FUNDAÇÃO MINEIRA DE EDUCAÇÃO E CULTURA

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FUNDAÇÃO MINEIRA DE EDUCAÇÃO E CULTURA
UNIVERSIDADE FUMEC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO
Adriano Cardoso da Silva
A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA PELO PODER PÚBLICO
NA PESPECTIVA DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O
FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA
Belo Horizonte
2015
Adriano Cardoso da Silva
A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA PELO PODER PÚBLICO NA
PERSPECTIVA DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O
FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação stricto sensu em Direito, da
Fundação Mineira de Educação e Cultura Universidade FUMEC, como requisito parcial
para a obtenção do Título de Mestre em
Direito.
Orientador: Professor Doutor Luiz Carlos
Balbino Gambogi
Belo Horizonte
2015
UNIVERSIDADE FUMEC
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO FUMEC
Dissertação intitulada “A Contratação de Serviços de Advocacia pelo Poder
Público na perspectiva dos princípios da Administração Pública e o
Fortalecimento da Democracia”, de autoria do mestrando Adriano Cardoso da
Silva, aprovada pela Banca Examinadora, constituída pelos seguintes professores:
Professor Doutor Luís Carlos Balbino Gambogi (Orientador) - FUMEC
Professor Doutor. Eduardo Martins de Lima - FUMEC
Professor Doutor Fernando José Armando Ribeiro - PUC/MG
Professora Doutora Maria Teresa Fonseca Dias
Coordenador dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito - FUMEC
Belo Horizonte, 15 de Julho de 2015.
Universidade FUMEC – Rua Cobre, nº 200 - Bairro Cruzeiro - Belo Horizonte/MG
.
Dedico este trabalho a minha amada
esposa Laurinha e a minha filha, Maria
Teresa - ambas são parte de mim.
AGRADECIMENTOS
Após mais de dez anos da conclusão de minha Graduação em Direito nesta
honrada instituição, tornar-me Mestre é algo que, com palavras, não consigo
descrever.
Deixo então, registrados, meus sinceros agradecimentos às pessoas que
fizeram parte da caminhada para que eu chegasse à conclusão desse trabalho.
Agradeço primeiramente a Deus por renovar, a cada dia, o dom da vida,
permitindo-me continuar lutando pela realização dos meus sonhos.
Aos meus irmãos, sobrinhos e em especial a minha Mãe, Tereza, por ser
minha inesgotável fonte de inspiração para a luta cotidiana. Meu exemplo de
coragem e sabedoria que se materializou quando nos trouxe de Salinas, cidade
onde tive a honra de nascer, para nos abrir novos horizontes na capital das Minas
Gerais. Foi com este ousado ato que pudemos continuar evoluindo no ciclo da
educação. Sua visão de mundo, dos valores do ser humano e da vida como um todo
é, para todos os seus filhos, netos, genros e noras, um estímulo ao crescimento
contínuo e, sobretudo, ao respeito às leis cristãs que nos conduzem. Obrigado,
querida Mãe.
Ao fraterno e dileto amigo, Marcos Lourenço Capanema de Almeida, de quem
tive a alegria de ter sido sócio e de, tempos depois, ter me tornado irmão. A
conclusão desse Mestrado é, em grande parte, resultado dos bons conselhos, das
acertadas orientações e, por que não, de alguma insistência deste companheiro que
a vida me deu. A você não poderia deixar de fazer esta singela, mas especial
homenagem.
Ao meu estimado Professor Orientador Luís Carlos Gambogi, que tanto
conhecimento me transmitiu na Graduação e no Mestrado. Com sua conduta gentil e
elegante, muito me auxiliou no direcionamento deste trabalho. Obrigado, querido
mestre. Lhe serei eternamente grato por tudo.
Aos professores que compõem esta Banca, Dr. Eduardo e Dr. Fernando
Armando, muito obrigado por aceitarem fazer parte da minha história e contribuírem
para o fechamento de mais um ciclo. A presença dos senhores fortalece ainda mais
os vínculos que há muito já existiam.
A minha amada e querida esposa Laura, que é a minha metade. Sem ela eu
não seria completo.
E, finalmente, a minha filha Maria Teresa, que ainda não chegou, mas já é tão
amada e dona de todos os meus sonhos. É minha motivação para ser melhor a cada
dia e proporcionar-lhe o melhor dos mundos.
É o tempo da travessia, e se não ousarmos
fazê-la, teremos ficado, para sempre, à
margem de nós mesmos...
(Fernando Pessoa)
RESUMO
Um dos temas que mais afligem a Advocacia contemporânea é a sua interação com
a Administração Pública. A cada dia o tema vem ganhado maior relevância entre os
segmentos envolvidos: a própria Administração Pública, por meio dos seus entes, a
Advocacia propriamente dita e, ainda, a sociedade brasileira, cliente dos serviços
públicos e do Estado Democrático de Direito. O presente trabalho traz um histórico
da Advocacia, trabalha os princípios do Direito Administrativo, aborda a Lei de
Improbidade Administrativa e a Lei de Licitações, visando trazer uma compreensão
correta e constitucionalmente adequada dos elementos subjetivos dessas leis.
Mostraremos que a atuação de alguns membros do Ministério Público é desmedida,
e que apesar de a Ordem dos Advogados do Brasil já ter se posicionado contra essa
situação, várias ações de Improbidade Administrativa são propostas contra os
advogados que contratam com a Administração Pública. Buscar-se-á demonstrar a
importância do tema, sobre o qual se reconheceu repercussão geral no âmbito dos
Tribunais Superiores e que a atual jurisprudência é favorável, no sentido de que os
serviços advocatícios não são passíveis de serem contratados por meio de licitação.
Palavras-chave: Serviços Advocatícios. Impossibilidade de Licitação. Singularidade.
Notória Especialização. Inviabilidade de Competição. Repercussão Geral.
ABSTRACT
One of the issues that most afflicts the contemporary Lawyers is the interaction with
the Public Administration. Every day the issue has gained ground among the
segments involved: the Public Administration itself, through its entities, and the
Lawyers themselves and also the brazilian society, client of the public services and
why not says, the Democratic State of Rights. This work brings a history of the
advocacy, working principles of administrative law, discusses the Administrative
Misconduct Law and the Bidding Law, aiming to bring a correct and constitutionally
proper understanding of the subjective elements of these laws. We show that the
actions of some members of the prosecution are rampant, and that although the
Order of Attorneys of Brazil have already positioned themselves against this
situation, several litigation procedures of Administrative Misconduct are brought
against lawyers who contract with the Public Administration. Will seek up-to
demonstrate the importance of the issue, on which it was recognized general
repercussion within the High Courts and the current jurisprudence is favorable in the
sense that legal services are not likely to be hired by bidding.
Keywords:
Attorneys
Services.
Bidding
impossibility.
Specialization. Unfeasibility Competition. General Effect.
Singularity.
Notorious
LISTA DE SIGLAS
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TCE - Tribunal de Contas do Estado
TCU - Tribunal de Contas da União
TJ -
Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO.........................................................................................................12
2 A HISTÓRIA E A NATUREZA DOS SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS ..................... 13
2.1 A Advocacia na Idade Antiga ............................................................................. 14
2.1.1 A Advocacia na Grécia Antiga ......................................................................... 14
2.1.2 A história da Advocacia em Roma .................................................................. 16
2.2 A Advocacia na Idade Média .............................................................................. 23
2.3 A Advocacia na Idade Moderna...........................................................................24
2.4 A Advocacia na contemporeneidade e sua subordinação às novas
tecnologias.................................................................................................................24
3 OS PRINCÍPIOS MAIS RELEVANTES NO DIREITO ADMINISTRATIVO
APLICADOS NA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELO PODER
PÚBLICO...................................................................................................................26
3.1 Princípio da Legalidade........................................................................................27
3.2 Princípio da Impessoalidade................................................................................28
3.3 Princípio da Moralidade........................................................................................29
3.4 Princípio da Eficiência..........................................................................................29
3.5 Princípio da Presunção da Veracidade e Legitimidade........................................30
3.6 Supervalorização dos princípios..........................................................................31
4 OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA................................................34
4.1 Sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa..................................35
4.2 Sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa.......................................37
4.3 Atos que importam em enriquecimento ilícito......................................................38
4.4 Atos que importam em prejuízos ao erário..........................................................39
4.5 Atos que atentam contra os princípios da Administração Pública ......................39
5 A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA............40
5.1 A inexigibilidade de licitação.................................................................................42
6 A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA....................................................................................................................47
7 O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DE CONTRATAÇÃO DE
SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELO PODER PÚBLICO E SEUS ENTES...............55
8 CONCLUSÃO.........................................................................................................65
REFERÊNCIAS.........................................................................................................68
12
1 INTRODUÇÃO
Um dos temas que mais vêm afligindo a Advocacia contemporânea é a sua
interação com a Administração Pública. Tem sido cada vez mais comum o desânimo
de excelentes profissionais nas mais variadas áreas do Direito, em especial as
administrativistas,
de
prestarem
serviços
à
Administração
Pública
que,
paradoxalmente, nunca precisou tanto de bons profissionais.
No presente esforço teórico, primeiro se fará um relato histórico do
surgimento da Advocacia e da natureza dos serviços advocatícios; em seguida, será
feita uma análise dos princípios do Direito Administrativo. Num segundo momento,
se buscará definir e compreender os mecanismos de contratação de serviços de
Advocacia pela Administração Pública, isto é, a inexigibilidade de licitação e
contratação direta, suas estruturas, seus traços e funções. Por último, se
demonstrará como os órgãos do Poder Judiciário, dos Tribunais de Contas e do
Ministério Público interpretam estes casos, como realizam a aferição se a conduta é
ou não passível de aplicação de sanção e eventuais imputações por atos de
improbidade.
O objetivo deste trabalho é demonstrar a impropriedade da aplicação da
legislação que versa sobre a contratação direta de serviços advocatícios, sem a
necessidade do processo licitatório, conforme vem entendendo o Ministério Público
e decidindo alguns dos órgãos dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário.
Para isto, vamos demonstrar como a contratação de advogados pelo poder
público deve ser compreendida numa leitura constitucionalmente adequada do
Direito Administrativo e da Lei de Improbidade Administrativa. Em seguida, se
analisará a legislação que regulamenta a contratação do advogado de forma
sistemática, explorando todos os aspectos legais e doutrinários possíveis. O
resultado esperado caminha no sentido de se lançar um olhar renovado sobre o
instituto da contratação de advogados pela Administração Pública.
Para contextualizarmos um pouco e estruturamos a compreensão da
importância da Advocacia no mundo, ousamos trazer um singelo, mas relevante,
aspecto histórico do seu surgimento.
13
2 A HISTÓRIA E A NATUREZA DOS SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS
Ao pensarmos na figura do advogado, a primeira ideia que temos é a de um
profissional liberal habilitado, na forma da Lei, para exercer com exclusividade a
postulação de ações perante os órgãos do Poder Judiciário, como também para as
atividades de assessoria, consultoria e direção jurídicas, conforme estabelece o
Estatuto da Advocacia e a OAB. Essa premissa não está errada, no entanto, a ideia
de Advocacia é muito mais ampla e importante que a pretensa defesa de interesses
meramente particulares. A Advocacia é tratada pela nossa Constituição Federal
como função essencial à administração da justiça e tem sido também uma forte
aliada na conservação do Estado Democrático de Direito.
A Advocacia exercida em juízo traduz munus público e, tanto a atividade
desenvolvida nos tribunais quanto as de assessoria e consultoria feitas fora dele,
deve ser privativamente desenvolvida, sob pena de nulidade, por advogados
regularmente inscritos nos quadros da OAB. Sua influência na sociedade é de fato
poderosa, uma vez que pode promover mudanças profundas na forma de se refletir
o Direito e, consequentemente, as relações sociais. O bom advogado desempenha
suas atividades de modo a tornar-se colaborador e instigador da movimentação do
aparato judicial do Estado. Sem o advogado não se faz justiça; somente com ele,
impulsionado e permeado por sua combatividade, por sua retórica, por sua
elaboração intelectual, por sua peculiar visão de mundo, exercita o Judiciário sua
jurisdição, de tal sorte que a prestação jurisdicional afinal oferecida aos particulares
invariavelmente apresenta-se influenciada pela atuação dos advogados da causa.
Mas onde surgiu a Advocacia, quais são as origens dessa função
indispensável à persecução da justiça? Advocacia não é um conceito do qual
podemos taxar como novo. Registros históricos indicam que a ideia de Advocacia e
de advogado remonta aos tempos mais remotos da civilização humana, de forma
que, ao tentarmos esclarecer sua história, haveria certa imprecisão em relação a
qual seria o primeiro registro desta profissão. Portanto, a única certeza que podemos
ter sobre os registros da profissão de advogado é que não existem dados totalmente
precisos.
Suspeita-se que foi na Suméria, três milênios antes de Cristo, onde surgiram
as primeiras indicações da Advocacia. Paulo Luiz Netto Lôbo revela que:
14
A Advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses, teria
nascido no terceiro milênio antes de Cristo, na Suméria, se forem
considerados apenas dados históricos mais remotos, conhecidos e
comprovados. (LÔBO, 2002).
Tomando como base o Código de Manu assevera também que “sábios em lei
poderiam ministrar argumentos e fundamentos para quem necessitasse defender-se
perante autoridades e tribunais”. (LÔBO, 2002, p. 23).
No entanto, a afirmação que mais se apresenta consolidada entre
historiadores do Direito é a de que foi na Grécia e, posteriormente, em Roma, que a
Advocacia começou a crescer e se desenvolver plenamente.
Aqui, iremos abordar de forma cronológica, a partir da Grécia antiga até a
contemporaneidade, a evolução histórica da Advocacia.
2.1 Advocacia na Idade Antiga
2.1.1 A Advocacia na Grécia Antiga
Como já informado anteriormente, há quem afirme que a Advocacia surge
ainda de forma rudimentar nas civilizações mesopotâmicas, com início na Suméria.
No entanto, o que pouco causa controvérsia entre os pesquisadores e estudiosos no
assunto é que foi na Grécia Antiga que a figura do advogado surge atreladamente a
suas qualidades de oratória e retórica.
Por este motivo, a Grécia é considerada o berço da Advocacia. Segundo
Lôbo, foi na Grécia onde sugiram os grandes oradores, considerados pela sua
persuasão retórica: Demóstenes, Péricles, Isócrates, Aristides, Temístocles, entre
outros. É possível afirmar que todos tinham relação com a Política, a Advocacia e a
Filosofia.
Demóstenes foi quem recebeu o título de primeiro advogado da Grécia.
Dedicou-se ao estudo das leis, demonstrando extraordinária vocação para a
hermenêutica, na época. Dedicou sua vida, como orador e político, à Atenas.
Segundo Plutarco, tornou-se um dos mais extraordinários oradores do mundo
antigo. Diz-se que ele se exercitava duramente as artes da eloquência e, por ser
15
gago, para superar o defeito colocava pedras na boca durante os exercícios,
realizando tal tarefa à beira-mar, para que a sua voz se sobressaísse sobre o
barulho das ondas.
Na Antiguidade clássica, com os gregos, a eloquência passa a ser elemento
essencial na defesa forense. Há, neste período, a figura dos “corógrafos”, homens
livres, cultos e com extraordinária capacidade de oratória. Eram remunerados pelos
seus serviços como defensores daqueles que eram acusados.
Importantes registros da época são as reformas de Dracon, Sólon e Licurgo.
As leis de Sólon previam que só os homens livres e de ilibada reputação poderiam
servir como advogados. Sólon era legislador, jurista e poeta grego antigo. Foi o
primeiro de que se tem notícia a regulamentar a profissão. Excluía, entretanto, as
mulheres, os escravos e os infames1.
Na Grécia Antiga, os cidadãos deviam comparecer pessoalmente diante dos
magistrados para poderem expor e defender seus direitos. As leis de Sólon
facultavam ao cidadão a escolha de alguém para coadjuvar suas explicações que,
na época, era chamado de “amici”, que significa amigo.
Os juízes colhiam as provas, interrogavam as testemunhas e depois
chamavam as partes interessadas para esporem oralmente suas pretensões. Da
necessidade de as partes indagarem suas pretensões oralmente surge a figura dos
Oratores, que expunham as pretensões das partes oralmente perante o juiz. Podese afirmar, então, que foram os Oratores os primeiros advogados na História Antiga,
no entanto, com uma ressalva, não poderia o orador se apresentar como profissional
ou especialista em defesa.
Tal se deve pelo fato de a Lei de Atenas não permitir que o orador cobrasse
honorários ou tivesse qualquer tipo de ganho referente à defesa de outra pessoa.
Mas essa premissa não era, na prática, acolhida.
Naquele período argumentava-se que os Oratores eram cidadãos comuns
que cumpriam com seus deveres, ajudando seus amigos apenas por generosidade e
sem intenção econômica.
Percebe-se que, naquele momento, a atividade do orador não é reconhecida
como atividade profissional, já que eles não se organizavam em uma profissão
formalizada, não possuindo os benefícios de uma profissão organizada.
1 Segundo menciona AQUAVIVA, Marcus Claudio, Ética Jurídica, 1ª ed. São Paulo: Desafio Cultural
2002.
16
Diz-se que o grande advogado grego, Hypérides, protagonizou um incidente
que foi a origem das primeiras regras deontológicas para advogados.
Durante um julgamento, Hypérides, realizando a defesa de uma cortesã,
verificou que a mesma viria a ser condenada. Percebendo que a causa não lhe era
favorável, ordenou que a cortesã avançasse para o meio do tribunal e que retirasse
o véu que lhe cobria os seios. Impressionados pela beleza da mulher e seduzidos
pela verve do advogado, os juízes acabaram por absolvê-la.
Este fato acabou por originar uma lei que veio a disciplinar a intervenção dos
advogados na defesa de seus clientes. Passou-se a proibir atitudes que incitassem à
piedade ou indignação.
Proibia, ainda, os juízes de olharem para o acusado caso este tentasse apelar
aos sentimentos de comiseração. Antes de cada audiência, um funcionário lembrava
aos oradores o seu dever, para que ninguém tentasse ganhar a causa por meios
ilegítimos.
2.1.2 - História da Advocacia em Roma
Conforme vimos, na Grécia Antiga a ideia de advogado como profissão
propriamente dita ainda não existia, prevalecendo apenas a figura dos Oratores, os
quais somente defendiam seus “amigos” (amicus/amici) e, pelo menos em teoria,
sem ter um fim econômico no processo, não podendo cobrar honorários ou qualquer
tipo de vantagem referente às defesas realizadas.
Diversamente dos gregos, os romanos, em vez da eloquência, utilizavam a
técnica, a casuística, a ciência e o discurso foi substituído pelo parecer jurídico.
A forma escrita prevalece sobre a forma oral. Em Roma, o uso da toga era
obrigatório perante os tribunais, considerada um símbolo de respeito pela profissão,
pois era apenas exercida por aqueles a quem tivesse atribuído o “jus publice
respondendi”. É daí que surge o termo “togadus”, utilizado até hoje.
Também diferentemente dos gregos, os romanos, durante o período do Baixo
Império, formaram uma classe de indivíduos profissionais, especializados em
assuntos jurídicos e na realização de defesas.
É com os romanos que a profissão de advogado, propriamente dita, passa a
existir, possuindo autonomia e organização. Será em Roma que surgirão os
primeiros estatutos regulamentando a atividade advocatícia.
17
No Império Romano, a Advocacia ganha contornos cruciais para a
caracterização de sua verdadeira natureza.
O advogado, então, é aquele que exerce seu ofício para buscar a verdade,
expressando para tanto sua cultura, uma vez que ele possui o dever moral de atuar
em favor do bem, e não por simples compromisso econômico. A função do
advogado é reveladora de sua honradez pessoal, tanto que aquilo que lhe é pago
não recebe o nome de pagamento, mas, sim, de verba honorária.
Os Patronos fundadores de Roma, ou os seus descendentes (patricii), classe
importante equiparada hierarquicamente aos senatores até o final da República
romana, tinham o papel primordial de proteção e defesa dos clientes, que poderiam
ser estrangeiros ou pessoas vencidas nas guerras, que se subordinavam
voluntariamente à proteção da gens liderada pelo patrono, não possuindo
participação política naquela sociedade.
Esses clientes estavam subordinados aos patronos que detinham o dever de
lhes prestar auxílio e proteção, recebendo os honorários.
Estes mesmos patronos, em tempos de República, passaram a ser
conhecidos como patronos judiciários e garantiam a defesa processual e política dos
clientes ou dos amicus, por meio de seu prestígio e, por meio de suas orationes, nos
tribunais.
Os patronos, juntamente com os oratores, serão substituídos, em matéria de
defesa de interesses alheios, pelos advocatus, após a República.
A diferença está no fato de o patrono não exercer a defesa como profissão,
mas, sim, em decorrência de um vínculo moral (costume) e religioso, entre ele e o
cliente. A profissão de advogado, durante o Império, também passará a ser realizada
por mulheres - com destaque para as advogadas Amásia e Hortência, notáveis na
época do imperador Augusto.
O termo "advogado" deriva do latim "ad vocatus", que significa aquele que foi
chamado, convocado, convidado. Significa aquele a quem se chama com o
propósito de socorrer outro perante a justiça. Possui, também, o significado de
patrono, defensor e intercessor.
O Digesto, uma compilação de fragmentos de jurisconsultos clássicos
romanos que veio codificar parte do direito romano, definia advogado como aquele
que expõe, diante do juiz competente, a sua intenção ou a demanda de um amigo
ou para bem combater a pretensão de outro:
18
D.3,1,1,2 (Ulpianus, 6ad. ed.)
Postulare autem est desiderium suum vel amici sui in iure apud eum, qui
2
iurisdictioni praeest, exponere: vel alterius desiderio contradicere.
D.3,1,6 pr. (Ulpianus, 6 ad. ed.)
Puto autem omnes, qui non sponte, sed necessário officio funguntur, posse
sine ofensa edicti postulare, etiamsi hi sint, qui non nisi pro se postulare
3
possunt.
Quanto ao termo amicus, responde a uma longa enumeração. Em suma,
seriam parentes, afins, tutor ou curador do titular do direito que vêm a juízo expor a
pretensão alheia.
Além dos titulares e dos amici, que possuem capacidade para postular,
Ulpianus também cita outra categoria de terceiros estranhos aos amici: são aqueles
que vão a juízo a necessário offico. Ao se referir a este, faz uso do termo advocatio.
D.3.1.6.1 (Ulpianus, 6 ad. ed.)
Si quis advocationem praestare fuerit prohibitus, si quidem apud se, ut
solent facere, tempore magistratus sui, puto eum postea apud successorem
4
eius adesse posse.
D.3,1,1,4 (Ulpianus, 6 ad. ed.)
Ait praetor: si non habebunt advocatum, ego dabo. Nec solum his personis
hanc humanitatem praetor solet exhibere, verum et si quis alius sit, qui certis
5
ex causis vel ambitione adversarii vel metu patronum non invenit.
Como já afirmamos neste trabalho, a profissão de advogado passa a ser
regulamentada em Roma, no período do Baixo Império, adquirindo expressividade
apenas após o final do período republicano, pois antes, estando Roma dominada no
período da realeza, por reis e pelos patres e patricii - nobreza hereditária que só
será revista com o surgimento e organização da plebe no início do Século V a.C. - o
Direito se confunde, aqui, com os costumes religiosos que são aplicados ao caso
concreto pelo Rei, durante a jurisdição destes. Entretanto, cabia ao Rei somente a
2
Mas postular é expor a pretensão própria ou o de seu amigo in iure diante daqueles que exerce a
jurisdição: ou contradizer a pretensão de outro.
3
Mas creio que podem sem ofensa ao edito postular todos aqueles que assim o fazem não por gosto,
mas por necessidade de seu ofício, ainda que sejam os que podem postular apenas por si.
4
Se alguém for proibido de prestar Advocacia pelo magistrado, e se esta proibição for, realmente, em
face dele (magistrado), como costumam fazer durante o tempo de sua magistratura, creio que este
pode estar depois presente diante do sucessor daquele.
5
Diz o pretor: se não tiverem advogado eu darei. O pretor costuma demonstrar humanidade não só
com estas pessoas (o menor de dezessete anos e o surdo), mas também se for alguma outra pessoa
que por certas causas, ou pela ambição do adversário, ou por medo, não encontra patrono.
19
jurisdição de duas causas: o parricidium (morte de um pater) e a perduellio (traição).
Já aos Patres cabiam as demais questões privadas, no âmbito de suas famílias, que
não fossem aquelas sob a jurisdição do Rei. Hélcio Maciel Madeira anota que o Rei,
em determinado processo:
(...) não escutava defensores, não havia advogados. A arte da defesa não
pode vingar enquanto o direito se confunde com costumes religiosos (faz),
quando o rei – Juiz e pontifex – não aplica a lei, mas os costumes religiosos
cujo conhecimento lhe é a priori atribuído por força de sua própria e
exclusiva investidura. (MADEIRA, 2002).
A evolução da Advocacia como profissão irá acontecer depois da extinção do
patronato, aqueles que tinham vínculo com os clientes, assegurando-lhes proteção e
auxílio.
Com a jurisdição dos reis etruscos, ainda no período da Realeza, a monarquia
passará a ser absoluta, não estando os reis deste período submetidos à nobreza
patrícia. Nesta época, o Rei passará a intervir nas lides privadas, nomeando para
seu julgamento um iudex privatus todas as vezes que um particular sofrer um abuso
contra ius de outro particular.
Não há no período da Realeza e República romanas a ideia de advogado
como profissão independente. Esta ideia só aparecerá com o final da República.
Considerando tal fato, não iremos ater, de forma precisa, especificamente, ao
período republicano, mas, sim, o período posterior à República romana como ponto
de partida, qual seja o Alto e Baixo Império.
Madeira anota que:
Até o final da República, as atividades dos advocatus, jurisperito ou patrono,
conselheiro ou orador, foram exercidas em várias jurisdições. No entanto, a
Advocacia ainda não se apresenta como atividade livre e profissionalizada,
uma vez que imersa em duas realidades que a constrangem e que
merecem estudos à parte: de um lado, a subordinação ao conhecimento e
emprego da arte retórica; de outro, a assunção da atividade por interesses
políticos, decorrentes da relação de patronato estabelecida entre advogado
e cliente. (MADEIRA, 2002).
Para a moral romana desta época, o trabalho livre mediante remuneração era
tratado como repugnante, pois se entendia que tal atividade igualava o homem livre
ao escravo que trabalhava para seu dono em troca de sua sobrevivência. Se houve
Advocacia antes do Império, em Roma, essa Advocacia não era exercida
profissionalmente e com qualquer relação contratual. Até o final da República,
20
qualquer atividade exercida de outrem para outrem era, em tese, gratuita. Se havia
contraprestação do beneficiário pelo serviço, esta contraprestação era entendida
apenas como gratidão e, não, como remuneração. Até mesmo as atividades
exercidas para o Estado que acarretavam em honor, como magistratura, são
essencialmente gratuitas.
Extintas as antigas relações do patronato republicano, essa ideia de
assemelhar aquele que presta serviços para receber remuneração de outro a um
escravo passa por mudanças, mas não de uma hora para outra. O processo é lento
e gradativo.
Alcançar a Advocacia como profissão foi um processo um tanto moroso. Ela
apenas será regulamentada no Baixo Império. Nesta fase, aqueles que exerciam tal
atividade eram chamados de: causidicus, togatus e patronus causae.
A Advocacia, reconhecida lentamente pela lei, passa a ser essencialmente
uma profissão liberal, desde que Augusto rompe a constituição republicana,
terminando com os grandes círculos de influência – clientes, amigos e
correligionários – dos patroni. Deixa de ser um dever imposto pelo mos
maiorum a manter um arcaico princípio de subordinação dos clientes aos
patroni, e passa a ser uma atividade cobiçada das várias camadas sociais
espalhadas no vasto império romano[...]. Os primeiros três séculos d.C.
foram uma espécie de transição entre patronato judiciário republicano e a
advocacio como profissão regulada pelo Estado e pelas corporações ou
ordens de advogados. A falta de regulamentação acabava por facilitar o
acesso à profissão. Os requisitos para se ter capacidade postulatória com
advogado eram os mesmos exigidos das partes e dos procuratores.
(MADEIRA, 2002).
Durante o Baixo império, com a extinção do patronato, a Advocacia como
profissão liberal pode agora ser exercida por qualquer pessoa, desde que atendidas
as condições legais. Os profissionais da Advocacia já se encontram organizados e
possuem regramento próprio. Os advocatus se organizam em corporação de
advogados, chamada de collegium, ordo, consortium, corpus, toga, advocatio e
matricula. Cabe aos tribunais fiscalizar as corporações de advogados, bem como
expedir permissão para o advogado atuar.
Antes de se tornar advogado, existe a figura dos estagiários (postulantes),
que são regidos por regime próprio antes de adentrarem o ordo, devendo aguardar a
saída de um statuti para substituí-lo. Cada ordem de advogado está ligada a uma
jurisdição diferente, na qual a autoridade judiciária exerce poder para fiscalizá-la. Em
cada ordem, os advogados seguem uma hierarquia que é reconhecida pelo número
de inscrição dos advogados. Nos mais altos cargos estão os primates e, em
21
seguida, os statuti. Os primates também possuíam competência em matéria
disciplinar, podendo punir advogados infratores. Era muito difícil adentar em uma
corporação de advogados, pois o número era limitado, havia um número máximo de
advogados para cada corporação, além de serem exigidas estreitas condições
morais e intelectuais. O número de advogados matriculados variava conforme a
jurisdição. A cada advogado era permitido atuar apenas em uma ordem. Se
excedesse esse número, poderia apenas advogar em instâncias inferiores.
Para o exercício da Advocacia, em Roma, eram necessárias certas
condições. Aqueles que almejavam a uma vaga no ordo para tornarem-se statuti
deveriam
demonstrar
excelente
moralidade,
condição
social
honrosa
e
conhecimentos jurídicos aprofundados, podendo o candidato demonstrar ter cursado
os estudos de Direito no prazo legal, ou por meio de declaração pessoal de doutores
e jurisperitos que atestassem tal, por juramento. No entanto, essa exigência de
amplo conhecimento jurídico era somente para as ordens unidas às grandes
jurisdições, conforme afirma Hélcio Maciel Madeira:
Não poderia exercer a Advocacia os escravos, os libertos e, depois da
proclamação da religião católica como religião do Estado, ninguém é
admitido na ordem se não estiver penetrado nos santos ministérios do
catolicismo. Os condenados a certas penas, os surdos, as mulheres, os
menores de 17 anos e os infames não podem advogar por lhes faltar
capacidade postulatória. (MADEIRA, 2002).
Também não podem exercer Advocacia os magistrados e os membros da
igreja.
O advogado possuía deveres gerais, deveres em relação ao seu cliente e
impedimentos que se assemelham aos mesmos deveres do advogado atual. São
deveres gerais dos advogados a probidade, a moderação, a independência e a
assiduidade.
Pelo dever de probidade, o advogado deveria zelar pela observação das leis,
atendo-se ao princípio da moralidade, justiça e equidade.
Caberia aos primates de cada ordem e aos magistrados de cada tribunal o
poder disciplinar para regulamentar essa questão.
A moderação diz respeito ao não exagero, por parte do advogado, nos
números de medidas utilizadas por eles, geralmente com fins protelatórios ou
gananciosos.
22
O advogado deveria, antes de tudo, prestar seus serviços ao cliente de modo
a não se socorrer de expressões ultrajantes, nem de ousadas maledicências, agindo
conforme convenha a causa, temperando a injúria. Era considerado um dever do
advogado ser independente.
O advogado não deve, também, estar privado moralmente de sua liberdade
de expressão.
Não pode, em momento, algum sentir-se inferior ou subordinado ao juiz. Se
assim não fora, estaria em falta com sua independência e dignidade.
O último dever geral do advogado é o dever de assiduidade: o advogado não
pode motivar morosidade processual, não podendo o processo durar mais de três
anos.
Em relação ao seu cliente é dever do advogado o sigilo profissional e o
empenho na causa.
A ideia de advogado que atualmente temos prevista em nossa Constituição
como fundamental para a administração da justiça já era definida naquela época.
Não há justiça sem advogado, em Roma. A legislação imperial da época cuidou de
valorizar a profissão, estabelecendo o advogado como necessário para a sociedade,
para o estado, particulares e para a administração da justiça.
A legislação imperial impunha que no processo houvesse, no mínimo, dois
advogados, um para cada parte. Caso uma parte não pudesse ser defendida por
um, lhe seria nomeado um ex officio. Em Ulpianus, no Digesto, encontramos o
seguinte texto:
D.3,1,1,4 (Ulpianus, 6 ad. ed.)
Ait praetor: si non habebunt advocatum, ego dabo. Nec solum his personis
hanc humanitatem praetor solet exhibere, verum et si quis alius sit, qui certis
6
ex causis vel ambitione adversarii vel metu patronum non invenit.
Deveria haver igualdade nas defesas das partes, de forma que se uma delas
estivesse acompanhada pelos melhores advogados, caberia ao juiz reparti-los com
igualdade entre ambas as partes.
6
Diz o pretor: se não tiverem advogado eu darei. O pretor costuma demonstrar humanidade não só
com estas pessoas (o menor de dezessete anos e o surdo), mas também se for alguma outra pessoa
que por certas causas, ou pela ambição do adversário, ou por medo, não encontra patrono.
23
2.2 A Advocacia na Idade Média
Coma a queda do Império Romano ocidental, a profissão de advogado
começa a entrar em colapso.
A Idade Média simboliza uma era de estagnação da Advocacia. A figura do
advogado como profissional começa a decair, uma vez que se trata de uma época
em que os litígios passam a ser resolvidos sem o devido processo legal.
O poder concentra-se nas mãos do Rei, dos nobres feudais e da Igreja. Os
casos eram resolvidos segundo o entendimento destes.
Não havia um Estado organizado como aquele da Roma antiga, assim como
as leis também não estavam codificadas. Geralmente, aquele que ousasse defender
o outro era tido como cúmplice e sujeito às mesmas penas do réu.
O estudo do Direito começará a se desenvolver novamente por volta de 1150,
no entanto, com um caráter apenas religioso. Padres e outras pessoas ligadas à
Igreja Católica, com intuito pessoal, especializaram-se na Lei Canônica, mas apenas
para fins da própria Igreja, não exercendo atividade que tivesse qualquer
semelhança à atividade de advogado.
Entre 1190 a 1230, essa “amarra” do Direito com a religião começa a se soltar
e mudanças significativas se iniciam, em virtude daqueles que estudavam o Direito
Canônico como profissão.
É neste período que surgem as primeiras universidades na Europa - o que
contribuiu para o fortalecimento dos estudos do Direito. O Direito passa a ser
estudado em universidades independentes das escolas dos mosteiros.
Surgem os tribunais eclesiásticos, que também contribuíram para a
profissionalização da atividade jurídica.
A Advocacia como profissão liberal foi marcada por um grande esforço por
parte da Igreja Católica e do Estado, que passaria a regulá-la.
No ano de 1231, ainda na Baixa Idade Média, dois concílios na França
determinaram que os advogados deviam fazer juramento perante a corte do bispo,
para eu pudessem ser admitidos como profissionais.
Outro similar juramento era promulgado pelo Papa, em Londres, em 1237. Na
mesma década, Frederico II, o imperador do Reino da Cicília, impôs um juramento
24
similar em sua Corte Civil. Por volta de 1250, os núcleos de uma nova profissão do
Direito tinham claramente se formado.
2.3 A Advocacia na Idade Moderna
É na Idade Moderna, época na qual começam a surgir os Estados Nacionais
e que o sistema feudal se torna insustentável, que aparecem os reis absolutos, que
passam a impor sua vontade soberana por meio das leis editadas por eles próprios.
É neste contexto que a categoria dos advogados, como profissão, começa
novamente a se desenvolver, porém de forma mais ampla, e a se fortalecer como
atividade organizada, profissionalizada e autônoma. Os fatores que possibilitaram
esse crescimento da profissão foram:
1. Aumento da demanda de pedidos ao Judiciário;
2. Necessidade de especialistas em leis, considerando que a população em sua
maior parte era analfabeta, não possuindo capacidade nem tempo para
observação de normas específicas;
3. Necessidade de mediação entre o Estado editor de normas e seus
administrados.
É na Idade Moderna, ainda com a Revolução Francesa, que irá se alterar
novamente o quadro econômico, político e social não só da França, mas de toda a
Europa.
Houve grande apoio dos advogados pela instauração do novo regime. Entre
os mais notáveis está Robespierre, um dos líderes da Revolução. Desde o século
XV, os advogados estavam presentes na maioria dos acontecimentos históricos de
lutas e movimentos sociais, que tinham como foco a luta pela igualdade e pelos
direitos humanos.
2.4 A Advocacia na Contemporaneidade e Sua Subordinação às Novas
Tecnologias
Estamos vivendo uma explosão de novas tecnologias. A evolução tecnológica
vem transformando toda a sociedade, bem como atingindo a todos os setores
25
profissionais e, na Advocacia, isso está cada dia mais frequente, surpreendendo a
todos aqueles que estão envolvidos no mundo jurídico.
Estamos vivendo na era da informatização do Direito, do processo e tudo o
mais que esteja relacionado à Advocacia.
O uso de novas tecnologias no dia a dia do advogado chega a ser impactante.
Acompanhar este processo de informatização se torna um grande entrave para o
profissional que almeja seu sucesso profissional. O advogado está submetido a uma
constante renovação de rumos e conceitos. Encontra-se diante de uma grande
revolução no sistema jurídico. Deve estar se readaptando a toda novidade.
Chega-se ao ponto de, aquele que não se adapta a nova ordem, estar fadado
a não mais poder exercer sua atividade profissional, tendo em vista essa
dependência humana atual da informatização.
Entender as novas tecnologias é, portanto, uma questão de sobrevivência
para o advogado do século XXI. Estamos vivendo um processo de informatização da
cultura jurídica. O principal entrave da justiça que vem gerando essa mudança
tecnológica é a morosidade processual. O Estado vem, a cada dia, tentando acelerar
o processo para que a justiça possa ser alcançada pelo cidadão da forma mais
célere possível.
26
3 OS PRINCÍPIOS MAIS RELEVANTES NO DIREITO ADMINISTRATIVO
APLICADOS À CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELO PODER
PÚBLICO
Será tratada, nesse Capítulo, a temática dos princípios no Direito
Administrativo. Adotar-se-á um conceito de princípio, se analisará de forma
específica os princípios mais importantes aplicáveis ao Direito Administrativo quando
da imputação de condutas ilícitas aos membros da administração e dos particulares
que com ela estabelecem contratos - no caso os advogados que para ela prestam
serviços – e, por fim, será feita uma crítica a certos aplicadores do Direito que, de
forma equivocada ou exagerada, os aplicam.
Celso Antônio Bandeira de Melo define “princípio” da seguinte forma:
(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondolhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELO,
2003).
Um pouco mais que os outros ramos do Direito, as normas de Direito
Administrativo são frequentemente abertas, isto é, apresentam definição ampla, que
permite ao seu aplicador realizar interpretação de grande amplitude. Dá-se, desta
maneira, grande discricionariedade ao aplicador do Direito, haja vista que poderá
utilizar-se desta em diversas situações, com acepções diferentes.
Deste modo, os princípios jurídicos no Direito Administrativo visam, em sua
essência, conceder certa discricionariedade à Administração Pública, para que nas
situações em que for necessário ela se utilize desse arcabouço principiológico - para
atuar em defesa do interesse público frente às pretensões dos particulares - e ao
mesmo tempo limitar a atuação estatal.
Com o advento do que se convencionou chamar de “neoconsitucionalismo”,
isto é, o movimento que elevou a Carta Política ao patamar de marco normativo,
principalmente do Direito Público, os princípios foram adquirindo um papel cada vez
maior na aplicação do Direito e, principalmente, no Direito Administrativo. No
entanto, mecanismo criado visando a uma maior flexibilidade para a Administração
Pública, acabou se tornando o seu principal inimigo, com a edição de normas
27
sancionatórias que utilizam a subjetividade dos princípios para reprimir atuações
estatais, na maioria das vezes de forma equivocada.
3.1 Princípio da Legalidade
Com todas as merecidas vênias, muitos doutrinadores, Ministério Público e
parte da Magistratura não conseguem analisar e entender o princípio da Legalidade
no paradigma do Estado Democrático de Direito.
Para estes operadores e teóricos do Direito, o princípio da Legalidade se
define da seguinte forma: “o administrador não pode fazer o que bem entender na
busca do interesse público, ou seja, tem de agir segundo a lei, só podendo fazer
aquilo que a lei expressamente autoriza e no silêncio da lei está proibido de agir”.
Ocorre que tal visão é totalmente inadmissível numa leitura constitucional do
princípio. Concordar com tal definição seria o mesmo que engessar a Administração
Pública e, na prática, substituí-la pelo legislador.
Num Estado de Direito e Democrático, no qual a Administração Pública deve
atuar no meio social e econômico para realizar transformações e promover o
desenvolvimento social, o princípio da Legalidade visa garantir a segurança jurídica
e promover a garantia dos direitos individuais e, não, simplesmente limitar a atuação
da Administração Pública. Não se quer dizer que a Administração Pública é livre
para fazer tudo o que a lei não proíba, mas ela deve atuar com base na lei, contudo
a lei não precisa predeterminar todo o conteúdo da ação administrativa. Logo, a
Administração Pública deve fazer aquilo que a lei esteie, mas “lei” deve ser aqui
entendida como ordenamento jurídico.
A lei não precisa nem deve - visto a impossibilidade de tal tarefa - preordenar
exaustivamente toda ação administrativa, mas apenas fixar parâmetros básicos
dentro dos quais a Administração Pública, sempre visando ao interesse público,
deve exercer suas atividades, inclusive restringindo direitos e criando obrigações,
buscando preservar esse ordenamento jurídico, seus princípios e valores.
Portanto, devemos observar os ensinamentos de Roberto Bobbio, quando faz
uma distinção entre a atuação secundum legem - executar aquilo que já está na lei e a atuação intra legem, ou seja, a atuação estatal não precisa estar embasada
numa regra especial e específica, mas apenas a uma base legal, ainda que geral e
28
indeterminada, pois quando as normas são muito gerais cabe ao intérprete
preencher os vazios deixados.
Logo, o princípio da Legalidade num Estado de Direito e Democrático deve
ser definido da seguinte forma: o administrador público ou a própria Administração
Pública só poderá fazer aquilo que a lei autoriza, no entanto, temos de compreender
a lei como ordenamento jurídico, isto é, com regras e os vários princípios que
incidem sobe a aplicação da lei.
3.2 Princípio da Impessoalidade
O princípio da Impessoalidade está previsto no art. 37, caput da Constituição
da República Federativa do Brasil, de 1988. Este princípio possui duas acepções, a
primeira mais rotineiramente utilizada e, a segunda, quase sempre relegada.
A primeira acepção, a mais vulgarmente ensinada, vincula a impessoalidade à
finalidade pública. O princípio impõe ao administrador que, na sua atuação, deve
sempre, sem exceção, objetivar a satisfação do interesse público e nunca atuar
movido por interesses pessoais ou para favorecimento de terceiros.
Com base nessa definição, se busca, por exemplo, vedar contratações de
familiares e parentes para cargos de confiança e proibir o favorecimento de
empresas em licitações.
No entanto, tal princípio possui uma segunda acepção, muito importante e
que, na maioria das vezes, é esquecida pela doutrina e, principalmente, pelos
operadores do Direito: o princípio da Impessoalidade impõe que os atos da
Administração Pública sejam imputados ao Estado, não ao agente, pessoa física
que o praticou. Essa acepção encontra seu fundamento na Teoria dos Órgãos, a
qual enuncia que toda atuação do agente público deve ser imputada ao órgão que
ele representa e, não, à sua pessoa.
Quando se concatena a confiança como norte na contratação de um
profissional da Advocacia é costumeiro presenciarmos órgãos do Ministério Público
e Tribunais de Contas ressalvando que a confiança não poderá ser tábua de
observação entre o poder público e a Advocacia, pois escolher tal escritório ou tal
profissional estaria a administração violando o princípio da Impessoalidade. Mais à
frente, tal acepção do princípio será mais aprofundada neste trabalho.
29
3.3 Princípio da Moralidade
Celso Antônio Bandeira de Melo (2003) define assim o princípio da
moralidade: “a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade dos
princípios éticos”.
Segundo a maior parte da doutrina com base nesse princípio, o agente
administrativo deve, necessariamente, distinguir o honesto do desonesto e, ao atuar,
não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Ocorre que tal princípio é
sem dúvida o de mais complexa definição. Moralidade é pautar a conduta conforme
a Moral, palavra por sua vez derivada do latim mores, que quer dizer relativo a
costumes.
Desse modo, agir de acordo com a Moralidade seria agir conforme os
costumes. Claro que não se pode realizar uma interpretação literal desse princípio,
no entanto, recorre-se à etimologia da palavra, pois ela contém um elemento muito
forte na definição que os doutrinadores dão para o princípio.
Assim como Celso de Melo, muitos doutrinadores definem Moralidade como a
atuação em conformidade com princípios éticos, ou seja, uma atuação de acordo
com princípios éticos, mas o que seria ético.
Outras definições utilizam as expressões “desonesto” e “má administração”,
outros dizem que o princípio deve ser contextualizado, isto é, dependendo da
situação fática um ato está de acordo com a moral, ou não, e alguns ainda
entendem que a Moralidade estaria englobada pelo princípio da Legalidade.
Não se definiu, aqui, o princípio e nos tribunais também é raro encontrar
definição, mas é fácil encontrar responsabilizações e condenações com base na
ofensa ao princípio da Moralidade, que mais à frente será novamente citado.
3.4 Princípio da Eficiência
Segundo Alexandre Santos de Aragão, o princípio da Eficiência administrativa
não deve ser entendido sob a ótica privada de maximização financeira, mas, sim,
como atuação que, visando à satisfação do interesse público, gere os menores ônus
possíveis ao Estado, tanto financeiros, é claro, mas também sociais.
Conclui então Alexandre Aragão:
30
A eficiência administrativa é o dever de escolha de melhores e menos
custosos meios para a produção da maior satisfação para o maior número
de cidadãos, mas dentro das possibilidades legalmente admissíveis e
dentro das interpretações plausíveis que existirem. (ARAGÃO, 2000).
Atuar visando à satisfação do interesse público geralmente seria atuar de
forma eficiente, e tal princípio aqui se confundiria com a economicidade, por isso o
princípio supracitado parece acertado, num primeiro momento, mas novamente
temos um conceito com definição muito ampla e que, por isso, gera grandes
problemas.
Tal princípio não pode e nem deve ser usado pelo administrador para não
cumprir a lei, no entanto, poderá e a nosso deverá concatená-lo como outros
princípios para que a Administração Pública preste ao administrador serviços de
qualidade e ainda demonstre competitividade com a iniciativa privada naquilo que for
de seu interesse competir.
3.5 Princípio da Presunção de Veracidade e de Legitimidade
A Administração Pública deve atuar de acordo com as leis, com as regras
jurídicas e de forma honesta, atentando-se para os princípios éticos, exercendo uma
boa administração, pautando sua conduta na igualdade, na impessoalidade, dando
publicidade e motivando todos os seus atos, buscando sempre a satisfação do
interesse público, gerando o mínimo de ônus ao Estado.
Além dos princípios mencionados e vários outros existentes que a
Administração Pública deve observar em sua atuação, é decorrência lógica que os
atos praticados por ela carreguem a presunção de Veracidade e Legitimidade.
Posto isso, até que se prove o contrário, os atos praticados pela
Administração Pública são verdadeiros e legítimos, cabendo àqueles que alegam o
contrário, provarem.
Ocorre que grande parte da doutrina e jurisprudência defende que tal princípio
não existe. Cita-se, aqui, novamente Alexandre Santos de Aragão, que defende:
(...) a compatibilidade com o direito é admissível (presunção de
legitimidade), mas os fatos que embasam o ato têm de ser
provados/motivados pela Administração, sendo inadmissível a presunção da
veracidade fática. (ARAGÃO, 2000).
31
No entanto, não há como vislumbrar que um ato possa ser presumido legal e,
ao mesmo tempo, que ele é falso. Ainda que houvesse, todo ato administrativo deve
ser motivado por um pressuposto de validade, logo, assim que ele é publicado e
gera efeitos, isto é, passa a existir, presume-se verdadeiro e legítimo, de acordo com
a lei. Cabe àquele que alegar o contrário, o ônus de provar a ilegalidade e falsidade
do ato. Esse princípio é de extrema importância para este trabalho e mais à frente
será novamente tratado.
3.6 Supervalorização dos princípios
As normas de Direito Administrativo, em sua maioria, são entendidas como
um todo e ainda pode denominar de um grande emaranhado experimental em fluxo
ininterrupto, um bojo de incoerências, algo imperfeito. Isso decorre do fato de que
elas são criadas para resolver, em determinados contextos, problemas reais, ou
seja, não são fruto de raciocínio dedutivo feito com base em princípios gerais.
No entanto, buscando algo sistematizado que pudesse ser considerado
“ciência”, criaram-se princípios gerais como formulas para a resolução dos
problemas. Originou-se, assim, a tradição, prensada e disseminada nos manuais, de
que a aplicação do Direito Administrativo devia sempre levar em conta, a priori, o
que se pode denominar de hiperprincípios. Ocorre que estas hipergeneralizações,
denominadas de princípios, muitas vezes, servem como fundamento para decisões
que contrariam dispositivos de lei e geram grande insegurança jurídica, visto que
neles cabe qualquer interpretação.
O Princípio geralmente é definido como base, fundamento ou essência de
algum fenômeno, logo em todas as ciências têm-se princípios. No entanto, em
quase todas as ciências, os teóricos (doutrinadores) formulam estes princípios
apenas para o conhecimento abstrato da realidade correspondente, ou seja, não
buscam induzir uma ação, apenas servem de explicação.
Mas sobre os princípios jurídicos não. Quando um autor escreve sobre um
princípio em seu livro, ele está buscando orientar a ação dos operadores do Direito.
E tal influência que os doutrinadores exercem é grande, devido às indeterminações
e vaguezas da lei.
O art. 37 da Constituição da República (1988) dispõe:
32
Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: [grifos do pesquisador]
Mas não há no texto maior ou em qualquer outra legislação infraconstitucional
definição desses princípios. Desse modo, os grandes nomes do Direito, no campo
teórico, trazem em seus livros, no mínimo, um Capítulo sobre os princípios,
sobretudo no Direito Administrativo. Assim, os aplicadores do Direito, principalmente
os membros do Ministério Público e os Magistrados, vão utilizar-se do conceito de
algum doutrinador para embasar, respectivamente, a denúncia e a decisão.
Conforme pode ser verificado nos dizeres de Carlos Ari Sundfeld:
Os hiperprincípios de direito administrativo encontrados nos livros só são
obra de teoria no sentido de que são feitos ou apresentados por teóricos,
não pelas autoridades competentes para produzir normas. Mas o verdadeiro
objetivo dos autores é igual ao das autoridades que fazem normas:
influenciar a tomada de decisões.
(...)
Logo, a exposição de hiperprincípios por professores de direito
administrativo não é, como se gosta de dizer, para arquitetar um sistema
teórico complexo com função descritiva global. É para falar do conteúdo das
normas, para gerar conhecimento a respeito delas, e assim induzir
comportamentos. (SUNDFELD, 2014).
Nas palavras do autor, o que vemos são normas em prosa, isto é,
doutrinadores legislando à medida que buscam conduzir a atuação dos operadores
do Direito.
Há princípios que encontram definição e requisitos de aplicação na lei, como
o princípio da Motivação dos Atos Administrativos. Na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro
de 1999 (Lei de Processo Administrativo), além da previsão de que os atos
administrativos devem ser divulgados oficialmente (art. 2º da referida Lei), as
informações, como o conteúdo e a forma da publicização dos atos, vêm descritas
nos artigos 26, 27 e 28 do texto legal. No entanto, na mesma Lei encontramos
exemplos de princípios com definição vaga que não estabelecem sequer um
conceito exato para o princípio.
Cria-se, assim, uma cultura de hipervalorização dos princípios, pela qual os
tribunais e juízes, em muitas oportunidades desconsiderando as leis, decidem
casos, negam habeas corpus, imputam condutas criminosas e praticam vários outros
atos, apenas com as frases: “com base no princípio da Moralidade”; “com base no
33
princípio da Razoabilidade”. Mais à frente se irá falar da Lei de Improbidade
Administrativa, principalmente de seu artigo 11.
34
4 OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Assim como o tópico anterior, este Capítulo visa trazer conceitos e definições
que serão utilizados para análise dos verdadeiros objetivos deste trabalho. Nesse
Capítulo, falaremos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, conhecida como Lei de
Improbidade Administrativa ou LIA.
Primeiramente faremos uma análise dos antecedentes legislativos que
contribuíram e levaram à elaboração e promulgação da referida Lei. Em seguida,
iremos analisar os institutos mais importantes da Lei.
O termo “improbidade” é antônimo de “probidade” que, por sua vez,
etimologicamente, se originou do latim probus, que significa o que é honesto, bom
ou casto. Deste modo, o vocábulo “improbidade” se originou do latim improbitate,
que significa desonestidade.
Já o adjetivo "administrativo" teve origem no substantivo "administração", que
se originou do verbo latino administrare, cujo significado é "servir" ou "gerir" (neste
estudo o nosso objeto é apenas a Administração Pública).
Logo,
Improbidade
Administrativa
significa
desonestidade
do
gestor/administrador ao gerir ou administrar a coisa pública. A inabilidade ou
gestão imperfeita do administrador não pode ser entendida como ato improbo.
[grifos do pesquisador]
A expressão “improbidade administrativa” foi inserida pela primeira vez no
texto constitucional na Constituição de 1988, em seus artigos 15, V e 37, § 4º. O
artigo 15, caput, proclama: “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou
suspensão só se dará nos casos de (...)”.
Os incisos do referido artigo trazem as exceções à regra, mas o inciso V é o
que nos interessa no presente trabalho, que diz: “improbidade administrativa, nos
termos do art. 37, § 4º”.
O § 4º, do art. 37, estabelece que “os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. (BRASIL, 1988).
No entanto, anteriormente à Constituição, havia no ordenamento pátrio a
legislação que previa sanções para os atos que importassem prejuízo para a
Fazenda Pública e o enriquecimento ilícito.
35
Deve-se destacar o Decreto-lei nº 3.420, de 8 de maio de 1941, que dispunha
sobre o sequestro de bens de pessoas indiciadas por crimes de que resultasse
prejuízo para a Fazenda Pública.
Posteriormente, a Constituição de 1946 estabeleceu, em seu art. 141, § 3º,
que a lei iria dispor sobre o sequestro e o perdimento de bens, no caso de
enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou
de emprego em entidade autárquica.
O Congresso Nacional, para dar cumprimento a tal dispositivo, promulgou a
Lei nº 3.164 /57, a chamada Lei Pitombo-Godói Ilha, que também sujeitava ao
sequestro os bens de servidor público adquiridos por influência de cargo ou função
pública, ou de emprego em entidade autárquica. Importante ressaltar nesse ponto
que, ao Ministério Público, era imputada a iniciativa da ação civil.
Posteriormente, veio a Lei nº 3.502 /58 (Lei Bilac Pinto) que, sem revogar a
anterior, regulou o sequestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento
ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função. Assim, o Ministério Público
permanecia com legitimidade ativa para a propositura da ação.
A Constituição de 1967, em seu art. 150, § 11, que passou a ser 153, § 11,
em razão da EC nº 01 /69, a exemplo da Constituição de 1946, estabeleceu a
previsão de regulamentação legal sobre o confisco e perdimento de bens por danos
causados ao Erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de função
pública.
Como não houve regulação ao mandamento constitucional, as leis PitomboGodói Ilha e Bilac Pinto foram recepcionadas pela Constituição de 1988, até o
advento da Lei nº 8.429 /92 que, em seu artigo 25, as revogou expressamente.
Passe-se agora à análise dos dispositivos mais importantes da lei, que serão
utilizados neste trabalho.
4.1 Sujeitos Passivos dos Atos de Improbidade Administrativa
O art. 1º da LIA enumera os órgãos e entidades que podem ser vítimas de
improbidade administrativa praticada por agentes públicos, servidores e empregados
do seu quadro de pessoal. Elencamos quais são esses órgãos e entidades:
Poder Executivo
36
União, Estados, Municípios e o Distrito Federal e os órgãos da administração
direta que os compõem, como os Ministérios; Secretarias Estaduais, Municipais,
Distritais; Advocacia Geral da União (AGU); Procuradorias Administrativas e
Judiciais.
Os órgãos da administração indireta do Executivo: autarquias comuns e de
regime especial; fundações instituídas pelo poder público; sociedades de economia
mista; e empresas públicas.
Poder Legislativo
Os órgãos do Poder Legislativo na esfera federal, estadual e distrital:
Congresso Nacional; Senado Federal; Câmaras dos Deputados; Assembleia
Legislativa; Câmara Municipal e Câmara Legislativa.
Poder Judiciário
Os órgãos do Poder Judiciário na esfera federal, estadual e distrital: Supremo
Tribunal Federal; Conselho Nacional de Justiça; Superior Tribunal de Justiça;
Tribunais regionais Federais e Juízes Federais; Tribunais e Juízes do Trabalho;
Tribunais e Juízes Eleitorais; Tribunais e Juízes Militares; Tribunais e Juízes dos
Estados e Distrito Federal e seus organismos administrativos.
Ministério Público
Os órgãos dos Ministérios Públicos Federais, Estaduais e Distritais: Conselho
Nacional do Ministério Público; Procuradoria Geral de Justiça; Colégio dos
Procuradores de Justiça; Conselho Superior do Ministério Público; Corregedoria
Geral do Ministério Público; Procuradorias de Justiça; Promotorias de Justiça e seus
organismos auxiliares e de administração.
Tribunais de Contas
Os Tribunais de Contas da União, Estados e Munícipios e seus órgãos
auxiliares.
37
Outros
Todas as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou
creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio
ou da receita anual.
4.2 Sujeitos Ativos dos Atos de Improbidade Administrativa
Os sujeitos ativos, em regra, são todas as pessoas físicas com ou sem
vínculo empregatício, de forma definitiva ou transitória, remunerada ou não, que
exerçam alguma função nos órgãos que compõem o Sujeito passivo acima
mencionado. Eles podem ser divididos em quatro categorias:
Agentes Políticos
Presidente da República, Governadores, Prefeitos e seus respectivos vices,
bem como seus auxiliares imediatos, isto é, os Ministros e Secretários, além dos
membros do Legislativo, como os senadores, deputados e vereadores.
Agentes Autônomos
Membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas
e da Advocacia Geral da União, que exercem funções superiores e essenciais, mas
não participam diretamente das decisões políticas.
Servidores Públicos
São todas as pessoas físicas que prestam serviços aos Poderes do Estado e
às entidades da Administração Pública Indireta de natureza profissional, com vínculo
empregatício e mediante remuneração paga pelo erário. Subdividem-se em
Servidores estatutários e temporários, e empregados públicos.
Particulares em colaboração com o Poder Público
38
São todas as pessoas físicas que exercem atividades de interesse público e
gerenciam verbas públicas das entidades que recebam subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja
criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por
cento do patrimônio ou da receita anual, e que não se enquadrem em nenhuma das
outras três categorias.
Passa-se agora à análise dos atos que configuram a prática da improbidade
administrativa. Eles estão previstos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade
Administrativa e, geralmente, são imputados àqueles que contratam com a
Administração Pública.
4.3 Atos que importam enriquecimento ilícito
Ocorrem quando um dos sujeitos ativos acima mencionados no exercício de
suas funções aufere dolosamente vantagem patrimonial ilícita, [grifos do
pesquisador], destinada para si ou para outrem, em razão do exercício ímprobo de
cargo, mandato, função, emprego ou atividade na Administração Pública.
Pelo conceito, extraímos quatro requisitos básicos (mínimos) para que se
configure o ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito:
 Recebimento de vantagem econômica indevida;
 Comportamento ilegal decorrido desta vantagem;
 Ciência, por parte d agente público, da ilicitude da vantagem econômica
pretendida e percebida, ou seja, conduta dolosa;
 Conexão entre o exercício funcional do agente público e a vantagem
econômica indevida que por ele foi auferida para si ou para outrem.
Deste modo, não restará configurada a conduta punível no art. 9º da LIA, caso
falte algum destes requisitos.
39
4.4 Atos que Importam em Prejuízo ao Erário
Ocorrem quando o agente público no exercício de suas funções causa lesão
ao Erário, em razão do exercício ímprobo de cargo, mandato, função, emprego ou
atividade na Administração Pública. [grifos do pesquisador].
Pelo conceito, extraímos três requisitos básicos (mínimos) para que se
configure o ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário:
 Ação ou omissão ilegal de agente público no exercício de sua função pública;
 Conduta derivada de má-fé, desonestidade (dolosa ou culposa);
 Lesão efetiva ao Erário.
Da mesma forma que no artigo anterior, não restará configurada a conduta
punível no artigo 10 da LIA, caso falte algum dos requisitos descritos.
4.5 Atos que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública
Ocorrem quando o agente público, no exercício de suas funções, por qualquer
ação ou omissão atente contra os princípios da Administração Pública e desrespeite
os deveres da honestidade, imparcialidade, legalidade ou lealdade às instituições.
O preceito do artigo 11 é residual e só aplicável quando não configuradas as
demais modalidades de improbidade administrativa. Deve-se ressaltar que
ilegalidade não é sinônimo de improbidade, que é o ato ilegal originado em
comportamento desonesto ou denotativo de má-fé.
Por ser tão amplo, vago e indefinido é que tal artigo é o mais utilizado pelos
membros do Parquet, quando não conseguem provar o recebimento de vantagem
indevida ou a lesão ao erário, aplicando de maneira arbitrária este artigo, alegam
violação de algum dos vários princípios vagos da Administração Pública, que em sua
maioria não encontram qualquer definição em lei.
40
5 A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O Estado tem grande importância na economia do País, assim, deve-se ser
levado em conta o tamanho e potencial de compra para a realização de obras
públicas, infraestrutura e a própria manutenção da Administração Pública.
Para que haja o gerenciamento do poder de compra, obedecendo ao princípio
da moralidade administrativa e da eficiência, há necessidade de um regramento
específico - daí surge a necessidade do procedimento licitatório.
A Administração Pública exerce dupla atividade, entre elas, a multifária e
complexa, visando sempre atender o interesse público. Para que esse interesse seja
alcançado, nasce a necessidade da realização dos negócios jurídicos com
particulares, sendo objeto da contratação a realização de obras e a prestação de
serviços fornecidos por terceiros.
Segundo Hely Lopes Meireles (2006), a licitação pública “é um procedimento
administrativo pelo qual é selecionada a proposta mais vantajosa para a
Administração Pública”. Durante o processo licitatório, são colocados vários atos em
prática, que proporcionam a igualdade entre os licitantes e interessados.
O processo licitatório sempre visa à escolha da melhor proposta, da mesma
forma que é feito no setor privado, porém com a particularidade que, no privado, a
melhor proposta significa sobrevivência da empresa no mercado.
No setor público, existe certo regramento para a escolha do contratado.
Todos são iguais para a Administração Pública, tendo a mesma oportunidade de
participar do processo e ser contratado. Assim, evita-se que exista uma relação
pessoal de vínculo com o contratante, amizade, relação eleitoral e outros fatores que
poderiam influenciar no processo.
O intuito do legislador de estabelecer normas para formação de contratos
administrativos com empresas privadas ou terceiros foi o de resguardar o interesse
público e a legalidade dos atos administrativos - daí não poderia, de maneira
alguma, deixar a mercê da livre escolha do Administrador Público o poder da
discricionariedade sobre o instituto da licitação, pois caso ocorresse poderia
acontecer escolhas impróprias por parte da Administração Pública, sob o comando
de Administradores inescrupulosos, com vistas a fraudar o procedimento licitatório.
Para evitar possíveis riscos, o instituto da licitação surgiu para criar regras
entre administrador e interessados a contratarem com a Administração Pública. Um
41
procedimento anterior ao próprio contrato permite que várias pessoas ofereçam suas
propostas e, como consequência, a permissão da escolha da proposta mais
vantajosa para a Administração Pública.
A licitação no Direito Administrativo pátrio denomina-se por um procedimento
administrativo por meio do qual a Administração Pública seleciona a proposta mais
vantajosa, destinando garantir a fidelidade da execução ao princípio constitucional
da isonomia. Ainda que com a concretização dos princípios da igualdade entre os
administrados produza efeitos jurídicos dos negócios pactuados.
No nosso ordenamento jurídico atual para a Administração Pública, a regra
geral é a necessidade de realização de licitação, antes de se celebrar um contrato
administrativo, com a garantia da escolha justa e imparcial dos fornecedores de
bens e serviços para a Administração, estabelecida no artigo 37 da Constituição
Federal de 1988, que assim estabelece:
Art. 37 – A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com
cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá
as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia
do cumprimento das obrigações. (BRASIL, 1988)
O artigo acima foi regulamentado pela Lei n° 8.666, de 1993, conhecida como
Lei de Licitações e Contratos Administrativos, cujos artigos 1°, 2° e 3° estabelecem:
Art. 1° - Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos
administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade,
compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da
administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações
públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais
entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios.
Art. 2º - As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações
concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando
contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação,
ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei.
42
Art. 3° - A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a
Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os
princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são
correlatos.
§ 1° É vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou
condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter
competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da
naturalidade, da sede ou domicilio dos licitantes ou de qualquer outra
circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do
contrato;
II – estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal,
trabalhista previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e
estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de
pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências
internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no art. 3° da
Lei n. 8.248, de 23 de outubro de 1991. (BRASIL, CASA CIVIL DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1993).
No entanto, essa lei que regulamenta as licitações traz em seu corpo casos
em que a licitação é dispensada, dispensável ou inexigível. A licitação será
dispensada quando ocorrer algumas das hipóteses do artigo 17 da Lei nº 8.666, de
1993, que se refere à alienação de bens, ou direitos sobre bens, pela Administração
Pública. Será, por sua vez, dispensável a licitação nas hipóteses taxativamente
enumeradas no artigo 24, da Lei nº 8.666, de 1993. Dispensável é quando, embora
haja possibilidade de competição, a Administração pode, ou não, realizar a licitação,
conforme critérios de conveniência e oportunidade. A lei confere a Administração,
discricionariamente, para deixar de realizar a licitação.
Para o presente estudo, o ponto mais importante a ser estudado são os casos
em que há inexigibilidade de licitação, isto é, nas situações em que ela é
juridicamente impossível, em decorrência da impossibilidade de competição, devido
à singularidade do profissional a ser contratado, do produto a ser adquirido, ou
ainda, do seu fornecedor no mercado. As hipóteses de inexigibilidade se encontram
num rol exemplificativo do artigo 25, da Lei nº 8.666, de 1993.
5.1 Inexigibilidade de licitação
Dispõe o artigo 25, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993:
43
Art. 25 – É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição,
em especial:
I – para aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam
ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo,
vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade
ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio
do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo
Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades
equivalentes;
II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta
Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória
especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e
divulgação;
III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente
ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica
especializada ou pela opinião pública.
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo
conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho
anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento,
equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades,
permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais
adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
§ 2º Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se
comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano
causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o
agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais
cabíveis.
O artigo 13 desta mesma Lei assim estabelece:
Art. 13 - Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos
profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I – estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II – pareceres, perícias e avaliações em geral;
III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou
tributárias;
IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico;
§ 1° Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para
a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão,
preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com
estipulação prévia de prêmio ou remuneração.
§ 2° Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o
disposto no art. 111 desta Lei.
§ 3° A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que
apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento
licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade
de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem
pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato.
44
Percebe-se que a inexigibilidade deve ser entendida como algo que não pode
ser exigível, obrigatório ou compulsório. A licitação é inexigível porque impossível, é
impossível porque não há como promover-se a competição. Por isso, quando a
Administração necessita adquirir um bem ou contratar um determinado serviço que
possui características especiais e especificações ímpares, que apenas um fabricante
ou fornecedor possua, torna-se impossível a realização de licitação, pois o universo
de competidores se restringe apenas a um único participante.
A regra de licitar para se obter a proposta mais vantajosa dentro de um
universo de fornecedores dá lugar à sua exceção de não licitar, pois o objeto
assume uma característica de tamanha singularidade que se torna impossível
realizar uma competição, em razão de que apenas um fornecedor possui o objeto
almejado pela Administração.
Ocorre que no presente estudo, o que realmente interessa é o inciso II do
artigo 25, isto é, a contratação direta para a prestação de serviços técnicos, de
natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização.
Sobre este inciso, ensina Marçal Justen Filho:
Os requisitos subjetivos do contratado decorrem diretamente da causa
motivadora da inexigibilidade da licitação. Não se aplica o procedimento
formal da licitação porque o serviço técnico científico apresenta
peculiaridades que o tornam específico, singular e inconfundível. Logo,
somente particulares habilitados e capacitados poderão desenvolver o
serviço de modo satisfatório. Se qualquer particular estivesse capacitado a
desempenhar satisfatoriamente o serviço, não se caracterizaria ele como
especializado, singular e inconfundível. (JUSTEN FILHO, 2012).
Para a interpretação do referido inciso, teremos de definir três expressões,
quais
sejam:
serviços
técnicos
profissionais
especializados,
notória
especialização e singularidade. [grifos do pesquisador]
Segundo o mestre Hely Lopes Meirelles:
Serviços técnicos profissionais especializados, no consenso doutrinário, são
os prestados por quem, além da habilitação técnica e profissional - exigida
para os serviços técnicos profissionais em geral -, aprofundou-se nos
estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de
cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento. (MEIRELLES,
2006).
Já Celso Antônio Bandeira de Melo define assim a singularidade:
45
Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como
singular quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório
atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu
autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade,
a contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem o executa,
atributos, estes, que são precisamente os que a Administração reputa
conveniente e necessita para a satisfação do interesse público em causa.
(MELO, 2003).
Após os ensinamentos dos mestres acima citados podemos inferir que:
Serviços técnicos profissionais especializados são os trabalhos prestados por
aqueles profissionais que, além das qualificações necessárias para o exercício da
profissão, se aprofundaram muito mais naquele campo do conhecimento e por isso
prestam serviços que os demais não conseguem realizar ou não o realizam com a
mesma eficiência.
A singularidade é aquele traço, marca, diferencial, o algo mais que torna o
objeto e ou profissional prestador do serviço único, não no sentido técnico e
mensurável facilmente como a notória especialização, mas aquele adjetivo que torna
algo impossível de ser comparado.
Já a notória especialização é o fator mensurável, a comprovação deverá ser
feita, na maior parte das vezes, por meio de prova de desempenho anterior,
publicações, estudos, trabalhos já realizados, organização, relação de equipamentos
e aparelhamento técnico, relação dos profissionais integrantes da equipe técnica e
outros elementos do tipo que demonstrem a capacitação diferenciada.
Percebe-se que a Inexigibilidade de Licitação é de suma importância para o
Ordenamento Jurídico brasileiro, visto que as legislações pertinentes ao tema
sistematizam e regulam a aplicação do dinheiro público em nosso País e valorizam
profissionais de alto nível, pois há casos em que a Administração necessita de um
bem, produto ou profissional para a melhor satisfação do interesse público,
interesses que muitas vezes ficariam prejudicados se o legislador não facultasse ao
Administrador a liberdade de fazê-lo sob condições especiais, sem licitação, desde
que obedecidas as especificidades da Lei.
Vale ressaltar que os critérios definidos pela Lei para a inexigibilidade de
licitação são claros e justos, por isso percebemos que o objetivo do legislador é o de
promover a qualidade dos serviços ofertados pela Administração Pública, para trazer
o bem-estar aos cidadãos, bem como promover os profissionais de excelência,
46
fazendo com que eles também sirvam à Administração e, consequentemente, à
população em geral.
Uma das grandes preocupações do presente estudo é o fato de que há bons
profissionais que deixam de prestar serviços para a Administração Pública pela sua
grande qualidade e excelência, visto que num cenário comum de licitação do tipo
menor preço, via de regra, profissionais menos gabaritados é que se sagram
vencedores e estabelecem contratos com a Administração.
Logo, sendo a contratação desses profissionais necessária à Administração
Pública, deve-se utilizar a faculdade que o legislador lhe conferiu.
47
6 A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
Assim como qualquer particular quando necessita ingressar em juízo, o Poder
Público deve estar assistido por advogado, visto que apenas este profissional possui
capacidade postulatória judicial. No mesmo sentido, quando o ente público necessita
de orientação ou assessoria jurídica para realizar alguma tarefa institucional, tem de
recorrer a serviços do advogado, conforme dispositivo legal.
Logo, é inevitável que o Poder Público não recorra aos serviços de
advogados, pois haverá várias situações em que ele terá de perseguir seus
interesses, defender-se e necessitar de pareceres jurídicos para tomar decisões.
Sabendo que a Administração Pública tem de contratar profissionais
habilitados para a execução de serviços advocatícios, resta esclarecer quais os
meios e formas que ela terá para realizar essas contratações.
Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, em seus artigos 131
e 132:
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou
através de órgão vinculado, representa a União, judicial e
extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que
dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de
consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados
em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e
títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as
suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas. (BRASIL, CONGRESSO NACIONAL,
1988).
Percebe-se que a União, Estados e o Distrito Federal são obrigados a manter
um quadro de procuradores, ocupado por funcionários públicos que ingressam na
carreira, mediante aprovação em concurso público de prova ou provas e títulos.
Percebe-se que tal disposição constitucional não alcança os municípios, não sendo
obrigatória a manutenção de um quadro próprio de procuradores, embora possam
ter e em muitos casos seja aconselhável possui-lo.
Ocorre que, como já foi dito, nos casos dos municípios em que não haja esse
quadro de procuradores (visto que não é obrigatório e, algumas vezes, não
necessário manter um quadro fixo) e mesmo nos Estados, Distrito Federal e União,
48
haverá situações em que haverá necessidades específicas que o Poder Público
poderá e deverá, em defesa do interesse público, contratar serviços eventuais de
profissionais mais capacitados e especialistas.
O que se quer dizer é que os serviços mais comuns, eventualmente
repetitivos e corriqueiros, serão sempre executados pelos funcionários públicos de
carreira, visto que a Carta Magna traz a previsão de tais carreiras jurídicas.
Assim, entendemos que a contratação de advogados mediante aprovação em
concurso público seja a regra para a Administração Pública para a condução dos
serviços jurídicos. No entanto, tal regra apresenta algumas exceções.
Primeiramente, no caso de Munícipios e entidades da Administração Indireta
que não possuem quadro próprio de procuradores, estes terão sempre de se valer
da contratação de advogados externos para a sua orientação jurídica e a defesa
judicial de seus interesses.
E o que é mais relevante para o presente estudo são os casos em que,
mesmo possuindo quadro próprio de procuradores, o ente público, devido à situação
extremamente complexa e incomum, necessite de profissional mais bem-capacitado
e especialista em determinada área, para a realização de determinado serviços
jurídicos.
Ora, se os particulares podem contratar os mais conceituados especialistas
para socorrê-los em assuntos de complexidade, por que a Administração Pública
não poderia recorrer aos mesmos profissionais, quando da defesa do interesse
público?
Certo é que, hoje, não se discute sobre a possibilidade de contratação de
advogados pela Administração Pública nos casos em que estes profissionais
apresentem reconhecida capacidade especializada e que, em situações de alta
complexidade, eles sejam necessários.
Porém, há ainda quem defenda a exigência de licitação, principalmente entre
os Membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.
Ocorre que, como foi dito mais acima, poderá a licitação ser inexigível,
quando tratar-se da contratação de serviços profissionais técnicos especializados,
desde que estes profissionais possuam notória especialização e haja singularidade
do objeto da contratação, conforme estabelece o artigo 25, II, e § 1º da Lei de
Licitações.
49
Mas ao contrário do que foi exposto até aqui, se faz necessário definirmos
aquilo que seja singularidade e notória especialização na prestação de serviços
advocatícios. [grifos do pesquisador]
Observa-se, com frequência, a difusão da opinião de que serviços singulares
seriam serviços únicos, que somente uma pessoa poderia prestar, um só notório
especialista, que assim, nessas especiais circunstâncias, poderia ser contratado
diretamente pela Administração Pública.
É fácil perceber que tal posicionamento dificilmente se acomoda à realidade
objetiva, em especial que toca ao exercício da Advocacia, uma vez que todos os
advogados possuem idêntica habilitação legal para a produção dos serviços técnicos
desse ofício.
Singularidade não deve ser confundida com exclusividade. Se assim fosse,
como apontar serviços de Advocacia “singulares” para justificar a contratação de
profissionais fora dos quadros funcionais da Administração?
Seria possível limitar a contratação de advogados de notória competência a
imaginados casos de apontamento de serviços, cuja execução fosse realmente
impossível para os procuradores de carreira?
Entendemos que não.
Na realidade, é forçoso convir que qualquer serviço jurídico pode ser
executado pelos procuradores, ainda que notórios especialistas. Cada profissional
do Direito possui uma forma de executar seus serviços, o engenho, a estratégia, a
experiência e o conhecimento de cada um.
Não há serviços jurídicos únicos, que apenas um advogado possa prestar.
Por isso mesmo, não se pode confundir serviços singulares com serviços únicos e
exclusivos. Entendemos que singulares são os serviços que, embora possam ser
prestados por muitas pessoas, serão sempre produzidos de maneira diferente, pois
para a sua realização contribuem características pessoais do prestador, estas, sim,
únicas, individuais. Embora várias pessoas possam executar tais serviços, cada um
o fará à sua maneira, deixando sua marca pessoal.
Nos serviços técnicos de Advocacia, essa é a situação que, em geral, se
verifica: todos os advogados podem prestá-los, mas cada um os desenvolverá
diferentemente dos demais, neles imprimindo sua marca, suas especiais qualidades
e conhecimentos, sua experiência e, mesmo, seu temperamento.
50
Vale destacar as sábias palavras do ilustre Professor Celso Antônio Bandeira
de Melo que resume, de maneira clara e objetiva, essa questão da singularidade,
dizendo:
Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como
singular quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório
atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu
autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade,
a contribuição intelectual, artística ou a argúcia de quem o executa,
atributos estes que são precisamente os que a Administração reputa
convenientes e necessita para a satisfação do interesse público em causa.
(MELO, 2003).
Embora outros, talvez até muitos, pudessem desempenhar a mesma
atividade científica, técnica ou artística, cada qual o faria à sua moda, de acordo com
os próprios critérios, sensibilidade, juízos, interpretações e conclusões, parciais ou
finais e tais fatores individualizadores repercutirão, necessariamente, quanto a maior
ou menor satisfação do interesse público. Bem por isto não é indiferente que sejam
prestados pelo sujeito A ou pelos sujeitos B ou C, ainda que todos estes fossem
pessoas de excelente reputação.
É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição do eventual
contratado – a ser obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida
competência na matéria – recaia em profissional ou empresa cujos desempenhos
despertem no contratante a convicção de que, para o caso, serão presumivelmente
mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de que produzirá a
atividade mais adequada para o caso. Como afirma Celso de Melo (2003), “há, pois,
nisto, também, um componente subjetivo ineliminável por parte de quem contrata”.
Pode-se assim dizer que a maior parte dos serviços de Advocacia merece a
característica de singulares, excluindo-se apenas aqueles serviços corriqueiros e
repetitivos. No entanto, tais situações são a exceção no exercício da Advocacia, no
qual impera como regra a singularidade.
Já a Notória Especialização deve ser ostentada em relação à especial área de
atuação jurídica não corriqueira, de cuja falta de maior profundidade de
conhecimento se ressentem os demais profissionais. No entanto, se mostra tema
delicado a avaliação da notoriedade dos profissionais do Direito, que nem sempre é
pacífica. Não se pode admitir que apenas alguns poucos juristas (os grandes
expoentes da doutrina e pareceristas renomados) sejam merecedores da
notoriedade legal.
51
Notoriedade não é sinônimo de popularidade. Notório é quem se destaca na
sua área de atuação perante os seus pares e, como tal, é reconhecido, mesmo que
não alcance o conhecimento do público em geral.
Poucos são os profissionais do Direito reconhecidos em todo Brasil nas suas
áreas de atuação. Muito mais são aqueles que alcançam notoriedade no seu mais
restrito âmbito de atuação, seja este o de sua cidade, ou de uma especialidade
menos divulgada, mas é certo que também podem ser contratados pela
Administração Pública, que não pode ficar obrigada a contratar apenas os
profissionais de projeção nacional.
Logo a Advocacia é uma área que exige que o profissional execute o seu
trabalho de acordo com as suas convicções, juízos, sensibilidades, interpretações,
conclusões, formação intelectual. Tal fato serve para demonstrar singularidade do
serviço desempenhado pelo advogado, aspecto impalpável de sua criação
intelectual que impossibilita e retira da Administração Pública a necessidade de
promover o certame licitatório, por meio de tipos/modalidades como o „menor preço‟.
Apesar de haver situações nas quais existem inúmeros outros advogados
com igual, ou melhor, curriculum do que o escolhido pela Administração Pública, a
singularidade do serviço prestado (desde que haja a notória especialização) justifica
a Inexigibilidade de Licitação.
Destaca-se o entendimento do professor Marçal Justen Filho, ao discorrer
sobre a inviabilidade de competição:
A inviabilidade de competição configura-se não apenas quando a ausência
de pluralidade de alternativas afasta a possibilidade de escolha entre
diversas opções. Pode configurar-se inviabilidade de competição, para os
fins do art. 25 da Lei n. 8.666, mesmo quando existirem no mercado
inúmeros particulares em condições equivalentes de desempenhar a
prestação necessária à satisfação do interesse sob tutela estatal [...] o
conceito de viabilidade de competição não é simplisticamente reconduzível
à mera existência de uma pluralidade de sujeitos em condições de executar
uma certa atividade. Existem inúmeras situações em que a competição é
inviável, não obstante existirem inúmeros particulares habilitados a executar
a atividade objeto da contratação particulares habilitados a executar a
atividade objeto da contratação. Há casos em que o interesse sob tutela
estatal apresenta-se com tamanhas peculiaridades que seu atendimento
não pode ser reconduzido aos casos e parâmetros comuns e usuais.
(JUSTEN FILHO, 2012).
Sobre a singularidade nos serviços advocatícios, vale destacar o que diz
Mauro Roberto Gomes de Mattos:
52
A singularidade dessa prestação de serviços está fincada nos
conhecimentos individuais de cada profissional da Advocacia, impedindo,
portanto, que a aferição da competição seja plena, pois não se licitam
coisas desiguais, só se licitam coisas homogêneas. (...) Vamos mais além
por entender que a singularidade do advogado está obviamente interligada
à sua capacitação profissional, o que de certa forma inviabiliza o certame
licitatório pelo fato de não ser aferido o melhor serviço pelo preço ofertado.
(MATTOS, 2002).
Apenas os argumentos acima citados seriam suficientes para demonstrar a
inexigibilidade de licitação na contratação de serviços advocatícios, isto é, não há
dúvidas de que a Advocacia é um serviço profissional técnico especializado, já que
foi demonstrada a singularidade dos serviços dos advogados, visto que estão
calcados nos seus conhecimentos individuais e que sua relação com o cliente deva
se pautar na confiança, então fica comprovada a notória especialização, conforme
prevê o § 1º do artigo 25 da Lei de Licitações, e a licitação se torna inexigível.
No entanto, se aprofunda ainda mais no tema para demonstrar que além do
preenchimento dos requisitos previstos na Lei, há outras disposições legais que
demonstram a impossibilidade de licitar a contratação de serviços advocatícios.
Dispõem os artigos 2º, 5º, 36 e 41 do Código de Ética da Ordem dos
Advogados do Brasil7:
Art. 2º - O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor
do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da
Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado
à elevada função pública que exerce.
Art. 5º - O exercício da Advocacia é incompatível com qualquer
procedimento de mercantilização.
Art. 36. Os honorários profissionais devem ser fixados com moderação,
atendidos os elementos seguintes:
Art. 41. O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços
profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado
pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável.
(CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL,
1995).
Extrai-se dos referidos dispositivos legais que o advogado é indispensável à
administração da justiça e de que o mesmo, no seu ministério privado, presta serviço
público e exerce função social, se infere também que o exercício da Advocacia é
incompatível com qualquer procedimento de mercantilização e que os honorários
profissionais devem ser fixados com moderação, mas nunca em valor inferior ao
7
Publicado no Diário da Justiça, Seção I, do dia 01/03/1995, pp. 4.000/4004.
53
mínimo estabelecido pela OAB, devendo o advogado evitar o rebaixamento e
desvalorização dos valores dos serviços profissionais.
Nessa esteira, deve-se observar também aquilo que dizem os artigos 34, IV e
36 da Lei nº 8.096, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia
e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB:
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;
Art. 36. A censura é aplicável nos casos de:
I - infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34;
II - violação a preceito do Código de Ética e Disciplina (BRASIL,
CONGRESSO NACIONAL, 1994).
Fica claro pela interpretação dos artigos do Código de Ética e do Estatuto da
Advocacia que a atividade advocatícia, de forma geral, é incompatível com a
natureza em si do processo licitatório. Partindo das premissas de que a licitação é
um ato pela conquista de mercado; as normas que regulam a atividade da
Advocacia vedam a captação de causas e clientes, a subvalorização dos serviços
advocatícios e inclusive prevê sanções para aqueles que descumprem estes
preceitos, conclui-se que é impossível aos advogados disputarem a prestação de
serviços com base em preços, pois tais normas afastam a possibilidade de
competição entre advogados, pela conquista de clientes e de causas.
Logo, não é permitido aos advogados participar de competições por menor
preço, e nem por menor preço e técnica, como são as licitações. Competir por menor
preço é mercantilizar - conduta que não se compatibiliza com a Advocacia, no
mesmo sentido em que a técnica do advogado não pode ser medida.
O regime legal especial da Advocacia, que encerra prerrogativas e deveres
éticos exigidos dos advogados, impede sua participação em procedimentos
licitatórios.
Em que pese que a singularidade e a notória especialização, é necessário
ainda mencionar que a Advocacia presume uma relação pessoal entre o contratante
e advogado, e carece do elemento „confiança‟.
Para lhe defender ou aconselhá-lo, o constituinte contratará o profissional que
contar com sua especial consideração e respeito. É uma característica inerente à
contratação dos serviços advocatícios.
54
Assim, a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado
de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria,
Administração, deposite na especialização deste contratado. É isso, exatamente
isso, o que diz o direito positivo. Ora, a ocorrência de procedimento licitatório
inclusive desatenderia ao interesse público, visto que sujeitaria a Administração a
contratar com quem, embora vencedor na licitação, segundo ponderação de critérios
objetivos, dela não merecesse qualquer grau de confiança.
Logo, entre os especialistas que contemplem os requisitos objetivos exigidos
pela lei, quais sejam, notória especialização e singularidade, o agente administrativo
escolherá aquele em que deposita maior confiança.
Posto isto, firma-se o entendimento de que não há qualquer empecilho a
contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública sem a realização
de processo licitatório, visto que o artigo 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93 c/c o artigo
13, inciso V, da Lei de Licitações, Lei nº 8.666/93, apresenta permissivo legal que
fundamenta a contratação de sociedade de advogados por inexigibilidade de
licitação, tendo em vista a impossibilidade de concorrência, por se tratar de serviços
intelectuais impossíveis de serem auferidos em termos de preço mais baixo, desde
que sejam caracterizados como serviços técnicos de notória especialização.
Além do mais, as normas que regulamentam o exercício da Advocacia e o
Código de Ética desses profissionais vetam e punem a prática de atos que devem
ser praticados em licitações.
55
7 O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DE CONTRATAÇÃO DE
SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELO PODER PÚBLICO E SEUS ENTES
Neste Capítulo, serão analisados os parâmetros e conceitos adotados pelos
órgãos do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas quando
da aferição - nos casos em que a Administração Pública contrata serviços
advocatícios - ou não, de conduta ilegal passível de sanção e, eventualmente, atos
de improbidade.
O presente tema vem ganhando grande importância nos últimos tempos,
devido a uma avassalante ação do Ministério Público, que questiona a contratação
de serviços advocatícios pela Administração Pública, por meio da inexigibilidade de
licitação, fato que tem criado sérios problemas para o Estado e para a defesa dos
seus interesses e direitos, ao mesmo tempo em que acaba atingindo o legítimo
exercício dos serviços profissionais da Advocacia.
O Ministério Público, insistindo na tese da possibilidade de realização de
Licitação para a contratação de advogados, tem investido contra alguns dos mais
ilustres advogados brasileiros, apontando, aqui e ali, que a contratação de tais
luminares por órgãos públicos teria sido ilícita.
Dessa forma, alguns membros do Ministério Público, numa onda persecutória,
tentam amesquinhar a Advocacia, imputando aos advogados e sociedades de
advogados contratados com inexigibilidade de licitação atos de improbidade
administrativa.
Apesar de estar agindo dentro de suas funções, isto é, zelando pelo
cumprimento da Lei e na defesa do interesse público, fica patente a falta de
coerência dessa atividade repressiva por parte do Ministério Público.
Alega o parquet que os órgãos públicos devem se valer dos concursos
públicos para a contratação de advogados, que deveriam ser os encarregados
únicos da defesa dos interesses da respectiva entidade da Administração. Desta
forma, o Ministério Público alega agir na defesa do interesse público, impedindo a
contratação onerosa e ilegal para a Administração.
Com base nesses argumentos, o Ministério Público atua, muitas vezes, em
desconsideração aos preceitos legais e imputa aos membros da Administração
Pública (contratantes) e aos advogados e sociedades de advogados (contratados)
atos de improbidade administrativa, especialmente o já trabalhado artigo 11 da Lei
56
de Improbidade Administrativa, que trata dos casos em que os sujeitos ativos
praticam atos contra os princípios da Administração Pública, sendo que os princípios
sobre os quais mais se alega violação são o da Moralidade e da Legalidade.
Aqui vai a primeira crítica: como é sabido, os princípios jurídicos são regras
com um grau muito grande de generalização, fruto de construção doutrinária. No
entanto, tais construções que deveriam ficar no campo teórico, são aplicadas no
Direito.
Pode-se pensar um jovem promotor, em sua longínqua cidade do interior, no
início de sua carreira, propõe uma ação judicial, pedindo a condenação do prefeito e
do advogado contratado pela prática de ato ímprobo, nos termos do artigo 11, da Lei
de Improbidade Administrativa. Tal artigo é de aplicação subsidiária, então não
houve enriquecimento ilícito dos réus, nem houve qualquer prejuízo ao erário, mas
ele [o jovem promotor] alega que foi ferido o princípio da moralidade e da legalidade.
Ele aprendeu sobre estes princípios em algum livro de doutrina e como comportam
basicamente tudo, ele os utiliza para, de forma persecutória, tentar inviabilizar o
exercício da Advocacia e a Administração Pública.
O que parece um caso imaginário ocorre, diariamente, e o Ministério Público
“inunda” os tribunais com ações de Improbidade Administrativa, tendo como objeto
as contratações de serviços de advogados especializados. Em virtude desse
comportamento de perseguição realizado pelo Ministério Público, o Conselho
Federal da OAB emitiu nota se posicionando sobre o tema:
Embaraços que aqui vêm sendo criados, particularmente pelo Ministério
Público e pelos Tribunais de Contas, mas também por desafetos políticos
do administrador que contrata, conquanto desgastantes e altamente
indesejáveis para os advogados contratados, vêm acarretando um impacto
perverso bem maior, ao interesse público e à Administração Pública. É que
sendo, por óbvio, tais advogados juristas de escola, profissionais bem
sucedidos, vêm eles, em número crescente, optando pela não contratação
com o Poder Público. E é óbvio que este é o maior prejudicado. (Processo
8
PRO - 0034/2002 - CONSELHO PLENO).
Inclusive, posteriormente, foi editada súmula pelo Conselho Pleno da OAB,
com o seguinte teor:
8
Relator: Conselheiro Sérgio Ferraz. Data da sessão: 09/12/2002. Publicado no Diário da Justiça, em
03/02/2003.
57
SÚMULA N. 04/2012/COP
O CONSELHO PLENO DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas
nos arts. 75, parágrafo único, e 86 do Regulamento Geral da Lei nº
8.906/94,
considerando
o
julgamento
da
Proposição
n.
49.0000.2012.003933-6/COP, decidiu, na Sessão Ordinária realizada no dia
17 de setembro de 2012, editar a Súmula n. 04/2012/COP, com o seguinte
enunciado:
ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. Administração Pública. INEXIGIBILIDADE
DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº
8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços
advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade,
a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo
inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma
legal.
Vista a atuação dos membros do parquet , bem como o posicionamento da
OAB, passa-se então à análise da jurisprudência sobre o tema. O Tribunal de
Contas da União (TCU) tem entendimentos diversos sobre o tema. Há aqueles que
entendem não ser necessário o processo licitatório nos casos de contratação de
serviços singulares e que necessitem de profissionais especializados. No entanto,
vejamos abaixo trechos de duas decisões do Tribunal de Contas da União que
apresentam fundamentos que entendemos corretos e que são contrários aos
utilizados nesse acórdão:
Contrariamente ao que alega a denunciante, portanto, este Tribunal não tem
entendimento firmado de que contratação similar à que ora se examina seja
necessariamente ilegal. Na verdade, o entendimento hoje prevalecente
neste Tribunal sobre a matéria é de que:
1º) a circunstância de entidade pública ou órgão governamental contar com
quadro próprio de advogados não constitui impedimento legal a contratar
advogado particular para prestar-lhe serviços específicos, desde que a
natureza e as características de singularidade e de complexidade desses
serviços sejam de tal ordem que se evidencie não poderem ser
normalmente executados pelos profissionais de seus próprios quadros,
justificando-se portanto a contratação de pessoa cujo nível de
especialização a recomende para a causa;
2º) o exame da oportunidade e da conveniência de efetuar tal contratação
compete ao administrador, a quem cabe analisar e decidir, diante da
situação concreta de cada caso, se deve promover a contratação de
profissional cujos conhecimentos, renome ou grau de especialização sejam
essenciais para a defesa do interesse público que lhe cabe resguardar, e
que não encontrem paralelo entre os advogados do quadro de pessoal da
entidade sob sua responsabilidade;
3º) a contratação deve ser feita entre advogados pré-qualificados como os
mais aptos a prestar os serviços especializados que se pretende obter.
4º) a contratação deve ser celebrada estritamente para prestação de serviço
específico e singular, não se justificando, portanto, firmar contratos da
espécie visando à prestação de tais serviços de forma continuada.
(...)
58
Os autos comprovam também que foram observados os requisitos
legalmente exigidos para fundamentar e formalizar o processo de
inexigibilidade da licitação, na contratação do escritório de Advocacia.
Entende, porém a instrução que, além do atendimento às exigências
prescritas em lei, duas precauções adicionais deveriam ser, ou ter sido,
adotadas, como forma de melhor calçar a invocação dos dispositivos legais
que preveem a inexigibilidade. Tais precauções são:
1º) conforme recomendado pelo Tribunal na já citada Decisão nº 069/93Plenário, promover a pré-qualificação dos profissionais aptos à prestação
dos serviços advocatícios que se deseja contratar, quando for verificada a
impossibilidade de competição para a contratação dos mesmos serviços, e
adotar sistemática objetiva e imparcial de distribuição das causas entre os
interessados pré-qualificados, de forma a resguardar o respeito aos
princípios da publicidade e da igualdade; e
2º) o contrato deveria conter cláusula que estabeleça a obrigação de que os
serviços especializados sejam prestados pessoalmente pelo próprio
advogado cujo renome e grau de especialização justificaram a invocação da
inexigibilidade de licitação, conforme prevê o § 3º do art. 13 da Lei nº
9
8.666/93. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO) .
Percebe-se que o entendimento predominante é no sentido de que, ainda que
possua quadro próprio de procuradores, pode o ente público em situações
específicas e complexas e observando-se os requisitos da Lei contratar, de forma
direta, profissionais especialistas em determinada área para melhor atender aos
interesses daquele ente, não se exigindo processo licitatório.
O Egrégio de Tribunal de Justiça de Minas Gerais também entende que é
compatível com o ordenamento jurídico vigente a contratação de advogado,
mediante procedimento de inexigibilidade de licitação, verificada a notória
especialização do profissional e a singularidade do objeto contratual, e que a
natureza dos serviços prestados pelos advogados não permite a sua mercantilização
e é inviável a competição.
Nesse sentido, é o entendimento do ilustre Desembargador do Egrégio
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Luís Carlos Gambogi. No julgamento do Agravo
de Instrumento Cível nº 1.0024.13.170452-0/001, o ilustre Desembargador, como
revisor, divergiu do entendimento do Relator e foi acompanhado pelos seus pares.
Para ele, é viável a contratação dos serviços de Advocacia, desde que o
contrato atenda, dentre outras de índole formal, a quatro exigências fundamentais: a
singularidade do objeto; a demonstração de que o certame é inviável; o objeto
9
Acórdão da Representação número TC 019.893/93-0 - Decisão 494/94, Rel. CARLOS ÁTILA
ÁLVARES DA SILVA, PLENÁRIO, julgado em 15/08/1994 e TCU-Tribunal de Contas da União.
Acórdão da Representação número AC-0167-14/99-P, Rel. BENTO JOSÉ BUGARIN, PLENÁRIO,
julgado em 14/04/1999.
59
demandado requerer a contratação de quem tenha notória especialização; e os
honorários devem ser razoáveis, compatíveis com o que se pratica no mercado.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) inicialmente assim vinha se decidindo
sobre o tema:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVILPÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO E
CONTADOR POR NOTÓRIAESPECIALIZAÇÃO. ART. 25 DA LEI N.º
8.666/93.
ESPECIALIDADE
E
SINGULARIDADE.
REQUISITOS
NÃOCONFIGURADOS. CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO.
OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 11 DA LEI N.
8.429/92.
(...)
3. A questão cinge-se na contratação de advogado e contador por Câmara
Municipal sem licitação com fundamento no art. 25 da Lei n.8.666/93, que
se refere à inexigibilidade de licitação.
4. Conforme se depreende do artigo citado acima, a contratação sem
licitação, por inexigibilidade, deve estar vinculada à notória especialização
do prestador de serviço, de forma a evidenciar que o seu trabalho é o mais
adequado para a satisfação do objeto contratado e, sendo assim, inviável a
competição entre outros profissionais.
5. A notória especialização, para legitimar a inexigibilidade de procedimento
licitatório, é aquela de caráter absolutamente extraordinário e incontestável
– que fala por si. No entanto, o acórdão ao proferir seu entendimento,
posicionou-se no sentido de avaliar as condições de mercado do município
para a contratação sem licitação. Nesse raciocínio, concluiu que apesar de
inexistir notória especialização dos contratados (conclusão obtida pelo
Tribunal de Contas), o município não possuía condições "mercadológicas"
para contratar com licitação naquele momento.
6. Ora, o artigo mencionado traz como requisitos para a inexigibilidade da
licitação, a especialidade do técnico associada à singularidade do serviço
contratado. Em conclusão, envolve serviço específico que reclame
conhecimento extraordinário do seu executor e ausência de outros
profissionais capacitados no mercado, daí decorrendo a inviabilidade da
competição. No caso em espécie, caso a Câmara Municipal não contasse,
na época da contratação, com profissionais hábeis ao patrocínio de tais
ações, é certo que poderia lançar-se no mercado em busca de outros.
Contudo, isso jamais pode ser corroborado com o entendimento de que
apenas os recorrentes sejam hábeis para tanto, pois existem no mercado
vários advogados e contadores.
7. Sendo assim, merece reforma o acórdão recorrido em razão de não
estarem presentes, no caso em análise, os requisitos necessários para
configurar a inexigibilidade da licitação. Violando-se, portanto, os princípios
da Administração Pública que exigem a licitação para a contratação com o
Poder Público art. 11, da Lei n. 8.429/92.
8. Recurso parcialmente conhecido e nessa parte provido devolvendo os
autos para a instância de origem para a apreciação das penalidades
10
cabíveis. (SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2010).
10
REsp 1210756/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
02/12/2010, DJe 14/12/2010.
60
Percebe-se que o STJ entendia que os serviços advocatícios, em regra,
devem ser licitados e, apenas em situações especificas, para contratação de
atividades advocatícias não rotineiras, a Administração Pública pode lançar mão da
contratação direta. Apesar de adotar entendimento de que se preenchidos os
requisitos dos artigos 13 e 25, II, da Lei de Licitações, a Administração Pública pode
contratar. Sua decisão não se apresenta tão clara e correta quanto deveria.
No entanto, tal entendimento foi modificado e o Superior de Tribunal de
Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.192.332/RS, ratificou o
entendimento de que, para a contratação dos serviços técnicos enumerados no
artigo 13, com inexigibilidade de licitação (artigo 25 da Lei de Licitações), é
imprescindível a presença dos requisitos de natureza singular do serviço prestado,
inviabilidade de competição e notória especialização. No entanto, acrescentou ao
entendimento anterior e asseverou que é impossível aferir, mediante processo
licitatório, o trabalho intelectual do advogado, pois se trata de prestação de serviços
de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de
competição.
Em suma, o referido julgado do STJ define que, diante da natureza intelectual
e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação
de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público,
utilizar-se da discricionariedade, que lhe foi conferida pela Lei, para a escolha do
melhor profissional. Segue a ementa do r. acórdão:
ADMINISTRATIVO
E
PROCESSUAL
CIVIL.
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS
COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 17 DA LIA. ART. 295, V DO CPC.
ART. 178 DO CC/16. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS
282 E 356 DO STF. ARTS. 13 E 25 DA LEI 8.666/93. REQUISITOS DA
INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SINGULARIDADE DO SERVIÇO.
INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO.
DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR NA ESCOLHA DO
MELHOR PROFISSIONAL, DESDE QUE PRESENTE O INTERESSE
PÚBLICO E INOCORRENTE O DESVIO DE PODER, AFILHADISMO OU
COMPADRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...)
3. Depreende-se, da leitura dos arts. 13 e 25 da Lei 8.666/93 que, para a
contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13, com
inexigibilidade de licitação, imprescindível a presença dos requisitos de
natureza singular do serviço prestado, inviabilidade de competição e notória
especialização.
4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do
Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza
personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de
competição.
61
5. A singularidade dos serviços prestados pelo Advogado consiste em seus
conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional,
sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar
serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração
não se funda em critérios objetivos (como o menor preço).
6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria
jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao
administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da
discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor
profissional.
7. Recurso Especial a que se dá provimento para julgar improcedentes os
pedidos da inicial, em razão da inexistência de improbidade administrativa.
11
(SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013).
O Supremo Tribunal Federal também se manifestou sobre o tema, no
julgamento da ação penal pública nº 348:
EMENTA: AÇÃO PENAL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL DE
ADVOGADOS FACE AO CAOS ADMINISTRATIVO HERDADO DA
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL SUCEDIDA. LICITAÇÃO. ART. 37, XXI DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DISPENSA DE LICITAÇÃO NÃO
CONFIGURADA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO CARACTERIZADA
PELA
NOTÓRIA
ESPECIALIZAÇÃO
DOS
PROFISSIONAIS
CONTRATADOS, COMPROVADA NOS AUTOS, ALIADA À CONFIANÇA
DA ADMINISTRAÇÃO POR ELES DESFRUTADA. PREVISÃO LEGAL. A
hipótese dos autos não é de dispensa de licitação, eis que não
caracterizado o requisito da emergência. Caracterização de situação na
qual há inviabilidade de competição e, logo, inexigibilidade de licitação. 2.
"Serviços técnicos profissionais especializados" são serviços que a
Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de
acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria,
Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos,
o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é
subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a
contratação de tais serviços procedimento regido, entre outros, pelo
princípio do julgamento objetivo é incompatível com a atribuição de
exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração
para a escolha do "trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à
plena satisfação do objeto do contrato" (cf. o § 1º do art. 25 da Lei
8.666/93). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória
especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso
concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na
qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os
profissionais contratados possuem notória especialização, comprovada nos
autos, além de desfrutarem da confiança da Administração. Ação Penal que
12
se julga improcedente. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006)
Vale também destacar, além da ementa do referido acórdão, parte do voto da
Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, que assim se pronuncia:
11
REsp 1.192.332 - RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 12/11/2013, DJe 19/12/2013.
12
AP 348, Relator (a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2006, DJe 072 DIVULG
02082007 PUBLIC 03082007 DJ 03082007 PP00030 EMENT VOL0228301 PP00058 LEXSTF v. 29,
n. 344, 2007, p. 305322).
62
Um dos princípios da Licitação, postos no art. 3º, é exatamente o do
julgamento objetivo. Não há como dar julgamento objetivo entre dois ou
mais advogados. De toda sorte, como verificar se um é melhor do o outro?
Cada pessoa advoga de um jeito. Não há como objetivar isso. Este é o
típico caso, como mencionou o Ministro Eros Grau, de inexigibilidade de
licitação – art. 25 c/c art. 13. (ROCHA).
Outra decisão importante sobre o tema é a do julgamento do habeas corpus
de nº 86.198, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence:
EMENTA: I. Habeas corpus: prescrição: ocorrência, no caso, tão somente
quanto ao primeiro dos aditamentos à denúncia (L. 8.666/93, art. 92),
ocorrido em 28.9.93. II. Alegação de nulidade da decisão que recebeu a
denúncia no Tribunal de Justiça do Paraná: questão que não cabe ser
analisada originariamente no Supremo Tribunal Federal e em relação à
qual, de resto, a instrução do pedido é deficiente. III. Habeas corpus: crimes
previstos nos artigos 89 e 92 da L. 8.666/93: falta de justa causa para a
ação penal, dada a inexigibilidade, no caso, de licitação para a contratação
de serviços de Advocacia. 1. A presença dos requisitos de notória
especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho a ser contratado,
que encontram respaldo da inequívoca prova documental trazida, permite
concluir, no caso, pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos
serviços de Advocacia. 2. Extrema dificuldade, de outro lado, da licitação de
serviços de Advocacia, dada a incompatibilidade com as limitações éticas e
legais que da profissão (L. 8.906/94, art. 34, IV; e Código de Ética e
13
Disciplina da OAB/1995, art. 7º). (PERTENCE, 2007).
[grifos do
pesquisador]
Recentemente, outro julgado corroborou o entendimento de ser possível a
inexigibilidade, quando preenchidos os requisitos da Lei e quando houver o
elemento confiança, impossível de aferir em processo licitatório:
EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. PARLAMENTAR
FEDERAL. DENÚNCIA OFERECIDA. ARTIGO 89, CAPUT E PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 8.666/93. ARTIGO 41 DO CPP. NÃO CONFORMIDADE
ENTRE OS FATOS DESCRITOS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA E O TIPO
PREVISTO NO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
(...)
3. O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização,
associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos
suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o
dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais
contratados possuíam notória especialização, comprovada nos autos, além
de desfrutarem da confiança da Administração. Ilegalidade inexistente. Fato
atípico.
13
HC 86198, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 17/04/2007,
DJe 047 DIVULG 28062007 PUBLIC 29062007 DJ 29062007 PP00058 EMENT VOL0228205
PP01033.
63
4. Não restou, igualmente, demonstrada a vontade livre e conscientemente
dirigida, por parte dos réus, a superar a necessidade de realização da
licitação. Pressupõe o tipo, além do necessário dolo simples (vontade
consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio
procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres
públicos por meio do afastamento indevido da licitação.
5. Ausentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não há
justa causa para a deflagração da ação penal em relação ao crime previsto
no art. 89 da Lei nº 8.666/93.
6. Acusação, ademais, improcedente (Lei nº 8.038/90, art. 6º, caput).
14
(TOFFOLI, 2012).
Por fim e mais importante, cita-se a decisão do Ministro Dias Toffoli,
acompanhada pelos demais membros daquela Corte, no Agravo de Instrumento nº
791.811 de São Paulo, que reconheceu a existência de Repercussão Geral sobre o
tema, com a seguinte ementa:
EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISCUSSÃO SOBRE A
POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE DETERMINADOS SERVIÇOS,
COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS. PRESENÇA DE
REPERCUSSÃO GERAL. O Tribunal reconheceu a existência de
repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencidos os
Ministros Celso de Melo, Cezar Peluso, Marco Aurélio e Ricardo
Lewandowski. Não se manifestaram as Ministras Cármen Lúcia e Ellen
15
Gracie. (TOFFOLI, 2010).
Como visto, o tema é de tamanha importância, e reconhecida a repercussão
geral sobre a matéria, isto é, os resultados do julgamento de mérito dessa questão
serão aplicados pelas instâncias inferiores em casos idênticos e somente em casos
de grande relevância jurídica, política, social ou econômica é que o Supremo
reconhece a repercussão geral.
Mas apesar da não decisão de mérito acerca do Recurso Extraordinário em
que se reconheceu a repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal proferiu
recentemente decisão, na qual estabelece os requisitos necessários para a
contratação de profissional pela Administração Pública em casos de notória
especialização do contratado. Confira-se:
14
Inq. 3077 / AL - ALAGOAS, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em
29/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 24/09/2012 PUBLIC 25/09/2012.
15
Ministro DIAS TOFFOLI Relator. (AI 791811 RG / SP - SÃO PAULO REPERCUSSÃO GERAL NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 16/09/2010, DJe-190
DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08/10/2010 EMENT VOL-02418-11 PP-02340 LEXSTF v. 32, n. 382,
2010, p. 98-104).
64
IMPUTAÇÃO DE CRIME DE INEXIGÊNCIA INDEVIDA DE LICITAÇÃO.
SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR FALTA DE
JUSTA CAUSA. A contratação direta de escritório de Advocacia, sem
licitação, deve observar os seguintes parâmetros: a) existência de
procedimento administrativo formal; b) notória especialização profissional; c)
natureza singular do serviço; d) demonstração da inadequação da
prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e) cobrança de
preço compatível com o praticado pelo mercado. Incontroversa a
especialidade do escritório de Advocacia, deve ser considerado singular o
serviço de retomada de concessão de saneamento básico do Município de
Joinville, diante das circunstâncias do caso concreto. Atendimento dos
demais pressupostos para a contratação direta. Denúncia rejeitada por falta
16
de justa causa. (SUPERMO TRIBUNAL FEDERAL, 2014). [grifos do
pesquisador]
Como visto, hoje, a jurisprudência tanto do STF quanto do STJ sobre a
questão caminha no mesmo sentido, só restando agora a solução definitiva quando
do julgamento do Recurso Extraordinário do Agravo acima referido, no qual se
reconheceu a existência de repercussão geral.
Vale também destacar que, em tempos nos quais o controle judicial penetra
até mesmo no mérito administrativo, a jurisprudência do STF ganha força como
fonte do Direito e ameniza o poder normativo dos Tribunais de Justiça e Tribunais de
Contas.
16
STF. Inq. 3074/SC. Relator Min. Roberto Barroso, Dje 02/10/2014.
65
8 CONCLUSÃO
Percebe-se que alguns Tribunais de Contas, órgãos do Poder Judiciário e,
principalmente, o Ministério Público enxergam com preconceito e pouca técnica
jurídica o tema e por meio de uma atividade persecutória tentam intimidar e punir
injustamente os bons prestadores de serviços dessa natureza, que são procurados
pela Administração Pública.
Destacamos, primeiramente, as palavras do advogado Floriano de Azevedo
Marques Neto em relação a esta ação persecutória de alguns membros dos órgãos
mencionados:
Tais iniciativas são movidas por três raciocínios, todos aviltantes à
profissão. Um, há a aversão à Advocacia liberação, autônoma e
independente. Nesta linha de pensar, são frequentes os posicionamentos
que querem interditar que o Estado contrate a prestação de serviços
jurídicos de profissionais que com ele não possuam vínculo empregatício ou
funcional. É o que chamo da ideologia da exclusividade da carreira pública,
que se adotada acabaria por impedir que a Administração conte em temas
específicos e complexos, com os melhores especialistas. Dois, há o viés de
desqualificar a Advocacia como um afazer impregnado do engenho e arte
profissional. É o que chamo de tentativa de redução da Advocacia a uma
prestação vulgar, um bem fungível, uma atividade sem maiores predicados.
Três, os mais ardilosos dos móveis, há a tendência ao processo de
retaliação contra a atuação do advogado. São cada vez mais comuns os
processos ajuizados por quem, atuando como parte numa ação civil pública
ou numa ação de improbidade, se depara com um profissional aguerrido e,
inconformado com a renhida demanda, retalha o profissional questionando
os fundamentos de sua contratação. São muitos os advogados consagrados
que, não obstante serem exemplo para os mais jovens vêm sendo
constrangidos a se defender em processos criminais ou em ações de
improbidade pela singela razão de terem aceitado prestar serviços para o
poder público. (NETO, 2007).
Em função desses fatores, muitos bons profissionais deixaram de contratar
com a Administração, que também deixou de procurar esses bons profissionais, com
receio de sofrer as consequências da contratação em hipóteses e situações que
sabem haver uma atuação exagerada do Ministério Público, ainda que sabidamente
admitidas pela legislação, o que acaba forçando o administrador público a abdicar
dos interesses que lhe são confiados, no enfraquecimento da sua defesa, fragilizada
pela
desproporção de
conhecimentos e
experiência
profissional de
seus
procuradores ou advogados em relação àqueles especialistas que litigam com o
Estado.
66
Não discordamos que a regra geral é o dever de a Administração Pública
sempre contratar por meio de procedimento licitatório, mas a própria Lei é que
estabelece os casos e os requisitos, para as situações em que a maior satisfação do
interesse público só é possível tornando a licitação inexigível.
Os requisitos dos artigos 13, V e c/c art. 25, II, ambos da Lei nº 8.666, de 21
de junho de 1993, se encaixam perfeitamente quando falamos da contratação de
serviços advocatícios.
Primeiramente, a inviabilidade de competição é facilmente percebida, pois
além do Código de Ética e do Estatuto da Advocacia proibirem e punirem a prática
de atos de mercantilização da Advocacia e de aviltamento dos honorários, os
serviços prestados pelos advogados são marcados pelo seu caráter intuito
personae, em função, sobretudo da confiança que permeia a relação do cliente e
advogado.
Citamos, aqui, novamente Marçal Justen Filho, que assim ensina:
O problema da inviabilidade de competição não é de natureza numérica,
mas se relaciona com a natureza da atividade a ser desenvolvida ou de
peculiaridade quanto à própria profissão desempenhada. (...). Existem
diversas alternativas, mas a natureza personalíssima da atuação do
particular impede julgamento objetivo. (JUSTEN FILHO, 2012).
Singulares são os serviços que, embora possam ser prestados por muitas
pessoas, são produzidos de maneira diferente, pois para a sua realização
contribuem as características pessoais do prestador. E uma característica da qual se
revestem os serviços de uma atividade personalíssima é a presença de um atributo
incomum na espécie, diferenciador, que inviabilize a comparação de modo objetivo.
Logo, o Direito sendo uma Ciência interpretativa, tendo os processos judiciais
e situações cotidianas administrativas vividas pelos entes públicos uma grande
quantidade e variedade de eventos imprevisíveis, decorrentes da ação humana e
confiança, chave-mestra das relações dessa natureza, fica clara a singularidade dos
serviços advocatícios.
O último elemento exigido pelos dispositivos legais supracitados é a notória
especialização, elemento de mais fácil comprovação, pois a Lei não deixa margem
para especulações. Esse requisito só pode ser entendido como sendo o
reconhecimento entre seus pares e no seu meio de atuação da capacidade do
67
profissional acerca de determinada matéria, ou seja, aquele que desfruta de
prestígio e reconhecimento no campo de sua atividade.
O Direito, ramo do conhecimento muito amplo, que possui várias divisões e
para a qual os profissionais são bastante especializados, tal comprovação se torna
fácil e deve ser verificada no caso concreto.
Citamos aqui os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:
A exceção da contratação direta com os profissionais de notória
especialização não afronta a moralidade administrativa, nem desfigura a
regra da licitação para os demais serviços. Antes a confirma. E atende não
só à necessidade, em certos casos, da obtenção de trabalhos altamente
exatos e confiáveis, que só determinados especialistas estão em condições
de realizar, como também habilita a Administração a obtê-los
imediatamente, sem as delongas naturais da licitação, e sem afastar
aqueles que, exatamente pelo seu renome, não se sujeitariam ao
procedimento competitivo entre colegas. (MEIRELLES, 2006).
Logo, se os particulares podem contratar os mais conceituados especialistas
para socorrê-los em assuntos de complexidade, o mesmo deve ser permitido para a
Administração Pública que, na sua atuação, deve sempre perseguir o atendimento
dos interesses de toda a sociedade.
Por todos os argumentos doutrinários, legais e jurisprudenciais acima
trabalhados, acompanhamos a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF),
órgão máximo da justiça que tem a última palavra sobre as questões judiciais, que,
conforme se verificará na decisão de mérito do recurso em que se reconheceu a
repercussão geral, é uníssona no sentido de que a contratação de serviços
advocatícios pela Administração Pública é o típico caso de Inexigibilidade de
Licitação.
68
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Forense, 2000.
BRASIL. Congresso Nacional. (1994) Lei nº 8.096, de 4 de julho de 1994, que
dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8906.htm>. Acesso em
15/02/2015.
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Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.
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Advogados pelo Poder Público. Revista Brasileira de Direito Público, v. 26, p. 0917, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, 3ª ed.
ver. e atual. São Paulo: Saraiva 2002.
MADEIRA, Hélcio Maciel França. História da Advocacia: origens da profissão de
advogado no direito romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Contratação Direta dos Serviços Advocatícios,
in O Contrato Administrativo, 2ª ed., [s/l]: Ed. América Jurídica, 2002.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Contratação de serviços técnicos com profissional ou
firma de notória especialização, in Revista de Direito Público nº 32.
69
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2003.
NETO, Floriano de Azevedo Marques. A singularidade da Advocacia e as ameaças
às prerrogativas profissionais, in Revista dos Advogados, São Paulo, 2007.
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada:
aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de
responsabilidade fiscal - legislação e jurisprudência atualizadas. 3. ed., com atos de
improbidade administrativa d. São Paulo: Atlas, 2007.
ROLLO, Alberto; ROLLO, Alexandre Luís Mendonça; CARVALHO, Fernando Lopes
de. O Advogado e a Administração Pública. 1ª. ed. Barueri, SP: Manole, 2003.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2014.
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