, devido à baixa condutividade térmica do vidro. Lá, o resfriamento é mais suave, o material tem tempo suficiente para se recolher, de acordo com a temperatura. No final do processo permanece uma tensão no objeto, no sentido que a camada externa sempre fica comprimida pelo miolo do objeto. Isso faz com que a durabilidade do objeto aumente, já que somente a superfície é sujeita ao desgaste mecânico. 19 O coeficiente de dilatação linear do vidro comum fica em torno de 9 .10-6 K-1. Em comparação: metais comuns entre 15 e 25.10-6 K-1; concreto 6,8.10-6 K-1; vidro Pyrex® 3,2.10-6 K-1; recordista entre os materiais de uso técnico é o quartzo vitrificado, com apenas 0,6.10-6 K-1. Notamos apenas como curiosidade física: existem pouquíssimos materiais cujo coeficiente de dilatação térmica fica negativo (NTE = negative thermal expansion; por exemplo, observado no ZrW2O8). 32 O que acontece se o resfriamento rápido somente for aplicado de um lado, se vê no experimento clássico da “Garrafa da Bolonha”: sua camada externa (= resfriado) se torna tão resistente que até um prego pode ser martelado na madeira. Mas quando deixar cair o prego dentro da garrafa ela quebra em inúmeros pequenos pedaços. Desvantagem do vidro temperado: devido às tensões permanentes é impossível qualquer tratamento mecânico após a têmpera. Recorte, lixamento, gravura, furos, etc. têm que ser aplicados antes deste procedimento. Distinguimos o vidro temperado, das cerâmicas vítreas. Embora os dois processos têm como base a têmpera controlada, somente o último leva à cristalização notável do material. Cerâmicas de vidro (também vitrocerâmica ou cerâmica vítrea): Desvitrificação (expressão ver p. 22), por sua vez considerada sendo defeito na produção de vidro comum, aqui está feita com propósito. Em geral, essas cerâmicas são feitas a partir dos vidros da respectiva composição, submetendo-os à têmpera controlada. Nestas condições ocorre a formação de muitos, pequenos cristais, a custo da fase amorfa. Lembramos que o vidro representa um estado metaestável, então sua transformação em cristal é um processo espontâneo ( G < 0). No capítulo "Vidros contra cristais" vimos que logo abaixo da temperatura sólidus, TL, temos a condição termodinâmica para a formação permanente de cristais (curva R na Fig. 7). Mas também vimos que nessa temperatura não necessariamente é adequada para induzir a cristalização a partir de um material completamente amorfo; lembramos que o intervalo de Ostwald-Miers dificulta o processo da cristalização - até mesmo é responsável pela existência do estado vítreo. Para provocarmos uma recristalização controlada, temos que procurar as condições certas para superar os impedimentos cinéticos da nucleação (curva S na Fig. 7), sem entrar na região do crescimento rápido dos embriões. A nucleação somente ocorre em uma estreita faixa térmica (curva S na Fig. 7), isto é, existe uma temperatura limite inferior e superior, fora das quais não ocorre uma notável formação de cristalitos. O limite inferior se deve à alta viscosidade do vidro, quando estiver a baixas temperaturas; isso dificulta a difusão, um processo essencial para o crescimento de um cristal. Portanto, existe um limite térmico abaixo do qual não prossegue a cristalização em tempos hábeis. O limite superior se deve à barreira energética frente à criação de uma nova interface – o que é um processo altamente endotérmico. Essa barreira deve ser superada. No início da cristalização, mais especificamente no processo da nucleação homogênea, o gasto em energia devido à nova interface, supera de longe o ganho em energia devido à criação de novo volume cristalino (Fig. 5). Em outras palavras: o início da vida de um cristal é mais difícil do que o seu crescimento. Isto implica que a nucleação homogênea dos cristais a partir de um líquido ou vidro sempre requer um ambiente de baixa energia, isto é, uma situação de super-resfriamento. Portanto, existe uma temperatura limite superior acima da qual não se formam embriões de cristais. Essas duas considerações deixam claro que existe uma faixa térmica estreita onde se prossegue a desvitrificação controlada, reaquecendo um material que foi 100% vitrificado por resfriamento rápido. A composição química dos cristais se dá no diagrama das fases (Fig. 13). Pelo menos na teoria, porque em nenhum caso real temos um sistema composto por rigorosamente três componentes, nem a ausência completa de impurezas sólidas. Mesmo se for a partir das três matérias-primas supracitadas, sempre acontece que o material fundido se 33 junte ao material do recipiente de cozimento; lembre-se que o revestimento interno do recipiente da fábrica é feita de refratário, de composição semelhante à do próprio vidro. Portanto, podemos levar em consideração também cristais de composição estranha, que não constam dos diagramas ternários. No caso das cerâmicas vítreas devem-se evitar tais impurezas, se não se corre perigo de perder controle sobre a cristalização. É evidente que a elevada exigência à pureza também eleva o custo deste material, ao comparar com o vidro comum. Sob essa promessa e através de um controle rigoroso da temperatura, conseguimos controlar o processo da desvitrificação tão bem que podem ser produzidas cerâmicas com diferentes propriedades e para aplicações especificadas. Em dependência do programa térmico em que o objeto de vidro for submetido: Ao manter um vidro por longo tempo, no meio da região do superresfriamento de Ostwald-Miers, formam-se poucos, mas grandes cristais. Estes geralmente são perfeitamente esféricos, portanto chamados de "esferulitos", ver Fig. 14. Ao manter a temperatura de um vidro na proximidade da velocidade máxima de germinação (note que naquela região o crescimento dos cristais geralmente não é particularmente rápido), formam-se muitos e pequenos cristais, a dizer micro-cristais em alta concentração, enluvados no vidro contínuo. O material tratado assim não perde muito da sua transparência óptica 20; mas sua resistência mecânica aumenta bastante. Caso o vidro é mantido numa primeira etapa perto da velocidade máxima de germinação e em seguida na temperatura (mais alta) da velocidade máxima de crescimento dos cristais, então formam-se muitos cristais grandes e de tamanhos mais ou menos iguais. É ainda possível variar os tempos de demora nestas duas temperaturas características - uma largamente independente da outra. Desta maneira se consegue o maior grau em cristalinidade. Esse procedimento fornece uma cerâmica extremamente resistente. (1) (2) (3) 20 Atenção: vidro opaco pode ser produzido por este processo, também. Basta submeter o vidro por mais tempo nesta temperatura especificada. Há mais duas maneiras de se obter um material opaco, das quais uma já foi mencionada na lista da p. 25: a participação de pequenas partículas sólidas de índice de refração diferente ao da matriz. Mas também existem condições termodinâmicas onde pode ocorrer uma separação líquido-líquido. Daí se fala em "lacuna de miscibilidade". A fase de maior volume forma a matriz, a de menor volume a fase discreta (= gotículas finamente dispersas). Mesmo se cada uma destas fases permaneça amorfa, o produto sairá opaco, devido aos diferentes índices de refração. 34 Fig. 14. (1) Estágios da formação de um esferulito; (2) Modelo de esferulito em “vidro orgânico” (resinas acrílicas, PMMA, PVC, PS, POM, etc.); (3) Situação real da cristalização em esferuitos (micrografia de TEM). Após qualquer um destes métodos o resfriamento da peça ocorre de maneira mais suave possível, em fornos de resfriamento constante e lento. Sendo assim, a peça leva as mínimas tensões internas residuais – um fato que certamente contribui positivamente à sua estabilidade mecânica. As cerâmicas vítreas têm seu lugar intocável na cozinha, onde os fogões elétricos mais avançados são recobertos por chapas deste material. Misturas típicas são: Codierita, composição aproximada: 2 MgO . 2 Al2O3 . 5 SiO2, -espodumena, composição aproximada: Li2O . Al2O3 . 4 SiO2 , -eucriptita, composição aproximada: Li2O . Al2O3 . 2 SiO2. Destacam-se por altíssima resistência à tração e torção (batidas mecânicas) e, lógico, por imensa resistência contra variações em temperatura. As cerâmicas vítreas diferenciam-se das cerâmicas de barro, principalmente por serem mais densas, impedindo a penetração de gases. Outras aplicações destas cerâmicas são: espelhos astronômicos, revestimento de pontas de projéteis bélicos, bolas de moinhos, esmalte em panelas de cozinha, etc. 8.2. Coloração (artística) de vidros Existem duas estratégias de produzir vidro colorido: por óxidos de certos metais, por metais pesados finamente dispersos. No primeiro caso trata-se de soluções verdadeiras, no segundo de dispersões coloidais. Fig. 15. Vidros coloridos, expostos no comércio. 35 Colorações por óxidos: Violeta por NiO Violeta-azulado por Mn2O3 Azul por CoO Verde-azulado por FeO Verde por Cr2O3 e CuO Marrom por Fe2O3 e MnO2; bastante usado também a coloração com pirita, FeS2 ou uma mistura de FeSO4 e carvão. Amarelo por Ag2O Cor laranja por UO3 Vermelho por Cu2O. Desta lista pode-se ver que, além do número de coordenação, o NOX do metal influencia drasticamente a coloração do metal complexado. Neste contexto é importante lembrar-se que o comportamento das cores nem sempre é aditivo! Isto se deve às mudanças no número de coordenação e da formação de complexos de transferência de carga entre os metais ("chargetransfer"). Também podem ocorrer, nestas misturas de sais, trocas de ligantes entre os complexos que acarretam uma falsificação das cores puras. Desde a idade média existe um vasto conhecimento empírico na área da coloração de vidro. Além dos citados acima, os íons (+3) dos metais das terras raras provocam colorações que são apreciadas pelos artistas. A quantidade do aditivo pode variar, na ordem de poucos gramas até uns Kg, a cada 100 Kg de vidro. Muitas vezes pequenas quantidades de certos óxidos podem ser adicionadas, para compensar colorações indesejadas. Com este objetivo deve-se escolher o elemento que provoca a cor complementar no vidro. Por exemplo, consegue-se compensar a coloração verde do vidro comum, quase sempre presente devido a impurezas originadas por Fe (II), por adição de dióxido de manganês (pirolusita, também chamado de "sabão do vidreiro"). Enquanto a coloração por óxidos aparece desde o material fundido, o efeito por metais coloidais requer um tratamento térmico diferente. O artefato tem que ser reaquecido por meia hora, a uma temperatura de 450 a 500 °C, somente daí o objeto até então quase incolor, tornase fortemente colorido. Mais famoso é o "vidro de rubi de ouro", um vermelho intenso provocado por ouro coloidal. Parecido a este é o vidro de rubi de cobre; a prata coloidal provoca tonalidades amarelas, o selênio uma cor de rosa. Essas técnicas foram aperfeiçoadas, já na época da gótica, como pode-se ver nas janelas magníficas das igrejas ocidentais. 8.3. Opacidade, nebulosidade – atributos dos esmaltes. Para algumas finalidades precisa-se de vidro opaco (“vidro de alabastro”). Em geral, são partículas finas, com índice de refração diferente em relação à matriz de vidro, que podem ser embutidos na matriz vitrificada. Servem para este fim o fosfato de cálcio, Ca3(PO4)2, óxido de estanho, SnO2 e criolita, Na3 AlF6. Um vidro opaco famoso é o esmalte, com fim de proteção ou decoração de metais. Um objeto de ferro é mergulhado em uma suspensão grossa de vidro pulverizado (composição básica: álcali, ácido bórico e argila). Depois da secagem a camada de pó é vitrificada em uma mufla de esmalte. Resulta uma camada lisa, dura e brilhante. Agentes de nebulosidade aqui: TiO2 ou ZrO2. 36 9. Literatura Monografias: Nölle, Günther. Technik der Glasherstellung. Wiley-VCH, Stuttgart 1997 Schmelzer, J (Ed.), Fokin, Yuritsyn, Zanotto. Nucleation Theory and Applications. Nucleation and Crystallization Kinetics in Silicate Glasses: Theory and Experiment. Wiley-VCH, Stuttgart 2005 Holleman-Wiberg, Lehrbuch der anorganischen Chemie. 91a - 100a edição, Walter de Gruyter, Berlin 1985. Publicações relacionadas ao assunto: A. Isenmann "Construção de um reator de microondas e produção de vidro colorido", roteiro de aula prática (6 páginas). A. Isenmann "Alvenaria e Vidro - os Pilares da Civilização Moderna", painel didático (largura 2,05 m, altura 1,05 m). Na internet: http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/vidro.htm processos de vidros industriais; acesso em 12/2014) (descrição detalhada dos http://www.joinville.udesc.br/portal/professores/carmeane/materiais/Aula_10___Vidro_carme ane.pdf (apresentação powerpoint dos vidros usados na construção civil) 10. Anexo Fig. 16. Princípios de construção dos ácidos polissilícicos, formando cadeias, faixas ou camadas. 37 Fig. 17. Possíveis arranjos dos tetraedros [SiO4] nos silicato naturais cristalinos: ilhas, agrupamentos discretos, anéis, cadeias, fitas e camadas de silicatos. Note que o tetraedro neste esboço se apresenta como triângulo, enquanto a ponta da pirâmide mostra ou para baixo ou para cima. Fig. 18. Sub-classificação das cadeias, simples e duplas, nos silicatos naturais cristalinos. 38 Fig. 19. Representantes típicos dos silicatos cristalinos naturais; muitos destes são estimados como pedras semi-preciosas. Tipo de Silicato Fórmula do íon Silicato Exemplos ocorrentes na natureza 4- Ilhas (= Neossilicatos) [SiO4 ] Agrupamentos (= Sorossilicatos) [Si2O76-] (Trissilicatos Anéis (= Ciclossilicatos) [SiO32-]n Berilo (conhecidos são ciclos de n = 3, 4, 6 e 8) Cadeias (= Inossilicatos) [SiO32-]x ([Si3O108-] maiores desconhecidos.) Olivina, Granada Thortveitita (raro) e Piroxena 39 Fita (= Inossilicatos) [Si4O116-]x (entre outros) Anfíbola Camada (= Filossilicatos) [Si2O52-]x (muitos representantes) Asbesto (= Amianto), Talco, Pirofilita, Mica. Esqueleto tridimensional (= Tectossilicatos) [AlySi1-yO2y-]x Feldspato, Caolinita, Zeólitos Fig. 20. Estrutura da serpentina, Mg3(OH)4[Si2O5], e da caolinita, Al2(OH)4[Si2O5]: (a) Projeção do plano a-b (por fins de maior clareza a camada de OH que fica abaixo da camada dos cátions Mg (Al) não é representada); (b) Projeção do plano b-c (se refere aos grupos destacados no desenho (a) em negrito). Típicas nestas estruturas bidimensionais são as camadas de silicato (ver última estrutura na Fig. 17, enquanto a ponta de cada tetraedro mostra na mesma direção). Fig. 21. Silicatos em camadas (filossilicatos): Reações químicas idealizadas que levam às estruturas bidimensionais da pirofilita e da mica. Projeções do plano b-c de: (a) talco, Mg3(OH)2[Si2O5]2 e da pirofilita, Al2(OH)4[Si2O5]2 ; (b) esquema da mica (parte brilhante dentro do granito). Os cátions alcalinos têm o papel de espaçadores entre as camadas destes alumossilicatos. A forte anisotropia nestas estruturas se percebe em todos os aspectos físicos: aspecto visual, resistência mecânica, condutividade térmica, etc. A “moleza” do talco e sua aplicação como lubrificante se deve ao fácil deslocamento entre as camadas, enquanto cada camada por si é bastante rígida e estável. 40 Fig. 22. A fibra microscópica da crisotila (= amianto = asbesto) faz parte da família dos minerais de serpentina. É a prova de calor, à chama e resistente às forças mecânicas. Pode ser fiado e tecido. Note que esta fibra aumenta comprovadamente o risco de câncer nos pulmões. (a) Camada de Mg3(OH)4[Si2O5] que leva a uma fibra; (b) Camada de Mg3(OH)4[Si2O5] dentro de um mineral folhado; (c) Estrutura terciária de uma fibra da crisotila. 41 Fig. 23. Esquema da condensação (estágio inicial): ácido monossilícico dissilícico tetrassilícico polissilícico Fig. 24. Esquema da condensação (estágio intermediário e final): ocorre a transformação do sol em gel. Cada bolinha representa um isopoli-ânion (última estrutura na Fig. 23). Fig. 25. Estruturas de alguns zeólito, usado no laboratório como peneiras moleculares. Fonte: A.J.S. Mascarenhas, E.C. Oliveira, H.O. Pastore, Peneiras Moleculares: Selecionando as Moléculas por seu Tamanho. Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/cadernos/02/peneiras.pdf (acesso em 11/2014) 42