1 SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA – SOBRATI MESTRADO EM TERAPIA INTENSIVA Lívio Fernandes Cavalcante "Lift Retard": Uma Manobra Cinesioterapêutica e sua Influência na Mecânica Ventilatória. Brasília 2010 2 Lívio Fernandes Cavalcante "Lift Retard": Uma Manobra Cinesioterapêutica e sua Influência na Mecânica Ventilatória. Artigo apresentado à Banca Examinadora do Programa de Mestrado Profissionalizante da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva como requisito para obtenção do título de Mestre em Terapia Intensiva. Orientador:Drº/ Profº. Douglas Ferrari Brasília – DF 2010 3 Lívio Fernandes Cavalcante "Lift Retard": Uma Manobra Cinesioterapêutica e sua Influência na Mecânica Ventilatória. Dissertação apresentada ao Mestrado Profissionalizante em Terapia Intensiva – MPTI, da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva – SOBRATI, como requisito final para obtenção do titulo de Mestre. Data de Aprovação:_____/____/____ BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Orientador ______________________________________ Examinador 4 RESUMO O Lift Retard é uma manobra cinesioterapêutica aplicada na caixa torácica na tentativa de retardar o fluxo expiratório e foi utilizada em 8 pacientes em prótese ventilatória na UTI do Hospital Regional de Gurupi . Está manobra cinesioterapêutica foi criada e adaptada a partir de uma manobra aplicada na Reeducação Muscular Postural. Com a aplicação do Lift Retard promoveu-se o retardo do fluxo expiratório com a liberação gradativa deste fluxo, possibilitando assim, um fluxo expiratório mais laminar. Outro objetivo foi a estimulação proprioceptiva e tátil feita pelo fisioterapeuta no tórax do paciente, já que esta manobra implica na mobilização da caixa torácica com influência direta na cinesiologia da mecânica ventilatória. Com a aplicação da manobra notou-se que a Lift Retard é capaz de interferir na mecânica ventilatória de maneira significativa, obtendo assim, melhora considerável da saturação de O2 dos pacientes investigados, em média a saturação de oxigênio teve um aumento de cinco a sete %. Palavras-chave: estabilização alveolar, fluxo expiratório, retardo, ventilação mecânica. 5 INTRODUÇÃO O fisioterapeuta dentro da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) procura, com suas técnicas, melhorar o quadro respiratório e acelerar a saída destes pacientes da unidade de terapia intensiva. Com isso, lança mão de recursos como o ventilador mecânico e a cinesioterapia. Esta última é primordial para os fisioterapeutas dentro da UTI. Por acreditar na cinesioterapia, e foi observando uma manobra cinesioterápica, provinda da osteopatia, do RPG (reeducação postural global), e das cadeias musculares, que conseguimos dar início a este trabalho, onde a manobra que deu origem à nossa proposta é denominada de Lift. O Lift original é realizado mobilizando a caixa torácica com o objetivo de liberar o diafragma. Com a observação percebemos que esta teria utilização em pacientes entubados, não com o intuito de liberar diafragma, mas com objetivo de alterar a mecânica ventilatória e então observarmos quais os possíveis efeitos na mecânica e na fisiologia do sistema respiratório a ponto de beneficiá-la e melhorar as condições clínicas do paciente. Esta manobra então foi aplicada, a princípio, para conseguirmos uma PEEP, partindo do princípio de que a manobra conseguiria fazer uma retenção da fração de ar inspirado durante a fase expiratória. O que observamos foi um retardamento do fluxo expiratório, proporcionando assim um fluxo expiratório mais laminar e uma PEEP muito baixa. Outro efeito esperado desta manobra foi incremento tátil proporcionado pelo contato da mão do fisioterapeuta com o tórax do paciente, levando a estímulos proprioceptivos e táteis consideráveis. Com os efeitos mecânicos constatamos que os pacientes com atelectasia que foram submetidos à manobra em questão tiveram um melhor índice de saturação de oxigênio e uma evolução mais rápida no reestabelecimento das funções respiratórias. Como esta manobra é inédita dentro de um serviço de UTI, e os objetivos desta são diferentes daqueles propostos pela manobra original, daí uma nova nomenclatura: Lift Retard. 6 LIFT ORIGINAL Segundo Mezièré 1985 (apud BARREIRO, 2000) o Lift é uma manobra que coloca o diafragma em uma fisiologia específica, colocando-o basicamente em excentricidade e depois em concentricidade. É uma manobra que deve ser realizada com extremo cuidado e respeitando-se as contra indicações básicas como: fratura óssea em caixa torácica, Herpes Zoster, pacientes em crise de dispnéia. Para realizarmos a manobra de Lift, devemos ter em mente que o bloqueio em apnéia inspiratória é extremamente freqüente nos pacientes, este bloqueio é uma lei. Para Mezièré 1985 (apud BERREIRO, 2000) deveríamos então, sempre promover a liberação deste músculo, pois ele é sempre uma vítima das tensões das cadeias musculares. Para iniciarmos a manobra o paciente deve estar deitado, consciente, em uma maca em decúbito dorsal, o fisioterapeuta deve se posicionar no sentido céfalo-caudal, com isso o fisioterapeuta encaixa com os dedos das mãos (sob a forma “gancho”) de cada lado do rebordo costal, então se pede ao paciente que inicie a inspiração, ao final desta o fisioterapeuta mantém a caixa torácica do paciente na amplitude inspiratória e o paciente então faz a expiração, novamente o fisioterapeuta pede a paciente que faça novamente a inspiração mais profunda, então o fisioterapeuta acompanha ainda mais a amplitude da caixa torácica em inspiração e novamente mantém-se a amplitude, fazemos estes procedimentos por mais um ciclo inspiratório, ao final deste o fisioterapeuta solta a caixa torácica e então se faz a expiração completa. 7 LIFT RETARD O Lift Retard é a manobra criada a partir do Lift criado pela madame Mezièré 1985 (apud BARREIRO, 2000) que utilizamos nos pacientes que estão em prótese ventilatória com objetivos distintos daqueles propostos pela manobra original. O que propomos é retardar o recuo elástico dos pulmões utilizando-se da mecânica ventilatória com a aplicação da manobra. Com o retardamento do recuo elástico permite-se que haja um retardo do fluxo expiratório proporcionando assim, uma saída de ar mais laminar. Também observamos com a manobra o aprisionamento de ar discreto ao final da fase expiratória, ou seja, uma PEEP pequena. Outro efeito muito importante proporcionado pela manobra é a vantagem da mobilização da caixa torácica proporcionar estímulos proprioceptivos e táteis gerados pelas mãos do fisioterapeuta no tórax do paciente. Metodologia da aplicação da manobra A caixa torácica é um arcabouço ósseo cartilaginoso com uma mobilidade que permite os movimentos respiratórios; pode ser ativa pelos músculos respiratórios, ativoassistida dada pelos músculos e as mãos do fisioterapeuta, ou mesmo, pela ajuda do ventilador mecânico, ou ainda, passiva dada pelo ventilador mecânico; é esta mobilidade da caixa torácica que iremos aproveitar para realização da manobra. A manobra começa ao final da fase inspiratória do ventilador mecânico, que é a primeira fase da manobra. Nesta fase, quando o fisioterapeuta faz a incursão da caixa torácica para cima e para fora já se inicia a estimulação proprioceptiva e tátil do contato das mãos do fisioterapeuta e da mobilização articular da caixa torácica, pois a caixa torácica é levada ao extremo de sua amplitude de subida e alargamento. Na fase expiratória do aparelho, onde o fisioterapeuta mantém o posicionamento da primeira fase, ocorre à saída do ar, mas com um fluxo mais retardado e laminar e não aquele fluxo imposto pela elasticidade do tecido pulmonar; este fluxo mais laminar impõe mais estabilização alveolar melhorando a oxigenação com isso diminui os riscos de colabamento alveolar. Nesta fase utilizamos a pressão intrapleural para retardar o recuo elástico do pulmão retardando o fluxo expiratório, ou seja, com a manutenção do posicionamento da caixa torácica foi possível fazer com que a pressão intrapleural ficasse mais negativa criando uma pressão que deteria por alguns segundos a força elástica retrátil do tecido pulmonar. Além deste retardamento de fluxo 8 expiratório constatamos que foi possível ao final da expiração manter uma PEEP de três a cinco cm de H2O, isto foi observado com o paciente entubado em ventilação mecânica assistocontrolado (controlado a pressão e ciclado a tempo), sedado e com zero de PEEP. Além dos benefícios propostos na mecânica ventilatória, temos o efeito mais importante da manobra cinesioterápica aplicada em caixa torácica, que o ventilador mecânico ou qualquer outro aparelho não pode proporcionar, que é a estimulação proprioceptiva e tátil dada pelas mãos do fisioterapeuta no tórax do paciente. Isto é de extrema importância darmos noções proprioceptivas articulares e musculares juntamente com a mobilização da caixa torácica do paciente. 9 MATERIAL E MÉTODO A manobra foi aplicada em oito pacientes, sendo sete homens e uma mulher com faixa etária entre 35 e 70 anos de idade. Estes pacientes estavam entubados em ventilação mecânica, em ventiladores INTER 5, com os seguintes parâmetros: ventilação assistocontrolada, controlado a pressão e ciclado a tempo (1:3) e com zero de PEEP, todos apresentavam déficit de drive respiratório e estavam sedados, apresentando atelectasias de graus variados detectadas através de exames radiológicos. Utilizamos oxímetro de pulso para controlarmos o nível da saturação de oxigênio e o eletrocardiograma para observarmos repercussões no trabalho cardíaco no decorrer da manobra. Utilizamos o manômetro do ventilador mecânico para avaliarmos o tempo de saída do fluxo expiratório pela velocidade de descida do cursor do manômetro e para quantificação da PEEP que conseguíssemos impor ao final de cada ciclo da manobra. O paciente deve estar entubado, sedado e estar em decúbito dorsal. O fisioterapeuta se posiciona lateralmente ao leito no sentido caudal-cefálico, as mãos do fisioterapeuta são colocadas no rebordo costal de ambos os lados, de modo que o polegar se encaixe no rebordo costal, o restante dos dedos sobre a caixa torácica. 10 Figura 1- demonstrando o posicionamento das mãos na caixa torácica. Fase de expiratória do ventilador com o fisioterapeuta mantendo a caixa torácica elevada. Fonte: Foto produzida na UTI do Hospital Comunitário de Gurupi. Autorizada pelo chefe da equipe Dr. Luiz Paulo da Silveira Quando o ventilador mecânico iniciar a fase inspiratória o fisioterapeuta acompanha o movimento de subida da caixa torácica do paciente. Ao começar a fase expiratória o fisioterapeuta sustenta a caixa torácica nesta posição, e então o ventilador mecânico realiza sua fase expiratória e o fisioterapeuta continua mantendo a amplitude inspiratória inicial da caixa torácica e assim, repete-se o mesmo processo por três ciclos respiratórios e a cada ciclo o fisioterapeuta aumenta a amplitude inspiratória da caixa torácica. Ao final destes três ciclos libera-se a caixa torácica de forma que não promova a saída turbulenta do fluxo expiratório, ou seja, de maneira lenta. O tempo expiratório no decorrer da manobra aumenta discretamente nos ciclos da execução da manobra, isto se deve à força elástica de recuo imposta pelo tecido pulmonar que é retardada pela manobra. 11 Figura 2- manutenção da caixa torácica elevada no 2º ciclo expiratório. Fonte: Foto produzida na UTI do Hospital Comunitário de Gurupi. Autorizada pelo chefe da equipe Dr. Luiz Paulo da Silveira A manobra foi realizada em três ciclos respiratórios com 30 minutos de intervalo entre cada aplicação desta, durante quatro horas pela manhã e quatro horas no período da tarde, ou seja, na parte na manhã foram feitas nove vezes cada manobra com três ciclos respiratórios (ciclos feito pelo ventilador mecânico) e nove vezes à tarde também com três ciclos respiratórios. 12 DISCUSSÃO Através da observação da manobra cinesioterápica, Lift, utilizado em terapia de reeducação muscular postural, começamos a demonstrar que esta manobra, batizada de Lift Retard é capaz de interferir na mecânica ventilatória de maneira significativa. Tendo uma atuação exclusiva na fase expiratória, o retardo do recuo elástico do tecido pulmonar faz com que ocorra também um retardamento do fluxo expiratório com a aplicação de um nível pequeno de PEEP, além dos benefícios da atuação cinesioterápica manual com as vantagens do contato da mão do fisioterapeuta com o tórax do paciente. Aplicamos a manobra em oito pacientes e obtivemos como resposta a melhora da oxigenação através da saturação de oxigênio verificada pelo oxímetro de pulso. Em média a saturação de oxigênio teve um aumento de cinco a sete %. Gráfico 1. comparação entre a oxímetria de pulso antes e depois da realização da manobra . Sat O2 (%) 100 90 80 70 pac. 01 pac. 02 pac. 03 pac. 04 pac. 05 pac. 06 pac. 07 pac. 08 Antes da aplicação da manobra. Depois da aplicação da manobra. Fonte: Elaborado pelos autores do artigo através da comparação das gasometrias dos respectivos pacientes durante a realização da manobra. 13 Na fisioterapia respiratória existem outras formas de retardo de fluxo expiratório que são os ZEEP Retard, no qual é realizado através de instrumentos que determinam uma resistência na saída do ar, tornado assim, um fluxo expiratório mais retardado. Estes Zeep Retard são: PEP, respiração freno labial, frasco de transferência. Zeep retard Segundo Azeredo (2000), toda vez que um resistor expiratório não for capaz de ao final da expiração manter um nível de pressão positiva, este fenômeno passa a ser denominado de Zeep Retard ou simplesmente retardo expiratório. A técnica pode ajudar também a combater o PEEP intrínseco ou como uma técnica primaria para a expansão pulmonar. A respiração freno labial é uma forma de Zeep Retard. Segundo Cuello 1973 (apud AZEREDO, 2000), o padrão ventilatório com uma expiração prolongada ou retardada obtida através de uma resistência expiratória permite a manutenção da integridade dos condutos aéreos evitando o colapso precoce que ocorre pela influência do predomínio da pressão intratorácica sobre as pressões brônquicas. Além disso, o retardo expiratório promove durante a fase expiratória um esvaziamento mais homogêneo, mantendo a pressão intrabrônquica e favorecendo, portanto, uma melhor troca gasosa. A técnica esta correlacionada com uma modificação na relação tempo inspiratório e o tempo expiratório, sendo a inspiração realizada pela via nasal e a expiração realizada pela via oral e correspondendo esta a pelo menos três vezes o tempo gasto na fase inspiratória. Outro procedimento em voga, nas décadas de 50 e 60 com a finalidade de promover o retardo expiratório foram o frasco de transferência. Duas garrafas de um litro cada eram conectadas por um tubo com um dos frascos cheio até o topo com água, uma peça bucal e um tubo era adicionado em cima de cada garrafa. O paciente era instruído e realizar uma inspiração profunda e sustentada e depois soprar no bucal da garrafa que tivesse cheia de água. A terapia com PEP (pressão positiva expiratória) foi descrita primeiramente na literatura escandinava no final dos anos 70 e na atualidade está sendo amplamente aceita na Europa, no Canadá e nos Estados Unidos. 14 A PEP tem sido mostrada e apoiada na literatura já há algum tempo por intensificar a ventilação colateral, feita pelos poros de Khon e os canais de Lambert. A pressão positiva gerada no lado oposto durante a PEP permite que o fluxo aéreo entre nestes canais, redistribuindo assim, de forma homogênea o ar para as áreas hipoventiladas. Os instrumentos necessários para a realização da terapia com PEP incluem: A) bucal ou máscara facial; B) resistor de orifício ou de molas; C) indicador de pressão expiratória; D) clips nasais. Figura 3- Aparelho para a realização da PEP. Fonte: Figura retirada do livro Manual prático de fisioterapia respiratória. AZEREDO, 2000. Estas técnicas têm o mesmo objetivo que o Lift Retard, mas exigem que se utilize algum aparato. Nestas formas de retardo de fluxo expiratório em tempos pré-estabelecido (relação tempo inspiratório e tempo expiratório definidos) podemos determinar a quantidade de pressão que e iremos impor na saída do fluxo expiratório. O Lift Retard possui suas vantagens em relação às outras formas de se obter retardo de fluxo expiratório: A) a facilidade da execução da manobra; B) vantagens da estimulação proprioceptiva e tátil; C) não se utiliza de qualquer instrumento para a realização da manobra; D) não necessita da participação do paciente. 15 CONSIDERAÇÕES GERAIS: A manobra Lift Retard ainda está sendo pesquisada cientificamente, e foi apenas experimentada na prática clínica e com um número pequeno de pacientes; é necessário que haja uma melhor investigação em torno desta manobra, para assim, podermos determinar a validade dos efeitos fisiológicos com uma maior precisão. Com a aplicação da manobra observamos resultados satisfatórios, principalmente na melhora da qualidade da ventilação pulmonar dos pacientes, o que levou um aumento significativo da saturação de O2, o que possibilita a continuação da pesquisa. 16 Referências Bibliográficas: AZEREDO, C.A.C. Manual Prático de Fisioterapia Respiratória. Rio de Janeiro: Lidador, 2000. 325p. BALDOTO, C. Mecânica Ventilatória. Disponível em <http://.fisioterapia.com.br/publicacoes/mec_ventilatoria.asp>. Acesso em: 01 jul. 2002. BARREIRO, C. A. Liberação do Diafragma. In: ______ R.P.G. pelo Reequilíbrio proprioceptivo muscular. São Paulo: Centro Brasileiro de Fisioterapia, 2000. p. 18-18. GONÇALVES, J.L. Terapia Intensiva Respiratória Ventilação Artificial. Curitiba: Lovise, 1991. p.293-304. GUYTON, A. C. Tratado de Fisiologia Médica. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. p. 433-441. KISNER, C.; COLBY, L. C. Exercícios terapêuticos fundamentos e técnicas. 2.ed. São Paulo: Manole, 1992. p. 577-634. LUCE, J. M.; PEIRSEN, D. J.; TYLER, M. L. Tratamento respiratório intensivo. 2.ed. Rio de Janeiro: Revinter, 1995. p. 253-298.