Tema 1: Ajuste Fiscal e Dívida Pública Subtema 1.5: Gerenciamento de Riscos BENCHMARK PARA A DÍVIDA PÚBLICA: DUAS ABORDAGENS ALTERNATIVAS SUMÁRIO 1. Introdução, 3 2. Literatura e Experiência Internacional, 7 2.1 Gerenciamento da Dívida Pública, 7 2.2 Benchmark para a Dívida Pública: a experiência internacional, 9 3. Proposta de Benchmark: um modelo estocástico de finanças, 15 3.1 Dinâmica da Economia, 17 3.2 Consistência Macroeconômica, 30 3.3 O Preço dos Títulos, 33 3.4 Custo de Carregamento da Dívida, 35 3.5 Dinâmica da Dívida, 38 3.6 Resumo Esquemático do Funcionamento do Modelo, 39 4. Simulando o Modelo Estocástico de Finanças, 41 5. Proposta Alternativa de Benchmark: Uma Análise Macro-Estrutural, 48 5.1 Modelos Macro-Monetários – breves comentários, 49 5.2 O Modelo Macro-Estrutural Proposto, 56 6. Simulando o Modelo Macro-Estrutural, 63 7. Medindo a Performance do Tesouro, 71 8. Considerações Finais, 73 9. Bibliografia, 77 2 1. INTRODUÇÃO As crises financeiras ocorridas nos últimos anos acarretaram substancial aumento de incertezas no mercado financeiro internacional, sobretudo para aplicações em países emergentes, e debilitaram sobremaneira as finanças públicas, principalmente as de países dependentes de financiamento externo de déficits em transações correntes. No Brasil, tais choques provocaram elevações de taxas de juros e de câmbio, assim como a expansão da participação dos títulos indexados a estas variáveis e encurtamento de maturidade (ou prazo médio) da dívida mobiliária federal, principalmente dos títulos prefixados, determinando processo de fragilização financeira. Em tais circunstâncias, a resposta da política econômica tende a sancionar aumentos das taxas de juros, para favorecer o equilíbrio financeiro com o setor externo, e elevar os resultados fiscais primários, para recuperar as finanças públicas. De modo similar, a incerteza acerca da política econômica do governo seguinte disseminou a desconfiança quanto a sustentabilidade da dívida pública brasileira no segundo semestre de 2002. Desse modo, vem ganhando força a idéia de que a dívida pública não deve ser encarada como um fator exógeno, sem implicações próprias sobre a dinâmica da economia. Tal circunstância torna o acompanhamento de sua sustentabilidade e gerenciamento de riscos fatores cruciais para a política econômica, sobretudo diante da instabilidade, que tem sido regra no sistema financeiro internacional. 3 Todavia, alguns períodos nos últimos anos apresentaram conjuntura favorável e ausência de choques externos, onde a política monetária foi conduzida de modo a reduzir as taxas de juros e a minimizar riscos associados à intermediação financeira. Nesses períodos, a política de gerenciamento da dívida mobiliária federal foi direcionada para a melhora de seu perfil, aumento de participação de títulos prefixados e redução do risco de taxa de câmbio, por meio de resgates líquidos de títulos referenciados em moeda estrangeira. Nesse contexto, a dívida pública, em termos de volume e de composição, apresentou importantes alterações. De fato, nos últimos anos, o tema “Dívida Pública” vem ganhando crescente importância devido aos efeitos perversos de um elevado nível de endividamento público sobre a atividade econômica. A base teórica para o estudo do gerenciamento da Dívida Pública está amparada na Equivalência Ricardiana1, segundo a qual, sob certas condições, um gerenciamento ativo da Dívida Pública seria irrelevante. O bastante razoável relaxamento das hipóteses por trás da idéia da equivalência ricardiana faz com que o gerenciamento da dívida pública seja de fato relevante, quer na busca pela suavização dos impostos, quer em outros objetivos como completar mercados ou sinalizar compromissos com uma determinada política. Ao longo da última década, houve expressivos avanços na discussão a respeito do gerenciamento da dívida pública, liderados por países mais desenvolvidos nessa questão e encampados pelo setor oficial, em especial pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional2. 1 2 Ver Barro (1974) Ver Guidelines for Public Debt Management (2001 e 2003). 4 Dentro dos instrumentos de planejamento estratégico e gerenciamento de risco, uma das medidas que ganhou destaque foi a adoção de um benchmark, uma estrutura de dívida ótima de longo-prazo que nortearia a estratégia de financiamento de curto e médio-prazos. Vários países, como Portugal, Suécia e Dinamarca desenvolveram diferentes metodologias para a formulação de um benchmark e já o utilizam no gerenciamento de suas dívidas. Em geral, institucionalmente falando, o benchmark é aprovado pela instância superior de gestão da dívida (Ministro ou alguma espécie de comitê executivo), é divulgado à sociedade e deve ser perseguido pelo órgão competente3. No Brasil, a gestão da dívida é feita pelo Tesouro Nacional, dentro do Ministério da Fazenda. O Tesouro Nacional vem empreendendo grandes esforços ao longo dos últimos anos para colocar-se entre os países mais avançados no gerenciamento da dívida pública. Tais esforços incluíram o desenho de uma nova estrutura institucional e investimentos em recursos humanos e tecnológicos, dentro de um grande projeto, supervisionado pelo Banco Mundial, de aprimoramento da gestão. Hoje, o Tesouro Nacional tem sua visão de dívida dentro de um paradigma de gerenciamento integrado de ativos e passivos (assets and liabilities management – ALM), possuindo sistemas avançados de planejamento estratégico e risco, utilizando medidas de risco modernas, tais como o cost-at-risk (CaR), o cashflow-at-risk (CfaR) Em muitos países, como acontece no Brasil, o gerenciamento da dívida pública é feito por um órgão pertencente ao Ministério da Fazenda. Em outros tantos casos, tal atividade é desempenhada por agências de dívida independentes. Já em raros arranjos, a área encarregada da gestão da dívida encontra-se dentro da estrutura do Banco Central. 3 5 e o budget-at-risk (BaR). Esses indicadores estocásticos são adaptações do VaR4 (value-at-risk) já há algum tempo muito usado pelas instituições financeiras. Dentre os próximos desafios do Tesouro Nacional está a formulação de um benchmark, ou seja, de uma composição ótima de longo prazo para a dívida pública brasileira. Este artigo traz duas propostas alternativas para este benchmak, baseadas em um modelo estocástico de finanças e num modelo macro-estrutural, ambos amparados no conceito de carteiras eficientes. Este trabalho está organizado da seguinte forma: na seção 2, comentamos brevemente sobre a literatura mais ampla de gerenciamento de dívida, destacamos o modo como alguns países lidam atualmente com a determinação de um benchmark e citamos o arcabouço brasileiro de gestão. Na seção 3, apresentamos um modelo estocástico de finanças para balizar a escolha de uma carteira ótima de longo-prazo para a dívida pública e na seção 4 as simulações geradas por ele. Na seção 5, apresentamos uma proposta alternativa de benchmark para a dívida pública com base num modelo macro-estrutural. Os resultados obtidos com a simulação do modelo macro são discutidos na seção 6. Na seção 7, mostramos como um modelo de benchmark pode ser usado também para medir a performance do Tesouro. Por fim, na seção 8, tecemos considerações adicionais e discorremos sobre os pontos fortes e fracos dos modelos propostos, assim como possíveis extensões. 4 Para uma excelente exposição sobre o VaR, ver Jorion (1997). 6 2. LITERATURA E EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 2.1. Gerenciamento da Dívida Pública A base teórica para o estudo do gerenciamento da Dívida Pública está amparada na Equivalência Ricardiana5, segundo a qual, sob certas condições, o gerenciamento ativo da Dívida Pública seria irrelevante. Se a Equivalência Ricardiana é válida, o papel desempenhado pela Dívida Pública bem como sua composição ótima passam a ser irrelevantes. Há três condições, sob as quais, a Equivalência Ricardiana está amparada: (1) Os agentes devem possuir um horizonte infinito de planejamento; (2) Existência de mercados completos e (3) Existência de impostos não distorcivos6. A discussão sobre a importância do gerenciamento ativo da Dívida Pública, bem como a forma como ele deve ser realizado baseia-se no relaxamento das hipóteses que dão sustentabilidade à Equivalência Ricardiana. Relaxadas tais hipóteses, constatase que a composição da dívida pública é importante não só pelas razões de minimização do custo esperado do serviço da dívida, mas também por razões de credibilidade e sinalização, de minimização da volatilidade orçamentária e aumento da liquidez ou da informação disponível no mercado7. Portanto, a literatura teórica sobre a importância do gerenciamento da dívida não se restringe ao relaxamento das hipóteses da equivalência ricardiana. Há argumentos de taxação ótima, inconsistência temporal e credibilidade da política 5 De acordo com a Equivalência Ricardiana, dívida pública e impostos são fontes de financiamentos alternativos para os gastos governamentais. A criação de um passivo através da emissão de títulos públicos deve ser eventualmente enfrentada pelo recolhimento de impostos da população. Sob condições ideais, a escolha de um ou de outro mecanismo de financiamento não teria efeito algum sobre o comportamento dos agentes. Não só a composição da dívida seria neutra do ponto de vista do bem estar social, como a própria escolha entre impostos e dívidas para o financiamento das despesas governamentais seria indiferente. 6 7 Barro (1974). Goldfajn e de Paula (1999). 7 macroeconômica, escolha pública, efeitos reais de defaults soberanos e sinalização de políticas, dentre outros. À medida que as condições para a neutralidade são contestadas abre-se espaço para mudanças na percepção sobre a importância da administração da dívida pública no desenvolvimento da atividade econômica. Nesse sentido, a discussão sobre tamanho e composição ótima da dívida pública passam a ser extremamente relevantes para especialistas e autoridades fiscais. A literatura sobre taxação ótima sugere que o governo devesse estruturar sua dívida de modo a estabilizar os impostos ao longo do tempo e sob diferentes estados da natureza8. Em outra abordagem, a escolha ótima de instrumentos de dívida depende da estrutura da economia e da natureza dos choques que a afetam. Já os estudos empíricos sobre o custo do default enfatizam os custos reais em termos de perda de produto e emprego que resultam das contrações econômicas que tipicamente se seguem a um default. Nesse sentido, os governos deveriam ter baixa tolerância a estruturas de débito arriscadas e o objetivo primário do gestor da dívida seria obter uma estrutura de carteira que minimizasse o risco de default9. Há ainda um outro aspecto em relação à Dívida Pública considerando o seu poder de sinalização quanto à credibilidade da atuação do Governo. Tal aspecto refere-se à utilização de instrumentos de endividamento visando transmitir uma idéia de comprometimento com os objetivos de política econômica. Um exemplo disso seria a emissão de títulos indexados à inflação num regime de metas, ou então, de títulos cambiais num regime de câmbio fixo. Uma administração eficiente e responsável da dívida é de fundamental importância para a manutenção da estabilidade 8 9 Veja, por exemplo, Bohn (1994) e Barro (1999). Veja Dooley (1998) ou Sachs, Velasco e Tornell (1996). 8 macroeconômica do país ao auxiliar na queda da razão Dívida/PIB e na redução da sua volatilidade. Portanto, a maior parte dos países, incluindo o Brasil, declara como objetivo do gerenciamento da dívida pública algo como a minimização dos custos de longoprazo sujeita a níveis prudentes de risco. Na busca desse objetivo, o país tem desenvolvido instrumentos e medidas sofisticados tanto com o intuito de um planejamento estratégico da dívida, como para o gerenciamento de risco. 2.2. Benchmark para a Dívida Pública: a experiência internacional Segundo os Guidelines (2001), o benchmark pode ser uma poderosa ferramenta gerencial porque representa a estrutura de dívida que o governo gostaria de ter, baseada em suas preferências de risco e custo esperado. Como tal, o benchmark pode orientar o gestor da dívida nas suas decisões quanto às emissões e quanto ao gerenciamento de risco. Muitos países, entre desenvolvidos e emergentes, já usam ou estão desenvolvendo metodologias para a determinação de uma estrutura ótima. Nesta seção, procuramos destacar como alguns desses países abordam a questão. Portugal foi um dos primeiros países a formular e usar um benchmark. Matos (2001) e Granger (1999) oferecem uma boa explanação da metodologia desenvolvida pelo Instituto de Gestão do Crédito Público – IGCP, agência responsável pela administração da dívida pública portuguesa. Segundo o IGCP, a principal razão da adoção de um benchmark foi ter uma referência mensurável da composição almejada de longo-prazo, com a convicção de que esse tipo de referência 9 aumentaria a consistência entre as decisões de gerenciamento da dívida diárias com os objetivos de longo-prazo. O modelo português não incorpora os ativos do governo (gerenciamento de passivos puro) e a modelagem é feita em termos de fluxos de caixa, na crença de que a volatilidade das variáveis financeiras afeta a volatilidade orçamentária, que reduz os graus de liberdade do gestor da política fiscal. O IGCP determina um benchmark de steady-state, que institucionalmente é aprovado pelo Ministro das Finanças, baseado em um modelo de simulação de fluxos de caixa. Em sua suposição de steady-state está a hipótese da dívida constante em termos nominais. Basicamente, o modelo tem três insumos: (i) simulação estocástica das taxas de juros; (ii) diferentes estratégias de financiamento, que atendem a restrições predefinidas de rolagem e gerenciamento; e (iii) cenários determinísticos para outras variáveis macroeconômicas. Em seguida, um mecanismo computacional simula a dinâmica da carteira de dívida, resultando em carteiras eficientes, medidas pelo custo e risco em termos de fluxo de caixa. Finalmente, o tomador de decisão determina o trade-off entre custo e risco com o qual ele está disposto a conviver e a estratégia eficiente associada. O benchmark é, então, a estrutura de dívida que resulta da contínua aplicação desse programa de financiamento. Bergström e Holmlung (2000) descrevem o modelo sueco utilizado pelo Swedish National Debt Office – SNDO, que é uma agência independente do Ministério das Finanças. O SNDO modela cinco variáveis macroeconômicas: inflação, PIB, taxas 10 de juros de curto e longo-prazos e taxa de câmbio real. Todas as variáveis, com exceção das taxas de juros de curto-prazo, seguem processos estocásticos autoregressivos de ordem um, enquanto os juros de curto-prazo são obtidos por uma regra de Taylor. A partir de uma hipótese sobre as necessidades de financiamento do governo central, são avaliadas algumas carteiras de dívida, em termos de moeda e prazos. O custo é medido em termos nominais e também em percentuais do PIB, sempre tendo como base fluxos de caixa. O risco é dividido em duas componentes: (i) risco de cenário e (ii) risco de séries de tempo. Enquanto o primeiro mede os diferentes resultados sob diferentes valores das variáveis ao final do período, o segundo analisa a trajetória dessas variáveis ao longo do tempo, eliminando trajetórias indesejadas, onde a variável sofra choques expressivos ao longo do período, mesmo que retornando a um valor razoável ao final. A agência Irlandesa de gerenciamento de dívida, National Treasury Management Agency – NTMA, usa um benchmark tanto estratégico, como também para medida de performance. A NTMA destaca que todo benchmark deveria estar embebido com uma mensagem de alerta à saúde financeira do governo e que, ao contrário de outras instituições financeiras que tem os ativos financeiros como dados, o Tesouro não tem uma posição “natural”, o que justifica a busca pela resposta de uma estrutura ótima de dívida. Identificando o valor presente líquido (VPL) da dívida como medida de custo e a volatilidade fiscal como medida de risco, a agência irlandesa tem um modelo 11 analítico simples que explicita os trade-offs entre custo e risco, em um horizonte de médio-prazo. Institucionalmente, o benchmark é aprovado pelo Ministro das Finanças além de, como já dito, ser usado como medida de performance. A NTMA destaca a importância de se formular um benchmark factível e defende a sua utilização pelo incremento na transparência administrativa. Além disso, observa que o benchmark deveria sofrer alterações apenas eventuais, já que, por hipótese, estaria refletindo relações estruturais da economia e os grandes objetivos da política fiscal. A Dinamarca situa-se entre os países mais avançados no gerenciamento da dívida pública, tendo sido um dos pioneiros no desenvolvimento do conceito de Cost-atRisk (CaR), uma adaptação do conceito de Value-at-Risk (VaR) para a visão dos emissores de dívida. A agência de gerenciamento de dívida dinamarquesa fica, institucionalmente, dentro da estrutura do Banco Central, contrariando a estrutura mais comum em países desenvolvidos e as recomendações do FMI e do Banco Mundial. A Dinamarca não tem uma carteira de dívida de benchmark. Ao invés disso, trabalha com metas de duration a serem alcançadas no médio prazo. Possuem um modelo de simulações estocásticas de taxas de juros, baseadas em um processo CIR10, que calcula o CaR em um horizonte de 10 anos. Partem da carteira atual e dos objetivos em termos de duration e CaR, chegando, por tentativa e erro (não há modelo de otimização), a uma carteira de longo-prazo. Cox, Inglesson e Ross. Discutiremos mais adiante alguns dos modelos de taxas de juros mais utilizados na literatura. 10 12 A agência dinamarquesa ressalta que já utilizou modelos complexos e que, atualmente, acredita na importância de manter os modelos simples e dar a eles bastante transparência. A Hungria tem sua dívida gerenciada pela agência ÁKK, que elenca quatro princípios básicos de um benchmark: (i) Robustez: mínima dependência possível do ambiente econômico e financeiro futuro; (ii) Horizonte de longo-prazo: por toda a vida da dívida; (iii) Eficiência: menor custo para o nível escolhido de risco; e (iv) Transparência: benchmark simples, transparente e factível. A ÁKK tem um modelo analítico simples que determina características gerais do benchmark, como a proporção ótima de dívida pré ou pos-fixada e a distribuição entre moedas. Usa, como medidas de risco, o Cash-Flow-at-Risk (CFaR) e o VaR, explicitando que existe um trade-off entre esses dois indicadores. Outros países importantes, como a Inglaterra e a Bélgica, por exemplo, não determinam benchmarks. No entanto, esses países usam também modelos de simulação e indicadores como o CaR, CFaR e BaR (Budget-at-Risk) para o gerenciamento de riscos. A Inglaterra estressa a importância de manter os modelos simples e tratáveis e usa modelos de taxas de juros como o CIR, que exibem reversão à média. Evidentemente, não pretendemos discutir aqui a experiência de todos os países, mas sim, como exposto acima, realçar como alguns deles que já pensam em benchmark há algum tempo, têm tratado essa questão. Mais detalhes sobre a 13 experiência internacional podem ser encontrados nos Guidelines (2003) e em Nars (1997). Podemos apontar algumas fraquezas nesses modelos descritos, várias delas apontadas pelos seus próprios formuladores (o que é absolutamente natural). Por exemplo, o modelo português tem um alto grau de dependência da trajetória das variáveis econômicas de hoje até a situação hipotética de steady-state. Além disso, a hipótese de steady-state é que a dívida nominal permaneça constante, o que não parece muito intuitivo. Finalmente, falta a garantia de consistência macroeconômica no modelo, haja vista os juros serem gerados por um modelo estocástico e as outras variáveis por alguns cenários determinísticos. Já no modelo sueco, não parece haver justificativa teórica para o uso de todos os processos estocásticos como sendo auto-regressivos de ordem um. A associação desses modelos com uma regra de Taylor explicita o fato do modelo ser uma espécie de meio termo entre um modelo de finanças e um modelo macro-estrutural. Além disso, não há ligação entre a geração das taxas de juros de curto e longoprazos e, ao contrário do que acreditam hoje a maioria dos gestores de dívida, o modelo indica que os títulos atrelados à inflação não são um bom instrumento de financiamento, o que pode estar refletindo problemas na modelagem. A Dinamarca usa um modelo apenas para a dívida doméstica. A não ser eventualmente, não é fácil acreditarmos que um benchmark exclusivamente para a dívida doméstica seja ótimo para a gestão da dívida como um todo. Além disso, o objetivo da modelagem são metas para a duration da dívida, o que também não é 14 muito intuitivo e pode gerar conflitos com outros objetivos. Finalmente, a Dinamarca também mescla cenários estocásticos com cenários determinísticos e não está claro como é feita a consistência entre eles. Os modelos que propomos nas seções 3 e 5 tentam avançar na resolução de alguns desses problemas, embora, obviamente, tenham várias outras simplificações e fraquezas que discutiremos mais adiante. No Brasil o gerenciamento da dívida pública é responsabilidade do Tesouro Nacional, órgão do Ministério da Fazenda11. Nos últimos anos, o Tesouro Nacional teve importantes avanços para o desempenho de suas funções. Entre os desafios atuais do Tesouro Nacional está o desenvolvimento de uma metodologia para a determinação de um benchmark. Esse artigo tenta contribuir para o alcance desse objetivo. 3. PROPOSTA DE BENCHMARK: UM MODELO ESTOCÁSTICO DE FINANÇAS12 A idéia geral do modelo é simples. A evolução da economia se dá baseada em três modelos estocásticos de finanças, cada um para uma variável chave macroeconômica (juros, câmbio e inflação). Tais modelos, apesar de serem estocásticos, são correlacionados para garantir a consistência macroeconômica. Em um espaço retorno-risco da relação Dívida/PIB, traçaremos uma fronteira eficiente Até recentemente, o Tesouro delegava ao Banco Central do Brasil a operacionalização das emissões externas. Essa atividade está sendo passada integralmente ao Tesouro neste ano de 2004 e, então, o Tesouro passará a consolidar todo o gerenciamento da dívida pública brasileira, interna e externa, em todas as suas esferas: emissão, operações estruturadas, planejamento estratégico, análise de risco, controle e registro. 12 Ver Cabral (2004). 11 15 de carteiras de dívida, em uma situação de steady-state. Isto é, cada carteira será uma composição diferente entre 4 instrumentos de financiamento (títulos) e as características relevantes de cada carteira para traçarmos a fronteira eficiente serão o retorno e o risco (volatilidade) da relação Dívida/PIB para aquela carteira. Estaremos chamando de steady-state a situação na qual o perfil relativo de maturação da dívida é constante e as variáveis relevantes flutuam estocasticamente em torno de seus níveis de equilíbrio. Traçada a fronteira eficiente e dado o apetite ao risco do Governo, podemos selecionar uma escolha ótima de carteira, que chamaremos de benchmark da dívida. Supomos, primeiramente, que há quatro tipos de instrumentos disponíveis para o Tesouro: títulos prefixados, indexados à taxa de juros, indexados à taxa de câmbio e indexados a índice de preços. Para facilitar o texto, nos referiremos a eles pelos nomes dos títulos do governo brasileiro com as respectivas rentabilidades, a saber: Prefixado: Letra do Tesouro Nacional - LTN Indexado à taxa de juros (SELIC): Letra Financeira do Tesouro - LFT Indexado à taxa de câmbio (dólar): Nota do Tesouro Nacional – série D NTN-D Indexado a índice de preços (IGP-M): Nota do Tesouro Nacional – série C NTN-C Para medirmos a evolução da relação Dívida/PIB, temos que calcular o custo de carregamento da dívida total e, para isso, calculamos primeiramente o custo de carregamento da dívida por indexador. 16 Para cada tipo de instrumento, trabalharemos com um título representativo de n períodos (onde n pode ser diferente para os diferentes tipos de títulos). Supomos que, a cada período, o Tesouro emite um título representativo. Dessa forma, após um certo tempo, teremos n títulos de cada tipo, cada um vencendo em um período. Além disso, chamaremos de steady-state a situação na qual o Tesouro, com uma postura ativa de emissões e recompras, mantém a maturação relativa constante. Ou seja, a cada período matura 1/n do estoque. 3.1. Dinâmica da Economia Para obtermos o custo de carregamento da dívida total e por indexador, precisamos conhecer a evolução dos indexadores (juros, câmbio e inflação), assim como a taxa prefixada e os cupons cambial, de juros e de inflação. Supomos que a taxa de juros (taxa SELIC) segue um modelo CIR. Ou seja, o processo da taxa de juros (neutro ao risco) seria descrito por: dJ t = α ( J * − J t )dt + σ 1 J t dz t1 em que: J t : taxa de juros (SELIC) no instante t α : velocidade de reversão à média da taxa de juros J * : média de longo prazo da taxa de juros σ 1 : volatilidade da taxa de juros dz t1 : processo de Wiener 17 A partir deste modelo (CIR), teríamos o preço dos títulos prefixados, que seriam dados por: P(t , T ) = A(t , T )e − B ( t ,T ) J sendo: ( ( ) ) 2 e γ (T − t ) − 1 B (t , T ) = (γ + α ) e γ (T −t ) − 1 + 2γ ⎡ ⎤ 2γe (α +γ )(T −t ) / 2 A(t , T ) = ⎢ ⎥ γ (T −t ) − 1 + 2γ ⎦ ⎣ (γ + α ) e ( 2αJ *1 / σ 12 ) γ = α 2 + 2σ 12 Existem vários modelos de juros consagrados na literatura, ditos também modelos de curvas de rendimento ou da estrutura a termo das taxas de juros (ETTJ). De uma forma simplificada, esses modelos dividem-se em: (i) modelos de equilíbrio; (ii) modelos de não-arbitragem13. Eles diferem basicamente quanto a ETTJ inicial (corrente), que é um resultado, no caso dos modelos de equilíbrio, e um dado (insumo) nos modelos de não arbitragem. De modo geral, qualquer modelo de juros especifica duas coisas: (i) variáveis de estado e (ii) os processos dessas variáveis. Os valores das variáveis representam o estado do sistema, enquanto os processos estabelecem como essas variáveis evoluem ao longo do tempo. Didaticamente, os modelos de taxa de juros têm duas componentes. Uma componente determinística, chamada de tendência, e uma componente aleatória que gera a volatilidade. 13 O texto de Hull (1998) é introdutório, mas bastante didático. 18 Os modelos de equilíbrio partem, normalmente, de pressupostos sobre as variáveis econômicas e derivam um processo para a taxa de juros de curto prazo. Em seguida, obtêm-se os preços dos títulos e, por conseqüência, as curvas de rendimento. Dentro dessa classe modelos, há formulações com um ou mais fatores. Os modelos ditos de um fator são aqueles que trazem apenas uma fonte de incerteza, qual seja, a taxa de juros de curto prazo rt e podem ser genericamente escritos como: drt = m(rt )dt + s (rt )dz em que: m(rt )dt : componente de tendência (determinística) s (rt )dz : componente de volatilidade (aleatória) Três dos modelos mais famosos dessa classe (modelos de equilíbrio de um fator) são aqueles de Rendleman e Bartter (1980), Vasicek (1977) e Cox, Inglesson e Ross - CIR (1985). A tabela abaixo ilustra as componentes de tendência e volatilidade para esses modelos: Tabela 1: modelos de equilíbrio de um fator Rendleman e Bartter Vasicek CIR m(r) µr a(b-r) a(b-r) s(r) σr σ σ√r O modelo de Rendleman e Bartter é, de fato, um browniano geométrico, muito usado para preços de ações. Entretanto, não parece muito razoável esse tipo de crescimento perpétuo das taxas de juros. Já os modelos de Vasicek e CIR, exibem a 19 propriedade de reversão à média, onde os parâmetros “a” e “b” são, respectivamente, a velocidade de reversão à média e a média de longo prazo. Observemos que, dado a>0, sempre que a taxa corrente está abaixo da média de longo prazo, r<b, temos que o termo de tendência é positivo, a(b-r)>0, fazendo com que a taxa corrente aumente. Da mesma forma, se a taxa corrente está acima da média de longo prazo, r>b, o termo de tendência torna-se negativo, a(b-r)<0, provocando uma diminuição na taxa corrente. Tal reversão à média parece uma hipótese bastante razoável e uma propriedade desejável em modelos de taxas de juros. Tanto o modelo de Vasicek como o CIR derivam uma fórmula analítica para o preço dos títulos e, conseqüentemente, para a curva de rendimento, o que torna esses modelos bastante atraentes do ponto de vista da simplicidade e tratabilidade. Os dois modelos também são capazes de gerar diversos formatos para a curva de rendimento, o que também é uma característica desejável, e estipulam distribuições normais para a taxa de juros de curto prazo no futuro. Na verdade, a grande diferença entre esses dois modelos é que o de Vasicek permite o aparecimento de taxas de juros de curto prazo negativas, enquanto o modelo CIR, ao introduzir o termo r na componente de volatilidade, elimina essa possibilidade. Os dois modelos ainda exibem conjuntamente a característica de a curva de rendimentos R(t,T) depender linearmente da taxa corrente de curto prazo r t . Brennan e Schwartz (1979) e Longstaff e Schwartz (1992) trazem formulações de modelos de equilíbrio de dois fatores. 20 Uma das deficiências mais apontadas nos modelos de equilíbrio é o fato deles não refletirem de forma exata a ETTJ corrente, levando a precificações errôneas dos instrumentos de mercado. No sentido da correção dessa deficiência estão os modelos ditos de não-arbitragem, que tomam a ETTJ corrente como dada. Um dos modelos de não arbitragem mais famosos é o de Heath, Jarrow e Morton (1992) – HJM, cuja formulação básica pode ser escrita como: dF (t , T ) = m(t , T , Ω t )dt + σ 1 (t , T ) F (t , T )dz1 + σ 2 (t , T ) F (t , T )dz 2 em que: F (t , T ) : taxa a termo instantânea m(t , T , Ω t ) : desvio instantâneo σ (t , T ) F (t , T ) : desvio padrão O vetor Ω t engloba os valores presentes e passados que determinam a taxa de juros e os preços dos títulos. Para evitar a dificuldade do modelo HJM de árvores não recombináveis, desenvolveram-se modelos markovianos de não arbitragem. Basicamente, nesses modelos o desvio é uma função do tempo e essa função é escolhida de forma a refletir adequadamente a ETTJ inicial (corrente). Tais modelos são extensões naturais dos modelos de equilíbrio e exemplos são aqueles de Ho e Lee (1986) e Hull e White (1990). O modelo de Ho e Lee é um modelo markoviano, analiticamente tratável, cujo processo de difusão da taxa de curto prazo pode ser escrito como: 21 dr = θ (t )dt + σdz A função θ (t ) é então escolhida de modo a refletir de forma apropriada a ETTJ inicial. Duas são as desvantagens principais desse modelo: (i) não possuir a desejável propriedade de reversão à média e (ii) ter pouca flexibilidade para a volatilidade da curva de rendimento. A respeito dessas desvantagens, o modelo de Hull e White apresenta-se como um avanço. Neste modelo, o processo de difusão da taxa de curto prazo é dado por: dr = [θ (t ) − ar ]dt + σdz Observemos que este modelo pode ser encarado como uma extensão do modelo de Ho e Lee que exibe reversão à média ou como uma extensão do modelo original de Vasicek com a média de longo prazo dependente do tempo. Além disso, este modelo torna mais flexível o tratamento da volatilidade, que passa a ser determinada por σ e “a”. Dentro dos modelos de não arbitragem, é mister ainda citar a formulação de Brace, Gaterek e Musiela (1997) - BGM, em que as volatilidades são proporcionais às taxas a termo. James e Webber (2000) fazem uma descrição mais minuciosa e abrangente dos diversos modelos de taxa de juros existentes na literatura, dividindo-os em seis categorias, a saber: 22 (i) modelos de equilíbrio; (ii) modelos de curva de rendimento completa; (iii) modelos de mercado; (iv) modelos de preços de Kernel; (v) modelos positivos; (vi) modelos “consol”. Ainda pode-se citar os modelos de campo aleatório, de componentes de pulo e modelos não lineares que não se encaixam nas categorias acima, mas que tem raro uso. Em geral, três aspectos devem ser levados em conta para a escolha de um modelo de taxa de juros14: (i) Ajuste aos dados de mercado: quão bem o modelo se ajusta a ETTJ corrente, aos preços correntes e à estrutura de volatilidade corrente; (ii) Propriedades dinâmicas: dinâmica da taxa de curto prazo, de toda a curva e da precificação de outros instrumentos. Podem ser medidas como momentos de uma série temporal. (iii) Tratabilidade: existência de solução explícitas para instrumentos simples ou de soluções com métodos numéricos simples para instrumentos mais complexos. Sabemos que o modelo CIR não é acurado em precificar os instrumentos de mercado e, além disso, que não consegue retratar a realidade ou os últimos anos da 14 Essa forma de apresentação, bastante didática, também encontra-se em James e Webber (2000). 23 economia brasileira. Entretanto, nenhum desses é o nosso objetivo. Para a simulação sim de um steady-state, com a taxa de juros em seu nível de equilíbrio, qualquer que seja ele, o modelo CIR tem sim um forte apelo intuitivo, alta tratabilidade, uma vez que traz fórmulas explícitas para o preço dos títulos, e tem uma teoria de equilíbrio econômico por traz de sua formulação. Modelos mais acurados para a precificação, como o hoje famoso HJM, não apresentam nenhuma dessa vantagens e seriam tão arbitrários na previsão de um futuro longínquo quanto o modelo CIR, daí justificando-se a nossa opção. Para a taxa real de câmbio, adotamos um modelo CKLS15 com o expoente da taxa no termo de volatilidade igual a um, onde seu processo seria descrito por: dC t = β (C * − Ct ) dt + σ 2 Ct dz t2 em que: C t : taxa de câmbio real no instante t β : velocidade de reversão à média da taxa de câmbio real C * : média de longo prazo da taxa de câmbio real σ 2 : volatilidade da taxa de câmbio real dz t2 : processo de Wiener De fato, vimos acima que o modelo CKLS é uma generalização dos modelos Vasicek e CIR que pode ser escrito como drt = a(b − rt )dt + σrtγ dz . Estamos, portanto, usando um modelo deste tipo para a taxa de câmbio real, com γ = 1 . A escolha desse modelo se deu por dois motivos principais: (i) apelo intuitivo e (ii) simplicidade. 15 O modelo CKLS é uma generalização do modelo CIR. 24 Pensamos primeiramente em usarmos um modelo browniano geométrico para a taxa de câmbio nominal. No entanto, essa abordagem não pareceu muito apropriada, haja vista a taxa nominal sofrer constantes desvalorizações em valor esperado. Ao mesmo tempo, usar modelos com reversão à média para a taxa nominal também não faz sentido econômico. Como estamos pensando no benchmark em um ambiente de steady-state, parece sim fazer sentido que a taxa real de câmbio exiba reversão à média, dado que todas as variáveis estão em seus níveis de equilíbrio, sendo constantemente perturbadas por suas volatilidades. Naturalmente, o modelo CKLS surgiu como uma boa alternativa para esse fim. A escolha do expoente igual a um deu-se por simplicidade, pois faz com que, como veremos adiante, a taxa de variação do câmbio real dCt / C não dependa do seu nível. A equação do câmbio real pode ser rescrita como: ⎛ C∗ ⎞ dCt = β ⎜⎜ − 1⎟⎟dt + σ 2 dzt2 Ct C ⎝ t ⎠ Notemos que C * / Ct nada mais é do que o desvio (na realidade o inverso do desvio) da taxa de câmbio real com relação ao seu valor de equilíbrio. Neste caso, quando a taxa de câmbio encontra-se desvalorizada, isto é, C * / Ct < 1 , temos E [dCt / Ct ] < 0 , ou seja, espera-se uma valorização real do câmbio. Resumindo, o processo adotado para o câmbio real exibe reversão à média e faz com que a componente de volatilidade da taxa de variação do câmbio não dependa do nível da taxa de câmbio. 25 Estamos, de fato, usando uma especificação pouco comum para a modelagem do câmbio. Entretanto, acreditamos que tal especificação apresenta propriedades bastante desejáveis para a nossa modelagem, como a reversão à média do câmbio real. Já para o índice de preços, deixamos que ele siga um processo browniano geométrico: dI t = µI t dt + σ 3 I t dz t3 em que: I t : índice de preços no instante t µ : taxa média de crescimento do índice de preços σ 3 : volatilidade do índice de preços dz t3 : processo de Wiener Esse processo, assim como aqueles utilizados para a taxa de juros e para o câmbio real, também é markoviano. Não é inoportuno lembrar que dizemos que um processo é markoviano ou exibe a propriedade de Markov quando apenas o valor corrente de uma variável é relevante para prever os valores futuros dessa variável, ou seja, valores históricos e a trajetória passada são irrelevantes. A propriedade de Markov está associada com a forma fraca de eficiência de mercado, que estabelece que o preço atual de uma ação encerra todas as informações contidas no seu histórico de preços. O processo de Wiener que estamos utilizando nos três modelos é um processo de Markov muito utilizado na literatura. Se “z” segue um processo de Wiener e 26 observamos uma pequena mudança em “z”, ∆z, em um pequeno intervalo de tempo ∆t, então o processo de difusão de “z” tem as seguintes propriedades: (i) ∆z = ε ∆t , em que ε ≈ N (0,1) e (ii) para dois intervalos ∆t distintos, os ∆z correspondentes são independentes (Markov). Dizemos que uma variável “x” segue um processo de Wiener generalizado, se seu processo de difusão pode ser escrito como: dx = adt + bdz em que “z” segue um processo de Wiener, como o descrito acima. Esse processo de Wiener generalizado já traz a idéia de uma componente de tendência ( adt ) e outra de volatilidade ( bdz ). Chamamos de processo de Itô uma extensão do processo de Wiener generalizado em que os coeficientes das componentes de tendência e volatilidade são variáveis, podendo depender do valor da própria variável cujo processo está sendo descrito e do tempo. Assim, um processo de Itô, pode ser escrito como: dx = a( x, t )dt + b( x, t )dz Notemos, portanto que o processo que estamos adotando para o índice de preços é um processo de Itô em particular: dI t = µI t dt + σ 3 I t dz t3 27 Por também ser muito utilizado, esse processo recebe um nome especial, de movimento browniano geométrico16. Ele também pode ser escrito como: dI t = µdt + σ 3 dz It Portanto, a taxa de variação da inflação tem uma componente de tendência constante. Além disso, essa taxa para qualquer intervalo de tempo pequeno é normalmente distribuída e dados dois intervalos pequenos de tempo distintos, as taxas de variação são distintas. Podemos escrever que: dI t ≈ N ( µ ,σ 3 ) It Usaremos ainda um processo determinístico, referente ao índice de preços externo, dado por: dI te = µ e I te dt em que: I te : índice de preços externo no instante t µ e : taxa de crescimento do índice de preços externo Sabemos que a taxa de câmbio nominal N t pode ser calculada como: 16 Esse é um processo utilizado em física atômica, para descrever o movimento dos átomos. 28 Nt = I I te Ct Aplicando-se o lema de Itô nesta última equação, podemos escrever o processo da taxa de câmbio nominal como: ⎡ dI dC dI e ⎤ dN t = N t ⎢ t + t − et + 2 ρ 23σ 2σ 3 dt ⎥ Ct It ⎣ It ⎦ onde: ρ 23 : coeficiente de correlação entre a taxa de câmbio real e a taxa de inflação interna Finalmente, a partir dos processos de difusão do câmbio real e dos índices de preços interno e externo, obtemos o processo para a taxa de câmbio nominal: ⎤ dN t ⎡ ⎛ I t C * ⎞ = ⎢ β ⎜⎜ e − 1⎟⎟ + µ − µ e + 2 ρ 23σ 2σ 3 ⎥ dt + σ 2 dz t2 + σ 3 dz t3 Nt ⎢⎣ ⎝ I t N t ⎠ ⎦⎥ Portanto, os processos estocásticos que acabamos de apresentar para os juros, câmbio real e inflação, o processo determinístico para a inflação externa e o conseqüente processo estocástico derivado para o câmbio nominal determinam a dinâmica da economia no steady-state. 29 3.2. Consistência Macroeconômica Devemos destacar que cada um dos três processos primitivos modelados (juros, câmbio real e inflação) tem um termo aleatório, caracterizado pelo processo de Wiener. Entretanto, sabemos que há correlação entre as variáveis macroeconômicas. Por exemplo, é difícil imaginar uma situação onde essas três variáveis cresçam conjuntamente ao longo do tempo. Dessa forma, a fim de trazermos uma consistência macroeconômica para o modelo, usaremos o método de fatoração de Cholesky17 para criarmos números aleatórios correlacionados. Suponhamos que estimemos a matriz de covariância das três variáveis macroeconômicas (matriz S). Queremos então que os três números aleatórios usados a cada simulação ( dz t1 , dz t2 e dz t3 ) apresentem essa mesma estrutura de covariância. Isto é, se chamarmos de dz t o vetor dos números aleatórios [ dz t = dz t1 dz t2 ] dz t3 , queremos que: ( ) cov(dz t ) = E dz t × dz tT = S Como S é uma matriz simétrica e com valores reais, podemos decompô-la pela fatoração de Cholesky como: S = A × AT O método de Cholesky já é bastante usado em finanças. Scatena (2003), por exemplo, utiliza-o para avaliar o risco de uma carteira. Uma carteira real contém vários ativos e, por conseqüência, vários tipos de risco financeiro. Como as variáveis financeiras reais são correlacionadas, os autores utilizam a fatoração de Cholesky para criar uma estrutura coerente de trajetórias, analogamente ao que fazemos aqui. 17 30 em que A é a matriz de Cholesky (matriz triangular inferior). Se tomarmos, a cada simulação, um vetor de três números aleatórios normais e independentes, com média zero e variância um ( ωt ), podemos fazer: dz t = A × ωt De fato, comprovemos que: ( ) ( ) cov(dz t ) = E dz t × dz tT = E A × ωt × ωtT xAT = A × I × AT = A × AT = S Em resumo, com esse método, a partir de três números aleatórios normalmente distribuídos e da macroeconômicas, estrutura geramos de três correlação números estimada aleatórios entre as variáveis correlacionados, que alimentarão nossos modelos, garantindo a consistência macroeconômica na geração dos diversos cenários em cada simulação. Uma alternativa ao que estamos fazendo seria utilizar uma abordagem teórica macroeconômica que postulasse alguma relação de equilíbrio entre as variáveis modeladas, sendo então estabelecida uma ligação entre elas. Neste caso, possivelmente uma variável seria determinada pela(s) outra(s). Exemplos de relações amplamente usadas são a Paridade do Poder de Compra – PPC, a Paridade Coberta das Taxas de Juros – PCTJ e a Paridade Descoberta das Taxas de Juros – PDTJ. 31 A PDTJ tem sido utilizada, por exemplo, para estabelecer uma relação entre as taxas de câmbio e de juros que impossibilita a arbitragem nos mercados cambial e de títulos. A idéia é que, na presença de mobilidade perfeita de capitais, seria inviável para um país fixar a taxa de juros doméstica e a taxa de câmbio simultaneamente, já que a taxa de juros internacional é exógena ao país18. O retorno real de um título em qualquer país deveria ser igual, sendo que o fator de ajuste dos seus valores nominais seria a taxa de câmbio. No entanto, estudos empíricos não têm obtido sucesso em constatar a validade dessas relações, especialmente para economias emergentes. Especificamente para o caso brasileiro, Ellery, Sachsida e Teixeira (1999) rejeitam completamente a PDTJ no período entre julho de 1994 e outubro de 1998, testando essa paridade com uma hipótese de expectativas racionais. Os autores argumentam que, nesse período, a taxa de juros doméstica foi determinada exclusivamente por determinantes internos e não teve relação com a taxa de juros internacional e citam ainda outros estudos com dados domésticos e internacionais que chegam à mesma conclusão. Chaia e Fama (2001) rejeitam a validade da PPC, da PCTJ e da PDTJ entre março de 1993 e dezembro de 1995, concluindo que nenhuma dessas teorias puderam, individualmente, prever o valor relativo da taxa de câmbio no período analisado. Marçal, Pereira e Santos (2000) também apontam a insuficiência da PPC tomada isoladamente, usando dados de 1980 a 1994. Garcia (1997) demonstra a invalidade da PCTJ no período de 1994 a 1997. 18 Veja, por exemplo, Ellery, Sachsida e Teixeira (1999). 32 Assim, optamos por manter a estrutura de modelos financeiros estocásticos para juros, câmbio real e inflação correlacionados, mesmo sabendo que, em breves períodos de tempo, as trajetórias das variáveis podem não respeitar alguma equação teórica de equilíbrio, justamente como ocorre historicamente. Acreditamos que uma adequada estrutura de correlação pode trazer consistência macroeconômica ao modelo, sem precisarmos nos apoiar em relações teóricas às vezes supra-racionais. Temos, portanto um modelo onde as variáveis sempre retornam para os seus valores de equilíbrio, embora permita distorções de curtoprazo quando o equilíbrio é perturbado. 3.3. O Preço dos Títulos No nosso modelo, a cada período o governo estaria emitindo um título representativo de cada tipo. Temos que saber então, qual o custo de emissão para depois construirmos o custo de carregamento da dívida. Já argumentamos acima que o preço da LTN será dado pelo modelo CIR, de acordo com a equação: P(t , T ) = A(t , T )e − B ( t ,T ) J O custo de carregamento da LTN, em tratando-se de um título prefixado, será obviamente a taxa à qual ela foi emitida. 33 Fazemos a hipótese de neutralidade em relação ao risco por parte dos investidores, o que significa que ao comprar uma NTN-C ou NTN-D o investidor exigirá a mesma rentabilidade da LTN (de igual prazo)19. A NTN-D paga no vencimento o valor de face corrigido pela variação cambial. Mas se a variação cambial esperada no momento da emissão é menor do que a taxa da LTN, o investidor exigirá um deságio para a compra do título: uma rentabilidade adicional, conhecida como cupom cambial. Da mesma forma, o comprador exigirá, para comprar uma NTN-C, um cupom de inflação. Para esses títulos, o custo de carregamento ex-post será a composição do cupom (cambial ou de inflação) com a variação do indicador (câmbio ou índice de preços). Quanto à LFT, como ela paga exatamente os juros do período, fazemos a hipótese de que ela sempre é vendida ao par, ou seja, no seu valor de face. Dessa forma, seu custo de carregamento ex-post será a taxa de juros acumulada do período. Portanto, o cupom de inflação será calculado como a diferença entre a taxa prefixada, dada pelo modelo CIR, e a expectativa de inflação. Ou seja: cupom de inflação = taxa prefixada – expectativa de inflação em que a expectativa de inflação é dada por: Note-se que a hipótese de neutralidade se aplica em relação aos títulos prefixado, cambial e a índice de preços, mas há um prêmio de risco de taxa de juros na ETTJ, dado pelo modelo CIR. A situação ideal seria considerarmos também prêmios de risco cambial e de inflação. Porém, a ausência de informações suficientes para estimá-los ou de uma metodologia robusta nos leva a crer que a inclusão dessas variáveis poderia introduzir mais ruídos que benefícios ao modelo. 19 34 ⎡ dI ⎤ expectativa de inflação = E ⎢ t ⎥ = µdt ⎣ It ⎦ Da forma análoga, o cupom cambial será calculado como a diferença entre a taxa prefixada e a expectativa de desvalorização. Ou seja: cupom cambial = taxa prefixada – expectativa de desvalorização em que a expectativa de desvalorização é dada por: ⎤ ⎡ dN t ⎤ ⎡ ⎛ I t C * ⎞ expectativa de desvalorização = E ⎢ − 1⎟⎟ + µ − µ e ⎥ dt ⎥ = ⎢ β ⎜⎜ e ⎣ N t ⎦ ⎣⎢ ⎝ I t N t ⎠ ⎦⎥ Já temos, portanto um modelo que nos dá, a cada período, a evolução das principais variáveis macroeconômicas (juros, câmbio e inflação) e o preço de emissão de cada título. Estamos aptos a computar agora a dinâmica da dívida, calculando, para uma dada composição, seu custo de carregamento ao longo do tempo. 3.4. Custo de Carregamento da Dívida O custo de carregamento de cada título depende de seu indexador (no caso da LTN é a taxa de emissão) e do cupom adicional, no caso dos títulos cambiais e atrelados a índice de preços. 35 No caso das LFT, como estamos assumindo que elas são vendidas ao par, o custo de carregamento é simplesmente a taxa de juros do período20. RTLFT = J t O custo de carregamento das LTN em cada período é uma média ponderada dos custos de emissão de todas as LTN que ainda estão no estoque, sendo, portanto, calculado como: n RtLTN = ∑ ω t − s rt − s s =0 em que: ω t − s : porcentagem, em t, da dívida prefixada emitida em t-s rt − s : custo de emissão da LTN em t-s Como estamos utilizando a hipótese de que os vencimentos têm valor constante (perfil de maturação relativo homogêneo), em todos os períodos, temos que: ωt −s = (1 + rt − s )− s τ ∑ (1 + r ) s =0 −s t −s em que τ é o prazo do título representativo da dívida. Observemos ainda que τ = 2T − 1 , onde T é o prazo médio da dívida prefixada. A LFT para a taxa de juros (SELIC) acumulada no período, importando portanto a trajetória da taxa de juros e não somente seus valores na data de emissão e vencimento do título. 20 36 Para os títulos cambiais, o custo de carregamento a cada período é dado pela composição entre a evolução do câmbio nominal e a média ponderada dos cupons cambiais dos títulos que ainda estão no estoque. Essa média dos cupons, RtC , é calculada de forma análoga ao custo de carregamento da LTN: n RtC = ∑ ω tc− s rtc− s s =0 em que: ω tc− s : porcentagem, em t, da dívida cambial emitida em t-s rtc− s : cupom cambial em t-s Portanto, o custo de carregamento da dívida cambial será dado por: ⎛ dN t RtNTN − D = ⎜⎜1 + Nt ⎝ ⎞ ⎟⎟ 1 + RtC − 1 ⎠ ( ) O caso dos títulos a índice de preços é bastante semelhante aos cambiais. O cupom cambial a cada período, RtI , também é calculado como a média dos cupons cambiais de todos os títulos que compõe o estoque: n RtI = ∑ ω ti− s rti− s s =0 em que: ω ti− s : porcentagem, em t, da dívida em índice de preços emitida em t-s 37 rti− s : cupom de inflação em t-s Então, o custo de carregamento desses títulos é dado por: ⎛ dI ⎞ RtNTN −C = ⎜⎜1 + t ⎟⎟ 1 + RtI − 1 It ⎠ ⎝ ( ) Assim, para uma dada composição de steady-state, o custo de carregamento da dívida é dado pela média ponderada dos custos de carregamento explicitados acima, ou seja: RtD = λ LFT R LFT + λ LTN R LTN + λ NTN − D R NTN − D + λ NTN −C R NTN −C em que: RtD : custo de carregamento total da dívida λ LFT , λ LTN , λ NTN − D , λ NTN −C : participações de cada título21 3.5. Dinâmica da Dívida Dada uma composição e um resultado primário e crescimento do PIB exógenos, podemos calcular a evolução, período a período, da relação Dívida/PIB, a partir da seguinte relação: DPt +1 = 21 (1 + R ) DP − D t (1 + g t ) Obviamente, temos a restrição de que t dívidat spt , onde DPt = PIBt +1 PIBt λ LFT + λ LTN + λ NTN − D + λ NTN −C = 1 . 38 em que: RtD : custo de carregamento total da dívida no período t g t : taxa de crescimento do PIB no período t spt : superávit primário no período t Estaremos usando, a princípio, taxas de crescimento do PIB e superávits primários constantes ao longo do tempo. 3.6. Resumo Esquemático do Funcionamento do Modelo Descrita cada etapa, vale à pena termos uma visão global do funcionamento do modelo. Partimos de uma dada composição de dívida e, a partir dos modelos estocásticos de finanças, calculamos a trajetória das principais variáveis macroeconômicas para o período escolhido. Essas trajetórias são correlacionadas, de acordo com a estrutura de correlação estimada entre essas variáveis, para garantir um certo grau de consistência macroeconômica. Como se tratam de modelos estocásticos, fazemos um grande número de simulações e obtemos várias “histórias” diferentes para essas trajetórias. Em seguida, calculamos o preço de emissão de cada ativo e, posteriormente, o custo de carregamento de cada ativo e da dívida toda em cada história. Finalmente, computamos a evolução da relação Dívida/PIB, concentrandonos no valor dessa relação ao final do período escolhido. Ou seja, para uma dada composição de dívida, obtemos um grande número de valores possíveis (histórias) para a evolução da relação Dívida/PIB com essa composição, ao final do período escolhido. Podemos, dessa forma, calcular a média e o desvio padrão dessa 39 distribuição de relações Dívida/PIB22. Concluindo, fixada uma composição de dívida, obtemos um par retorno/risco da relação Dívida/PIB que ela gera. Repetimos o procedimento para uma diversidade de composições e podemos plotar cada uma delas em um espaço retorno/risco da relação Dívida/PIB. Além disso, podemos construir uma fronteira eficiente de carteiras de dívida e, finalmente, medir o desempenho do Tesouro em relação a essa fronteira nos últimos anos. Esquematicamente, podemos representar o funcionamento do modelo como: Figura 1: Resumo Esquemático da Dinâmica do Modelo define composição calcula variáveis macroeconômicas para várias simulações (histórias) calcula preços dos ativos calcula custo de carregamento da dívida calcula relação dívida/PIB para cada história obtém média e volatilidade (retorno/risco) da relação dívida/PIB guarda resultados (composição e retorno/risco da relação dívida/PIB) calcula matriz de covariância gera fronteira eficiente mede o desempenho do Tesouro 22 Na verdade, como falaremos adiante, estaremos trabalhando com o retorno da relação Dívida/PIB. 40 4. SIMULANDO O MODELO ESTOCÁSTICO DE FINANÇAS Partamos de uma composição da dívida de, digamos, 20% em cada tipo de título (LTN, LFT, NTN-C e NTN-D). Primeiramente, temos que obter os parâmetros para todos os nossos modelos estocásticos (média de longo prazo, velocidade de reversão à média e volatilidade para juros e câmbio real, taxa média de crescimento e volatilidade da inflação interna e taxa de crescimento da inflação externa), assim como definir os valores iniciais. Como estamos trabalhando com uma hipótese de steady-state, onde as variáveis macroeconômicas estariam em seus valores de equilíbrio, o valor inicial e a média de longo-prazo, tanto para juros e quanto para o câmbio real, devem assumir o mesmo valor. Dessa forma, o nível dessas variáveis será menos relevante que suas volatilidades. Tomando-se o ano de 2000 como referência pela sua relativa estabilidade econômica, estimamos os parâmetros para o modelo. De fato, como observado acima, estamos interessados em parâmetros que reflitam bem as volatilidades de cada modelo. As taxas de longo-prazo não tem um papel relevante, uma vez que, ao fazer a simulação, colocamos as taxas iniciais exatamente nos seus valores de longo-prazo. Assim, a importância dos parâmetros recai apenas sobre uma estrutura adequada de volatilidades. Aqui, o parâmetro de risco γ é calibrado de forma a gerar prêmios de risco de magnitude semelhante aos calculados em Cabral (2004).23 23 É importante destacar que o nosso propósito nesse artigo é propor um arcabouço teórico, assim como sua implementação, para a determinação de um benchmark. Estamos portanto bem menos preocupados em “acertar” os parâmetros estimados do que em propor uma metodologia consistente e robusta para o benchmark. 41 Dados esses parâmetros, podemos simular as várias histórias para as variáveis macroeconômicas. As figuras abaixo ilustram essas simulações. Figura 2: Evolução e Histórias das Variáveis (ilustrativo – 3 simulações) Com a metodologia descrita na seção 3, calculamos a taxa prefixada e os cupons de câmbio e inflação para cada uma dessas histórias. As figuras abaixo ilustram a evolução dessas taxas e o histograma de suas distribuições em um determinado período. 42 Figura 3: Evolução e Histórias dos Preços e Cupons (3 simulações) Figura 4: Histograma dos Preços e Cupons (último período) Finalmente, a partir do carregamento da dívida, calculamos a relação Dívida/PIB para cada história e obtemos a média e volatilidade da distribuição. De fato, para ao invés de trabalhar com o valor da relação Dívida/PIB ao final do período, vamos trabalhar com o retorno em relação ao valor inicial. Assim: 43 R DP = em que: DPT − DP0 DP0 R DP : retorno da relação Dívida/PIB DP0 : relação Dívida/PIB inicial DPT : relação Dívida/PIB ao final do período analisado Assim, temos, para a composição da qual partimos, o retorno médio e a volatilidade da relação Dívida/PIB gerada ao final do período escolhido ( R DP e σ DP ). Bom, mas podemos repetir esse procedimento para uma diversidade de composições de dívida e, assim, acabamos com um par retorno/risco para cada composição analisada. Esses resultados podem ser bem ilustrados plotando-os em um espaço risco/retorno de relações dívdia/PIB, como se vê abaixo: Figura 5: Evolução e Histórias da Relação Dívida/PIB (3 simulações) 44 Figura 6: Evolução e Histograma da Relação Dívida/PIB (1.000 simulações) Figura 7: Algumas Carteiras no Espaço Risco-Retorno de Relações Dívida/PIB 0,3 0,2 Retorno 0,1 0 -0,1 -0,2 -0,3 -0,4 0 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 Risco Além disso, a partir da análise das volatilidades das composições puras (100% em um determinado ativo) e de composições de apenas dois ativos (0% de participação para os dois demais), podemos construir a matriz de covariância entre os títulos e, juntamente, com seus retornos, traçar uma fronteira eficiente de carteiras de dívida, como exposto a seguir24. Lembremos que se uma carteira é composta pelos ativos A e B e conhecemos o risco desses ativos e o risco da carteira, podemos facilmente calcular a covariância entre os dois ativos. 24 45 Figura 8: Construção da Fronteira Eficiente de Carteiras de Dívida Fronteira Eficiente 0,25 0,2 retorno 0,15 0,1 0,05 0 -0,05 0 0,001 0,002 0,003 0,004 0,005 0,006 0,007 0,008 -0,1 -0,15 risco A seguir, mostramos dez carteiras igualmente espaçadas na fronteira eficiente. Tabela 2: Dez Carteiras Sobre a Fronteira Eficiente LTN 0% 14% 27% 41% 54% 68% 81% 95% 62% 0% NTN-C 100% 86% 73% 59% 46% 32% 19% 5% 0% 0% NTN-D 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% LFT 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 38% 100% Retorno -12,92% -9,10% -5,28% -1,46% 2,36% 6,19% 10,01% 13,83% 17,65% 21,47% Risco 0,01% 0,03% 0,04% 0,06% 0,07% 0,09% 0,10% 0,11% 0,30% 0,72% Evidentemente, a escolha de uma única carteira como o benchmark da dívida pública implica em escolhermos o apetite ao risco do Governo (ou da sociedade) e, então, selecionarmos a composição correspondente sobre a fronteira. O procedimento que parece estar entre as melhores práticas internacionais é que o Tesouro formule e apresente os resultados da fronteira eficiente para o gestor da política fiscal (Ministro da Fazenda ou alguma espécie de Comitê Executivo) e que este escolha o nível de risco aceitável. 46 Questões como a sustentabilidade da dívida também podem ser usadas, e normalmente são, para determinar um nível de retorno mínimo (nível máximo de custo) aceitável. Escolhemos também algumas carteiras típicas para mostrar suas implicações em termos de risco e retorno da relação Dívida/PIB conseqüente. Tabela 3: Algumas Carteiras Ilustrativas LTN 0% 50% 100% 50% 0% 0% 40% 25% 10% 0% 50% 0% 0% NTN-C 100% 50% 0% 0% 50% 0% 40% 25% 10% 0% 0% 50% 0% NTN-D 0% 0% 0% 0% 0% 0% 10% 25% 40% 50% 50% 50% 100% LFT 0% 0% 0% 50% 50% 100% 10% 25% 40% 50% 0% 0% 0% Retorno -13,0% 1,7% 14,6% 18,0% 5,6% 21,5% -2,9% -5,7% -8,5% -7,1% -14,4% -28,5% 3,9% Risco 0,0% 0,1% 0,1% 0,4% 0,4% 0,7% 1,0% 2,2% 3,6% 3,8% 4,0% 4,3% 5,7% A observação dessas carteiras “típicas”, assim como daquelas sobre a fronteira eficiente, nos elucida algumas questões. Em primeiro lugar, e mais importante, os resultados parecem capturar de forma bastante adequada o trade-off entre custo e risco na escolha da composição da dívida25. Os resultados expostos nas tabelas 2 e 3 indicam, por exemplo, que as LFT tendem a gerar os maiores retornos (menores custos), exatamente por não incluírem prêmios de risco. Naturalmente, acompanhando esse bom desempenho no retorno está o nível mais elevado de risco. 25 Notemos que a tabela três não guarda necessariamente uma relação crescente entre risco e retorno porque não são carteiras eficientes, como aquelas da tabela 2, mas sim um conjunto ilustrativo de carteiras escolhidas com fins didáticos. 47 Já o inverso ocorre para os títulos prefixados e indexados a índice de preços (LTN e NTN-C) que trazem retornos moderados (custos mais altos) em contrapartida a níveis mais baixos de risco. As NTN-D aparecem com pequena participação nas carteiras eficientes26, fato que é corroborado pelas observações históricas, onde esses títulos apresentaram altas volatilidade e baixos retornos (altos custos). Como já dissemos, o importante, para a finalidade deste artigo, é a constatação de que o modelo pode capturar vários dos trade-offs existentes entre os diversos instrumentos para a determinação de uma estrutura de dívida ótima. 5. PROPOSTA ALTERNATIVA DE BENCHMARK: UMA ANÁLISE MACROESTRUTURAL27 O objetivo desta seção é, alternativamente ao modelo de finanças, determinar a estrutura ótima da dívida com base num modelo macro-estrutural. A idéia é utilizar um modelo de política monetária e usá-lo para simular trajetórias das variáveis: câmbio, inflação, produto e juros. As simulações são estocásticas. Então para cada trajetória destas variáveis teremos uma trajetória para o superávit primário e, para uma dada estratégia de financiamento da dívida, uma trajetória de evolução da dívida. Fazendo diversas simulações teremos distribuições para a dívida para momentos futuros especificados e podemos computar estatísticas etc. Mudando a estratégia de financiamento obteremos outra distribuição futura de dívida. De forma que poderemos comparar os efeitos futuros de diferentes carteiras e assim determinar a composição ótima da dívida. 26 27 Nas dez carteiras eficientes mostradas na tabela 2 a participação das NTN-D é zero. Ver Lopes (2003) 48 Valer ressaltar que o modelo macro-estrutural é diferente em sua natureza ao modelo estocástico de finanças, mas ambos tem objetivos comuns em se determinar um benchmark para a dívida pública a partir da geração de trajetórias estocásticas para as variáveis fundamentais do modelo e da análise da fronteira eficiente. 5.1 Modelos Macro-Monetários – Breves Comentários A condução da política monetária tem sido alvo de intenso debate nos últimos anos. A eficácia de medidas tomadas pelos Bancos Centrais de todo mundo se tornou um dos objetivos mais importantes em busca da estabilidade econômica e de trajetórias de crescimento sustentáveis. A disseminação da informação e o maior acesso aos indicadores dos países fizeram com que a credibilidade de políticas se tornasse ponto de preocupação dos policy makers. Foi assim que diversos países optaram por adotar o regime de metas de inflação. Dentre as principais características deste regime estão: (1) O anúncio público de uma meta explícita para a inflação (um ponto ou intervalo de variação dentro de um prazo também estabelecido); (2) Um compromisso institucional com a estabilidade de preços como o objetivo principal de política econômica, com os outros objetivos subordinados a este; (3) um alto grau de transparência com emissões regulares de relatórios de inflação, onde o Banco Central explica e motiva sua política ao público em geral. De acordo com Svensson (2000): 49 “Inflation Targeting can be interpreted as the annoucement and assigment of a relatively specific loss function to minimized by the central bank. The operating procedure, inflation-forecast targeting, can be interpreted as a way of ensuring that first-order conditions are fulfilled. The right degree of transparency and accountability, specially published Inflations Reports, can be interpreted as a way for outside observers of verifying that the first-order conditions are fulfilled”. A principal idéia por trás do regime de inflation targeting é que o compromisso explícito de se atingir uma meta provocaria nos agentes um grau de confiança que permitiria ao governo administrar as expectativas diante de qualquer distúrbio, já que, potencialmente, a reação seria crível. Assim, o Banco Central poderia estabilizar a economia e formaria as bases para se buscar um crescimento sustentável. A literatura sobre regras monetárias ótimas ainda é incipiente. Dentre os principais trabalhos aplicados para o caso brasileiro, destacam-se o de Andrade e Divino (2000) e Bonomo e Brito (2001). No que tange à literatura internacional, destacamse os trabalhos de Baltini e Haldane (1999)28, Ball (1999), Svensson (2000) e do Bank of England (1999). Todos estes trabalhos procuram estimar a regra de reação do Banco Central baseado em pequenos modelos macroeconômicos. No entanto, nenhum deles procura a relação desta regra ótima com o perfil de endividamento. A análise de Andrade e Divino (2001) baseia-se numa economia fechada e totalmente backward-looking. O modelo é simples, uma vez que a economia está fechada, e permite calcular explicitamente a regra ótima a partir de um problema que 28 Os autores estimam um modelo macroeconômico aberto de expectativas racionais. 50 busca minimizar intertemporalmente a função perda do Banco Central, sujeita a uma seqüência de taxa de juros. A função perda considera que a autoridade monetária determina como target não apenas a inflação, mas também a estabilidade do produto e a suavização da taxa de juros. Ball (1999) preconiza para economias abertas uma regra na qual a inflação é substituída por combinação entre inflação e taxa de câmbio real. A idéia é que uma taxa de câmbio real valorizada hoje deve se desvalorizar no futuro e, por isto, funciona como previtor de uma inflação futura. Segundo Ball, a inclusão da taxa de câmbio na regra monetária ótima aumenta a sua eficiência, porque permite canais adicionais para a transmissão da política monetária. Além disso, como a taxa de câmbio é inerentemente uma variável forward-looking, contribui no papel das expectativas o que é essencial para a condução da política monetária. O modelo proposto por Ball (1999) é uma extensão para uma economia aberta e consiste de 3 equações: y = βr−1 − δe−1 + λy −1 + ε (1) π = χπ −1 + αy−1 − γ (e−1 − e− 2 ) + η (2) e = θr + υ (3) A primeira equação é a curva IS para a economia aberta, onde o hiato do produto hoje depende do produto passado e das taxas de juros e câmbio do período antecedente. A taxa de câmbio presente na IS explica-se porque mudanças significativas nesta variável produzem grandes flutuações no produto. A equação 2 é 51 a curva de Phillips, na qual a inflação hoje depende da inflação passada, do hiato do produto passado e da variação cambial passada. Variações na taxa de câmbio afetam a inflação devido ao repasse dos preços dos produtos importados. A equação 3 representa um link entre a taxa de juros e a taxa de câmbio. Essa equação captura a idéia de que um aumento na taxa de juros torna os ativos domésticos mais atrativos, levando à apreciação cambial. Nas equações (1), (2) e (3), y é o desvio do produto efetivo em relação ao produto potencial, π é o índice de preços ao consumidor (IPCA), r é a taxa de juros real e e é o logaritmo do índice da taxa de câmbio real efetiva. Svensson (2000) estende a análise formal a uma pequena economia aberta que incorpora essas características. Além disso, incorpora os recentes avanços na modelagem de oferta e demanda agregada forward-looking. A inclusão da taxa de câmbio tem importantes conseqüências: 1. Permite canais adicionais para a transmissão da política monetária (afeta os preços relativos entre bens domésticos e estrangeiros que afetará suas respectivas demandas; efeito direto na inflação – pass-through); 2. Como o preço de um ativo, a taxa de câmbio é inerentemente uma variável forward-looking e determinada pelas expectativas. Isso contribui no comportamento forward-looking e no papel das expectativas, que são essenciais na tomada de decisões no âmbito da política monetária; 3. Distúrbios externos são, em geral, transmitidos via taxa de câmbio (mudanças na inflação externa, na taxa de juros internacional, no prêmio de risco requerido pelos investidores estrangeiros) 52 Muinhos, Alves & Riella (2002) apresentam um modelo estrutural de pequena escala para a economia brasileira acrescido do bloco externo. São mantidas as equações de Phillips, IS e regra de juros. No entanto, a maior novidade é a endogeinização da taxa de câmbio nominal e do prêmio de risco soberano. Uma “nova geração” de modelos de política monetária sugere que a pura e simples determinação da taxa de juros ótima necessária para conter surtos inflacionários não pode ser efetuada sem considerarmos o papel da dívida pública e sua capacidade de reverter expectativas e elevar o prêmio de risco, fatores que são relevantes no mecanismo de transmissão monetária. Estes modelos chamam a atenção para o fenômeno da Dominância Fiscal, segundo o qual, as ações de política monetária podem ser ineficazes caso os fundamentos fiscais não sejam sólidos. Dentre os trabalhos que incorporam os aspectos fiscais da economia, destacam-se os de Fraga, Goldfajn e Minella (2003) e Favero e Giavazzi (2003). O objetivo do trabalho de Fávero & Giavazzi (2003) é mostrar que o Banco Central fica inoperante para executar a política monetária em períodos de alta volatilidade ,onde os fundamentos fiscais não são sólidos. Para os autores, é clara a idéia de que há dificuldades de se implementar a política monetária num contexto onde os mercados financeiros desconfiam que a política fiscal é insustentável. Os autores estimam um modelo simples para a economia brasileira focado em algumas variáveis: EMBI29 , taxa de câmbio, taxa de juros doméstica, inflação, expectativas O Emerging Market Bonds Index (EMBI) é um índice que agrupa títulos de mercados emergentes. Existe o EMBI, onde estão agrupados títulos de vários países emergentes no âmbito mundial, e o EMBI de cada país específico, que é composto somente por uma cesta de títulos do próprio país. O aplicador pode observar o risco dos países emergentes através do EMBI, mas cada país específico possui seu EMBI composto por uma cesta com seus principais títulos. Para definir o spread do EMBI de cada país (o risco país) analisa-se o rendimento dos instrumentos da dívida de um determinado país, principalmente o valor (taxa de juros) com o qual o país 29 53 de inflação e dívida pública. Usando esse modelo eles estimam o nível da relação Dívida/PIB a partir do qual a economia entra no “equilíbrio ruim”. Esse nível é de 55%. A partir desse nível, o Banco Central fica inoperante para realizar política monetária e esta passa a ter efeitos “perversos” sobre a economia. A trajetória da economia para o “equilíbrio ruim” pode ser descrita da seguinte forma: com uma curta duração da dívida pública um aumento da SELIC, aumenta o custo da dívida. Se o superávit primário se mantém inalterado, a dívida aumenta e o EMBI também. O aumento do EMBI gera depreciação cambial e a dívida aumenta ainda mais. A depreciação cambial também aumenta as expectativas de inflação e a inflação corrente. Isto induz o Banco Central a aumentar a SELIC e isto aumenta o serviço de dívida se repetindo o ciclo. Uma crítica usual feita à literatura de regras monetárias ótimas é que os modelos que as geram supõe que o Banco Central pode sempre escolher a sua taxa de juros não levando em consideração que um elevado montante de dívida pública pode colocar restrições à política monetária. De acordo com o regime de metas de inflação, o governo decide a taxa de juros restrito somente à curva IS e a curva de Phillips, não existindo um canal para se avaliar o peso da dívida pública. Como evidenciado pelos últimos números, a política de juros elevados e de câmbio volátil resultou num aumento significativo da relação Dívida/PIB. A dinâmica da dívida pública e a alta volatilidade cambial apresentada pelo Brasil nos últimos anos representam um desafio para o modelo de metas de inflação. Dessa forma, o Banco Central não poderia determinar a taxa de juros sem se preocupar com a relação pretende remunerar os aplicadores em bônus representativos da dívida pública, em outras palavras o risco país é a sobretaxa que se paga em relação à rentabilidade garantida pelos bônus do Tesouro dos Estados Unidos, país considerado o mais solvente do mundo. 54 Dívida/PIB, uma vez que a dívida pública é o principal fator de instabilidade econômica dos países emergentes e o temor de seu default pode causar reversão de expectativas e uma dinâmica desfavorável para as variáveis. Considerando os países emergentes, deve-se ter em mente que a administração do câmbio é crucial para se atingir a meta. A simples determinação da taxa de juros que conduz a inflação à sua meta não pode ser efetuada sem considerarmos o papel da dívida pública e sua potencial capacidade de reverter as expectativas. Para a análise de risco da dívida, a utilização de um modelo macroeconômico estrutural capaz de incorporar a estrutura a termo da taxa de juros, torna-se de fundamental importância. Além disso, o modelo proposto adiciona a parte fiscal na IS por meio da incorporação de uma variável fiscal (por exemplo, a necessidade de superávit primário ou a razão Dívida/PIB). A idéia é utilizar um modelo de política monetária estilo Ball (1999) e usá-lo para simular trajetórias das variáveis: câmbio, inflação, produto e juros. As simulações são estocásticas. Então para cada trajetória destas variáveis teremos uma trajetória para o superávit primário e, para uma dada estratégia de financiamento da dívida, uma trajetória de evolução da dívida. Fazendo diversas simulações teremos distribuições para a dívida para momentos futuros especificados e podemos computar estatísticas etc. Mudando a estratégia de financiamento obteremos outra distribuição futura de dívida. De forma que poderemos comparar os efeitos futuros de diferentes carteiras e assim determinar a composição ótima da dívida 55 Verdini (2003) desenvolve um modelo de expectativas racionais, baseado no trabalho de Baltini e Haldane (1999), com o propósito de avaliar se a política monetária de metas para inflação pode ser adaptada para corrigir desvios “explosivos” da dívida pública. No entanto, os resultados do modelo sugerem que apesar de solvente no curto prazo, a dívida pode impor pesados custos no longo prazo, mesmo se o Banco Central considerar na sua função de reação problemas com a administração da dívida. Conclui-se, a partir dos resultados encontrados, que para a política monetária ser eficaz, as ações do governo no lado fiscal precisam ser conduzidas de forma a retirar a “dominância fiscal” ainda presente na economia brasileira. 5.2 O Modelo Macro-estrutural Proposto Em Ball (1998), a economia é plenamente especificada pelas equações (1), (2) e (3). Os parâmetros β e δ medem, respectivamente, o impacto da taxa de juros e da taxa de câmbio sobre a demanda, que ocorrem com um período de defasagem, enquanto o parâmetro α mede o impacto da demanda sobre a inflação, que também ocorre com um período de defasagem. O parâmetro λ mede o grau de persistência da flutuação do produto. O parâmetro γ mede o impacto de uma apreciação da taxa de câmbio real sobre a inflação. Todos estes parâmetros são positivos e λ é menor que um. Os choques são ruídos brancos. A variável de controle da autoridade monetária é a taxa juros real (r). Esta é fixada em t pela autoridade, após a ocorrência de todos os choques, ou seja, depois que os valores de εt, ηt e νt são observados. A característica mais importante desta especificação é a existência, além do efeito indireto da política monetária sobre a inflação via demanda agregada, que ocorre 56 com dois períodos de defasagem, de um efeito direto através da curva de Phillips em (2) (o impacto do câmbio sobre o preço dos importados), que se dá com apenas um período de defasagem. O modelo proposto aqui apresenta pequenas modificações em relação à especificação proposta por Ball (1999). A curva IS e a curva de Phillips continuam essencialmente backward-looking. A relação entre taxa de câmbio e taxa de juros é acrescida por uma variável que mede o prêmio de risco do país (EMBI).Vale ressaltar que em Ball (1999) a relação entre câmbio e juros não é dada pela paridade descoberta. Estimações preliminares também incluíram na IS uma variável essencialmente de cunho fiscal, no caso, a relação Superávit Primário/PIB. No entanto, essa variável mostrou-se não significativa. O mesmo pode se dizer em relação à taxa de câmbio na especificação da IS. Estimou-se também uma equação para o prêmio de risco (EMBI), que depende essencialmente do prêmio de risco defasado em 1 período e da relação Dívida/PIB também defasada em um período. O trabalho de Muinhos, Alves & Riella (2002) utiliza como proxy para o prêmio de risco o spread do C-Bond em relação aos juros do título do tesouro americano, estimado como função de indicadores de solvência/liquidez, fiscais e comércio exterior. No melhor modelo estimado pelos autores, os indicadores Reservas Internacionais (% PIB), Dívida Líquida do Setor Público (% PIB) e Saldo em Transações Correntes (% PIB) mostraram-se significantes e representativos das três classes de indicadores mencionados, respectivamente. A estimação da equação do risco soberano apresentou resultados intuitivos e robustos. A intuição conduz ao raciocínio de que quanto maior o nível de Reservas Internacionais, maior a 57 capacidade de honrar os compromissos assumidos a economia terá. Portanto, aumentos no nível de Reservas reduzem a expectativa de risco soberano. Por sua vez, quanto maior a Dívida Líquida do Setor Público ou mais negativo o Saldo em Transações Correntes, maior a expectativa de risco soberano. No trabalho de Favero e Giavazzi (2003) a equação que determina o prêmio de risco (EMBI) é extremamente relevante. Os autores utilizam uma relação não linear entre o spread dos Estados Unidos e o EMBI quando o nível da razão Dívida/PIB ultrapassa 55%. Acima dessa razão, a resposta do spread do EMBI Brasil cresceria não linearmente, afetando a variação de preços, o câmbio e conseqüentemente a taxa de juros (SELIC). Dessa forma, elevaria tanto o custo da dívida, como a relação Dívida/PIB, tornando a política monetária dependente de uma política fiscal mais apertada. O modelo simplificado fica: y = βr−1 + δe−1 + λy−1 + ε (4) π = ζπ −1 + αy− 2 + γ (e−1 − e− 2 ) + η (5) e = χEmbi + ν (6) Embi = κ Embi−1 + ϖ ( Divida / PIB) −1 + ν (7) r = ρr−1 + ψ (π −1 − π *) + φy−1 (8) As equações (4) e (5) são equivalentes às equações (1) e (2) do modelo de Ball (1999), com a diferença que na equação para a curva de Phillips foi o hiato defasado em 2 períodos que mostrou-se significativo. O hiato aqui também foi obtido pela diferença entre o PIB efetivo e PIB potencial, sendo que este último foi obtido pelo 58 filtro de Hodrick-Prescott. A equação (6) simplifica a equação (3) de Ball, com o câmbio nominal sendo função apenas do risco país. Figura 09 – Embi e Taxa de Câmbio (R$/US$) - jan/99 - mai/04 Embi Brasil abr/04 jan/04 out/03 jul/03 abr/03 jan/03 out/02 jul/02 abr/02 jan/02 jul/01 1.500 out/01 400 abr/01 2.000 jan/01 900 out/00 2.500 jul/00 1400 abr/00 3.000 jan/00 1900 out/99 3.500 jul/99 2400 abr/99 4.000 jan/99 2900 Taxa de Câmbio Fonte: Bloomberg A equação (7) especifica o EMBI como função da relação Dívida/PIB. A equação (8) é uma regra operacional de política monetária30, que por simplificação, foi considerada a regra de Taylor tradicional (com pesos de 1,5 na inflação e 0,5 no hiato). Em relação ao parâmetro de alisamento da taxa de juros (ρ), serão considerados apenas três valores - ρ: 0; 0,5; 1. Ball (1999) argumenta, no contexto de um pequeno modelo estrutural aberto e retroativo, que a inclusão da taxa de câmbio na regra monetária aumentaria a sua eficiência. Esse tipo de regra tem a forma: 30 Note que a curva LM não foi apresentada, pois o mecanismo de transmissão depende diretamente da taxa de juros, e não da quantidade de moeda, o que torna desnecessário explicitá-la. 59 rt = γrt −1 + θ [(π t − π *) − µq t −1 ] + ϕy t −1 onde qt é a taxa de câmbio real. Bonomo e Brito (2001) mostram que para uma economia retroativa (backwardlooking) as regras mais eficientes são aquelas que procuram estabilizar o produto. Por outro lado, uma regra eficiente para estabilizar a inflação não tem o mesmo sucesso que uma regra eficiente para este fim numa economia antecipativa (forwardlooking). Quando o peso dado para a variância da inflação é maior do que 0,9, as regras mais eficientes são as do tipo preconizado por Ball (1999). Isso significa que se considerarmos os pesos tradicionais da regra de Taylor (1,5 na inflação e 0,5 no produto), utilizando uma regra estilo Ball podemos assumir que o Banco Central adota uma regra ótima de política monetária. O pequeno modelo macro-estrutural gera os caminhos futuros das variáveis (juros, câmbio, hiato, inflação), e a partir destes caminhos gera-se o custo de carregamento da dívida. A partir daí, temos diversas trajetórias traçadas para a relação Dívida/PIB e a cada final de período podemos computar estatísticas para estas relações. A equação da dinâmica da Dívida, assim como a do modelo estocástico de finanças, é dada por: DPt +1 = (1 + R ) DP − D t (1 + g t ) t spt PIBt +1 onde os parâmetros já foram definidos anteriormente. O superávit primário será considerado de forma exógena ao modelo. Por simplificação, consideramos o 60 superávit primário como sendo 4,25% (porcentagem em relação ao PIB) e a taxa de crescimento do PIB como 3,5%. As equações (4), (5), (6) e (7) foram estimadas foram estimadas para o período 1994:3 a 2003:1. A tabela 4 reporta as estimativas para os parâmetros. Tabela 4: Estimativa dos Parâmetros31 Parâmetros Estimativa estruturais β -0,20696 δ 0 λ 0,63 ζ 0,79811 α 0,18187 γ 3,0635 χ 0,34575 κ 0,68545 ω 0,06555 Vale ressaltar que a equação (8) que define a regra de juros (isto é, a regra de política monetária a ser seguida pelo Banco Central) não foi estimada. Seguindo o mesmo raciocínio empregado no trabalho de Bonomo e Brito (2001), faremos a seguinte calibração: ψ ∈ (0; 2,5),ϕ ∈ (0;2,5) e ρ ∈ (0;1), onde ψ é o peso dado à 31 As equações foram estimadas via OLS. Além disso, as variáveis envolvidas mostraram-se estacionárias (teste ADF). 61 inflação pela Autoridade Monetária, ϕ é o peso dado ao hiato do produto pela Autoridade Monetária e ρ é o parâmetro de alisamento da taxa de juros. Então, para cada trajetória destas variáveis dadas pelo modelo macro-estrutural teremos uma trajetória para de evolução da dívida (mais especificamente da relação Dívida/PIB). Fazendo diversas simulações teremos distribuições para a dívida para momentos futuros e daí podemos fazer uma análise de risco e retorno. Assim como no modelo estocástico de finanças, a composição ótima da dívida será feita com base na análise de Fronteira Eficiente, levando-se em conta o trade-off existente entre retorno esperado e risco da dívida, a partir de simulações que consideram diferentes composições para a dívida32. O retorno esperado de uma carteira de ativos é dado pela média ponderada dos retornos de cada ativo da carteira, considerando como ponderador a participação individual desses ativos na carteira. Já a dispersão sobre o retorno esperado de um ativo reflete o seu risco. As medidas de dispersão mais adotadas são a variância e o desvio padrão (Silva,1997). Assim, iremos calcular a média e a variância de diversas carteiras e achar as carteiras ótimas (com base na análise de Fronteira Eficiente).A lógica de calcular a fronteira eficiente é que isto permite trabalhar com um número finito de composições da dívida e ainda assim achar composições ótimas. 32 Dívida prefixada e indexada à câmbio, à índices de preços e à juros (selic). 62 6. SIMULANDO O MODELO MACRO-ESTRUTURAL O objetivo aqui é apresentar os principais resultados gerados pelo modelo macroestrutural em termos de trajetórias futuras da relação Dívida/PIB e composições para a dívida que constituem a Fronteira Eficiente. O procedimento pode ser descrito da seguinte forma: cada equação do modelo estrutural tem um componente aleatório (um componente de erro). Dessa forma, cada vez que o modelo é simulado, obtémse uma história (um caminho) diferente para cada variável. Neste exercício, faremos 2000 simulações de Monte Carlo, obtendo desta forma 2000 caminhos para cada variável do modelo e, portanto, 2000 trajetórias possíveis para a relação Dívida/PIB, considerando 30 períodos à frente. Finalmente, obtemos o retorno e o risco da relação Dívida/PIB para cada composição da dívida, sendo possível assim traçar a fronteira eficiente. Foram consideradas 3 tipos de regras monetárias seguidas pela Autoridade Monetária. A primeira regra é a tradicional regra de Taylor (com peso 1,5 na inflação e 0,5 no produto) e duas regra alternativas: uma delas com peso 2,5 na inflação e outra com peso 2,5 no produto. Ou seja, na primeira regra alternativa supõe-se que a Autoridade Monetária se preocupa exclusivamente com a estabilidade econômica e na segunda regra alternativa todo peso é dado à estabilidade do produto. Não houve mudanças significativas nos resultados, considerando-se os diferentes valores para o parâmetro de suavização dos juros. A figura a seguir reporta a Fronteira Eficiente no caso em que o Banco Central adota como regra de política monetária, a tradicional regra de Taylor. Como já era 63 esperado pela teoria, os portfólios oferecem para cada nível de risco, o maior retorno que se pode esperar por uma dada composição. Vale ressaltar que todos os portfólios sob a linha azul são portfólios eficientes. O que fará com que o investidor escolha uma carteira A a uma carteira B, ambas sob a linha, serão as suas preferências (“apetite” ao risco). Figura 10 - Fronteira Eficiente (Regra de Taylor Tradicional) A tabela 5 reporta algumas dessas carteiras eficientes que são obtidas utilizando o modelo de Markovitz. Observe que quando o Banco Central segue como regra de política monetária, a tradicional regra de Taylor, as carteiras que oferecem maior retorno são aquelas constituídas por um maior número de títulos indexados à taxa de juros, seguidas por títulos prefixados. 64 Tabela 5: Dez Carteiras Sobre a Fronteira Eficiente (Regra de Taylor Tradicional) LTN NTN-C NTN-D LFT Retorno Risco 42,9% 4,4% 13,3% 39,4% 91,5% 2,2% 41,2% 4,2% 10,4% 44,3% 93,0% 2,2% 39,4% 3,9% 7,4% 49,2% 94,4% 2,2% 37,7% 3,7% 4,5% 54,1% 95,9% 2,3% 35,9% 3,4% 1,6% 59,1% 97,4% 2,4% 31,6% 2,8% 0,0% 65,6% 98,9% 2,5% 24,2% 1,7% 0,0% 74,1% 100,3% 2,7% 16,8% 0,7% 0,0% 82,5% 101,8% 2,9% 8,9% 0,0% 0,0% 91,1% 103,3% 3,2% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 104,8% 3,5% A figura a seguir mostra as 2000 trajetórias para a relação Dívida/PIB, quando o Banco Central segue a regra de Taylor tradicional como regra de política econômica. Partindo de um valor inicial de 56% para este indicador, podemos observar que as diversas trajetórias indicam um comportamento decrescente para esta variável, ao final de 30 trimestres. Vale lembrar que neste modelo o superávit primário está dado de forma exógena (4,25% do PIB) e essa pode ser uma das razões para as trajetórias decrescentes para a relação Dívida/PIB que o modelo está gerando. Figura 11 - Trajetórias para a relação Dívida/PIB (regra de Taylor) 65 No último período (T=30), o histograma nos mostra a distribuição real da relação Dívida/PIB para uma dada composição. O histograma mostra que em 600 caminhos a relação Dívida/PIB neste último período está entre –0,04% e –0,02%; que em 200 caminhos a relação Dívida/PIB está entre –0,06% e –0,04% e assim por diante. A análise do histograma permite verificar graficamente a distribuição da relação Dívida/PIB no último período considerado. Figura 12 - Histograma do incremento da relação Dívida/PIB (T=30) Quando a Autoridade Monetária se preocupa exclusivamente com a estabilidade econômica, os resultados também revelam que as carteiras que oferecem maior retorno são aquelas constituídas por um maior número de títulos indexados à taxa de juros (SELIC). No entanto, quando o Banco Central segue este tipo de regra a participação de títulos indexados à taxa de juros é expressivamente maior, do que no caso onde a regra de Taylor é seguida. 66 Isto significa que quando o comprometimento da Autoridade Monetária com a estabilização econômica é total (isto é, quando a grande preocupação da Autoridade Monetária é cumprir a meta de inflação estabelecida pelo governo), a taxa de juros média na economia será maior do que no caso onde também há a preocupação com o nível de atividade. Neste primeiro caso, menores variações nos juros serão requeridas e o investidor poderá ter uma maior quantidade de títulos indexados à taxa de juros uma vez que esta variável apresentará menor risco. Figura 13 - Fronteira Eficiente (peso total na inflação) Tabela 6: Dez Carteiras Sobre a Fronteira Eficiente (Peso Total na Inflação) LTN NTN-C NTN-D LFT Retorno Risco 11,3% 6,8% 2,3% 79,6% 106,0% 3,3% 10,6% 6,7% 1,7% 81,0% 106,6% 3,3% 9,8% 6,6% 1,2% 82,4% 107,2% 3,3% 9,1% 6,6% 0,6% 83,8% 107,8% 3,3% 8,3% 6,5% 0,0% 85,2% 108,3% 3,3% 6,3% 6,2% 0,0% 87,5% 108,9% 3,3% 4,3% 6,0% 0,0% 89,8% 109,5% 3,4% 2,3% 5,7% 0,0% 92,1% 110,1% 3,4% 0,2% 5,4% 0,0% 94,4% 110,7% 3,5% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 111,3% 3,7% 67 Finalmente, podemos supor que a regra de política monetária está totalmente comprometida com a estabilidade do produto. Neste caso, temos os seguintes exemplos de composições de carteiras eficientes abaixo. Figura 14 - Fronteira Eficiente (peso total no produto) Tabela 7: Dez Carteiras Sobre a Fronteira Eficiente (Peso Total no Produto) LTN NTN-C NTN-D LFT Retorno Risco 30,3% 2,7% 53,0% 14,0% 94,6% 2,7% 28,3% 1,9% 55,0% 14,9% 95,0% 2,7% 26,3% 1,1% 56,9% 15,7% 95,3% 2,7% 24,3% 0,2% 58,9% 16,5% 95,7% 2,7% 19,6% 0,0% 62,4% 17,9% 96,1% 2,8% 13,8% 0,0% 66,6% 19,6% 96,5% 2,9% 7,9% 0,0% 70,8% 21,2% 96,9% 3,1% 2,1% 0,0% 75,0% 22,9% 97,3% 3,2% 0,0% 0,0% 46,5% 53,5% 97,7% 4,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 98,1% 6,5% Note que neste tipo de regra de política monetária a ser seguida pela Autoridade Monetária, os resultados mudam consideravelmente. Quando a preocupação não é a estabilidade da taxa de inflação (ou o cumprimento da meta), o investidor (no caso o governo) aumenta consideravelmente na sua carteira a participação de títulos indexados à variação cambial. Tal fato pode ser explicado porque um 68 descomprometimento total com a estabilização da economia eleva a volatilidade cambial e faz com que os investidores adquiram títulos cambiais como forma de se proteger de uma possível desvalorização. Em economias emergentes, como a brasileira, o descomprometimento com a estabilização da economia pode elevar consideravelmente o risco país e daí a taxa de câmbio. Um resultado interessante é que em todas as regras consideradas, os maiores retornos (menores custos) estão associados à composições da dívida pós-fixadas. Tal resultado ocorre mesmo quando não adicionamos nenhum tipo de “prêmio” ao ativo prefixado. É como se estivesse valendo a Teoria das Expectativas Puras, ou seja, a taxa de juros a termo de um título prefixado para daqui a “n” períodos é exatamente a expectativa que temos para a taxa de juros daqui a “n” períodos. Quando não adicionamos nenhum prêmio no ativo prefixado, estamos tomando um título com menor risco (prefixado), mas não estamos incorporando todo custo adicional que o Tesouro teria em função de se desfazer do risco. Os preços dos ativos são formados da seguinte forma: a partir das expectativas futuras das variáveis (juros, inflação e câmbio), a formação de preços se dá de forma que o retorno esperado dos ativos seja o mesmo. No caso do ativo prefixado, o preço dele é dado pela expectativa futura dos juros. No caso do ativo indexado à inflação, o preço dele será dado pela expectativa dos juros futuros menos a expectativa futura da inflação. 69 A tabela 8 mostra os resultados quando consideramos composições puras33 para a dívida pública, explicitando o retorno e o risco para cada tipo de regra de política monetária considerada. É interessante verificar que quando a dívida está 100% indexada a índice de preços e que quando o comprometimento da Autoridade Monetária com a inflação é total (regra de política monetária com peso total na inflação), temos um retorno muito maior (custo menor) e um risco menor, comparativamente ao caso onde a Autoridade Monetária utiliza outra regra de política monetária. No caso da regra com peso total dado ao produto, temos um retorno muito menor (custo maior) e um risco maior também, considerando-se a dívida indexada 100% em índices de preços. Tabela 8: Retornos e Riscos de acordo com as composições puras e diferentes regras de política monetária Composição da dívida 100% prefixada 100% inflação 100% câmbio 100% Selic Regra com peso total na inflação Custo Risco -98,26% 6,25% -96,99% 3,80% -67,86% 18,62% -90,69% 5,06% Regra de TaylorTradicional Custo -104,68% -66,27% -81,45% -88,25% Risco 3,43% 12,45% 6,17% 3,45% Regra com peso total no produto Custo Risco -111,55% 3,65% -47,07% 17,67% -102,20% 11,73% -82,84% 10,73% Portanto, pode-se verificar que dependendo da regra de política monetária a ser seguida pelo Banco Central, altera-se o perfil de endividamento público, implicando em menor ou maior variabilidade do risco/retorno da mesma. Dessa forma, podemos observar que quando a dívida é 100% indexada a índice de preços e a Autoridade Monetária coloca todo o peso da regra de política na inflação, há um grande retorno (baixo custo) (em termos de queda da relação Dívida/PIB) e um baixo risco. Tais resultados mudam consideravelmente quando a Autoridade Monetária privilegia o 33 Composições puras significam que a dívida é 100% indexada a índice de preços ou 100% indexada à SELIC ou 100% indexada à câmbio ou é 100% prefixada. 70 produto. Neste caso, temos um pequeno retorno (alto custo) e um risco muito maior também. 7. MEDINDO A PERFORMANCE DO TESOURO Uma vez tendo traçado uma fronteira eficiente de carteiras de dívida, a medida de performance do Tesouro como distância a essa fronteira aparece de modo natural. Vimos que, dada a fronteira, para a escolha da carteira ótima é necessário escolher o apetite ao risco do Governo (ou da sociedade). Entretanto, propomos aqui uma medida de performance baseada apenas em questões de eficiência, independentemente deste ponto ótimo em particular escolhido. Para avaliar a performance em uma certa data, propomos simular o desempenho da carteira do Tesouro nesta data no nosso modelo, obtendo a relação risco e retorno da relação Dívida/PIB. Em seguida, procuramos na fronteira eficiente uma carteira com o mesmo retorno do que a carteira em questão. A performance então do Tesouro neste momento será dada pela diferença entre o risco da carteira real em questão e a carteira na fronteira eficiente com o mesmo retorno. Ou seja, essa medida quantifica o risco excedente desnecessário que o Tesouro estaria incorrendo, dado o nível de retorno escolhido, em relação à fronteira eficiente34. Pt = RtCRT − RtCE em que: Pt : performance do Tesouro no período t 34 Esse exercício aqui exposto foi feito usando-se o modelo estocástico de finanças, mas resultados semelhantes seriam obtidos utilizando-se o modelo macro-estrutural. 71 RtCRT : risco da carteira do Tesouro no período t RtCE : risco da carteira da fronteira eficiente que gera o mesmo retorno da carteira do Tesouro em t Evidentemente, o maior valor que a performance pode atingir é zero, pela própria definição de fronteira eficiente. Assim, quanto mais próxima de zero a performance, significa que o Tesouro está sendo mais eficiente em não incorrer em riscos desnecessários para o nível escolhido de retorno. Computamos essa performance do Tesouro com os dados publicados na Nota Conjunta à Imprensa, pelo Tesouro Nacional e o Banco Central do Brasil, com dados referentes à composição da Dívida Pública Mobiliária Federal interna – DPMFi, cuja série histórica começa em dezembro de 1999. O gráfico abaixo ilustra a performance do Tesouro neste período: Figura 15: Performance Histórica do Tesouro 0,01 0 -0,02 -0,03 -0,04 -0,05 -0,06 dez/03 jun/03 set/03 mar/03 dez/02 jun/02 set/02 mar/02 dez/01 jun/01 set/01 mar/01 set/00 dez/00 jun/00 mar/00 -0,07 dez/99 performance -0,01 72 Os dados mostram um sistemático incremento na performance a partir de dezembro de 2002, com uma rápida aproximação da situação de eficiência (performance igual a zero) ao longo do ano de 2003. Evidentemente, essa performance reflete a recente melhora no perfil da DPMFi, tendo aumentado as participações de títulos prefixados e indexados a índice de preços e diminuído as participações de títulos cambiais e indexados à taxa SELIC. Tais melhoras estão bem evidenciadas e comentadas no Relatório Anual da Dívida Pública (2003). 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo teve como objetivo apresentar duas abordagens alternativas para a formulação de um benchmark para a Dívida Pública. No entanto, as duas abordagens são diferentes em sua natureza35. Enquanto um desenvolve um modelo macro-estrutural para simular a evolução da economia o outro apóia-se em modelos estocásticos de finanças correlacionados. O modelo macro-estrutural consiste na estimação de algumas equações estruturais para as variáveis econômicas e uma regra de Taylor. Como o modelo é estimado com base na evolução atual da economia, é provável que ele seja muito mais acurado no curto-prazo do que os modelos de finanças, que definitivamente não retratam bem a realidade de economias emergentes. No entanto, o que buscamos é um benchmark para a dívida pública no longo prazo, em uma situação de steady- 35 Na verdade os dois trabalhos traduzem o esforço em formular um benchmark para a dívida pública. 73 state. Nesse caso, é pouco provável que as relações de equilíbrio entre as variáveis sejam idênticas àquelas hoje observadas. Os modelos estocásticos de finanças, por sua vez, dificilmente teriam, como já dito, um bom desempenho no curto prazo, em épocas de instabilidade. Por outro lado, pensando em uma situação de equilíbrio de longo prazo (steady-state) eles tem um apelo intuitivo e significado econômico mais forte do que as relações estruturais atuais. Nesse sentido, os dois modelos nos parecem complementares. Para a formulação de um benchmark de longo-prazo nos parece mais intuitiva a formulação com base num modelo estocástico de finanças. No entanto, para analisar a convergência da situação atual ao benchmark e as possíveis estratégias de emissão, um modelo macro-estrutural parece ser a melhor resposta, representando melhor a evolução da economia no curto-prazo. Além da diferença essencial em natureza dos dois modelos, o modelo de finanças traz dois importantes avanços: (i) incorporação do prêmio de risco para os títulos prefixados e (ii) simulação de títulos representativos com prazos distintos por rentabilidade. Apesar das diferenças ressaltadas, o que é bastante interessante destacarmos é que os resultados gerados por ambos os modelos são qualitativamente muito semelhantes. Ou seja, embora os números de risco e retorno das diversas carteiras sobre a fronteira eficiente serem diferentes, em função obviamente da natureza 74 distinta dos modelos e de suas distintas calibrações, os dois apontam para as mesmas recomendações de política econômica. De modo bem genérico, os resultados explicitam os ganhos em relação à exposição a riscos de títulos prefixados e indexados a índice de preços, contrapostos com os ganhos de custos associados aos títulos atrelados à taxa SELIC. É importante ressaltar que a contribuição principal dos modelos ora propostos é a formulação teórica de um framework, assim como sua implementação, para a escolha de um benchmark para a dívida pública. Evidentemente, para a implementação prática destes modelos, poderiam ser discutidas várias estimações e outros aspectos técnicos. Como dito, o intuito aqui é de uma formulação teórica consistente, assim como sua implementação prática, que possa subsidiar a escolha de um benchmark para a dívida pública e, portanto, auxiliar o avanço no sentido de um gerenciamento eficiente e eficaz da política fiscal. Nesse sentido, os modelos em estudo parecem ser um bom referencial. Eles têm justificativas teóricas e capturam bem os trade-offs entre risco e retorno enfrentados pelo gestor da dívida pública. Isso não significa, de modo algum, que não careçam de aprimoramentos. Ao contrário, constitui-se em um arcabouço geral que poderia, e deveria, sofrer vários refinamentos para sua real implementação. Em primeiro lugar, pensando em um gerenciamento de ativos e passivos – ALM, o superávit poderia tornar-se correlacionado com as variáveis macroeconômicas, de 75 modo a refletir melhor os movimentos de despesas e receitas do governo conjuntamente, que terão efeito sobre o indicador de Dívida/PIB, com a evolução da economia. Além disso, computacionalmente, as simulações poderiam ser feitas com uma variedade de títulos do mesmo tipo com prazos diferentes, o que resultaria em um benchmark mais apurado, que traria além da composição ótima, os prazos médios ótimos de cada tipo de título. Evidentemente, para uma implementação prática dos modelos também se seguiria uma exaustiva discussão sobre a estimação de todos os parâmetros envolvidos, que está além dos objetivos do presente trabalho. Além disso, faltaria discutir o processo de convergência ao benchmark determinado. Alguns países sugerem que se formule uma estratégia de financiamento fixa que através de sua contínua aplicação, chegue-se ao benchmark. Entretanto, esse pode, e provavelmente não é, o caminho ótimo em termos de custo e risco. Portanto, um exercício de otimização para a convergência mostrar-se-ia extremamente útil, assim como uma possível integração entre o modelo de finanças e o modelo macro-estrutural. 76 9. 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