milagres, curas e o mundo espiritual

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MILAGRES, CURAS E O MUNDO ESPIRITUAL
LUIZ SAYÃO
MILAGRES
Se admitimos Deus, devemos admitir o milagre? Na verdade, na verdade,
você não tem qualquer garantia contra ele. E isso acontece. A teologia lhe diz
com efeito: “Admita Deus e com Ele o risco de tantos milagres, e eu por minha
vez vou confirmar a sua fé na uniformidade com relação à maioria dos eventos”.
A filosofia que proíbe você de tornar a uniformidade absoluta, é também aquela
que lhe oferece uma base sólida para crer que ela é geral, é quase absoluta. O
Ser que ameaça a reivindicação de onipotência da natureza a confirma nas
ocasiões legais. A alternativa é na verdade muito pior. Tente tornar a natureza
absoluta e descobrirá que sua uniformidade não é sequer provável.
Reivindicando demasiado você não obtém nada. Chega ao ponto morto, Como
Hume. A teologia lhe oferece uma possibilidade que deixa o cientista livre para
continuar suas experiências livre para continuar suas experiências e o cristão,
suas orações.
C. S. Lewis, Milagres
A questão dos milagres e de como eles podem ou devem ser interpretados na história
do pensamento humano e das religiões com suas experiências e afirmações está de fato
relacionada com a cosmovisão de cada perspectiva. Na verdade, há um pressuposto
subjacente que controla nossa maneira de pensar e crer, às vezes inconsciente, sobre cada
aspecto da vida e da realidade. Podemos, em linhas gerais, admitir que temos três
perspectivas fundamentais sobre os milagres, se consideramos o propósito de nosso estudo.
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DEUS
VISÃO BÍBLICA
TEÍSTA
VISÃO SECULAR
ATEÍSTA
VISÃO PAGÃ
PANTEÍSTA
É um ser pessoal,
criador de tudo e
soberano.
Não há nenhum
Deus.
Existem deuses e
uma realidade
espiritual em tudo.
Distinto da criação
e superior a ela.
A religião é mera
criação da mente
humana.
UNIVERSO
É um só. Existe
uma realidade
integrada. Matéria
e espírito são parte
da criação. O
espírito não é
superior à matéria.
É uma realidade
material, e um
universo fechado.
Não há nada além
dos sentidos e da
matéria. Não
existe espírito.
Existem duas
realidades. O
espírito (mente) é
superior à
matéria. A
realidade material
é inferiorizada.
SER HUMANO
Criado por Deus, é
imagem de Deus.
Possui dignidade.
É distinto da
criação.
Surge do acaso, do
mecanismo
evolutivo da
própria natureza.
É manifestação de
uma realidade
espiritual superior
e está evoluindo.
ÉTICA
Há parâmetros
absolutos. A base
está no caráter de
Deus e na sua
revelação escrita.
A referência é
definida pela
sociedade (razão)
indivíduo. Não há
absolutos.
É indefinida. A
razão e a moral são
relativas. As leis
evolutivas são
usadas na prática.
MAL
O mal procede do
uso da vontade dos
seres criados. O
sofrimento existe
devido ao pecado.
O sofrimento é
uma realidade
natural. O pecado
é relativo. É
social/individual.
O mal é relativo.
Não há mal ou
pecado. Tudo faz
parte de uma só
realidade.
MODO DE VIDA
Fé no Deus
criador. Existem
milagres.
Esperança futura.
Conduta ética.
Fé nos sentidos.
Não há milagres.
Pessimismo final.
Ética relativa.
Fé no espiritual.
Manipulação da fé.
Esperança fluida.
Ética relativa.
Deus e a criação se
confundem.
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PERSPECTIVA DETALHADA DAS COSMOVISÕES
Realidade Última
Nenhum Deus(es)
Ateísmo
Muitos Deuses
Politeísmo
Um Deus
Finito
Infinitos
(Nenhuma concepção)
Infinito
Deus está dentro do
mundo e identifica-se
com ele.
Panenteísmo
Deus identifica-se com o
mundo.
Panteísmo
Deus não se identifica
com o mundo
Um Deus finito está alé
do universo, mas age no
mesmo de modo
limitado.
Teísmo finito
Finitos
Deus não intervém no
mundo, mas é
exclusivamente
transcendente.
Deísmo
Um Deus infinito e
pessoal está alem do
universo, mas age no
mesmo.
Teísmo
PERSPECTIVAS DA VIDA (CF. FRANKLIN FERREIRA)
PERSPECTIVA DA VIDA A PARTIR DE UMA COSMOVISÃO BÍBLICA
DEUS
Estado
Família
Escola
Artes
Igreja
Trabalho
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PERSPECTIVA DA VIDA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA SECULAR
ESTADO
Família
Escola
Artes
Igreja
Trabalho
PERSPECTIVA DA VIDA A PARTIR DA PERSPECTIVA MÍSTICADUALISTA
SATANÁS
Estado
Família
Escola
DEUS
Artes
Trabalho
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Igreja
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MILAGRES E CURA DIVINA NO NOVO TESTAMENTO
A realidade dos milagres é ponto pacífico nas Escrituras Sagradas. Deus não só criou o
universo, como continua agindo nele e muitas vezes o faz de maneira sobrenatural. É muito
mais difícil criar o universo do que agir de modo milagroso numa situação específica. Todavia,
para a visão bíblica da realidade, criação e intervenção milagrosa são obras do mesmo Deus
bondoso e todo-poderoso.
Um dos temas mais empolgantes do Novo Testamento é o dos milagres. Principalmente os
milagres de Jesus. Os milagres acontecem com alguns propósitos principais:
1) Mostrar o poder de Deus.
2) Demonstrar que o Deus do AT é o mesmo do NT.
3) Manifestar a compaixão do Senhor.
4) Destruir as obras de Satanás.
5) Confirmar a palavra divina.
6) Comprovar que Jesus é o Filho de Deus.
7) Mostrar que Jesus é o Messias esperado.
Portanto, os milagres são muito importantes nos evangelhos e também em Atos. Jesus é
apresentado nos evangelhos como o Messias prometido e como Filho de Deus, e vamos
sempre vê-lo fazendo grandes prodígios, comprovando sua origem divina e seu poder
incomparável.
O testemunho dos evangelhos é claro e marcante. Milagres e curas aparecem por toda parte.
O primeiro evangelho, por exemplo, vai mostrar que os milagres são parte essencial do
ministério de Jesus e estão diretamente ligados à missão e mensagem do Messias:
“Os cegos veem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos
ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e
feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa” (Mt 11.5-6).
Os quatro evangelhos apresentam uma lista de 35 milagres descritos de modo impactante e
impressionante:
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Milagres de Jesus
Texto
1
Transformou água em vinho
João 2.1-11
2
Curou o filho de um oficial do rei
João 4.46-54
3
Curou um paralítico no Tanque de Betesda
João 5.1-9
4
Curou de cego de nascença no Tanque de Siloé
João 9.1-41
5
Multiplicou 5 pães e 2 peixes e alimentou 5000
João 6.5-13
6
Andou sobre as águas no mar da Galileia
João 6.16-21
7
Ressuscitou Lázaro
João 11.1-44
8
Ordenou a pesca de 153 grandes peixes
João 21.1-11
9
Expulsou um demônio
Lucas 4.33-37
10
Curou a sogra de Pedro
Lucas 4.38-39
11
Ordenou a pesca de muitos peixes
Lucas 5.1-11
12
Curou um leproso
Lucas 5.12-13
13
Curou um paralítico em Cafarnaum
Lucas 5.17-25
14
Curou o homem de mão aleijada
Lucas 6.6-10
15
Curou o servo de um oficial romano
Lucas 7.1-10
16
Ressuscitou o filho da viúva
Lucas 7.11-15
17
Acalmou uma tempestade
Lucas 8.22-25
18
Curou o homem domina por muitos demônios
Lucas 8.27-35
19
Curou a filha de Jairo
Lucas 8.41-56
20
Curou a mulher com hemorragia
Lucas 8.43-48
21
Curou um menino endemoninhado
Lucas 9.38-43
22
Expulso um mudo possesso de um demônio
Lucas 11.14
23
Curou uma mulher e1ncurvada por 18 anos
Lucas 13.11-13
24
Curou o homem de pernas e braços inchados
Lucas 14.1-6
25
Curou 10 leprosos
Lucas 17.11-19
26
Curou um mendigo cego
Lucas 18.35-43
27
Advertiu antecipadamente a negação de Pedro
Lucas 22.31-34
28
Curou a orelha do servo do Sumo Sacerdote
Lucas 22.50-51
29
Curou dois cegos
Mateus 9.27-31
30
Tirou a moeda do imposto da boca do peixe
Mateus 17.24-27
31
Curou a filha endemoninhada da mulher cananeia
Mateus 15.21-28
32
Multiplicou 7 pães e uns peixes e alimentou 4.000
Mateus 15.32-38
33
Secou uma figueira infrutífera
Mateus 21.18-22
34
Curou um surdo-mudo
Marcos 7.31-37
35
Curou um cego
Marcos 8.22-26
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A QUESTÃO DA CURA DIVINA
Num mundo cheio de crises, doenças e insuficiências humanas nada pode chamar mais
atenção do que uma cura milagrosa realizada pelo poder de Deus. Desde os tempos bíblicos,
as pessoas eram atraídas a Jesus por meio da cura. Ainda hoje, milhares de igrejas cristãs em
todo o mundo pregam a cura divina, proclamam o poder físico de Cristo e colecionam muitos
testemunhos impressionantes de milagres que, surpreendentemente, parecem ter sido pouco
investigados. Em todo o mundo, milhares e milhares de pessoas afirmam terem recebido
curas milagrosas e inexplicáveis.
Todavia, a proclamação de cura sobrenatural não é exclusividade cristã. Muitos outros
movimentos religiosos também proclamam a cura e fazem rituais com o propósito de sarar
enfermidades. Isso é uma realidade em quase todas os movimentos religiosos do mundo.
Muitas são as práticas mágicas e místicas associadas direta ou indiretamente a milagres,
principalmente na realidade religiosa nacional. Essas práticas são muito conhecidas e
disseminadas em nossos dias.
Nos anos recentes muita gente tem ficado confusa com a questão da cura divina e sua
genuinidade e base bíblica. A multiplicidade e a variedade dos movimentos evangélicos,
aparentemente, têm sido marcadas por certo sincretismo em muitos ambientes. Muitos
rituais realizados em ambientes evangélicos do ponto de vista fenomenológico se aproximam
de rituais esotéricos e místicos não cristãos. Isso provoca dúvida e questionamento
generalizado sobre a legitimidade bíblica e teológica do que vemos hoje.
Questionados sobre suas práticas, os evangélicos mais místicos certamente
responderiam que estão agindo com fundamentação bíblica. Seguramente, eles apontariam
para certos textos bíblicos como:
“Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes
eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e
os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se
projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das
cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram
atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados”. (Atos 5.14-16)
“Deus fazia milagres extraordinários por meio de Paulo, de modo que
até lenços e aventais que Paulo usava eram levados e colocados sobre os
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enfermos. Estes eram curados de suas doenças, e os espíritos malignos saíam
deles”. (Atos 19.11-12)
“Entre vocês, há alguém que está doente? Que ele mande chamar os
presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em
nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará.
E se houver cometido pecados, ele será perdoado”. (Tg 5.14-15)
Afinal de contas, será que os movimentos mais místicos de nossos dias estão corretos
em suas práticas? Como entender a questão? Como entender e aplicar esses textos? Como
agir na prática diante da questão?
Os relatos dos “lenços e aventais”, da “sombra de Pedro” e “da unção com óleo” em
Tiago têm sido considerados difíceis de interpretação pelos teólogos mais tradicionais.
Geralmente a maioria deles irá sugerir que estes textos são apenas históricos e
contextualmente dependentes. Eles teriam a ver com a época em que surgiram e não se
aplicariam aos nossos dias, conforme alguns. Isso os tornaria não normativos para nós hoje.
Todavia, essa avaliação não subsiste a um exame exegético coerente. Vários argumentos
teológicos sobre temas como batismo, governo de igreja, contribuição, entre outros, são feitos
com base em passagens históricas de Atos, por exemplo. Com o mesmo argumento
poderíamos entender que todos esses temas também poderiam ser limitados ao contexto em
que foram comentados. Como entender então a questão? Seria o cristianismo do Novo
Testamento semelhante aos cultos místicos de hoje? Se era semelhante, em que medida? Isso
é válido para nós hoje?
Antes de tudo, é preciso entender a lógica da teologia da cura no Novo Testamento.
Um dos ingredientes fundamentais da cura é a fé. Por diversas vezes Jesus afirma ao doente
curado que a fé do indivíduo havia sido responsável pela cura recebida (Mc 5.34, e.g.). Na
perspectiva hebraica, a fé não é apenas um sentimento ou impulso mental. Fé para um judeu
nos tempos bíblicos envolvia a ação concreta. Por isso, o termo hebraico ‫’( אֱמוּנ ָה‬emunâ) pode
ser traduzido tanto por fé e quanto por fidelidade (Hc 2.4). Não existe fé sem ação prática. Fé
é confiar e agir e não apenas crer mentalmente ou sentir no coração. Assim, a cura era muitas
vezes operada pela participação do doente que expressava a sua fé de modo muito concreto.
Assim, na visão neotestamentária da cura são descritos diversos “pontos de contato”
entre o poder de Deus e a fé do que recebe a cura. As vezes essa fé concreta da pessoa curada
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é demonstrada pelo “lenço”, pela “sombra”, pelo “óleo”, pela “saliva com barro nos olhos”,
pelo “toque nas vestes”, “pelo levantar-se da maca”, etc. Não há poder no objeto, mas há a
manifestação do poder de Deus mediante a fé demonstrada. Assim, o enfermo é conclamado
a expressar a fé de maneira bastante concreta e prática. Portanto, deve ser observado que em
todos os casos de cura no NT os elementos concretos presentes são sinais da fé que existe no
doente ou em alguém que o auxilia ou o acompanha. Nos textos acima citados, vemos que
Paulo não distribuiu (nem vendeu) lenços e aventais. A iniciativa não veio dele. Ao contrário,
isso foi feito de modo espontâneo pelo povo. O mesmo pode ser observado no caso da sombra
de Pedro. Até mesmo, no texto de Tiago, a unção com óleo não era praticada a partir dos
líderes (presbíteros) da igreja. Ao contrário, a ação tinha início com o doente. Observe a
clareza do texto da NVI aqui: “que ele mande chamar os presbíteros”. Ao convocar os
presbíteros para a unção com óleo, o doente estava demonstrando a sua fé. A lógica das curas
que vemos na prática de Jesus e dos apóstolos é semelhante ao convite que se faz a uma pessoa
para “vir à frente” afirmando que recebeu a Cristo. “Vir à frente” é uma demonstração de fé
concreta. Isso é bastante diferente do enfoque místico não cristão, a perspectiva mágica da
realidade.
O enfoque de cura do mundo pagão e do ambiente mágico é diferente. A ideia é que há
objetos “abençoados”, como que cheios de “energia” espiritual. Nessa perspectiva há um certo
fetichismo em torno do objeto, que passa a ser “a fonte da cura”. É um certo animismo,
tecnicamente falando. Com esse enfoque, faz sentido vender objetos sagrados que tenham
poder de cura. Essa postura é muito distinta da visão cristã neotestamentária. Uma boa
maneira de observa o contraste é observar o texto de Marcos 5.24-34.
24 Uma grande multidão o seguia e o comprimia. 25 E estava ali certa
mulher que havia doze anos vinha sofrendo de hemorragia. 26 Ela padecera
muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez
de melhorar, piorava. 27 Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele,
no meio da multidão, e tocou em seu manto, 28 porque pensava: “Se eu tãosomente tocar em seu manto, ficarei curada”. 29 Imediatamente cessou sua
hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento. 30 No
mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a
multidão e perguntou: “Quem tocou em meu manto? 31 Responderam os seus
discípulos: “Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas:
‘Quem tocou em mim?’ ” 32 Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para
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ver quem tinha feito aquilo. 33 Então a mulher, sabendo o que lhe tinha
acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo,
contou-lhe toda a verdade. 34 Então ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá
em paz e fique livre do seu sofrimento”.
Nesse texto vemos que aparentemente “o manto” de Jesus curou a mulher que sofria
de hemorragia. Como nos casos do “lenço”, da “sombra” e do “óleo”, aqui temos também o
“manto” no centro da cura recebida. Todavia, o texto deixa bem claro que o “manto” não tem
poder para curar. Não é um objeto sagrado. A prova é que todo mundo estava tocando no
manto (v. 31) e nada de especial estava acontecendo, porque o manto não tinha poder em si.
Não havia qualquer energia espiritual armazenada na roupa de Cristo. Se assim fosse, todo
aquele que nela tocasse era curado automaticamente. Todavia, ao expressar sua fé de modo
prático, a mulher enferma cria que bastava “tocar no manto” que seria curada. E ela foi! Sua
cura se deu não por causa do manto, mas por causa de sua fé (v.34), conforme as próprias
palavras de Jesus: “Filha, a sua fé a curou!”
Portanto, a igreja pode e deve orar pelos doentes com muita fé. Afinal, cremos num
Deus vivo, bondoso e poderoso. Não há nenhum problema em pedir cura e suplicar por um
milagre. Não há problema nem mesmo em ungir pessoas com óleo (Tg 5.14) ou em fazer
reuniões de oração que orem por cura e livramento. Todavia, unção com óleo ou reuniões
desse perfil também não precisam se tornar uma prática obrigatória. No entanto, deve ficar
bem claro que as práticas da igreja cristã ligadas à cura divina não podem cair no animismo
e no fetichismo pagão presentes na religiosidade popular, influenciados por uma cosmovisão
panteísta pagã. É necessário fugir desses equívocos sem deixar de crer no Deus pessoal e
soberano que cura milagrosamente, mas que também muitas vezes permite a dor prolongada
daqueles a quem ama. Às vezes, a cura é milagrosa como no caso do “lenço”, às vezes Deus
trabalha em nossa vida pelo “sofrimento”.
OS DONS MILAGROSOS NA IGREJA PRIMITIVA E HOJE
Não há dúvida de que a grande pergunta que qualquer um de nós faria diante da
questão das curas e milagres é: Afinal, os dons milagrosos não são bíblicos? Por que muitas
igrejas não os praticam nem os incentivam? É exatamente por causa de uma pergunta como
essa que muitos sentem-se confusos, pois creem na Bíblia e na sua relevância para a nossa
prática, mas percebem o extremismo de algumas posições. Vamos avaliar a questão
especialmente a partir do que é discutido por Paulo em 1 Coríntios 12.
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Deve estar claro que nem tudo que aparece num texto bíblico pode ser praticado
literalmente. É preciso entender o texto. Todos nós sabemos que não há nenhum grupo
cristão no mundo que pratique literalmente tudo o que aparece na Bíblia. Se fôssemos literais
em tudo, arrancaríamos os olhos (Mt 5.29), lavaríamos os pés de todos (Jo 13.14), as mulheres
não poderiam falar na igreja (1Co 14.34), deveríamos vender todos os bens e dar tudo aos
pobres (Lc 18.22), etc. É por isso que precisamos saber fazer uma correta interpretação da
Bíblia. Não podemos ser guiados apenas por nossos preconceitos e inclinações pessoais, mas
precisamos ser coerentes em nossa tentativa de entender a Palavra de Deus.
Para entendermos corretamente a questão, vamos aqui alistar as principais
interpretações sobre os dons milagrosos que circulam em nossos dias. Procuraremos também
avaliar brevemente cada uma dessas opções.
1. Os Dons Eram Sinais da Carnalidade dos Coríntios
Essa posição radical é pouco encontrada, mas ainda é defendida por alguns evangélicos
muito tradicionais. Pelo fato de não se discutir esses dons em nenhuma outra carta do Novo
Testamento e devido à realidade de que os coríntios tinham um comportamento muito
repreensível, alguns acreditam que as manifestações daquela igreja nada tinham de
espiritual. Segundo essa posição, manifestações como línguas estavam mais relacionadas com
o paganismo da cidade de Corinto. Estaríamos vendo em Corinto uma imitação das práticas
vindas do contexto pagão. Essa posição não tem fundamento bíblico. O próprio texto bíblico
nos diz que os dons são espirituais, dados por Deus e mesmo que concordemos que a
carnalidade corintiana e o paganismo local influenciassem a maneira de comportar-se dos
crentes de Corinto não podemos aceitar que os dons em si eram fruto da carne ou do
paganismo.
2. Os Dons Eram Capacidades Humanas
Essa interpretação, existente em alguns contextos bem tradicionais, entende que os
dons, ainda que usados por Deus, seriam capacidades humanas. Não haveria nada de
extraordinário e de milagroso neles. O fato de Paulo afirmar que falava em línguas (1Co 14.18)
motiva essa posição. Entende-se que ele estaria se referindo à sua capacidade de compreender
grego, aramaico, hebraico e latim. A partir daí, entende-se que profetizar é apenas pregar;
curar é tarefa dos bons médicos cristãos, abençoados por Deus em sua tarefa, etc. Mesmo
reconhecendo que Deus pode usar nossos talentos naturais para a sua glória, uma análise
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exegética séria do texto não permite que se entenda 1Coríntios 12 e 14 dessa forma. O texto
fala claramente de capacidades extraordinárias dadas por Deus. As línguas do Novo
Testamento não foram apreendidas, as curas eram sobrenaturais. Temos de ser honestos para
com a passagem bíblica. Não podemos negar o sentido do texto, para defender nossa própria
posição.
3. Os Dons São Legítimos e Já Não Existem
Essa posição é defendida por muitos evangélicos e por diversos estudiosos e
comentaristas. Todavia, muitos entendem que ela nega o poder de Deus em nossos dias. O
argumento dessa posição baseia-se no fato de que nem tudo que aconteceu na época dos
apóstolos deve necessariamente acontecer em nossos dias. Destaca-se que os milagres
aconteceram principalmente em certas épocas da história bíblica quando tinham um
propósito específico. Argumenta-se também que o ministério dos apóstolos na igreja
primitiva encerrou-se com a morte deles. Assim, especialmente com base numa interpretação
de 1Coríntios 13.8-13, essa posição afirma que os dons carismáticos cessaram com o fim da
era apostólica. Segundo essa posição, quando Paulo fala do "perfeito" que haveria de vir,
referia-se ao cânon do Novo Testamento. Portanto, os dons milagrosos tiveram um papel
importante para a igreja primitiva enquanto essa não tinha ainda a revelação completa de
Deus para guiar-se. Completada a revelação do NT, profecias, línguas, etc. tornam-se
desnecessários. Conclui-se então que aqueles dons já cumpriram sua função. Acrescenta-se
ainda o argumento de que, historicamente, constata-se que a manifestação desses dons
diminuiu sensivelmente depois da morte dos apóstolos; além disso, muitos movimentos
"milagrosos” que surgiram mais tarde, depois da era apostólica, acabaram em heresias. Um
exemplo clássico foi o montanismo, movimento do final do segundo século, que acabou
envolvendo Tertuliano, um dos famosos pais da igreja. Não será difícil de entender que essa
é a posição de muitos evangélicos tradicionais, que rejeita totalmente milagres no contexto
da atualidade.
4. Os Dons Ainda Existem e São Indispensáveis para a Igreja
Essa é, naturalmente, a posição mais comum no contexto pentecostal. Mesmo tendo
de lidar com dificuldades com a ausência de continuidade da prática dos dons na história da
igreja, afirma-se que os dons sempre existiram, e se deixaram de manifestar-se em certos
contextos cristãos foi devido à incredulidade e falta de espiritualidade da igreja da época. O
Deus de hoje é o mesmo do tempo do Novo Testamento, e a busca dos dons é um imperativo
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na vida cristã. Uma igreja sem dons é uma igreja fria e sem espiritualidade; jamais tal igreja
poderá cumprir sua missão diante Deus, pois carece das úteis ferramentas do Espírito para
realizar a obra de Deus. Há outro aspecto dessa interpretação, muito importante, que deve
ser citado aqui. Essa posição é basicamente uma interpretação escatológica. De acordo com
essa visão, o primeiro grande derramamento de poder, conhecido como "as primeiras
chuvas", ocorreram no Pentecoste e na igreja primitiva, "as últimas chuvas", o derramar do
Espírito "apoteótico", que antecede a Segunda Vinda de Cristo, estaria acontecendo em
nossos dias. Não é difícil de entender que essa explicação dá um significado especial aos
movimentos que surgiram no século 20. A maioria dos movimentos pentecostais surgiram
ligados a tendências escatológicas que enfatizam o iminente fim do mundo.
5. Os Dons Podem Manifestar-se Ainda Não Obrigatoriamente
É uma posição intermediária a respeito dos dons milagrosos do NT. Em 1Coríntios
12.7, lemos que "a manifestação do Espírito é dada para o proveito comum". Isso parece
indicar algum muito importante: os dons milagrosos eram "manifestacionais". Os dons de
Romanos 12, Efésios 4.11,12 e 1 Pedro 4.8-11 faziam parte da vida diária dos cristãos e estavam
relacionados com a personalidade e a capacidade deles, como é o caso do dom de ensino, de
misericórdia, de pastor-mestre, etc. Já os dons citados em 1 Coríntios 12 não parecem ser
"propriedade" definitiva do cristão, mas ocorriam em função da necessidade. É interessante
notar que Paulo, apesar de ter sido usado por Deus em curas, não curou Timóteo (1Tm 5.23),
não curou Trófimo (2Tm 4.20). O texto de Filipenses 2.26,27 fala da doença quase mortal que
sofreu Epafrodito. Por que esses cristãos primitivos não foram curados de imediato? Parece
razoável concluir que esses dons podiam não se manifestar em alguns momentos. Às vezes
Deus curava, às vezes não. Deus livrou Pedro milagrosamente da prisão em Atos, Tiago,
porém, morreu à espada (At 12). De maneira semelhante, os dons manifestavam-se em certas
situações, mas em outras, não.
A natureza manifestacional dos dons milagrosos está relacionada com o aspecto da
soberania divina. E é assim que demos entender a lista de 1Coríntios 12. A palavra de
sabedoria (intuição especialmente dirigida pelo Espírito), a palavra de ciência (conhecimento
revelado), a fé (fé especial para circunstâncias incomuns) e a profecia (aqui como palavra
imediata de Deus – cf. Ágabo em Atos 21.10,11) devem ser entendidos como dons milagrosos
manifestacionais.
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Além disso, apesar de ser muito difícil provar que esses dons cessaram na época do
Novo Testamento, devemos aceitar que os milagres tiveram um papel preponderante no
contexto da igreja primitiva. Não podemos exigir que todas as épocas da história manifestem
milagres e sinais como os mesmos ocorreram na era apostólica. Devemos reconhecer a época
apostólica como singular. Ainda que Deus seja poderoso para fazer o que bem desejar, não
podemos exigir dele que tudo o que aconteceu na era apostólica repita-se hoje.
Isso não quer dizer, porém, que os dons não podem jamais manifestar-se. Deus é
soberano e pode fazer com que curas, línguas, profecias (não no sentido de revelação bíblica)
aconteçam, conforme o seu próprio propósito. Há registros de missionários que chegaram a
falar a língua de pagãos sem conhecê-la. Há até mesmo cristãos tradicionais que
testemunham a cura sobrenatural que receberam. Podemos até mesmo afirmar que Deus
pode agir de maneira especial em certos contextos, conforme sua infinita sabedoria e seu
propósito. Não devemos negar o poder de Deus, nem devemos atribuir a Deus milagres que
não sejam autênticos.
Devemos concluir, destacando alguns pontos principais:
1. Os dons de 1Coríntios 12 eram dados pelo Espírito Santo.
2. Esses dons manifestacionais não ocorrem quando queremos, mas sim quando
Deus quer. Não podemos exigir uma nova era apostólica.
3. Não é possível negar que Deus pode manifestar esses dons em certas
circunstâncias.
4. Não podemos acreditar que tudo aquilo que se apresenta como dom milagroso
bíblico o seja de fato.
5. Os dons milagrosos não podem tornar-se o centro de nossa atenção. Nossa
tarefa é proclamar o evangelho de Cristo, vivendo uma vida que agrada a Deus.
Se Deus fizer manifestar dons milagrosos, por sua graça, seja ele louvado, se não
o fizer, seja ele louvado também.
CURAS E MILAGRES NO CONTEXTO NEOPENTECOSTAL
No final da década de 70 e no começo de 80, houve grande mudança no contexto das
igrejas brasileiras. Nessa época começam a surgir novos grupos, que possuem certa
semelhança com as igrejas anteriores, mas com características peculiares. As principais novas
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comunidades desse tipo são a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja
Internacional da Graça.
Há certas características que definem a nova tendência triunfalista. Vamos apresentálas de maneira geral para distingui-la do pentecostalismo histórico e do movimento
carismático. Influenciado por uma cosmovisão panteísta, uma sociedade capitalista
neoliberal e por uma tendência mística e irracionalista, o neopentecostalismo apresenta
algumas ênfases distintas:
1. A teologia da prosperidade. Crê-se que Deus promete saúde perfeita e plena
prosperidade para todos os que lhe pedem com fé. Se alguém não prospera, só há duas
explicações: ou não crê em Deus ou há algum impedimento causado por espíritos
maus.
2. A simplificação teológica: Todos os males vêm dos demônios. Quase tudo que acontece
e que nos desagrada tem origem demoníaca. Pecados, doenças, fracassos, problemas
pessoais, desentendimentos é obra do diabo. Causas físicas, psicológicas e até
espirituais são relevadas, explicando-se tudo com a atuação demoníaca.
3. A busca de experiências extraordinárias. Os pentecostais buscavam falar em línguas e
profetizar. Os carismáticos enfatizaram curas e exorcismos. Os neopentecostais
mudaram o foco: O interesse agora é ser "arrebatado" no Espírito, visitar o céu e o
inferno, sair do corpo e passear espiritualmente, cair no chão pelo sopro do Espírito,
rir incontrolavelmente, etc.
4. Uma Hermenêutica Diferente. Há muito pouco uso do Novo Testamento. A maioria
das pregações são quase sempre baseadas em textos do Antigo Testamento. E esses
textos não são lidos exegética e teologicamente. A hermenêutica do novo movimento é
nitidamente alegórica e pragmática.
5. Confissão Positiva. A nova tendência ensina a confissão positiva. Trata-se de uma
negação da oração de petição e de súplica. A ideia é que Deus nos deu promessas das
quais precisamos nos apropriar, declarando que nos pertencem. Não devemos orar,
pedindo, nem pedir que se faça a vontade do Pai, mas sim declarar que aquilo aconteça.
A ideia aproxima-se da magia.
6. A visão triunfalista. Não há espaço para o lamento e para a tristeza. O crente sempre
tem a "vitória". O novo perfil do cristão que agrada a Deus é o do guerreiro vencedor,
que apesar das lutas, deve estar sempre sorrindo, negando a realidade de modo
escapista e alienante, sempre triunfante.
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7. A batalha espiritual. Não só tudo vem do demônio, mas estamos numa batalha
espiritual quase física. Cada problema é relacionado com um demônio específico. Até
a linhagem das pessoas é dominada por demônios, ligados a maldições em suas vidas.
Criam-se, inclusive, métodos específicos de lutar contra os demônios. Os espíritos
territoriais, que dominam certas cidades, são vencidos por meio de métodos especiais.
8. O clientelismo como relação igreja-fiel. Os novos grupos representam uma mudança
significativa na relação igreja-fiel. Não há mais membro de igreja no sentido comum.
As novas igrejas funcionam como pronto-socorro espiritual. São enormes, atingem
massas. Os fiéis vão buscar a bênção no espaço sagrado da igreja. Agem como clientes.
9. A relação com o catolicismo e outros cultos. O novo movimento confronta o catolicismo
e a umbanda. Todavia, condenam tais cultos, mas acabam apropriando-se de
elementos desses cultos. Há um certo sincretismo.
10. Movimento marcado pelo uso da mídia. O neopentecostalismo aprofundou muito esse
uso. As novas igrejas são especialmente marcadas pelo uso da televisão. Há programas
de televisão diários. Marcadas pelo clientelismo, funcionam com um poderoso sistema
de marketing.
AVALIANDO AS DOUTRINAS E PRÁTICAS NEOPENTECOSTAIS
1. A teologia da prosperidade (saúde perfeita e prosperidade financeira)
Em oposição à fé evangélica a nova onda triunfalista abraçou a teologia da
prosperidade, que diz que estar bem com Deus é prosperar financeiramente. Em vez de negar
o mundo e seus alvos, afirmam que Deus está do lado de quem tem muitos recursos
financeiros. A bênção divina não é só a salvação, mas também e principalmente bens
materiais. Assim, falta de recursos ou de boa saúde é vista como falta de fé ou como obra do
mal. A fantasia dos produtos de grife que representam poder e status na sociedade atual se
consegue com o "poder de Deus". Com base numa interpretação incorreta de Gálatas 3.14,
creem que devemos herdar a bênção que Deus concedeu a Abraão: muitas riquezas. Com
raciocínio semelhante, leem Isaías 53.4, afirmando que Cristo levou nossas enfermidades e
que não devemos mais adoecer. É importante ressaltar aqui que esses grupos não afirmam
apenas que Cristo cura e dá bênçãos materiais aos seus. A ideia é que temos direito a essas
coisas, e que Deus está obrigado a nos concedê-las.
A leitura simples de alguns textos mostra como isso não subsiste. Em primeiro lugar,
basta ver a história de Jó e dos profetas de Israel para ver como isso nunca aconteceu nem no
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AT. Tanto é verdade que textos como o Salmo 73 falam da prosperidade dos ímpios. Quando
lemos o NT então, o quadro é muito claro. Os apóstolos são presos e martirizados; João
Batista morre degolado; os crentes da Judeia recebem a oferta da Macedônia por enfrentarem
necessidades físicas. Não tinham eles fé? Estavam presos por um espírito mau? De modo
nenhum. Não há dúvida que Deus quer o melhor para nós. Mas muitas vezes ele nos permite
enfrentar situações difíceis para o nosso próprio bem. Nem sempre as riquezas são a melhor
"bênção". É verdade que um bom crente, competente, tende a prosperar na vida, mas não se
deve pensar que quem está com problemas financeiros esteja em pecado ou longe de Deus, e
muito menos podemos acreditar que os ricos estão espiritualmente bem. Devemos saber
enfrentar qualquer situação, como Paulo, que aprendeu a estar contente na fartura e na
dificuldade.
Como tratar os textos que falam de cura? Cristo levou as doenças? Por que adoecemos?
O problema é falta de informação. Em primeiro lugar, vemos que os crentes do NT ficavam
doentes e muitas vezes não foram curados como foi o caso de Timóteo com seu problema de
estômago (1Tm 5.23), de Trófimo (2Tm 4.20) e do próprio Paulo (2Co 12.7-9). Além disso, a
obra da redenção ainda não está concluída. Cristo, sem dúvida alguma, venceu a morte; mas
que cristão crê que não morrerá? Cristo venceu o pecado; mas nós sofremos tentações e
lutamos contra a carne. Do mesmo modo Cristo venceu as enfermidades, mas isso não
significa que não vamos adoecer. O pleno usufruir de todas as bênçãos da redenção só será
possível depois da ressurreição, na vida eterna. Quem quer antecipar essa realidade, está
equivocado. Podemos pedir que Deus nos cure e nos restaure a saúde, pois ele é poderoso
para fazê-lo, mas não podemos exigir isso.
2. A Batalha Espiritual e os Demônios
A ênfase nos demônios é muito grande. Há grupos que estabelecem uma longa lista de
determinados demônios relacionados a certos problemas específicos: demônio da bebida, do
machismo, da pobreza, etc.
Ninguém pode negar a existência de espíritos maus. É uma realidade afirmada pelo
Novo Testamento, e confirmada pela experiência do cotidiano. O grande problema é entender
que tudo é demoníaco e criar estratégias místicas para combater os espíritos maus. Nesse
contexto de “batalha espiritual” o novo movimento apresenta atitude intrigante. Reage de
maneira forte e agressiva contra o catolicismo e os cultos afro-brasileiros, mas ao mesmo
tempo se apropriam dos elementos mágicos tanto do catolicismo como da umbanda. As
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práticas já iniciadas pela onda de cura divina dos anos 50 ganham força e se multiplicam com
os novos grupos. Assim, a fogueira santa de Israel, o sal ungido, o óleo santo, a noite da mesa
branca, a fita de Jesus, etc. funcionam como relíquias mágicas que servem para fazer as coisas
funcionarem no mundo espiritual. Essa magia aproxima-se do paganismo, numa tentativa de
manipulação da divindade por meio de práticas que permitam a libertação de forças
espirituais.
Todos nós temos problemas físicos, e deles sofremos até por razões genéticas. Existe
tendência à depressão, ao diabetes, etc. Isso não é causado por demônios. Há também
problemas psicológicos. Há quem tenha sofrido traumas na infância, sofra complexos e
dificuldades que precisam ser tratadas com sabedoria, afeto e ajuda espiritual. Isso quer dizer
que a causa imediata de muitos dos nossos problemas não é um espírito mau. A verdade é que
muito do nosso sofrimento procede de erros, pecados e atitudes impensadas, cujos resultados
colhemos agora. É muito fácil colocar toda a culpa no diabo. É muito cômodo afirmar que não
fomos nós que erramos, e sim um demônio. Quando Paulo trata dos problemas das igrejas do
Novo Testamento, ele o faz apelando à capacidade de compreensão dos princípios de Deus e
possibilidade de obedecer-lhes. Timóteo não tinha um demônio no estômago, os coríntios não
estavam possessos, Pedro tornou-se repreensível por agir deliberadamente de modo incorreto
e não por estar dominado por espíritos maus. Não se pode dizer que tudo é problema
espiritual. Ouvimos falar de espíritos territoriais, de pessoas amaldiçoadas, dominadas por
demônios por gerações (mesmo sendo crentes!), mas nada há no Novo Testamento que ensine
isso. Paulo nunca quebrou maldição de ninguém, apesar de ter evangelizado pagãos ímpios,
nunca passeou em volta de Éfeso nem Corinto para "libertar" a cidade dos espíritos
territoriais.
Cada problema merece o tratamento certo. Se há possessão, oremos. Se há doença,
vamos tratá-la com remédios e orar. Se há pecado, deve haver confissão e ao arrependimento.
Se há problemas psicológicos, vamos tratá-lo com nossos conhecimentos, com a ajuda de um
bom conselheiro.
3. A Interpretação das Escrituras
A. O Uso Mágico da Bíblia. Muitos grupos hoje têm incentivado um uso mágico das
Escrituras. A Bíblia funciona como uma espécie de amuleto. Basta a presença do
livro sagrado para assustar os demônios. Quantas residências possuem Bíblias
abertas em determinados trechos para deixar a casa livre da atuação maligna. Uma
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das passagens preferidas para essa prática é a do Salmo 91, o qual, ironicamente foi
usado por Satanás para tentar a Jesus! Isso não tem fundamento bíblico. Deus quer
que leiamos e estudemos a Bíblia, para que aprendamos seus princípios e os
coloquemos em prática em nossas vidas. As Escrituras não são um amuleto. Aqui
encaixa-se também a confissão positiva. É a ideia de que não se deve mais orar,
pedindo a Deus que nos abençoe. Essa é uma oração sem fé. Deve-se tomar posse
da bênção, declarando que já a obteve. Prega-se uma ousadia diante de Deus, para
que alcance o que se deseja. Assim, quando o fiel declara que recebeu o que Deus
prometeu, com toda a certeza, ele o receberá. É quase uma formulação mágica do
tipo “abracadabra”.
B. O Uso literalista. Não é difícil perceber que não é possível colocar em prática um
versículo bíblico isolado. Se não avaliarmos o contexto, a época em que foi escrito,
a motivação do autor e os aspectos literários vamos cometer erros graves, mesmo
sendo sinceros. Se fizemos com certos textos o que alguns grupos fazem com outros
a igreja será uma loucura. As mulheres não poderiam falar na igreja, poderíamos
manter escravos, viver em poligamia, exaltar a vingança e até esperar mensagens
divinas de uma jumenta! Muito do que parece bíblico, na verdade não faz sentido,
é fruto de ignorância e contradiz princípios bíblicos inquestionáveis.
C. A Preponderância do Antigo Testamento. As igrejas neopentecostais mostram
predileção por textos do AT. E a maioria das pregações é baseada em textos
narrativos. Haverá algum problema nisso? Sim! Precisamos reconhecer que a
Bíblia é uma revelação crescente, que se desenvolve progressivamente. Por isso,
vários textos do AT são ultrapassados, isto é, não servem como referencial de nossa
prática cristã. Não podemos praticar poligamia, não devemos entender que bens,
riquezas e gordura representam a bênção de Deus, não devemos matar nossos
inimigos. Muito da música composta em alguns desses grupos enfatizam guerra,
vingança, adorar a Deus no monte ou no templo, práticas ultrapassadas, conforme
o Novo Testamento. Há até quem esteja vivendo um judaísmo mal-entendido!
D. O Uso Alegórico do Texto. Ainda que seja contraditório, vários grupos praticam o
literalismo e o alegorismo ao mesmo tempo. Na verdade, o que controla a leitura
de alguns textos é o intérprete, que defende algumas ideias, mas que não se
preocupa com coerência. A alegoria é a espiritualização de certos textos. Em vez de
entendê-los com base numa boa hermenêutica, procurando o sentido pretendido
pelo autor, o texto é lido "figuradamente". As voltas de Josué em torno de Jericó
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servem de base para que a conquista espiritual das cidades de hoje. As cinco pedras
que Davi jogou em Golias são vistas como a pedra da coragem, da fé, do destemor,
etc.
TODO PRETENSO MILAGRE OU CURA SÃO GENUÍNOS?
Como vimos, a Bíblia fala em milagres de Deus. Cremos no poder de Deus e que ele
não só pode fazer como tem feito e faz milagres em muitas vidas ainda hoje. Todavia, nem
tudo aquilo que se apresenta como milagroso vem necessariamente de Deus. Daquilo que
normalmente é chamado de milagre podemos apontar três origens:
a) divina.
b) humana.
c) diabólica.
Portanto não devemos crer apressadamente em qualquer "milagre", sem antes
examiná-lo. Pouco precisa ser dito sobre o poder diabólico de realizar sinais. Bastam lembrar
de alguns exemplos bíblicos: os magos do Egito, a advertência de Deuteronômio 13.1-5, a
adivinhação da escrava de Filipos (At 16), o poder de Satanás de disfarçar-se em anjo de luz
(2 Co 11.14) e o poder da Besta que faz descer fogo do céu (Ap 13.13). Essas são evidências
suficientes do poder diabólico de operar milagres. Por essa razão, a advertência de Jesus aos
cristãos para não seguirem falsos profetas volta-se exatamente para o aspecto milagroso:
“Hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes sinais e
prodígios; de modo que, se possível que, se possível fora, enganariam até os
escolhidos”. (Mt 24.24).
Muitas seitas religiosas baseiam sua autoridade em manifestações “milagrosas”. A
verdade é que há seitas que inicialmente eram uma simples denominação, mas que acabaram
se tornando uma seita. Esse foi o caso da Igreja Apostólica, que depois de certo tempo passou
a ensinar que o Espírito Santo era a Santa Vó Rosa, mulher que, conforme alguns, curava
muitas pessoas. Isso quer dizer que algumas igrejas se tornaram heréticas e continuam
manifestando milagres que não são de Deus “em nome” de seus profetas. Portanto, é preciso
que fique bem claro que milagres não são sinais de autenticidade cristã. Pelo contrário, muitos
milagres através da história, passando pela Idade Média e pelos nossos dias, não se encaixam
com o padrão bíblico mínimo de doutrina cristã.
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AVALIANDO AS CURAS
Uma análise mais aprofundada de supostas curas irá mostrar que a muitas delas não
parecem ser algo divino nem diabólico. Como podemos chegar a tal conclusão? Vejamos
algumas características encontráveis muitas "curas" praticadas em certos ambientes:
1. Falso Diagnóstico: A pessoa não está doente. É o caso de gente “revelada e curada de
câncer" sem saber que tem a doença. Muitas pessoas ingênuas recebem "curas" de
males que nunca tiveram.
2. Curas de Sintomas Psicossomáticos: Muitas curas são alívio de “dores” de cabeça, nas
costas, no corpo, etc. Os “curados” sentem-se aliviados de uma dor, que não possuem
de fato origem física. A cura não passa de um efeito placebo. Num contexto de muito
emocionalismo sentem uma "melhora". Ao contrário dos milagres contundentes da
Bíblia (ressurreição de mortos, cura de cegos de nascença, de paralíticos, etc.).
3. Curas Momentâneas: Há pessoas doentes, que se sentem "melhor", e se dizem curadas.
Várias pessoas "curadas" morrem logo depois. Alguns até negligenciam medicamentos
e acabam piorando de saúde. Sempre que alguém declarar-se curado de um mal grave
e constatado, é preciso aguardar um certo tempo, para confirmar se ela de fato
aconteceu.
4. Curas Naturais: Há pessoas que estão temporariamente doentes, sofrendo de males
que saram naturalmente com a própria reação do organismo. Há muitos testemunhos
sobre crianças que foram curadas "milagrosamente" de doenças comuns na infância,
as quais na verdade desaparecem com o decorrer da idade. Muitas das "curas"
ocorreram naturalmente, mas são atribuídas ao "poder" de certa oração.
5. O Ambiente da Cura: Muitas "curas" acontecem com hora marcada. É necessário que
o líder esteja presente e realize os milagres. Os cultos são muito emotivos, muito
demorados e que os milagres acontecem invariavelmente no final. A pergunta que
precisa ser levantada é: "A estrutura dos cultos, aliada à estrutura eletrônica
(instrumentos, som alto, etc.) não são fatores que podem induzir pessoas a se acharem
curadas momentaneamente? Existe paralelo bíblico disso? Muitas são as curas bíblicas
realizadas na quietude e no contato pessoal e individual (não de massa).
6. A Segurança dos “Pregadores de Cura”: Diante de tanta propaganda de curas, esperase que todos sejam "bem atendidos". Como fica a situação dos que não são curados?
Muitos pregadores de cura não prestam conta de suas promessas. O que afirmam
garante-lhes plena segurança: quando alguém não é curado é porque está em pecado
ou porque não tem fé. Assim, além de enferma, a pessoa ainda sai deprimida, pensando
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que a culpa de permanecer doente é unicamente dela, devido à incredulidade. É muito
fácil perceber que com uma postura dessas, o pregador de cura nunca se responsabiliza
por nenhuma "falha". No final das contas, o culpado é sempre o doente.
Apesar dessa avaliação crítica, quero reiterar que Deus cura. Não duvido de que alguns
casos de cura são de fato verídicos, inclusive em ambientes controversos. Pessoas sinceras,
com fé, são, algumas vezes, curadas. Mas, se levarmos em conta a propaganda e os diversos
fatores já alistados, o número de casos possivelmente legítimos é bem pequeno. É provável
que feitas tais considerações não aconteçam muito mais curas verdadeiras em igrejas de
“milagres” do que em outras igrejas. Conheci pastores pentecostais que possuem parentes
portadores de doenças incuráveis, e que foram obrigados a conviver com isso. Já vi casos de
membros comuns de igreja tradicionais, condenados pela medicina, que, mediante a oração
de suas igrejas, recuperaram-se maravilhosamente. Mesmo não sendo muitos, eles
acontecem, sem, receber nenhum alarde.
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