1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE PATOLOGIA LABORATÓRIO DE PATOLOGIA VETERINÁRIA PREVALÊNCIA DE DOENÇAS EM GATOS DE ABRIGOS NA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL PROJETO DE PESQUISA Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária - Doutorado Área de concentração: Clínica e Cirurgia Veterinária Doutoranda: Ana Paula da Silva Orientador: Rafael Fighera Santa Maria, RS, Brasil 2015 2 1 IDENTIFICAÇÃO 1.1 Identificação do projeto 1.1.1 Título do projeto Prevalência de doenças em gatos de abrigos da Região Central do Rio Grande do Sul (GAP CCS 041794) 1.1.2 Executor Ana Paula da Silva, Médica Veterinária, aluna de doutorado do Programa de Pósgraduação em Medicina Veterinária da UFSM, área de concentração em Clínica e Cirurgia Veterinária (matrícula 201460479). Hospital Veterinário Universitário (HVU), Ramal: 8167; E-mail: [email protected] 1.1.3 Equipe de trabalho 1.1.3.1 Orientador Rafael Fighera, Médico Veterinário, Doutor, Professor Adjunto III do Departamento de Patologia Veterinária da UFSM – CCS (SIAPE 2583800). Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Ramal: 8168; E-mail: [email protected] 1.1.3.2 Colaboradores Mariana Martins Flores, Médica Veterinária, aluna de doutorado do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária da UFSM, área de concentração em Patologia e Patologia Clínica Veterinária (matrícula 201361233). Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Ramal: 8168; E-mail: [email protected] 3 Monique Togni Martins, Médica Veterinária, aluna de doutorado do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária da UFSM, área de concentração em Patologia e Patologia Clínica Veterinária (matrícula 201361114). Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Ramal: 8168; E-mail: [email protected] Flávia Serena da Luz, Médica Veterinária, aluna de mestrado do Programa de Pósgraduação em Medicina Veterinária da UFSM, área de concentração em Patologia e Patologia Clínica Veterinária (matrícula 201560619). Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Ramal: 8168; E-mail: [email protected] Renata Dalcol Mazaro, aluna do curso de graduação de Medicina Veterinária da UFSM (matrícula 201111873). Bolsista PIBIC junto ao Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Ramal: 8168; E-mail: [email protected] Marcia Cristina da Silva, Médica Veterinária, Doutora, Professora Substituta do Departamento de Patologia Veterinária da UFSM – CCS (2139058). Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Ramal: 8168; E-mail: [email protected] 1.1.4 Local de Execução Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), prédio 97 B, Ala 5, Hospital Veterinário Universitário (HVU), Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Ramal: 8168 2 RESUMO Gatos que vivem em abrigos tendem a apresentar uma alta prevalência de doenças infecciosas devido a fatores de estresse como superlotação, inadequadas condições sanitárias, má nutrição e ausência de programas de vacinação. Entretanto, ainda não se tem dados sobre a prevalência das principais doenças em gatos de abrigos na Região Central do Rio Grande do Sul. Diante disso, este estudo tem por objetivo 4 determinar a prevalência de doenças em felinos provenientes de diferentes abrigos para gatos da região. Para tanto, os gatos serão submetidos à avaliação clínica completa e colheita de amostras de sangue para hemograma, bioquímica sérica e testes rápidos para FIV e FeLV; pelos para cultivo fúngico; e cerúmen auricular para análise parasitológica e citológica. Nos casos de óbito, os gatos serão submetidos à necropsia. Os resultados dos exames físicos e laboratoriais serão agrupados de acordo com o sistema orgânico acometido, a fim de estabelecer um diagnóstico clínico em cada caso. Com base nos dados clínicos, laboratoriais e anatomopatológicos obtidos de gatos de abrigos da nossa região, esperamos fornecer subsídios diagnósticos aos Clínicos de Pequenos Animais, além de gerar conhecimento acerca da apresentação clínica das doenças neste modelo de população. Palavras chave: Doenças de gatos. Abrigos. Felinos. Medicina de abrigos. 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1 Abrigos de animais Abrigos de animais são domicílios privados que alojam gatos abandonados, os quais são mantidos no local por períodos indefinidos, mas, geralmente, de forma permanente (PEDERSEN; WASTLHUBER, 1991). Esses locais são considerados sistemas de criação intensiva, onde a exposição, a susceptibilidade e a transmissão de doenças infecciosas acabam por serem amplificadas. Nos Estados Unidos, estimou-se que oito a dez milhões de animais foram alojados em abrigos durante o ano de 2014 (PESAVENTO; MURPHY, 2014). Muitas razões socioeconômicas e culturais contribuem para o aumento no abandono de animais e, consequentemente, em um maior número de animais abrigados. Quase sempre, o intuito inicial de um abrigo é o acolhimento, ou seja, providenciar um lar provisório às vítimas de alguma forma de maus-tratos. Contudo, com o excesso de animais errantes, os protetores obrigam-se a abrigar um número 5 consideravelmente maior de animais do que a estrutura permite acomodar. Interessantemente, em geral, protetores que abrigam animais em suas casas apresentam um perfil semelhante: são mulheres adultas ou idosas, solteiras, que com frequência dedicaram à vida em função de felinos abandonados (PEDERSEN; WASTLHUBER, 1991). Em sua grande maioria dispõem de limitados recursos financeiros para o manejo adequado do abrigo (FOLEY, 2012). 3.2 Medicina de abrigo Historicamente, o papel do médico veterinário em abrigos de animais era limitado à realização de cirurgias de esterilização e ao tratamento dos doentes. Além disso, a elevada prevalência de doenças infecciosas e a dificuldade na socialização de alguns indivíduos resultavam em um grande número de eutanásias, prática muito utilizada nesses casos, tanto como solução para o controle de doenças como para a superlotação (POLAK et al., 2014). A medicina de abrigo é uma área recente na veterinária, que integra conhecimentos multidisciplinares de epidemiologia, imunologia, infectologia, comportamento animal e humano, manejo populacional e saúde pública, e que tem como objetivo manter a saúde e o bem estar de uma população de animais e de pessoas (NOLEN, 2014; STEVENS; GRUEN, 2014). Surgiu como disciplina curricular no ano de 1999, na Cornell University, nos Estados Unidos, e na mesma década foi incorporada ao plano de estudos de outras universidades americanas. Em 2001, Dra. Kate Hurley, pioneira no trabalho com animais de abrigo nos EUA, fundou a primeira residência em Medicina Veterinária de Abrigo, que em abril de 2014 foi reconhecida como especialidade pelo Conselho Americano de Clínicos Veterinários (American Board of Veterinary Practioners). Atualmente, a Associação de Veterinários de Abrigos (The Association of Shelter Veterinarians) norteamericana conta com 700 médicos veterinários e a especialidade faz parte do currículo de 22 universidades (NOLEN, 2014). No Brasil, a medicina do coletivo em animais de companhia ainda é pouco difundida. A maioria das universidades sequer apresenta disciplinas que abordem o tema e somente uma pequena parcela de médicos veterinários tem alguma especialização ou experiência na área de medicina de abrigo. Consequentemente, os animais de abrigos são abordados individualmente, e não como membro de uma 6 população ou parte de um “rebanho”. O desenvolvimento desta especialidade como componente da ciência veterinária reflete uma variedade de tendências, mas, principalmente o desejo de buscar alternativas para a eutanásia de cães e gatos abandonados. 3.3 Doenças em gatos de abrigos 3.3.1 Fatores predisponentes Os principais fatores de risco para doenças infecciosas incluem os aspectos ambientais e aqueles relacionados à imunidade do hospedeiro. Os dois fatores de risco ambientais mais importantes em abrigos de gatos são o número total de animais e a densidade populacional, ou seja, o número de gatos por espaço unitário. Outras características intrínsecas ao ambiente compreendem alojamento, nutrição, taxa de introdução de novos gatos, condições sanitárias, fluxo e qualidade do ar, controle de parasitas, estação do ano e clima, fatores que alterados, isolados ou somados, levam a estresse. Quanto às características do hospedeiro, a faixa etária, o estado reprodutivo, a raça e a presença de doenças concomitantes são fatores que predispõe o surgimento de certas infecções (FOLEY, 2012). Durante milhões de anos, os felinos domésticos evoluíram a fim de adotar um estilo de vida solitário, tornando-se predadores territoriais solitários (MÖSTL et al., 2013). Dessa forma, a situação em um ambiente com muitos gatos (acima de cinco) (FOLEY, 2012), não é propícia para o bem estar da espécie. O estresse gerado pela aglomeração (ruídos, odores, temperatura, visão de outros gatos e potencial de agressão) é considerado uma importante causa de imunossupressão, que pode induzir recrudescência ou exacerbação de sinais clínicos de doenças específicas (PEDERSEN; WASTLHUBER, 1991; MÖSTL et al., 2013), uma vez que o estado de portador é comum em determinadas infecções nos felinos (HURLEY, 2005). A elevada densidade populacional não apenas aumenta o risco de doenças, mas também gera situações de estresse (SCARLETT, 2006). O estresse crônico em populações de gatos pode originar graves problemas comportamentais como agressividade, ansiedade, micção e defecação em locais impróprios (PEDERSEN; WASTLHUBER, 1991). O Conselho Consultor Europeu em Doenças de Felinos (ABCD: European Advisory Board on Cat Diseases), sugeriu a manutenção de no 7 máximo três gatos por recinto, caso contrário, o risco de infecção cruzada aumentaria dramaticamente (MÖSTL et al., 2013). Outra recomendação para o alojamento de felinos é de um espaço mínimo de 1,67 m2 por gato, com no máximo 10 gatos por grupo (KESSLER; TURNER, 1997). A dinâmica de entrada e saída de gatos aumenta o risco de transmissão de doenças infecciosas e parasitárias, incluindo algumas zoonoses. Essa diversidade de origens, somada geralmente a alta densidade populacional (aglomeração), faz dos abrigos um local propício para ocorrência de doenças infecciosas. Além disso, comumente alguns gatos resgatados já ingressam doentes ou, devido à imunossupressão causada pelo estresse gerado pelo abandono, predispostos a uma infecção (PESAVENTO; MURPHY, 2014). De acordo com Möstl et al. (2013), as doenças infecciosas são de fácil disseminação e de difícil prevenção em abrigos pelos seguintes motivos: presença de gatos persistentemente ou latentemente infectados por agentes infecciosos; alta rotatividade de animais e aceitação de novos indivíduos; escassez de recursos financeiros; ausência de programas de vacinação e testes para doenças infecciosas; politica de não realização de eutanásia e desconhecimento de medidas básicas de manejo e higiene. Além disso, estudo realizado por Pesavento e Murphy (2014) sugeriu que ambientes com superlotação, como os abrigos de animais, podem contribuir para a evolução e o surgimento de novos patógenos ou alterações na virulência daqueles já enzoóticos. As principais infecções observadas em gatos de abrigos são as do trato respiratório superior, as intestinais, as cutâneas e as retrovirais. (POLAK et al., 2014). Segundo Pedersen e Wastlhuber (1991), certas doenças podem ser consideradas “indicadoras de saúde em gatis” e incluem rinotraqueíte infecciosa felina, clamidiose, peritonite infecciosa felina (PIF), otoacaríase, puliciose e dermatofitose, sendo que a persistência ou a recorrência dessas afecções implica em problemas de manejo, pois algumas apresentam caráter crônico e/ou difícil tratamento (FOLEY, 2012). 3.3.2 Doença do trato respiratório superior A doença do trato respiratório superior, também denominada complexo respiratório felino, é a síndrome infecciosa de maior prevalência em gatos agrupados. Os agentes etiológicos envolvidos, em ordem decrescente de 8 importância, incluem o herpesvírus felino tipo I (HVF-1), o calicivírus felino (CVF), Mycoplasma spp. e Bordetella bronchiseptica (FOLEY, 2012). Chlamydophila felis, embora possa causar sinais respiratórios, é atualmente considerado um patógeno predominantemente conjuntival (GASKELL et al., 2004). Alguns vírus, como o da influenza aviária (H5N1), mesmo que apenas raramente possam induzir sinais respiratórios superiores em felinos, também são descritos e, neste caso específico, apresentam potencial zoonótico (THIRY et al., 2009). A rinotraqueíte infecciosa felina (causada pelo HVF-1) e a calicivirose felina (causada pelo CVF) são as doenças do complexo de maior morbidade, podendo ocorrer de forma aguda ou crônica e recorrente (GASKELL et al., 2004; BANNASCH; FOLEY, 2005). Em um estudo realizado em um abrigo na Bélgica, a prevalência da infecção pelo CVF e HVF-1 foi de 20,1% e 33,1%, respectivamente, e a co-infecção foi detectada em 10% dos casos (ZICOLA et al., 2009). Polak et al. (2014) caracterizaram 27% (n=1.368) dos gatos examinados em quatro grandes abrigos americanos com sinais clínicos de infecção do trato respiratório superior. Os sinais clínicos mais comuns do complexo respiratório felino incluem depressão, inapetência, febre, espirros, corrimento nasal, conjuntivite, salivação decorrente de gengivite, faucite, estomatite ou glossite, e linfadenomegalia (GASKELL et al., 2004; FOLEY, 2012). Embora haja uma considerável sobreposição entre os sinais clínicos induzidos por cada patógeno, e muitas vezes co-infecção, é possível uma distinção entre os mesmos com bases clínicas. A maioria das cepas de CVF induz ulcerações na cavidade oral (lesões consideradas típicas de calicivirose), enquanto manifestações respiratórias e oculares tendem a ser mais leves. Espirros, secreção nasal e ocular estão associados, com maior frequência, à infecção pelo HVF-1, sinais também relatados em gatos infectados por Bordetella bronchiseptica (GASKELL et al., 2004). A apresentação clínica de sinusite crônica, ocasionalmente com destruição dos turbinados, pode ser decorrente de infecção pelo HVF-1 ou CVF, seguida de infecção bacteriana secundária (FOLEY, 2012). Do mesmo modo que ocorre com outras espécies de herpesvírus, quase a totalidade dos gatos que se recupera da rinotraqueíte aguda torna-se portador, visto que, o vírus permanece latente no gânglio trigêmeo. O estado de portador constitui a sequela normal da rinotraqueíte infecciosa felina e se caracteriza por períodos de latência, em que não há vírus detectável, alternados com episódios de disseminação viral (reativação), a qual ocorre normalmente após períodos de estresse e, 9 eventualmente, com manifestações clínicas leves (recrudescência) (GASKELL et al., 2012). Em alguns casos, os sinais de infecção do trato respiratório iniciam cerca de uma semana após a chegada do felino no abrigo, possivelmente como resultado da recrudescência do HVF-1 em um indivíduo portador que sofreu estresse pela introdução em um novo ambiente (SCARLETT, 2006). Com relação ao CVF, o estado de portador é definido como o gato que continua a disseminar o vírus por mais de 30 dias após a infecção e ocorre principalmente em felinos de abrigos onde a doença é endêmica. Apesar de muitos gatos tornarem-se portadores, apenas cerca de 10% apresenta a infecção persistente, com o restante sofrendo ciclos de reinfecção dentro do abrigo, seja com uma variante da mesma cepa ou diferentes cepas do vírus (GASKELL et al., 2012). O complexo respiratório dos felinos é considerado um importante problema em abrigos de gatos, que pode ter a incidência reduzida através da implementação de algumas estratégias de manejo como: adoção de protocolos frequentes de desinfecção; manutenção de ventilação adequada; redução do estresse; nutrição balanceada; programas de vacinação e utilização de sistemas de isolamento e quarentena de gatos recém-introduzidos (SCARLETT, 2006). 3.3.3 Doenças gastrintestinais A diarreia constitui a principal apresentação clínica das doenças gastrintestinais em ambientes com muitos gatos e pode ser causada por vírus, como coronavírus felino (CoVF) e o vírus da panleucopenia felina (VPF); por bactérias, incluindo Salmonella Campylobacter jejuni, spp., por Campylobacter protozoários spp., dos Clostridium gêneros perfringens Isospora, e Giardia, Cryptosporidium, Tritrichomonas; ou por parasitas intestinais, mais comumente ascarídeos, ancilostomídeos e cestódeos (RUAUX et al., 2004; FOLEY, 2012; POLAK et al., 2014). A prevalência da infecção pelo CoVF é significativamente superior em ambientes com mais de seis gatos em comparação a gatos mantidos em grupos menores. Em abrigos com população superior a seis gatos, tal infecção é considerada virtualmente sempre presente (MÖSTL et al., 2013). A principal importância da infecção pelo CoVF é a relação entre este e as cepas causadoras da peritonite infecciosa felina (PIF), doença fatal caracterizada por vasculite 10 imunomediada multissistêmica, comum em ambientes com muitos gatos (RUAUX et al., 2004; ADDIE et al., 2009). O vírus é mantido na população pelos portadores crônicos e pela reinfecção de gatos infectados de forma transitória. O estresse induzido pela introdução em um abrigo aumenta a carga viral em 101 a 106 vezes (GREENE, 2012); assim, a redução do estresse em um ambiente de abrigo é fundamental para minimizar o desenvolvimento de PIF (MÖSTL et al., 2013). Gatos jovens, imunossuprimidos e aqueles que vivem em ambientes de aglomeração são os que apresentam maior risco de desenvolver doença gastrintestinal clínica, vista com frequência de forma enzoótica em abrigos. Em muitos casos, os felinos podem ser portadores assintomáticos de espécies de bactérias, protozoários ou parasitas entéricos, havendo maior probabilidade de desenvolvimento de sinais clínicos mediante estresse, co-infecção com outros patógenos intestinais ou presença de doença imunossupressora concomitante, como as infecções retrovirais (GREENE, 2012). 3.3.4 Retroviroses O vírus da leucemia felina (FeLV, do inglês feline leukaemia virus) e o vírus da imunodeficiência felina (FIV, do inglês feline immunodeficiency virus) são retrovírus que causam infecções insidiosas, específicas de felinos domésticos e selvagens e geralmente se disseminam em populações de gatos (LEVY et al., 2008; HOSIE et al., 2009; LUTZ et al., 2009; FOLEY, 2012). Um estudo realizado por Levy et al. (2006) determinou a soroprevalência das infecções retrovirais em 18.038 gatos provenientes de 345 clínicas e 145 abrigos norte-americanos. Os resultados sugeriram que determinadas características como idade (adultos), sexo (machos), estado de saúde (doentes), estado reprodutivo (inteiros) e modo de vida (livre) estão associadas a um maior risco de infecções retrovirais, enquanto a esterilização e o modo de vida exclusivamente em ambiente interno estão relacionados com menores taxas de infecção. FIV é um retrovírus do gênero Lentivirus semelhante na estrutura, ciclo de vida e patogênese ao vírus da imunodeficiência humana (HIV). Os gatos infectados geralmente permanecem anos assintomáticos, sendo a maioria dos sinais clínicos secundários à imunossupressão e a infecções oportunistas. Manifestações clínicas típicas incluem estomatite crônica, principalmente gengivite, rinite crônica, 11 linfadenopatia, emagrecimento e glomerulonefrite imunomediada. A prevalência da infecção pelo FIV é particularmente alta em abrigos com gatos machos, inteiros e de vida livre (HOSIE et al., 2009), uma vez que o vírus se encontra em elevadas concentrações na saliva e a principal forma de transmissão é através da mordedura (LEVY et al., 2006). FeLV é um Gamaretrovírus que induz severa supressão do sistema imune em felinos. Em ambientes com muitos gatos que não apresentam medidas de controle da infecção pelo FeLV, 30-40% dos gatos tornam-se persistentemente virêmicos, enquanto 30-40% apresentam viremia transitória, 20-30% soroconvertem sem detecção de viremia e 5% exibem a forma atípica da infecção. O prognóstico dos gatos persistentemente virêmicos é ruim, pois a maioria desenvolverá doença clínica e, desses, 70-90% morrerá em 18 a 36 meses. Além da imunossupressão, o vírus também induz anemia e neoplasmas hematopoiéticos, principalmente linfoma, mas também leucemia, em gatos persistentemente virêmicos. Doenças menos comuns associadas à infecção pelo FeLV incluem anemia hemolítica, glomerulonefrite, poliartrite, enterite crônica, alterações reprodutivas e neuropatias periféricas (LUTZ et al., 2009). Nos últimos 30 anos, houve uma drástica redução na prevalência da infecção pelo FeLV em diversos países da Europa, situação atribuída à utilização de programas de testes diagnósticos e, principalmente, à introdução de vacinas efetivas (LEVY et al., 2006; LUTZ et al., 2009). Em contraste, a prevalência da infecção pelo FIV não mudou desde a descrição do vírus em 1986. A identificação e a segregação de gatos infectados constitui o único método efetivo na prevenção de novas infecções pelo FeLV e FIV (LEVY et al., 2008). 3.3.5 Doenças cutâneas A dermatofitose é uma doença cutânea infecciosa, altamente contagiosa e zoonótica, que acomete especialmente gatos alojados em ambientes de elevada densidade populacional e rotatividade como os abrigos (CARLOTTI et al., 2009; FRYMUS et al., 2013; POLAK et al., 2014). Aproximadamente 95% dos casos de dermatofitose felina têm como agente etiológico fungos da espécie Microsporum canis (M. canis). As infecções por Microsporum gypseum, Microsporum persicolor e 12 Trichophyton spp. já foram relatadas, mas não representam desafios terapêuticos em abrigos (MORIELLO; DeBOER, 2012). O estresse representa um dos principais fatores de risco para a infecção. Dentre outros fatores predisponentes estão: idade (filhotes e idosos), raça (Persa), presença de lesão cutânea prévia, climas quentes e úmidos e doença imunossupressora concomitante (PEDERSEN, 1991; MORIELLO; DeBOER, 2012). Em pesquisas realizadas com gatos abandonados e de abrigos, a prevalência do isolamento de M. canis foi maior nos abrigos localizados em regiões de climas quentes (MORIELLO et al., 1994). As lesões típicas de dermatofitose consistem de áreas circulares e regulares de alopecia, descamação e formação de crostas, podendo ser únicas ou múltiplas, localizadas principalmente na cabeça ou em qualquer local do corpo, incluindo extremidade distal dos membros e cauda (FRYMUS et al., 2013), havendo frequentemente comprometimento da região ungueal (PEDERSEN, 1991). Gatos com lesões evidentes representam uma pequena percentagem em uma colônia endêmica, pois muitos animais apresentam a infecção subclínica e outros são portadores assintomáticos de esporos do fungo nos pelos (MORIELLO; DeBOER, 2012), o que, associado ao fato dos esporos permanecerem infectantes no ambiente por meses, torna a erradicação da doença difícil em abrigos (FRYMUS et al., 2013). Na Itália, foram obtidas amostras de 173 felinos abandonados sem doença dermatológica e 47% tiveram cultura positiva para M. canis, indicando infecção subclínica ou estado de portador desta zoonose (ROMANO et al., 1997). Outras manifestações dermatológicas em gatos de abrigos são as infestações por ectoparasitas como pulgas (Ctenocephalides felis) e piolhos (Felicola subrostratus) que podem ocasionar intenso prurido e, consequentes lesões por autotraumatismo. Já o ácaro de ouvido, Otodectes cynotis, representa a principal causa de otite externa contagiosa em populações de felinos (PEDERSEN, 1991). Infestações por parasitas reduzem a habilidade do animal em sua resposta imune quando desafiados por algum agente infeccioso (HURLEY, 2005). As pulgas, além de causarem desconforto pelo prurido, podem facilitar a transmissão de agentes zoonóticos, como Bartonella spp. (FOLEY et al., 1998) e causar anemia, até mesmo fatal, principalmente em casos de infestações massivas em filhotes ou animais debilitados (PEDERSEN, 1991). 13 4 JUSTIFICATIVA Nenhum estudo sobre medicina felina de abrigos foi conduzido em nosso meio e ainda carecemos de informações epidemiológicas sobre as principais doenças de gatos que vivem em populações na Região Central do Rio Grande do Sul. Os estudos existentes demonstram a realidade de abrigos em países desenvolvidos, os quais são padronizados, com frequência seguem normas sanitárias e inclusive são monitorados por médicos veterinários especialistas em medicina do coletivo. Entretanto, a realidade dos nossos abrigos difere completamente desses locais, não havendo estrutura e manejo necessários. Há uma escassez de pesquisas relacionadas a doenças infecciosas em gatos de abrigos, principalmente pela falta de apoio financeiro e dificuldade para investigações diagnósticas ou testes em propriedades privadas de populações alojadas nestes sistemas de confinamento. Com base nisso entendemos que um amplo estudo que aborde as principais doenças em gatos de abrigos possa trazer resultados relevantes do ponto de vista epidemiológico e auxiliar na elucidação da real importância de cada uma das diferentes doenças que ocorrem nestes locais, a fim de auxiliar clínicos no diagnóstico das doenças de gatos de abrigos em nossa região. 5 METAS Em consequência do grande número de animais abandonados e do aparente aumento no número de abrigos existentes em nossa região, a meta desse projeto é gerar conhecimento acerca do tema (doenças de gatos que vivem em abrigos) a ponto de auxiliar clínicos de pequenos animais no diagnóstico das doenças que afetam essa parcela de população felina. 14 6 HIPÓTESE CIENTÍFICA Com base em nossa rotina diagnóstica atual e em estudos prévios realizados em outros países, acreditamos que na Região Central do RS as principais categorias de doenças em gatos de abrigos também incluam distúrbios do trato respiratório, doenças do sistema digestório, retroviroses e dermatopatias. 7 OBJETIVOS 7.1 Objetivo geral Estudar a prevalência de doenças específicas que acometem gatos que vivem em abrigos na Região Central do RS. 7.2 Objetivos específicos Determinar a prevalência das principais doenças infecciosas que ocorrem em gatos de abrigos na Região Central do RS. Determinar os principais achados de exame físico em gatos considerados clinicamente saudáveis e naqueles sintomáticos. Correlacionar resultados de exames laboratoriais com as principais síndromes clínicas e doenças. 8 METODOLOGIA Serão selecionados abrigos de gatos localizados na Região Central do RS para coleta de dados no período de março de 2016 a dezembro de 2017. Inicialmente será realizado contato telefônico com o representante de cada abrigo, a fim de 15 determinar o interesse e a disponibilidade para visita, bem como fornecer esclarecimentos quanto ao objetivo da pesquisa e procedimentos a serem realizados. Após a chegada ao abrigo, será solicitada uma breve inspeção no ambiente seguida de coleta de informações com o proprietário, referentes ao número de gatos abrigados, alimentação fornecida, estado reprodutivo, de saúde e de vacinação, histórico de doenças prévias ou sinais clínicos observados, uso de medicamentos terapêuticos ou profiláticos, modo de vida e rotina dos gatos e pessoas que residem no domicílio. Mediante a concordância do responsável todos os gatos e acomodações do abrigo serão fotografados. Os felinos serão identificados através de resenha conforme formulário elaborado para registro de dados (APÊNDICE A), que constará de nome do tutor, cidade de localização do abrigo, data, nome do gato, gênero, idade ou faixa etária, estado reprodutivo e coloração da pelagem, além dos achados obtidos na avaliação clínica. Exame físico completo será realizado de forma sistemática, avaliando-se inicialmente estado nutricional, estado de hidratação, coloração das mucosas e temperatura corporal. Na sequência, serão examinados cavidade oral, cavidade nasal, olhos, orelhas, pele e anexos, seguidos de auscultação cardiopulmonar e aferição dos parâmetros de frequência cardíaca e frequência respiratória, além de detalhada palpação abdominal e nodal. Nos casos em que se fizer necessária a contenção do gato para a execução do exame físico, será realizada anestesia com associação de cloridrato de quetamina1 10% (8 mg/Kg)-1 e cloridrato de xilazina2 2% (1 mg/Kg)-1, ambos administrados por via intramuscular profunda. Serão coletadas amostras de sangue para hemograma completo, bioquímica sérica, testes rápidos3 para detecção de anticorpos anti-FIV e antígenos do FeLV, e reação da polimerase em cadeia (PCR) para Mycoplasma haemofelis e M. haemominutum. Coleta de pelos para cultura fúngica e de cerúmen do conduto auditivo para exames citológico e parasitológico também serão realizadas. Nos casos de gatos que apresentarem lesões cutâneas visíveis, também serão realizados exame parasitológico e/ou citológico de pele. Dos gatos com lesões na 1 Cetamin injetável. Syntec. Santana de Parnaíba. SP. Dorcipec injetável. Valée Produtos Veterinários. Montes Claros. MG. 3 SNAP FIV/FeLV Combo. IDEXX Laboratories. Westbrook, Maine. EUA 2 16 cavidade oral, amostras obtidas através de suabe estéril serão utilizadas para citologia e encaminhadas para isolamento viral. Ao término da avaliação os felinos serão mantidos em caixas de transporte individuais, acolchoadas e monitorados até a completa recuperação anestésica. Amostras de fezes serão obtidas a partir das caixas de areia. Essas amostras serão encaminhadas para realização de exame parasitológico de fezes pelos seguintes métodos: exame direto, flutuação (em salina, com sulfato de zinco a 33% e com açúcar de Sheather), sedimentação (simples e centrifugado) e método de Baermann. Imediatamente após o retorno do abrigo, as amostras de sangue coletadas serão processadas no LPV-UFSM. O restante das amostras de soro e sangue será armazenado sob congelação em freezer a - 20º C. Os resultados obtidos nos exames físicos e laboratoriais serão analisados e agrupados de acordo com o sistema orgânico acometido, a fim de estabelecer diagnósticos com base em sinais clínicos e/ou achados de exames complementares. Será solicitado aos proprietários dos abrigos que os gatos que venham a morrer nos meses seguintes a realização das visitas sejam encaminhados ao LPVUFSM para realização de necropsia e exame histopatológico, obtendo-se assim, maiores subsídios para fins diagnósticos e, consequentemente, melhoramento do manejo do abrigo. Este projeto será submetido à aprovação do Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade Federal de Santa Maria de acordo com Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA, 2008). 9 POSSÍVEIS RESTRIÇÕES E SOLUÇÕES O número de abrigos e o número de gatos examinados por abrigo pode ser um fator limitante e interferir nos resultados encontrados. A fim de minimizar um possível baixo número de casos, o estudo tentará abranger o maior número de abrigos no período de trabalho proposto. 17 Espera-se encontrar restrições em relação à obtenção de dados epidemiológicos junto aos proprietários, especialmente naqueles abrigos com grande número de gatos. Apesar da intenção de obter informações detalhadas de cada indivíduo, isto nem sempre será possível, principalmente quanto à idade exata dos felinos e doenças anteriores à introdução no abrigo. Assim, poderá ser realizada uma estimativa da faixa etária, com base em dados como data de chegada e período de permanência no local e realização dos testes rápidos como forma de triagem. 10 CRONOGRAMA Atividades para 2014 Atividade Jan Fev Mar Abr Mai Mar x Abr x Mai x Mês Jun Jul 1 Ago x Set x Out x Nov x Dez x Ago Set Out Nov Dez x x x x x x x Atividades para 2015 Atividade 1 2 3 4 Jan x Fev x Mês Jun Jul x x Atividades para 2016 Atividade Jan Fev 5 Mar x Abr x Mai x Mar x x Abr x x Mai x x Mês Jun Jul x x Ago x Set x Out x Nov x Dez x Mês Jun Jul x x x x x Ago x x x Set x x x Out x x x Nov x Dez x x X Atividades para 2017 Atividade 5 6 7 Jan x x Fev x x 18 Atividades para 2018 Atividade 7 8 Jan x x Fev Mar Abr Mai Mês Jun Jul Ago Set Out Nov Dez x 1. Realização do projeto piloto 2. Confecção do projeto 3. Organização dos resultados parciais para exame de qualificação 4. Período de qualificação 5. Adequações do projeto, coleta de dados e padronização dos resultados obtidos conforme estabelecido na qualificação 6. Elaboração dos artigos científicos 7. Elaboração da tese 8. Preparação para a defesa de tese 11 ORÇAMENTO Quantidade Unidade Discriminação Valor unitário (R$) Total (R$) 10 04 04 10 05 02 01 100 10 30 01 10 05 04 01 05 05 05 05 Total Caixa 100 unid. Frasco 1L Pacote 500 g Caixa 1 unid. Frasco 10 ml Frasco 20 ml Frasco 500 ml Frasco 80 ml Caixa 75 unid. Caixa 15 unid. Caixa 01 unid. Caixa 50 unid. Caixa 100 unid Caixa 100 unid. Caixa 01 unid. Caixa150 unid. Caixa150 unid. Caixa 100 unid. Caixa 100 unid. Agulha hipodérmica 25x7 Álcool etílico 98% Algodão hidrofílico Caixa transporte n.1 Cloridrato quetamina 10% Cloridrato de xilazina 2% Corante panótico rápido Frasco coletor plástico Hastes flexíveis algodão Teste FIV/FeLV (IDEXX) Lâmina máquina tosa 40 Lâmina para microscopia Lamínula 24x50 Luva de procedimento Máquina tricotomia Seringa BD 3ml Seringa BD 5ml Tubo hemograma 4 ml Tubo bioquímico 5 ml 16,00 6,99 22,00 69,00 150,00 32,00 42,00 1,28 2,60 630,00 130,00 4,90 6,20 22,50 889,00 68,00 80,00 45,00 68,00 160,00 27,96 88,00 690,00 750,00 64,00 42,00 128,00 26,00 18.900,00 130,00 49,00 31,00 90,00 889,00 340,00 400,00 225,00 340,00 R$23,369,96 19 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADDIE, D. et al. Feline infectious peritonitis. ABCD guidelines on prevention and management. Journal of Feline Medicine and Surgery. v. 11, p. 594-604, 2009. BANNASCH, M. J.; FOLEY, J. E. Epidemiologic evaluation of multiple respiratory pathogens in cat in animal shelters. 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