VI SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO DE QUALIDADE DE VIDA URBANA V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS URBANOS 10 a 14 de outubro de 2006 - Belo Horizonte - Brasil _________________________________________________ VISUALIZAÇÃO CARTOGRÁFICA DOS MAPAS DE MINAS GERAIS DOS SETECENTOS E OITOCENTOS: EM DESTAQUE AS BASES URBANAS Prof. Dr. José Flávio Morais Castro (Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial, PUC/Minas – [email protected]) Profa. Dra. Márcia Maria Duarte dos Santos (Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial, PUC/Minas; Centro de Referência em Cartografia Histórica, IGC/MHNJB/UFMG – [email protected]) Prof. Dr. Antônio Gilberto Costa (Dep. de Geologia, IGC/UFMG; Centro de Referência em Cartografia Histórica, IGC/MHNJB/UFMG – [email protected]) Prof. Dr. Paulo Márcio Leal Menezes (Dep. de Geografia da UFRJ, Vice-Presidente Executivo da Sociedade Brasileira de Cartografia – [email protected]) Tem sido crescente o interesse da comunidade científica pelos estudos de mapas históricos. O valor atribuído a esses mapas pode ser relacionado ao seu significado documental - de uma época, de um espaço, de uma economia, etc. Nessa perspectiva, os mapas correspondem a bens patrimoniais de uma cultura ou de uma formação sócio-econômica-espacial, inscrita temporalmente, que devem ser preservados, podem ser apreciados e, sobretudo, consultados como fontes primárias. Não obstante o interesse a propósito do potencial informativo desses documentos, a leitura de mapas históricos deve ser mediada pelo conhecimento dos sistemas semiológicos e procedimentos técnicos, concernentes aos paradigmas cartográficos, lingüísticos e artísticos que se filiam. Esse conhecimento nem sempre está ao alcance dos estudiosos interessados nessas fontes e, principalmente, do público interessado em conhecê-los ou apreciá-los, em razão de sua dimensão cultural ou artística. Além disso, o estado de conservação de muitos desses documentos, tendo em vista a qualidade ou a composição do material usado na sua elaboração, bem como as condições em que se encontram ou foram preservados, que contribuem para danificá-los ou alterar sua cor, podem tornar, tanto a manipulação como a leitura, muito difícil, às vezes, quase impossível. Observando-se essas dificuldades e a experiência com as exposições de documentação cartográfica, que têm sido organizadas pelo Centro de Referência em Cartografia Histórica, do Instituto de Geociências-IGC e Museu de História Natural e Jardim Botânico-MHNJB, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, considerou-se oportuno realizar estudos a propósito da organização de croquis interpretativos de mapas do período colonial, enfocando a representação da capitania de Minas Gerais e utilizando recursos da comunicação cartográfica e da cartografia digital. Visando facilitar a leitura desses documentos históricos, que na maioria das vezes apresentam paleografia de difícil leitura, são elaborados croquis interpretativos do mapa original por meio de mapa exaustivo, coleção de mapas e mapa de topônimos atuais. O empreendimento desses estudos têm se limitado, inicialmente, a dois mapas: um, de autoria conhecida, e, outro, anônimo, com título homônimo ao anterior, embora grafado diferentemente, por ser, provavelmente, uma cópia. Esses mapas são o Mapa da Capitania de Minas Geraes com a deviza de suas comarcas, de José Joaquim da Rocha, elaborado em 1778, cujo original se encontra no Arquivo Histórico do Exército-AHEx, RJ, e o Mappa da Capitania de Minas Geraes com a deviza de suas Comarcas, pertencente aos arquivos da Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Um dos grandes desafios desses estudos é o de identificar a informação geográfica e tratá-la adequadamente, uma vez que a leitura de fontes históricas com o olhar de hoje é um exercício bastante complexo, pois remetem à contextos e à realidades distintas. É importante superar tais obstáculos, pois a riqueza das informações presentes nos mapas históricos é muito grande e necessita de ser pesquisada. 2 A literatura demonstra que pouco se pesquisou, por exemplo, sobre a evolução da rede viária, entendida aqui como trilhas, caminhos, estradas, etc. O estudo desta temática e da sua reconstituição temporal poderá oferecer importantes subsídios para pesquisadores ligados, por exemplo, à Geografia Humana (em suas vertentes históricas, urbanas, demográficas, entre outras) e à Geografia Regional. A organização regional e a estrutura da rede urbana que se iniciou no período colonial estão intimamente ligadas às rotas utilizadas por Bandeirantes, ao escoamento da produção das lavras das minas, à determinação dos limites administrativos de capitanias e comarcas e à evolução dos povoados. Em suma, os mapas dos itinerários podem ser importantes fontes de análise da organização espacial. METODOLOGIA Existe a necessidade de preservação e recuperação deste importante patrimônio cartográfico, geográfico, histórico e cultural por meio de recursos digitais, em especial, o geoprocessamento. Os mapas antigos têm sido catalogados e digitalizados por meio de softwares específicos para multimídia e disponibilizados na internet, como é o caso, por exemplo, dos trabalhos desenvolvidos no Arquivo Virtual de Cartografia Urbana Portuguesa – ISCTE (TEIXEIRA, 2002), no Projeto Resgate do Ministério da Cultura (Minc) e na Fundação Biblioteca Nacional. O geoprocessamento permite acesso rápido e interativo à informação tanto por parte de pesquisadores quanto da sociedade em geral, além de se tornar um poderoso instrumento didático-pedagógico e uma importante fonte de informações temporais e espaciais. A metodologia de análise de mapas históricos (Fig. 1) tem por base o georreferenciamento e o tratamento da informação espacial. Aplicando-se as teorias da Comunicação Cartográfica, da Análise Espacial e da Visualização Cartográfica, e, utilizando-se dos recursos oferecidos pela Cartografia Digital, pelos Sistemas de Informações Geográficas (GIS) e pela Multimídia, é possível 3 obter variados produtos cartográficos digitais; dentre eles, encontram-se os croquis interpretativos, a análise de redes e os mapas interativos e animados. Figura 1 – Metodologia de análise de mapas históricos A utilização da comunicação cartográfica e dos recursos da Semiologia Gráfica com vistas à representação das informações espaciais, analógicas ou digitais, tem sido crescente nos meios acadêmicos e técnico-científicos, principalmente nas aplicações ligadas ao geoprocessamento. A informação espacial pode ser constituída por um atributo ou por mais do que um atributo; bem como, conforme a representação gráfica adotada, apresentar dois níveis de leitura: elementar ou de conjunto. Quando a informação apresenta somente um atributo, sua representação, e conseqüentemente, sua leitura, tornam-se bastante facilitadas. Entretanto, quando a informação apresenta mais do que um atributo, normalmente, recorre-se à representação exaustiva ou de superposição, isto é, aquela que superpõe todos os atributos em um mesmo mapa, respondendo somente as questões em nível elementar: “Em tal lugar, o que há?”. Os mapas construídos por superposição, são mapas para se “Ler” (BERTIN, 1988, p. 47). A maioria dos mapas temáticos adota esta forma de representação, como por exemplo, os mapas geológicos, os mapas de cobertura vegetal, entre outros. A leitura destes mapas temáticos, na maioria das vezes, torna-se complexa devido ao fato de que o usuário teria que memorizar tantos signos, com seus respectivos 4 atributos, quanto a distribuição daqueles espacialmente, o que é, praticamente, impossível. A leitura será então em nível elementar, isto é, de ponto a ponto, até memorizar seletivamente as imagens individuais que cada signo constrói. Paralelamente a representação exaustiva, outra solução que pode ser adotada é a coleção de mapas, isto é, um mapa para cada atributo. Esta representação permite uma leitura de conjunto e responde, imediatamente, perguntas do tipo “Como é a distribuição espacial de tal atributo?”; “Tal atributo, onde está?”. Os mapas construídos por meio de coleção são mapas para se “Vêr” (BERTIN, 1988, p. 47). Dentre os meios de visualização cartográfica está a multimídia, importante recurso didático-pedagógico que possibilita interação entre o usuário e o mapa (CASTRO e MAGALHÃES, 1997), produzindo o que Peterson (1995) denominou de Cartografia Interativa e Animada. A multimídia é definida como o conjunto de textos, imagens, sons, animações, interações e vídeos (Vaughan, 1994 e Wolfman, 1994). Assim, com base nos recursos oferecidos, seu objetivo principal consiste na transmissão de uma mensagem a um determinado público. Devemos ter em mente as estatísticas de que as pessoas lembram de 15% do que escutam, 25% do que vêem e 60% daquilo com o que interagem (Wolfman, 1994). Além de se conhecer a mensagem a ser transmitida e as características do público-alvo, é necessário conhecer os instrumentos utilizados na elaboração de uma apresentação em multimídia, ou seja, os softwares e os hardwares disponíveis (Wolfman, 1994). Este trabalho vem sendo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas. Inicialmente, o Mapa da Capitania de Minas Geraes com a devisa de suas Comarcas, pertencente ao acervo da Fundação Biblioteca Nacional, foi georreferenciado e digitalizados os atributos que compõem a legenda. Com base na Comunicação Cartográfica e na Cartografia Digital, esses atributos foram processados e gerados croquis interpretativos, cuja legenda contém (SANTOS et al., 2003; SANTOS, inédito): 5 Paróquia: Esse termo corresponde à unidade de jurisdição de uma diocese, relacionada, portanto, a uma circunscrição territorial eclesiástica, com igreja destinada a culto público. Essa circunscrição também é designada por freguesia e ainda tem uma função na hierarquia territorial político-administrativa secular. Capela: Pequena igreja de um só altar, sem pároco próprio. Geralmente é erigida ou fundada por nobres ou senhores nas terras de usas propriedades. Vila e cidade: Vila é uma palavra que designa a sede de um termo, criada expressamente por ordem real, onde estão instalados a Câmara, o pelourinho e a cadeia, símbolos de poder político-administrativo. A cidade pode se originar de uma vila e essa posição ou título só pode ser concedido pela Coroa Portuguesa que, fundamentalmente, não atribui, desse modo, um privilégio, mas sim uma honraria. O título de cidade é concedido também as sedes de bispados, também chamadas de cidades episcopais. Gentio: O sentido original do termo corresponde á idólatra, pagão ou bárbaro. Na América portuguesa designa os naturais da terra, ou seja os ameríndios, e principalmente é empregado para nomear aqueles que não foram catequizados ou domesticados. Registro: Termo que abrevia a expressão registro de contagem ou registro de entradas, espécie de alfândega estabelecida à margem de vias fluviais e terrestres, administradas diretamente pela Coroa portuguesa ou por contratadores. Visava ao controle de cargas, escravos e gados conduzidos para os distritos mineradores da América portuguesa e cobrar o tributo respectivo. O termo pode designar também o registro de passagem, presídio estabelecido estrategicamente no encontro de vias fluviais e terrestres que têm a mesma função dos citados anteriormente. Por sua vez, a palavra presídio denota o corpo de soldados instalados em determinado sítio fortificado. Essa palavra pode designar também quartel e contagem onde funciona posto de guarda ou registro para arrecadação dos direitos das entradas e passagens. Desta forma, o mapa da Capitania de Minas Gerais (Fig. 2) foi georreferenciado no autocad a partir da determinação das longitudes, expressas segundo o meridiano de Ferro, com base no procedimento empregado por Marques (2001) para o cálculo dessas medidas em mapas históricos, como é o caso da transformação do meridiano de Ferro para o meridiano de Greenwich (Fig. 3). Segundo Marques (2001) “a conversão de valores de longitude é, de acordo com as normas internacionais de descrição bibliográfica de material cartográfico (ISBD-CM), obrigatória. Esta obrigatoriedade justifica-se na medida em que os 6 valores de longitude só podem constituir um ponto de acesso para pesquisa se possuírem um plano de referência comum.” Figura 2 – Mapa da Capitania de Minas Geraes e a Deviza de suas Comarcas 7 Figura 3 – Cálculos para transformação do Mapa da Capitania de Minas Gerais referenciado ao meridiano de Ferro para o meridiano de Greenwich 8 RESULTADOS Com vistas à elaboração de documentos interativos a partir de princípios e regras da comunicação cartográfica e da visualização cartográfica, foram criados layers e digitalizados os atributos que compõem o Mappa da Capitania de Minas Geraes com a devisa de suas Comarcas, de modo geral, relacionados à hidrografia, ao relevo, aos caminhos, entre outros, bem como os da dimensão temática que se referem, por sua vez, às povoações, às atividades econômicas, aos limites político-administrativos, etc.; a transcrição paleográfica dos textos presentes nos mapas, compondo títulos, legendas ou notas explicativas; a modernização e a atualização dos topônimos; a conversão de unidades de medidas; Nessas atividades, o interesse mais imediato centra-se no processamento das informações relativas ao fato urbano de Minas Gerais, buscando-se as suas bases, a partir da identificação dos registros de capelas, paróquias, vilas, arraias e cidade, entre outros, suscetíveis de originarem povoações. A partir dos arquivos vetoriais gerados no processamento das informações espaciais, foram elaborados croquis interpretativos do mapa original, inclusive adotando-se a paleografia da época, representados na forma de mapa exaustivo (Fig. 4), de mapa dos topônimos atuais (Fig. 5) e de coleção de mapas (Fig. 6). 9 Figura 4 – Mapa exaustivo da Capitania de Minas Geraes e a Devisa de suas Comarcas 10 Figura 5 – Mapa dos topônimos atuais da Capitania de Minas Geraes e a Devisa de suas Comarcas . 11 Figura 6 – Coleção de Mapas da Capitania de Minas Gerais e a Divisa de suas Comarcas 12 CONCLUSÕES O método desenvolvido mostrou-se eficiente na medida que aplicou teoria cartográfica analógica em ambiente digital, dinamizando o processo de comunicação cartográfica. Entretanto, os resultados apresentados consistem de uma etapa da análise histórica, geográfica, cartográfica e cultural dos mapas antigos de Minas Gerais. Outros mapas da capitania necessitam ser georreferenciados e digitalizados com vistas à constituição de um banco de dados que será incorporado ao ambiente GIS, para análise espacial, e aos softwares de multimídia, para visualização cartográfica. 13 Bibliografia ABREU, M. A. (Org.). Rio de Janeiro: formas, movimentos, representações: estudos de geografia histórica carioca. Rio de Janeiro: Da Fonseca Comunicação, 2005, 254 p. BARBOSA, W. de A. Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais. 2a ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. BERTIN, J. Semiologie Graphique: les Diagrammes, les Réseaux, les Cartes. 1a. ed., Paris: Gauthier-Villars, 1967, 380 p. BERTIN, J. O Teste de Base da Representação Gráfica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, 42(1):160-182, jan./mar. 1980. CARTWRIGHT, W.; PETERSON, M.; GARTNER, G. (Org.). Multimedia Cartography. Berlin: Springer-Verlag, 1999, 343 p. CARVALHO, T. Feu de. 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