SELEÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE LIGAS DE PRATA PARA A INDÚSTRIA JOALHEIRA G. Goedert, Eng. - LdSM/DEMAT/EE/UFRGS L. Roldo, Profa. Dra. - LdSM/DEMAT/EE/UFRGS. Av. Osvaldo Aranha, 99 sala 604 – Porto Alegre – RS. CEP: 90035-190 e-mail: [email protected] W. Kindlein Jr., Prof. Dr. - LdSM/DEMAT/EE/UFRGS RESUMO Adornos e utensílios, como o ouro e a prata, desde a antiguidade exercem notável fascínio sobre as mais diversas civilizações, tornando-se um elemento de extraordinário valor simbólico para muitas culturas. Isto está associado à idéia de riqueza e exclusividade, além disso, metais nobres e preciosos vantajosamente possuem estabilidade química, excelente resistência à oxidação, durabilidade e bom acabamento superficial. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é analisar as principais ligas de prata utilizadas comercialmente na confecção de jóias, assim como, desenvolver novas ligas e compará-las com as ligas já existentes. Deste modo, foram estudadas propriedades como resistência mecânica e resistência à corrosão da prata com adição de diferentes teores de cobre e zinco. Para avaliar essas propriedades, foram realizados teste de análise química, ensaios de microdureza, caracterização microestrutural e ensaios de corrosão com água do mar e água clorada. A finalidade destes ensaios foi a de estabelecer parâmetros para um melhor controle da qualidade no processo de confecção das jóias e verificar o comportamento de novas ligas nesta aplicação. Palavras chaves: jóias, prata, ligas de prata, caracterização de materiais, seleção de materiais. 1. INTRODUÇÃO Tanto a prata quanto o ouro tem alta maleabilidade bastante plásticos e maleáveis, e podem ser manufaturados utilizando-se de diferentes técnicas, formatos e acabamentos. A prata, no entanto, além de não possuir valor intrínseco tão alto como o ouro, também não possui as mesmas propriedades, e por muito tempo foi considerada como semijóia, denominação que é utilizada pelos próprios fabricantes e vendedores(1,2). Devido ao conceito impreciso e pela impossibilidade do consumidor conferir e testar o que está comprando, muitas falsificações foram produzidas gerando prejuízos por muitas vezes físicos (como alergias) nos usuários. Hoje, no entanto, este conceito vem sendo reavaliado, a prata tem sido considerada jóia em várias regiões do mundo. Fato esse imprescindível para a ratificação e geração de confiança no público consumidor(3) Neste sentido, o intuito desse trabalho é analisar as ligas utilizadas para confecção de jóias em prata e identificar as propriedades que os metais utilizados adicionam à liga. Sua importância reside em tratar o assunto no âmbito científico, com análises específicas, gerando parâmetros de medição para controle de qualidade na produção de jóias. Várias análises foram realizadas entre elas tem-se o ensaio de dureza com microdurômetro, a composição química via MEV, a análise metalográfica e o ensaio de corrosão, utilizando água clorada. 1.1 Ligas de Prata A prata é consideravelmente macia quando pura. Na sua liga com o cobre, adquire maior dureza e resistência, porém torna-se mais suscetível à oxidação. A prata é estável no ar e água puros, mas muda de cor sob ação de ozônio, sulfeto de hidrogênio ou ar com enxofre. Cobre, zinco, platina e paládio podem ser adicionados a ligas de prata para alterar as suas propriedades(4). 1.2 Teor Teor ou título é a proporção do metal original que constitui a liga. Existem duas unidades de medida mais usadas para caracterizar o teor. Uma é o quilate, padrão subdividido em 24 unidades. Por exemplo, em ouro 18K (quilates), a composição está dividida em 18 partes de ouro e 6 partes de outro metal(5). Outra maneira é considerar o metal puro dividido em 1000 partes e, então, especificar a quantidade de elemento de liga. Ex. A prata 950 tem 950 partes de prata e 50 partes de outro metal. Os teores mais utilizados em prata são 925 (esterlina) e 950 (britânica)(6). A tabela 1 mostra a equivalência entre as unidades quilate, milésimas e a sua porcentagem em peso. Tabela 1 - Equivalência entre quilates, milésimas e porcentagem em peso Equivalência entre quilate, milésimas e porcentagem em peso Quilates Milésimas Porcentagem 24 1000 100% 22 916 91,6% 18 750 75% 14 583 58,3% 9 378 37,8% 1 41,6 4,16% 2. METODOLOGIA 2.1 Coleta de Amostras Inicialmente, foram adquiridas quatro peças de prata no comércio, para um estudo de características e propriedades. Na Figura 1, podem ser vistas essas amostras (a, b, c e d). Figura 1 – 1a) anel, 1b) brinco, 1c) pingente, 1d) brinco Foram feitas análises químicas em um Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV) via Espectroscopia de Energia Dispersiva (EDS) para identificar os metais que estariam agregados à prata. A partir dos resultados obtidos, foi proposta a confecção de novas ligas de prata para um estudo de propriedades agregadas e influência dos metais de adição. A fim de padronizar os ensaios, todas as amostras foram laminadas até uma espessura pré-determinada (~0,2mm). Isso possibilitou reduzir abruptamente a existência de defeitos nas amostras. Uma foto do laminador utilizado pode ser visto na Figura 2a. Após a laminação, todas as amostras foram aquecidas com um maçarico até atingirem uma coloração avermelhada, ponto de recristalização dos grãos da liga, e logo depois resfriadas em água à temperatura ambiente. A Figura 2b mostra o aquecimento das amostras. Esse tratamento térmico teve por objetivo remover qualquer endurecimento produzido pelo trabalho a frio da laminação, tornando as amostras maleáveis, no estado em que as jóias são fabricadas. Figura 2 – (a) Laminador utilizado na preparação das amostras, (b) Aquecimento das amostras com o maçarico. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES DE RESULTADOS 3.1 Composição Química A Tabela 2 abaixo mostra os resultados obtidos na análise da composição química das amostras comerciais. Esses resultados foram obtidos através da análise EDS em um microscópio eletrônico de varredura. Tabela 2 - Composição química de amostras comerciais utilizadas nos ensaios. 1c 94,03% 3,11% 2,86% Ag Cu Zn 2c 92,67% 7,33% - 3c 56,47% 43,53% - 4c 89,49% 10,51% Com os resultados, foram propostas algumas amostras com composições diferentes. A Tabela 3 mostra a composição química das amostras produzidas em laboratório. Tabela 3 – Composição química das amostras fabricadas com percentuais pré-definidas dos elementos. Ag Cu Zn 1 100% - 2 97,5% 2,5% - 3 95% 5% - 4 97,5% 2,5% 5 95% 5% 6 95% 2,5 2,5% 7 90% 5% 5% 3.2 Ensaio de dureza Para a realização deste ensaio, as amostras laminadas foram previamente preparadas (limpeza e lixamento). Um microdurômetro com escala Vickers e carga de 100grf foi utilizado para medir a dureza. Nas Tabelas 4 e 5 são mostrados os resultados do ensaio de dureza. Tabela 4 - Ensaio de dureza das amostras adquiridas no comércio (fig 1). Item Dureza (Vickers) 1c 151,7 2c 142,3 3c 158,3 4c 170,7 Tabela 5 - Ensaio de dureza das amostras confeccionadas (tabela 3). Item 1 2 3 4 5 6 7 Dureza (Vickers) 76,3 134,3 130 81,3 101,4 143,7 144,3 Conforme a Tabela 5 observa-se que os elementos de liga adicionados aumentam a dureza quando comparados ao metal puro, porém o cobre tem maior influência nessa propriedade do que o zinco. 3.3 Análise microestrutural Para realizar a análise metalográfica, foram retiradas partes das amostras, que foram posteriormente embutidas em resina auto-polimerizável, lixadas e polidas para serem atacadas com reagente químico de composição [25% NH4OH] + {25% [H2O] + [50% H2O2] diluída a 10% em volume. A figura 3 apresenta as microestruturas das 4 amostras comerciais. Figura 3 – (a) Amostra comercial 1 - anel, (b) Amostra comercial 2 - brinco, (c) Amostra comercial 3 - pingente e (d) Amostra comercial 4 - brinco Nas figuras a seguir, podem ser observadas as metalografias das ligas propostas e produzidas. Figura 4 – Amostra 1, prata 100% Na metalografia da amostra 1 pode-se ver uma microestrutura da prata pura com os seus grãos bem formados. Figura 5 – (a) Amostra 2 ( prata 97,5% e cobre 2,5%) e (b) Amostra 3 ( prata 95% e cobre 5% ) Nas metalografias das amostras 2 e 3, observa-se que o cobre possui alta capacidade de refinar o grão nas ligas de prata. As microestruturas das ligas apresentam possivelmente duas fases conforme visto no diagrama Cu-Ag (figura 6). Figura 6 – Diagrama de fases Ag-Cu (linha pontilhada vermelha indica o percentual médio de Cu adicionada a liga de prata). (Fonte: Metals Handbook vol 3)(7) Figura 7 – (a) Amostras 4 ( prata 97,5% e zinco 2,5% ) e (b) Amostra 5 ( prata 95% e zinco 5% ) O zinco possui pouca capacidade de refinar grão quando comparado as ligas de prata com cobre. As microestruturas das ligas Ag-Zn apresentam somente uma única fase, isso se deve ao fato da alta solubilidade do zinco na prata conforme observado no diagrama da figura 8. Figura 8- Diagrama de fases Ag-Zn. (linha pontilhada vermelha indica o percentual médio de Zn adicionada a liga de prata). (Fonte: Metals Handbook vol 3)(7) Figura 9 – (a) Amostra 6 (prata 95%, cobre 2,5% e zinco 2,5% ) e (b) Amostra 7 (prata 90%, cobre 5% e zinco 5%) As ligas que possuem cobre e zinco em suas composições apresentaram microestruturas bastante refinadas. Conforme o diagrama Cu-Ag-Zn da figura 10 as microestruturas acima apresentam somente um única fase de prata. Figura 10- Diagrama de fases Ag-Cu-Zn. (linha vermelha indica o percentual médio de Zn adicionada a liga de prata). (Fonte: Metals Handbook vol 3)(7) Comparando os resultados obtidos com os ensaios realizados, pode-se constatar que a adição de cobre na liga de prata aumenta a dureza, isto se deve possivelmente ao grande refinamento de grão visto nas metalografias das figuras 5 e 9. Porém com a adição de zinco na liga de prata diminui a dureza onde provavelmente se deve ao tamanho grosseiro de grão que pode ser visto nas metalografias das figura 7 . 3.4 Ensaio de corrosão Dois tipos de ataque foram selecionados: água do mar e água com cloro utilizado em piscinas. A escolha destes ataques se deve ao fato de que os mesmos são meios nos quais as jóias têm grande probabilidade de entrarem em contato. Portanto, com as amostras no estado mecânico desejado, procedeu-se com o corte das mesmas em pequenas partes. Para limpeza do óxido, as amostras foram mergulhadas em uma solução ácida (20% de H2SO4 + 80% de água). As amostras com maior porcentagem de cobre apresentaram uma camada resistente de oxidação, necessitando lixamento subseqüente. 3.4.1 Ataque com água do mar Para realização dos ensaios, foram utilizados três copos tipo Becker de 25 ml cada. Foram adicionadas 20 ml de água do mar em cada copo e então a amostra foi submersa nesta solução. Ao lado de cada recipiente foi colocada uma outra parte da mesma amostra como referência, para fins de comparação. O tempo de exposição à solução foi rigorosamente controlado. Ensaio 1 As observações feitas ao longo do tempo no ensaio 1 estão na tabela 6 Tabela 6 - Observações do ensaio 1 com água do mar. Tempo Até 1 min 3 min 7 min 9 min 1 observou-se singela variação na coloração (escurecimento) pequena variação na coloração pequena variação com relação ao tempo anterior pequena variação com relação ao tempo anterior 12 min pequena variação com relação ao tempo anterior 24 min leve escurecimento da amostra, assumindo uma cor levemente dourada Amostra 3 4 observou-se singela variação na coloração (escurecimento) observou-se considerável variação na coloração (escurecimento) baixa taxa de variação da coloração alta taxa de variação da coloração redução da taxa de variação em relação ao tempo anterior considerável variação na coloração considerável variação na coloração pouca variação em relação ao tempo anterior notou-se que a amostra não segue em uma taxa de escurecimento tão alta quanto no início do ensaio. forte escurecimento da médio escurecimento, amostra, assumindo inferior ao da amostra 3, uma cor similar ao óxido mas bastante superior ao de cobre da amostra 1 a amostra tornou-se ligeiramente mais escura que a amostra 4 Baseado nos resultados apresentados na Tabela 6 pode-se observar que a amostra 1, contendo 95% de prata e 5% de cobre, é a liga mais suscetível ao ataque da água do mar, sendo praticamente imediata a mudança de coloração. Após o ensaio, as amostras foram novamente submergidas na solução de ácido sulfúrico diluído (20%), para verificação do grau de aderência/profundidade da oxidação, resultando no seguinte: Amostra 1: Limpeza em 3 min. Amostra 3: Limpeza em 15 min. Amostra 4: Limpeza instantânea. Ensaio 2 As observações feitas no ensaio 2 são mostradas na Tabela 7: Tabela 7 - Observações do ensaio 2 com água do mar. Tempo Até 1 min 4 min 9 min 12 min 24 min 2 Leve coloração dourada coloração dourada-escura considerável escurecimento coloração escura, típica do óxido de cobre Pouca variação em relação ao tempo anterior Amostra 5 pequenos sinais de escurecimento considerável escurecimento escurecimento continua aumentando a amostra tornou-se ligeiramente mais escura pouca variação em relação ao tempo anterior 6 observou-se pouca variação na coloração escurecimento nas bordas coloração similar ao da amostra 5 a amostra tornou-se ligeiramente mais escura pouca variação em relação ao tempo anterior A coloração escura, típica do cobre, tornou-se cada vez mais evidente na amostra 2, e bastante superior às demais. Novamente, a amostra com maior porcentagem de cobre apresentou maior escurecimento. Após o ensaio, as amostras foram novamente colocadas na solução de ácido sulfúrico diluído (20%) onde se observou o seguinte: Amostra 2: Limpeza em 5 min. Amostras 5 e 6: Limpeza instantânea mediante agitação. Ensaio 3 As observações feitas ao longo do tempo no ensaio 3 estão na Tabela 8: Tabela 8 - Observações do ensaio 3 com água do mar. Tempo Amostra Comercial 3 1 considerável escurecimento, assumindo uma cor dourada 3 min 12 min coloração escura, típica do óxido de cobre 24 min Pouca variação em relação ao tempo anterior considerável escurecimento, superior a 1 e 4 a amostra tornou-se ligeiramente mais escura pouca variação em relação ao tempo anterior 4 considerável escurecimento, assumindo uma cor dourada a amostra tornou-se ligeiramente mais escura pouca variação em relação ao tempo anterior 3.4.2 Ataque com Água Clorada Os mesmos procedimentos utilizados no ataque anterior foram utilizados. Não foi observada nenhum tipo de variação na coloração das amostras após 150 horas de ensaio. Pode-se concluir que as ligas de prata são pouco suscetíveis à variação de coloração quando em contato com água com cloro, comumente utilizada em piscinas. 4. CONCLUSÕES A prata, matéria prima para a confecção de adornos, analisada possui um teor de pureza compatível com a sua especificação, podendo servir realmente como base para a produção de jóias. Algumas peças analisadas são de boa qualidade, isto é, apresentam em sua composição química um teor adequado de prata. Entretanto, foi constatada uma peça que foi vendida com teor inadequado de prata e uma outra com quantidade de prata inexistente. Nos testes de corrosão pode-se dizer que a adição de cobre diminui consideravelmente a resistência à oxidação da liga e com a adição de zinco na liga aumenta consideravelmente a resistência à oxidação. Considerando todos os ensaios propostos e executados, uma das sugestões mais evidentes para a confecção de jóias de prata e objetos afins, seria a utilização da liga 6 de composição: 95% Ag, 2,5% Cu e 2,5% Zn, pois esta proporcionou a melhor relação dureza associada à boa resistência à oxidação proveniente da água do mar. 5. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi realizado com o apoio do CNPq. 6. REFERÊNCIAS (1) Untracht, Oppi. Jewelry- Concepts and technology. Grupo Editora Ceac, S.A., 1988. Impresso en Espanã – Barcelona. 2° Edição – Setembro de 1994 (2) Wicks, Sylvia. Joyeria Artesanal. Hermann Blume. Impresso en Espanã – Madri, 1986. (3) C – 1995 Quarto Publishing plc Codima, Carles. A Joalharia. Editora Estampa. Coleção Artes e Ofícios. 2000. (4) Codima, Carles. A Ourivesaria. Coleção Artes e Ofícios. 2002. (5) Hall, Dinny. Joyeria Creativa. Doubleday & Company, Inc. Print in the United States of America – New York – 1982, 1985. (6) McGrath, Jinks. The Encyclopedia of Jewellery Making Technics. (7) Metals Handbook, ASM International. vol.3, 2003. SILVER ALLOYS SELECTION AND CHARACTERIZATION TO JEWERLY INDUSTRY ABSTRACT Adornments and utensils, as the gold and the silver, since the antiquity exert notable allure on the most diverse civilizations, becoming an element of extraordinary symbolic value for many cultures. This is associated with the wealth idea and exclusiveness, moreover, noble and precious metals advantageously possess chemical stability, excellent resistance to the oxidation, durability and good superficial finishing. In this direction, the objective of this work is to analyze the main leagues of silver used commercially in the jewel confection, as well as, to develop new leagues and to compare them with the existing leagues already. In this way, properties had been studied as resistance mechanics and resistance to the corrosion of the silver with text addition different of copper and zinc. To evaluate these properties, test of chemical analysis, assays of microhardness, microstructural characterization and assays of corrosion with water of the sea and chlorinated water had been carried through. The purpose of these assays was to establish parameters for one better control of the quality in the process of confection of jewels and to verify the behavior of new leagues in this application. Key words: jewels, silver alloy, characterization of materials, selection of materials.