TRATADO SOBRE CERRADOS [29] PREÂMBULO 1. O domínio dos cerrados, que corresponde a 25% do território do Brasil, situa-se principalmente nos planaltos centrais do país, abrangendo, total ou parcialmente, os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Distrito Federal, Maranhão, Piauí, São Paulo e Roraima, além de certas áreas do Nordeste. Enquadra-se na categoria internacional de savanas e, fisionomicamente, possui grande semelhança com formações desse tipo encontradas em outras regiões do mundo. 2. Os chapadões centrais ocupados pelo cerrado constituem a cumeeira do Brasil e da América do Sul, pois distribuem significativa quantidade da água que alimenta as bacias hidrográficas do continente. Dessa forma, exercem um papel fundamental para a manutenção e equilíbrio dos demais biomas, de tal sorte que o seu comprometimento poderá redundar em profundas alterações para os ecossistemas da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica, da Caatinga e da Mata Araucária. Algumas conseqüências disso já podem ser observadas, mas, provavelmente, ainda surgirão outras, que hoje desconhecemos totalmente. 3. Além desse aspecto, há ainda a considerar a enorme biodiversidade dos cerrados que em relação a alguns grupos taxonômicos, é até maior que o da Amazônia. 4. O cerrado serviu como local de assentamento de povos primitivos, contandose registros de 15.000 anos ou mais, e depois sofreu um processo de colonização que conseguiu, em muitos casos, estabelecer relações de produção relativamente adaptadas às condições ambientais. No entanto, especialmente a partir da década de 1960, passou a sofrer um processo de ocupação intensa, privilegiando o sistema de grandes propriedades, para a produção pecuária e, mais recentemente, para a produção de culturas de exportação e reflorestamento monocultural. DIAGNÓSTICO 1. A forma atual de ocupação dos cerrados, realizada sem qualquer consulta ou participação da sociedade no processo, é uma face do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil nas últimas décadas. Assenta-se no financiamento subsidiado e incentivos fiscais, na concentração fundiária, na utilização de pacotes tecnológicos, na implantação de infra-estrutura subsidiando o capital e na expulsão das populações rurais pela desestruturação de suas formas de produção. 2. O ecossistema do cerrado, visto como local adequado para a expansão das atividades de exploração agropecuária e florestal vem sendo agredido e já destruído em cerca de 75% de sua extensão, principalmente através de: q q q q desmatamento indiscriminado de sua vegetação e implantação de maciços homogêneos de eucalipto para produção de carvão, a fim de abastecer indústrias siderúrgicas que produzem ferro guza, exportado principalmente para o Japão, e de celulose; implantação de grandes extensões de pastagens homogêneas e monoculturas de exprotação consumidoras de todo pacote tecnológico industrial: corretivos de solo, fertilizantes químicos, herbicidas, pesticidas e maquinaria pesada; instalação de grandes projetos de irrigação com uso intenso e indiscriminado dos recursos hídricos e de energia; instalação de grandes barragens ao longo dos principais cursos d’água, para fins de geração de energia elétrica. 3. Todas essas ações vêm provocando uma série de impactos ambientais e sociais, destacando-se entre eles: q q q q q q a redução drástica da enorme e ainda desconhecida biodiversidade existente nos cerrados; a degradação dos solos devido principalmente ao uso de maquinaria pesada e produtos químicos que deflagram e aceleram um processo de erosão e esterilização; a poluição e contaminação não só dos solos, mas também da água e, consequentemente de todos os animais (inclusive o homem) que dela se servem; assoreamento e diminuição dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos em função de todas as formas de desmatamento do cerrado, que devido à sua característica de baixo consumo de água e capacidade de infiltração de seus solos, funciona como uma “esponja” captadora e armazenadora de água. Em consequência é diminuída também a sua grande capacidade de dispersor de águas; intensificação do processo de concentração fundiária com expulsão, migração e empobrecimento dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais, gerando novos e insolúveis problemas nos médios e grandes centros urbanos; desagregação das comunidades locais em seus valores culturais, usos, costumes e simbologia. PLANO DE AÇÃO Diante de todo este quadro nos propomos a: 1. Desenvolver gestões para a participação das populações locais no planejamento e no estabelecimento da política de desenvolvimento. 2. Criar uma rede de ação permanente das ONGs e movimentos sociais das áreas dos cerrados visando uma ação conjunta para a sua defesa e troca de informações. 3. Lutar pela integração das sociedades de todos os países onde ocorrem ecossistemas de cerrados e savanas, para que se amplie o conhecimento e se adotem ações de planejamento, de preservação e de desenvolvimento sustentado e de educação ambiental. 4. Trabalhar na mudança da visão cultural institucionalizada de que os cerrados não oferecem recursos para a sobrevivência da humanidade. 5. Propugnar pela realização de estudos para identificar as áreas nativas remanescentes de cerrados com objetivo de criar novas unidades de conservação de uso restritivo e de reservas extrativistas e de manejo sustentado. 6. Incentivar ações que visem a implantação paulatina do desenvolvimento sustentável nas áreas dos cerrados, priorizando a pequena e média produções. 7. Lutar pela demarcação e defesa da terra dos grupos indígenas, como base indispensável à existência, reconhecimento, defesa, promoção e bem estar de suas sociedades e de suas culturas. 8. Lutar pela implantação de uma redistribuição de terra e uma política agrícola voltada para o pequeno produtor rural. 9. Criar mecanismos de aproximação permanente com o parlamente brasileiro. 10. Pressionar para que o bioma dos cerrados seja reconhecido na Constituição brasileira como patrimônio nacional, no mesmo status da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica e da Zona Costeira. 11. Lutar pelo estabelecimento e incremento de programas de reflorestamento com espécies nativas em áreas degradadas e de importância para preservação e recuperação dos recursos hídricos. 12. Pressionar para reorientação dos financiamento internacionais que vêm viabilizando e incentivando a implantação de projetos de ocupação predatória e elitista nos cerrados.