DA POSSIBILIDADE DE DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE RESULTADOS NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS. A distribuição de resultados nas sociedades anônimas geralmente dá-se pela divisão do valor apurado pelo percentual e tipo de ações que possui determinado sócio. Em conformidade com o que dispõe a legislação que rege as sociedades anônimas (Lei nº 6.404/76), a companhia tem o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Tais ações podem ser classificadas em preferenciais e ordinárias, como determina o art. 15 da LSA. As ações ordinárias são aquelas cuja criação é obrigatória, conferindo uma série de direitos aos seus titulares, tais como direito a voto, bem como o de fiscalizar os negócios sociais. Nas companhias podem ser criadas ainda as ações preferenciais, as quais conferem vantagens de ordem patrimonial aos seus titulares, tais como a preferência na captação dos dividendos e a prioridade no reembolso de capital. A principal diferença, portanto, entre as ações ordinárias e preferenciais é que aquelas conferem aos acionistas direito de voto, enquanto que estas têm preferência no recebimento de certos direitos patrimoniais, como, por exemplo, a distribuição de dividendo mínimo obrigatório. Embora existam algumas diferenças entre os direitos conferidos aos acionistas em decorrência do tipo de ação de que são titulares, em qualquer espécie ou classe de ação, terão eles direito de participar dos lucros proporcionalmente à sua participação no capital social. Isto porque a Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 2º, prevê que pode ser objeto da companhia qualquer atividade com fim lucrativo, desde que não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. Sendo assim, a participação nos lucros pelos acionistas está na própria essência da sociedade anônima, vez que o fundamento objetivo da lucratividade transforma-se no direito subjetivo dos acionistas de perceber os resultados anuais decorrentes da atividade empresarial exercida. Tanto é verdade que a LSA, em seu artigo 109, prevê, dentre os direitos essenciais dos acionistas, o de compartilhar dos lucros sociais, dispondo ainda que os acionistas têm os mesmos direitos que os titulares de ações da mesma classe: Direitos Essenciais Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: I – participar dos lucros sociais; (...) § 1º As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares. Diante disso, podemos inferir seguramente que não pode ser feita distinção entre os acionistas quanto aos lucros senão em razão da espécie de ação por eles detida. Note-se que o artigo acima transcrito ressalva que o direito aos lucros não pode ser elidido pelo estatuto social e muito menos por assembléia-geral; vez que nos termos da legislação societária em vigor, tal direito é inderrogável, intangível e imutável. Portanto, o direito de os acionistas participarem dos lucros sociais jamais pode ser alterado, tampouco derrogado por decisões dos controladores. Trata-se de limites impostos aos poderes destes, não elimináveis pelo estatuto e muito menos por deliberação da assembléia geral.1 Debruçando-se sobre o dispositivo legal que trata dos direitos essenciais dos acionistas, e partindo da linha de raciocínio até aqui exposta, o ilustre Modesto Carvalhosa assim consubstanciou seu arguto entendimento: Ainda que prevaleça o princípio da maioria na sociedade anônima, a vontade desta não é soberana, no sentido de que não pode modificar as regras que protegem determinados direitos dos acionistas, em geral, e dos minoritários, em especial. (...) Na sociedade anônima, os controladores estão submetidos a certas restrições legais com referência à imutabilidade de determinados direitos dos acionistas que não podem ser modificadas pela lei interna da companhia. Foge, portanto, da competência dos acionistas detentores do controle a modificação desses direitos. Compara-se à cláusula pétrea da Constituição de 1988, art. 160, § 4º. 1 CARVALHOSA. Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, volume 2, p. 287. Essa alteração, no entanto, pode ocorrer por força de outra lei ordinária. Dessa forma, a base da organização da sociedade anônima é a do governo dos controladores e da sua possibilidade de modificar o estatuto, com exceção daqueles direitos fundamentais dos acionistas assegurados por lei. Estes se alicerçam nos princípios da boa-fé e da manutenção das bases fundamentais da companhia. Esteiam-se mais na proteção dos acionistas contra a atuação arbitrária do grupo controlador, caracterizada pelo desvio e abuso do poder (art. 117). É preciso, portanto, distinguir essas duas categorias de direitos, reservando-se o nome de direitos individuais às prerrogativas que cabem aos acionistas, na sua qualidade de sócios, sem qualquer distinção quanto à sua posição eventual de controladores ou de minoritários.2 Observe-se que, no entender do referido doutrinador, a participação nos lucros proporcional à participação no capital social da companhia por ser um direito essencial é cabível a todos os acionistas, controladores ou minoritários, respeitados apenas os diferentes regimes de distribuição de dividendos previstos no estatuto para cada espécie ou classe de ações. É notório que o direito dos acionistas participarem nos lucros decorre da própria lei. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma prerrogativa legal que o acionista faz valer junto à companhia em face dos bens que compõem o patrimônio desta. Sobre o tema, cumpre-nos mais uma vez transcrever as sábias lições de Modesto Carvalhosa: O direito de participar dos lucros sociais constitui uma prerrogativa pessoal sua, decorrente da própria natureza contratual da companhia, que antecede e não se confunde com o direito de crédito que advém da decisão do órgão da administração (art. 202) e da assembléia geral de distribuí-lo. (...) A prerrogativa do acionista de participar dos lucros sociais é, portanto, sui generis. Equivale, no plano contratual, a uma declaração unilateral 2 CARVALHOSA. Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, volume 2, p. 289-290. da companhia a favor do acionista. Tem, com efeito, esse direito o caráter de um contrato unilateral. Erigido em prerrogativa individual do acionista, modificável apenas pela lei e não pelo contrato societário, trata-se de um direito certo. Para configurá-lo há que distinguir o direito que é permanente e certo do seu exercício, cuja pretensão se estabelece a cada exercício (art. 201).3 E o doutrinador acima citado prossegue, arrematando suas conclusões sobre o tema: “O direito à participação nos resultados sociais deve ser exercido conforme as regras de tratamento diferenciado estabelecidas pela lei e pelo estatuto. Assim, o princípio que prevalece, na espécie, é o de igualdade de tratamento para posições jurídicas iguais. Aqui deparamos com a infindável discussão em torno da distribuição de dividendos pro rata. Funda-se o critério pro rata no princípio de que a distribuição deve ser proporcional à participação efetiva do acionista no capital social.” Diante de todo o exposto, é de se concluir que, a rigor, não pode existir previsão, nem mesmo estatutária, de participação nos lucros desproporcional à participação do acionista no capital social da companhia. O que pode haver, exclusivamente, é a previsão de algumas vantagens, admitidas em lei, variáveis de acordo com a espécie ou classe de ações pertencente a cada um dos acionistas. CONCLUSÃO Por todo o exposto, concluímos que: nas sociedades anônimas é vedada por lei a destinação de lucros desproporcionalmente à participação dos acionistas no capital social. Pode haver apenas a previsão de algumas vantagens, admitidas em lei, variáveis de acordo com a espécie ou classe de ações pertencente a cada um dos acionistas; Bibliografia: 3 CARVALHOSA. Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, volume 2, p. 296-297. Modesto Carvalhosa, Comentários a Lei da Sociedades Anônimas Vol. 2, Editora Saraiva, São Paulo, 1997. Arnold Wald, Comentários ao Novo Código Civil Livro II – Do Direito de Empresa, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2005