PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS Centro de Linguagem e Comunicação Faculdade de Letras OS MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E AS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: CONSTRUÇÕES E DESCONSTRUÇÕES DO FEMININO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Área: Ensino de Língua Materna Caroline Corrêa Ruiz RA: 11121027 Campinas, SP Novembro de 2014 1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS Centro de Linguagem e Comunicação Faculdade de Letras OS MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E AS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO: CONSTRUÇÕES E DESCONSTRUÇÕES DO FEMININO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Área: Ensino de Língua Materna Caroline Corrêa Ruiz RA: 11121027 Monografia apresentada como exigência do Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Letras: PortuguêsInglês, da Faculdade de Letras, do Centro de Linguagem e Comunicação, da PUC-Campinas, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Inês Ghilardi-Lucena. 2 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Roberta e Gercino, que estiveram ao meu lado, compreensivos e sempre me apoiando para que eu pudesse prosseguir com meus estudos e, enfim, chegar a esta etapa final. Ao meu namorado, Pedro, que em nenhum momento deixou de acreditar que eu fosse capaz, sempre me incentivando e me compreendendo nos momentos de dificuldade. À Profa. Dra. Mirian Faury, a qual me clareou em relação ao tema deste trabalho, sendo fonte de inspiração durante a Prática de Formação “Século XX – O século das Mulheres?”. À minha orientadora, Profa. Dra. Maria Inês Ghilardi Lucena, sem a qual este trabalho não seria possível. Às minhas professoras Karina Vicentin e Maria de Fátima Amarante, as quais me apoiaram e me iluminaram nesta fase final. Às minhas professoras de Literatura, Cássia dos Santos e Teresa de Moraes, as quais são modelos para mim e contribuíram enormemente para a minha formação como educadora e estudiosa da Literatura. Às minhas amigas Carolina, Gabriela e Isabellee aos meus amigos Edh e Fernando, os quais estiveram presentes, mesmo que alguns a distância, me ouvindo e me aconselhando nos momentos difíceis da etapa final de meus estudos. 3 Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir E ele e os outros me vêem. Quem escolheu este rosto para mim? (...) Poética, Ana Cristina Cesar 4 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 4, CA1, p.31 ............................................ 27 Figura 2 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 10, CA1, p.101 ........................................ 28 Figura 3 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA1, p.64 ........................................... 28 Figura 4 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 3, CA1, p.28 ........................................... 29 Figura 5 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA2, p.57 ........................................... 30 Figura 6 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 10, CA3, p.101 ....................................... 32 Figura 7 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 9, CA3, p.95 ........................................... 34 Figura 8 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 9, CA3, p.93 ........................................... 34 Figura9 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 10, CA3, p. 109 ....................................... 35 Figura 10 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 4, CA3, p.51 ......................................... 36 Figura 11 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA4, p.10 ......................................... 37 Figura 12 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA5, p.11 ......................................... 38 Figura 13 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA5, p.07 ......................................... 39 Figura 14 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p. 71 ........................................ 39 Figura 15 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p. 71 ........................................ 40 5 Figura 16 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p. 72 .........................................40 Figura 17 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 6, CA5, p.62 ......................................... 41 Figura 18 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p.75 ......................................... 42 Figura 19 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 4, CA5, p. 35 ........................................ 43 Figura 20 – Ilustração, Situação de Aprendizagem 3, CA6, p.29 ......................................... 44 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 8 CAPÍTULO I – LÍNGUA, LINGUAGEM E DISCURSO: O TRIPÉ DA (DES)CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO............................................................................. 10 1.1. O ensino de língua materna, o livro didático de língua portuguesa e seus desdobramentos .............................................................................................................. 10 1.2. Língua, linguagem e discurso: (re)construindo sentidos ............................................ 14 CAPÍTULO II – O GÊNERO FEMININO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ............... 19 CAPÍTULO III – AS REPRESENTAÇÕES DO FEMININO EM MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA ...................................................................................................... 26 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 46 7 INTRODUÇÃO Quando se pensa em educação escolar não se trata apenas da apreensão de conteúdos das diversas áreas do conhecimento, trata-se, também, se não principalmente, da formação cidadã dos sujeitos. Isso inclui diversos aspectos, desde um despertar de uma consciência ética e crítica até o combate de estereótipos, discriminações e preconceitos sociais, interessando a este trabalho as questões que envolvem o gênero feminino. As mulheres seguem em uma luta histórica por espaço social, reconhecimento e reconstrução de sua imagem. Muito já foi conquistado, no entanto, em pleno século XXI, muito ainda está por ser alcançado, comoo respeito ao corpo e à sexualidade feminina, o combate à violência contra a mulher e à dominação masculina, seja nas esferas do lar ou do mercado de trabalho, espaço social em que mulheres ainda recebem salários inferiores aos dos homens. Sendo a educação um dos principais pilares da constituição do sujeito e o espaço de maior número de mulheres atuando profissionalmente, é indispensável que as instituições de ensino reflitam as construções de gênero e procure combater as desigualdades entre homens e mulheres. Para tanto, é importante pensar não só na formação e atuação dos profissionais em sala de aula, mas também nos materiais didáticos que adentram as escolas, uma vez que esses também têm o poder de moldar e influenciar o caráter de alunos e alunas. Essa é, portanto, a preocupação que estimulou a realização deste trabalho. O foco desta pesquisa está no ensino de língua materna – português – visto que as representações de gênero são construídas principalmente por intermédio da língua, da linguagem e do discurso, as quais são, por vezes, estereotipadas, discriminatórias e preconceituosas ao se tratar do feminino. Dessa forma, fica evidente a necessidade de a disciplina de Língua Portuguesa, assim como a escola em sua completude, fomentar o debate para a conscientização social dos alunos em relação ao sexismo. Posto isso, um olhar atento aos materiais didáticos utilizados em sala de aula faz-se necessário, uma vez que esses podem constituir-se de ideologias e discursos preconceituosos que servirão de reforço às práticas que devem ser combatidas. Entre os materiais didáticos utilizados nas escolas, este trabalho direciona sua atenção aos “Cadernos do Aluno” de Língua Portuguesae Literatura, volumes 1 e 2,edição 2014-2017, destinados às1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio, material que adveio após a nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo de 2008, a qual tem o intuito de promover as competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e profissionais do mundo contemporâneo. Esse material é de caráter obrigatório nas salas de 8 aula do Estado de São Paulo, contendo, no caso dos de língua portuguesa, exercícios, breves explicações de conteúdos da disciplina, textos literários ou não (fragmentados ou completos), imagens etc. A escolha do “Caderno do Aluno” de Língua Portuguesa e Literatura como corpus para este trabalho se deu porque, desconsiderando, por um momento, se a qualidade desse material como um todo é satisfatória ou não, mesmo alguns professores e/ou instituições escolares optando por não realizarum trabalho sistemático com eleem sala de aula, esse material é entregue a todos os alunos matriculados nas escolas do estado, o que conduz ao entendimento de que os alunos podem se valer dessa leitura a qualquer momento, tornando esse Caderno possível formador de opinião. Sendo assim, isso atesta parauma urgência em análises sobre essematerial, em diversas instâncias, tendo sido escolhidas para esta pesquisa as análises sobre como o gênero feminino vem sendo representado, como se dão essas construções e como iniciar um processo de desconstrução das imagens que possam apresentar algum preconceito. A escolha do nível de escolaridade a que se destina o Caderno do Aluno – Ensino Médio – se deu pelas diversas possibilidades de diálogo e temáticas que podem ser debatidas, uma vez que os alunos, nessa idade, apresentam diversos questionamentos acerca do tema sexualidade. Os materiais que serão analisados podem apresentar tanto aspectos negativos quanto positivos e, para ambos os casos, esta pesquisa pretende apontar para um olhar atento e crítico por parte dos educadores, assim como a postura mais adequada que esses profissionais devem adotar para que a oportunidade de diálogo e construção de um cidadão crítico não se dissolva. Para o desenvolvimento deste trabalho, entende-se como necessária uma contextualização, mesmo que breve, sobre o ensino de língua materna e dos materiais didáticos da área, considerando a consolidação de ambos no ensino brasileiro. Além disso, as análisesse fundamentarão nos estudos da Análise do Discurso de linha francesa, a qual se preocupa em estudar a língua enquanto produtora de sentidos, analisando os textos – materialização dos discursos – os quais estão imersos em ideologias, e os estudos de Gênero, procurando conceituar o termo e situá-lo historicamente. Posto isso, este trabalho pretende lançar luz a um ensino de língua portuguesa humanizador e questionador, o qual possa explorar as representações sociais do gênero feminino que prestam um desfavor à luta pela equidade entre os gêneros e ao respeito ao feminino e, no caso de propostas que beneficiam a causa, que essas sejam bem aproveitadas, além de propor uma desconstrução dos estereótipos, discriminações e preconceitos veiculados nas escolas por meio dos materiais didáticos da área a fim 9 decombater as relações de poder entre o sexo feminino e o masculino, em que o último, geralmente, exerce dominação sobre o primeiro. 1. LÍNGUA, LINGUAGEM E DISCURSO: O TRIPÉ DA (DES)CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO Considerando o tripécomposto pela língua, a qual consiste em um código, um conjunto organizado de elementos,pela linguagem, que corresponde ao ato de comunicação que ocorre por intermédio da língua, e pelo discurso, o qual se constrói por meio da língua e se propaga através da linguagem, tem-se uma relação de interdependência em que esses três elementos se sustentam e se complementam construindo e reforçando as relações de poder existentes entre os gêneros masculino e feminino. Por outro lado, é também por intermédio desse mesmo tripé que se poderão inverter essas relações em busca da equidade entre homens e mulheres. Dito isso, conceberesses três elementos é de extrema importância para a análise que segue, uma vez que são esses os principais responsáveis pelas construções das representações de gênero, assim como poderão ser eles utilizados para a inversão de valores, principalmente dentro das escolas e nos materiais didáticos utilizados, interessando, neste caso,o ensino de língua materna. Sendo assim, éde grande importância apresentar considerações sobre como essa área do conhecimento se consolidou, assim como o uso de materiais didáticos, e como a língua, a linguagem e o discurso estão interligados na construção de sentidos. 1.1 O ensino de língua materna, o livro didático de língua portuguesa e seus desdobramentos. Pensar o ensino de língua materna atual requer, mesmo que brevemente, algumas considerações acerca de sua historicidade, pois, apesar de essa ser umadas disciplinas de maior número de aulas nas escolas, sua inserçãocomo disciplina curricular estabeleceu-se um tanto tardiamente, entrando para o currículo escolar apenas nas últimas décadas do século XIX. Segundo Soares (2004), a língua portuguesa não só estava ausente do currículo escolar como também da esfera social, uma vez que três línguas conviviam no Brasil nos primeiros anos de existência do país: o português (trazido pelos colonizadores e não dominante entre as línguas faladas), a língua geral (instituída particularmente por José de 10 Anchieta, a qual recobria as línguas indígenas faladas no país e era a ferramenta de evangelizaçãoutilizada pelos jesuítas) e o latim (utilizado em todo o ensino secundário e superior dos jesuítas). O português, em meados do século XVII e XVIII, era a língua utilizada na escola para se aprender a ler e escrever, ou seja, a língua portuguesa era utilizada como instrumento de alfabetização, sendo importante destacar que tal oportunidade restringia-se a poucas crianças privilegiadas do sexo masculino. Superando-se a etapa de alfabetização, a continuação dos estudos no ensino secundário e superior ocorria através do latim, em que se estudava a gramática e a retórica. Com a Reforma de Estudos instituída em Portugal pelo Marquês de Pombal nos anos 50 do século XVIII, em que tornava obrigatório o uso da língua portuguesa no Brasil e proibia o uso de qualquer outra língua, institucionalizou-se o ensino de português, o qual também acontecia através das disciplinas de gramática e retórica, adicionando o estudo da poética e permanecendo o ensino da gramática latina. Só então, no final do Império, instituiu-se a disciplina Língua Portuguesa, a qual abrangia os conteúdos de gramática, retórica e poética(conhecida atualmente como Literatura). Ainda assim, o acesso à educação continuou sendo um privilégio para os filhos das elites, o que só veio a modificar-se no século XX, mais precisamente na década de 1960. De acordo com Bunzen e Rojo (2008), essa modificação educacional ocorreu devido à democratização do acesso da população à escola pública, alterando o perfil econômico e cultural dos alunos e dos professores, de tal forma que a escola passou a ser um ambiente também destinado às camadas populares da sociedade. É com esse salto importante que deu a educação, que convém, agora, falar sobre o livro didático (LD), apresentando um breve panorama de seu desenvolvimento histórico, uma vez que foi devido a essa transformação no ensino que os livros didáticos de fato adentraram as salas de aula. Com a intensa mudança no cenário educacional, o LD assumiu um papel bastante diferente, tornando-se não só um norteador das aulas como também um facilitador do ensino-aprendizagem, uma vez que o crescente aumento de alunos nas escolas resultou em sérias modificações em relação aos profissionais que assumiam essa área e suas condições de trabalho. De acordo com Soares (2004, p.167), a necessidade de recrutamento mais amplo e menos seletivo de professores, já anteriormente mencionado, resultado da multiplicação de alunos, vai conduzindo o rebaixamento salarial e, consequentemente, a precárias condições de trabalho, o que obriga professores a buscar estratégias de facilitação de sua atividade 11 docente – uma delas é transferir ao livro didático a tarefa de preparar aulas e exercícios. Sendo assim, o LD passa a ser um instrumento fundamental nas salas de aula, uma vez que, além de ser um suporte de orientação para o professor, proporcionando apoio e segurança ao sistematizar os conteúdos que devem ser aplicados, também é um instrumento que propicia autonomia de estudo para os alunos, os quais podem utilizá-lo no processo de construção do conhecimento fora da sala de aula. Tratando-se especificamente dos livros didáticos de Língua Portuguesa (LDP), é importante citar que, anteriormente, o ensino de língua materna era feito por meio de cartilhas e livros de leitura nas primeiras séries, e através de antologias, gramáticas e manuais de retórica e poética nas séries mais avançadas.Segundo Bunzen e Rojo (2008), foi por intermédio das mudanças educacionais da época da ditadura e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e da Lei 5692/71, a qual determinou que a língua portuguesa fosse uma ferramenta de comunicação e expressão da cultura brasileira, que o LDP veio a tornar-se o modelo que se conhece atualmente. O breve percurso histórico realizado até aqui se faz necessário para que se entenda que a necessidade das modificações ocorridas no ensino de língua materna decorreu das mudanças na sociedade e de seu novo público escolar, além das demandas sociais que se alteraram no transcorrer do tempo. Portanto, hoje, o ensino de português está substancialmente vinculado à formação do indivíduo e ao entendimento de mundo que se pretende despertar no aluno, o que vem a justificar novos projetos educacionais como a “Proposta Curricular do Estado de São Paulo” (2008, p.8), a qual pretende que a escola seja capaz depromover as competências indispensáveisao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e profissionais do mundo contemporâneo. (...) Priorizando a competência de leitura e escrita, esta proposta define a escola como espaço de cultura e de articulação de competências e conteúdos disciplinares. Em relação à Disciplina de Língua Portuguesa direcionada ao Ensino Fundamental II e Médio, é importante mencionar que a nova proposta curricular do estado, pautada nos “Parâmetros Curriculares Nacionais” (PCN), propõe o ensino de língua portuguesa e literatura atrelado ao estudo do homem em sociedade, atestando a importância do letramento e a compreensão da enunciação como eixo central de todo o sistema linguístico. Em conjunto a essa nova proposição estadual surgiram os“Cadernos do Professor”, em que são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho docente no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Posteriormente, em 2009, complementares 12 aos “Cadernos do Professor”,surgiram os“Cadernos do Aluno”, de caráter obrigatório nas salas de aula do Estado de São Paulo e os quais consistem em material de análise desta pesquisa, contendo, no caso dos de língua portuguesa, exercícios, breves explicações de conteúdos da disciplina, textos literários ou não (fragmentados ou completos), imagensetc. Considera-se a afirmação de Fiscarelli (2007, p.2) de que o conjunto de saberes, valores e significados construídos em torno de um objeto é que o faz tornar-se útil ao processo de ensino-aprendizagem, transformando-o em um material didático, e que esses saberes criam “regimes de verdade” dominantes, capazes de orientar nossa visão e pensamento sobre “como” ensinar. Pensando além, pode-se afirmar que os materiais didáticos utilizados em sala de aula também podem orientar a visão dos alunos sobre “como” e “o que” aprender, de forma que os discursos disseminados nesses materiais podem ser assumidos como verdades. Percebe-se, então, que, assim como os LDP, os “Cadernos do Aluno” estabelecem uma relação profunda com o ensino de português, uma vez que estão veiculados a valores, posições ideológicas, visões de língua e de ensino, desempenhando um papel fundamental na construção do saber. Dessa forma, convém fazer algumas ponderações sobre a concepção de língua que se tem atualmente, considerandoteóricos já aqui mencionados, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa e os PCN voltados ao Ensino Médio, documentos oficiais destinados à educação. Segundo a “Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa” (2008, p.38), “o ser humano é um ser de linguagens, as quais são tanto meios de produção da cultura quanto parte fundamental da cultura humana”. Sendo assim, a língua surge como ferramenta de construção e legitimação do eu e do nós, sendo tecida e articulada para a produção de sentidos. Dialogando com a concepção mencionada acima,os PCN do Ensino Médio (2000)atestam a língua como ferramenta de expressão e comunicação, um instrumento comunicacional de construção e desconstrução de significados sociais, a qual nunca pode estar separada do contexto social vivido. Ainda, ao longo da leitura do documento, percebese que a língua não é só afirmada como um recurso que serve à comunicação, mas também como enunciação, considerando a linguagem em uma perspectiva discursiva. Segundo Soares (2004, p.173), a análise do discurso, teoria que será discorrida adiante neste trabalho, foi uma influência fundamental para essa nova concepção de língua, incluindo as “relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização”. 13 Dito isso e considerando que é por meio da língua materna que a sociedade brasileira se comunica e se representa e que, tal como afirma Carneiro (2001), ela adquiriu uma nova função, a de língua de cultura, em que se obtêm novos conhecimentos e se aprende a pensar criticamente a realidade, fica evidente a necessidade de a disciplina de Língua Portuguesa, assim como a escola em sua completude, fomentar o debate para a conscientização social dos alunos em relação ao preconceito e à discriminação de qualquer espécie, interessando a esta pesquisa o sexismo e as questões que envolvem o gênero feminino. Portanto, um olhar atento aos materiais didáticos utilizados em sala de aula tornase indispensável, uma vez que esses podem constituir-se de ideologias e discursos preconceituosos que servirão de reforço às práticas que devem ser combatidas, como as tais já mencionadas. Quando bem elaborados, devem ser bem aproveitados pelos educadores para que a oportunidade de diálogo e construção de um cidadão crítico não se dissolva. 1.2. Língua, linguagem e discurso: (re)construindo sentidos. Este trabalho fundamenta-se, principalmente, pelos estudos de gênero e pela Análise do Discurso (AD)de linha francesa, a qual se pretende discorrer neste capítulo buscando-se elucidar sobre alguns conceitos-chave que nortearão a análiseque será feita posteriormente. A AD caracteriza-se pelo estudo do discurso, considerando a língua no seu uso efetivo e com maneiras de significar, atentando-se para a produção dos sentidos e situandoos no tempo e espaço da prática discursiva. É importante dizer que é por meio de textos (orais, escritos ou imagéticos), os quais serão denominados como enunciados, que se materializam os discursos, sendo por meio dessa materialização que se viabiliza a prática de análise discursiva. Se a linguagem é o meio utilizado para que os seres humanos dialoguem entre si, para que se apresentem e representem o outro e o mundo em que vivem, também é verdade que não há apresentação e representação que não esteja imbuída em sentidos, isto é, não há linguagem sem discurso, sendo esse entendido, segundo Brandão (2014, p. 2), “como toda atividade comunicativa entre interlocutores; atividade produtora de sentidos que se dá na interação entre falantes”. Considerando que os falantes – sujeitos – estão inseridos em um dado momento histórico, espaço geográfico e carregam crenças, valores culturais, sociais e ideológicos da comunidade em que vivem e tampouco é a linguagem transparente e homogênea, nota-se que não há discurso neutro, “todo discurso produz sentidos que expressam as posições 14 sociais, culturais e ideológicas dos sujeitos da linguagem” (BRANDÃO, 2014, p. 3), e ainda, “como diz M. Pêcheux (1975), não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido” (ORLANDI, 2012, p. 17). Sendo o sujeito constituído pela ideologia, chega-se a um dos conceitos fundamentais para a AD, o qual corresponde às condições de produção, definidas como o conjunto de elementos que circunscrevem a produção de um discurso, considerando o contexto histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde falam, a imagem que fazem de si, do outro e do assunto tratado no momento da enunciação. Desse modo, o discurso é o lugar onde as ideologias dos sujeitos enunciadores materializam-se, o que leva a outro conceitoindispensável à AD, o de formação imaginária, a qual corresponde às representações ou imagens que os falantes têm de si mesmos, dos interlocutores e do assunto abordado. Segundo Brandão (2014, p. 7), “o discurso é o espaço em que saber e poder se unem, se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito que lhe é reconhecido socialmente”. O que dá significado ao que é dito são as posições ideológicas do sujeito que fala, o que direciona ao conceito de formação discursiva, a qual, de acordo com Orlandi (2012), determina o que pode e deve ser dito de acordo com uma formação ideológica dada, a qual consiste na posição do sujeito em uma determinada conjuntura sócio-histórica. Desse modo, nota-se a profunda ligação entre ideologia e discurso, pois o discurso só tem sentido porque o sujeito que fala se escreve em uma ou mais formações discursivas, as quais representam uma formação ideológica. Para a AD, a interpretação é uma ação indispensável, uma vez que será a partir dela que se construirão os sentidos, os quais podem ser múltiplos, mas não infinitos. Tais interpretações estarão sujeitas e serão influenciadas, também, pelas posições ideológicas dos sujeitos que interpretam. Segundo Orlandi (2012, p. 45), o fato de que não há sentido sem interpretação, atesta a presença da ideologia. Não há sentido sem interpretação e, além disso, diante de qualquer objeto simbólico o homem é levado a interpretar, colocando-se diante da questão: o que isto quer dizer? Em relação ao discurso, também se faz importante a menção ao seu caráter dialógico, isto é, considerar que sempre que se fala se tem um interlocutor em mente e, também, que todo discurso tem um efeito polifônico –outras vozes se fazem presentes –e se constrói em uma rede interdiscursiva, ou seja, um discurso é, muitas vezes, constituído por outros discursos, apontando, então, para outro conceito chave da AD, o interdiscurso. 15 O interdiscurso se caracteriza pela memória discursiva, denominada por Orlandi (2012, p. 31) como “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retoma sob a forma do pre-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”. Dessa forma, o interdiscurso corresponde àsformulações esquecidasas quais determinam o dizer imediato, ou seja, são discursos que precisam cair no esquecimento e no anonimato para que, então, passem a fazer sentido nas palavras do outro. Posto isso, é interessante refletir acerca da falácia do pensamento do sujeito ao considerar-se dono do seu próprio dizer, sendo que o que é dito é determinado pela formação discursiva a que se inscreve o sujeito e, por sua vez, a uma dada formação ideológica. Nesse caso, fala-se em assujeitamento, isto é, o sujeito se engana ao pensar que é senhor de sua própria vontade quando, na verdade, é interpelado e influenciado por uma dada ideologia e impelido pela língua. Ou, tal como afirma Mussalim (2012, p. 157), ao conceberem o sujeito como interpelado pela ideologia, não deixam de concebêlo também como um sujeito inconsciente. Os esquecimentos 1 e 2 de que tratam Pêcheux e Fuchs (1975/1990) são uma evidência disso. O sujeito se ilude duplamente: a) por “esquecer-se” de que ele mesmo é assujeitado pela formação discursiva em que está inserido ao enunciar (esquecimento n. 1); b) por crer que tem plena consciência do que diz e que por isso pode controlar os sentidos de seu discurso (esquecimento n. 2). Esses dois esquecimentos de que se fala, segundo Mussalim (2012),estão alicerçados ao assujeitamento ideológico, ou interpelação ideológica, o qual consiste em fazer com que cada indivíduo, sem que ele esteja consciente disso, pelo contrário, fazendo com que ele tenha a sensação de que é senhor de sua própria vontade, seja condicionado a ocupar seu lugar, a identificar-se ideologicamente com grupos ou classes de uma determinada formação social. Sendo assim, tal ponderação requeruma reflexão acerca da não literalidade da língua, pois, enquanto na concepção linguística imanente, segundo Orlandi (2012, p. 51-52), o sentido literal é aquele que uma palavra tem independentemente de seu contexto de uso, para a AD, esse sentido é “produto histórico, efeito de discurso que sofre as determinações dos modos de assujeitamento das diferentes formas-sujeito na sua historicidade e em relação às diferentes formas de poder”. Por outro lado, essa posição não exclui o caráter formal da língua, isto é, embora a AD considere a língua enquanto produção em determinadas circunstâncias históricas e sociais, não quer dizer que para ela a linguagem não apresente também um caráter formal, como apontava o próprio Pêcheux (1975/1988), ao afirmar que existe uma base linguística regida por leis internas (conjunto de regras fonológicas, morfológicas, sintáticas) sobre a qual se constituem os efeitos de sentido. (MUSSALIM, 2012, p. 123) 16 Agora, fazem-se necessáriasalgumas considerações acerca dos ditos e dos não ditos do discurso. Para a AD, os sentidos não emergem apenas do que é dito, mas também do não-dizer, ou seja, os significados podem ser construídos nas entrelinhas, naquilo que não está explícito no ato enunciativo. Esses não ditos, de acordo com Brandão (2014, p.3), podem ocorrer porque o sujeito enunciador não quer deixar claro certos sentidos, ou porque a situação não o permite dizer exatamente o que pensa ou ainda porque o falante não quer se responsabilizar por tais significados, “deixando por conta do interlocutor o trabalho de construir, buscar os sentidos implícitos, subentendidos”. Desse modo, os implícitos podem adquirir diferentes formas de não-dizer, entre elas o pressuposto, que é marcado linguisticamente, e o subentendido, o qual se dá através do contexto. Tais concepções se fazem mais claras com o exemplo do seguinte enunciado: “Durante a Era Vargas as mulheres brasileiras passaram a ter direito ao voto”. A partir desse enunciado, pressupõe-se que, anteriormente, as mulheres brasileiras não tinham direito ao voto, caso contrário não seria necessária a demarcação temporal e tampouco a locução verbal “passou a ter”, o que atesta para o não dito marcado na linguagem. Por outro lado, pode-se subentender, levando em consideração o contexto histórico-social, que o direito feminino ao voto foi uma conquista resultante da luta feminista pela participação política das mulheres. Portanto, através da AD, pode-se atestar que “a relação com a linguagem não é jamais inocente, não é uma relação com as evidências e poderá se situar face à articulação do simbólico com o político” (ORLANDI, 2012, p. 95), isto é, a linguagem se constrói através de sentidos, os quais dialogam com as formações ideológicas e discursivas dos sujeitos, de tal forma que é através dos discursos, os quais se materializam por intermédio da língua e da linguagem, que se estabelecem as relações de poder, ou seja, relações em que um sujeito deseja algo que depende da vontade de outro, o que estabelece uma relação de dependência e, por conseguinte, uma relação desigual em que quanto maior a dependência de um sujeito A em relação a um sujeito B, maior será a dominação e o poder do sujeito B em relação ao outro. Dessa forma, estabelecem-se as relações de poder que vigoram na sociedade, em que grupos sobrepujam outros grupos, tal como o sexo masculino, na maioria das vezes, exerce dominação sobre o sexo feminino. Segundo Confortin (2003), todos os estudos, desde os primórdios da humanidade, mostram que há um dominante e um dominado, sendo mais evidente a dominação masculina.Nesse caso, é necessário refletir sobre o processo de interdição de que fala o filósofo Michel Foucault. 17 A interdição se dá por três tipos: o fato de que o sujeito não pode dizer tudo o que quer (tabu do objeto), que ele não pode falar tudo em qualquer momento (ritual da circunstância) e que não é qualquer sujeito que pode falar qualquer coisa (direito privilegiado ou exclusivo do sujeito), conceitos que remetem às formações discursivas de que trata a AD.Faz-se interessante considerar a afirmação do teórico de que as questões mais afetadas pelo tripé da interdição, atualmente, são as da sexualidade e da política, sendo de caráter extremamente relevante a este trabalho a primeira questão. Segundo Foucault (2011, p. 910), o discurso, longe de ser um elemento transparente ou neutro no qual a sexualidade se derrama, é um dos lugares onde ela exerce, de modo privilegiado, alguns de seus mais temíveis poderes. Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. (...) o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos mostrar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. Ainda em relação às relações de poder, pode-se dizer, também, que são elas todas as relações que envolvem o ser humano, ou seja, as relações de poder consistem nas relações em que um indivíduo tenta dirigir a conduta do outro, o que também se verifica nas relações entre o grupo masculino versus o grupo feminino, em que existe uma ideia social de superioridade do primeiro pelo segundo. É convenientemencionar que as relações de poder são, também, relações móveis, isto é, que podem alterar-se de tal forma que mesmo que um grupo esteja exercendo poder sobre o outro esses papéis podem inverter-se. De acordo com Foucault (apud MARINHO, 2008, s.p.), ninguém propriamente dito é dono do poder, no entanto, “ele sempre se exerce em certa direção, com uns de um lado e os outros do outro; não se sabe quem o tem exatamente; mas sabe-se quem não o tem”, o que atesta para o estado horizontal do poder, o qual todos podem exercê-lo em um dado momento. Dessa forma, o poder não é visto como uma entidade, mas como uma força que se estabelece só e por meio das relações humanas, as quais são geridas pela linguagem, uma vez que, segundo Barthes (1978, p.12), o “objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é: a linguagem – ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua”, na qual o teórico citado afirma que não se nota a presença do poder por essa funcionar por meio de classificações, uma vez que toda classificação se caracteriza como opressora. Portanto, no caso desta pesquisa, a língua, a linguagem e o discurso constituem um tripé fundamental para entender como se constroem as relações de desigualdade entre os 18 gêneros masculino e feminino, assim como seus estereótipos, discriminações e preconceitos, os quais podem ser desconstruídos, principalmente considerando a mobilidade imanente às relações de poder e essas três unidades da comunicação que conduzem o ensino de língua materna nas escolas. 2. O GÊNERO FEMININO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Para uma análise das representações do gênero feminino em materiais didáticos, também se faz necessária uma apresentação decomo se deu a construção da concepção de gênero e seus desdobramentos no decorrer do tempo. É preciso, ainda, discorrer, mesmo que brevemente, sobre o caminho que tem sido percorrido pelas mulheres nas esferas sociais, principalmente na educação. Portanto, este capítulo constitui-se dessas e outras ponderações que se fizerem necessárias e surgirem ao longo desta escrita. O vocábulo gênero abarca diversos significados, podendo ser atribuído a diferentes áreas do conhecimento, como em biologia, para designar espécies, por exemplo, e na gramática, para classificar as palavras em femininas ou masculinas. Para Scott (1995, p.72), “as classificações sugerem uma relação entre categorias que torna possível distinções ou agrupamentos separados”. Posto isso, foi da gramática que se emprestou o termo gênero que será tratado pelas ciências humanas e sociais (olhares que interessam a este trabalho), as quais se referem ao gênero como elaboração cultural das concepções de masculinidade e feminilidade a partir das diferenças sexuais. Os movimentos feministas tiveram um papel fundamental na inserção do conceito de gênero na sociedade. Segundo Louro (1997, p. 21), foi “através das feministas anglo-saxãs que gender passa a ser usado como distinto de sex”. Desse modo, buscava-se ir contra o determinismo biológico que atestava o que era ser e não ser mulher através da diferença sexual para, então, acentuar o caráter social das diferenças baseadas no sexo. As visões de feminino e masculino disseminadas socialmente – entre elas que a mulher deve ser delicada, ter o dom da maternidade e saber cuidar de uma casa, enquanto os homens não podem chorar e não devem desempenhar funções delegadas à mulher, como ser cabeleireiro, pois isso atestaria para falta de masculinidade e homossexualismo – não se constituíram por acaso. Essas construções sãocriações baseadas nas relações sociais, ou seja, são construções culturais de ideias sobre os papéis adequados a homens e mulheres a depender do contexto histórico-social a que pertencem. Sendo assim, o gênero é constituinte da identidade do sujeito, a qual não está necessariamente ligada ao sexo ou à sexualidade do indivíduo. De acordo com Louro (1997, p. 28), é possível 19 pensar as identidades de gênero de modo semelhante: elas também estão continuamente se construindo e se transformando. Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos ou femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo. Dessa forma, a identidade de gênero, assim como os papéis atribuídos a homens e mulheres, requer reflexão aprofundada sobre como são construídos socialmente esses significados, uma vez que “sem significado, não há experiência; sem processo de significação, não há significado” (SCOTT, 1995, p. 82). As concepções de feminino e masculino, as quais, em geral, são construídas por intermédio da língua e reforçadas pela linguagem, explicita e implicitamente, assim como os diferentes papéis sociais destinados a homens e mulheres, são também evocados por representações simbólicas, como Eva e Maria, através das interpretações desses símbolos construídas com base em conceitos normativos resultantes não de um consenso social e sim de conflitos. Tais interpretações, segundo Scott (1995), tentam limitar e conter as possibilidades metafóricas dos significados dessas representações, resultando em um modelo, inclusive único, a ser seguido. Esses modos de conceber o feminino e o masculino e os papéis de cada gênero são fortificados nas instituições religiosas, midiáticas, científicas, políticas e educacionais, portanto, se faz importante um olhar esclarecedor dentro desses espaços para combater tais concepções e promover uma visão desconstrutivista dos modelos de gênero. As representações do feminino e masculino são também, quase sempre, construídas com base em estereótipos, discriminações e preconceitos, sendo necessário, mesmo que brevemente, esclarecer esses conceitos que, por sinal, estão intimamente interligados. Considerando as definições contidas no “Dicionário Aurélio” (2010), pode-se entender estereótipocomo toda crença coletivamente compartilhada acerca de algum atributo, característica ou traço psicológico, moral ou físico, atribuído a uma situação, acontecimento, pessoa, raça, classe ou grupo social. Os estereótipos se fundamentam, usualmente, com base em características externas, como aparência, vestimenta, condição financeira, comportamentos, sexualidade etc, assumindo-se como verdades. Por outro lado, a discriminação está atrelada ao ato de distinguir – estabelecer diferenças, sejam elas sexuais, raciais, religiosas, entre outras – e até mesmo à ação de segregar, tratando um indivíduo ou grupo de forma diferente, podendo levar à exclusão social. A ação de discriminar pode conduzir ao preconceito, o qual consiste em um juízo de valor preconcebido, geralmente manifestado na forma de uma atitude discriminatória. 20 Posto isso, convém destacar que o conceito de gêneroatesta para a dicotomia homem e mulher, quer dizer, “sugere que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens” (SCOTT, 1995, p. 75), enfatizando que o mundo das mulheres é também o mundo dos homens. Por outro lado, essa “oposição binária masculino-feminino” é o que gera, a seu modo, a “lógica invariável de dominaçãosubmissão” em que marca a superioridade do masculino sobre o feminino, a qual deve ser combatida, embora não seja uma tarefa simples, pois cada gênero, ainda que conserve suas especificidades, não é singular, mas plural, “internamente fraturado e dividido”. Para Louro (1997, p.31), desconstruir a polaridade rígida dos gêneros, então, significaria problematizar tanto a oposição entre eles quanto a unidade interna de cada um. Implicaria observar que o pólo masculino contém o feminino (de modo desviado, postergado, reprimido) e viceversa; implicaria também perceber que cada um desses pólos é internamente fragmentado e dividido (...). A ideia da dicotomia masculino-feminino constitui um problema para a luta feminista, uma vez que essa perspectiva sugere a derivação do segundo elemento pelo primeiro, ou seja, o feminino, então, derivaria do masculino, o que acarreta à mulher uma posição consequente e inflexível, como se houvesse um lugar fixo para cada gênero. Na verdade, dicotomizar homens e mulheres é um tanto quanto generalizante, sendo que entre as mulheres, por exemplo, existem as diferenciações de raça, religião, classe social etc. Ou seja, as dicotomias se dão não só entre os pólos, mas também no interior de cada um deles. Portanto, desconstruir esses opostos da forma como são colocados, sempre apontando para uma extremidade dominante e outra dominada, é uma forma de combater preconceitos e promover a diversidade, tal como aponta Louro (1997, p. 34): Uma das consequências mais significativas da desconstrução dessa oposição binária reside na possibilidade que abre para que se compreendam e incluam as diferentes formas de masculinidade e feminilidade que se constituem socialmente. A concepção dos gêneros como se produzindo dentro de uma lógica dicotômica implica um pólo que se contrapõe a outro (portanto uma idéia singular de masculinidade e de feminilidade), e isso supõe ignorar ou negar todos os sujeitos sociais que não se “enquadram” em uma dessas formas. Há um consenso de que, quase majoritariamente, o gênero feminino é socialmente considerado inferior ao masculino, não só pelas representações sociais que se faz da mulher, mas também por ela ter sidoconsiderada, por muitos anos, pelas ciências médicas e biológicas, como portadora de um corpo doente. Segundo Senkevics e Polidoro (2012, p. 17) 21 as diferenças anatômicas entre homens e mulheres justificavam uma suposta inferioridade feminina, e mesmo os estudos sobre os gametas (que atestavam o espermatozóide como ativo, ágil e forte, e o óvulo como passivo, à espera de um espermatozóide) resultavam em interpretações acerca do homem e da mulher (Fernandes, 2009; Keller, 2006). Como bem observa Rohden (2003), a visão predominante apoiava-se na ideia de que a natureza, por si só, já havia determinado uma ordem baseada no sexo, a qual poderia ser acessada por meio da razão científica, e caberia à sociedade respeitá-la na esfera social e política. Mesmo com a luta das mulheres em quebrar esses paradigmas, a crença na inferioridade feminina e muitos preconceitos e discriminações contra a mulher ainda persistem e se fundamentamao longo da história, buscando, mesmo que inconscientemente, justificativas no passado para legitimar a submissão e opressão das mulheres ainda em voga no século XXI. Dessa forma, as distinções biológicas– físicas, comportamentais, psíquicas, entre outras –serviram e ainda servem para justificar as mais diversas violências contra a mulher, sendo essas a válvula propulsora para a luta pela igualdade de gênero. Por outro lado, ao se falar em igualdade de gênero, é preciso um cuidado para o sentido que a palavra igualdade pode remeter. A dicotomia diferença-igualdade pode sugerir, erroneamente, um detrimento da diferença a favor da igualdade. Porém, é importante refletir: de qual igualdade se fala e de qual diferença? Segundo Louro (1997), o conceito de igualdade, por si só, já pressupõe a diferença, isto é, não faz sentido reivindicar a igualdade para sujeitos que são idênticos ou que são os mesmos. Reivindica-se, na verdade, que sujeitos diferentes sejam considerados não como idênticos, mas como equivalentes. Já a diferença que se pretende combater está relacionada à diferença de direitos políticos e sociais, por exemplo, o fato de a mulher receber um salário mais baixo do que o do homem no desempenho de mesmas funções e o direito da mulher à sua sexualidade, tal como é dado ao sexo masculino, o qual não é julgado negativamente pela quantidade de parceiras sexuais que mantém, diferentemente da mulher, que tende a ser julgada e discriminada quando se propõe a viver seus desejos sexuais livremente. Ou seja, luta-se por uma igualdade de direitos e não por uma igualdade de identidade. Essencialmente, os indivíduos são diferentes e assim devem ser em uma sociedade saudável, no entanto ser diferente não deve justificar um tratamento políticosocial discriminatório. Sobre a propagação das representações do feminino e do masculino, é interessante mencionar que essa disseminação não ocorre apenas por intermédio dos homens, ao contrário, muitas mulheres acreditam e reproduzem tais ideais. No entanto, é preciso vislumbrar, com base na história, que essa é uma visão colonizada da mulher obtida através do olhar do sexo masculino, isto é, consiste em um assujeitamento ideológico. As representações do feminino já estão naturalizadas de tal forma que as mulheres assumem 22 esses papéis sem que percebam, considerando-os como verdades sem contestarem. Isso assevera a necessidade de resgate da mulher ao seu feminino, quer dizer, que ela não mais se veja a partir do olhar do sexo masculino e, sim, construa seu próprio olhar. Feitas tais reflexões, se fazem necessárias ponderações acerca da construção do gênero feminino e, por conseguinte, do masculino na educação, mais precisamente nas escolas, dentro das salas de aula e nos materiais didáticos. O ambiente escolar pode ser tanto um lugar de reforço aos preconceitos e discriminações ao gênero feminino quanto um espaço de combate a essas práticas em que se buscará a equivalência entre os gêneros. O que definirá se a escola será um ou outro é a postura que os educadores, incluindo os demais profissionais da educação, adotarão frente a essa temática, uma vez que, segundo Freire (2001), a tarefa desses profissionais é descobrir o que pode ser feito no sentido de contribuir para a transformação do mundo em um ambiente menos hostil e mais humano. É importante,face a essa conjuntura, a consciência de que os comportamentos definidos e diferenciados para o sexo feminino e masculino, os quais são transmitidos aos jovens também por meio da educação, são reflexo de uma ideologia e, portanto, passíveis de modificação. No caso deste trabalho, conforme já mencionado, o olhar está voltado para os “Cadernos do Aluno” de Língua Portuguesa e Literatura que adentram as escolas, o que remete ao uso da linguagem e aos discursos que a permeiam, e para a postura mais adequada que os professores devem adotar. Como já dito anteriormente, a linguagem tem poder e estabelece relações de poder, sendo capazde levar a um reforço negativo ou positivo. Assim sendo, o que é disseminado por meio de textos, orais ou escritos, deve ser uma preocupação constante dos educadores de língua materna. Ainda pensando a linguagem, é interessante ressaltar que a língua, por si só, já carrega um desequilíbrio quanto à equidade linguística. Por exemplo, no uso do plural para referir-se a indivíduos do mesmo sexo, o qual deve estar no masculino. Isso, de alguma forma, fere a identidade sociolinguística da mulher, principalmente na fase primária da educação, a qual não se trata neste trabalho, mas consiste em uma preocupação visto que essa problemática refletirá na constituição da identidade da mulher quando madura. Segundo Moreno (1999), é na escola que a individualidade se perde dentro do grupo de alunos, reforçando a ideia, no caso da mulher, de que o idioma não lhe pertence. Ou seja, através das regras da gramática da língua já se consolida, pelo menos por meio da linguagem, que a mulher deve ceder seu lugar ao homem, uma vez que na presença 23 dessequalquer discurso assume a forma do masculino, resultando em um apagamento do que caracteriza o feminino e identifica a mulher nos discursos. Dessa forma, abordar a constituição da Língua Portuguesa, valendo-se que essa se solidificou em uma sociedade patriarcal, é também uma saída para despertar nos alunos um pensamento crítico sobre as representações de gênero e como elas se constituem por meio da linguagem e dos discursos, procurando problematizar essas questões de forma que se perceba que, embora as mulheres estejam, em muitos casos, excluídas de alguns espaços sociais e também subordinadas ao masculino na língua, esse é o momento de desconstrução e reconstrução da mulher na sociedade, processo que se dá, principalmente,por intermédio da educação. No que tange aos materiais didáticos de língua portuguesautilizados em sala de aula, é preciso ter a clareza quanto àsua constituição como artefatos de cultura que contribuem para a produção das identidades dos alunos, principalmente no que se refere ao gênero. De acordo com Furlani (2008), esses materiais podem tanto legitimar relações desiguais de poder quanto ser um espaço de resistência e contestação das desigualdades.É importante que os profissionais da educação que partem da ideia de desconstrução dos paradigmas de gênero estejam cientes que problematizar os processos culturais e sociais hegemônicos consiste também em questionar os materiais didáticos que utilizam. Ainda que os homens estejam ocupando cada vez mais os espaços destinados à educação, na carreira docente, atualmente, ainda prevalece um número maior de mulheres, principalmente no ensino de Língua Portuguesa, como atestado na última avaliação do Inep, em 2001, e publicada no documento “Estatísticas dos Professores no Brasil” de 2003. Tais informações podem ser verificadas no gráfico abaixo: 24 Gráfico1 -Percentual do gênero dos professores por disciplina e série 1 Segundo Confortin (2003), as mulheres só entraram no magistério no final do século XIX, sendo esse o momento que os homens passaram a abandonar as salas de aula. Alguns estudiosos afirmam que isso se deu devido ao processo de industrialização e urbanização, o qual abriu novas possibilidades de emprego que passaram a ser assumidos pelo sexo masculino, uma vez que às mulheres eram delegados os serviços de casa. Sendo assim, graças às reivindicações femininas para deixarem de restringir-se apenas ao lar e à criação dos filhos, as mulheres passaram a ocupar os lugares deixados pelos homens na educação. A alta presença de mulheres na área de educação também se deve, segundo Confortin (2003), à atribuição de valores maternais às mulheres, ou seja, ser professora era considerado uma extensão do trabalho de mãe. Embora isso seja alarmante no sentido de que as mulheres devem estar em todos os espaços profissionais e não só nos que lhe são delegados por concepções falaciosas, o trabalho docente é uma forma de o sexo feminino assumir poderes. Além disso, por meio da educação, as mulheres têm a oportunidade de descontruir os paradigmas preconceituosos e discriminatórios que lhes são impostos socialmente a fim de transformar a sociedade e dissolver o sexismo que permeia os espaços sociais. 1 Fonte: BRASIL. Ministério da Educação. Estatísticas dos professores no Brasil. Brasília: MEC, 2003. Disponível em: <http://www.sbfisica.org.br/arquivos/estatisticas_professores_INEP_2003.pdf> Acesso em: 11 nov. 2014. 25 3. AS REPRESENTAÇÕES DO FEMININO EM MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA Este trabalho analisa, por intermédio da perspectiva discursiva e dos estudos de gênero,o material “Caderno do Aluno” de Língua Portuguesa (LP) e Literatura, volumes 1 e 2,edição 2014-2017, destinado às1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médiodas escolas da rede pública do Estado de São Paulo. Para facilitar a menção aos cadernos didáticos durante a análise, elaborou-se a seguinte sistematização: Quadro 1 – Cadernos do Aluno analisados. CA1 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 1ª série Ensino Médio vol. 1 CA2 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 1ª série Ensino Médio vol. 2 CA3 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 2ª série Ensino Médio vol. 1 CA4 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 2ª série Ensino Médio vol. 2 CA5 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 3ª série Ensino Médio vol. 1 CA6 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 3ª série Ensino Médio vol. 2 Principiando a avaliação, em relação às representações do gênero feminino, principal tema de análise deste trabalho,convém mencionar que o material didático em questão apresenta um caráter inovador, mas, por outro lado, ainda se encontra permeado por discriminações, preconceitos e visões estereotipadas acerca da mulher, representando-a, por vezes,de modo inferior ao homem. No que tange aos estereótipos femininos, nos CA1 e CA2, a mulher vem retratadacomo aquela que não sabe ou não entendeuo conteúdo ensinado em determinada Situação de Aprendizagem (pode ser entendida como capítulo) apresentada no material didático, denominada “Lição de Casa” (Figura 1), que consiste em completar um diálogo entre dois alunos. Esses diálogos, em geral, dizem respeito aos conteúdos trabalhados anteriormente no Caderno didático, em que um dos envolvidos entendeu os conteúdos abordados enquanto o outro não os absorveu (esse tipo de exercício está presente em todos os Cadernos didáticos). Não por acaso, é um garoto quem “detém o conhecimento” e explica a matéria para uma colega. 26 Figura 1: Ilustração, Situação de Aprendizagem 4, CA1, p.31. Considerando que os discursos materializam-se sob a forma de textos e que, segundo Brandão(2014, p. 3), as crenças e ideologias sociais aparecem nos discursos e esses, portanto, não se caracterizam neutros, produzindo “sentidos que expressam as posições sociais, culturais, ideológicas dos sujeitos da linguagem”, o exercíciomencionadodissemina o estereótipo de que o homem é intelectualmente mais capaz do que a mulher, correspondendo ao constructo social que inferioriza o sexo feminino e o coloca como secundário, reproduzindo e reforçando relações de poder marcadas pela desigualdade, nesse caso intelectual, entre os sexos. Ainda nesse material, na maioria das vezes, a mulher, quando aparece, está associada ao homem, como se pode constatar em um exercício sobre o uso do Pretérito Perfeito e Imperfeito (Figura 2):“Eu caminhava apressada quando vi meu namorado com outra.” (CA1, p.101) e sobre o Presente do Indicativo (Figura 3): “Assim que o marido morreu, a viúva viaja para Londres e arruma um namorado” (CA1, p. 64).Aqui, a linguagem reproduz e reforça o discurso da mulher como vestígio do homem, ou seja, que vive em função do sexo masculino e, ainda, sugere, no segundo enunciado apresentado, certa promiscuidade por parte da mulher, visto que mal o marido morreu,a viúva já viajou e arrumou um namorado. Os exemplos acima, e muitos dos que são vistos ao longo do material, geralmente colocam a mulher em situações vinculadas ao homem, principalmente afetivas, como se não houvesse outras perspectivas que não a do relacionamento amoroso, heteronormativo inclusive, para se associar à figura feminina. 27 Figura 2: Ilustração, Situação de Aprendizagem 10, CA1, p. 101. Figura 3: Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA1, p.64. Esses enunciados são desfavoráveis porque disseminam imagens preconceituosas acerca das mulheres e podem influenciar o pensamentodos jovens que os leem, uma vez que, nessa idade, entre 16 e 17 anos, os adolescentes ainda estão no processo de formação do caráter. Portanto, é importante que os materiais didáticos com que eles têm contato constituam-se por imagens diferenciadas das do senso comum em relação às mulheres, isto é, que procurem colocá-las em todas as esferas sociais e como mulheres independentes, e não sempre e apenas em situações amorosas. Mudando-se os exemplos que envolvem o sexo feminino, é possível que as adolescentes tenham outras perspectivas de vida e futuro, preocupando-se em continuar os estudos, buscar uma profissão e serem livres para fazer suas escolhas sem que essas lhes tenham sido, de certa forma, impostas. Outro aspecto que merece destaque diz respeito aos discursos que aparecem em uma fraseutilizada em um exercício de completar do CA1 (fig. 4), em que o aluno deve, no 28 espaço indicado, colocar o verbo no Pretérito Perfeito do Indicativo: “_________ não só Paulo, como também sua esposa. (votar)” (p. 28). Considerando que o não dito significa dentro de um texto produzindo sentidos, nessa frase percebemos que, com base em subsídios teóricos de Orlandi (2012), o interdiscurso determina o intradiscurso de forma que o que é dito se sustenta na memória discursiva e traz à tona alguns discursos antigos sobre a participação política da mulher. Figura 4: Ilustração, Situação de Aprendizagem 3, CA1, p.28. Completando o enunciado do exercício dado –votaram não só Paulo, como também sua esposa – tem-se aí, além da ideia explícita de adição dada pela conjunção coordenativa aditiva, um ponto interessante de reflexão: o fatode a mulher ser somada ao ato de votar após a menção de que seu marido o fizera anteriormente, remetendo, considerando o contexto sócio-histórico das condições de produção, à época em que a mulher não tinha direito ao voto, ou seja, subentende-se, no enunciado, certo tom de surpresa ao citar que além de Paulo (homem) sua esposa também votou (mulher). O enunciado acima é uma oportunidade interessante para que os educadores suscitem discussões sobre o percurso histórico das mulheres, considerando os avanços alcançados pelo sexo feminino e o quanto ainda se precisa alcançar. Não se espera que, com o curto tempo das aulas, sejam feitas grandes abordagens ou discussões, no entanto, aí consistem ensejos favoráveis para o despertar de uma consciência crítica acerca da temática de gênero, a qual pode ser cultivada ao longo do período letivo. Também de caráter relevante, aparece em um texto feito exclusivamente para o CA2 para discutir a temática “Estilos contemporâneos de escrita”uma visão romantizada de mulher e suas características (Figura 5), a qual é retratada como “bem arrumada”, “bem vestida e maquiada, mas sem exageros”, “na televisão não perde um filme romântico ou uma comédia engraçada” e “detesta filmes violentos” (p. 57).Essas são características que legitimam a mulher, por exemplo, como recatada e que, embora se embeleze, não 29 ultrapassa o limite do aceitável socialmente. Esses são aspectos que foram por muito tempo naturalizados e atribuídos a uma essência de mulher, tal como alertam Carvalho e Tortato (2009, p.21): (...) fica entendido como natural e de sua essência que a mulher seja mãe, natural e da sua essência que seja delicada, sensível, obediente, amorosa, afetiva, etc, como se tais características estivessem na carga genética, na biologia. Figura 5: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA2, p.57. Posto isso, convém refletir sobre a seguinte questão suscitada: o que é ser mulher? Com base no texto do CA2, pode-se entender que ser mulher está atrelado a ser dócil, meiga, discreta, desfavorável à temáticas violentas, enfim, é ter comportamentosvoltados às virtudes próprias da feminilidade, as quaisse pautam no recato, na docilidade, na afetividade etc., características direcionadas à passividade. Embora Freud, em seus primeiros estudos psicanalíticos sobre o feminino, tenha considerado a passividade uma característica feminina, futuramente ele alegou ser um erro confundir feminilidade com passividade e masculinidade com atividade, considerando que o conceito de feminilidade sofre “influência dos costumes sociais que forçam as mulheres a reprimir seus impulsos agressivos, favorecendo o desenvolvimento de impulsos masoquistas, considerados essencialmente femininos.” (Freud, apud Almeida, 2012, s.p.). Sendo assim, esse tipo de olhar sobre as mulheres em um material didático destinado à educação pode surtir efeitos contrários ao que se objetifica o ensino. Segundo as Bases Legais dos PCN (2000), espera-se que a educação, no Ensino Médio, não só consolide e aprofunde os conhecimentos adquiridos pelos alunos nos anos anteriores e os prepare para o mercado de trabalho, mas que também os humanize, colabore para a sua 30 formação ética e instrua-os para o exercício da cidadania. Dessa forma, essa visão sobre a feminilidade, sobre o que é, aparentemente, ser mulher, pode sugerir que garotas que não se enquadram nessa concepção – ainda reconhecida na esfera social como verdadeira – sejam discriminadas e excluídas, podendo ser “classificadas” como masculinas, como se houvesse um modelo comprovadamente feminino e que aquelas que não o seguem não podem ser concebidas como mulheres. Faz-se importante mencionar, ainda com base em Freud, que o estudioso coloca a mulher como um vir a ser, isto é, considera a formação da feminilidade como um processo em devir.Logo, não parece possível decifrar o feminino e tão pouco afirmar o que é ser mulher. Sabe-se que, como afirmou Simone de Beauvoir (1980, p. 7), “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, o que aponta para as construções sociais de feminilidadeque moldam a condição da mulher, as quais são apreendidas desde a infância. São justamente esses constructos os quais devem ser quebrados em pró da liberdade e da diversidade do feminino, sendo a educação, por meio de um descortinamento de textos e visões como a analisada, um caminho para a desconstrução desses vieses. Já o CA3 é o material que apresenta um caráter inovador em relação à temática do gênero feminino. Apesar de também apresentar visões estereotipadas acerca das mulheres, esse caderno didático traz uma Situação de Aprendizagem– “Eu gosto da mulher...” – voltada para a discussão do gênero feminino, propondo uma reflexão sobre o que é o feminismo e o machismo, o quanto o discurso machista influencia a imagem que uma sociedade constrói a respeito das mulheres e qual a representação femininavigente na sociedade atual (Figura 6). Esse é um avanço positivo e uma tentativa legítima de inserir as discussões e pautas feministas nas escolas, a fim de promover um debate consciente acerca da equivalência entre os gêneros feminino e masculino e a igualdade de direitos. 31 Figura 6: Ilustração, Situação de Aprendizagem 10, CA3, p.101. A esse respeito, é importante destacar que, embora a proposta esteja inserida no material, essa não terá valor nenhum, ou até mesmo poderá prestar um desfavor às necessárias e urgentesdiscussões sobre gênero, se o professor não estiver preparado para iniciar um processo de desconstrução do senso comum e, nesse caso, dos preconceitos acerca da mulher, tal como afirma Oliveira (2011, p. 143): É necessário que o professor provocador seja esse elemento politizado, insinuante que instigue o debate e que proponha a todo o momento questões que descentralizem os modos comuns de pensar, de fazer e balance as bases em ações provocativas. Para tanto, propostas como o curso “Construindo a igualdade na escola: Repensando conceitos e preconceitos de gênero” – ministrado por pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Relações de Gênero e Tecnologia – GeTec, do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da Universidade Federal do Paraná, e destinado aos professores das redes municipal e estadual que atuam em Curitiba e Região Metropolitana, tendo atendido a 313 mulheres e 68 homens profissionais da educação – se faz tão importante para preparar e conscientizar os educadores e as educadoras em relação a esse novo desafio que é a superação dos preconceitos de gênero nas escolas. Segundo Tortato, Casagrande e Carvalho (2010), não bastam que documentos legais da educação incentivem a inserção da perspectiva de gênero nas escolas, é preciso aproximar a escola e todos os envolvidos nela às contribuições dos especialistas e suas construções teóricas sobre o tema. 32 Para o trabalho com o gênero em sala de aula, as teóricas sugerem o uso da internet, desde que feita uma criteriosa seleção do que é ou não adequado e seguro, de filmes e documentários, os quais devem ter direcionamento analítico por parte dos professores, de literatura infantil e música, sendo essa última, mais um romance literário adulto, os artefatos culturais escolhidos pelo CA3 para a discussão sobre o feminismo. Por outro lado, convém atentar-se que, embora o material esteja propondo uma discussão há tempos necessária,os textos escolhidos, o livro Senhora, de José de Alencar, e a música Ai, que saudades da Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago, são constituídos por visões do sexo masculino acerca das mulheres. Tal especificidade não descaracteriza ou diminui a significância de tais textos como suporte para a discussão do gênero feminino. No entanto, seria mais valorativo que as discussões viessem embasadas por textos, literários ou não, de autoria feminina, até porque, como afirma Cesar (1993, p. 141), “as mulheres escritoras são raras e o fato de serem mulheres conta”. Dessa forma, utilizar-se de textos literários de autoria feminina é uma forma de empoderamento e legitimação das mulheres ao tratarem elas mesmas de uma temática que lhes diz respeito, isto é, o olhar do feminino sobre o feminino. É importante mencionar que, embora o cenário literário atual esteja mais aberto e receptivo à literatura de autoria feminina, as mulheres ainda encontram empecilhos quanto à visibilidade e ao reconhecimento no cânone, o que pode justificar, em todo o material analisado, a presença menor de obras literárias escritas por mulheres. Ainda em relação ao CA3, também é de grande destaque a Situação de Aprendizagem anterior àquela,denominada “O presente faz poesia”, em que é veiculado um poema da escritora angolana Paula Tavares. Esse capítulo se faz importante porque o poema em questão, “Cerimônia de passagem” (Figura 7), trata da temática da transição da menina para a mulher, sendo, após a reflexão sobre o texto, apresentada uma entrevista feita com a poetisa, em que algumas perguntas são de caráter reflexivo acerca das questões de gênero, tais como: “A poesia angolana pode ser abordada como uma poesia de gênero [feminino e masculino]?”, “Existe algum tipo de preconceito com relação à poesia escrita por mulheres em Angola?” (Figura 8). 33 Figura 7: Ilustração, Situação de Aprendizagem 9, CA3, p.93. Figura 8: Ilustração, Situação de Aprendizagem 9, CA3, p.95. Dessa forma, essa temática vem como uma antecipação do que viria a seguir, um capítulo destinado à reflexão crítica e social sobre as questões do gênero feminino. Além disso, o capítulo também pode subsidiar discussões que debatam sobre a diversidade cultural das mulheres em diversos países, inclusive considerando que o ensino da história e cultura africanas é uma exigência na educação básica brasileira, tendo esses conteúdos, de acordo com § 2º do Art. 26-Ada Lei nº 10.639, de serem ministrados “no âmbito de todo o 34 currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (BRASIL, 2003, s.p.). Posto isso, é interessante comentar sobre um exercício que consiste em completar um diálogo entre dois alunos (Figura 9), em que a conversadiz respeito aos conteúdos trabalhados na Situação de Aprendizagem em questão etem um dos envolvidos no diálogo como aquele que entendeu os conteúdos abordados e os passará para aquele que não os compreendeu. No caso do CA3, o assunto da conversa é a temática tratada na Situação de Aprendizagem 10, a qual discute o feminismo e as questões que envolvem a mulher na sociedade. Figura 9: Ilustração, Situação de Aprendizagem 10, CA3, p. 109. O curioso, nesse diálogo, é que a presença feminina ao tratar de um assunto que lhe diz respeito é nula ou quase inexistente. Diz-se isso porque o aluno que detém o entendimento sobre a temática abordada é um garoto, e aquele que não entendeu, chamado Gil, não é possível identificar se é uma menina ou menino, e mesmo que seja uma menina, essa está sendo representada como alheia a uma discussão que a tem como sujeito principal. O ideal seria que fosse um indivíduo do sexo feminino a explicar essa temática, o que resultaria em empoderamento feminino, sendo contraditório que um sujeito 35 do sexo masculino esteja explicando a uma garota sobre os desafios que vive todos os dias. Colocar a mulher como sujeito de si é muito importante, inclusive para nivelar as relações de poder entre esses dois gêneros, as quais, mais uma vez, o sexo masculino é tido como dominante, sendo senhor do discurso e a mulher assumindo um caráter de passividade ou excluída do diálogo. Prosseguindo a análise, mesmo trazendo uma proposta positiva sobre a temática de gênero, como mencionado anteriormente,o material didático em questão esbarra em algumas visões preconcebidas de mulher, como evidenciado nas seguintes frases retiradas de um exercício de “Lição de Casa” do CA3 (Figura 10), o qual pede que o aluno identifique nos enunciados se os valores predominantes são emotivos ou intelectuais: “A menina está magra” e “A menina ficou linda” (p. 51).Nota-se aí um apelo à sexualidade, ou seja, às características físicas e estéticas da menina, o que pode conduzir a um olhar de objetificaçãopara a mulher, a qual, por muitas vezes, já é tratada como mercadoria em várias estâncias da vida social, inclusive nas propagandas midiáticas, tal como afirmam Ferreira e Luz (2009, p.34) ao parafrasearem Nuno Cesar Abreu: a sexualidade – massivamente presente em nossa cultura – quase sempre se sujeita a limitações. Formas de humor, representações da mulher, roupas, intenções eróticas explícitas na publicidade apontam obsessivamente em direção a práticas sexuais num contexto em que o modelo de mercado/consumo absorve uma “nova moral”, e a representação transgressiva da sexualidade ganha formatos e padrões que a transforma em mercadoria. Figura 10: Ilustração, Situação de Aprendizagem 4, CA3, p.51. 36 Convém mencionar, ainda, que não há com essa observação a pretensão de que a mulher não possa mais ser representada a partir de características que evidenciem o seu corpo ou atributos estéticos, no entanto, em uma sociedade que já limita o sexo feminino a esses predicados, seria de grande benefício que se trabalhasse na escola a construção de uma imagem de mulher mais intelectualizada e libertadora. Já em relação ao CA4, é importante destacar, no que diz respeito à linguagem e aos discursos presentes nesse material, um exercício (Figura 11) que se propõe à análise e discussão do diálogo estabelecido em enunciados dados, em especial o seguinte: “As mulheres têm a mesma capacidade intelectual que os homens” (p. 10). Ou seja, desse enunciado subentende-se que em algum lugar em um dado momento histórico foi dito que as mulheres eram menos capazes que os homens intelectualmente, o que atenta para a distinção entre os gêneros da qual fala Louro (1997, p.45): Relacionada, a princípio, às distinções biológicas, a diferença entre os gêneros serviu para explicar e justificar as mais variadas distinções entre mulheres e homens. Teorias foram construídas e utilizadas para “provar” distinções físicas, psíquicas, comportamentais; para indicar diferentes habilidades sociais, talentos ou aptidões; para justificar os lugares sociais, as possibilidades e os destinos “próprios” de cada gênero. Figura 11: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA4, p.10. Ou seja, esse é um enunciado que evoca o discurso cientificista do século XIX, o qual representava o corpo feminino como incompleto, doente e instável, uma vez que as mulheres eram entendidas como “homens invertidos”, noção pautada em “estudos que descreviam, com detalhes, como a genitália feminina era uma versão invertida e imperfeita do aparelho genital masculino” (SENKEVICS; POLIDORO, 2012, p. 17), considerações que justificavam a suposta inferioridade da mulher, atestada ainda por muitos anos à frente. Esse discurso cientificista permitido e atestado como verdade absoluta pode-se afirmar que se valeu pelo terceiro tipo de interdição – direito privilegiado ou exclusivo do sujeito – de que 37 fala Foucault, uma vez que a ciência tem seu discurso privilegiado e assumido como autêntico. As considerações aqui apresentadas sobre tal enunciado são indispensáveis à discussão que se propõe o exercício, o que reforça, mais uma vez, a necessidade de um preparo prévio dos professores para assumirem a sala de aula e de estarem minimamente capacitados para os debates sugeridos pelo material didático. Em relação ao CA5, cabe mencionar, pelo valor positivo da ocorrência, que tanto a mulher (Figura 12) quanto o homem (Figura 13) aparecem relacionados a cargos de emprego de níveis semelhantes, gerente e supervisora, em textos relacionados ao mercado de trabalho e a linguagem adequada a essa esfera social, o que sugere certa igualdade entre ambos no mercado de trabalho e uma tentativa de desconstrução do estigma social que mostra a mulher, na maioria das vezes, relacionada apenas a cargos de funçõesligadas ao cuidado e à educação, como era comum antigamente e, de certa forma, ainda é, como atesta Louro (1997, p.17): Sem dúvida, desde há muito tempo, as mulheres das classes trabalhadoras e camponesas exerciam atividades fora do lar, nas fábricas, nas oficinas e nas lavouras. Gradativamente, essas e outras mulheres passaram a ocupar também escritórios, lojas, escolas e hospitais. Suas atividades, no entanto, eram quase sempre (como são ainda hoje, em boa parte) rigidamente controladas e dirigidas por homens e geralmente representadas como secundárias, “de apoio”, de assessoria ou auxílio, muitas vezes ligadas à assistência, ao cuidado ou à educação.” Figura 12: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA5, p.11. 38 Figura 13: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA5, p.07. Por outro lado, no CA5, ainda tratando da temática do trabalho profissional e a linguagem adequada a essa esfera social, é interessante focar um pouco em algumas imagens que o compõem, as quais vêm acompanhadas por textos escritos. Vale relembrar que as imagens são também textos, embora visuais, e carregam discursos ideológicos, podendo influenciar, da mesma forma ou mais, os estudantes. Nas imagens aparecem apenas homens relacionados ao mercado de trabalho, um deles, um garoto chamado Maikon, de 18 anos, que provavelmente está terminando o Ensino Médio, está à procura de emprego (Figura 14), debruçado em jornais, e, em outro momento, o mesmo está telefonando para marcar uma entrevista, enquanto o entrevistador está de terno e gravata, apresentando uma postura séria com um papel e caneta a frente de si (Figura 15). Por outro lado, quando aparece a figura feminina (Figura 16) o propósito é relacioná-la ao sexo masculino. A garota, chamada Paula, namorada de Maikon, está à frente de um computador e em um “balão” aparece o e-mail que essa mandou para ele, um texto de teor afetivo relatando seus sentimentos. Figura 14: Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p. 71. 39 Figura 15: Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p. 71. Figura 16: Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p. 72. Essas imagens apontam para a visão bastante dicotomizada dada aos gêneros feminino e masculino, apontando para os papéis sociais diferenciados que são impostos para cada sexo. O garoto aparece como preocupado com a vida profissional, em busca de emprego, enquanto a garota aparece sujeita a ele, preocupada apenas com seus sentimentos e relacionamento. Dessa forma, imageticamente, não se tem o exemplo da mulher fora da representação do relacionamento amoroso, isto é, não há uma representação do sexo feminino independente e em busca de realização profissional, tal como acontece com o homem. Como já dito, os materiais didáticos, em alguns lugares do Brasil, são o único objeto de consulta que docentes e discentes têm acesso. Dessa forma, segundo Tortato, Casagrande e Carvalho (2010), muitas vezes, esses materiais assumem o status de verdade absoluta, imutável e inquestionável, portanto, essas visões representadas em textos escritos e visuais são preocupantes quanto ao modo como podem influenciar os 40 estudantes. É preciso que os professores tenham uma visão crítica para trabalhar essas representações de forma que as garotas e os garotos tenham outra perspectiva além daquela. Por outro lado, não basta apenas que as educadoras e os educadores sejam formadores críticos, é preciso, também, que os materiais didáticos se afastem desses estereótipos, discriminações e preconceitos de gênero, por isso pesquisas como esta, que apontam as falhas e os acertos quanto às ideologias sobre mulheres e homensdisseminadas nos materiais didáticos, se fazem tão importantes. Ainda nesse mesmo “Caderno do Aluno”, pensando a mulher e seu papel de mãe, aparece a seguinte frase em um exercício de lição de casa sobre gramática (Figura 17): “Uma mãe pode identificar as necessidades de uma criança” (p. 62). Mais uma vez, o enunciado remete a uma essência de mulher, nesse caso, aquela que nasceu para a maternidade, a qual tem o dom para desempenhar tal papel de forma que é capaz de identificar as necessidades de uma criança sem que essa se manifeste. A visão de que a mulher nasceu para a maternidade ainda perdura nas sociedades ocidentais, inclusive algumas mulheres que se contrapõem a essa “predestinação” são mal vistas e enfrentam certo preconceito, sendo, portanto, interessante que o olhar sobre o sexo feminino e a imanência maternal fossem desconstruídos na escola. Figura 17: Ilustração, Situação de Aprendizagem 6, CA5, p.62. Por fim, no mesmo material, a mulher aparece retratada em diversas frases de um exercício de análise sintática (Figura 18), todas evidenciando características físicas e comportamentos e explanações voltadas ao sexo masculino: “A garota é muito linda e fica a toda hora olhando para Paulo”, “A garota é muito linda ou os rapazes todos da classe estão confusos”, “A garota é muito linda, contudo ninguém quis sair com ela”, “A garota é muito 41 linda, pois esnobou sair com o Robertinho”, “A garota é muito linda, portanto já deve ter namorado” (p. 75). Figura 18: Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA5, p.75. Temos aqui, novamente, a mulher intrinsecamente ligada ao homem pela sua sexualidade. Esses enunciados revelam uma dependência entre as características estéticas da menina, nesse caso bela, e as relações estabelecidas com os rapazes, o que pode sugerir que se a menina fosse “feia” talvez não tivesse as mesmas oportunidades afetivas e que, por outro lado, sendo bonita, é estranho que um garoto não queira sair com ela, afinal, a beleza, não só aqui como no pensamento comum, é atestada como um fator, muitas vezes, primordialpara o estabelecimento de uma relação amorosa e sexual. É interessante considerar que esses enunciados podem ser frutíferos às discussões sobre as concepções de belo e feio na sociedade atual, considerando os padrões de beleza vigentes que, muitas vezes, escravizam as mulheres, uma vez que essas se sentem feias por estarem fora do padrão estabelecido socialmente. Assim como as concepções de feminino e masculino são construídas socialmente e adquirem faces diferentes em dado momento histórico, assim também o são os conceitos de beleza e feiura. O que assusta é o espaço limitado que o considerado feio assume em nossa sociedade e a sua associação com o ruim. Segundo Lima e Queiroz (2009) com base em Umberto Eco, na Idade Média, muitas mulheres foram levadas à fogueira pela Igreja por serem consideradas feias e, portanto, poderiam ser bruxas e feiticeiras. No que se refere aos padrões de beleza e de corpo na sociedade atual, nesse mesmo Caderno aparece uma tirinha (Figura 19) que representa a mulher dentro desses moldes determinados (seios grandes, cintura fina, quadril acentuado e coxas largas), padrão que, principalmente as mulheres e as adolescentes, sofrem para alcançar, desenvolvendo, inclusive, doenças alimentares. A busca pelo estereótipo do corpo “perfeito” tem gerado problemas físicos e psicológicos em adultos e adolescentes, portanto, é importante que a escola esteja preparada para esse tipo de debate e que os materiais didáticos não se proponham a disseminar esse tipo de ideologiajá tão reproduzido pela mídia, e que caso 42 assim o façam os educadores e educadoras tenham um olhar crítico para intervir em relação ao que é tendenciosamente representado. Figura 19: Ilustração, Situação de Aprendizagem 4, CA5, p. 35. Esse é mais um exemplo para ser usado em pró da discussão e formação crítica dos estudantes para esses valores estéticos. Fazer esse tipo de ponderação, visto que nas escolas muitas garotas e garotos sofrem preconceitos por serem considerados feios, ou seja, por estarem fora do padrão de beleza pré-estabelecido socialmente, é uma forma de combater esse estigma e promover a diversidade estética, a qual inclui os diversos tipos de beleza, de corpos e estilos que percorrem a juventude e a humanidade como um todo. No que tange ao CA6, o último material analisado, convém destacar apenas uma frase apresentada em um exercício de recapitulação gramatical (Figura 20), porém de extrema importância para este trabalho, uma vez que atesta nitidamente a necessidade de uma preocupação maior com a linguagem e os discursos que a perpassam. Em um exercício de “Recapitulação gramatical: subordinação” aparece a seguinte frase: “Só fico imaginando com quantos caras a mina já saiu!” (p. 29).Nesse enunciado, subentende-se que essa é uma garota que, conforme dito pelo senso comum, não se dá ao respeito, ou quetalvezela tenha uma postura condenada pelos preceitos sociais, uma vez que se afirma a impossibilidadede imaginar o número de garotos com quem a menina já saiu, o que subentende, também, que sejam muitos, por isso a dificuldade em mensurar. 43 Figura 20: Ilustração, Situação de Aprendizagem 3, CA6, p.29. Em relação a isso, é importante destacar que a sexualidade da mulher ainda é tratada como tabu na sociedade, e as mulheres/garotas que não se “resguardam”, não se comportam recatadamente, são severamente repudiadas pelo sexo masculino e também pelas próprias mulheres e colegas, apesar de, supostamente, o mundo moderno estar vivenciando a era da liberdade sexual. Pode-se associar que esse paradigma social se dá porque as meninas sempre foram criadas para serem donas de casa, servirem aos maridos e renunciarem ao prazer, sendo assim, esse enunciado representa as formações ideológicas do autor que o escreveu. Tratando-se desse assunto, torna-se fundamental considerar as ponderações de Ferreira e Luz (2009, p.36) acerca dessa temática: A forma como a sexualidade é percebida e vivida sofre interferência de uma conjunção de fatores, destacando as relações de poder e, particularmente, as de gênero. Essas, tradicionalmente, trazem em seu âmago construções de masculino e de feminino nas quais a sexualidade é vista, ensinada e controlada de formas distintas quando se trata de homens e mulheres. Observa-se, então, que há um comportamento sexual predefinido para as mulheres e para os homens, podendo-se atribuir às mulheres um papel de decência, pudor, resguardo, enquanto aos homens é permitida a liberdade de experimentar e vivenciar sua sexualidade, o que justifica o enunciado machista que se pode afirmar ter sido proferido por um menino, uma vez que “mina” é uma gíria comumente utilizada pela comunidade masculina. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ter um olhar crítico sobre os materiais didáticos que se utilizam em sala de aula deve ser uma preocupação frequente das professoras e dos professores do ensino de língua materna, uma vez que a língua, a linguagem e o discurso – instrumentos de poder – podem e quase sempre se valem como um reforço a ideologias nem sempre positivas, como é o caso dos estereótipos, discriminações e preconceitos para com o gênero feminino, o que, de acordo com esta pesquisa, ainda é disseminado nos materiais didáticos, especificamente nos “Cadernos do Aluno”de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio, implícita e explicitamente. Por outro lado, percebe-se a mobilização pela discussão de gênero e do feminismo em sala de aula, atestada pela proposta da Situação de Aprendizagem “Eu gosto da mulher...” do “Caderno do Aluno” destinado ao 2º ano do Ensino Médio, conforme apontado anteriormente. Percebe-se, então, que a linguagem é o instrumento de construção das representações de gênero, e é justamente por meio dela que se torna possível a desconstrução dessas imagens. A educação é o meio, talvez mais fácil e mais rápido, para se chegar à equidade entre os gêneros, ao combate à violência e à opressão contra as mulheres e à dominação masculina atestada pela relação de poder entre os sexos, em que os homens, ainda hoje, tentam dirigir os comportamentos e a vida das mulheres. Alguns leitores, docentes ou não, podem se perguntar como fazer isso. A resposta não é simples e tampouco os resultados serão imediatos. Há, sim, algumas possibilidades, como a utilização de ferramentas de ensino, tais como documentários, a exemplo o curtametragem “Vida Maria”, do diretor Márcio Ramos, em que pode ser discutida a temática das dificuldades que algumas meninas encontram para poder estudar, principalmente em regiões mais precárias do Brasil. Outra possibilidade riquíssima é o uso da literatura feminina, utilizando-se de textos de autoras como Marina Colasanti, Clarice Lispector, Ana Cristina Cesar, Raquel de Queiroz, entre outras, as quais tratam do feminino em seus textos. No mais, são diversas as alternativas que a própria linguagem nos dá para conscientizar os estudantes sobre as problemáticas do feminino, sendo o diálogo, por si só, um mecanismo bastante eficaz, embora uma prática que, muitas vezes, esteja ausente da sala de aula. Sendo assim, os docentesdevem se fazer atentos para não reproduzirem, por meio do ensino, visões moldadas às práticas sexistas que se pretende combater na sociedade. Para tanto, se faz importante que os educadores sejam capacitados,por meioda própria licenciatura ou de cursos de formação continuada, e serealizem estudos acadêmicos que possam colaborar para o enriquecimento dessa temática, sendo esses disseminados nas instituições de educação básica. 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Jânio Jorge Vieira de; ANDRADE, Thamyres Ramos de. A compreensão do conceito e categoria gênero e sua contribuição para as relações de gênero na escola. Disponível em: <http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/VI.encontro.2010/GT.10/GT_10_01_201 0.pdf> Acesso em: 07 nov. 2014. ALMEIDA, Angela Maria Menezes de. Feminilidade: caminho de subjetivação. Estudos de Psicanálise, n. 38, Belo Horizonte, p. 29-44, dez. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372012000200004> Acesso em: 16 nov. 2014. BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. Tradução de Sérgio Milliet. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. v. 2. 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