e sua possível influência no impeachment de 1992 - FAU

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Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
aup 270 - A Formação do Espaço Nacional
2009
O Plano Col or
e sua possível influência no impeachment de 1992
Paula Custódio de Oliveira
Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
aup 270 - A Formação do Espaço Nacional
Redemocratização e euforia
Em janeiro de 1985, Tancredo Neves é eleito presidente da República, acabando
com a ditadura militar no país. Tragicamente, Tancredo morre antes de tomar posse e
cabe a José Sarney, seu vice, assumir o cargo sobre forte suspeita se seu futuro governo
seria mesmo a reabertura política do país, já que Sarney fazia parte de uma dissidência
da Aliança Renovadora Nacional, o partido dos militares. Entretanto, o governo Sarney
de fato redemocratiza o país: em 1986, acontecem eleições para formar a Assembléia
Nacional Constituinte, que promulgou uma nova constituição em 1988. A Constituição
determinava a realização de eleições diretas para presidente, governador, senadores e
deputados no ano seguinte. Durante o governo Sarney, partidos até então clandestinos
como o PSB e o PCdoB foram legalizados.
Desde modo, as eleições de 1989, foram as primeiras diretas desde 1960, com
grande participação e entusiasmo da população. Existia no ar uma intenção de
renovação, de mudanças que deveria ser atendia pelo presidente eleito. A eleição foi a
segundo turno, disputado pela direita com Fernando Collor de Mello e pela esquerda
com Luís Inácio Lula da Silva.
De Prefeito à Presidente
Fernando Collor de Mello iniciou sua carreira política na ARENA e se tornou
prefeito de Maceió em 1979, renunciando ao cargo em 1982, para tomar posse como
deputado federal pelo PDS.
Filiado ao PMDB, foi eleito em 1986, governador de Alagoas. Foi durante essa
gestão que Collor ficou conhecido como "Caçador de Marajás", já que estabeleceu um
estratégico combate a alguns funcionários públicos que recebiam salários altos e
desproporcionais. Visando as próximas eleições presidenciais, a fama do governador foi
espalhada por todo o país, especialmente quando anunciou a cobrança de 140 milhões
de dólares dos usineiros do estado para com o Banco do Estado de Alagoas, o que
repercutiu de forma positiva diante da opinião pública. Já fora do PMDB, afiliou-se ao
PRN e por ele concorreu, em 1989, à Presidência da República.
Collor teve um apoio fenonemal das camadas altas da sociedade, sendo o
melhor exemplo, aqui citado, a figura do empresário já falecido Roberto Marinho.
Marinho, queria evitar a qualquer custo a vitória da esquerda e, desse modo, acabou
por apoiar o candidato de direita Fernando Collor. Esse apoio teve grande influência
para sua ascensão à presidência, já que a Rede Globo, a qual Marinho era dono,
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formadora de opinião, era claramente a favor do candidato do PRN, desfavorecendo,
durante o segundo turno, o quanto possível - e às vezes até mais do que isso - o
canditado do PT, Luís Inácio Lula da Silva. A esquerda com forte discurso socialista,
apoiada por movimentos sociais organizados, pelo MST e pelos sindicatos se via cada
dia mais enfraquecida, com escândalos de cunho pessoal envolvendo o candidato Lula e
mais fortemente com a queda do Muro de Berlim em novembro de 1989, fato decisivo
para a sociedade brasileira tomar a decisão de que não era esse o governo que queria
para si. Assim, em dezembro de 1989, Fernando Collor é eleito o 32o presidente do
Brasil, com uma vitória apertada sobre seu adversário (53,03% sobre 43,97%, fonte:
TSE).
Plano Collor, o confisco e o processo de impeachment
O Brasil, a partir de 1990, se encontrava em vias de uma hiperinflação derivada
da dívida externa acumulada durante os anos 70, do choque externo de 1979
envolvendo preço do petróleo e a taxa de juros e da suspensão dos investimentos
externos a partir de 1982. As diversas tentativas de controle da inflação no governo
Sarney (1985 - 1990) se apresentaram ineficientes, sendo o Plano Verão, de janeiro de
1989, a sua última tentativa fracassada. O governo atual, tendo já esgotado sua
capacidade de elaboração de planos anti-inflação, fez com que as atenções se voltassem
para o governo seguinte, a ser eleito em dezembro de 1989 e as políticas a serem
adotadas por este.
O debate sobre o que deveria ser feito para o controle da inflação cada dia mais
alta era desenvolvido de forma geral, não sendo exclusivo de nenhum partido ou
filiação. No período de eleições, esse debate foi amplo e visava propostas efetivas a
serem implantadas pelo presidente eleito, sendo ele quem fosse. Caracterizava-se como
um debate acadêmico.
O novo governo, com Fernando Collor de Mello eleito, estava encarregado de
desenvolver um plano de estabilização da economia brasileira, tendo como meta
principal o controle efetivo da inflação. Nasce assim, após muito debate entre os
assessores do presidente-eleito (entre eles, a futura Ministra da Fazenda Zélia Cardoso
de Mello), o Plano Brasil Novo.
Adotado em seu primeiro dia de mandato (16 de março de 1990), o Plano Brasil
Novo, ou como ficou conhecido, Plano Collor, incluía medidas de médio prazo como
liberação do comércio exterior e privatização das empresas nacionais, além de quatro
medidas de curto prazo:
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1. Reforma monetária, incluindo o bloqueio dos ativos financeiros do setor
privado;
2. Ajuste fiscal;
3. Política de rendas baseada em um novo congelamento de preços;
4. Introdução de uma taxa de câmbio flutuante.
Dentre todas as medidas adotadas, o bloqueio de liquidez - ou mais
popularmente conhecido como confisco - foi a medida que mais repercutiu. Muitas
vezes o plano inteiro é associado somente ao bloqueio dos ativos financeiros, tamanho
impacto que causou na sociedade.
Durante a campanha, Collor chegou a repudiar o uso do bloqueio e a acusar seu
adversário, Lula, de planejar o uso desse artifício, se eleito. Provavelmente, isso lhe
rendeu mais votos, porém não é tão simples afirmar que foi uma manobra de
campanha, de modo que á aquela altura é plausível que Collor não pretendesse mesmo
utilizar-se do bloqueio em seu futuro plano estabilizador. Somente através do
constante debate em sua equipe e da falta de outras políticas viáveis de estabilização da
economia, que se considerou a adoção do bloqueio ao Plano, em meados de dezembro.
Ou seja, Collor pode ser considerado hipócrita por fazer uso, no governo,
daquilo que, em campanha, repudiava, mas se deve ter cuidado ao considerá-lo
manipulador da opinião pública, levando em consideração que as decisões relativas ao
bloqueio de liquidez foram tomadas nas vésperas das eleições e durante os primeiros
meses antes da posse.
A decisão pela adoção do bloqueio baseou-se na experiência, que mostra que
medidas graduais de estabilização em casos de inflação crônica que atinge níveis
elevados são ineficazes e somente tratamentos de choques, como o bloqueio da
liquidez, conseguiriam o efeito desejado. Acreditava-se que o bloqueio acabaria com a
inflação, já que impediria o uso do dinheiro aplicado, diminuindo a procura, na
tentativa de igualá-la com a oferta da produção do país (cenário ideal). Neste cenário
ideal, a inflação se estabilizaria. Obviamente, após a devolução dos recursos
confiscados, (feita após dezoito meses em doze parcelas, com 6% de juros ao ano)
ocorreria uma série de problemas, entre eles, a monetarização acelerada e um possível
crescimento exagerado da demanda agregada que deveriam ser controlados, em teoria,
por taxação de juros e/ou controle de expansão do crédito. O uso da moeda indexada
também se faria viável à medida que controlaria o poder de compra da população. Após
90 dias da implantação do Plano Brasil Novo, não aconteceu o que as cabeças por trás
do plano esperavam: a inflação havia voltado e com ela trouxe um período de recessão.
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O bloqueio de liquidez produzido pelo Plano Collor impossibilitou a todos a
utilização de seus recursos financeiros, causando grande mal-estar na sociedade em
geral. Não houve em momento algum um sentimento único da sociedade,
demonstrando apoio ao confisco como modo de estabilizar a economia e controlar a
hiperinflação absurda em que o Brasil estava prestes a entrar. Houve sim, um repúdio
imediato à medida, devido principalmente ao modo como foi implantada, sendo
considerada uma decisão tomada por uma minoria e implantada sem muitas
explicações. As opiniões relativas à aplicação do bloqueio naquele momento e do jeito
que o fizeram são divergentes: a quem considere que não existia alternativa e a quem
considere que o bloqueio não deveria ter sido implantado naquele momento. Além do
confisco em si, o Plano Collor, segundo Csaba Deák:
"(...) leva à transformação de algumas das características seculares mais fundamentais da economia
brasileira (...). Entre as medidas concretas estão o fim do financiamento automático do déficit público pela
via da emissão de moeda, a unificação do planejamento, execução orçamentária e política monetária, a
montagem de um sistema financeiro capaz de crédito de longa maturação, e drástica redução da imunidade
fiscal -tantas condições elementares de uma estrutura de produção regulada sob a primazia do mercado.
Nesse mesmo sentido, a reforma inclui ainda a extinção (ou o anúncio de intenção para tanto) das muletas
para indústrias selecionadas (subsídios, cartéis, monopólios, nichos de proteção), assim como a montagem
de sistema de financiamento do comércio exterior (até hoje dependente de crédito de curto prazo levantado
na praça de Nova York), e mais geralmente, favorecimento do desenvolvimento do Departamento I (de
produção dos meios de produção), estímulo ao progresso técnico e correspondente elevação dos salários e
primazia do mercado interno. No todo, tal reforma, sempre se implantada, eqüivale à remoção dos entraves
auto-impostos à acumulação na economia brasileira. Por essa razão, de vez que uma tal transformação
implica na transformação da própria sociedade -que deve perder seu caráter de elite-, a 'reforma' eqüivale
também a uma revolução. Uma revolução 'por cima', oriunda que é da cúpula do poder executivo, e
deixando a questão maior escancarada: qual a sustentação -se houver- para a efetiva implantação de tal
'reforma'?"
Assim, entende-se que a "revolução" decorrente do Plano Collor implicaria na
transformação do modo de produção da sociedade de elite brasileira e não era nem um
pouco interessante a essa elite apoiar e deixar que tais transformações fossem
implantadas, ameaçando a manutenção favorável do status quo. Conclui-se, desse
modo, que, o afastamento e subseqüente impeachment de Collor só foram possíveis
com o apoio dessa elite, já que o governo não atendia aos seus interesses econômicos e
sociais. Dificilmente, se o plano fosse "pró-elite", um presidente seria derrubado
somente com o manifesto popular. Os esquemas de corrupção, oficialmente o motivo
da derrubada, tornaram-se artifícios de mobilização de massa para formação de opinião
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pública contra o governo. Afinal, corrupto por corrupto, não deveria então - só para citar
um exemplo - o presidente atual, Luís Inácio Lula da Silva, ter sofrido o mesmo processo,
decorrente do escândalo no mensalão?
Bibliografia
DEÁK, Csaba. A Acumulação entravada no Brasil/ E a crise dos Anos 80,
Espaço & Debates 32, pp. 32-46,1991.
CARVALHO, Carlos Eduardo. As origens e a gênese do Plano Collor, Revista Nova
Economia, no 16 (1), Belo Horizonte, pp.101- 134, 2006
BRÉSSER- PEREIRA, Luís Carlos e NAKANO, Yoshiaki. Hiperinflação e estabilização
no Brasil: o primeiro Plano Collor, Revista da Economia Política, vol.11, n° 4,
pp.89-114,1991
POSSAS, Luisa de Medeiros. O governo Collor, monografia referente à disciplina
aup27O, 2008.
LIMA, Luiz Antônio de Oliveira. "Livre mercado" como pseudo-solução da crise
econômica, Gazeta Mercantil, 1988
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