UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES PEDRO IVO DE ARAÚJO BALDONI Das redes sociais primordiais às contemporâneas: o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada São Paulo 2014 PEDRO IVO DE ARAÚJO BALDONI Das redes sociais primordiais às contemporâneas: o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para a obtenção de título de especialista em Comunicação Digital Área de Concentração: Comunicação Digital Orientador: Prof. Ms. Andre de Abreu São Paulo 2014 Autorizo a divulgação e reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio, convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Baldoni, Pedro Ivo de Araújo. Das redes sociais primordiais às contemporâneas: o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada. Pedro Ivo de Araújo Baldoni: orientador Prof. Ms. Andre de Abreu. São Paulo – 2014. 57 f. Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade da São Paulo, 2014. 1. Redes Sociais. 2. Compartilhamento. 3. Viralização. 4. Internet. 5. Comunicação Digital Nome: BALDONI, Pedro Ivo de Araújo Título: Das redes sociais primordiais às contemporâneas: o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para a obtenção de título de especialista em Comunicação Digital Aprovado em: ______ de ______________ de 2014. Banca examinadora ------------------------------------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------Prof. Ms. Andre de Abreu “Não há receita para o uso bem-sucedido de ferramentas sociais. Na verdade, cada sistema em funcionamento é um misto de fatores sociais e tecnológicos.” Clay Shirky AGRADECIMENTOS À minha família, que sempre me apoiou. À minha esposa Mônica e à Sakura, pelo amor, paciência e compreensão. Ao Andre de Abreu, pela ajuda, ideias e orientação. Aos colegas e professores do Digicorp. RESUMO BALDONI, Pedro Ivo de Araújo. Das redes sociais primordiais às contemporâneas: o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada. 2014. 57 f. Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. Esta monografia busca discutir como a digitalização altera o modo pelo qual o compartilhamento tradicional-analógico de conteúdos se dá. Alguns eixos principais são explorados: o ser humano visto como um ser simbólico, capaz de pensar e de se comunicar através de palavras e de outros símbolos; o ser humano entendido como um ser social, que vive em comunidade e se relaciona com seus semelhantes por meio do compartilhamento de informações, ideias, sentimentos; e as redes sociais compreendidas no contexto da reconfiguração das mídias pelas tecnologias de informação e comunicação. Adotamos os conceitos de “sociedade em rede”, de Manuel Castells, “sociedade líquida”, de Zygmunt Bauman, “cultura da participação”, de Clay Shirky e “convergência das mídias”, de Henry Jenkins, como referenciais teóricos principais, concordando com os autores que a emergência da internet remete a novos padrões de interação social. Avançamos para explorar o impacto das tecnologias de informação e comunicação redefinindo os conceitos de emissor e receptor e produzindo novas práticas comunicacionais no ciberespaço. E concluímos com a constatação da necessidade de uma nova epistemologia da comunicação digital, fazendo uma reflexão sobre os desafios contemporâneos dos profissionais da área. Palavras-chave: Redes Sociais. Compartilhamento. Viralização. Internet. Comunicação Digital. ABSTRACT BALDONI, Pedro Ivo de Araújo. From primary to contemporary social networks: the impact of digitization on the way information is shared. 2014. 57 f. Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. This paper aims to discuss how the digitization alters the way traditional analog-sharing of content occurs. Some main areas are explored: the human being seen as a symbolic entity able to think and communicate through words and other symbols; the human being understood as a social individual, which lives in the community and relate to their peers through sharing of information, ideas, feelings; and social networks understood in the context of the reconfiguration of the media by the information and communication technologies. We adopt the concept of “networked society”, by Manuel Castells, “liquid society”, by Zygmunt Bauman, “culture of participation”, by Clay Shirky and “convergence of media”, by Henry Jenkins, as main theoretical frameworks, agreeing with the authors that the emergence of the internet leads to new patterns of social interaction. Next we explore the impact of information and communication technologies redefining the concepts of sender and receiver as well as producing new communicative practices in cyberspace. We conclude realizing the need of a digital communication’s new epistemology, making a reflection on the contemporary challenges faced by professionals. Keywords: Social Networks. Sharing. Viralization. Internet. Digital Communication. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................09 1.1. Sobre o Estudo ..................................................................................................................09 1.2. Objetivos ...........................................................................................................................11 1.2.1. Objetivo Geral ................................................................................................................11 1.2.2. Objetivos Específicos .....................................................................................................11 1.3. Justificativa .......................................................................................................................11 1.4. Problema ...........................................................................................................................12 1.5. Hipóteses ...........................................................................................................................13 1.6. Metodologia ......................................................................................................................13 2 AS REDES SOCIAIS COMO PALCO DE INTERAÇÕES ...........................................16 2.1. Um breve retrospecto: das redes sociais primordiais às redes conectadas ........................16 2.2. A linguagem e o simbólico dando sentido ao mundo .......................................................20 2.3. A sociedade pós-moderna construindo valores e desejos .................................................22 3 AS REDES SOCIAIS SOB O IMPACTO DA DIGITALIZAÇÃO ...............................25 3.1. A sociedade em mutação ...................................................................................................25 3.2. As tecnologias da informação e comunicação redefinindo emissor e receptor ................26 3.3. Nova relação entre consumidores e a indústria das mídias ...............................................30 3.4. Por que compartilhar? Efeito Viral e Memes ....................................................................31 3.5. Efeito viral em vídeo no YouTube ....................................................................................36 4 APÓS A EMERGÊNCIA DA SOCIEDADE DIGITAL .................................................40 4.1. Abordagem multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar? ...................................40 4.2. A comunicação além das ciências sociais ........................................................................41 4.3. Novos olhares sobre a pesquisa em comunicação ............................................................44 4.4. A formação do profissional de comunicação ....................................................................46 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................49 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................53 9 1 INTRODUÇÃO 1.1. Sobre o Estudo A intenção desta monografia é explorar e discutir o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada, a partir da emergência das redes sociais1 na internet. E explorar os possíveis mecanismos que estão envolvidos no fenômeno. É importante esclarecer que este trabalho tem o caráter de contribuir para as discussões acerca do assunto em nível inicial e exploratório. Mas, consideramos importante descrever o fenômeno para que possa ser posteriormente discutido em maior profundidade, contribuindo para o estudo teórico do problema. O objetivo é apresentar apontamentos para a discussão sobre a dinâmica das redes sociais mediadas pelo computador e suas implicações. Não é uma análise de redes sociais. A intenção é também oferecer algumas ideias e reflexões a quem deseja ter uma noção de como essas redes modificam os processos sociais e informacionais na nossa sociedade. Alguns eixos principais serão explorados a partir do entendimento de que fazem parte de uma relação dinâmica de causa e efeito: o ser humano visto como um ser simbólico, capaz de pensar e de se comunicar através de palavras e de outros símbolos; o ser humano entendido como um ser social, que vive em comunidade e se relaciona com seus semelhantes por meio do compartilhamento de informações, ideias, sentimentos; e as redes sociais compreendidas no contexto da reconfiguração das mídias pelas tecnologias de informação e comunicação, admitindo-se a nova relação entre tecnologias e a sociabilidade reconfigurando a cultura contemporânea. Sendo assim, este trabalho foi dividido, além desta introdução, em três outras seções. A primeira busca conceituar “redes sociais”, entendendo-se que elas antecedem a internet, e não são novidade proporcionada pelas tecnologias de informação e comunicação. Procuramos 1 Redes sociais entendidas aqui de uma maneira ampla e histórica. Uma rede social não existe se não for composta por pessoas, que se comunicam, e se relacionam em torno de algo comum a elas. 10 ainda explorar o atual contexto histórico em que estamos inseridos, definido por alguns autores como “pós-modernidade”. Ampliando a discussão, partimos também para compreender como a linguagem e os processos simbólicos atuam na dinâmica entre emissores e receptores, sem nos atermos ao conteúdo das mensagens. Na segunda seção, abordamos o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada, tendo como pano de fundo a influência das novas tecnologias na sociedade contemporânea, principalmente, na redefinição dos papéis de emissor e receptor, e a convergência das mídias. Exploramos, também, as possíveis motivações dos internautas para o compartilhamento de conteúdos. Por fim, para ilustrar melhor as teorias expostas, analisamos um exemplo de vídeo de sucesso viralizado no YouTube. A terceira seção surgiu da constatação de que para se compreender melhor o fenômeno do compartilhamento de conteúdos nas redes sociais na internet era necessária uma visão mais ampla da comunicação como área do conhecimento, não mais restrita à grande área das ciências sociais de uma maneira interdisciplinar, mas avançando em outras áreas do conhecimento de forma dialógica e transdisciplinar. Isso levou também à discussão sobre a necessidade de uma nova epistemologia da comunicação digital e à reflexão sobre os desafios contemporâneos dos profissionais da área. 11 1.2. Objetivos 1.2.1. Objetivo Geral Explorar de que forma a emergência do digital e das tecnologias da informação e comunicação alteram o modo como pessoas compartilham conteúdos em redes sociais. 1.2.2. Objetivos Específicos • Revisar o referencial bibliográfico sobre redes sociais na internet; • Identificar possíveis mecanismos que facilitem o compartilhamento de um conteúdo nas redes sociais na internet; • Iniciar uma discussão epistemológica sobre a comunicação digital e os desafios contemporâneos dos profissionais da área. 1.3. Justificativa O compartilhamento de notícias, fotos, dicas, anúncios, entre outras informações, é um dos motivos que atraem os usuários às redes sociais na internet. Todos querem ver e serem vistos. É de relevância ao estudo da comunicação, e também ao mundo corporativo, entender melhor como esse processo ocorre. E quais possíveis mecanismos estão envolvidos nele. Compreender essas redes pode nos ajudar a ver a internet como ferramenta da organização social e informação contemporânea, e perceber os novos valores e as mobilizações que emergem no ciberespaço. 12 Atualmente, é difícil dissociar o avanço tecnológico e seus impactos na vida social em todas as suas dimensões. A sociedade em mutação repensa seus valores: sociais, políticos, econômicos e comunicacionais. Estamos vivendo uma crise de identidade, conforme aponta Miconi (2008, p. 16). São transformações influenciadas pela internet e os novos dispositivos de comunicação. Há a emergência do ciberespaço e da cibercultura, fruto de um processo histórico. “A emergência da internet remete a novos padrões de interação social”, defende Castells (2003, p. 98). A era digital tornou mais evidente um dos desejos mais básicos e inerentes ao ser humano: a necessidade de se juntar em grupos, compartilhar, trocar informações e experiências. Com a internet, o ato de compartilhar foi potencializado. Da troca de e-mails, chats e grupos on-line à aprovação dada pelo botão curtir do Facebook. “Nos últimos anos, as redes se tornaram um dos principais focos de atenção em ciências, negócios e na sociedade em geral, devido a uma cultura global emergente. Em pouco tempo, a internet tornou-se uma poderosa rede de comunicação global” (CAPRA, 2008, p. 17). O autor ressalta, ainda, que “com as novas tecnologias de informação e comunicação, as redes se tornaram um dos fenômenos sociais mais proeminentes de nossa era” (ibid., p. 18). “As redes sociais têm sido utilizadas por psicólogos, sociólogos, antropólogos, cientistas da informação e pesquisadores da área de administração para explicar uma série de fenômenos caracterizados por troca intensiva de informação e conhecimento entre as pessoas” (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 34). 1.4. Problema De que maneira o meio digital e as tecnologias de informação e comunicação alteram o modo como pessoas compartilham um conteúdo – seja ele escrito, iconográfico, cinematográfico ou sonoro – em redes sociais? 13 1.5. Hipóteses • As tecnologias da informação e comunicação remetem a novos padrões de interação social e reconfiguram a relação entre emissor e receptor. Mudam o fluxo, a maneira de produção e difusão das informações, impactadas pela tecnologia e sua capacidade de convergência, levando-se em conta o papel dos indivíduos em rede como meios de propagação de conteúdos; • A viralização de um conteúdo nas redes sociais na internet pode ser comparada com uma infecção viral, no sentido biológico. Assim como os vírus, um conteúdo (escrito, iconográfico, cinematográfico ou sonoro) “invade” o nosso organismo e “infecta” o nosso cérebro, utilizando-se dos nossos referenciais simbólicos para se “reproduzir” e ser disseminado. É a formação do “meme”, conceito da biologia apropriado pelo mundo digital; • O repertório simbólico (cultural/social) de um indivíduo influencia como ele processa e é impactado por um conteúdo/informação recebido de suas redes sociais; alterações provenientes da emergência do digital impactam e alteram esse ecossistema e o modo como esse indivíduo operacionaliza o consumo e a produção de informação. 1.6. Metodologia Adotamos o conceito de “sociedade em rede”, de Castells (2001, 2003), como referencial teórico principal, concordando com o autor que a emergência da internet remete a novos padrões de interação social. Avançamos para explorar o impacto das tecnologias da informação e comunicação redefinindo os conceitos de emissor e receptor e produzindo novas práticas comunicacionais no ciberespaço, conforme defendido por Lemos (2002, 2003), e também por Jenkins, que introduz os conceitos de “convergência das mídias” (2009) e 14 “spreadability”2 (2013). Entendemos que vivemos um processo de transição, em que antigos e novos dispositivos de comunicação coexistem e interferem um no outro, remetendo às “linguagens líquidas", de Santaella (2007). O pano de fundo é a sociedade pós-moderna de Jameson (1997), Harvey (1992), Bauman (2009), Giddens (1991) e Lyotard (1986) e sua influência para moldar o indivíduo contemporâneo. O método de pesquisa adotado será a revisão bibliográfica de natureza exploratória, que subsidiará uma discussão posterior sobre uma nova epistemologia da comunicação digital e sobre os desafios contemporâneos dos profissionais da área. Por que revisar a literatura? “Para estabelecer as bases em que vão avançar, alunos precisam conhecer o que já existe, revisando a literatura existente sobre o assunto. Com isto, evitam despender esforços em problemas cuja solução já tenha sido encontrada” (STUMPF, 2014, p. 52). “A revisão da literatura acompanha o trabalho acadêmico desde a sua concepção até sua conclusão. Da identificação do problema e objetivos do estudo, passando por sua fundamentação teórica e conceitual, pela escolha da metodologia e da análise dos dados, a consulta à literatura pertinente se faz necessária” (ibid., p. 54). Concordamos com Barros e Junqueira (2014, p. 34) que o contexto social no qual as teorias são empregadas, além de ser condição de produção da interpretação que será realizada, fornece também as condições de possibilidades dos esquemas interpretativos por ela oferecidos. “O objeto de estudo é construído no âmbito de uma relação social e, por isso, não pode existir de forma autônoma da perspectiva teórica adotada e do contexto no qual ela é empregada” (BARROS; JUNQUEIRA, 2014, loc. cit.). “O mundo não é imediatamente apreensível sem que o ser humano se valha de algum instrumento para percebê-lo, interpretá-lo e avaliá-lo. E ele o faz sempre a partir de um determinado contexto. Se existe alguma percepção do mundo, existe antes um conjunto de esquemas de percepção, interpretação e avaliação que, de algum modo, a possibilitou, no interior de um certo cenário social, cultural, econômico, político etc” (BARROS; JUNQUEIRA, 2014, loc. cit.). 2 Henry Jenkins propõe um modelo alternativo para entender como e por que um conteúdo de mídia circula atualmente. O autor procura ressaltar o papel dos indivíduos em rede como meios de propagação desses conteúdos A noção de espalhamento [tradução nossa] pretende ser um contraste com os modelos mais antigos de aderência, que enfatizam o controle centralizado sobre a distribuição. Ver: JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Spreadable Media: Creating Value and Meaning in a Networked Culture. New York: New York University Press, 2013. 15 Também adotaremos o método dedutivo. “Isso significa que, a partir de teorias gerais e de longo alcance, o pesquisador estabelece relações com o seu objeto específico de pesquisa de forma lógica, relacional e aplicativa” (BARROS; JUNQUEIRA, 2014, p. 45). Nesse sentido, Lopes (2012, p. 103) ressalta que “os métodos não são simples instrumentos ou meios, são antes cristalizações de enunciados que permitirão ou não revelar aspectos e relações fundamentais no objeto estudado”. E defende que a comunicação deveria fazer uso da multiplicidade de métodos disponíveis, “sempre a partir da problemática específica que constitui seu objeto de estudo. Isso introduz fatores de incerteza e de legitimidade quanto aos métodos a usar” (ibid., p. 109). 16 2 AS REDES SOCIAIS COMO PALCO DE INTERAÇÕES 2.1. Um breve retrospecto: das redes sociais primordiais às redes conectadas As redes sociais não são uma novidade proporcionada pela emergência da internet e das tecnologias de informação e comunicação. “A formação de redes é uma prática humana muito antiga, mas as redes ganharam vida nova em nosso tempo, transformando-se em redes de informação energizadas pela internet” (CASTELLS, 2003, p. 07). Falar de seu surgimento nos leva ao início da civilização. Fazendo um retrospecto histórico, é possível inferir empiricamente que o ser humano sempre teve a necessidade de se juntar e viver em grupo, e isso se dá por uma série de motivos, como satisfazer suas necessidades básicas de alimentação, de abrigo, sexuais e de exploração do ambiente (LEITE, 1980, p. 15). As redes sociais podem surgir em torno de objetivos diversos: políticos, econômicos, culturais, informacionais (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 35). E podem assumir diferentes formatos e níveis de formalidade no decorrer do tempo (SOUZA; QUANDT, 2008, loc. cit.). Capra (2008, p. 22) afirma que para entender as estruturas de tais redes, precisamos de subsídios da teoria social, filosofia, ciência cognitiva, antropologia e outras disciplinas. Através de uma abordagem antropológica, Leite (1980, loc. cit.) diferencia o comportamento humano e animal: “os animais formam o grupo com divisão de trabalho, liderança e subordinação para enfrentar as dificuldades do ambiente. Os homens formam o grupo, e este não proporciona apenas recursos para enfrentar o ambiente. [...] Além das instituições econômicas criadas para satisfazer as necessidades de alimento e abrigo, e das instituições políticas, para estabelecer e defender o território e a hierarquia de poder, a cultura cria instituições educacionais, normativas, jurídicas, mágicas e religiosas, que estabelecem as formas de coesão do grupo, os seus tabus e o controle de sua regulamentação.” Partindo-se para uma abordagem sociológica, alguns autores têm sugerido modelos para analisar as funções da vida social e a necessidade humana para unir-se em grupos. Forsyth (1996, tradução nossa) apresenta um modelo teórico chamado de “as cinco grandes tradições nos grupos”: 17 • Pertencimento: supre a oportunidade para contato e relacionamento com outros indivíduos em uma organizada rede social, promove comunicação geral e interação social entre as pessoas; • Intimidade: proporciona oportunidade para um caloroso, suportivo, amigável e solidário relacionamento com outros. Além de propiciar coesivo trabalho de grupo; • Produtividade: oferece oportunidade para a produção, aquisição, sucesso, controle de recursos e execução de tarefas orientadas; • Estabilidade: fornece aos indivíduos sentido de aumento de estabilidade ou decréscimo de ansiedade, diminuindo dúvidas pessoais, tensão, vulnerabilidade, insegurança e autopiedade; enquanto aumenta a autoestima, satisfação pessoal e identidade; • Adaptabilidade: oferece oportunidade para criatividade, refinamento de ideias, melhoria pessoal, aumento da capacidade de entender a si mesmo e os outros, melhoria das relações interpessoais (aprendendo habilidades sociais e sociabilizando-se como membro). De uma maneira mais pragmática, Johnson (1997, p. 120) define que uma rede social não existe se não for composta por pessoas, que se comunicam, e se relacionam em torno de algo comum a elas. “A rede social é simplesmente um conjunto de relações que ligam pessoas, posições sociais ou outras unidades de análise, como grupos ou organizações” (JOHNSON, 1997, loc. cit.). As redes sociais surgem exatamente dessa necessidade do ser humano em compartilhar com o outro, criar laços sociais que são norteados por afinidades entre eles. Existem diferentes tipos de redes sociais: primárias, secundarias e intermediárias. “A primária é uma rede social constituída por todas as relações significativas que uma pessoa estabelece cotidianamente ao longo da vida. Cada pessoa é o centro de sua própria rede, que é composta por familiares, vizinhos, pessoas amigas, conhecidas, colegas de trabalho, organizações das quais participa etc. As redes secundárias e intermediárias formam-se pela atuação coletiva de grupos, instituições e pessoas que defendem interesses comuns” (TEIXEIRA, 2007). 18 A todas essas redes chamamos de analógicas, por não necessitarem de nenhuma tecnologia específica para existirem. Ainda partindo-se de uma abordagem sociológica, percebe-se que as redes são montadas pelas escolhas e estratégias de atores sociais, sejam indivíduos, famílias ou grupos sociais (CASTELLS, 2003, p. 107). “As redes sociais são estruturas dinâmicas e complexas formadas por pessoas com valores e/ou objetivos em comum, interligadas de forma horizontal e predominantemente descentralizadas” (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 34). Como exemplo, podemos citar a dinâmica da fofoca entre duas ou mais pessoas, a “rádio peão” nos corredores das empresas, as redes sociais do clube, igreja e bairro. Conforme Tanaka (2007) descreve: “a fofoca é um dos meios de comunicação mais antigo do mundo. É um fenômeno social inserido no cotidiano das pessoas, podendo gerar sérias consequências, por ser extremamente destrutivo; mas também exerce função integradora, de entretenimento e diversão.” Estendendo-se a possibilidade da abordagem do conceito de rede social por diferentes disciplinas, após falarmos das estruturas intrínsecas às redes sociais analógicas, e do comportamento do ser humano, é importante descrevermos alguns mecanismos psicológicos que favorecem o comportamento social em rede. Compreender melhor de onde sai essa vontade inata do ser humano de se relacionar uns com os outros, compartilhar conhecimento, ideias e informações. Fatores motivacionais que influenciam o compartilhamento de conhecimento entre indivíduos podem ser divididos em internos e externos (IPE3, 2003 apud ALCARÁ et al., 2009). Fatores internos incluem o sentimento de poder, ligado ao conhecimento e à reciprocidade que resultam do compartilhamento. Fatores externos incluem o relacionamento com o outro (receptor) e com a recompensa por compartilhar. Além disso, Davenport e Hall4 (2002 apud ALCARÁ et al., 2009) ressaltam que alguns indivíduos sentem prazer em relatar os resultados alcançados por determinados atos. O compartilhamento da informação, neste caso, pode ser motivado pela satisfação pessoal de divulgar suas próprias ideias e conhecimentos. 3 IPE, M. Knowledge sharing in organizations: a conceptual framework. Human Resource Development Review, v. 2, n. 4, p. 337-359, dec. 2003. 4 DAVENPORT, E.; HALL, H. Organizational knowledge and communities of practice. Annual Review of Information, Science and Technology - ARIST, Medford, v. 36, p. 171-227, aug. 2002. 19 Adotando uma visão transdisciplinar, Barabási (2009, p. 06) amplia o conceito de rede e analisa fenômenos como apagões elétricos, epidemias, terrorismo, crises financeiras e até a distribuição de riqueza como uma grande teia interconectada. Para o autor, cada vez mais reconhecemos que nada ocorre isoladamente. As redes estão em toda parte. Muitos eventos e fenômenos se acham conectados, são caudados por uma gama de outras partes de um complexo quebra-cabeça universal e com elas interagem (ibid., p. 06-07). Para finalizar a conceituação das redes sociais, vamos tratar das redes sociais estabelecidas através da comunicação mediada por computador, possibilitada pelo advento da internet, tema principal deste trabalho e que será mais bem desenvolvido no próximo capítulo. Adotamos a visão de Castells (2001, 2003), “particularmente útil porque, ao contrário de outras possui atributos transversais na sua abordagem social, econômica e política das sociedades, ao mesmo tempo em que confere a essa análise uma dimensão global” (CARDOSO, 2007, p. 24). Formulando uma análise do desenvolvimento da nossa sociedade baseada na lógica da internet, Castells (2003, p. 48-49) pressupõe uma “sociedade em rede”, sustentada em duas características fundamentais: a primeira é o valor da comunicação livre, horizontal, a prática da livre expressão global, de muitos para muitos; a segunda é a possibilidade dada a qualquer pessoa de encontrar sua própria destinação na net, e, não a encontrando, de criar e divulgar sua própria informação, induzindo assim a formação de uma rede, autônoma, auto-organizada. Rheingold5 (1995 apud RECUERO, 2011, p. 136) fala de “comunidades virtuais”. Através do advento da comunicação mediada pelo computador e sua influência na vida e na sociedade cotidiana, as pessoas estariam buscando novas formas de conectar-se, estabelecer relações e formar comunidades, já que, por conta da violência e do ritmo de vida, não conseguem encontrar espaços de interação social. 5 RHEINGOLD, H. La Comunidad Virtual: Una Sociedad sin Fronteras. Barcelona: Gedisa Editorial, 1995. 20 2.2. A linguagem e o simbólico dando sentido ao mundo Como apontamos, a era digital tornou mais evidente um desejo básico e inerente do ser humano: a necessidade de compartilhar, de trocar informações e experiências. Ampliando a discussão, partimos agora para entender como a linguagem e os processos simbólicos atuam nessa dinâmica. Capra (2008, p. 22) afirma que as redes sociais são, antes de tudo, redes de comunicação, que envolvem linguagem simbólica, restrições culturais, relações de poder etc. “Os grupos humanos distinguem-se nitidamente dos agrupamentos animais mais simples por suas instituições culturais, pela comunicação simbólica e as reações do pensamento abstrato” (LEITE, 1980, p. 16). Também na visão de Jablonka e Lamb (2010, p. 233), o que torna a espécie humana tão diferente e especial, nos diferenciando dos demais animais, é a nossa capacidade de pensar e nos comunicar através de palavras e de outros símbolos. A suposição leva em conta que “a racionalidade, a capacidade linguística, a habilidade artística e a religiosidade são todas facetas do pensamento e da comunicação simbólicos” (JABLONKA; LAMB, 2010, loc. cit.). Leite (op. cit., p. 19) afirma que, além da linguagem (pensada, falada ou escrita), a herança cultural inclui os hábitos, as ideias, as crenças. “A cultura provoca profundas mudanças na personalidade dos indivíduos. [...] Impõe comportamentos uteis ao bem comum, através da tradição, das leis e das normas” (ibid., p. 21). No livro A Evolução em Quatro Dimensões, Jablonka e Lamb (2010) propõem uma revisão da teoria evolucionista de Darwin6, considerando o papel dos símbolos e da linguagem na evolução do ser humano. Sustentam que a evolução está sujeita, também, aos impactos da cultura, além de sua causa genética. E fornecem subsídio científico para um melhor entendimento de como uma informação age na mente do ser humano e se propaga externamente, afetando outras pessoas. Também apontam que alguns tipos de informação simbólica têm mais chance de serem gerados, transmitidos e adquirido do que outros: “no caso dos sistemas simbólicos, temos de pensar na maneira como os símbolos podem se juntar para formar estruturas hierárquicas cada vez maiores, e nas maneiras como os elementos simbólicos podem ser movidos e reorganizados de forma a produzir novos significados” (ibid., p. 244). 6 Ver: DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. Trad. Carlos e Anna Duarte. São Paulo: Martin Claret, 2014. 21 As autoras discutem o conceito de “meme”, apropriado pelo mundo digital, recuperando a teoria de Richard Dawkins5. De acordo com Dawkins, o “meme” é uma unidade de informação que reside no cérebro, na forma de circuitos neurais. E devido aos seus efeitos fenotípicos podem ser copiados em outros cérebros. O “meme” pode ser considerado uma ideia, um conceito, sons ou qualquer outra informação que possa ser transmitida rapidamente (JABLONKA; LAMB, 2010, p. 248-249). Mas também ressaltam falhas no conceito de “meme” adotado por Dawkins e outros que tentam explicar a evolução do comportamento humano e da cultura apenas em termos darwinistas. A falha estaria na distinção feita entre os replicadores (memes) e os seus veículos (cérebro e outros artefatos humanos). “[...] Uma vez que variações herdáveis no comportamento e nas ideias (memes) são reconstruídas pelos indivíduos e grupos (veículos) por meio do aprendizado, é impossível pensar na transmissão dos memes como algo isolado de seu desenvolvimento e de sua função” (ibid., p. 250). Outro pensador a contribuir com o assunto é Flusser (2013, p. 89), que entende a comunicação humana como um processo artificial, baseada em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos, em símbolos organizados em códigos. Segundo o autor: “pode-se afirmar que a transmissão de informações adquiridas de geração em geração seja um aspecto essencial da comunicação humana, e é isso, sobretudo, que caracteriza o homem: ele é um animal que encontrou truques para acumular informações adquiridas” (ibid., p.93). Para Shirky (2012, p. 92), estamos vivendo no meio do maior aumento da capacidade expressiva na história da raça humana. “Mais pessoas podem comunicar mais coisas para mais pessoas do que jamais foi possível no passado, e o tamanho e a velocidade desse aumento, que foi de menos de 1 milhão para mais de 1 bilhão de participantes no decorrer de uma geração, fazem da mudança algo sem precedentes, mesmo considerada contra o pano de fundo de revoluções anteriores nas ferramentas de comunicação” (SHIRKY, 2012, loc. cit.). Partindo-se do pressuposto que a cultura humana e seus avanços se desenvolvem pela interação do homem com o seu ambiente por meio da comunicação e do sistema simbólico, compreender o funcionamento e o papel da comunicação no ser-social nos ajuda a 22 conhecer os reais impactos da web e das redes sociais na vida das pessoas. Shirky (2012, p. 92) observa que, agora, com a crescente expansão e fusão dos telefones celulares e da internet, possuímos uma plataforma que gera ao mesmo tempo poder expressivo e tamanho de público. “Cada novo usuário é um criador e consumidor em potencial, e um público cujos membros podem cooperar diretamente uns com os outros, de muitos para muitos” (SHIRKY, 2012, loc. cit.). A comunicação, portanto, conforme mostramos, é baseada na transmissão simbólica. No ambiente digital e nas redes sociais, esse fenômeno se complexifica e se potencializa, como veremos no próximo capítulo. 2.3. A sociedade pós-moderna construindo valores e desejos Antes de explorarmos com mais profundidade de que maneira o meio digital e as tecnologias de informação e comunicação alteram o modo como pessoas compartilham um conteúdo nas redes sociais, é importante situar o atual contexto histórico em que estamos inseridos. Pierson (1981, p. 281) faz, antes, uma ressalva: “a impressão, muito generalizada, de que as sociedades são constituídas pela simples soma dos indivíduos que as compõem representa análise superficial dos problemas envolvidos. Por outro lado, dizer que as pessoas são determinadas pela sociedade é análise igualmente superficial. Nem a sociedade nem a pessoa são produtos apenas uma da outra. São, por assim dizer, ‘irmãos siameses’. Nasceram juntos e só podem funcionar um em relação ao outro” (PIERSON, 1981, loc. cit.). Sem deixar de levar em conta a visão do autor, é pertinente questionar quais os valores que regem nossa sociedade. Giddens (1991, p. 11), em uma análise do final do século XX, aponta o limiar de uma “nova era”, em que uma variedade de termos tem sido sugerida para descrevê-la, alguns dos quais se referem positivamente à emergência de um novo tipo de sistema social (“sociedade de informação” ou “sociedade de consumo”), mas cuja maioria sugere que, mais que um estado de coisas precedente, está se chegando a um encerramento (“pós-modernidade”, “pós-modernismo”, “sociedade pós-industrial”). 23 Sinalizando uma discussão latente na contemporaneidade, o autor (GIDDENS, 1991, p. 58) aponta que não vivemos ainda num universo social pós-moderno, mas podemos ver mais do que uns poucos relances da emergência de modos de vida e formas de organização social que divergem daquelas criadas pelas instituições modernas. Vários outros teóricos já se debruçaram sobre o tema da pós-modernidade, dentre eles, podemos citar Jameson (1997), Harvey (1992), Bauman (2009) e Lyotard (1986). Pelas ideias dos autores, pode-se inferir que a pós-modernidade é uma nova modalidade de pensar e de viver, que busca construir uma nova racionalidade. A ideia de pós-modernidade apaga as linhas divisórias entre os diferentes reinos da sociedade - político, econômico, social e cultural (KUMAR, 2006, p.140). Para Giddens (op. cit., p. 81), há uma sensação de “aldeia global”7, advinda das transformações tecnológicas da comunicação, que seriam grandes influenciadoras de todos os aspectos do processo de globalização. “Tanto modernistas quanto pós-modernistas reconhecem que está em curso um processo e mudanças das mais variadas ordens, que implicam em novos comportamentos, novos valores, novas perspectivas diante dos problemas, novas mentalidades, destruição de velhos paradigmas e ascensão ou ausência de outros. A humanidade encontra-se em meio a um grande vazio de valores, e simultaneamente vê-se inundada por uma infinidade de possibilidades” (BARROS, 2001). Bauman (2009) chama atenção para os problemas que a atual condição do sistema capitalista suscita no ser humano hoje. E introduz o conceito de “vida líquida”, que caracteriza, segundo ele, a atual sociedade pós-moderna, “em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo muito mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir” (ibid., p. 07). O autor aborda questões como a ansiedade e a angústia que é viver em nossa atual condição sociocultural, marcada por infinitas possibilidades de escolhas e pela falta de solidez e durabilidade. “A promessa de satisfação, no entanto, só permanecerá sedutora enquanto o desejo continuar irrealizado” (ibid., p. 105). É um ciclo, segundo o autor, que se realimenta: “o método de satisfazer toda necessidade/desejo/vontade de uma forma que não pode deixar de provocar 7 Marshall McLuhan criou o termo “Aldeia Global” na década de 60 ao analisar que as novas tecnologias eletrônicas tendem a encurtar distâncias e reduzir todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estariam interligados. A expressão é discutida em suas obras A Galáxia de Gutenberg (1962) e Os Meios de Comunicação como Extensão do homem (1964). 24 novas necessidades/desejos/vontades” (BAUMAN, 2009, p. 105). O mecanismo citado pelo autor deve ser levado em conta entre as motivações subjetivas que impulsionam o ser humano a se relacionar em grupo, que impactam seu comportamento e visão de mundo e, consequentemente, a forma como compartilha e dissemina suas ideias e temas de interesse nas redes sociais. Por isso é importante pensar a comunicação a partir da consideração das complexidades que perpassam as sociedades contemporâneas. 25 3 AS REDES SOCIAIS SOB O IMPACTO DA DIGITALIZAÇÃO 3.1. A sociedade em mutação Na contemporaneidade, é difícil separar o avanço tecnológico e seus impactos na vida social em todas as suas dimensões. A tecnologia é onipresente. Ao mesmo tempo em que fascina e agrega também tem o poder de dominar e se impor, em um processo dinâmico de causa e efeito. Conceitos da modernidade são colocados em xeque, dentro desta fase de transição de uma nova ordem que vai se estabelecendo. Atividades econômicas, sociais, políticas e culturais essenciais por todo o planeta estão sendo estruturadas pela internet e em torno dela. Ser excluído dessas redes é sofrer uma das formas mais danosas de exclusão em nossa economia e em nossa cultura (CASTELLS, 2003, p. 08). “A sociedade em mutação repensa seus valores: sociais, políticos, econômicos e comunicacionais. Há uma crise de identidade”, aponta Miconi (2008, p. 16). O autor também ressalta a existência do duplo como sintoma dos novos tempos: “tensão entre inclusão/exclusão, ordem/desordem, desagregação/reintegração” (MICONI, 2008, loc. cit.). Transformações influenciadas pela internet e os novos dispositivos de comunicação, a partir da difusão de formas culturais próprias das novas tecnologias. Há a emergência do ciberespaço e da cibercultura. Nesse contexto, Castells (op. cit., p. 104) fala da ascensão do individualismo sob todas as suas manifestações, um comportamento induzido pela crise dos valores da modernidade. E sublinha que pode haver um limiar de uso da internet acima do qual a interação on-line sacrifica a sociabilidade off-line. Mas reconhece ser difícil chegar a uma conclusão definitiva sobre os efeitos da internet sobre a sociabilidade. As tecnologias digitais e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, “a sociedade em rede”, ocasionando rápidas e profundas alterações no modo como nos relacionamos com os outros (CASTELLS, 2001, tradução nossa). “Essa comunicação, mais do que permitir aos indivíduos comunicar-se, amplificou a capacidade de 26 conexão, permitindo que redes fossem criadas e expressas nesses espaços: as redes sociais mediadas pelo computador” (RECUERO, 2009, p. 16). No entanto, Castells (2003) ressalta que não existe algo como uma cultura comunitária unificada na internet. “O mundo diverso da internet é tão diverso e contraditório quanto à própria sociedade” (ibid., p. 48). Como qualquer outra comunidade, uma comunidade virtual é também um conjunto de pessoas que aderem a certos contatos sociais (frouxos) e que compartilham certos interesses (ecléticos), segundo Rheingold (1998, p. 120121). “Os indivíduos montam suas redes, on-line e off-line, com base em seus interesses, valores, afinidades e projetos. Por causa da flexibilidade e do poder de comunicação da internet, a interação social on-line desempenha crescente papel na organização social como um todo” (CASTELLS, op. cit., p.109). O autor aponta, assim, relação de interdependência entre o comportamento social típico e o virtual. Grupos sociais off-line seriam fortalecidos através da internet. “A emergência da internet remete a novos padrões de interação social. Um processo histórico de desvinculação entre localidade e sociabilidade”, defende Castells (ibid., p. 98). Para Lévy (1994), há uma “crescente evidência da rede como ambiência para o estabelecimento de arenas e espaços de sociabilidade”. 3.2. As tecnologias da informação e comunicação redefinindo emissor e receptor As relações entre as tecnologias da informação e comunicação e a cultura contemporânea são o ponto de partida para Lemos (2003) analisar as novas práticas comunicacionais no ciberespaço. Ele defende que há uma “descentralização crescente das mediações comunicacionais no ciberespaço, alterando, assim, as formas pelas quais os fluxos de informação são produzidos, compartilhados e socialmente apropriados” (LEMOS, op.cit., p. 13). E aponta que a comunicação não se dá mais apenas de uma maneira vertical, com o emissor agindo sobre um receptor passivo. “Dispositivos conectados à internet abrem espaço para uma comunicação horizontal, com emissor e receptor dividindo o poder da informação” (LEMOS, 2003, loc. cit.). 27 Pode-se inferir, assim, que Facebook, Twitter, YouTube e outras plataformas de interação social geram novos paradigmas, impactando o processo comunicacional e de circulação das informações na sociedade. “A internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global” (CASTELLS, 2003, p. 08). “A publicação autônoma, a auto-organização e autopublicação, bem como a formação autônoma de redes constitui um padrão de comportamento que permeia a internet e se difunde a partir dela para todo o domínio social. Assim, embora extremamente diversa em seu conteúdo, a fonte comunitária da internet a caracteriza de fato como um meio tecnológico para a comunicação horizontal e uma nova forma de livre expressão. Assenta também as bases para a formação autônoma de redes como um instrumento de organização, ação coletiva e construção de significado” (ibid., p. 49). Outro conceito relevante para entendermos melhor as novas práticas comunicacionais no ciberespaço é abordado por Lemos (2002). Ele introduz uma noção de “interatividade”, que se desenvolve a partir da relação homem/máquina. “Hoje tudo se vende como interativo; da publicidade aos fornos de micro-ondas”, observa (LEMOS, op. cit., p. 119). E o surgimento do hipertexto amplia as conexões. Alzamora (2007, p. 77) afirma: “a lógica hipermidiática privilegia aspectos colaborativos da informação, salientando as múltiplas dimensões dos intercâmbios de informação no ciberespaço. Do ponto de vista da informação veiculada, a noção de transmissão deixa de ser preponderante.” O hipertexto é eminentemente interativo. É o usuário que determina qual informação deve ser vista, em que sequência e por quanto tempo. Quanto maior a interatividade, mais profunda será a experiência de imersão do leitor (SANTAELLA, 2007, p. 310). A autora, entretanto, ressalta: “a grande flexibilidade do ato de ler um hipertexto pode se transformar em desorientação se o receptor não for capaz de formar um mapa cognitivo, mapeamento mental do desenho estrutural do documento. Para a formação desse mapa, contudo, ele precisa encontrar pegadas que funcionem como sinalizações do design do hipertexto” (SANTAELLA, 2007, loc. cit.). Mas é importante observar que vivenciamos um processo de transição, em que antigos e novos dispositivos de comunicação coexistem e interferem um no outro. Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo (PADIGLIONE, 2013) aborda a relação da 28 televisão com as mídias sociais, especialmente o Twitter, e mostra como a TV aumenta sua penetração se apropriando das novas tecnologias. O texto relata que “as redes sociais criam nova ‘sala de estar’, multiplicando o alcance viral de programas televisivos” (PADIGLIONE, 2013). Antes temida como foco que roubaria a audiência, a web ganhou status de agregadora à audiência ao ser tratada como segunda tela e tem inspirado a criação de aplicativos de toda espécie para a TV, ressalta a jornalista, apontando que o Twitter e o Facebook trouxeram de volta o prazer de conversar com alguém sobre o programa que está no ar. Enriquecendo a discussão, Santaella (2007) fala de “linguagens líquidas”, apropriando-se da metáfora dos líquidos de Zigmunt Bauman8, utilizada frequentemente como atributo da sociedade contemporânea. A autora coloca as linguagens em primeiro plano para evidenciar que, no universo digital, texto, imagem e som não são mais o que costumavam ser. “Perderam a estabilidade que a força de gravidade dos suportes fixos lhes emprestavam” (ibid., p. 24). E ressalta que “nesta era de comunicação móvel, cada vez menos a comunicação está confinada a lugares fixos, e os novos modos de telecomunicação têm produzido transmutações na estrutura da nossa concepção cotidiana do tempo, do espaço, dos modos de viver, aprender, agir [...]” (ibid., p. 25). Santaella (ibid. p. 286) avalia que o conceito de texto vem passando por transformações profundas desde a emergência das tecnologias digitais. A integração do texto, das imagens – fixas e em movimento – e do som, música e ruído, “em uma nova linguagem híbrida, mestiça, complexa, que é chamada de hipermídia, trouxe mudanças para o modo como entendíamos não só o texto, mas também a imagem e o som” (SANTAELLA, 2007, loc. cit.). “Sons, palavras e imagens que, antes, só podiam coexistir passam a se coengendrar em estruturas fluidas, cartografias líquidas para a navegação com as quais os usuários aprendem a interagir, por meio de ações participativas, como num jogo” (ibid, p. 294). 8 Zygmunt Bauman defende o conceito de “modernidade líquida”. Com a ideia de “liquidez”, ele tenta explicar as mudanças profundas que a civilização vem sofrendo com a globalização e o impacto das tecnologias da informação e comunicação. Bauman denuncia a perda de referências políticas, culturais e morais da civilização. Entre suas obras, Modernidade Líquida (2001), Tempos Líquidos (2007), Vida Líquida (2009). 29 Três fontes primordiais são identificadas pela pesquisadora: “os signos audíveis (sons, músicas, ruídos), os signos imagéticos (todas as espécies de imagens fixas e animadas) e os signos verbais (orais e escritos)” (SANTAELLA, 2007, p. 320). “Sistemas baseados em computador são primordialmente interativos em vez de unidirecionais, abertos em vez de fixos. O diálogo, regulado e disseminado pela computação digital, tira a ênfase da autoria em favor de mensagens em circuito que tomam formas fixas, mas efervescentes e continuamente variáveis” (ibid., p. 316). A revolução no mundo da comunicação influencia a nossa vida com mais intensidade do que tendemos habitualmente a aceitar. O significado geral do mundo e da vida em si mudou sob o impacto da revolução na comunicação (FLUSSER, 2013, p. 127). O autor afirma que nós continuamos a ser programados por textos. Nós “lemos” o mundo, mas a nova geração, que é programada por imagens eletrônicas, não compartilha dos nossos “valores” (ibid., p. 135). Ele fala da crescente importância das mensagens não escritas em nosso ambiente, apontando o distanciamento em relação aos códigos lineares, como a escrita, e a aproximação aos códigos bidimensionais, como fotografias, filmes e TV (ibid., p. 139). “É necessário aprender a decifrar essas imagens, é preciso aprender as convenções que lhes imprimem significado” (ibid., p. 142). Shirky (2012, p. 76) afirma que, antes da internet, quando falávamos sobre mídia, estávamos tratando de duas coisas diferentes: mídia de transmissão e mídia de comunicação. “A mídia de transmissão, como o rádio e a televisão, mas também os jornais e o cinema, destina-se a publicar mensagens para que todos vejam. Conceitualmente, a mídia de transmissão tem a forma de um megafone, amplificando uma mensagem unidirecional de um emissor para muitos receptores. Já a mídia de comunicação, dos telegramas aos telefones, passando pelo fax, destina-se a facilitar conversas de mão dupla. Conceitualmente, ela é como um tubo; a mensagem inserida em uma ponta é endereçada a um receptor específico na outra ponta” (SHIRKY, 2012, loc. cit.). Antes de a internet ter o alcance de hoje, facilitada ainda mais pela difusão dos smartphones, era caro e difícil conseguir dizer algo que pudesse ser ouvido por um número significativo de pessoas. Shirky (2012, loc. cit.) defende que agora que nossa tecnologia de comunicação está mudando, as distinções entre mídia de transmissão e mídia de comunicação 30 estão evaporando. Os dois padrões se confundem, e agora comunicações de grupos pequenos e grandes veículos de transmissão existem todos como parte de um único ecossistema interconectado. “Usuários – pessoas – sempre conversaram uns com os outros, incessante e demoradamente. A única diferença é que as mensagens de usuário para usuário eram mantidas à parte dos meios de comunicação mais antigos, como a TV e os jornais” (SHIRKY, 2012, p. 86). 3.3. Nova relação entre consumidores e a indústria das mídias As transformações na sociedade contemporânea, influenciadas pela internet e os novos dispositivos de comunicação, com a reconfiguração da função de emissor e receptor, como vimos no item anterior, suscitam discussões sobre a nova relação entre consumidores e a indústria das mídias. A partir de estudo de casos, entrevistas e de sua experiência como fundador e diretor do Programa de Estudos de Mídia Comparada, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, Jenkins (2009, p. 29-30) introduz o conceito de convergência das mídias, entendido pelo autor como uma transformação cultural – à medida que altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos – e não apenas como uma mudança tecnológica. Argumentação é que a convergência envolve uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicação. Os consumidores da indústria das mídias assumem novos poderes. Passam de meros espectadores passivos para uma ação mais participativa, mediados pelas Tecnologias de Informação e Comunicação, que evoluem rapidamente (ibid., p.30). O suporte digital estabeleceu as condições para a convergência ao permitir que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas distintas no ponto de recepção (ibid., p. 31). O autor se contrapõe ao conceito de revolução digital de Nicolas Negroponte9. Para Jenkins (ibid, p. 32-33), os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos. Suas funções e status estão sendo transformados pela introdução de novas tecnologias. Velhas e novas 9 Ver: NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. Trad. Sergio Tellaroli. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 31 mídias colidem; mídia corporativa e alternativa se cruzam. Nesse sentido, o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis, sustenta. Mas Jenkins (2009, p. 43) ressalta que não haverá uma “caixa preta” que controlará o fluxo midiático para dentro de nossas casas. “Graças à proliferação de canais e à portabilidade das novas tecnologias, estamos entrando numa era em que haverá mídias em todos os lugares. A convergência não é algo que vai acontecer um dia. Prontos ou não, já estamos vivendo numa cultura da convergência” (JENKINS, 2009, loc. cit.). Jenkins também introduz, no livro Spreadable Media (2013), o conceito de “spreadability”, que fornece mais subsídios à compreensão das motivações que levam um indivíduo a compartilhar conteúdos em suas redes sociais. O autor “procura ressaltar o papel dos indivíduos em rede como meios de propagação de conteúdos e de configuração de novos espaços informativos” (SAAD, 2013, p. 289). “Conteúdos só se espalham se possuírem algo de exclusividade para audiências específicas. Para tanto, é preciso diferenciar e entender o quão estratégica é a relação entre ouvir e repercutir a audiência ou apenas escutar suas vozes distantes” (ibid., p. 288). 3.4. Por que compartilhar? Efeito Viral e Memes Nesse cenário de reconfiguração da mídia, com a emergência da internet e das tecnologias de informação e comunicação remetendo a novos padrões de interação social e facilitando a comunicação de muitos para muitos através dos dispositivos conectados, buscase compreender a razão de determinadas mensagens conseguirem uma disseminação exponencialmente superior a outras, denominada genericamente de “viral”. No dicionário Novo Aurélio Século XXI (FERREIRA, 1999, p. 2078), a palavra “vírus” tem duas definições: • Biologia: diminuto agente infeccioso que não tem capacidade metabólica autônoma e apenas se reproduz no interior de células vivas. Assim como outros organismos, pode multiplicar-se com continuidade genética e é passível de mutação, podendo apresentar formas diversas [...]; 32 • Informática: programa estranho ao sistema de computador capaz de copiar e instalar a si mesmo, concebido para provocar efeitos nocivos ou estranhos à funcionalidade do sistema ou aos dados nele armazenados. Assim como aconteceu na informática, o termo viral, também apropriado da biologia, pode ser entendido, na comunicação, como uma “epidemia” que se espalha por meio do compartilhamento de algum tipo de conteúdo (escrito, iconográfico, cinematográfico ou sonoro). Dois tipos de virais podem ser identificados (SALZMAN; MATATHIA; O'REILLY, 2003, p. 08): o “espontâneo”, efeito boca a boca, da transferência de informação pelas redes sociais, sem o estímulo do marketing; e o “deliberado”, com o uso roteirizado da ação pelo marketing para gerar buzz, com a ilusão de invisibilidade do autor. “Embora viroses biológicas, computacionais e de mercado tenham diferentes elementos constitutivos e processos, elas estão conectadas pela realidade da transmissão social em rede” (BOASE; WELLMAN, 2008, p. 90). Os autores utilizam dois tipos de classificações de rede (ibid., p. 91-92): • Redes densamente conectadas, nas quais há contato frequente entre seus membros, aumentam o potencial para que o integrante infectado transmita o vírus a quase todos os outros integrantes; • Redes ramificadas apresentam contatos pouco frequentes entre seus membros, e não haverá dois membros em contato com conjunto similar de pessoas ou máquinas. Essas redes provêm pontas pelas quais um novo vírus pode trafegar de um grupo a outro e assim por diante, permitindo que muitos diferentes tipos de viroses alcancem diferentes tipos de pessoas. Mas Boase e Wellman (ibid., p. 91) reconhecem que os dois modelos são ideais. “A realidade é mais confusa, combinando ambas as formas. A estrutura de contatos deve ser levada em consideração na compreensão da forma como as viroses e todos os tipos de redes operam” (BOASE; WELLMAN, 2008, loc. cit.). Shirky (2012, p. 136) corrobora essa visão, ao apontar que uma maneira de pensar sobre a mudança na capacidade dos grupos de se formar e agir é usar uma analogia com a disseminação de doenças. 33 “O modelo clássico para a disseminação de doenças considera três variáveis – probabilidade de infecção, probabilidade de contato entre duas pessoas quaisquer e tamanho da população. Se qualquer uma dessas variáveis aumenta, a disseminação geral da doença aumenta também” (SHIRKY, 2012, p. 136). Transpondo essas variáveis para o mundo digital, temos um pressuposto das condições mínimas para alcançarmos repercussão e compartilhamento de um conteúdo que disponibilizamos através das redes sociais na internet. A expressão “memes de internet” é utilizada para caracterizar algo que se difunde através da web rapidamente. Fenômeno potencializado pela emergência de redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube. É comum se transformarem nos chamados “virais”, usados para divulgar e propagar uma marca ou serviço. Como observamos no capítulo anterior deste trabalho, recuperando a teoria de Richard Dawkins, o “meme” é uma unidade de informação que reside no cérebro, na forma de circuitos neurais. E devido aos seus efeitos fenotípicos podem ser copiados em outros cérebros. O “meme” pode ser considerado uma ideia, um conceito, sons ou qualquer outra informação que possa ser transmitida rapidamente (JABLONKA; LAMB, 2010, p. 248-249). O jornal norte-americano The New York Times (THE PSYCHOLOGY OF SHARING, 2011, tradução nossa) realizou uma pesquisa sobre a “psicologia do compartilhamento” nas redes sociais na internet com a intenção de desvendar a motivação dos internautas para o compartilhamento de conteúdos. Também questionou se há personalidades distintas com diferentes motivações. O jornal trabalhou com a Latitude Research, que conduziu um estudo em três fases: pesquisa etnográfica com entrevistas em Nova York, Chicago e São Francisco; um painel de imersão de uma semana; e uma pesquisa quantitativa com 2.500 usuários pesados e médios de internet em relação aos compartilhamentos, conduzindo uma segmentação para identificar os principais tipos de compartilhadores. Uma das conclusões é que compartilhar informações não é novo, é da natureza humana. Com a internet, nós apenas compartilhamos mais conteúdo, de fontes mais diversas, com mais pessoas, com mais frequência e mais rápido, tudo on-line [como já mostramos no capítulo anterior deste trabalho]. Sobre as motivações dos internautas para compartilharem conteúdos nas redes sociais, a pesquisa identificou cinco: há pessoas que compartilham por acreditar disponibilizar conteúdo relevante e divertido aos outros; outros querem expor sua 34 personalidade; há também os que buscam ampliar os relacionamentos pessoais; os que querem se sentir realizados; e os que desejam expor suas causas. Nesse contexto, seis “personas” foram identificadas: altruístas, carreiristas, “hipsters”, “boomerangs”, conectores e seletivos. Os dados coletados são os seguintes: • 49% dos usuários de mídias sociais compartilham conteúdo que lhes permite informar aos outros sobre as coisas que lhes interessam e que podem mudar opiniões ou incentivar determinadas ações; • 68% dos usuários de mídias sociais compartilham conteúdo que passe aos seus amigos uma melhor noção de quem eles são e com o que eles se preocupam; • 84% dos usuários de mídias sociais compartilham conteúdo de apoio a causas com as quais eles se preocupam; • 94% consideram cuidadosamente se as informações que compartilham serão úteis para seus destinatários; • 73% das pessoas compartilham conteúdo porque isso os ajuda a se conectar com outros que compartilham de seus interesses; • 78% das pessoas dizem compartilhar informações on-line porque isto lhes permite ficar conectados com pessoas que de outra forma não estariam em contato com eles; • 69% das pessoas compartilham informação porque isso permite que se sintam mais envolvidas com as questões do mundo. Já uma sondagem da Ipsos Open Thinking Exchange (IPSOS OPEN THINKING EXCHANGE, 2013, tradução nossa), conduzida em 24 países, entre 2 e 16 de abril de 2013, via Ipsos Online Panel System, com 18.150 adultos entre 16 e 64 anos, aponta que sete em dez (71%) dos consumidores on-line admitiram que, no mês anterior, compartilharam algum tipo de conteúdo nas redes sociais. Três em dez (29%) indicaram que não compartilharam nenhum conteúdo no mesmo período. O conteúdo mais popular compartilhado foram imagens (43%), seguidas por “minha opinião” (26%), uma atualização do que “estou fazendo” (26%), 35 links para artigos (26%), “algo que eu gosto ou recomendo”, como um produto, serviço, filme, livro etc (25%), “novidades” (22%), links para outros sites (21%), repostagem de posts de outras pessoas (21%), atualização de como “estou me sentindo” (19%), “vídeos clips” (17%), planos para atividades futuras (9%) e “outros tipos de conteúdo” (10%). Os dados demográficos indicam que as pessoas abaixo de 35 anos são mais dispostas a compartilhar um conteúdo nas redes sociais (81%), quando comparadas com aqueles entre 35 e 49 anos (69%) e entre 50 e 64 anos (55%). Mulheres (74%) compartilham mais do que os homens (69%). Aqueles com um nível elevado de escolaridade (74%) estão um pouco à frente dos que possuem nível básico ou médio (70%). Mas toda essa facilidade para produzir e disseminar conteúdos através das redes sociais na internet, proporcionada pelas tecnologias de informação e comunicação, também tem um lado desfavorável. Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo (ROCHA, 2014) revela que a “era do compartilhamento em massa cria ‘febre’ de notícias inventadas”. As redes sociais são inundadas por informações falsas, que enganam até veículos de mídia tradicionais. A Copa do Mundo 2014, no Brasil, exacerbou o fenômeno, que é visto como reflexo da popularização de celulares e da busca por popularidade individual. Alguns casos curiosos são citados no jornal: “o Brasil entregou a Copa em acordo milionário”, “a seleção da Argélia repassou o prêmio que ganhou da FIFA para palestinos da faixa de Gaza”, “a Alemanha doou seu centro de treinamento para as crianças pobres da Bahia”. Essas histórias circularam a exaustão no Facebook e no Twitter e algumas chegaram até a serem publicadas em sites de veículos de mídia tradicionais. Em comum, além da ligação com o Mundial, está o fato de que são todas inventadas. As mentiras acima são apenas alguns exemplos das centenas de fantasias que as pessoas publicam, curtem e compartilham diariamente nas redes sociais. A matéria também lembra que empresas e figuras públicas podem ser prejudicadas por notícias infundadas, citando alguns casos famosos. Procurados, Facebook e Twitter preferiram não falar. Na opinião de Edney “Interney” Souza, consultor de mídias sociais ouvido, “nunca todo mundo dispôs de tantos meios de comunicações. Todo mundo pode pegar um pedaço de informação e compartilhar à vontade, no Facebook, WhatsApp, blog, Tumblr”. E continua: “Temos uma propagação sofisticada em uma sociedade que não apura e que tende a acreditar 36 em qualquer nota que tem a estrutura de uma notícia tradicional.” Também ouvido, Scott Lamb, vice-presidente do BuzzFeed, afirma que “essas informações falsas se espalham com rapidez, particularmente em torno de ‘breaking news’, quando há muitas novas informações circulando ao mesmo tempo e fica difícil identificar o que é verdade ou não”. Para o jornalista Edgard Matsuki, o fenômeno pode ser atribuído em grande parte à “facilidade de compartilhamento do Facebook”. Entre as supostas motivações para os internautas postarem notícias falsas, as fontes ouvidas pelo jornal arriscam algumas. A simples intenção de “se divertir” seria a principal. Para além da brincadeira, existe a procura por cliques, com objetivos diversos, desde turbinar a audiência da página de um produto ou artista no Facebook até o aumento de popularidade pessoal. Existiria um fetiche de ser visto na internet que faz as pessoas compartilharem coisas que rendem curtidas, como notícias inacreditáveis. 3.5. Efeito viral em vídeo no YouTube A intenção aqui não é fazer um estudo de caso, mas, através do método dedutivo (BARROS; JUNQUEIRA, 2014, p. 45), tentar discutir alguns dos conceitos expostos ao longo deste trabalho, que supostamente estão envolvidos no fenômeno da viralização de conteúdos nas redes sociais, buscando, assim, estabelecer relações com o objeto analisado de forma lógica, relacional e aplicativa. Entende-se que não há uma receita pronta para viralizar um conteúdo, mas, sim, melhores caminhos do que outros. Será utilizado como objeto o vídeo “Novo Classe A”10, da Mercedes Benz, postado no YouTube. O caso foi escolhido porque a ação de marketing, feita para promover o lançamento do “Novo Classe A”, gerou grande “buzz”, sendo visualizada mais de 2,45 milhões de vezes, antes de ser tirado da plataforma. Claramente, a intenção do vídeo é “chocar” quem o assiste, pois mistura uma marca de carro acessível a uma pequena elite rica, símbolo de status social, a uma música de sucesso com estilo funk carioca (AAAAAA Lelek lek lek lek), movimento social da periferia pobre. A polêmica pretendida foi alcançada. Isso fica claro pelo número de pessoas que “curtiram” o 10 Ver: <http://www.youtube.com/watch?v=F4g9bZAQwm0>. O <http://www.youtube.com/watch?v=skHkv7kMAv8&feature=youtube> foi retirado do ar. vídeo original 37 vídeo (11.756) e as que não gostaram (8.513). A leitura dos comentários mostra pessoas tentando entender e se questionando sobre a real intenção da campanha publicitária. Uns acham o vídeo criativo, outros o classificam como de mau gosto. Sem entrar nesse mérito, a verdade é que atingiu seu objetivo: ser viralizado na rede. O retorno de imagem para a marca é outra discussão, pertinente aos profissionais de branding. Três eixos principais foram explorados, a partir do referencial teórico exposto ao longo deste trabalho, partindo-se do entendimento de que fazem parte de uma relação dinâmica de causa e efeito: o ser humano visto como um ser simbólico, capaz de pensar e de se comunicar através de palavras e de outros símbolos; o ser humano entendido como um ser social, que vive em comunidade e se relaciona com seus semelhantes por meio do compartilhamento de informações, ideias, sentimentos; e as redes sociais compreendidas no contexto da reconfiguração das mídias pelas tecnologias de informação e comunicação, admitindo-se a nova relação entre tecnologias e a sociabilidade reconfigurando a cultura contemporânea. Verifica-se que a expressão “AAAAAA Lelek lek lek lek” se transformou em um “meme de internet”, apropriada e remixada em outros contextos além da música funk original, como no caso do comercial da Mercedes Benz. O termo “meme” é utilizado para caracterizar algo que se difunde através da web rapidamente, fenômeno potencializado pela emergência de redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube. É comum se transformarem nos chamados “virais”, usados para divulgar e propagar uma marca ou serviço. É o caso do vídeo da Mercedes Benz no YouTube. A música “AAAAAA Lelek lek lek lek” pode ser considerada um “meme” de sucesso, facilmente reproduzido pelas pessoas, pois a expressão “cola” na mente. A Mercedes se apropriou disso, recriando um contexto já inserido no cérebro das pessoas, conseguindo, assim, viralizar sua marca. Ampliando a análise, recorremos a Bauman (2009, p. 07), que usa o conceito de “vida líquida” para caracterizar, segundo ele, a atual sociedade pós-moderna. Como já exposto, o autor aborda questões referentes à ansiedade e à angústia que é viver em nossa atual condição sociocultural, marcada por infinitas possibilidades de escolhas e pela falta de solidez e durabilidade. Essa condição pós-moderna desemboca em uma vida de consumo (ibid., p. 16-17). 38 O exemplo do vídeo da Mercedes Benz se encaixa bem nessa premissa de uma sociedade formatada para satisfazer os desejos humanos. “A promessa de satisfação, no entanto, só permanecerá sedutora enquanto o desejo continuar irrealizado” (BAUMAN, 2009, p. 105). É um ciclo, segundo o autor, que se realimenta: “o método de satisfazer toda necessidade/desejo/vontade de uma forma que não pode deixar de provocar novas necessidades/desejos/vontades” (BAUMAN, 2009, loc. cit.). O vídeo da Mercedes Benz trabalha bem com essas sensações. Joga com o desejo/vontade dos usuários que o assistem no YouTube. Ao mesmo tempo reforça o estereótipo de um bem acessível a poucos, exclusivo, alimentando o imaginário das pessoas e criando desejo. O funk carioca como trilha sonora é para causar impacto, estranhamento, e ser comentado. Quem é fiel ao que a marca Mercedes oferece talvez não goste e ignore o vídeo, mas, dificilmente, deixará de comprar o carro, por tudo o que ele representa de status social. A música, na verdade, tem a função de trabalhar com o imaginário das pessoas que não têm condição de comprar uma Mercedes, mas que a desejam, reforçando o valor de imagem da marca. É a sociedade do consumo, descrita por Bauman (op. cit.), realimentando-se continuamente. O efeito viral alcançado pelo vídeo da Mercedes Benz no YouTube é facilitado por conta do cenário atual proporcionado pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação. Retomando o conceito de “convergência das mídias”, de Jenkins (2009), encontramos mais subsídios para um melhor entendimento de como funcionam os meios de comunicação atuais. No atual cenário da comunicação mediada pelo computador e dispositivos móveis, os consumidores da indústria das mídias assumem novos poderes. Passam de meros espectadores passivos para uma ação mais participativa. É o que ocorre no caso do vídeo da Mercedes. Inicialmente, inserido na plataforma do YouTube, mas, depois, também compartilhado no Facebook e Twitter, por exemplo. O “buzz” gerado nas redes sociais desagua na imprensa tradicional, realimentando e ampliando a repercussão da ação de marketing da montadora. Quem não tinha visto o vídeo no YouTube passa a ter conhecimento dele e, assim, sucessivamente. Jenkins (op. cit.) explica que o suporte digital estabeleceu as condições para a convergência ao permitir que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas distintas no ponto de recepção. 39 O conceito de “spreadability” (JENKINS11, 2013 apud SAAD, 2013, p. 289) também é verificado no caso do vídeo da Mercedes Benz, em que os usuários assumem o papel de propagadores da ação de marketing. Seu conteúdo, de alguma maneira, proporciona uma experiência relevante a quem o assiste, motivando o seu compartilhamento na rede. Pode ser o inusitado da junção de uma marca de luxo com um funk carioca. Ou a própria música, que possui um refrão que “cola” na mente das pessoas. Até mesmo a qualidade técnica do vídeo é um fator que pode influenciar o “espalhamento” do vídeo. 11 Ver: JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Spreadable Media: Creating Value and Meaning in a Networked Culture. New York: New York University Press, 2013. 40 4 APÓS A EMERGÊNCIA DA SOCIEDADE DIGITAL 4.1. Abordagem multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar? Antes de iniciarmos uma discussão sobre as mudanças observadas nos processos de comunicação, a partir do que verificamos nos capítulos 2 e 3 deste trabalho, é importante uma breve definição de três conceitos que nortearão considerações finais. Segundo Santomé (1998, p. 70), há uma hierarquização em três níveis entre as disciplinas do conhecimento: • Multidisciplinaridade: o nível inferior de integração. Ocorre quando, para solucionar um problema, busca-se informação e ajuda em várias disciplinas, sem que tal interação contribua para modifica-las ou enriquecê-las; • Interdisciplinaridade: segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas provoca intercâmbios reais, isto é, existe verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, assim, enriquecimentos mútuos; • Transdisciplinaridade: é a etapa superior de integração. Trata-se da construção de um sistema total, sem fronteiras sólidas entre as disciplinas, ou seja, de uma teoria geral de sistemas ou de estruturas, que inclua estruturas operacionais, estruturas de regulamentação e sistemas probabilísticos, e que una estas diversas possibilidades por meio de transformações reguladas e definidas. Sem a pretensão de fechar a definição dos termos aqui, concordamos com Sommerman (2006, p. 28) que os termos encontram muitas definições, com semelhanças e divergências entre os autores. Em uma perspectiva histórica, Sommerman (ibid., p. 62) busca diferenciar interdisciplinaridade e transdisciplinaridade: “O desenvolvimento e a superespecialização cada vez maior das várias disciplinas foi conduzindo para as fronteiras que as impeliam a um diálogo com o que está entre as disciplinas: interdisciplinaridade. O desenvolvimento e a superespecialização da disciplina mais básica, que trata do fundamento ‘físico’ da realidade, amplificado pelo enorme desenvolvimento tecnológico, fez com que a ciência encontrasse as fronteiras que a impeliam a um novo 41 diálogo, não só com as outras disciplinas e com o que está entre elas, mas com o que está entre, através e além das disciplinas: transdisciplinaridade” (SOMMERMAN, 2006, p. 62). Para este trabalho, vamos adotar os conceitos de Santomé (1998) e Sommerman (op. cit.). E também o que postula a Carta da Transdisciplinaridade (CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE, 1994), formulada no Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade Convento de Arrábida, Portugal, 2-6 novembro de 1994. Dividido em quinze artigos, o documento é entendido como um conjunto de princípios fundamentais dos “espíritos transdisciplinares”. Entre outros pontos, a Carta (op. cit.) defende que toda tentativa de reduzir a realidade a um só nível, regido por uma lógica única, não se situa no campo da transdisciplinaridade, que faz emergir novos dados a partir da confrontação das disciplinas que os articulam entre si, oferecendo-nos uma nova visão da natureza da realidade. Postula também que a visão transdisciplinar é completamente aberta, pois, ela ultrapassa o domínio das ciências exatas pelo seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior. Em relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é multirreferencial e multidimensional, enfatiza a Carta. 4.2. A comunicação além das ciências sociais A mudança observada nos processos de comunicação, tomando-se como exemplo a evolução no modo de compartilhamento e troca de informações nas redes sociais, a partir da emergência do digital e da mediação pelo computador através das redes sociais na internet, reconfigurando as relações entre emissor e receptor, como exposto nos capítulos 2 e 3, levanta questões inerentes à própria comunicação como área do conhecimento, suscitando reflexões sobre os desafios contemporâneos dos profissionais da área. A complexidade atual do campo e dos processos da comunicação exige ainda mais rigor e método para sua correta compreensão e uso. Os desafios que a comunicação contemporânea impõe dificilmente serão solucionados por profissionais monodisciplinares. Como foi possível constatar pelo presente estudo, a comunicação não é mais a mesma, está passando por muitas mudanças em seus processos. Levando-se em conta esse cenário, 42 verifica-se, pela bibliografia consultada, a emergência de uma demanda de abordagem dos fenômenos que envolvem a comunicação não mais restrita à grande área das ciências sociais de uma maneira interdisciplinar, mas avançando em outras áreas do conhecimento de forma dialógica e transdisciplinar. “Situados na encruzilhada de várias disciplinas, os processos de comunicação suscitaram o interesse de ciências tão diversas quanto a filosofia, a história, a geografia, a psicologia, a sociologia, a etnologia, a economia, as ciências políticas, a biologia, a cibernética ou as ciências cognitivas” (MATTELART, 2012, p. 09). A análise do vídeo “Novo Classe A”, da Mercedes Benz, postado no YouTube, feita no capítulo anterior, indicou esta necessidade de se recorrer a diversas áreas do conhecimento para que fosse possível detectar alguns mecanismos que explicassem seu altíssimo número de visualizações na plataforma de vídeos pela internet: mais de 2,45 milhões de vezes. Três eixos principais foram explorados: simbólico, social e comunicacional. Adotou-se uma visão transdisciplinar, ampliando-se, assim, sua dimensão de análise. A constatação é que os três fatores facilitam o compartilhamento de um conteúdo nas redes sociais. Não é à toa que o termo “viral” vem da biologia. Assim como o vírus, um conteúdo (escrito, iconográfico, cinematográfico ou sonoro) “invade” o nosso organismo e “infecta” o nosso cérebro, utilizando-se dos nossos referenciais simbólicos para se “reproduzir” e ser disseminado. É a formação do “meme”, conceito da biologia apropriado pelo mundo digital. O fenômeno é potencializado pela emergência de redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube, com os consumidores assumindo novos poderes. Passam de meros espectadores passivos para uma ação mais participativa. Uma análise sociológica do comportamento desses consumidores e do ambiente em que vivem é outro fator relevante para explicar o compartilhamento viral do vídeo. Conseguir viralizar um conteúdo não é algo simples. Não há uma receita que pode ser copiada e que garanta o seu sucesso. Mas o estudo do caso do vídeo do “Novo Classe A”, da Mercedes Benz, pode servir de parâmetro inicial a uma discussão baseada em referenciais teóricos e científicos, e não apenas em sensações e palpites. 43 A abordagem transdisciplinar do conhecimento é defendida por Steven Johnson (2011), que vai além das tecnologias da informação e comunicação, retomando o conceito de “Exaptação”12, da biologia, e o aplicando para explicar a origem das ideias inovadoras que mudaram a história da humanidade. “O movimento de um campo para outro nos força a abordar barreiras intelectuais a partir de novos ângulos, ou a tomar ferramentas emprestadas de uma disciplina para resolver problemas em outra” (ibid., p. 144), pensamento em linha com o que buscamos propor neste trabalho. Ele toma como exemplo a prensa de Gutemberg, que, segundo Johnson (ibid. p. 126), foi uma “inovação combinatória clássica, mais bricolagem que invenção”. “Todos os elementos essenciais haviam sido desenvolvidos separadamente muito antes. Parte da genialidade de Gutemberg não está em conceber uma tecnologia inteiramente nova a partir do zero, mas em tomar emprestada uma tecnologia madura de um campo inteiramente diferente e usá-la para resolver um problema de outra natureza (JOHNSON, 2011, loc. cit.). Pesquisando a história das teorias da comunicação é possível observar que os estudiosos da área realmente buscam inspiração em outros campos do conhecimento. Primeiramente, nas ciências sociais, mas também na matemática e na biologia. Nesse sentido, pode ser citada a “Teoria Matemática da Comunicação”, de Claude Shannon 13, matemático e engenheiro elétrico (MATTELART, 2012, p. 58), que sugeriu um esquema do “sistema geral de comunicação”, com os seguintes componentes: a fonte, o codificador ou emissor, o canal, o decodificador ou receptor e a destinação, pessoa ou coisa à qual a mensagem é transmitida. Outro exemplo de “exaptação” na definição de uma teoria da comunicação é o de Abraham Moles14, engenheiro e matemático, que propôs uma “ecologia da comunicação”, a ciência da interação entre espécies diferentes no interior de um dado campo (ibid., p. 64-65). Já o linguista russo Roman Jakobson15 inspira-se nas descobertas dos especialistas da biologia molecular, e nas leis da hereditariedade. Também os biólogos mobilizam a teoria da informação para explicar o patrimônio genético em termos de programa, código e informação (ibid., p. 88). 12 Uma “exaptação” é um exemplo de uma característica que evoluiu, mas que não é considerada uma adaptação. Ver: <http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/IIIE5cExaptations.shtml>. 13 Ver: SHANNON, C; WEAVER, W. The Mathematical Theory of Communication. Illinois: Illinois University, 1963. 14 Ver: MOLES, A. Le mur de la communication. Actes du XVe Congrès de la ASPLF, vol. II, 1975. 15 Ver: JAKOBSON, R. Selected Writings. Mouton La Haye, 1962 (4 vols.). 44 “A história da inovação científica e tecnológica está cheia de exaptações. Em The Act of Creation, Arthur Koestler16 afirmou que ‘todos os eventos decisivos na história do pensamento científico podem ser descritos em termos de fecundação cruzada mental entre diferentes disciplinas’. Conceitos migram de um campo para outro como uma espécie de metáfora estruturante, abrindo assim uma porta secreta que por muito tempo não pudera ser vista” (JOHNSON, 2011, p. 132). 4.3. Novos olhares sobre a pesquisa em comunicação Como visto anteriormente, a complexidade atual do campo e dos processos da comunicação demanda mais rigor e método para sua correta compreensão e uso e, por conseguinte, a formação de profissionais que sejam aptos a articularem diversas áreas do conhecimento humano. Mas, percebe-se, empiricamente, a pouca ciência por trás da comunicação na tomada de decisões no dia a dia profissional. Lopes (2012, p. 141) fala da “fraqueza” do trabalho teórico no campo da comunicação como a provável causa principal da ausência de uma orientação substantiva em nossa pesquisa. “Nas Ciências Sociais, a imaturidade de seu corpo teórico, por um lado, e de outro, a complexidade e a pluridimensionalidade do objeto, suas variações históricas e seu dinamismo, praticamente as condenariam à condição de perpétuas ‘ciências exploratórias’, se não se dispusessem a testar e a elaborar permanentemente suas hipóteses. Isso se torna mais necessário no campo recém-delimitado da Comunicação. É evidente a crescente exigência que temos de levantar dados empíricos a respeito dos fenômenos comunicacionais, assim como a necessidade de sua ‘descrição’” (LOPES, 2012, loc. cit.). A autora expõe, assim, a fragilidade dos referenciais teóricos na pesquisa em comunicação, defendendo os estudos empíricos que descrevam os fenômenos comunicacionais. Nesse sentido, a comunicação assume seu lugar e anuncia-se como “parâmetro por excelência da evolução da humanidade, num momento histórico em que ela busca desesperadamente um sentido para seu futuro” (MATTELART, 2012, p. 189). “O pior perigo que ameaça o nosso mundo aparentemente aberto e sem fronteiras é o fechamento em pequenas certezas e hábitos, adquiridas no âmbito muito estreito das disciplinas e das tradições nacionais. É necessário 16 Ver: KOESTLER, A. The Act of Creation. London: Hutchinson, 1969. 45 romper esses cabrestos e praticar sistematicamente o desenraizamento metodológico e temático. É por essa razão que não penso ser útil ou pertinente fixar um campo designado ‘ciências da informação e da comunicação’. O que é preciso compreender em conjunto ultrapassa em muito tal definição e requer o encontro de muitos saberes, cruzados e mestiçados” (Roger Chartier17, 1999 apud MATTELART, 2012, p. 129). O que queremos enfatizar, a partir da bibliografia consultada, é a necessidade de um método de pesquisa, referenciais teóricos e discussão epistemológica frequentes na abordagem dos problemas que envolvem a comunicação no cenário contemporâneo da reconfiguração da mídia a partir da emergência das tecnologias da informação e comunicação. O profissional que entender a comunicação apenas dentro de seu campo fechado terá uma visão estreita da área em que trabalha. Para uma atuação mais assertiva, não apenas baseada em impressões e palpites, a comunicação deve ser compreendida como um fenômeno que dialoga com a filosofia, a história, a geografia, a psicologia, a sociologia, a etnologia, a economia, as ciências políticas, a informática, a cibernética, as telecomunicações, as ciências da informação, as ciências cognitivas etc. Nesse sentido, Saad (2008) avança além da interdisciplinaridade da comunicação dentro do campo das ciências sociais, sugerindo uma abordagem transdisciplinar, e aponta que a produção de conhecimento decorre obrigatoriamente da tríade tecnologia, comunicação e sociedade, com o que concordamos. “Encontramos análises e estudos ora enfatizando um ou outro dos três elementos, ora analisando os fenômenos numa correlação de simetria, mas, de qualquer forma, fica evidente a necessidade da análise tríptica, sem a valorização de determinismos tecnológicos, ou a perspectiva de substituição midiática, muitas vezes enfatizadas em pesquisas das décadas de 1980 e 1990” (SAAD, op. cit.). E conclui que no contexto de uma epistemologia para a comunicação digital, por conta da tríplice exigência a ela atrelada, há que se incorporar outras lógicas na definição do enfoque e do problema de pesquisa para além das lógicas do campo mater da comunicação. “São as lógicas das áreas correlatas: a Informática e a Cibernética, as Telecomunicações, as Ciências da Informação, as Ciências Cognitivas, entre outras” (SAAD, 2008). 17 Entrevista com Roger Chartier, historiador francês. Médiation et Information, n. 10, p. 20-31. Paris, 1999. Disponível em <http://www.mei-info.com/wp-content/uploads/revue10/ilovepdf.com_split_2.pdf>. Acesso em: ago. 2014. 46 Lopes (2014) também traça um panorama atual das conexões teóricas e metodológicas nos estudos latino-americanos de comunicação, considerando os impactos da tecnologia digital, que, segundo ela, “desloca os saberes, modificando tanto o estatuto cognitivo como institucional das condições do saber, conduzindo a um forte borramento das fronteiras entre razão e imaginação, saber e informação, arte e ciência, saber especializado e conhecimento comum” (LOPES, op. cit.). 4.4. A formação do profissional de comunicação Para completar o cenário exposto e conseguirmos entender um pouco melhor os desafios que se apresentam à comunicação na contemporaneidade, vamos fazer uma breve análise da grade curricular oferecida durante a formação acadêmica do profissional em comunicação. Utilizando como referência o QS World University Rankings by Subject 2013/1418, elaborado por uma organização internacional de pesquisa educacional que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação, localizamos a Universidade de São Paulo (USP)19 em 46º lugar (67.7 pontos), a melhor colocada brasileira entre as universidades que oferecem cursos de Comunicação e Mídia. A Universidade de Wisconsin – Madison20 (96.5 pontos), nos Estados Unidos, é a primeira da lista. Como a intenção é avaliar a formação dos profissionais de comunicação, esta análise vai ficar restrita aos cursos de graduação. E às informações disponibilizadas no site das duas instituições de ensino. Observando a divisão de cursos oferecida pela Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP21, no caso específico da Comunicação Social, são quatro habilitações: Editoração, Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. O que sugere uma visão multifacetada da comunicação, vista mais como a soma de diferentes atividades profissionais do que um fenômeno que perpassa áreas do conhecimento. 18 Ver: <http://www.topuniversities.com/university-rankings/university-subject-rankings/2014/communicationmedia-studies#sorting=rank+region=+country=+faculty=+stars=false+search=>. Consulta em: ago. 2014. 19 Ver: <http://www5.usp.br>. 20 Ver: < http://www.wisc.edu/>. 21 Ver: < http://www3.eca.usp.br/>. 47 A situação não é muito diferente ao analisarmos a grade curricular da Escola de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade de Wisconsin-Madison22. O curso que é oferecido aos graduandos divide-se em duas áreas [tradução nossa]: Jornalismo/Comunicar e Comunicações Estratégicas. A divisão do conhecimento é um pouco mais ampla do que no curso oferecido pela ECA, mas também falha ao entender a comunicação como um processo que pode ser fatiado em áreas, e não um ecossistema interligado e dinâmico. Os dois cursos são formatados para que os alunos cumpram um número determinado de disciplinas, que, em tese, cobririam todas as áreas de interesse de formação do futuro profissional de comunicação. O leque de disciplinas realmente é amplo, conciliando aulas teóricas e laboratoriais. Sem entrar no mérito se as duas grades curriculares são falhas, defasadas ou mais alinhadas à atual demanda da sociedade/mercado, é importante ressaltar a aparente falta de interligação entre as áreas de conhecimento que o estudante transita. Verifica-se uma formação multidisciplinar, mas não transdisciplinar, que pressupõe a comunicação como linha transversal condutora do conhecimento. Por exemplo, na USP23, são disponibilizadas, entre as várias habilitações, as seguintes disciplinas: Teoria da Comunicação, Fundamentos de Economia, História das Doutrinas Políticas, Técnicas Gráficas em Jornalismo, Ciências da Linguagem, Pensamento Filosófico, Gerenciamento de Empresas Jornalísticas, Telejornalismo, Jornalismo On-line etc. E na Universidade de Wisconsin-Madison24 [tradução nossa]: Mass Media na América Multicultural, Princípios de Comunicação Estratégica, Interpretação de Assuntos Contemporâneos, Multimídia Gráfica, Ciências de Vida e de Jornalismo Ambiental, Estratégias de Relações Públicas, Ciberespaço/Hipermídia/Sociedade, Futuro da Notícia etc. Levando-se em conta o número de disciplinas e áreas do conhecimento citadas acima, nos dois cursos, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, é possível perceber um esforço de suas coordenações para uma formação multidisciplinar dos alunos. Mas o que questionamos é se essa visão da comunicação é suficiente para atender às demandas que se apresentam a seus profissionais no cenário contemporâneo, de reconfiguração da mídia, como exposto no terceiro capítulo. Aparentemente, não, podemos dizer, à luz das teorias que 22 Ver: <http://journalism.wisc.edu/>. Ver: <http://www5.usp.br/ensino/graduacao/cursos-oferecidos/>. 24 Ver: <http://journalism.wisc.edu/undergraduate/course-descriptions/>. 23 48 subsidiam este trabalho. Suas habilidades serão insuficientes para lidar com os novos consumidores de mídia, considerando-se a “sociedade em rede”, de Castells (2003), a “sociedade líquida”, de Bauman (2009), a “cultura da participação”, de Shirky (2012), tudo mediado pela “convergência das mídias”, de Jenkins (2009). As mensagens, agora, dirigem-se a um público que não é mais apenas passivo, mas que assumiu também o papel de produtor e disseminador de conteúdo nas redes sociais na internet. E para entender e satisfazer as expectativas desse novo ator, os profissionais de comunicação deverão ser capazes de articular diversas áreas do conhecimento de forma dialógica e transdisciplinar, para uma atuação mais certeira. Saad (2008) aponta a necessidade de uma análise tríptica, olhando-se para a tecnologia, a comunicação e a sociedade. Admitir essas áreas interligadas pode ajudar o comunicador a perceber a internet como ferramenta da organização social e informação contemporânea, auxiliando-o a mapear, assim, os novos valores e as mobilizações que emergem no ciberespaço. 49 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de uma revisão bibliográfica de natureza exploratória, o objetivo deste trabalho era discutir o efeito da digitalização na maneira como a informação é compartilhada, fenômeno impactado pela emergência das redes sociais na internet e das tecnologias da informação e comunicação. Entendemos, refletindo sobre como essas redes sociais on-line estão modificando os processos sociais e informacionais na nossa sociedade, que é difícil dissociar a tecnologia de seu contexto histórico. Ela é reflexo de um sistema que se apresenta (econômico, social, político) e é tanto causa e efeito do atual momento que vivemos na contemporaneidade. Numa evolução dinâmica, avançamos das mídias massivas às individuais, com a ruptura de paradigmas de tempo e espaço, criando novas dimensões da socialização. O processo social da comunicação está em mutação. A constatação feita ao longo deste trabalho é que a era digital facilitou e tornou mais evidente a necessidade do ser humano de se juntar em grupos, compartilhar, trocar informações e experiências. Foi possível mostrar que, com a internet, esses atos foram potencializados. Concordamos com Castells (2003, p.98) que “a emergência da internet remete a novos padrões de interação social”. E entendemos que vivemos um processo de transição, em que antigos e novos dispositivos de comunicação coexistem e interferem um no outro. Se antes tínhamos uma comunicação centralizada na estrutura de emissor, receptor e mensagem, hoje, na era das tecnologias de informação e comunicação, com dispositivos móveis e gadgets conectados, temos a possibilidade de uma “comunicação de muitos para muitos” (ibid., p. 08). Com a internet, nós compartilhamos mais conteúdo, de fontes mais diversas, com mais pessoas, com mais frequência e mais rápido (THE PSYCHOLOGY OF SHARING, 2011, tradução nossa). Retomando nossas hipóteses, verificamos que as tecnologias da informação e comunicação remetem a novos padrões de interação social e reconfiguram a relação entre emissor e receptor, como exposto no terceiro capítulo. Também foi possível mostrar, de maneira introdutória e dedutiva, a partir da análise do vídeo “Novo Classe A”, da Mercedes Benz, que a formação do “meme”, conceito da biologia apropriado pelo mundo digital, pode ser comparada com uma infecção viral, pois “invade” o nosso organismo e “infecta” o nosso cérebro, utilizando-se dos nossos referenciais simbólicos para se “reproduzir” e ser 50 disseminado. Nesse sentido, buscamos mostrar que o repertório simbólico (cultural/social) de um indivíduo influencia como ele processa e é impactado por um conteúdo/informação recebido de suas redes sociais, e que alterações provenientes da emergência do digital alteram esse ecossistema. Pudemos comprovar a influência do digital nos grupos sociais, compreendendo as redes sociais como palco de interações. “A formação de redes é uma prática humana muito antiga, mas as redes ganharam vida nova em nosso tempo, transformando-se em redes de informação energizadas pela internet” (CASTELLS, 2003, p. 07). Recorremos à antropologia, sociologia, psicologia e comunicação para tentar explicar as motivações dos seres humanos para se juntarem em grupo e se relacionarem. Pesquisa do jornal norte-americano The New York Times (THE PSYCHOLOGY OF SHARING, 2011, tradução nossa) identificou algumas motivações dos internautas para o compartilhamento de conteúdos: há pessoas que compartilham por acreditar disponibilizar conteúdo relevante e divertido aos outros; outros querem expor sua personalidade; há também os que buscam ampliar os relacionamentos pessoais; os que querem se sentir realizados; e os que desejam expor suas causas. Como já esperado, uma sondagem da Ipsos Open Thinking Exchange (IPSOS OPEN THINKING EXCHANGE, 2013, tradução nossa), indicou que as pessoas abaixo de 35 anos são mais dispostas a compartilhar um conteúdo nas redes sociais (81%), quando comparadas com aqueles entre 35 e 49 anos (69%) e entre 50 e 64 anos (55%). Reconhecemos que as pesquisas são importantes para traçar perfis e captar sentimentos, mas somente elas não bastam para explicar um fenômeno no YouTube como o vídeo “Novo Classe A”, da Mercedes Benz. Defendemos que a complexidade atual do campo e dos processos da comunicação exige ainda mais rigor e método para sua correta compreensão e uso. A análise do vídeo indicou a necessidade de se recorrer a diversas áreas do conhecimento para que fosse possível detectar alguns mecanismos que explicassem seu altíssimo número de visualizações: mais de 2,45 milhões de vezes. Três eixos principais foram explorados: simbólico, social e comunicacional. Não recorremos apenas à comunicação ou às ciências sociais de uma maneira interdisciplinar, mas avançando em outras áreas do conhecimento de forma dialógica e transdisciplinar, ampliando-se, assim, a dimensão da análise. Este trabalho buscou descrever o impacto da digitalização na maneira como a informação é compartilhada, explorando alguns autores que trataram das mudanças na relação 51 entre produtores e consumidores de mídia. Lemos (2003, p. 13) aponta que “dispositivos conectados à internet abrem espaço para uma comunicação horizontal, com emissor e receptor dividindo o poder da informação”. Em linha, Shirky (2012, p. 92) afirma que “cada novo usuário é um criador e consumidor em potencial, e um público cujos membros podem cooperar diretamente uns com os outros, de muitos para muitos”. A lógica hipermidiática também privilegia aspectos colaborativos da informação, salientando as múltiplas dimensões dos intercâmbios de informação no ciberespaço. “Do ponto de vista da informação veiculada, a noção de transmissão deixa de ser preponderante” (ALZAMORA, 2007, p. 77). Santaella (2007. p. 286) avalia que o conceito de texto vem passando por transformações profundas desde que as tecnologias digitais entraram em cena. Sons, palavras e imagens passam a se coengendrar em estruturas fluidas com as quais os usuários aprendem a interagir (ibid, p. 294). Os seres humanos sempre conversaram uns com os outros. A única diferença é que as mensagens eram mantidas à parte dos meios de comunicação mais antigos, como a TV e os jornais (SHIRKY, op. cit., p. 86). Nesse sentido, Jenkins (2009, p. 29-30) fala da convergência das mídias, entendida pelo autor como uma transformação cultural e não apenas como uma mudança tecnológica. Os consumidores da indústria das mídias passam de meros espectadores passivos para uma ação mais participativa, mediados pelas tecnologias da informação e comunicação (ibid., p.30). Toda essa mudança observada nos processos de comunicação nos impeliu a levantar questões inerentes à própria comunicação como área do conhecimento, suscitando reflexões sobre os desafios contemporâneos dos profissionais da área. Verificou-se que esses desafios dificilmente serão solucionados por profissionais monodisciplinares, demandando indivíduos capazes de articular as diversas áreas do conhecimento de forma dialógica e transdisciplinar, para uma atuação mais assertiva, não apenas baseada em impressões e palpites. “O movimento de um campo para outro nos força a abordar barreiras intelectuais a partir de novos ângulos, ou a tomar ferramentas emprestadas de uma disciplina para resolver problemas em outra” (JOHNSON, 2011, p. 144). Concordamos com Saad (2008) que a produção de conhecimento decorre obrigatoriamente da tríade tecnologia, comunicação e sociedade, detectando, assim, a necessidade de uma epistemologia para a comunicação digital que incorpore outras lógicas na 52 definição do enfoque e do problema de pesquisa para além das lógicas do campo mater da comunicação. “São as lógicas das áreas correlatas: a Informática e a Cibernética, as Telecomunicações, as Ciências da Informação, as Ciências Cognitivas, entre outras” (SAAD, 2008). Por isso, projetamos que o espaço para a pesquisa nesta área é ainda bastante amplo. Entendemos que nosso estudo dá apenas subsídios iniciais para este campo, que merece ser explorado com mais rigor e profundidade. Neste trabalho, expusemos apenas algumas das questões que podem influenciar novos estudos sobre redes sociais, compartilhamento de conteúdos e processos virais. Há, para os otimistas, um futuro cheio de potencialidades proporcionado pelas tecnologias e sua consequente influência no desenvolvimento e quebra de paradigmas da sociedade contemporânea. 53 REFERÊNCIAS* ALCARÁ, Adriana Rosecler; DI CHIARA, Ivone Guerreiro; RODRIGUES, Jorge Luis; TOMAÉL, Maria Inês; PIEDADE, Valéria Cristina Heckler. Fatores que influenciam o compartilhamento da informação e do conhecimento. Revista Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p. 170-191, jan/abr 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pci/v14n1/v14n1a12>. Acesso em: jul. 2014. ALZAMORA, Geane Carvalho. Fluxos de informação no ciberespaço – conexões emergentes. Revista Galáxia, São Paulo, n. 13, p. 75-78, jun. 2007. Disponível em <http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/1467/932>. Acesso em: jul. 2014. BARABASI, ALBERT-LASZLO. Linked – A Nova Ciência dos Networks. Trad. Jonas Pereira dos Santos. São Paulo: Leopardo Editora, 2009. BARBROOK, Richard. 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