Necessidade de preservação da vegetação de campos cerrados na

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A importância de preservar os remanescentes da vegetação de
campos cerrados na Cidade Universitária Armando de Salles
Oliveira
A Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, sede da
Universidade de São Paulo (USP) conserva ainda uma relíquia histórica
e ambiental na cidade de São Paulo. No seu ponto mais alto, em volta
da caixa de água, situada entre o Instituto de Biociências e o Instituto
de Ciências Biomédicas, sobrevivem significativos remanescentes da
vegetação de campos cerrados, uma fitofisionomia nativa praticamente
desaparecida da metrópole.
A literatura e iconografia registram desde o século XVI a
importância dos campos cerrados na paisagem paulistana:
“...em Piratininga, que fica no interior das terras, a 30 milhas do mar, e
é ornada de campos espaçosos e abertos...” Pe. Joseph de Anchieta –
1560.
“...Piratininga... é terra de grandes campos... e campinas... que é
formosura de ver.” Pe. Fernão Cardim – 1585.
Essas formações foram tão comuns na incipiente São Paulo a
ponto de nomeá-la “Campos de Piratininga”. E as plantas nativas dessa
vegetação batizaram também localidades, como o atual cemitério do
Araçá (antigo caminho do Araçá no século XVIII e XIX), referente a
antiga abundância de araçá-do-campo (Psidium guineense) e o juqueri
(Mimosa sp.) que nomeou uma região próxima.
Anchieta, fundador da cidade, fazia alpargatas a partir de
vegetais dos campos como a língua-de-tucano (Eryngium horridum):
“As alpargatas eram feitas de certos cardos ou caragoatás bravos que
os jesuítas traziam dos campos e lançavam na água por 15 ou 20 dias
até que apodreciam. Tiravam depois estirgas grandes como linho... e
delas faziam as ditas alpargatas.” (1554).
Bairros como o Ipiranga, Santana, Aeroporto, Campo Belo, Vila
Mariana, Jardins e Butantã eram algumas das áreas onde essa
vegetação ocorria. Botânicos como Alfred Usteri (1911) e Aylthon Joly
(1950) estudaram esses campos. Este último fez sua pesquisa de
doutorado no terreno da futura Cidade Universitária da USP, intitulado
“Estudo fitogeográfico dos campos do Butantã”.
Com a urbanização intensa do último século os campos cerrados
foram os primeiros a serem ocupados e destruídos, tanto pela facilidade
de remoção quanto pela aparente pouca beleza em comparação a
pujante Floresta Atlântica.
De uma vegetação que já dominou a região de São Paulo, quase
nada sobrou no século XXI. Restaram na cidade somente duas
pequenas áreas próximas – a Reserva Alfred Usteri (preservada no
começo deste ano), no Jaguaré, e o terreno de entorno da caixa de
água da Cidade Universitária da USP no Butantã, ainda desprotegido
pela legislação e vulnerável. Ambas as áreas estão distante por apenas
alguns quilômetros em linha reta, e podem no futuro formar corredor
ecológico fortalecendo as reservas.
Língua-de-tucano, araçá-do-campo, murici, juqueri, pau-santo,
ipê amarelo do cerrado e guabiroba são exemplos das espécies que
ainda existem na área da Universidade. Formam populações detentoras
de genética resultante da interação milenar com as condições de clima,
solo e fauna paulistana, e representam os poucos sobreviventes de
uma comunidade que já cobriu o terreno original da metrópole.
Com o avanço da área urbanizada, os fatores que contribuíam
para a perpetuação dos campos cerrados desapareceram, o que
intensificou as ameaças para a sustentabilidade natural da vegetação.
Vários são os problemas atuais: invasão de espécies vegetais de outras
formações, substituição da vegetação nativa, sombreamento excessivo,
pequena extensão protegida, desconectividade entre fragmentos e
perda de biodiversidade e genética.
Se os campos cerrados remanescentes no entorno da caixa de
água na USP desaparecerem, perderemos para sempre a genética
nativa desses exemplares, e não menos importante, parte da história e
biodiversidade paulistana. Também eliminará a possibilidade de
reproduzirmos essas plantas e propagá-las em outras áreas verdes na
cidade de São Paulo.
Entretanto, com a criação de uma reserva no local, a USP
ganhará um “museu vivo” de grande visibilidade e importância, uma
área para educação ambiental, pesquisa e referência em São Paulo,
que agregará valor a Universidade e será exemplo de sustentabilidade.
Um patrimônio de valor inestimável para essa e as futuras gerações.
São Paulo, 21 de outubro de 2010.
Ricardo Henrique Cardim
Mestrando – Lab. Anatomia Vegetal – IB-USP
Ilustrações
Campos cerrados na região do Ipiranga e Cambuci em 1814, por Miguel
Dutra.
Campos cerrados na região de Santana, por Usteri em 1911.
Campos cerrados no terreno original da Cidade
Universitária da USP nos anos 1940, por Joly.
Vistas dos campos cerrados remanescentes no entorno da caixa de água – 2010.
Distância entre os dois únicos fragmentos de campos cerrados na cidade de São
Paulo – 2010. Google Earth.
Algumas espécies presentes no remanescente na Cidade Universitária - USP
Língua-de-tucano (Eryngium horridum) em três tempos na cidade de São Paulo – da esquerda para a
direita – região de Santana 1911, futura Cidade Universitária USP em 1948 e Cidade Universitária USP
2010.
Araçá-do-campo
Psidium
guineens.
juqueri
Mimosa sp.
Ipê-amarelo-docerrado
Handroanthus
ochraceus
guabiroba
Campomanesia
sp.
Murici-docampo
Byrsonima
intermedia
orquídea
terrestre
Oeceoclades
maculata
capim barba-debode
Aristida sp.
Orelha-de-onçado-cerrado
Miconia sp.
caroba-do-campo
Jacaranda caroba
Ameaças a sustentabilidade do fragmento USP
lixo e entulho
espalhados entre a
vegetação.
língua-de-tucano
definhando por
excesso de sombra
causada por invasoras.
invasão agressiva de
espécies exóticas como
Agave sp.
murici cortado por
facão para abertura de
“trilhas”
língua-de-tucano cortada
por facão.
capim barba-de-bode
desaparecendo devido
a sombra de invasoras.
murici desaparecendo
devido a sombra de
invasoras
planta exótica
competindo com a
língua-de-tucano.
araçá-do-campo
desaparecendo devido a
sombra de invasoras
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