Contribuições das Especialidades Médicas à Atenção Primária à Saúde JOSÉ TAVARES-NETO Editor CONTEXTO • 2006 Salvador da Bahia, Brasil À FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA, PELOS 198 ANOS (1808 - 2006) Agradecimentos dos Professores do PAED (PPgMSFAMEB-UFBA), dos Alunos do PVIC (PPgMSFAMEB-UFBA) e dos Colaboradores deste livro, aos Professores RODRIGO PINHEIRO SILVEIRA (Curso de Medicina da Universidade Federal do Acre), LORENE LOUISE SILVA PINTO (Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia), e a YEHUDA BENGUIGUI (Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial da Saúde), pelas sugestões e críticas durante a revisão de todos os resumos dos capítulos e pelos votos de incentivo. AUTORES Docentes Faculdade de Medicina da Bahia Universidade Federal da Bahia ALCINA MARIA VINHAES BITTENCOURT Médica, Professor do Departamento de Medicina. Coordenadora do Serviço de Diabetes da SAEB. Especialista em Endocrinologia e Metabologia. Endereço para correspondência: Departamento de Medicina, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon sn°, campus Canela da UFBA, 40110-100 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] ANDRÉ VILA SERRA Médico, Professor do Departamento de Medicina. Especialista em Gastroenterologia. Endereço para correspondência: Rua Padre Feijó, 38, bairro Canela, 40110-170 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico : [email protected] ANTÔNIO FRANCISCO JUNQUILHO VINHAES Médico, Professor do Departamento de Cirurgia, Chefe do Serviço de Urologia do Hospital São Rafael da Bahia. Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina da Bahia, Largo do Terreiro de Jesus, 40026-010 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] ARLÚCIA DE ANDRADE FAUTH Médica, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Assistente Estrangeiro da Universidade René Descartes – Paris V. Endereço para correspondência: Departamento de Neuropsiquiatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon sn°, campus Canela da UFBA, 40110-100 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] CARLOS AUGUSTO SANTOS DE MENEZES Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Mestre em Saúde Materno-Infantil. Endereço para correspondência: Maternidade Climério de Oliveira - UFBA. Rua Limoeiro, bairro Nazaré, 40055-150 Salvador, Bahia –Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] CLOTÁRIO NEPTALI CARRASCO CUEVA Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Mestre em Cirurgia Cardiovascular. Endereço para correspondência: Departamento de Cirurgia, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon sn°, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] CÍCERO FIDELIS Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular. Endereço para correspondência: Alameda das Samambaias, 320, Casa 06, 41650-295 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] DENISE DOS SANTOS BARATA Médica, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Mestre em Saúde Materno-Infantil. Endereço para correspondência: Maternidade Climério de Oliveira - UFBA – Rua Limoeiro, bairro Nazaré, 40055-150 Salvador, Bahia –Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] DOMINGOS COUTINHO Médico, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Av. Juracy Magalhães Jr, 2.096, sala 311, 41940-060 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] EDNA LÚCIA SOUZA Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Doutoranda do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da FAMEBUFBA.Endereço para correspondência: Av: Paulo VI, 2.200/104, Itaigara, 41810-001 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] EDSON O’DWYER JUNIOR Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Mestre em Saúde Materno-Infantil. Professor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública. Endereço para correspondência: Av. Tancredo Neves 805A/207, 41828-021 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] FERNANDO ANTONIO GLASNER DA ROCHA ARAUJO Médico, Professor Assistente de Clínica Médica e Reumatologia. Especialista em Reumatologia. Mestre em Reumatologia. Endereço para correspondência: Departamento de Medicina, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] GERVASIO BATISTA CAMPOS Médico, Professor de Anestesiologia do Departamento de Cirurgia. Médico do Hospital São Rafael. Endereço para correspondência: Av. Tancredo Neves 1632, Edf. Salvador Trade Center, sala 402, 40820-020 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] GILSON GODINHO Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Chefe do Laboratório de Hemodinâmica e de Cardiologia Intervencionista do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (COMHUPES). Endereço para correspondência: Laboratório de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do COMHUPES. Rua Augusto Viana s/n°, Canela, 40110-160 Salvador – Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] HEITOR CARVALHO GUIMARÃES Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Título de Especialista e Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Endereço para correspondência: Rua José Duarte, 132, bairro Tororó, 40050-050 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] HUGO MAIA FILHO Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Endereço para correspondência: CEPARH. Rua Caetano Moura, 35, 40210-341 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] ISABEL CARMEN FONSECA FREITAS Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Especialista em Pediatria e Medicina da Adolescência. Professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Mestre em Medicina e Saúde. Endereço para correspondência: Avenida Santa Luzia, 379, apto. 802, Horto Florestal, 40295-050, Salvador- Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] JORGE LUIZ SAPUCAIA CALABRICH Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Especialista em Tocoginecologia e Mastologia. Endereço para correspondência: Av. Juracy Magalhães Jr., 2.426, Apto. 904, bairro Rio Vermelho, 419040-060 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] JOSÉ MARCOS PONDÉ FRAGA LIMA Médico, Neurocirurgião, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Endereço para correspondência: Av. Paulo VI, 111, bairro Pituba, 41810-000 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] JOSÉ SIQUEIRA FILHO Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Coordenador do Serviço de Cirurgia Vascular do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos. Endereço para correspondência: Rua do Gato Arisco, 88, bairro Itapuã. 41620-320 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] JOSÉ TAVARES-NETO Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Tropical, Doutor em Clínica Médica e Livre-docente em Doenças Infecciosas e Parasitárias. Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina da Bahia, Largo do Terreiro de Jesus, 40026-010 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]. LORENE LOUISE SILVA PINTO Médica, Professora do Departamento de Medicina Preventiva. Mestre em Saúde Comunitária. Doutoranda em Medicina e Saúde (FAMEB/UFBA). Endereço para correspondência: Departamento de Medicina Preventiva, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina, Av. Reitor Miguel Calmon, s/n, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia -Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] LUIS SCHIPER Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Ortopedia e Traumatologia. Endereço para correspondência: Rua João das Botas, 28, bairro Canela, 40110.160 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] MARGARIDA COSTA NEVES Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Serviço de Pneumologia do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos, Rua João das Botas s/nº, bairro Canela, 40110160Salvador, Bahia - Brasil. E-mail: [email protected] MARIA DE LOURDES LIMA FALCÃO Médica, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Oftalmologia. Endereço para correspondência: Clinica Oftalmológica do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard santos, Rua Augusto Viana s/n°, Canela, 40110-160 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] MARIA DO SOCORRO HEITZ FONTOURA Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Especialista em Pediatria e Pneumologia pediátrica. Professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Mestre em Saúde Materno Infantil. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde. Endereço para correspondência: Departamento de Pediatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina, Av. Reitor Miguel Calmon, s/n°, Vale do Canela. 40110-100 Salvador, Bahia -Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] MARIA TERESA GONÇALVES Médica, Professora do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Especialista em Ultra-sonografia. Endereço para correspondência: Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina, Av. Reitor Miguel Calmon, s/n°, Vale do Canela. 40110-100 Salvador, Bahia -Brasil.. Endereço eletrônico: [email protected] MURILO NEVES Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Serviço de Hematologia do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos, R. João das Botas s/nº, Canela, 40110-160 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] NADYA MARIA BUSTANI CARNEIRO Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Especialista em Pediatria e Gastroenterologia pediátrica.Endereço para correspondência: Departamento de Pediatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA, Av. Reitor Miguel Calmon, s/nº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] NILO LEÃO BARRETTO Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Titular da Sociedade Brasileira de Urologia. Endereço para correspondência: R. Tenente Pires Ferreira, nº 143, apto.1101, Barra, 40130-160 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] NILSON FERREIRA GOMES Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Endereço para correspondência: Alameda dos Jasmins, nº 110 ap. 102, Cidade Jardim/Candeal de Brotas, 40210-370 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] OCTAVIO MESSEDER Médico, Professor do Departamento de Medicina. Especialista em Pneumologia. Mestre em Medicina. Endereço para correspondência: Centro Médico do Hospital Português. Rua Princesa Isabel, 914, sala 01, Barra Avenida, 40144-900 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] OSÓRIO JOSÉ DE OLIVEIRA FILHO Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Oftalmologia. Endereço para correspondência: Av. Juracy Magalhães Jr. 2096 Conj. 207 CMA do Hospital Aliança, bairro Rio Vermelho, 41940-060 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] PAULO ANDRÉ JESUÍNO Médico, Cirurgião geral e Intensivista, Professor do Departamento de Cirurgia. Professor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Mestre em Cirurgia. Endereço para correspondência: Rua Machado Neto, 267 Aptº 701, Pituba, 41830-510 Salvador, Bahia -Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]. RAUL COELHO BARRETO FILHO Médico, Perito Médico Legal, Professor do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal. Mestre em Odontologia Legal e Deontologia. Endereço para correspondência: Instituto Médico-legal Nina Rodrigues, Av. Centenário, snº,Vale dos Barris, 40100-180 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] ROBERTO MIGUEL CORREIA DA SILVA Médico, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Mestre em Medicina Interna. Coordenador do Curso de Psicologia Médica e Psicopatologia II. Endereço para correspondência: Departamento de Neuropsiquiatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia da UFBA, Av. Reitor Miguel Calmon snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]. ROMÁRIO TEIXEIRA BRAGA FILHO Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Rua Padre Feijó, 240/3º andar, bairro Canela, PAED/Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde, 40110-170 Salvador, Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]. ROSA VIANNA S. BRIM Médica, Professora do Departamento de Apoio Diagnóstico e Terapêutico. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia. Endereço para correspondência: Rua Sócrates Guanaes Gomes, 84, apto. 101, Cidade Jardim/Candeal, 40280-630 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] SUMAIA BOAVENTURA ANDRÉ Médica, Professora do Departamento de Medicina Preventiva. Mestre em Saúde Comunitária. Especialista em Pediatria e Saúde Pública. Endereço para correspondência: Departamento de Medicina Preventiva, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon, snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] VANDA M. MIRANDA Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Formação especializada em Pediatria. Mestre em Pediatria. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde do Departamento de Medicina da FAMEB-UFBA Endereço para correspondência: Rua Nita Costa, 101, apto. 901, Jardim Apipema, 40155-000 Salvador, Bahia -Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] VENCESLAU DOS REIS SOUZA SILVA Medico, Professor do Departamento de Cirurgia. Endereço para Correspondência: Av. ACM. 1034, sala 449-450. 41825-906 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] VITOR LÚCIO DE OLIVEIRA ALVES Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Coloproctologia. Mestre em Cirurgia. Endereço para correspondência: Departamento de Cirurgia, 2° andar, Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos, Rua Augusto Viana, snº, Canela, 40110-060, Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] WALDECK D’ALMEIDA Médico, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Especialista em Psicodrama e Psicoterapia de Grupo Endereço para correspondência: Departamento de Neuropsiquiatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon, snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] WELLINGTON ALVES CAVALCANTE Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Formação especializada em Cirurgia e Nutrologia. Professor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública.Endereço para correspondência: Departamento de Cirurgia, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon, snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] COLABORADORES ESTUDANTES FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA (FAMEB) UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) ADRIANA R. ANDRADE ADRIANA REIS BRANDÃO MATUTINO AGNALDO VIANA PEREIRA NETO ALEX OLIVEIRA DE ARAÚJO ALEX TEIXEIRA GUABIRU ALINE ABREU ALLANA SILVA ALVINO JOSÉ ALVES FILHO ANA BARBARA CAVALCANTE ANA CARINA VIEIRA LIMA E SILVA ANA CAROLINA SÁ ANA CLAUDIA OLIVEIRA SILVA ANA JÚLIA SANTIAGO MARINHO ANA PAULA SANTANA HUANG ANDRÉ BRITO ANDRÉ LUIS BASTOS SOUSA ANDRÉ MACEDO SERAFIM DA SILVA ANDREA B. DINIZ ANNA PAULA MOTA DUQUE ANTÔNIO JOSÉ SOUZA REIS FILHO AUGUSTO JUNIOR AZEVEDO BASTOS BRUNO TRINDADE CAMILA NEMI CARINA SANTOS RIOS CARLAGRACIELE TORRES CARLA RAMOS ANDRADE CARLA SANTOS NOGUEIRA CARLOS AUGUSTO AMORIM CARLOS DANIEL VILAS BOAS DE CARVALHO CARLOS EDUARDO CERQUEIRA ROLIM CARLOS VINÍCIUS ESPÍRITO SANTO CAROLINA ABUD CAROLINA CANDEIAS DA SILVA CAROLINA MACHADO ALVES CAVALHEIRO CAROLINA OLIVEIRA SANTOS CATARINA DE ANDRADE REGIS CATARINA TÂMARA RIBEIRO CINARA COSTA SILVA CLARA MAIA BASTOS CLARISSA OLIVEIRA SACRAMENTO CLÁUDIA PATRÍCIA SILVA ALVES CLAUDIA PLECH GARCIA CRISTIANE AZEVEDO DE ANDRADE CRISTIANE LIMA VERDE FERREIRA CRISTINA BRASILEIRO SILVA DANIEL CÂNDIDO LADEIA ROSA DANIEL MAY SIMÕES DANIEL VASCONCELOS CUNHA MARTINS DANIELA NERY DARCY CARNEIRO MURITIBA JÚNIOR DAVID ARAÚJO VEIGA ROSÁRIO DAYANNE COSTA FONSECA DIEGO JOSÉ LEÃO DE OLIVEIRA DIEGO TEIXEIRA NASCIMENTO DIOGO RADOMILLE DE SANTANA ELIANA DALTRO PANÃO ELTON LIMA MACEDO EMÍLIA NUNES DE MELO ERIC SILVA DE MORAIS ÉRICA PEREZ IGLESIAS EVARISTO OLIVEIRA NETO FABIANO AMARAL FÁBIO OLIVEIRA LIMA FÁBIO VIEIRA DE BULHÕES FELIPE OLIVEIRA FERNANDA AZEVEDO JESUÍNO FERNANDA CORREIA FERNANDA T. SPÍNOLA FERNANDO CÉSAR CARVALHO DE FIGUEREDO FERNANDO NEVES FORTUNA FILIPE SOBRAL DE CARVALHO FLÁVIA DE CASTRO RIBEIRO FRANKLIN COSTA MÔNACO FILHO FRANCISCO SAMUEL MAGALHÃES LIMA GARDÊNIA S. LOBO GABRIEL ALBUQUERQUE GEORGE VITURINO NEVES SILVA GISELE AMORIM GRAZIELLE CERQUEIRA DE CARVALHO GRAZIELI CERQUEIRA GUILHERME FONTELES RITT GUSTAVO CARNEIRO GOMES LEAL HELOISA SOUZA HELTON ARAÚJO MAGALHÃES HILLANE RODRIGUES PEREIRA ISADORA MEYER ÍSIS DE CERQUEIRA FIGUEIREDO IVAN BARBOSA JAMILE ALMEIDA-SILVA JAMILE CAVALCANTI SEIXAS* JAN LOPES JANAINA LEITE JABUR JANAÍNA MESQUITA JORGE AUGUSTO PEDREIRA SILVA JOSÉ CRUZ DE ANDRADE JULIA MONTEIRO DE BARROS PEREIRA JULIANA FONSECA SANTANA JULIANA RAPOSO JULIANO ALVES JULIANNE LOPES FERRAZ DE AVELAR JÚLIO CÉSAR DE OLIVEIRA LEAL JÚLIO LEONARDO BARBOSA PEREIRA* KIELY MIDORI NASCIMENTO KATAOKA LARISSA DA TRINDADE QUINTELA LARISSA SIQUEIRA SANTOS LAURO REIS SANTANA LÁZARO NEVES MARTINS LEANDRA CHAVES SILVA BARROS LEANDRO SILVA LEONARDO BRITO DE ALMEIDA LETICE SILVA OLIVEIRA SILVA LÍLIAN SOUZA ARAÚJO LÍVIA LEAL MONTEIRO LÍVIO LIMA SANTOS LORENA OLIVEIRA LUA SÁ DULTRA LUANA EMANUELLE LEITE LIMA LUANNE LISLE DOS SANTOS SILVA LUCAS ARGOLO LUCAS NASCIMENTO LAGO LUCIANA BARBERINO LUCIANA CAMPOS LOPES LUCIANA MELO GARCIA LUDMILA FREITAS DA ALMEIDA LUIZ COSTA-JUNIOR MANUELA DE SOUZA BONFIM MANUELA OLIVEIRA CARDOSO MANUELA SANTANA ARAÚJO MARCELA CRISTINA PITA MARCELO DE JESUS MARTINS MARCELO LOULA NOVAES DE PAULA MÁRCIA SANTOS DA SILVA MARCOS RODRIGO CARVALHO MARIA ALMEIDA DIAS MARIA CARDOSO GUERREIRO COSTA MARIA CLARA MANSUR MARIA FERNANDA SIMAS SOUZA MARIANA FREIRE RODAMILANS MARILIA MERCÊS OLIVEIRA MARINA CUMMING FARANI MATEUS BOAVENTURA DE OLIVEIRA MATEUS FREIRE DE LIMA E SOUZA MATHEUS DANTAS VEROTTI MAURÍCIO FERNANDO LIMA SANTOS MAURÍCIO LAVIGNE MOTA MAURÍCIO VALVERDE LIBERATO MAYANA LOPES DE BRITO MILENA CERQUEIRA DE SANTANA MILENA MENDONÇA MILENA NOBRE MAIA MOEMA MACHADO MONIQUE SIMÕES PABLO TARCEU NUNES MELO PALOMA CHEAB PATRÍCIA MINEIRO OLIVEIRA PAULA ANDRADE DE ANDRADE PAULA DANTAS PEDRO MELO PHILLIPE PAULO ARAÚJO MANSUR GOMES PRISCILA PEREIRA MEDRADO PRISCILA SOARES BRAGA PRISCILLA CARNEIRO RIOS CORDEIRO RENATA DIAS ARAÚJO RENATA FONSECA BARBOSA GOMES RENATA TAVARES RISVALDO VARJÃO OLIVEIRA JUNIOR ROBERTA BORGES GOMES RODOLFO GODINHO SOUZA DOURADO LIMA RODRIGO DE SOUSA MOTA RODRIGO SANTOS MATOS SÂMIA PIMENTA VEIGA SARAH DE QUEIROZ SILVA SAVIO OLIVEIRA PASTOR SIDINÉIA ROCHA SOFIA FLORES MATA VIRGEM TALITA GONZAGA COSTA TAMARA CARVALHO DOS SANTOS TÁSSIA CARVALHO LOPES TÉRCIA VILASBOAS REIS THAISA CONCEIÇÃO SILVA DE SOUZA THIAGO CARNEIRO MARQUES THIAGO GONÇALVES FUKUDA* THIAGO PEREIRA CAVALCANTI THOMAZ TOURINHO DE MENEZES TIAGO ARAÚJO OLIVEIRA DE SALES TIAGO SOUZA DE ALMEIDA TICHECO JÚNIOR S. S. TICHECO UBENÍCIO SILVEIRA DIAS JUNIOR VALDIR CERQUEIRA DE SANT’ANA FILHO VANESSA DORTAS MARTINS DE JESUS VANESSA CERQUEIRA LISBOA VANESSA SILVA MUNIZ VERÔNICA DE FÁTIMA PORTO VINICIO RODRIGUES DE BRITTO NETO VINÍCIUS PEDREIRA DE ALMEIDA SANTOS VINÍCIUS S. NUNES VITOR NASCIMENTO LIMA VIVIANE OLIVEIRA WASHINGTON LUIZ DE OLIVEIRA YGOR GOMES DE SOUZA ZENILTON LIMA DA SILVA SOBRINHO (*) Membro da Liga Acadêmica de Neurologia (Endereço eletrônico: [email protected]). ESTUDANTES FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (FFCH) DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) ANDRÉA PATO VIEIRA CAMPOS ALLANN DA CUNHA CARNEIRO LIANA SANTOS ALVES PEIXOTO ESTUDANTES ESCOLA DE NUTRIÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) ANA PAULA DA SILVA CRUZ ISADORA CONTREIRAS CARNEIRO RENATA BARROS DOS SANTOS ROBERTA BARONE LEITE ESTUDANTE CURSO DE MEDICINA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ (UESC) MARIA GIOVANA OLIVEIRA FARIAS ESTUDANTES CURSO DE ENFERMAGEM UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA (UEFS) IVNA DUTRA CAVALCANTE ESTUDANTES CURSO DE NUTRIÇÃO UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) PATRÍCIA BARROS DOS SANTOS ESTUDANTES ESCOLA BAIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA Curso de Medicina ALINE COSTA SILVA ALISSON MAGALHÃES CAMPOS DO VALE AMANDA CANÁRIO ANDRADE CLARISSA RODRIGUES CORDEIRO GONÇALVES FERNANDA SALES PEREIRA MELO JAQUISSON DE DEUS GUIMARÃES FILHO LEONARDO PIRES NOVAIS DIAS MARINA SOARES BLANCO NILO JORGE LEÃO BARRETTO PATRÍCIA OLIVEIRA GUIMARÃES PAULA NUNES GUIMARÃES DE SÁ BARRETO RAÍSSA GOMES MADEIRA SABRINE VILÁN DIAS VANESSA PORTO SOUZA Curso de Odontologia RAFAEL GUIMARÃES LIMA ESTUDANTES FACULDADES DE TECNONOLOGIA E CIÊNCIAS (FTC) DOCENTES DA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA (FAMEB) UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) Curso de Medicina GUSTAVO ADOLFO GARZEDIM LEITÃO GUERRA INSTITUIÇÕES DA CIDADE DO SALVADOR - BAHIA DIOGO MEDEIROS BAHIA, Médico-residente de Anestesiologia do Hospital São Rafael EUGENIA MARIA TEIXEIRA DE ARAÚJO, Médica do Hospital São Rafael FABIO DE CASTRO CRUZ, médico-residente de Ginecologia-obstetrícia do Instituto de Perinatologia da Bahia (IPERBA) da Secretaria de Estado da Saúde LUCIANA PEREZ, Médica-estagiária do Setor de Pneumologia Pediátrica do Centro Pediátrico Prof. Hosannah de Oliveira do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos da UFBA MARIA FERNANDA NOVAES DE CASTRO FERREIRA , Médica-residente do Programa de Radiologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (COMHUPES). PAULA MÁRCIA GOMES DO AMARAL , Médica do Hospital São Rafael PAULO BENIGNO PENA BATISTA, Chefe do serviço de Nefrologia do Hospital São Rafael. Doutor em Nefrologia RODRIGO JOSÉ BARATA PASSOS, médicoresidente do Instituto de Perinatologia da Bahia (IPERBA) da Secretaria de Estado da Saúde DOCENTES DE UNIDADES ENSINO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) JAMARY OLIVEIRA-FILHO, médico, Professor do Instituto de Ciências da Saúde. Doutor em Neurologia. Membro da Liga Acadêmica de Neurologia PEDRO ANTONIO PEREIRA DE JESUS, médico, Professor do Instituto de Ciências da Saúde. Especialista em Neurologia. Mestre em Medicina Interna. Membro da Liga Acadêmica de Neurologia ÁLVARO A. CRUZ , Médico, Professor do Departamento de Medicina. Doutor em Medicina Interna ANDRÉ NEY MENEZES FREIRE, Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Cirurgia Geral. Doutor e Livre-docente em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental AQUILES CAMELIER, médico, Professor-substituto do Departamento de Medicina. Doutor em Penumologia ARGEMIRO D’OLIVEIRA JUNIOR, Médico, Professor do Departamento de Medicina. Doutor em Medicina Interna BRUNO SILVA MATIAS , Médico, Professorsubstituto do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana CRISTIANA NASCIMENTO-CARVALHO, Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Doutor em Medicina, JACY ANDRADE , Médico, Professor do Departamento de Medicina. Doutor em Medicina Interna MARGARIDA DUTRA , Médica, Professora do Departamento de Medicina. Doutor em Medicina Interna RONALDO RIBEIRO JACOBINA, Médico, Professor do Departamento de Medicina Preventiva. Doutor em Saúde Pública. SUMÁRIO Apresentação ............................................................................................................................................ 1 Prefácio ..................................................................................................................................................... 5 I. PROCEDIMENTOS ESSENCIAIS ................................................................................................... 9 I.1. Suporte básico de vida e uso do desfibrilador externo automático ...............................................11 I.2. Declaração de óbito: a importância do adequado preenchimento ................................................ 21 II. EDUCAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA ............................................................................................... 29 II.1. Um exercício para o docente na perspectiva da transformação curricular do curso médico ...... 31 II.2. Tabagismo: do prazer à dor ......................................................................................................... 35 II.3. A relevância dos conhecimentos sobre contracepção no programa de saúde da família ............ 44 II.4. Identificação do comportamento de risco em adolescentes ........................................................ 51 II.5. Tópicos relevantes sobre infecções sexualmente transmissíveis ................................................ 63 II.6. Doença de Chagas: cosmopolita ou rural? .................................................................................. 81 II.7. A osteoporose como problema de saúde pública ......................................................................... 96 II.8. Diabetes mellitus: desfazendo crenças e tabus.......................................................................... 102 III. PREVENÇÃO, PROFILAXIA E CONTROLE .......................................................................... 115 III.1. Alimentação no primeiro ano de vida ....................................................................................... 117 III.2. Cuidados aos portadores de prejuízo da inteligência originados no início da vida ................. 133 III.3. Oportunidades perdidas de vacinação na criança .................................................................... 140 III.4. Prevenção dos acidentes domésticos infantis no âmbito da assistência primária à saúde ....... 147 III.5. Fatores de risco para as doenças respiratórias em crianças ..................................................... 156 III.6. Profilaxia das hepatites virais na atenção primária .................................................................. 163 III.7. Uso e abuso de drogas: uma proposta de olhar integral .......................................................... 173 III.8. O profissional de saúde e o adolescente usuário de substâncias psicoativas ........................... 183 III.9. Saúde ocular - tópicos de prevenção ....................................................................................... 194 III.10. O valor do toque retal e do antígeno prostático específico (PSA) no diagnóstico precoce do câncer prostático ............................................................................... 205 III.11. Modelo de triagem para infecção urinária recorrente na detecção precoce da doença prostática ............................................................................................................... 210 III.12. Prevenção do câncer do colo uterino ..................................................................................... 220 III.13. O acompanhamento pós-alta em pacientes acometidos por pneumonia hospitalar: informações ao médico da atenção básica .............................................................................. 232 IV. DIAGNÓSTICO ............................................................................................................................ 239 IV.1. Avaliação subjetiva global nos programas de atenção primária à saúde .................................. 241 IV.2. Risco reprodutivo: importância e rastreamento no âmbito do psf ........................................... 252 IV..3. Abordagem dos distúrbios menstruais disfuncionais .............................................................. 262 IV.4. Mastite puerperal ...................................................................................................................... 269 IV.5. Anemia ferropriva: falta ferro, mas não pode faltar a causa .................................................... 278 IV.6. Importância da avaliação da acuidade visual na primeira infância .......................................... 287 IV.7. Infecção urinária na criança: um diagnóstico que não pode ser esquecido ............................. 291 IV.8. Rinite alérgica na criança – uma doença subdiagnosticada ..................................................... 296 IV.9. Cefaléias – abordagem na atenção primária............................................................................. 305 IV.10. Transtorno de pânico: um guia compreensivo para a equipe de saúde em serviço de atenção básica .................................................................................................. 310 IV.11. Detectação da catarata em serviços de atenção básica na saúde. Recomendações sobre sua resolução ....................................................................................... IV.12. Trombose venosa profunda .................................................................................................... IV.13. O exame coproparasitológico ................................................................................................. IV.14. Contribuição do estudo radiológico no diagnóstico e acompanhamento da tuberculose torácica na atenção primária à saúde .................................................................... IV.15. A ultra-sonografia obstétrica no acompanhamento pré-natal ................................................. V. TRATAMENTO ............................................................................................................................... V.1. Abordagem das feridas agudas .................................................................................................. V.2. Cuidados básicos com a ferida cirúrgica ................................................................................... V.3. Constipação intestinal................................................................................................................ V.4. Pé diabético: recomendações básicas ........................................................................................ V.5. Ácido fólico: prevenção simples e eficaz da mielomeningocele ............................................... V.6. Antiinflamatórios não-esteróides: usos e abusos ....................................................................... V.7. O uso de anestésicos locais no atendimento básico à saúde ...................................................... 319 324 332 344 356 369 371 385 395 403 418 422 428 Índice remissivo ................................................................................................................................... 433 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 1 APRESENTAÇÃO Antes de apresentar este livro, faz-se necessário relatar duas histórias, distantes entre si pelo tempo de uma geração, a primeira iniciada em 1981 e a outra em 2005, quando ambas se encontraram – a antecedente conta outra parte da história no Brasil da Medicina de Família ou da Saúde da Família, e, a segunda, como essa encontrou o Programa de Alunos-especiais Docentes (PAED) e o Programa Voluntário de Iniciação Científica (PVIC) da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Em Março de 1981, realizou-se em Recife (PE) a reunião da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) do Ministério da Educação e naquela oportunidade os seus Membros conheceram o Programa de Residência Médica desenvolvido no município de Vitória de Santo Antão (Projeto Vitória da Universidade Federal de Pernambuco, coordenado pelos Profs. Amaury Coutinho e Guilherme Abath). Naquele período, a CNRM iniciava o processo de análise e credenciamento dos programas e constatou que o programa da UFPE era inovador, e reproduzia o modelo da Saúde da Família desenvolvido em alguns países da América Latina, Europa, Canadá e Estados Unidos, muitos deles conhecidos por alguns membros da CNRM(13). Durante essa mesma reunião da CNRM, os Profs. Amaury Coutinho e Guilherme Abath distribuíram cópias do artigo de White et al.(16), e, do mesmo modo de quando da sua publicação(7), causou grande impacto naqueles não-conhecedores desse clássico estudo(16). Os dados para a construção atualmente do conhecido Diagrama de White-Williams-Greenberg foi publicado em 1961(16), no prestigiado The New England Journal of Medicine, mas recebido com vociferantes críticas(7) pelos docentes de muitas Escolas Médicas dos Estados Unidos da América do Norte, especialmente por parte daqueles com formação e restrita atuação em subespecialidades. Em 2001, quarenta anos após a publicação do artigo original e agora também respaldado por resultados semelhantes de outros autores e de diferentes países, White(15) reviu os dados e as conclusões anteriores, enfatizando ser de 1 (0,1%) em 1.000 pessoas maiores de 16 anos de idade que necessitam de cuidados médicos em centros universitários, como mostra o diagrama abaixo. Diagrama de White-Williams-Greenberg(7). ← 1.000 pessoas adultas, maiores de 16 anos de idade ← 750 referiram uma ou mais queixas ou doenças nos últimos 30 dias ← 250 consultaram médico uma ou mais vezes nos últimos 30 dias ← 9 pessoas foram internadas ← 5 foram referidas para outro médico ← 1 (uma) pessoa foi internada em centro médico universitário 2 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA No estudo original(16) e na revisão subseqüente(15), entre aqueles (n=750) que relataram alguma queixa ou doença nos últimos 30 dias, só um terço (n=250) consultaram médico ou necessitaram de cuidados em algum tipo de serviço primário de saúde e, portanto, aparentemente a maioria (n=500) teve o problema de saúde resolvido espontaneamente, utilizando auto-tratamento, ou buscando ajuda de familiares, líderes comunitários ou amigos. Entre nós, essa mesma situação é sabidamente comum, apesar de provavelmente ser ainda maior o número de pessoas com relato de algum padecimento nos últimos 30 dias, por conta das influências ambientais, que favorecem muitos agravos à saúde nos países em desenvolvimento, e também, provavelmente, menor a proporção daqueles com acesso aos serviços de atenção primária à saúde, decorrente dos conhecidos entraves na organização, na distribuição e na qualidade desses mesmos serviços ou dos seus recursos humanos. De igual modo, aquelas proporções descritas no Diagrama de White-Williams-Greenberg evidenciavam em 1981, como ainda agora, questionamentos sobre a praticidade, a propriedade e as vantagens para a população brasileira de manter o ensino na área da saúde centrado em campos de prática dentro de modelo “hospitalocêntrico”, com ênfase na formação científica dos educandos e nas práticas da tecnociência, proposto a partir do Relatório de Abraham Flexner(9), após avaliar no início do Século XX os currículos de escolas médicas dos Estados Unidos e Canadá. No entanto, a reforma flexneriana do ensino médico recebeu poucas críticas ao longo de quase meio século e no Brasil exerceu marcante influência(10), sendo que seus reflexos negativos perduram até os dias atuais, e em certa medida, colaborou na inversão das prioridades na área do ensino e na natureza dos serviços de saúde próprios, ou conveniados às Escolas Médicas do Brasil. Nesse contexto, o trabalho de White et al.(16) foi um dos primeiros a mostrar, cientificamente, a impropriedade do modelo flexneriano e coincidiu sua publicação, nos países desenvolvidos do hemisfério norte, com o início da valorização e melhor estruturação da atenção primária à saúde, inclusive sustentado pela experiência inglesa do pós-guerra com a introdução no seu sistema de saúde do profissional médico “General Practitioner” (GP). Em 1969, a Medicina de Família foi reconhecida como especialidade médica nos Estados Unidos, sendo isso outro passo significativo contrário ao modelo predominante de formação do médico(2). Na América Latina, entre 1975 a 1981, a Medicina de Família, sob a forma de Programa de Residência Médica, era oferecida no México, Argentina, Panamá, Venezuela, Porto Rico e Costa Rica, além de uma iniciativa isolada na Bolívia(13, 14). Em Portugal e Espanha, os Programas de Residência Médica (PRM) em Medicina da Família já estavam consolidados no início dos anos 80 do Século XX(14). Esse novo esforço da classe médica teve sua maior demonstração de pujança com a participação de 7.203 médicos na Conferência Mundial sobre Medicina de Família (1980, Nova Orleans), mas a quase totalidade de procedência norte-americana ou de países desenvolvidos (Canadá, de países da Europa e Austrália). Nesse conclave, só 125 médicos eram de países latino-americanos, e entre esses 2 do Brasil(13). Após aquela visita ao Programa em Vitória de Santo Antão (PE), a revisão da literatura e as subseqüentes avaliações de outros PRMs dessa área-especialidade, fundamentaram a decisão da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), do Ministério da Educação, de iniciar os estudos para a inclusão do PRM de Medicina de Família entre as especialidades médicas, e estabelecer os requisitos programáticos dessa nova área. Posteriormente denominada de Medicina Geral Comunitária(4), diferenciando-a do PRM em Medicina Preventiva Social. Não obstante, foi forte a oposição à criação pela CNRM, de parte de setores e profissionais historicamente vinculados a burocracia do sistema público de saúde, desse novo PRM, e também em denominá-lo de Medicina de Família ou Saúde da Família, como era predominante chamado no mundo ocidental desenvolvido. Por sua vez, as vozes contrárias a esse novo PRM tinham razões quase sempre pessoais, baseadas em “achismos”, nada institucionais e muitas restritas à reserva de mercado para outra reconhecida e relevante especialidade médica. Porém, essas críticas, a juízo da maioria da CNRM, eram desprovidas de cientificidade, lógica e até de espírito acadêmico ou profissional. Mesmo assim e nesse contexto bastante adverso, foi criado pela CNRM o PRM em Medicina Geral Comunitária(4), e contando à época com o forte apoio do Representante do Ministério da Previdência e Assistência Social, Dr. Milton Machado (do Hospital de Ipanema, Rio de Janeiro), até por ser esse órgão o maior financiador de bolsas para médicos-residentes de todo o Brasil. Em 1982, foram credenciados pela CNRM os primeiros programas em Medicina Geral Comunitária, nas cidades de Goiânia (GO), Pelotas (RS), Petrópolis (RJ), Porto Alegre (RS), Recife (PE), São Luis (MA) e São Paulo SP). Com a instituição do Sistema Único de Saúde, em 1988, houve o crescente aumento da demanda por profissionais formados em Medicina de Família e assim prevaleceu a verdade, “como filha do tempo e não da autoridade” (Francis Bacon), e hoje o mercado dia-a-dia necessita desse profissional, com formação integral e com crescentes demandas por programas de educação permanente. Mesmo assim, só 21 anos após a supracitada resolução da CNRM(4) foi politicamente possível, sem as pueris críticas dos anos 80 do Séc. XX, a mudança daquela denominação do PRM para Medicina de Família e Comunidade(5). Infelizmente, todo aquele movimento ao retrocesso adiou e retardou por quase um quartel de século a consolidação dos PRMs na área de Medicina de Família e Comunidade, isso refletiu na formação de pessoal como também na organização curricular das Escolas Médicas. Esse nocivo adiamento não foi ainda maior e pior, porque uns poucos§ sustentaram a defesa dos PRMs em Medicina de CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 3 Família, especialmente a partir da Declaração de Petrópolis(6), em 07 de Novembro de 1981, pois sem esses programas e coordenadores precursores, o Brasil teria perdido a oportunidade de acompanhar e consolidar esse modelo de PRM, o qual nos dias atuais há ainda em pequeno número, especialmente se for considerado o elevado número de equipes de saúde da família. Entre lá e cá, só em 1994 foi instituído o Programa de Saúde da Família (PSF) pelo Ministério da Saúde, o qual trouxe crescentes demonstrações da carência de profissionais especializados em Atenção Primária à Saúde, não só como agentes multiplicadores, mas também, como promotores de melhores serviços à população. Por outro lado, a organização do Sistema Único de Saúde (SUS) e o PSF fomentaram a necessidade de reformulação dos currículos acadêmicos para atender essa crescente demanda. Mas, no peculiar descompasso entre realidade e necessidade, só sete anos após, em 2001, o Conselho Federal de Enfermagem (Resolução n° 260/2001, posteriormente incorporada na Resolução n° 290/2004) reconhece a especialidade de Saúde da Família, e no ano seguinte, em 2002, também o Conselho Federal de Medicina (Resolução n° 1.634), denominando-a como Medicina de Família e Comunidade. No entanto e ao bem da verdade, só com a instituição do Programa de Saúde da Família no Brasil, observando o modelo preconizado pelo Sistema Único de Saúde(12), houve condições mais propícias no mercado de trabalho, que impulsionam, mas ainda de forma tímida, o fomento da especialidade Saúde da Família ou Medicina de Família e Comunidade. Não obstante, como de resto nos sistemas educacional e de saúde do Brasil, ainda sobra quantidade com pouca qualidade ou, mais propriamente, sobra o uso desqualificado e irresponsável de indicadores centrados no número “de salas de aula”, “de postos de saúde” ou “de equipes de saúde da família”, mas como indicadores desvinculados das evidências associadas à qualidade dos serviços prestados nesses locais ou por seus profissionais. Entretanto, esse panorama não poderia ser mesmo muito diferente. Afinal, gestores e políticos brasileiros são formados ou atendidos dentro de sistemas distorcidos, e esses bem sabem que conta com a omissão de grande parte da população, gerada pelo próprio sistema fomentador do também crescente analfabetismo funcional. Ou seja, o perverso círculo vicioso não é casual, gerando inclusive nos grandes centros urbanos do País grotões e lideranças próprias da era do coronelismo brasileiro. Nesse contexto brasileiro, as transformações curriculares nos cursos superiores têm sido mais lentas. Nos Cursos de Medicina, apesar do notável trabalho desenvolvido pela Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM)(3), a partir de 1991, só no final de 2001 foram publicadas as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Medicina(1), mas até sua real implantação nos currículos de muitas escolas médicas, especialmente nas mais antigas, há ainda contínuo e permanente trabalho para a obtenção dos primeiros resultados. Mesmo porque, como ensina o conhecimento popular, “não é fácil mudar a roda do carro com esse em movimento”. Todavia, é necessária boa vontade, projeto de qualidade, e, principalmente, a agregação de educadores com visão de futuro, mas pouco afeitos às picuinhas acadêmicas ou, como referiu Darcy Ribeiro, ser “exercício de vadiagem acadêmica” não responder, primeiro, duas perguntas básicas: “Por que o Brasil não deu certo? E o quê cada um precisa fazer para o Brasil dar certo?”. A segunda história, aquela iniciada em 2005 mas planejada desde o início de 2004, é fundamentada na transformação curricular do curso de Medicina da UFBA e na inserção dos alunos e dos docentes em atividades próprias da Atenção Primária à Saúde. No final de 2004, foi apresentado ao Colegiado do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde (PPgMS), e posteriormente à Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o Programa de Alunosespeciais Docentes (PAED) voltado ou com o objetivo de estimular seus Professores sem a titulação de Doutor, que à época correspondia ao contingente de 52% dos 202 Professores do Corpo Docente Permanente. Mesmo reconhecendo ser necessária, e urgente, repensar a pós-graduação stricto sensu na área médica, porque, até onde o bom senso ensina e demonstra, não é possível qualificar clínicos e cirurgiões com esse atual modelo, o qual os afasta das boas e esperadas práticas clínicas ou cirúrgicas. Contudo, as atuais políticas públicas criaram a quase obrigatoriedade, à valorização acadêmica e não à profissional, da titulação de Mestre e Doutor, talvez por ingenuamente esperarem que por esse modelo seja possível qualificar um refinado cirurgião ou um bom médico com elevado tirocínio clínico. Mesmo com esse contexto e crítica, 44 (42%) Docentes da FAMEB-UFBA aderiram à proposta do PAED, com a oferta de disciplinas do Curso de Doutorado, na condição de alunos-especiais do PPgMS, e ministradas em horários alternativos ou finais de semana. Em 2005, de Maio a Dezembro, foram oferecidas 2 disciplinas obrigatórias (Bioética; e Didática e Pedagogia Especial), e também trabalhados conteúdos objetivando a exposição do Docente-aluno em atividades voltadas à discussão da nova proposta de transformação do curso de Medicina. Em Dezembro de 2005, esses Docentes-alunos elaboraram a 3ª Versão do Projeto de Transformação Curricular (Proposta PAED)(11) e, para isso, muitos conheceram pela primeira vez a literatura supracitada e, pela primeira vez, alguns serviços de atenção primária à saúde. Profs. Drs. Carlos Alberto Salgado Borges (Universidade Federal do Maranhão), Eduardo Vilhena Leite (Faculdade de Medicina de Petrópolis), Ellis D’Arrigo Busnello (Secretaria da Saúde do Governo do Rio Grande do Sul), Fábio Zicker (Universidade Federal de Gioás), Guilherme Abath (Universidade Federal de Pernambuco), Kurt Köetzel (Universidade Federal de Pelotas), Nelson Rudi Koehler (Secretaria da Saúde do Governo do Rio Grande do Sul) e Roberto G. Baruzzi (Escola Paulista de Medicina). § 4 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA No final de Outubro de 2005, duas novas atividades foram introduzidas ao PAED, como etapas preliminares ao planejamento das respectivas disciplinas a serem oferecidas ao longo de 2006. A primeira, o Programa Voluntário de Iniciação Científica (PVIC), destinado aos alunos de graduação sem vínculo com outros programas de Iniciação Científica (PBIC, IC-CNPq, PET, etc.), para isso cada Docente-aluno do PAED deveria selecionar de 3 a 9 alunos de graduação, preferencialmente observando os critérios de seleção estabelecidos em outro trabalho(8). A partir de meados de Novembro de 2005, os 189 alunos de graduação (PVIC) passaram a ter seminários, independentes dos oferecidos ao PAED, sobre temas de Metodologia da Pesquisa e Bioética; dessa forma foi criado o ambiente acadêmico necessário à oferta em 2006 (durante os 2 semestres), para os membros do PAED, da disciplina “Trabalho de Supervisão de Alunos de Graduação”, na qual o Supervisor (membro do PAED) discute com os alunos de graduação (PVIC) do seu grupo: o projeto de pesquisa (a ser executado, no futuro, como Trabalho de Tese); a revisão da literatura; e a elaboração de subprojetos de pesquisa, individuais, com nexo direto ao projeto de pesquisa do seu Supervisor do PAED. A segunda atividade, do final de 2005, foi a proposta deste livro como parte da disciplina “Elaboração de Trabalho Científico”, vinculada com a primeira ao buscar estreitar o convívio dos alunos de graduação (PVIC) e os Docentes-alunos do PAED. Para tanto, ambos os grupos (PVIC e PAED) tiveram o desafio em Dezembro de 2005 de proporem um tema da área-especialidade do Docente-aluno e de interesse da atenção primária à saúde. Desse modo, foi possível associar ensino de graduação e de pósgraduação, transformação curricular do curso médico e a maior sensibilização dos docentes e alunos sobre aspectos peculiares da atenção primária à saúde, e sua relevância à saúde do povo brasileiro. Em conclusão, este livro é fruto daquele desafio iniciado em 1981, e por isso para ser anunciado houve a necessidade de expor toda a rede tecida nessa jornada de 25 anos. Esperamos que este livro, fundamentalmente, estimule trabalhos semelhantes em outras Escolas Médicas e incentive os vários grupos de estudo e pesquisa deste País a esforços visando o aumento da produção intelectual e técnica, com o objetivo de aprimorar e ampliar os instrumentos de educação permanente voltados à valorização dos profissionais das equipes de atenção primária à saúde - para esses os nossos incentivos, pois este livro foi escrito pensando em vocês e para vocês. JOSÉ TAVARES-NETO Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia Coordenador do Programa de Alunos-especiais Docentes (PAED) e Coordenador do Programa Voluntário de Iniciação Científica (PVIC) do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde da FAMEB-UFBA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brasil. Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Medicina. Resolução n° 4 da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação. Diário Oficial da União, Seção I, de 9 de novembro de 2001. 2. Ceitlin J. El medico general/familiar em America Latina. Residência Médica (Ministério da Educação, Brasília) 4: 91-110, 1982. 3. Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM). Relatório da Fase III. 1999 – 2000. Universidade Federal de Pelotas: Pelotas (RS), 300p., 2000 [impresso]. 4. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução n° 07 de 1981. Diário Oficial da União, Brasília, Seção I, de 17 de Junho de 1981. 5. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução CNRM nº 05 de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, de 23 de dezembro de 2002. 6. Declaração de Petrópolis. Residência Médica (Ministério da Educação, Brasília) 4: 62-65, 1982. 7. DeFriese GH. The visualization of primary care. North Carolina Medical Journal 63: 186-188, 2002. 8. Figueiredo GC, Tavares-Neto J. 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Primary health care lessons from the Northeast of Brazil: the Agentes de Saúde Program. Pan American Journal Public Health 7: 293-302, 2000. 13. Tavares-Neto J. Relatório consolidado de Viagens (1980-1982), patrocinadas pela Fundação Kellog, aos Programas de Residência Médica da Argentina, Bolívia, Venezuela, Panamá, Costa Rica, México, USA (Dallas) e Porto Rico. Secretaria-executiva da Comissão nacional de Residência Médica, Secretaria do Ensino Superior/Ministério da Educação: Brasília, 54p., 1982 [impresso]. 14. Tavares-Neto J. A Medicina de Família nos Países Ibero-americanos. Residência Médica (Ministério da Educação, Brasília) 5: 45-81, 1983. 15. White KL. The ecology of medical revisited. New England Journal of Medicine 344: 2021-2025, 2001. 16. White KL, Williams TF, Greenberg BG. The ecology of medical care. New England Journal of Medicine 265: 885-892, 1961. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 5 PREFÁCIO A melhoria das condições de saúde é uma condição essencial para o desenvolvimento das populações e representa atualmente um dos principais desafios enfrentados pelos países para atingir um nível maior de bem-estar para todos seus habitantes. Nas últimas décadas tornou-se cada vez mais evidente que superar as condições de pobreza em que vivem e crescem milhões de pessoas em todo o planeta requer populações saudáveis que possam produzir os bens e os serviços necessários para consegui-lo. Embora milhões de pessoas em todo o mundo apresentem melhores condições de saúde e aumento contínuo da expectativa de vida, outros ainda não puderam beneficiarse dos conhecimentos e tecnologias que permitiram este importante avanço. Em algumas áreas do mundo a expectativa de vida permanece em patamares que correspondem aos índices registrados nos países desenvolvidos há mais de um século. Este contraste acentuado revela a falta de acesso de amplos setores da população a medidas e intervenções básicas que podem contribuir à prevenção e tratamento de doenças e à promoção de condições que garantam um crescimento e desenvolvimento mais saudáveis. A persistência de problemas de saúde e doenças já superados em grande parte do mundo representa a prova mais clara da desigualdade e distribuição assimétrica dos benefícios que podem ser obtidos pelos conhecimentos e tecnologias disponíveis. Estes demonstraram serem úteis para prevenir doença e morte de milhões de pessoas nos países desenvolvidos, mas ainda não estão ao alcance de muitos países ou aéreas em desenvolvimento ou ainda de grandes grupos populacionais marginais inclusive dos que vivem em países desenvolvidos. Como conseqüência desta desigualdade, em muitos países em desenvolvimento, registram-se atualmente indicadores de morbidade e mortalidade, em alguns casos dezenas ou centenas de vezes, mais altos que os verificados em países desenvolvidos. Mesmo nestes últimos, pode-se observar contrastes quando se compara a situação dos grupos populacionais segundo seu nível de renda, revelando que as condições de desigualdade e falta de eqüidade são observadas não só entre os países mas também internamente. Esta situação e a persistência de elevados níveis de pobreza em muitos países e grupos populacionais constituem atualmente um obstáculo-chave para alcançar o desenvolvimento provocou o surgimento, na última metade do século XX, de um conjunto de iniciativas diferentes orientadas a acelerar a efetiva implementação e aplicação das medidas básicas de prevenção e controle de doenças, especialmente nas populações mais vulneráveis. A proposta da estratégia de atenção primária da saúde (APS) se constituiu uma dos elementos fundamentais neste processo. Ao estabelecer a necessidade e importância de proporcionar acesso a uma atenção integrada e progressiva dos problemas 6 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA de saúde e doenças que com maior freqüência afetavam as populações, a APS contribuiu para expandir o acesso das populações às intervenções, incorporando não só os serviços de saúde como também a comunidade às diferentes etapas da gestão em saúde. As metas da Cúpula Mundial para a Infância foram adotadas por mais de cem países da Organização das Nações Unidas em 1990, quando que todos os países do mundo se comprometiam a alcançar metas específicas de redução da mortalidade e morbidade materno-infantil até o ano 2000. Este fato reforçou o compromisso da comunidade internacional, dos governos e da sociedade civil de organizar e realizar ações de saúde que seriam avaliadas por sua contribuição ao alcançar resultados concretos em termos de maior sobrevida e desenvolvimento infantis. Além disso, contribuíram para fortalecer os mecanismos de vigilância da situação de saúde em nível nacional e internacional e permitiu um maior e melhor conhecimento das doenças e dos problemas que ainda afetam a saúde de diferentes grupos populacionais. A avaliação das Metas da Cúpula Mundial, realizada em 2000, permitiu comprovar os resultados obtidos e identificar os desafios ainda em aberto, entre os quais se destacou a necessidade de um vínculo mais estreito entre a saúde e o desenvolvimento como condição-chave para melhorar a situação de saúde das populações e contribuir para condições mais eqüitativas de vida. Estes desafios ainda em aberto fizeram com que fosse reposicionada na agenda internacional a importância de continuar empenhandose por aumentar a sobrevida infantil, de complementá-la com a criação de condições adequadas para o crescimento e desenvolvimento saudáveis e de garantir estas condições ao longo de todo o ciclo de vida. As Metas de Desenvolvimento para o Milênio (MDM), aprovadas como um desafio para os primeiros quinze anos do século XXI, estabelecem como prioridade internacional a erradicação da pobreza e da fome, a educação universal, a garantia dos direitos humanos com ênfase nas populações mais vulneráveis e a melhoria da situação de saúde da população, concentrando-se especialmente na saúde materno-infantil e na prevenção e controle de doenças que representam risco à sobrevida e o desenvolvimento humanos. Deste modo, as MDM representam não só uma continuidade dos compromissos adotados na Cúpula Mundial para a Infância, mas representam um avanço mais além destas ao tratar das ameaças gerais para a saúde e o desenvolvimento em geral. O cumprimento das MDM porá à prova nos próximos anos a capacidade dos países do empenho na busca por melhores condições de saúde da sua população, ademais de estabelecer uma maior exigência para que tais resultados sejam alcançados com maior eqüidade a fim de reduzir a atual distribuição injusta dos benefícios de intervenções básicas e de baixo custo que podem prevenir e controlar um grande número de doenças e problemas de saúde. Esta exigência é expressa tanto em termos da redução da disparidade entre os países nos indicadores de saúde, como no enfoque das MDM para a prevenção e controle de doenças que afetam principalmente os países e grupos populacionais em situação de maior pobreza e vulnerabilidade. O avanço para o cumprimento das MDM implica também no desafio aos países de realizá-las no contexto de um perfil epidemiológico diversificado, que combina a emergência de novas doenças e problemas de saúde associados ao desenvolvimento com a persistência de doenças associadas aos níveis mais baixos de desenvolvimento, reemergentes em áreas geográficas ou grupos populacionais antes não afetados ou com novas variantes associadas à capacidade de adaptação de muitos agentes etiológicos de origem infecciosa. Além disso, contribuem para esta situação novas ameaças à saúde associadas ao crescente peso do ambiente como determinantes da saúde e ao efeito que este tem como desencadeante de catástrofes naturais ou na disseminação de agentes etiológicos. Este novo perfil epidemiológico requer uma maior quantidade de informação sobre a etiologia e os principais determinantes das doenças, sobre as intervenções disponíveis para sua prevenção e controle e sobre as estratégias que podem ser empregadas para que estas sejam disponíveis para toda a população. Mas também requer que esta informação chegue a todos os principais envolvidos no processo de conversão de conhecimentos em ações que possam resultar na prevenção de doenças e problemas de saúde, tratamento precoce e adequado das doenças e adoção de hábitos de vida que promovam o crescimento e desenvolvimento saudáveis. Apenas por meio deste processo é que será possível comprovar o êxito das intervenções nas condições práticas habituais em que vivem as populações mais vulneráveis, que devem ser os beneficiários prioritários da sua aplicação. Este processo de democratização do conhecimento deverá sustentar-se tanto dos possuidores dos conteúdos básicos de cada disciplina e campo da ciência e dos que deverão contribuir para sintetizá-los em intervenções factíveis de ser aplicadas na população, como dos que terão como responsabilidade sua aplicação para a obtenção dos resultados esperados. Neste contexto, o papel dos especialistas é essencial pois estes constituem, por um lado, a referência primária para a atenção dos problemas e das doenças de sua área específica e, por outro lado, podem contribuir para sistematizar os conteúdos básicos que pode ser posto à disposição tanto do pessoal de saúde não especializado como das próprias comunidades. Estes conteúdos básicos contribuirão para melhorar a qualidade da atenção das doenças e dos problemas de saúde na atenção primária e também promover a adoção de condutas e hábitos de vida que contribuam para a prevenção e controle destes problemas em casa e na comunidade. A sistematização desta informação constitui uma tarefa de grande importância e requer a seleção cuidadosa dos tópicos mais CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 7 relevantes em termos do perfil epidemiológico das comunidades e considerar tanto as doenças e problemas de saúde que costumam afetar as pessoas como aqueles que, embora com menor freqüência, possam representar um risco considerável para a sobrevida e crescimento e desenvolvimento saudáveis. Por outro lado, e dentro de cada tópico, é fundamental selecionar os conteúdos mais relevantes para com as evidências científicas disponíveis mais atualizadas proporcionar uma sistematização didática e clara destes com enfoque direcionado à intervenção no nível primário. Nas páginas seguintes desta publicação são abordados ambos enfoques, proporcionando ao médico da atenção primária tanto informações sobre os últimos avanços e conhecimentos básicos para os principais problemas de saúde e doenças que afetam a população como a melhor abordagem para sua prevenção e controle por meio de ações e intervenções factíveis de ser aplicadas na atenção primária. Este livro é o produto de uma visão inovadora por parte da Faculdade de Medicina da Bahia – UFBA, que recebeu contribuição de 45 docentes desta Faculdade, tendo vários estudantes de medicina como seus colaboradores. Os capítulos são bastante relevantes para a atuação no nível de atenção primária da saúde e a maior parte de seus conteúdos apresenta grande originalidade no enfoque e na condução da atenção. Desta maneira, este livro representa um instrumento fundamental, contribuindo para o processo de democratização do conhecimento científico mais atualizado a fim de melhorar a saúde da população permitindo-lhe acesso às intervenções mais efetivas que, baseadas nas evidências científicas existentes, levarão à sobrevida infantil e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis ao longo de todo o ciclo de vida da população. Felicitamos os autores e editores dos capítulos, na pessoa do Dr. José Tavares-Neto, Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, pela iniciativa em elaborar esta obra de grande relevância e, em nome da Organização Pan-Americana da Saúde, desejamos grande sucesso na sua divulgação e utilização entre o pessoal responsável pela atenção básica em saúde, o que certamente irá contribuir para melhores condições da atenção à saúde e prevenção às doenças na pratica médica diária. Yehuda Benguigui Chefe da Unidade Saúde da Criança e Adolescente Saúde Familiar e Comunitária OPAS/OMS 8 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE I. PROCEDIMENTOS ESSENCIAIS 9 10 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA I.1 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE SUPORTE BÁSICO DE VIDA E USO DO DESFIBRILADOR EXTERNO AUTOMÁTICO OBJETIVOS Paulo André Jesuíno Diego Teixeira Nascimento Fernanda Azevedo Jesuíno Kiely Midori Nascimento Kataoka Maria Almeida Dias Mayana Lopes de Brito Maurício Valverde Liberato Rodrigo de Sousa Mota Tércia Vilasboas Reis Ao final deste capítulo, você deve ser capaz de: 1. Explicar o conceito de Suporte Básico de Vida (SBV), suas etapas e a importância da difusão do seu conhecimento para os profissionais de saúde; 2. Reconhecer a importância da implementação do Desfibrilador Externo Automático (DEA) no sistema de saúde; 3. Associar a estrutura básica anátomo-funcional dos sistemas respiratório e cardiovascular com as manobras do SBV; 4. Identificar as pessoas que possuem maior risco de sofrerem Parada Cardiorrespiratória (PCR); 5. Reconhecer prontamente uma vítima de PCR e indicar corretamente o início do SBV e o uso de DEA; 6. Referir detalhadamente as etapas do SBV; e 7. Determinar as situações especiais e as modificações do SBV necessárias. SITUAÇÃO PROBLEMA Você faz parte de uma equipe do Programa de Atenção Básica de Saúde. Está visitando as famílias da sua região, quando é chamado por um morador para socorrer Dona Eugênia, uma senhora de 56 anos, membro de uma família que você acompanha, que segundo o interlocutor está desacordada. Ao chegar lá, você encontra a vítima deitada no chão. INTRODUÇÃO O suporte básico de vida (SBV) consiste em medidas não-invasivas que proporcionam a manutenção de funções vitais, como respiração e circulação, de uma vítima de parada cardiopulmonar. Portanto, é a primeira medida de emergência e consiste, inicialmente, no reconhecimento da obstrução de vias aéreas e da parada cardiorrespiratória(15, 27). O diagnóstico clínico da parada cardíaca é determinado pela cessação brusca da atividade cardíaca, inconsciência, apnéia ou esboço da respiração, ausência de pulso nas grandes artérias (carótidas e femorais) e aparência moribunda(7, 10). Geralmente, a parada cardíaca fora do hospital é causada por fibrilação ventricular, sendo a desfibrilação o tratamento eficaz. Essa eficácia, porém, diminui a cada minuto que passa(26). A sobrevivência posterior à parada cardíaca causada por fibrilação ventricular diminui, aproximadamente, de 7% a 10 % por cada minuto sem desfibrilação, caindo para apenas 2 a 5% depois dos 12 minutos a partir da perda da consciência(2, 8). Isso mostra a importância vital de se educar o público leigo a reconhecer a PCR e executar o SBV antes que o paciente possa ter acesso a recursos técnicos e terapêuticos mais avançados, que somente são possíveis em um hospital(10). A seqüência de SBV inclui o ABC (A: abertura das vias aéreas; B: avaliação da respiração; C: avaliação da circulação) da ressucitação cardiopulmonar (RCP) e o “D” de desfibrilação. Essa seqüência pode ser realizada por qualquer pessoa treinada. Portanto, o SBV juntamente com o uso do desfibrilador externo automático (DEA) são cruciais e podem salvar vidas. A morte súbita é o principal problema de Saúde Pública nos Estados Unidos(28, 29). Aproximadamente 500 mil mortes por ano que ocorrem nos EUA são atribuídas à parada cardíaca, sendo que 47% dessas mortes ocorrem fora do ambiente hospitalar(24, 14). A 11 Palavras-chaves: Sistema Médico de Emergência, Ressuscitação Cardiopulmonar, Cardioversão Elétrica, Primeiros Socorros, Parada Cardíaca. 12 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA sobrevida dos atendimentos dessas paradas cardíacas fora do hospital é estimada em menos de 5%, segundo dados dos EUA e Canadá(12). No Brasil, a mortalidade por doença cardiovascular é de 300 mil óbitos anuais. Em 1998, o total de casos de morte súbita foi de 159.256, segundo estatísticas do Ministério da Saúde(18). Os coeficientes de mortalidade por doença cardiovascular no Brasil vêm aumentando, ao contrário do que vem ocorrendo nos Estados Unidos e em alguns países da Europa(29). Dessa forma, torna-se imprescindível a capacitação do maior número possível de pessoas, principalmente aqueles da área de saúde, para que ocorra mudança do quadro de sobrevida dessas vítimas. Algumas comunidades com programas de socorristasA têm relatado o aumento na taxa de sobrevida nas paradas cardíacas porque foi utilizada a RCP e desfibrilação precoces com o uso do DEA(12). Assim, a primeira “linha de defesa” contra a morte súbita é o leigo que está próximo do paciente. O preparo desta “linha de defesa” se baseia em instrutores altamente motivados, simplicidade de apresentação, repetição, demonstração e prática em manequins(15). Esses programas mostram-nos a necessidade do planejamento, prática e treinamento das comunidades, sendo de crucial importância à execução desse objetivo a difusão de conhecimentos sobre o tema entre todos os componentes do sistema de saúde, em especial os profissionais mais diretamente vinculados à atenção à saúde. BREVE NOÇÃO DE ANATOMIA E FISIOLOGIA DOS APARELHOS RESPIRATÓRIO E CARDIOVASCULAR Para o melhor entendimento do que ocorre em uma PCR e, mais ainda, quais são os principais alvos de uma ressucitação cardiopulmonar, faz-se necessária uma noção básica da anatomia e fisiologia dos aparelhos respiratório e cardiovascular. É sabido que todas as células corporais necessitam de um fornecimento contínuo de oxigênio para funcionar. A função do aparelho respiratório é levar oxigênio do ar ao sangue e eliminar gás carbônico (CO2) do organismo(23). Para realizar essa função, em primeiro lugar é necessário que as vias aéreas estejam abertas. O aparelho respiratório, de uma forma abrangente, divide-se em vias aéreas superiores (nariz, boca, faringe e laringe) e inferiores (traquéia, brônquios, bronquíolos e alvéolos)(23). Em segundo lugar, o organismo lança mão da inspiração e expiração. Na inspiração ocorre um processo ativo com a utilização de diversos músculos (diafragma e intercostais em situações normais) que expandem a caixa torácica. Já na expiração ocorre um processo passivo com o relaxamento dos músculos, diminuição da caixa e, conseqüentemente, expulsão do ar. Todo esse processo nada mais é do que a ventilação. Para que ela ocorra, é necessária uma diferença de pressão entre o ambiente e os pulmões. Tome como exemplo uma sanfona: quando abre, a pressão interna torna-se menor que a externa, com isso, o ar que está no ambiente é “sugado”. Já quando ela se fecha, ocorre o contrário: a pressão interna torna-se maior e “expulsa” o ar. Por isso, em uma situação de parada respiratória, a pressão externa tem que ser imposta pelo socorrista através da respiração boca-a-boca ou utilizando a máscara com “ambú”, já que o mecanismo da sanfona (ventilação) não está sendo realizado pela vítima. A Socorrista: Não existe essa categoria profissional no Brasil. Para melhor entendimento do texto será utilizado esse termo designando qualquer pessoa treinada para ajudar uma vítima de parada cardíaca, independente da categoria profissional. A partir da respiração, é possível dizer que o oxigênio chegou ao sangue. Entretanto, o O2 ainda não completou o seu caminho, ou seja, ainda não chegou às células do organismo. É nesse ponto que entra a função do aparelho cardiovascular (composto pelo coração, artérias, veias e capilares). Funcionando como uma bomba, o coração é um órgão muscular oco, que se localiza no centro do tórax, sendo o maior responsável pela circulação do sangue no organismo(11). Na verdade, o coração é uma bomba dupla. Uma bomba (o lado direito do coração) recebe o sangue que retornou do organismo após fornecer oxigênio aos tecidos. O lado direito do coração bombeia esse sangue aos pulmões, onde é liberado o CO2 e captado o oxigênio. A segunda bomba (o lado esquerdo do coração) recebe o sangue oxigenado dos pulmões e bombeia-o para o resto do corpo(23). O coração nada mais é, portanto, do que uma bomba, semelhante a uma bomba de água (hidráulica). Mais uma vez, em uma PCR, ao fazer as compressões torácicas, o atendente está tentando substituir a função da bomba cardíaca visando manter um mínimo de circulação e, conseqüentemente, oxigenação para as células do corpo, principalmente as células cardíacas. O objetivo é que quando o DEA chegue, o coração ainda tenha capacidade de voltar a se contrair e bombear efetivamente o sangue para o resto do organismo. Com o exposto, fica claro que o objetivo maior do SBV é manter o mínimo de oxigenação para o coração, permitindo ao menos que o mesmo continue fibrilando até a disponibilidade de uma desfibrilação precoce, único tratamento considerado eficaz para essa situação. QUEM PODE SOFRER PARADAS CARDIORRESPIRATÓRIAS? Mais de 70% de todas as mortes súbitas ou paradas cardiorrespiratórias (PCR) têm causa cardíaca e 80% dessas são atribuíveis à doença arterial coronariana. Aproximadamente 70% das PCRs ocorrem em homens. Similar ao infarto, a PCR tem padrão circadiano com um pico primário nas horas matutinas, após o despertar, das seis horas até o meio-dia(16). Os fatores de risco que podem levar a uma PCR são os mesmos que levam às doenças do coração e abrangem idade avançada, gênero masculino, sedentarismo, obesidade, colesterol elevado, tabagismo, hipertensão, diabetes mellitus e história familiar(2). As pessoas com mais de um fator de risco têm muitas chances de apresentarem doenças vasculares do que aquelas que não possuem nenhum. Por exemplo, a probabilidade de sofrer um ataque cardíaco pode ser até dez vezes maior para a pessoa que tem um nível de colesterol sérico anormal (elevado) e fuma dois maços de cigarros por dia do que aquela com níveis de colesterol normal e que não fuma. No entanto, os ataques cardíacos também ocorrem na ausência de fatores de risco(23). A principal causa de PCR é a doença isquêmica do coração (infarto agudo do miocárdio), que é a morte do tecido cardíaco por isquemia, pela interrupção completa do fluxo sanguíneo na região afetada do coração, geralmente causada pela aterosclerose. Outras causas de PCR seriam as intoxicações exógenas, que podem ser por medicamentos ou drogas ilícitas como a cocaína; o choque elétrico; a asfixia; os afogamentos; os traumas; entre outras(2, 17). As arritmias cardíacas podem ser: taquiarritmias – um ritmo cardíaco anormalmente rápido (freqüência cardíaca FC>100 bpm) e bradiarritmias – ritmo cardíaco lento (freqüência cardíaca FC<60 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE bpm). Essas anormalidades no batimento cardíaco fazem com que o coração possa não conseguir bombear o sangue corretamente, o que pode levar a uma PCR(16, 17). As arritmias que mais estão implicadas na PCR são: • Taquicardia Ventricular (TV): é a rápida sucessão de batimentos ventriculares a uma FC>100 bpm. É um ritmo que, em algumas situações, pode não permitir o bombeamento adequado do sangue para os tecidos, culminando em PCR, à semelhança do que ocorre com a Fibrilação Ventricular(27, 17). • Fibrilação Ventricular (FV): é uma arritmia maligna caracterizada pela contração incoordenada do coração resultando na incapacidade de manter um rendimento de volume sanguíneo adequado(27). Se não for imediatamente interrompida, a FV resulta em PCR. A fibrilação ventricular provoca a perda de consciência em questão de segundos. Se não for tratado, o indivíduo geralmente apresenta crises convulsivas e lesão cerebral irreversível após aproximadamente cinco minutos, pois não há mais aporte de oxigênio ao cérebro. Em seguida, sobrevém a morte. O médico deve suspeitar do diagnóstico de fibrilação ventricular quando o paciente apresenta um colapso súbito(16, 17). • Assistolia: é ausência total de atividade elétrica ou mecânica dos ventrículos(27). Assistolia acontece quando o sistema elétrico do coração não gera uma despolarização ventricular. Geralmente é a via final comum, quando não se consegue reverter a TV e FV(17). • Atividade elétrica sem pulso (AESP): é a ausência de pulso detectável na presença de algum tipo de atividade elétrica(27). O prognóstico dos pacientes com AESP é reservado e a causa determinante deve ser verificada e corrigida. Dentre as principais causas destacam-se: hipoxemia, acidose grave, tamponamento cardíaco, hipovolemia, embolia pulmonar, entre outros(7, 16, 17). Identifica-se uma FV em quase 90% dos casos de PCR, se atendidas prontamente, enquanto se identifica assistolia apenas em 10%. Conforme o tempo passa a partir do início do evento, a assistolia e a atividade elétrica sem pulso são identificadas em mais de 40% das vítimas, sugerindo que estes ritmos refletem hipoxemia prolongada. Essa hipoxemia prolongada provavelmente explica a sobrevida menor a longo prazo (1% a 4%) nos pacientes de PCR que se apresentam com estas arritmias, em contraste com a taxa de 34% de sobrevida até a alta hospitalar em pacientes nos quais se constata FV após uma parada testemunhada(16). COMO FAZER PARA SALVAR UMA VÍTIMA DE PARADA CÁRDIORRESPIRATÓRIA? Ao encontrar uma vítima desacordada há grande chance dessa estar em parada cardiorrespiratória (PCR) causada em sua maioria por doença isquêmica do coração(23, 9). Em outras palavras, o indivíduo em PCR tem que estar inconsciente, sem respirar e o coração sem bater. Nesta situação a vítima não mantém oxigenação necessária à sua sobrevivência e seu coração não bombeia sangue para os tecidos, sendo portanto, um risco de morte iminente. O suporte básico de vida (SBV) consiste no reconhecimento dos sinais de PCR, no uso de ações seqüenciais pré-estabelecidas para manter o aporte mínimo de oxigênio até ser possível a desfibrilação com o uso do desfibrilador externo automático (DEA) e a chegada do suporte avançado de vida(23). Nos dias atuais, já se sabe que os primeiros minutos após a PCR são os mais importantes à sobrevida do paciente(6, 26), por isso é de grande relevância a 13 boa assistência no ambiente extra-hospitalar através do SBV. Pessoas treinadas, profissionais de saúde ou leigos, podem realizar o SBV. A responsabilidade de fornecer SBV é de todos os presentes na comunidade que tenham capacitação para exercer tal função, mas cabe à equipe de saúde liderar e educar os leigos e manter o treinamento continuado. Como o coração é a grande bomba contrátil que mantém a circulação sangüínea, seu bom funcionamento é fundamental à vida, pois sem ele é impossível oferecer oxigênio para as nossas células. A fibrilação cardíaca ocorre quando o coração não consegue mais bombear o sangue para o resto do organismo podendo causar morte súbita. Nesta situação as contrações, quando presentes, não são mais efetivas, pois ocorre alteração no automatismo, ou seja, a atividade elétrica não está coordenada para permitir que o coração contraia de maneira correta. A desfibrilação é definida como o fim da fibrilação. De maneira mais detalhada refere-se ao fim da fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) após cinco segundos da administração de um choque elétrico. Tecnicamente consiste na passagem de uma corrente elétrica de alta intensidade pelo miocárdio (choque) objetivando despolarizar a massa cardíaca e, com isso, restaurar a atividade elétrica coordenada. Entretanto, é importante ter em mente que o alvo da desfibrilação é tentar retomar a circulação espontânea do paciente(8). Há algum tempo, a desfibrilação cardíaca estava restrita à presença do médico, mas após a criação do DEA a realidade mudou, trazendo a possibilidade de se desfibrilar o paciente precocemente, fora do hospital e sem necessariamente exigir a presença do médico, desde que quem esteja atendendo a vítima de parada tenha treinamento para utilizar o DEA (9). A possibilidade de desfibrilar as vítimas em parada mais precocemente resultou em grande impacto na sobrevida dos pacientes, porque a retomada de contrações cardíacas efetivas mais rapidamente influencia diretamente na sobrevivência e nas possíveis seqüelas(6, 26). O bom treinamento do leigo permite que ele desempenhe um importante papel como “atuante primário” na atenção à vítima de PCR. A popularização do DEA, juntamente com uma política de acesso público efetiva, é estratégia plausível para aumentar o número de sobreviventes(13). O DEA deve estar disponível para uso em “shoppings”, estádios de futebol, aeroportos, cassinos, centros de convenções, hotéis e outros locais públicos(9). Há que se ter em mente ainda um conceito extremamente importante: a cadeia de sobrevivência. Essa refere-se a toda a estrutura envolvida que dará assistência à vítima de PCR. São elas: 1) acesso precoce ao sistema médico de emergência (SAMU-192); 2) RCP precoce; 3) desfibrilação precoce; e 4) atendimento médico avançado. Assim, para salvar a vítima de PCR, não é apenas necessária a realização de manobras de RCP. Faz-se necessário também lembrar de acionar o sistema médico de emergência (SAMU-192; de boa qualidade e que chegue ao local o mais rápido possível). Nos casos em que o DEA esteja disponível no local e existam pessoas treinadas o mesmo deve ser usado imediatamente. Pesquisas mostram que a desfibrilação precoce é a intervenção simples mais importante, podendo resultar em taxas de sobrevivência em torno de 90%(9). Em resumo, para salvar a vítima de PCR as ações devem ser rápidas usando o SBV, acionando o sistema de emergência e, sempre que possível, com a desfibrilação cardíaca precoce. Por isso, é preciso que a cadeia de sobrevivência seja estruturada e organizada, juntamente com o bom treinamento do maior número de pessoas, sobretudo as vinculadas à área de saúde. É essencial a disponibilidade dos equipamentos necessários para a realização 14 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA do SBV e desfibrilação precoce, ou seja, a disponibilidade de pelo menos uma bolsa máscara e um DEA em cada Unidade de Atenção primária à saúde. Se o tórax não se movimenta nem há exalação de ar, a vítima não está respirando. Esse exame não deve levar mais de 10 segundos(3, 23, 27). A SEQÜÊNCIA DE SBV: AVALIAR, ATIVAR O SERVIÇO DE EMERGÊNCIA, FAZER OABCD Como realizar respirações de resgate? A intervenção rápida com duas respirações de resgate é necessária tanto se o indivíduo não respira como se ele o faz inadequadamente. A respiração só deve ser considerada presente se ela estiver normal. Qualquer alteração deve ser considerada como ausência de respiração. Em caso de dúvida se as respirações são adequadas, aplique as respirações de resgate imediatamente. Para isto, siga os passos (Figura 4): - mantenha as vias aéreas da vítima abertas; - aperte o nariz com o polegar e o indicador (usando a mão colocada sobre a testa); - faça uma respiração normal; - coloque seus lábios ao redor da boca da vítima, cobrindo-a completamente; - aplique duas respirações de resgate; - certifique-se que o tórax se expande com cada respiração; - imediatamente inicie ciclos de 30 compressões torácicas e 2 respirações de resgate(12). Se você é médico procure por sinais de circulação (tosse, respiração e/ou movimentação) antes de iniciar as compressões(23). A seqüência de SBV inclui o ABC da RCP e o “D” de desfibrilação (Quadro 1). Verificando consciência e acionando o serviço de emergência (SAMU) O socorrista deve determinar rapidamente se: - o lugar é seguro; - a vítima está inconsciente; Toque ou sacuda a vítima e grite: “Você está bem?”. Se ela não responder, mande alguém ligar imediatamente para o serviço de emergência (SAMU-192). Se houver DEA próximo ao local, mande buscá-lo prontamente; se não houver, mande comunicar ao SAMU que não há DEA no local (Figura 1)* . Este ajudante deverá saber as seguintes informações: - local da emergência; - telefone de onde está sendo feita a ligação; - o que aconteceu; - que tipo de socorro está sendo oferecido (ex: “está sendo feita RCP” ou “estamos usando um DEA”)(23). Em caso indiscutível de acidente por trauma, seguir conduta descrita na seção “Situações Especiais”. A - Avaliando as vias aéreas Se a vítima está inconsciente, você deve analisar se esta respira adequadamente. Para avaliar a respiração, a vítima deve estar deitada de costas, com as vias aéreas abertas, como mostrado adiante(23). Como posicionar a vítima? A vítima deve estar sobre uma superfície plana e firme, de costas e com os braços ao lado do corpo(3, 23, 27). Como se posicionar para ajudar a vítima? Você deve posicionar-se ao lado da vítima, estando preparado tanto para realizar respirações de resgate como compressões torácicas. Prepare-se também para a chegada de outros socorristas (com um DEA ou um desfibrilador manual)(23). Como abrir as vias aéreas? Você deve realizar a manobra de inclinação da cabeça (elevação do queixo). Caso a vítima não responda ao seu chamado, abra suas vias aéreas inclinando a cabeça para trás e elevando o queixo. Coloque uma mão na testa e com uma firme pressão incline a cabeça para trás. Ao mesmo tempo, coloque a ponta dos dedos da sua outra mão na ponta do queixo da vítima e o eleve para abrir as vias aéreas superiores (Figura 2). Cuidado para não comprimir o pescoço, pois isto pode bloquear as vias aéreas(3, 23, 27). B – Respiração Avaliação: o paciente respira? Para avaliar a respiração, coloque o seu ouvido perto da boca e do nariz da vítima, enquanto mantém as vias aéreas abertas. Então observe o tórax da vítima (Figura 3): - olhe para averiguar se ele sobe e desce; - ouça se há saída de ar durante a expiração; - sinta o fluxo de ar. Como utilizar o sistema Bolsa-Máscara (AMBÚ) - aplique a máscara à face da vítima com uma mão, utilizando a ponte nasal como guia para o correto posicionamento desta; - com uma mão, coloque o 3°, 4° e 5° dedos ao longo da parte óssea da mandíbula e o polegar e o indicador sobre a máscara; - conserve a inclinação da cabeça para manter as vias aéreas abertas e ajustar a máscara; - aperte a bolsa com a outra mão e observe se há elevação do tórax; - o ritmo de compressão da bolsa deve ser de cerca de 2 em 2 segundos, sempre se certificando de que há elevação do tórax(23). Se houver outro socorrista, peça-lhe que lhe ajude na compressão da bolsa, enquanto você se concentra na fixação da máscara à face da vítima. C – Circulação Como fazer a compressão torácica? - posicione uma mão sobre o meio do tórax da vítima; - coloque a segunda mão sobre a primeira; - os dedos podem estar estendidos ou entrelaçados, mas devem ser mantidos afastados do tórax da vítima (Figura 5); - mantenha os braços esticados, sem dobrar os cotovelos, e seus ombros em linha reta com suas mãos (Figura 6); - a força deve ser direcionada diretamente para baixo; - as compressões devem ser realizadas a uma freqüência de 100 por minuto(12); - permita que o tórax volte a sua posição normal entre uma compressão e outra. A respiração de resgate e as compressões torácicas devem combinar-se para garantir a efetividade do suporte a uma vítima de PCR(23). Quando parar as compressões? Deve-se continuar com os ciclos de 30 compressões torácicas e 2 respirações de resgate até que: - o DEA chegue e esteja pronto para uso; - o paciente se mova; - o socorrista não suporte mais o cansaço. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Quadro 1. Algoritmo do Suporte Básico de Vida VERIFICAR CONSCIÊNCIA VÍTIMA NÃO RESPONDE ACIONAR O SERVIÇO DE EMERGÊNCIA E SOLICITAR O DEA A ABRIR VIAS AÉREAS VERIFICAR RESPIRAÇÃO ALTERADA NORMAL B DUAS RESPIRAÇÕES DE RESGATE B NÃO INICIAR COMPRESSÕES TORÁCICAS C A VÍTIMA SE MOVIMENTOU? Posição de Recuperação e Aguardar à Chegada do Serviço de Emergência SIM Continuar Respirações de Resgate e Compressões Torácicas DEA chegou D LIGAR O DEA E SEGUIR COMANDOS A VÍTIMA SE MOVIMENTOU? D Continuar Respirações de Resgate e Compressões Torácicas Enquanto Aguarda à Chegada do Serviço de Emergência NÃO 15 16 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Figura 1. Verificando consciência e chamando por ajuda. Figura 2. Manobra de inclinação da cabeça, elevação do queixo e hiperextensão do pescoço (abertura das vias aéreas). Figura 3. Avaliando se o paciente respira. Figura 4. Respiração de resgate boca-a-boca. Figura 5. Posicionando as mãos no tórax da vítima. Figura 6. Realizando as compressões torácicas. Se a vítima recupera a respiração e os sinais de circulação durante ou depois da ressuscitação, continue ajudando-a a manter suas vias aéreas abertas, até que esteja suficientemente alerta para proteger suas vias aéreas por si mesma. Se a respiração e os sinais de circulação continuarem sendo adequados, coloque a vítima em posição de recuperação (Figura 7). Siga as recomendações: - certifique-se de que as vias aéreas permanecem desobstruídas; - estenda ao lado do corpo da vítima o braço que está mais Nota dos autores: todos os figurantes nas fotos 1-8 (figuras 1-8) são autores deste capítulo, estudantes de Medicina da faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, e autorizaram a divulgação. * CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Figura 7. Posição de recuperação. 17 Figura 8. Utilizando o DEA. Quadro 2. Esquema das manobras de SBV de acordo com a idade da criança e com o número de socorristas. Atendimento a crianças Número de socorristas Ativação do sistema de emergência Ventilação Compressões Torácicas Crianças até 1 ano 1 socorrista Crianças com mais de 1 ano 2 socorristas Um socorrista ativa o sistema e outro realiza a RCP Realiza-se a ventilação “boca a bocanariz” Utilizar os 2 polegares, lado a lado, no meio do Posicionar 2 dedos tórax, abaixo da no meio do tórax, linha entre os 2 abaixo da linha mamilos. O outro entre os 2 envolve o tórax mamilos apoiando as costas com os dedos das Freqüência 30:2 mãos Realizar 5 ciclos de RCP antes de ativar o sistema 1 socorrista 2 socorristas Um socorrista ativa o sistema e outro realiza a RCP Realiza-se a “boca a boca” semelhante a do adulto Realizar 5 ciclos de RCP antes de ativar o sistema Posicionar 1 ou as 2 mãos no meio do tórax, na linha entre os 2 mamilos Posicionar 1 ou as 2 mãos no meio do tórax, na linha entre os 2 mamilos Freqüência 30:2 Freqüência 15:2 Freqüência 15:2 Uso do DEA Não recomendado próximo de você, ajeitando a mão sob a perna do mesmo lado; - dobre o outro braço sobre o tórax da vítima e cruze a perna mais afastada sobre a perna que está próxima de você; - proteja e apoie a cabeça da vítima com uma das mãos. Com a outra, segure com firmeza a roupa na altura do quadril e puxe a vítima em direção a você, mantendo-a apoiada contra seu próprio corpo; - posicione a cabeça da vítima sobre um dos braços, em posição de dormir. A outra mão será posicionada sob o rosto, dando maior estabilidade ao pescoço. Flexione a perna para que a vítima fique em uma posição mais estável, impedindo-a de virarse de costas(23). D – DEA O DEA deve ser usado quando a vítima está em PCR, ou seja: - não responde (desacordada); Realizar 5 ciclos de RCP antes do uso do DEA. Se colapso súbito testemunhado ou cardiopata, usar assim que possível - não respira; - não se move (ausência de circulação). Como utilizar o DEA?:(28) - ligue o DEA em primeiro lugar (alguns aparelhos começarão a funcionar automaticamente quando a tampa ou o estojo for aberto); - conecte os cabos com o DEA (esses podem estar préconectados); - conecte os cabos do DEA com as pás auto-adesivas (essas podem estar pré-conectadas); - fixe as pás auto-adesivas no tórax despido da vítima (Figura 8)(23). A partir desse momento, siga os comandos do DEA. Inicialmente, o aparelho analisa o ritmo do coração da vítima. Assim, aguarde até a emissão de um comando. Se o comando for 18 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA decidido por desfibrilação (choque), certifique-se de que ninguém está em contato com a vítima e proceda ao choque. Imediatamente após, (re) inicie as compressões. Não interrompa as compressões torácicas para checar sinais de circulação. Isto só deve ocorrer após o 5° ciclo de compressão torácica/respiração de resgate ou dois minutos de PCR pós-desfibrilação(12). Aguarde a chegada do Serviço Médico de Urgência. Enquanto isso, preste atenção às orientações do DEA e siga-as. Neste capítulo, veja condutas especiais do uso de DEA na seção “Situações Especiais”. SUGESTÃO DE CONDUTASOBRE O CASOAPRESENTADO O primeiro passo foi checar a consciência de Dona Eugênia. O socorrista chamou-a pelo nome, não obtendo resposta. Então, pediu para que um dos moradores que o acompanhava ligasse para o serviço de emergência (192) e que outro morador fosse buscar o DEA na unidade de saúde próxima ao local. Após isso, o socorrista seguiu a seqüência do ABC (abriu as vias aéreas; verificou que ela não respirava, iniciou as manobras de ventilação e compressões torácicas, sendo 2 ventilações para cada 30 compressões). O socorrista continuou realizando as manobras até a chegada do DEA, cerca de 3 minutos depois. O DEA foi aplicado, seguindo as instruções do aparelho. Após o 2º choque, o DEA alertou “choque não indicado, examine sua vítima”. O socorrista observou que Dona Eugênia estava se movendo. A equipe de emergência chegou e transportou Dona Eugênia ao hospital. Hoje, 2 meses depois, o socorrista recebeu o convite para participar do aniversário de 57 anos de Dona Eugênia. SITUAÇÕES ESPECIAIS A maioria das situações de emergência que necessitam de suporte básico de vida deve ser abordada de acordo com o algoritmo anteriormente descrito. Porém, existem algumas situações especiais, como o atendimento a crianças, que exigem modificações no algoritmo do suporte básico de vida. Crianças Ativação do Sistema de emergência (ligar para 192 ou para outro sistema de emergência disponível) Um socorrista: Realizar dois minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema(1). Dois socorristas: Um socorrista ativa o sistema enquanto o outro realiza a RCP(1). Se a criança tiver apresentado colapso súbito testemunhado ou for sabidamente cardiopata: primeiro ativar o sistema e depois iniciar a RCP(1). Ventilação A avaliação deverá ser feita de acordo com o algoritmo. Lembrando que devem ser gastos no máximo 10 segundos nesta etapa(1, 19, 23). A ventilação em crianças de até um ano deve ser feita “boca a boca-nariz”. A boca do socorrista deve cobrir boca e nariz da vítima. Se a criança for grande e esta manobra não for possível, realiza-se a ventilação “boca a boca”, igual à realizada em adultos e em crianças maiores que um ano(1, 3, 19, 20, 23). Compressões Torácicas Localização: Na presença de apenas um socorrista e vítima de até 1 ano de idade, posicionar dois dedos no meio do tórax, um pouco abaixo da linha entre os dois mamilos (Para médicos: dois dedos no esterno, logo abaixo da linha inter-mamilar)(1, 3, 4, 19, 20, 21, 23). Se dois socorristas, utilizar os dois polegares, um do lado do outro, no meio do tórax, logo abaixo da linha entre os dois mamilos (Para médicos: dois polegares lado a lado sobre o esterno, logo abaixo da linha inter-mamilar) e envolver o tórax, apoiando as costas com os dedos de ambas as mãos. Em crianças de um a oito anos deve-se colocar uma ou as duas mãos no meio do tórax, na linha entre os dois mamilos (Para médicos: posicionar uma ou duas mãos no esterno, na linha inter-mamilar)(1, 4, 19, 20, 23). Crianças maiores de oito anos, utilizar as mesmas recomendações do adulto(1, 3, 19, 20, 23). Freqüência: Na presença de apenas um socorrista - 30:2 compressão-ventilação (igual para todas as vítimas). Se dois socorristas - 15:2 compressão-ventilação(1) (Quadro 2). Uso de DEA Usar em crianças após cinco ciclos da RCP (de preferência o pediátrico). Crianças que apresentaram colapso súbito testemunhado ou que são sabidamente cardiopatas: utilizar o DEA assim que disponível(1, 22). O DEA não é recomendado para menores de 1 ano(1). Submersão/afogamento Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de emergência(1, 23). Manobras para extrair água dos pulmões e do estômago não devem ser feitas(3, 25). Quando não se conseguir ventilar a vítima adequadamente, pensar em presença de corpo estranho em cavidade oral(25). Porém, só deve ser realizada a manobra de tentativa de retirada do corpo estranho se este estiver visível(4). Trauma Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de emergência(23). Médicos prestando socorro a uma vítima de trauma devem ter atenção especial para mobilização do pescoço. As vias aéreas devem ser abertas com a manobra de tração da mandíbula e deve ser realizada a imobilização cervical(1). Não médicos não devem tentar a manobra de tração da mandíbula, mesmo na suspeita de trauma de coluna cervical. A RCP deverá ser feita conforme as técnicas do algoritmo(1). Choque Elétrico Atenção para a segurança do socorrista. O suporte básico de vida não deve ser iniciado se para isso o socorrista tenha que correr risco de ser mais uma vítima. A vítima deve ser afastada do local do choque elétrico ou a fonte de energia deve ser desligada(3, 23). Descarga de raio Proceder algoritmo do suporte básico de vida. Se houver mais de uma vítima, a prioridade será para àquela que está em parada respiratória ou cardíaca(23). Gravidez Deve-se seguir o algoritmo padrão, porém as compressões torácicas devem ser feitas sobre um ponto do tórax um pouco mais alto. Se for possível realizar as compressões com a vítima apoiada sobre seu lado esquerdo, com uma superfície rígida atrás das costas, as compressões serão mais efetivas(1). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Asfixia/Sufocação Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de emergência(1, 23). Intoxicações Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de emergência(1, 23). Uso do DEA em caso de: Marcapasso Implantado/CDI Estes aparelhos podem ser identificados pelo socorrista. Para isso deve-se visualizar e palpar o tórax da vítima à procura de uma protuberância dura sob a pele coberta por uma cicatriz, geralmente na região esquerda superior do tórax(5, 23). Se o marcapasso implantado for identificado, a pá autoadesiva do DEA deve ser colocada, no mínimo, a 2,5cm do dispositivo(5, 23). Médicos: identificar quando o CDI está aplicando choques. Os músculos da vítima contraem-se de forma similar à observada durante a desfibrilação externa. Se o dispositivo não estiver aplicando choque, tratar como se não houvesse um aparelho implantado (utilizar algoritmo). Se estiver aplicando choque, deixar passar de 30 a 60 segundos, para que o dispositivo complete o ciclo do tratamento. Se estes choques não forem efetivos, aplicar um imã sob o aparelho para desativá-lo e tratar como se não houvesse CDI (utilizar algoritmo)(5, 23, 28). Adesivo de medicação transcutânea Se a vítima fizer uso de adesivo de medicação transcutânea em tórax ou abdômen, este deve ser retirado e a área deve ser limpa antes da aplicação das pás do DEA(23). Água É importante que o socorrista esteja atento para a presença de água no ambiente onde a vítima está sendo socorrida. A vítima deve ser removida de lugares molhados para que não fique em contato com água no momento da aplicação do choque com o DEA. Caso seu tórax esteja molhado, deve ser enxuto antes da aplicação das pás do DEA(23). PRINCIPAIS DÚVIDAS O que é mais importante durante a RCP, a compressão ou a ventilação? Na maioria das vezes a compressão é mais importante, explicando a mudança da taxa compressão-ventilação de 15:2 em adultos e 5:2 em crianças no Guideline da American Heart Association de 2000 para 30:2 em todas as vítimas, com exceção dos recém-nascidos, em 2005(1). Isso se justifica porque o fluxo sangüíneo pulmonar está muito menor do que o normal e então a vítima necessita de menos ventilação do que o normal. No entanto, quando a parada cardíaca for por hipóxia, depois de alguns minutos de qualquer parada, a ventilação se torna igualmente importante. A parada cardíaca por hipóxia ocorre na maioria das crianças e em vítimas de afogamento, overdose por drogas ou trauma(12). Após um choque como se deve proceder (uso do DEA)? Depois do choque, iniciar RCP imediatamente, antes mesmo do DEA verificar novamente o ritmo. O próprio aparelho fará a 19 verificação do ritmo cardíaco novamente em 5 ciclos de RCP (cerca de 2 minutos)(12). Quando e como o uso do DEA é recomendado para crianças? Como proceder? O uso de DEA é recomendado para crianças com um ano de idade ou mais. Quando a parada cardíaca é testemunhada, o DEA deve ser usado assim que esteja disponível. Em paradas cardíacas não-testemunhadas e que ocorrem em ambiente nãohospitalar o DEA deve ser usado após 5 ciclos de RCP (dois minutos). Atualmente, os DEAs são equipados para fornecer doses menores de energia através de pás menores ou uma chave ou outras formas de reduzir a dose de energia. Se o DEA que estiver sendo utilizado não tiver pás menores ou outra forma de fornecer menores doses de energia, usar as pás regulares de adultos. É importante destacar que as pás menores nunca devem ser utilizadas em adultos(12). Quais são as situações em que se deve iniciar RCP antes de procurar auxílio (se estiver sozinho)? Em crianças ou bebês não responsivos (5 ciclos): como a parada por hipóxia é o tipo mais comum em crianças, a RCP inicial fornece oxigênio para o coração, cérebro e órgãos vitais. Também em casos de afogamentos, trauma, asfixia/sufocamento e intoxicação devem ser realizados primeiro os 5 ciclos e depois chamada a assistência(12). Como proceder se a respiração de resgate não for efetiva ? Uma respiração de resgate é dita efetiva quando faz o tórax da vítima se elevar. Caso isso não ocorra, o socorrista deve realizar novamente a manobra de elevação do queixo e inclinação da cabeça para abrir as vias aéreas tentativa de desobstruí-las uma vez que a sua obstrução é a principal causa de respiração de resgate não-efetiva. Caso a respiração seguinte também não seja efetiva, o socorrista deve partir para uma nova série de compressões e tentar efetivar as respirações de resgate no ciclo seguinte. Se a respiração seguinte for efetiva, o socorrista deve completar o ciclo de duas respirações de resgate e partir para a série de compressões. O socorrista não deve tentar mais de duas vezes fornecer respiração de resgate porque isso atrasa as compressões(12). É importante frisar que as respirações de resgate não devem ser muito prolongadas e nem muito forçadas e o socorrista deve realizar uma respiração normal (e não profunda) antes desta. Isso se justifica porque a hiperventilação (muitas respirações de resgate ou respirações de resgate muito forçadas) podem ser danosas pois aumentam a pressão do tórax, reduzindo o retorno do sangue ao coração e, portanto, quando for iniciado o próximo ciclo de compressões o fluxo sanguíneo será ainda menor(12). Qual manobra de desobstrução das vias aéreas deve ser utilizada? A manobra de inclinação da cabeça/elevação do queixo deve ser realizada em todas as vítimas não responsivas, mesmo naquelas com traumas (com exceção de médicos especificamente treinados para atendimento de vítimas de trauma)(12). Como deve ser feita a verificação da respiração em crianças, adultos e bebês? Em adultos, observa-se se há ritmo normal da respiração antes de fornecer as duas respirações de resgate. Em crianças e bebês, se há respiração ou não e então fornecer as duas respirações de resgate. Isso se justifica porque é comum os 20 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA adultos que sofrem PCR ficarem ofegando, situação esta que pode ser confundida com uma respiração normal (porém é nãoefetiva). Isso não acontece com freqüência em crianças(12). Até quando a pessoa que está socorrendo deve realizar RCP? A pessoa que está socorrendo deve continuar a RCP até o DEA chegar, a vítima começar a se mover, a chegada do suporte avançado de vida ou esgotamento físico(12). Onde devem ser realizadas as compressões em crianças? Em crianças, as compressões devem ser realizadas no esterno ao longo da linha intermamilar usando 1-2 mãos. Em bebês, os socorristas devem pressionar o esterno abaixo da linha intermamilar, usando 2 dedos(12). Como saber que o paciente está em parada? É preciso ter certeza para iniciar a RCP? É concluído que a vítima está em PCR quando está inconsciente, sem respirar e o coração sem bater. A seqüência de RCP permite agir em todas essas etapas, à medida que são verificadas as essas situações. Nesses casos, é melhor “pecar por excesso do que por falta”. Assim na dúvida, inicie a RCP(23). CONCLUSÃO Esses procedimentos serão potencializados e com maior probabilidade de acerto se cada equipe de Saúde da Família organizar com o SAMU local ou profissional de saúde experiente uma oficina de treinamento e, após isso e de forma regular (1 vez por mês por exemplo), voltar a treinar toda equipe e socorristas da comunidade, sob a condução de um dos membros da equipe, usando modelos hipotéticos para o treinamento. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2005 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular. Circulation 112 (Supl.): 01-203, 2005. 2. ABC da Saúde. Morte súbita. Extraído de http:// www.abcdasaude.com.br/artigo.php?593, acesso em 24 de janeiro de 2006. 3. Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Ressuscitação Cardiopulmonar. 1ª edição, Atheneu: São Paulo, 1998. 4. Baeriswyl TC, Ostermann WP, Fuentes HR. Reanimación Cardiopulmonar. Revista Chilena de Anestesia 32(1), 2003. 5. 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É um documento que tem como objetivos confirmar a morte, definir a causa mortis e permitir a computação de estatísticas médico-sanitárias. Por meio desse instrumento, é possível legitimar o óbito e estabelecer a etiologia da morte, se natural ou violenta. Além disso, é possível conhecer as causas de morte de determinada população, contribuindo para o estabelecimento de políticas públicas direcionadas à prevenção das mesmas4. Destacam-se os seguintes propósitos da declaração de óbito: monitorar índices de morbidade e mortalidade da população; planejar políticas de saúde; implementar e monitorar estratégias de saúde pública; fornecer a base de mudanças legislativas; priorizar despesas com a saúde e fornecer dados para pesquisas científicas e de gestão. Dados do Serviço de Informações sobre Mortalidade (SIM) indicam que a mortalidade proporcional por causas maldefinidas é elevada, chegando a atingir a taxa de 30% na região Nordeste3. Esse fato também indica a insuficiência das informações registradas, o que prejudica a análise da distribuição das causas de óbito no Brasil. LEGISLAÇÃO A declaração de óbito, que muitas vezes é considerada como um simples ato corriqueiro do profissional médico, é de suma importância, devendo ser emitido de maneira adequada para alcançar seu fim social e evitar futuros transtornos de ordem ética e penal. A Resolução nº1.601 de 2000 do Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta a responsabilidade médica no fornecimento da declaração de óbito5. Resolução CFM nº 1.601 de 2000 Essa resolução do Conselho Federal de Medicina foi fundamentada na Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e nos artigos são destacados os temas de interesse deste capítulo. “Art. 14 - O médico deve empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões dos serviços médicos e assumir sua parcela de responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde”. É vedado ao Médico: “Art. 39 - Receitar ou atestar de forma secreta ou ilegível, assim como assinar folhas em branco de receituários, laudos, atestados ou quaisquer outros documentos médicos”. Comentário: A lenda de o médico escrever ilegível é antiga. Além de ser antiético, dificulta a interpretação do que se pretende dizer, seja na receita, seja na declaração de óbito. Não existem dados nacionais precisos sobre a dimensão de tal questão. Mas há um consenso, não só entre os profissionais de saúde, mas também nos órgãos governamentais, de que é um problema muito grave, o uso da letra de fôrma, por exemplo, é o melhor modo de amenizá-lo. “Art. 44 - Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação vigente”. Comentário: Em caso de morte por fatores externos, o médico não pode preencher a declaração. Nesse caso, deve encaminhar o corpo para o IML (Instituto Médico Legal) para que seja feita a necropsia. Nessas situações, é o médico legista Palavras-chaves: Declaração de óbito, Políticas de saúde, Legislação, Conselho Federal de Medicina, Preenchimento. 22 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA quem faz o atestado de óbito. Há fatos verídicos de médicos preencherem uma declaração de óbito dando como causa da morte uma infecção mas, o paciente tinha sinais de trauma. Assim, o profissional pode ser processado pelo Ministério Público por não haver registro das lesões. “Art. 110 - Fornecer atestado sem ter praticado o ato profissional que o justifique, ou que não corresponda à verdade”. Comentário: O atestado médico é um documento freqüentemente solicitado ao médico, seja em consultas de rotina ou de urgência. O atestado médico é um direito do paciente, não podendo ser negado. No entanto, o conteúdo desse documento é de inteira responsabilidade do médico, devendo refletir estritamente seu parecer técnico. Além disso, o atestado tem fé pública, ou seja, presunção de veracidade (é considerado verdadeiro até prova em contrário). O médico é obrigado a atestar, mas atestar a verdade, caso contrário estará contrariando normas ético-profissionais. “Art. 112 - Deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando solicitado pelo paciente ou seu responsável legal”. Comentário: A responsabilidade civil é o instituto jurídico que enseja o dever de alguém em reparar algo que tenha causado a outrem, quer através de uma ação ou omissão. Ao longo de um processo judicial de responsabilidade civil médica, muitas provas podem ser produzidas, em vários momentos; é o princípio constitucional da ampla defesa. As partes, portanto, podem lançar mão de provas documentais, testemunhais, depoimentos da parte contrária e da perícia. Assim, dentro deste contexto, o médico tem o dever de fornecer relatório do paciente, caso este o solicite. “Art. 114 - Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto, ou em caso de necropsia e verificação médicolegal”. Comentário: A decisão sobre quem deve declarar as causas de morte é feita com base no tipo de afecção que resultou na morte do paciente. Geralmente são os médicos que declaram a morte, mas, em certos casos, localidade sem médico por exemplo, duas testemunhas podem fazê-lo. Sob certas circunstâncias, é admissível que outros profissionais da saúde (por exemplo, enfermeiros) constatem a morte e registrem a data e hora do óbito. Entretanto, os não-médicos não podem legalmente preencher a declaração de óbito. Esse mesmo artigo indica que o médico, para fornecer declaração de óbito, deve ter assistido ao paciente, porque tem plenas condições de determinar a causa mortis, já que contribuiu para diagnóstico e tratamento do mesmo. Por sua vez, este dispositivo ético prevê a hipótese do médico plantonista atestar o óbito, mesmo se não assistiu ao paciente. No entanto, a possibilidade do médico plantonista atestar, isto é, preencher o documento da declaração de óbito e determinar a causa mortis, somente ocorrerá no impedimento do médico-assistente. “Art. 115 - Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta”. Comentário: Preferencialmente, o óbito deve ser atestado pelo médico que vinha prestando assistência; o médico plantonista, na ausência do profissional responsável pelo caso, deve atestar o óbito de paciente internado, baseando-se nas suas observações pessoais e anotações constantes do prontuário, quando não seja decorrente de morte violenta. Existem duas situações: casos em que o médico-plantonista, que atesta o óbito nos horários em que o médico-assistente do paciente não está presente, deixa o preenchimento da declaração de óbito para o dia seguinte e a cargo do médico que vinha assistindo o paciente; e outra em que, por sua vez, o médico-assistente alega que o preenchimento da referida declaração deveria ficar a cargo do médico-plantonista o qual teria atestado a morte do paciente. Há uma explícita dubiedade de interpretação sobre a definição de atestar o óbito e constatar ou verificar a realidade da morte. Quem atesta é o que preenche os dados da declaração de óbito, tendo obrigatoriamente que verificar pessoalmente a realidade da morte. Quem constata o óbito, não necessariamente terá que atestar preenchendo a declaração de óbito. Nessa mesma resolução do CFM, considerando “que a declaração de óbito é parte integrante da assistência médica; a declaração de óbito como fonte imprescindível de dados epidemiológicos; que morte natural tem como causa a doença ou lesão que iniciou a sucessão de eventos mórbidos que levou diretamente à morte; que morte não natural é aquela que sobrevém em decorrência de causas externas violentas; e a necessidade de regulamentar a responsabilidade médica no fornecimento da declaração de óbito”, ficaram estabelecidas as seguintes determinações: “Art. 1º - O preenchimento dos dados constantes na declaração de óbito é da responsabilidade do médico que a atestou. Art. 2º - Os médicos no preenchimento da declaração de óbito obedecerão as seguintes normas: 1) Morte Natural: I- Morte sem assistência médica a) Nas localidades com Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) A Declaração de Óbito deverá ser fornecida pelos médicos do SVO. b) Nas localidades sem SVO A Declaração de Óbito deverá ser fornecida pelos médicos do serviço público de saúde mais próximo do local onde ocorreu o evento e, na sua ausência, qualquer médico da localidade. II- Morte com assistência médica a) A declaração de óbito deverá ser fornecida sempre que possível pelo médico que vinha prestando assistência. b) A declaração de óbito do paciente internado sob regime hospitalar deverá ser fornecida pelo médico assistente e, na sua falta, pelo médico substituto pertencente à instituição. c) A declaração de óbito do paciente em tratamento sob regime ambulatorial deverá ser fornecida por médico designado pela instituição que prestava assistência ou pelo SVO. 2) Morte Fetal: Em caso de morte fetal, os médicos que prestaram assistência à mãe ficam obrigados a fornecer a declaração de óbito do feto, quando a gestação tiver duração igual ou superior a 20 semanas ou o feto tiver peso corporal igual ou superior a 500 (quinhentos) gramas e/ou estatura igual ou superior a 25 cm. 3) Mortes Violentas ou Não Naturais: A declaração de óbito deverá obrigatoriamente ser fornecida pelos serviços médico-legais. Parágrafo único. Na localidade onde existir apenas 01 (um) médico, este é o responsável pelo fornecimento da declaração de óbito”. DÚVIDAS FREQÜENTES Algumas dúvidas quanto ao preenchimento da declaração de óbito podem ser esclarecidas por questões publicadas em CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE um parecer do Conselho Federal de Medicina1, sendo estas as seguintes: 1) Pode um médico não-legista atestar a morte de pessoa falecida por pneumonia ou embolia gordurosa, sendo estas complicações de uma cirurgia corretiva de fratura após queda? Resposta: Não, devido ao fato de se caracterizar morte violenta em conseqüência de queda. O acidente deve ser considerado como causa básica da morte, pois as lesões decorrentes do acidente iniciaram a sucessão de eventos mórbidos que levaram à morte, caracterizando morte por causa externa. Causa externa é aquela que sobrevém em conseqüência de um evento lesivo - acidental ou intencional - e que causa uma lesão que vem a provocar a morte. É importante considerar o nexo de causalidade entre a queda que provocou a lesão e a morte. 2) Óbito imediato ocorrido após aspiração de corpo estranho (alimento, vômito) deve juridicamente ser considerado morte natural ou deve ser considerado decorrente de causa externa? Houve acidente? Houve negligência de quem tinha o dever de assistência? Resposta: Nos casos de aspiração de corpo estranho, quando houver suspeita de culpa ou dolo, o corpo deverá ser encaminhado ao IML obedecendo-se as exigências de anexar um relatório médico consubstanciado e da requisição de exame necroscópico assinado pela autoridade competente para sua elucidação. A causa jurídica da morte deverá ser estabelecida posteriormente, após a coleta de todos os dados necessários e análise do resultado dos exames realizados. Não cabe ao médico legista julgar o ato médico. O Conselho Regional de Medicina é o órgão competente para julgar se houve ou não, imperícia, imprudência e negligência médica. 3) Óbito decorrente de picada de animal peçonhento (picada de cobra, de abelha, de escorpião, por exemplo) deve ser considerado morte natural ou acidental? Resposta: Trata-se de morte de causa externa, ou seja, morte violenta, devendo ser atestada por médico legista. 4) Óbito ocorrido durante indução anestésica ou mesmo após o encerramento da cirurgia é juridicamente uma morte natural ou deve ser atestado por médico legista? Resposta: Quando houver suspeita de dolo ou culpa, o corpo deverá ser encaminhado ao IML acompanhado de relatório médico consubstanciado e requisição de exame necroscópico assinado pela autoridade competente. PREENCHIMENTO DA DECLARAÇÃO DE ÓBITO Na prática, nota-se freqüente falta de precisão no preenchimento dos dados da declaração de óbito. Com isso, a coleta de informações necessárias para levantamento epidemiológico e direcionamento de políticas públicas torna-se prejudicada. Destaca-se a relevância do melhor preparo técnico e conscientização dos médicos a respeito do tema. As orientações para um adequado preenchimento da declaração de óbito são as seguintes2: Bloco I – Cartório (Figura 1) Bloco destinado à coleta de informações sobre o Cartório do Registro Civil onde foi registrado o falecimento. Deverá ser preenchido pelo Cartório de registro civil e não pelo médico. 23 Bloco II – Identificação (Figura 2) Bloco destinado à coleta de informações do falecido e dos pais, em caso de óbito fetal. Aborda as seguintes questões: tipo de morte (fetal ou não), data e hora da morte, registro de identificação civil (RIC), naturalidade, nome completo do falecido e/ou dos pais em caso de óbito fetal ou de menor de 1 ano, data de nascimento, idade, sexo, raça/cor, estado civil, escolaridade e ocupação ou ramo de atividade. O médico deve ter à sua disposição documento de identidade do falecido e/ou dos pais e preencher os nomes de forma completa, ou seja, sem abreviaturas. Nos locais aonde o RIC não tiver sido implementado, deve-se passar um traço no campo correspondente. Bloco III – Residência (Figura 3) Deve ser preenchido pelo médico e trata do local de residência do falecido: endereço completo com número, complemento, código de endereçamento postal (CEP), bairro ou distrito, município e unidade da federação (UF). Em caso de falecimento fetal, considerar o município de residência da mãe. Os códigos correspondentes serão posteriormente preenchidos no setor responsável pelo processamento dos dados. Bloco IV – Ocorrência (Figura 4) Deve ser preenchido pelo médico e trata do local de ocorrência do óbito (hospital, outro estabelecimento de saúde, domicílio, via pública, outro ou ignorado), nome do estabelecimento (preencher apenas se o óbito tiver ocorrido em hospital ou outro estabelecimento de saúde), endereço da ocorrência (preencher apenas se o óbito tiver ocorrido em via pública ou outro), CEP, bairro ou distrito, município e UF da ocorrência. Os códigos correspondentes serão posteriormente preenchidos no setor responsável pelo processamento dos dados. Bloco V - Óbito fetal ou menor que 1 ano (Figura 5) Deve ser preenchido, obrigatoriamente, se o óbito for fetal ou de menor de um ano de vida. Destina-se a colher informações sobre a mãe do falecido, entre as quais: idade, escolaridade, ocupação habita e ramo de atividade, número de filhos, duração da gestação (em semanas), tipo de gravidez, tipo de parto, morte em relação ao parto (antes, durante ou depois), peso ao nascer e número da declaração de nascidos vivos. Bloco VI - Condições e causas do óbito (Figura 6) Bloco destinado para qualificar as condições e causas que provocaram o óbito. O preenchimento deste bloco é da responsabilidade exclusiva do médico e dever ser preenchido para qualquer tipo de óbito, fetal ou não-fetal. Os campos de números 43 e 44 tratam dos óbitos de mulheres em idade fértil e devem ser assinalados em todas as declarações de óbito de mulheres com idade entre 10 e 54 anos. Questionam se a morte ocorreu durante gravidez, parto ou aborto e se a morte ocorreu durante o puerpério. Os campos 45 a 48 devem trazer informações complementares sobre a morte: se o falecido recebe assistência médica durante a doença que ocasionou a morte e se o diagnóstico foi confirmado por exame complementar, cirurgia ou necrópsia. O campo 49 trata das causas da morte e seu preenchimento, feito de forma clara e integral, é de extrema importância para a construção do perfil epidemiológico da população, juntamente com os demais dados. 24 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Figura 1. Bloco I da declaração de óbito. Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. Figura 2. Bloco II da declaração de óbito. Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. Figura 3. Bloco III da declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. Figura 4. Bloco IV da declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. Figura 5. Bloco V da declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 25 Figura 6. Bloco VI da declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. Figura 7. Bloco VII da declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. Figura 8. Bloco VIII da declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. Figura 9. Bloco IX da declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. 26 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Figura 10. Declaração de óbito Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE A causa básica a ser declarada é definida como a doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que levaram à morte ou as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal. A causa básica deve ser declarada na última linha da parte I enquanto as causas conseqüências devem ser declaradas nas linhas anteriores. Na parte II, devem ser registradas outras doenças ou lesões que tenham contribuído para a morte, ainda que não a tenha determinado diretamente. O tempo aproximado entre o início da doença e a morte, também deve ser anotado, quando possível. Exemplos de preenchimento do campo 49 – Causas da morte 1)Paciente tabagista de longa data passou a cursar com emagrecimento intenso e dor abdominal. Realizada investigação tomográfica, foi revelada a presença de tumor pancreático. Evoluiu com sintomas colestáticos (icterícia, prurido e acolia fecal) e disfunção hepática, vindo a falecer após 3 meses do início do quadro. Parte I a)Insuficiência hepática b)Obstrução de vias biliares c)Carcinoma de pâncreas Parte II Tabagismo 2)Adolescente portador de febre reumática vinha cursando com dispnéia aos mínimos esforços e em repouso, associada a sopro cardíaco. Foi internado e estudo ecocardiográfico evidenciou estenose mitral grave. Evoluiu com edema agudo de pulmão e faleceu após tentativa de compensação clínica. Parte I a)Insuficiência cardíaca congestiva b)Estenose mitral c)Febre reumática Parte II Neste caso, deve ser deixada em branco, pois não há outras doenças ou lesões que possam ter contribuído para a morte. Bloco VII – Médico (Figura 7) Bloco destinado à identificação do médico que atestou a morte, devendo constar, de forma legível, o nome do médico, CRM, se o médico que assina atendeu o falecido ou não (neste caso, substituto, IML, SVO ou outros), meio de contato (telefone, fax ou email), data do atestado e assinatura do médico. Bloco VIII - Causas externas (Figura 8) Bloco referente às causas externas de óbito, devendo ser preenchido pelo médico legista. Referem-se às seguintes questões: tipo (acidente, suicídio, homicídio ou outros), se acidente de trabalho ou não, fonte de informação (boletim de ocorrência, hospital, família ou outra), descrição sumária do evento, incluindo o tipo de loca de ocorrência, e logradouro (se a ocorrência for em via pública). Bloco IX - Localidade sem Médico (Figura 9) Bloco destinado aos óbitos ocorridos em localidades onde não exista médico. O preenchimento da declaração de óbito será realizado pelo Cartório de Registro Civil devendo constar a assinatura do declarante. Duas testemunhas que tenham presenciado ou verificado a morte, devem também assinar a declaração, com registro dos números dos seus respectivos documentos. 27 CONCLUSÕES A declaração de óbito é um documento de extrema importância para fins médico, jurídico e social. No Brasil, destacase uma insuficiência das informações registradas nas declarações de óbito. Com isso, dentre outras implicações, fica prejudicado o conhecimento das causas de óbito do país e a adoção de políticas públicas destinadas à prevenção da morte. O médico, enquanto responsável pelo preenchimento da declaração de óbito, tem o dever de sabê-lo fazer corretamente, para evitar o surgimento de falhas neste sistema. Por este motivo, deve conhecer a legislação que vigora no Conselho Federal de Medicina sobre a responsabilidade médica no fornecimento da declaração de óbito e ser preciso e correto no preenchimento dos dados da mesma. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Conselho Federal de Medicina. Processo-Consulta CFM nº 3.684/ 2005 – Parecer CFM nº 39/2005. Extraído de http:// www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2005/39_2005.htm, acesso em 23 de fevereiro de 2006. 2. Ministério da Saúde do Brasil, Fundação Nacional de Saúde. Manual de Instruções para o Preenchimento da Declaração de Óbito. 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EDUCAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA 29 30 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA II.1 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE UM EXERCÍCIO PARA O DOCENTE NA PERSPECTIVA DA TRANSFORMAÇÃO CURRICULAR DO CURSO MÉDICO 31 Lorene Louise Silva Pinto Júlio Leonardo Barbosa Pereira A FORMAÇÃO MÉDICA E AS DEMANDAS E NECESSIDADES DO SISTEMA DE SAÚDE E DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA O exercício pleno do direito à saúde pelos cidadãos brasileiros depende, dentre outras coisas, de transformações nas condições de vida, mudanças no modelo de atenção à saúde onde os princípios da saúde como direito social sejam efetivamente assumidos e a formação de profissionais como sujeitos sociais que tenham compromisso com a construção deste direito. A formação tradicional em saúde, baseada na organização disciplinar e nas especialidades, tem conduzido ao estudo fragmentado dos problemas de saúde das pessoas e das sociedades, levando à formação de especialistas que não conseguem mais lidar com as totalidades ou com realidades complexas. Formam-se profissionais que dominam diversos tipos de tecnologias, porém cada vez mais incapazes de lidar com a subjetividade e a diversidade moral, social e cultural das pessoas; também, têm sido incapazes de lidar com questões complexas como a dificuldade de adesão ao tratamento, a autonomia no cuidado, a educação em saúde, o sofrimento e a dor, o enfrentamento das perdas e da morte, o direito das pessoas à saúde e à informação ou a necessidade de ampliar a autonomia das pessoas. Ainda hoje nos modelos tradicionais de curso, o papel do professor é o de estabelecer tudo que o aluno deve aprender, transmitir as informações consideradas relevantes e avaliar a capacidade dos estudantes de reter e reproduzir as informações apresentadas. A teoria é abordada antes da prática no intuito de preparar os estudantes para a aplicação dos conteúdos nos campos de estágio e, futuramente, na sua vida profissional. Essa abordagem pedagógica vem sofrendo fortes críticas pela excessiva valorização do conteúdo, pela baixa eficácia dos conteúdos distantes da realidade e das necessidades de aprendizagem que levam ao desperdício de tempo, de esforços e à necessidade de requalificação( 6,17 ). Nos últimos anos, nota-se que as várias formas de inserção do estudante de medicina nos serviços de saúde, sejam públicos ou privados, e a sua aproximação com o real perfil epidemiológico da população, são realizadas sem ter como referência um projeto de curso que faça sentido como construção do aprendizado. Conseguir campos de prática nos serviços públicos de saúde passou a ser uma alternativa para as carências dos hospitais e ambulatórios universitários, assim como nos serviços privados por comodidade para os docentes que neles atuam. A insuficiente articulação entre as definições políticas dos Ministérios da Saúde e da Educação também contribuem para o distanciamento entre formação e necessidades. Por sua vez, os esforços de integração do ensino com a rede de serviços sempre tiveram baixa sustentabilidade, na medida em que dependem de atitude ou adesão idealista de docentes e estudantes e, mesmo institucionalizadas, são sempre vulneráveis às conjunturas locais(5) . Considerar os principais elementos tanto na organização dos serviços de saúde quanto em relação ao perfil epidemiológico é extremamente relevante para formar o trabalhador médico para as necessidades de saúde, qualquer que seja o local a ser ocupado pelo mesmo no sistema de saúde. As características mais recentes do sistema público de saúde, com a ampliação da atenção básica, organização de uma “rede” de cuidados progressivos à saúde, participação dos usuários nas instâncias colegiadas de controle social do Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo de formas diversas nos vários municípios do país, têm evidenciado o despreparo do médico em lidar com esta realidade, quaisquer que sejam as questões ou influências ideológicas, éticas, técnicas, políticas, entre outras que determinem o seu exercício. Palavras-chaves: Cuidados primários em saúde, Especialidades médicas, Capacitação em serviço, Recursos humanos em saúde, Educação médica. 32 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Os diferentes riscos de adoecer e morrer, presentes na realidade brasileira, não devem ser objeto de estudos apenas para se aprender como diagnosticá-los ou prescrever esquemas terapêuticos. O poder técnico dos profissionais de saúde, vinculado ao saber, e que orienta a sua prática, deve ser construído de forma a inserir o profissional, como sujeito social, na perspectiva da construção de um modelo de atenção voltado à melhoria da qualidade de vida das pessoas, onde o diagnosticar e tratar não são dispensáveis, mas revestidos de outros sentidos(22) . As várias experiências dos projetos da Rede UNIDA, de construção de modelos inovadores de ensino-aprendizagem e a utilização de metodologias ativas na formação dos profissionais de saúde, em particular, mostraram que o propósito das transformações curriculares não deve se restringir à aplicação de novas metodologias. “O trabalho vivo em saúde se materializa através do processo de produção de relações entre cuidadores e o usuário que com suas necessidades particulares de saúde, dá aos profissionais a oportunidade de tornar públicas suas distintas intencionalidades no cuidado à saúde e os torna responsáveis pelos resultados da ação cuidadora”. Um elemento considerado importante para pensar o processo de formação de profissionais de saúde é a incorporação efetiva, pelas escolas, dos conhecimentos disponíveis para a educação de adultos, onde a pedagogia interativa é sua essência. Isto significa que as atividades práticas e reais cumprem um papel disparador do processo de busca e construção do conhecimento(14) . A busca por iniciar processos que produzam fatos sociais importantes e acumulem poder, tanto nas instituições de ensino quanto nos serviços de saúde, podem esses promover conjunturas favoráveis para as mudanças necessárias, ainda que para as universidades públicas, o momento atual diz respeito à sua sobrevivência, suas relações com a sociedade, ao seu papel de produção e consumo de conhecimentos e também ao perfil dos profissionais que forma. Como um dos movimentos importantes visando a sensibilização de docentes e discentes para a construção de um novo currículo, são aqui apresentadas algumas reflexões sobre a atenção primária à saúde e a formação médica, as possibilidades e dificuldades das contribuições dos docentes especialistas para a consolidação das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) como estratégia de organizar o cuidado e para o processo de transformação curricular no curso médico, em particular, da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. AATENÇÃO PRIMÁRIAÀ SAÚDE NAFORMAÇÃO MÉDICA O desenvolvimento científico, as grandes descobertas em ciência e tecnologia, a evolução da pesquisa biomédica durante o Século XX, impulsionaram um mercado extremamente especializado, fazendo do setor saúde um grande campo de absorção, negócios e conflitos. Muitos benefícios são identificados, mas a determinação que isto imprimiu na lógica da organização dos serviços, na estrutura dos cursos da área de saúde em particular os de medicina e, conseqüentemente na formação dos profissionais e na organização do trabalho, trouxe também prejuízos pouco calculados, porém percebidos. O ensino concentrado nos hospitais, sob o foco dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos superespecializados e da produtividade moderna marcou muito a formação em saúde, com influências diretas na relação entre os indivíduos e entre esses e as diversas tecnologias (1,16). De acordo com Campos e Belisário(10) neste contexto, no que tange à educação médica, a avassaladora dupla progresso técnico/segmentação teve, ao lado de efeitos benéficos, efeitos colaterais, que se podem citar como enorme lacuna entre as instituições acadêmicas do primeiro mundo e as demais e um alongamento temporal da formação médica, causado pela própria divisão do mercado especializado. Com isso, o foco do processo formativo deslocou-se, paulatinamente, da graduação para a pós-graduação. Na década de 60, com objetivo de se opor à lógica de que a “superespecialização” levaria a uma melhor atenção à saúde da população, surgiram movimentos internacionais como o Relatório Lalonde, a Reunião de Alma Ata, a proposta de Saúde para Todos nos anos 70, o movimento de Promoção da Saúde nos anos 80, organizados no sentido de se contrapor àquela tendência, seja para fazer a atenção à saúde acessível a todos, seja para humanizar a prática médica, restabelecendo, assim, o antigo elo de confiança, alicerce da prática médica. Os reflexos daqueles movimentos internacionais levaram à proposta de desenvolvimento do “novo” médico-generalista, conhecido como médico da família e comunidade (MFC). A tendência ocorreu principalmente no Canadá, Reino Unido, Austrália, Holanda e Estados Unidos da América. Sendo assim, a medicina da família surgiu como uma nova especialidade médica que tem por objetivo dar uma atenção integral à saúde contextualizada na realidade social e com o corpo próprio de conhecimentos(2,9) . O espaço da atuação do médico de família e comunidade, reconhecido mundialmente, é a atenção primária à saúde (APS), organizada de diferentes formas em contextos distintos(9). A APS é definida como o primeiro contato, contínuo compreensivo, organizado, universal e não diferenciado por sexo, idade, doença ou órgão afetado. Seria o primeiro nível de atenção à saúde, mas que necessita de uma atuação conjunta e articulada com os níveis secundário, terciário e serviços de emergência (24) . A APS é um espaço necessário a todos os sistemas de serviços de saúde, mesmo que conformado sob diferentes modelos de atenção à saúde que priorizam diferentemente esse nível de atenção. No Canadá, a proporção de médicos com formação e atuando em atenção primária é de 50% e no Reino Unido é de 70% ( 8, 24) . Atualmente, assume-se para a maioria dos países, que entre 75% a 85% das pessoas na população geral conseguem resolver os problemas de saúde referidos nos serviços da APS, 10% a 12% na atenção secundária e 5% a 10% na atenção terciária (25). Evidências indicam que um sistema de saúde baseado em APS tem melhores indicadores de qualidade de serviço, indicadores de custo/beneficio e de satisfação, se comparados aos mesmos indicadores de sistemas de saúde baseados apenas no cuidado do especialista(12,23,24) . Apesar dessas evidências, alguns trabalhos demonstraram que a população acredita que a auto-seleção do especialista é mais eficiente e eficaz ( 26 ) . O distanciamento da medicina em relação aos reais problemas de saúde da população retornou ao centro dos debates durante a histórica Conferência da Organização Mundial de Saúde em Alma-Ata (antiga URSS), em setembro de 1978. Essa conferência, com tema central “Saúde para todos no ano 2000”, recomendou que todos os países membros revisassem seus sistemas de saúde, priorizando a atenção primária como porta de acesso ao sistema de saúde e responsável por resolver parte dos problemas apresentados (27) . Um grande dilema indicado nesse período, e que sem dúvida permanece, diz respeito a desproporção entre o desenvolvimento cientifico do setor da saúde e a grande parcela da população que permanece a margem dos benefícios desse desenvolvimento. Outro debate necessário é sobre a formação profissional. A medicina liberal propõe que o fator orientador e organizador do CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE sistema de saúde seja a lógica de mercado, indo de encontro a organização do sistema de saúde voltado às reais necessidades de saúde da população. Esse modelo liberal da saúde é bem difundido e orientador da formação atual dos profissionais de saúde em geral, em especial, nos paises subdesenvolvidos. Não obstante, todos os fatores apontados nesse panorama levam a crer que as escolas médicas se encontram diante de uma decisiva encruzilhada. A prevalecer esse modelo, podem essas unidades de ensino se diferenciar em formar pesquisadores, outras em formar especialistas e outras médicos gerais. Nesse novo contexto, em alguns países latinoamericanos já se assiste à abertura de escolas médicas para atender a demandas especiais da elite, de confissões religiosas e de segmentos étnicos determinados(10) . No Brasil, durante o processo de redemocratização da sociedade, surgiu o movimento de reforma sanitária, um marco histórico na saúde brasileira, trazendo uma reformulação no pensamento brasileiro sobre saúde, seus determinantes e o papel do Estado(20) . O movimento sanitário brasileiro conseguiu avanços que foram incluídos na Constituição Brasileira de 1988, levando a uma reestruturação na saúde, e ao início da construção do Sistema Único de Saúde (SUS) com princípios e diretrizes que avançam na garantia da saúde mais igualitária para toda a população(3) . A partir da institucionalização do SUS, tem sido enfatizada a necessidade da mudança do modelo de atenção à saúde, com destaque para a Atenção Primária como prioridade a ser organizada através do Programa de Saúde da Família (PSF) e do Programa de Agentes Comunitários (PACS). O objetivo do PSF, segundo Merhy & Franco (21), é: “a reorganização da pratica assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para cura de doenças no hospital. A atenção está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que vão além de praticas curativas”. Os autores destacam ainda como princípios básicos do PSF o caráter substitutivo ao modelo anterior, a integralidade e hierarquização do cuidado, a territorialização e adscrição de clientela, e equipe multiprofissional (21). Segundo o Ministério da Saúde do Brasil(7 ) desde sua criação, o crescimento do PSF foi significativo registrando-se 328 equipes em 1994 e 24.600 equipes em 2005, abrangendo 4.986 municípios do país. Desta forma o programa dá acompanhamento a 78,6 milhões de pessoas (44,4% da população brasileira). Assim o PSF é na atualidade um relevante espaço de organização do cuidado, bem como de atuação profissional (7) . A medicina de família possui campo de atuação que para exercê-la de forma satisfatória são necessárias algumas habilidades e saberes específicos para o modo de agir. O profissional, para atuar nessa especialidade e nesse nível de atenção, tem uma responsabilidade no processo saúde-doença de forma bastante ampliada. Para que possa cumprir essa função de forma satisfatória é indispensável que tenha uma formação que assegure estas aquisições (9) . As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de medicina, publicadas em 2001 descrevem que: “O Curso de Graduação em Medicina tem como perfil do formando egresso/ profissional o médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença, em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano”(4) . 33 A leitura atenta sobre esse trecho das diretrizes curriculares confrontando-o com a realidade da formação que a grande maioria dos cursos médicos oferece no país, permite listar uma série de questões relevantes para reflexão sobre os caminhos que devem ser percorridos em busca do profissional esperado. Da forma como as escolas médicas estão organizadas, que movimentos são necessários iniciar para conseguir alcançar esta formação? Que significa ser professor no ensino superior na área de saúde? Como os médicos se tornam docentes? (11) . A formação atual dos docentes em exercício nas escolas médicas facilita a reflexão sobre as necessidades de mudanças nos cursos? As diretrizes curriculares são efetivamente assumidas por docentes e discentes como referencial para a estruturação dos cursos? Como as práticas especializadas desses influenciam na sua função docente e na trajetória profissional dos alunos? Os docentes conhecem e atuam nos vários níveis de atenção à saúde contemplando saberes e práticas necessários à formação de novos profissionais? E a atenção primária à saúde? Estamos todos falando do mesmo objeto? Que concepções permeiam o conceito de atenção primária adotado nas várias escolas? Teremos que formar médicos para o Programa de Saúde da Família? O generalista a ser formado estará apto a atuar em todos os níveis de atenção ou só na atenção primária? Que outros conhecimentos, competências e habilidades serão necessários? A especialização nesta área será sempre necessária? De modo geral, o preparo do professor de medicina quanto aos aspectos pedagógicos também não tem merecido a devida atenção. É relevante pensar na dimensão pedagógica do trabalho do professor, o que significa também repensar os compromissos da escola médica (11,13) . As instituições de ensino da área de saúde no Brasil têm sido demandadas pelos vários setores e segundo Marsiglia (18) estas demandas podem ser vistas de acordo com suas origens e exigências que estabelecem, como de quatro naturezas: relativas à formação dos profissionais oferecidos à sociedade; relativas à produção e divulgação do conhecimento; relativas às necessidades de recursos humanos para o sistema de saúde em desenvolvimento no país e relativas aos interesses do mercado de trabalho e das indústrias de produção de medicamentos e equipamentos. A mesma autora refere ainda que bem antes das Diretrizes Curriculares de 2001, a Conferência de Edimburgo, na Escócia em 1988, já recomendava vários dos princípios e diretrizes preconizadas hoje pelas diretrizes e também sobre as responsabilidades das escolas médicas. Considerando o contexto onde se inserem as escolas, as demandas sinalizadas, as exigências do sistema de saúde e os desafios para o exercício da docência, que forças impulsionarão as mudanças tão esperadas por alguns e por outros nem tanto? A partir dos anos 90 do século passado tem havido uma intensa mobilização das escolas da área de saúde e em particular as médicas, no que se refere a buscas por mudanças nos cursos, em parte motivadas e ou provocadas pelos movimentos para organização do Sistema Único de Saúde. O SUS também tem sido um incentivador de mudanças através dos programas, a exemplo do PROMED e PRÓ-SAÚDE, com financiamento para os projetos de transformação curricular das escolas da área de saúde(5) . Um dos aspectos desafiantes para reflexão no momento atual é o quanto de mudança as escolas médicas vão conseguir promover na formação e quais serão suas contribuições para consolidação do SUS, considerando que são identificados na desigual sociedade brasileira, projetos distintos e em conflito tanto para as escolas médicas quanto para o sistema de saúde. 34 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA POSSIBILIDADES E DIFICULDADES PARA A CONTRIBUIÇÃO DO MÉDICO ESPECIALISTA PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIAÀ SAÚDE Ainda que os desafios ideológicos, econômicos, políticos e sociais sejam imensos e considerando as demandas sinalizadas para as instituições formadoras, como poderemos no curso desse processo transformador, identificar contribuições das escolas através do seu corpo discente e docente para os profissionais hoje atuando na atenção primária à saúde sob a forma de PSF? O fato dos docentes em atuação nas escolas médicas terem sido formados pela hegemonia do pensamento cartesiano, disciplinar, autoritário nas relações sociais dentro e fora das instituições de ensino e serviço, com os ideais do exercício liberal da profissão, poderia permitir a aproximação com o espaço da atenção primária e da formação do médico generalista nas bases previstas pela legislação em vigor? As especialidades discutem o que são práticas generalistas ou compartilhadas e /ou exclusivas dos especialistas? (18) Poderia se constituir em uma contribuição relevante a inserção dos docentes num processo ensino-aprendizagem em serviços de saúde, com uma maior aproximação do mundo do estudo ao mundo do trabalho e que apresenta aspectos muito diferenciados daquele efetuado em salas de aula. Garcia(15) nos leva a refletir sobre o que este compromisso nos remete: à lembrança dos limites presentes nas estruturas de ensino e de assistência, a situações e contextos que determinam condições nem sempre favoráveis ao cumprimento das finalidades dos projetos das instituições, mas que, por sua vez, trazem novos desafios a ambos e a necessidade da construção de projetos compartilhados. Esse poderá ser um caminho pois, segundo a autora, a aproximação ao cotidiano pode permitir tornar a educação significativa. Melo(19) sinaliza que neste agir-pensar coletivo se aplica a questão: ‘Quem educa quem?’ Professores educam alunos, profissionais e usuários; alunos educam usuários; usuários educam alunos; profissionais e equipes educam alunos e as situações educam a todos. Assim, nesse processo, ao educador ou ao profissional de saúde não basta saber; é preciso também querer; e não adianta saber e querer, se não se tem a percepção do dever e não se tem poder para acionar os mecanismos de transformação nos rumos da instituição. Desse modo concordamos com a colocação de Garcia(15) quando diz que os projetos pedagógicos que visem transformar o atual modelo de ensino devem “ levar em consideração as questões que envolvem o processo ensino-aprendizagem, como os conteúdos e as estratégias didáticas, e aquelas relacionadas ao modelo tecnoassistencial, como conhecimentos, práticas e relações, que implicam num modo de intervir em saúde”. Valorizar as possibilidades de promoção de exercícios para os docentes e discentes que também poderão beneficiar os movimentos pela mudança no interior da escola, talvez seja um caminho possível para promover reflexões. Um exemplo de exercício é a tentativa de cada um conhecer o espaço da atenção primária à saúde e suas formas de organização e prestação do cuidado desnudando-se de preconceitos; esse tipo de exercício se impõem no momento atual, tanto para os que atuam nos sistemas de saúde, quanto para os docentes das escolas médicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Amoretti R. A educação médica diante das necessidades sociais em saúde. Revista Brasileira de Educação Médica 29/2: 136-146, 2005. 2. Blasco PG. As origens da Medicina de Família. In: Roncoletta AFT, Moreto G, Janaudis M, Leoto R, Blasco PG, Levites MR, editores. Princípios da Medicina de Família. SOBRAMFA: São Paulo, p 33-58, 2003. 3. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de Outubro de 1988. 17a ed. São Paulo: Atlas, 2001. 4. Brasil. Ministério da Educação.Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, Brasília (DF): MEC, 2001. 5. Brasil. Ministério da Saúde/Ministério da Educação. 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No Brasil, algumas peculiaridades devem ser ressaltadas: a mortalidade anual por doenças conseqüentes do cigarro, é de duzentas mil pessoas; além disto, a prevalência de tabagismo entre os homens vem reduzindo, porém com um incremento do vício entre mulheres e adolescentes e estas características são desanimadoras em relação às descritas em 1964, marco inicial das evidências do efeito nocivo do cigarro nos seres humanos9. A Organização Mundial de Saúde, desde 1999, reconhece o tabagismo como o principal fator de risco isolado de morbidade e mortalidade, pois é responsável por cerca de vinte e cinco doenças e quatro milhões de mortes anuais no mundo9, 36, das quais mais de oitenta mil ocorrem no Brasil29. A OMS também estima que a cada dez segundos, alguém morre por problemas relacionados ao tabagismo. Por isto o tabagismo é considerado hoje o maior vício adquirido pela humanidade ao longo de sua história, apenas competindo com o álcool, embora a mortalidade atribuída ao tabaco seja oito vezes maior que pelo álcool9, 33. O cigarro como problema de saúde pública Durante muitos séculos, o tabaco foi considerado como uma erva de propriedades curativas, capaz de resolver ou curar casos de bronquite crônica e asma, mas esta suposta propriedade inicial pode ter induzido ao progressivo consumo do tabaco, gerando o significante crescimento da indústria fumageira e o interesse do poder econômico-financeiro de perpetuar e estimular a propagação do fumo em todo o mundo. O tabaco, inicialmente usado pelos índios no século XV, que o cheiravam e mascavam sob a forma de folhas e pasta, só apartir do século XlX passou a ser usado como charuto, cachimbo e depois cigarro, artesanal ou industrializado, sendo o de palha o maior representante desse artesanal e cuja toxicidade é muito maior que o industrializado, ao contrário do que se difundiu por vários anos 9. O cigarro de palha inclusive pode ser mais tóxico pelo maior conteúdo de nicotina e alcatrão, mas também pela menor porosidade da palha com a qual é feito, e assim a fumaça tragada é mais concentrada. Por isto estimase que seis cigarros de palha correspondem a 20 cigarros industrializados. O charuto e o cachimbo têm maiores risco de causar problemas na boca que no pulmão, pois são preparados em meio alcalino, facilitando a absorção da nicotina pela mucosa oral logo no início da tragada; já em meio ácido, como ocorre no cigarro industrializado, a nicotina é absorvida pelo alvéolo. Da tentativa de bloquear a inalação do alcatrão, surge o cigarro industrializado com filtro, que sugere este bloqueio, reduzindo incidência do câncer de pulmão, mas aumentando mortalidade cardiovascular pelo maior conteúdo de monóxido de carbono. Mais recentemente surge o cigarro de baixo teor e maior preço, com a proposta de conter menos nicotina, alcatrão e monóxido de carbono e lógico mais caro. Porém com menor conteúdo de nicotina do que o requerido pelos seus neurorreceptores, há maior indução ao consumo de cigarros e com isto maior inalação de monóxido de carbono. Finalmente, é lançado o cigarro de tipo “King Size” ou mais longos, novamente com falsas vantagens de menor risco, porém na verdade mais caro33. Os países de maior cultivo do tabaco são: China, Estados Unidos, Índia e Brasil, mas a China e Índia consomem quase toda a produção. No Brasil, cujos maiores produtores são: Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a situação é mais grave, pelo baixo custo do cigarro, contribuindo para a ampliação do vício em todo o mundo, pois é o maior exportador e o quarto maior produtor de cigarro do mundo 36 Na Alemanha, Ruff e colaboradores, 35 Margarida Costa Neves Janaína Leite Jabur Patrícia Mineiro Oliveira George Viturino Neves Silva Jorge Augusto Pedreira Silva Francisco Samuel Magalhães Lima Alisson Magalhães C. do Vale Aquiles Camelier Álvaro A. Cruz Palavras-chaves: Tabagismo, Nicotina; Efeitos adversos, Comorbidade, Tabaco, Atenção primária a saúde, Transtorno por uso de tabaco, Nicotina. 36 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA em 2000 publicaram valiosos dados sobre as diversas doenças tabaco-dependentes e sua elevada morbi-mortalidade no mundo, ressaltando o impacto econômico negativo destas condições, com gastos diretos, atribuídos a consultas, internamentos, emergências, reabilitação pulmonar e terapêutica de manutenção; além dos gastos indiretos, como absenteísmo profissional, aposentadoria e óbito precoces34. Dados semelhantes foram publicados na Suécia em 2002, concluindo-se que o custo com a DPOC é maior em estágios mais graves da doença, mesmo considerando este o subgrupo de menor número de doentes17. Visando a expansão do consumo do cigarro, já na década de 50, com o advento de recursos de “marketing”, a indústria fumageira associa o fumo às grandes conquistas do homem, ultrapassando suas barreiras e limites. De modo agressivo, através de propagandas de esportes radicais e com personagens de influência na sociedade, geralmente belos e saudáveis, passou-se a relacionar o hábito de fumar com a conquista dos grandes desafios humanos, cujos heróis são fisicamente atrativos e de notoriedade, com o objetivo de formarem opinião e convencer a população dos “benefícios” do cigarro. Em 2001, avaliando se as cenas de tabagismo em filmes tinham influência sobre o início deste vício entre adolescentes, demonstrou-se que o tabagismo nesse grupo, aumentou à medida que as cenas com fumantes eram maiores, os quais assistiram em média, a dezessete dos cinqüenta filmes apresentados. No mesmo estudo, ficou evidenciado que a relação entre assistir aos filmes e fumar foi maior que o fato de o adolescente ter pais e irmãos fumantes. Estes dados ratificam a necessidade da regulação de propagandas por parte das autoridades em todo o mundo, medidas iniciadas há duas décadas, mas ainda com falhas 35,25. Desse modo, o hábito de fumar, passou a ter uma representação social “positiva”, desde quando é associado com saúde, poder, beleza e riqueza, tendo como resultado a lamentável constatação de aproximadamente de 1,1 bilhão de fumantes e de 4 milhões de mortes anuais no mundo, por doenças tabaco-associadas34. As evidências científicas sobre os malefícios do tabaco são evidentes, pois com o tempo surgiram os resultados da longa exposição á nicotina e com isto campanhas anti-tabagistas são lançadas em todo o mundo desde 1996, mas o poder econômico, utiliza de várias estratégias para minimizar sua propagação e dificultando a divulgação dos malefícios do cigarro (INCA, 1998). Pode-se mensurar que o tabagismo esteja relacionado com 45% das mortes por câncer no mundo, entre eles pulmão, laringe e boca, bexiga, estômago, pâncreas etc., sendo 90% só por câncer de pulmão, 75% dos casos de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC ou mais conhecido na população como enfizema), 35% com doenças cardiovasculares e 20% com as vasculares, além da associação entre tabaco e doença péptica. Atualmente estima-se que o cigarro seja responsável por 15% do total de mortes em países desenvolvidos34. Atualmente, define-se o tabagismo, como a dependência química à nicotina, presente nos derivados do tabaco, dificultando a cessação do vício, o que torna imprescindível a ajuda de profissionais de saúde no difícil processo de interrupção do fumo8. A exemplo de outras dependências químicas, o tabagismo passou a constar no Código Internacional de Doenças (CID), classificada com CID 10 F17. A despeito das manifestações da doença surgirem em pessoas adultas, o problema começa na infância, com a precocidade do tabagismo, tornando maior a chance de o indivíduo se manter fumante quando adultos. Esses dados impõem atenção especial às crianças e adolescentes em todo o mundo, pois como demonstrado, o homem nasce sem ou com mínima quantidade de receptores cerebrais de nicotina, que desenvolvem e multiplicam exageradamente quanto mais precoce consumo da nicotina, e é responsável pela dependência física da nicotina, fator responsável pela dificuldade na cessação do tabagismo29. O estímulo ao tabagismo pela indústria é bastante direcionado ao jovem, e essa estratégia crucial se justifica principalmente por que a nicotina é a segunda droga com maior poder de dependência, superada apenas pela cocaína (US-DHHS, 1988). Ratificando o poder da indústria tabageira sobre o jovem, Menezes em 2004, em estudo de base populacional, verificou elevada prevalência de fumantes entre estudantes do curso de medicina do Rio Grande do Sul, população com maior consciência dos riscos do tabaco24, 1. O efeito da nicotina no homem é variável, em geral diretamente proporcional ao tempo e intensidade da exposição a droga, seja como fumante ativo ou passivo. Vale salientar o papel do tabagismo passivo, definido como o efeito coletivo da fumaça do cigarro sobre as pessoas que circundam o fumante, especialmente em ambientes sem circulação de ar e sua quantificação é estimada pela concentração sérica de carboxihemoglobina em fumantes passivos. Baseado nesta dosagem pode-se inferir que os passivos “fumam” aproximadamente um terço da quantidade de cigarros do fumante ativo e sua suscetibilidade aos efeitos nocivos da nicotina lhe confere maior risco de desenvolver enfermidades tabaco-dependentes33 . Estes dados ratificam a necessidade de não apenas evitar ou cessar o tabagismo ativo, mas principalmente controlar o passivo, pois ao lado do ativo pode haver vários passivos, agravando os problemas relacionados ao fumo no mundo, e desde 1990 a OMS já sugere que metade dos fumantes morre por doenças tabacodependentes e poucas agressões ao homem têm este potencial de letalidade33. A relação do tabagismo com a deterioração da função pulmonar é amplamente conhecida, e em 2002, consolidando estas informações, foi publicado um estudo de 11 anos de seguimento, mostrando o impacto da cessação do cigarro sobre a evolução funcional do pulmão. Neste trabalho os autores demonstraram melhora significativa da função pulmonar no grupo de ex-fumantes, comparado com o de fumantes 2 . Vale ressaltar, que mesmo antes do diagnóstico das doenças tabaco-dependentes, observa-se redução da qualidade de vida dos tabagistas, parte pela superposição com outras doenças próprias da faixa etária, documentado em vários estudos. Em 2004, um importante e pioneiro estudo científico foi publicado, mostrando que a queda da qualidade de vida, mensurada pelo questionário e qualidade de vida, o SF-36, ocorre em pessoas com tabagismo de qualquer grau e tempo de fumo, principalmente no que diz respeito à vitalidade, atividade sexual, aspectos emocionais, saúde mental, atividade física e percepção geral de saúde23. A hiperreatividade brônquica, mecanismo comum a várias doenças respiratórias como asma e DPOC, é descrita também no tabagismo passivo, pelo relato de sintomas respiratórios e perda de função pulmonar em filhos de pais fumantes17 Do mesmo modo, estudo multicêntrico sobre tabagismo passivo em adultos, a exemplo do que se observa com crianças abordando-se adultos de várias cidades de três países, avaliaram os efeitos do tabagismo passivo sobre os sintomas respiratórios, função pulmonar e níveis séricos de IgE. Os resultados deste estudo foram surpreendentes, especialmente pela grave evidência de fumantes passivos em metade da população estudada, sendo que na Espanha isto ocorreu em 75% da população e sua relação foi diretamente proporcional a sintomas pulmonares e CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE hiperreatividade brônquica, fato pouco evidente em asma, rinite, elevação de IgE ou alterações na espirometria 17. Estes dados reforçam a necessidade de medidas para reduzir a exposição de pessoas não fumantes à fumaça do cigarro, ao tempo em que se desenvolvem as campanhas para cessação o tabagismo. Em 1999, durante a 52ª Assembléia da ONU, foi oficializada a luta contra o tabagismo, com a definição de importantes medidas, entre elas a criação de vários centros para cessação do tabagismo e maior rigor na proibição de propagandas da indústria fumageira, com o objetivo de preservar as gerações atuais e futuras, dos efeitos agressivos da nicotina, tendo como principal aliado nesta luta, o pneumologista. O tabagismo é definido como a principal causa de morte evitável no homem9 e se o atual cenário não se modificar, estima-se que em 2025, o número de mortes anuais no mundo, possa atingir aproximadamente dez milhões. Nos países desenvolvidos, o cigarro mata mais que a soma de todas as outras mortes por causas evitáveis, com a cocaína, heroína, álcool, incêndios, suicídios e a Síndrome da Imunodeficiência Humana (SIDA); já em países menos desenvolvidos, que abriga 2/3 da população mundial, o cigarro compete com a fome e a desnutrição. A letalidade causada pelo tabaco ainda é maior no sexo masculino em relação ao feminino, numa proporção de 2:1, acompanhando a maioria absoluta de fumantes do sexo masculino que é de aproximadamente 1,3 bilhões de fumantes no mundo, dos quais um bilhão corresponde ao sexo masculino; embora com um aumento crescente, do tabagismo no sexo feminino. No Brasil, aproximadamente um terço da população é tabagista, o que corresponde a 16,7 milhões de homens e 11,2 de mulheres, e informações do Instituto Nacional do Câncer (INCA) registram cerca de 200.000 mortes anuais no país, decorrentes das doenças relacionadas ao tabaco. Em alguns estados brasileiros, o problema do tabagismo entre jovens é mais pronunciado: Em São Paulo, a prevalência é de 24% ; já no Rio Grande do Sul, a situação é mais grave, pois algumas características facilitam a adição ao tabaco, entre elas: Menor idade, convivência com irmãos mais velhos e amigos fumantes, baixa escolaridade e questiona-se o papel do pai ou da mãe fumante21 , dado este ratificado por Machado na Bahia20 . Dificuldades na implantação de campanhas mundiais de combate ao fumo e a necessidade de um longo período de exposição ao tabaco até o surgimento de doenças, permitem uma estimativa de 10 milhões de mortes no mundo em 2020. Em alguns países desenvolvidos, os resultados dessas campanhas já sinalizam para a redução do tabagismo; em contrapartida, nos países em desenvolvimento, responsáveis por cerca de metade dessas mortes, a indústria fumageira investe mais no estímulo ao vício, agravando problemas de saúde já existentes nesses países, como desnutrição, saneamento básico deficiente e elevada incidência de doenças infecto-contagiosas. Na década de 70, início do movimento anti-tabagista, a estrutura não era eficiente, realizado por entidades religiosas, associações médicas e atitudes individuais, sem vínculos com grupos relevantes e só depois de ratificadas as evidências científicas sobre os malefícios da nicotina no homem, o movimento foi assumido pelo governo, ganhando maior força e cobertura populacional. Nos anos 80, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) assume o controle do então denominado Programa Nacional de Controle do tabagismo (PNCT), tornando públicos os danos causados pelo cigarro e fumar deixa de ser uma atitude relacionada a poder e sucesso, passando a denotar um comportamento desagradável. A dificuldade no manejo do tabagismo é verificada mesmo em classes de maior nível sócio-cultural, como observado por15. 37 Estes autores acompanharam um grupo de médicos ingleses tabagistas durante cinqüenta anos, observando que metade deles morreu por doenças tabaco-associadas. Estes dados foram recentemente ratificados no Brasil entre estudantes de Medicina de Pelotas-RS e Brasília-DF, observando-se elevada prevalência de fumantes nesta população, levando-se inclusive a pensar na reavaliação do currículo médico no país. Esses resultados paradoxais surgem no momento em que se mostra uma redução do número de cigarros fumados ao ano no Brasil na população geral (Menezes et al., 2004). O INCA inicia seu programa com estratégia à criança e adolescente e depois o amplia para adultos, na tentativa de estimular a interrupção do tabagismo. Apesar desse movimento, a dificuldade na cessação do tabagismo é grande, parte pela dependência física a nicotina, apartir a resposta dos receptores cerebrais, que na falta desta substância, manifesta sintomas físicos de agitação, taquicardia, sudorese, hipertensão, insônia e etc; o segundo fator que dificulta a cessação do tabagismo é a falta de profissionais qualificados ao suporte clínico não farmacológico dessas pessoas. Estes dados ficam evidentes em estudos publicados em 1988, quando o INCA divulga dados sobre a Pesquisa Nacional sobre Estilo de Vida, realizada pelo Ministério da Saúde, onde havia 30,6 milhões de fumantes, 78% destes conheciam os malefícios do cigarro e desejavam parar de fumar, dos quais apenas 3% ao ano cessam o tabagismo e surpreendentemente 80% desses o fazem sem usar medicações, ratificando a importância da abordagem clínica comportamental, que dispensa o uso de drogas, geralmente de custo elevado e efeitos colaterais significativos. Estas observações tornam necessária a preparação de profissionais comprometidos nessa abordagem, que não deve ser de responsabilidade única do médico e sim de todos os envolvidos na área de saúde, como mencionado, mas com a total integração da família. (Cinciprini et al., 1997). As medidas do INCA na divulgação do PNCT têm impulsionado a procura de serviços especializados, particularmente de pneumologia, por fumantes carentes de suporte para ajudá-los na difícil batalha de interromper o tabagismo. Ao mesmo tempo, o médico também busca suporte para atender estes pacientes. O INCA tem difundido suas orientações para profissionais do País, através de conferências, jornadas e simpósios, além de estabelecer datas de impacto na mídia, como dia nacional sem tabaco e da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), mais comum e grave dano pulmonar pelo cigarro. Sabe-se que a cessação do tabagismo requer o máximo empenho de toda a equipe, composta do paciente e médico, além de todos os envolvidos no processo, como enfermeiro, assistente social, psicólogo, nutricionista e principalmente a família. Além disto, o programa requer uma abordagem inicial, com avaliação e aconselhamento, mas sem a preparação e o acompanhamento, todo o esforço é inútil. Para tanto, necessitase qualificar profissionais comprometidos, oferecendo-lhes estratégias e material técnico de apoio, aumentando a eficácia do programa. O passo inicial foi a publicação do livro “Ajudando seu paciente a parar de fumar”, sensibilizando os órgãos governamentais para a necessidade de encarar o tabagismo com uma doença, igual a tantas outras como hipertensão arterial, diabetes etc. 29. Dependência à nicotina Dependência á nicotina é o estado de solicitação orgânica ou psíquica ao consumo desta droga, geralmente em doses 38 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA progressivamente maiores, sendo a nicotina o principal componente psicoativo do tabaco, do mesmo modo que o benzopireno, também constituinte do cigarro, é a principal substância associada ao câncer de pulmão. Sabe-se que a nicotina interage com o consumidor, com o seu ambiente e suas reações biológicas. Em 1988, o Ministério da Saúde americano descreve o tabagismo como fonte específica de dependência, determinando que o ato de fumar seja uma doença que leva à dependência, devendo-se preveni-lo e tratar a dependência para interrompê-lo. O estado de dependência decorre freqüentemente da elevada concentração de nicotina liberada ao cérebro pela fumaça do cigarro, e se caracteriza pela escolha do indivíduo ao seu consumo, tentando compensar determinadas frustrações e doses progressivamente maiores são necessárias para manter a sensação de bem estar14. A adição é descrita como um estado mais evoluído da dependência, envolvendo o contexto ambiental, histórico e psicológico, muito variável de um indivíduo para outro, pois não depende apenas de uma dose da substância em questão, mas de múltiplos fatores. Entre todas as drogas responsáveis por este fenômeno, destaca-se a nicotina, pela rápida indução à tolerância e poucas semanas são necessárias para se consolidar a dependência. Apesar desses dados, a quantidade de cigarros diários necessários para ocorrer a dependência, depende de fatores ambientais, comportamentais, da predisposição individual e da freqüência com que ocorrem os “gatilhos”, situações associadas ao hábito de fumar, como o estresse, emoções, alegria e tristeza, consumo de álcool e cafeína, atividade sexual entre outras. O reconhecimento destas características próprias de cada pessoa, é um ponto crucial no doloroso processo de cessação do tabagismo9 . Outros autores descrevem que a nicotina é droga com grande potencial para modificar a biologia e fisiologia do cérebro, forte indutora de dependência, principalmente associada a fatores individuais, genéticos, ambientais e sociais, cuja abordagem no programa de cessação do tabagismo é de extrema importância, principalmente para evitar as freqüentes recaídas (National Institute on Drug Abuse, 1997). A dependência geralmente é maior em indivíduos vulneráveis, principalmente os jovens, cuja maioria, ao redor e 75%, é provadora de cigarro, destes, 60% passam ao consumo regular do tabaco e 20 a 30% se tornam dependentes. Inicialmente pode ocorrer rejeição voluntária ao cigarro, pois o consumo precoce provoca efeitos desagradáveis, como tonturas, náuseas e tremores; depois bem tolerados, seguidos de sensação de bem estar originada em uma região do cérebro, chamada de sistema mesolímbico, descrita no anexo 2. Esta conturbada vivência inicial, geralmente decorre da necessidade de auto-afirmação diante do grupo, necessária à inclusão social e própria da faixa etária, às vezes em busca da identificação com ídolos; outras vezes por rebeldia e desafio à autoridade familiar. Assim, podese resumir em cinco, os motivos relevantes que levam o adolescente a fumar: - Autoconhecimento - Desafio de autoridade - Necessidade de ser reconhecido no grupo - Necessidade de copiar ídolos (Pais, atores, cantores etc...) - Busca de desafios No difícil processo de cessação do tabagismo, a observação do indivíduo como um todo é de fundamental importância e, mundialmente reconhecidos, Prochaska e Di Clemente publicaram os cinco estágios de mudança cognitivo- comportamentais a seguir descritos e o anexo 3 ilustra critérios de dependência de nicotina: 1. Fase pré-contemplativa: Há ciência dos riscos, mas não há intenção de parar de fumar. 2. Fase contemplativa: Há intenção de parar em seis meses, apesar de insegurança e medo. 3. Preparação para a ação: Tentativa real para parar de fumar e solicita ajuda para isto 4. Ação: O paciente enfrenta tudo e pára de fumar em de 4-6 semanas 5. Manutenção: A difícil arte de se manter abstêmio com exposição aos apelos. É o momento de evitar confronto com os gatilhos, situações vividas que desencadeiam a vontade de fumar, como café, álcool, jogo, etc. Para mensurar o grau de dependência à nicotina, um valioso instrumento validado e amplamente utilizado em todo o mundo é o questionário ou Teste de Fagerstrom (Anexo 4), artifício de fácil e rápida aplicação, de baixo custo e portanto valioso para aplicação em países de baixa renda. Os resultados obtidos neste questionário têm boa associação com a dosagem da cotinina sérica, urinária ou salivar, porém a medida objetiva e acurada deste metabólito da nicotina exige equipamento sofisticado, de custo elevado e de difícil acesso para países em desenvolvimento9. Habitualmente, 85% dos fumantes voltam a fumar na primeira tentativa, só cessando de fato por volta da terceira tentativa. O conhecimento dessas informações é fundamental ao profissional de saúde, que no momento oportuno deve esclarecer com segurança ao dependente, suas chances e possibilidades de recair, alertando-o do processo e recaída, sem reduzir a autoestima e subestimar a capacidade de vencer dos indivíduos. Denegrir o espírito de mudança não ajuda inclusive à luz dos conhecimentos sobre a dependência à nicotina; ao contrário, deve-se parabenizá-lo e louvar sua capacidade de solicitar ajuda e tentar vencer, sabendo do difícil caminho a seguir, comemorando com o fumante, cada dia longe do cigarro. Postula-se ainda uma sexta fase, a de finalização, onde se concluem as mudanças comportamentais propostas na fase contemplativa, desaparecendo o problema A formalização destas etapas com o paciente é fundamental na medida em que se estabelecem metas e condutas terapêuticas a cada fase e tornam os procedimentos menos heterogêneos no mundo. Nas duas primeiras fases, deve-se apenas educar e conscientizar, como mostrado no Anexo 1, postergando a indicação de drogas para as fases posteriores. Doenças associadas ao Tabagismo A elevada morbi-mortalidade associada ao tabagismo, decorre das diversas doenças relacionadas ao tabaco, principalmente as cardíacas e respiratórias. Em 1991, Rigatto descreveu alguns mecanismos através dos quais essas enfermidades, que depois serão descritas mais detalhadamente33. A) Dificuldades nas trocas gasosas. Déficit na captação, transporte e utilização do oxigênio; B) Alteração na reprodução celular: Mais evidente em másformações congênitas e câncer; C) Déficit imunológico celular: Por redução da barreira mucociliar e fagocitose; D) Déficit da imunidade humoral: Alteração do muco e déficit de imunoglobulina A; D) Alteração do metabolismo: Aumento do trabalho respiratório, de catecolaminas e elevação da pressão arterial e taquicardia. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE DOENÇAS PULMONARES O tabagismo é o principal responsável pelas doenças mais freqüentes e graves tratadas pelo pneumologista, tanto do ponto de vista ambulatorial quanto hospitalar. As principais alterações pulmonares relacionadas ao tabagismo podem ser resumidas assim: - Bronquite - Enfermidades mutagênicas ou carcinogênicas - Inflamação local – Em consequência disto, decorre a morte celular com destruição tecidual. - Alteração da barreira mucociliar: Por modificação das características do muco - Hiperplasia de células mucosas com aumento da produção de muco - Aumento de risco para Infecção do Trato Respiratório - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): Bronquite e enfisema - Maior risco de desenvolver doenças intersticiais pulmonares Alguns autores descrevem um risco de 20 vezes maior de morte entre fumantes, quando comparado com a população não fumante, com evidências de maior deterioração da função pulmonar em fumantes do sexo feminino, em relação ao masculino; embora o homem esteja mais exposto a substâncias relacionadas às atividades profissionais, como sílica e asbesto, que além de também afetarem o pulmão, potencializam os efeitos do tabaco3. A DPOC, geralmente definida como a associação de bronquite crônica e enfizema, é considerada problema de saúde pública da atualidade e se destaca como uma das principais causas de morbi-mortalidade no mundo, com a perspectiva de se manter assim, inclusive piorar até 2020, caso medidas drásticas para reduzir o tabagismo não forem adotadas no mundo. Trata-se de doença grave e progressiva, limitando muito a qualidade de vida dos pacientes, de custo financeiro elevado, com limitada opção de tratamento e que em 90% é relacionada ao tabagismo; ou seja, sem o cigarro a enfermidade só ocorreria 10% dos casos.31 As alterações pulmonares decorrem de distúrbios cardíacos, vasculares e por alteração na propriedade da hemoglobina, dificultando as trocas gasosas; por sua vez, a lesão do leito vascular pulmonar reduz a produção de prostaciclina (PGE2) e prostaglandina responsável pela estabilidade plaquetária. A DPOC, maior e mais grave conseqüência pulmonar do tabagismo, é definida atualmente como doença inflamatória brônquica, resultando em perda acelerada da função pulmonar, precária qualidade de vida e custo financeiro elevado. É entendida como patologia de evolução progressiva e sistêmica, de elevada prevalência, de difícil tratamento e sem perspectivas de redução na próxima década 31. NEOPLASIAS TABACO-ASSOCIADAS Entre as neoplasias malignas (Câncer) conhecidas, muitas se destacam pela exposição ao tabaco, entre elas, as pulmonares e de laringe são as importantes, mas outras como de boca (lábio e língua), esôfago, bexiga, rim, pâncreas, bexiga, estômago, mama, cólon, reto e colo de útero também se associam ao tabagismo. Vale ressaltar que o tempo de exposição para o aparecimento da neoplasia pulmonar é longo e o diagnóstico geralmente é tardio, pois os sintomas do tumor se confundem com os de bronquite crônica, por isto a chance de cura do câncer de pulmão é tão difícil. Pela elevada incidência de neoplasia pulmonar em fumantes, foi desenvolvido estudo para rastreamento 39 precocemente desse tumor na população de risco, mas os resultados não mostraram o impacto esperado e os custos para o diagnóstico precoce não justificam manter o rastreamento como medida de rotina, principalmente em países de baixa renda. Além disso, embora a neoplasia seja a doença de desfecho fatal em curto prazo, há doenças, de freqüência e morbi-mortalidade mais relevantes e o investimento para diagnóstico precoce de câncer deve ser desviado para expandir os programas de cessação do tabagismo em todo o mundo, como principal medida para controle das doenças tabaco-associadas39. Outra neoplasia maligna associada ao tabaco é a de bexiga, com risco estimado de 2 a 3 vezes maior de seu surgimento em fumantes. Trata-se do câncer mais freqüente do trato urinário e com maior incidência no sexo masculino 7. DOENÇAS CARDIOVASCULARES As doenças cardiovasculares relacionadas à exposição ao tabaco, geralmente decorrem do envelhecimento precoce da parede vascular; diferente do observado na aterosclerose de outra etiologia, cujo processo é lento e tardio. Em fumantes, há ligação estável do monóxido de carbono com a hemoglobina, dificultando a ligação desta ao oxigênio e o transporte aos tecidos, mecanismo este denominado de metabolismo anaeróbio com baixo teor de oxigênio tecidual e dano celular por liberação de radicais livres, oxidantes, perpetuadores da inflamação, com morte celular. Além deste mecanismo, a nicotina é potente vasoconstrictor, acentuando a hipóxia tecidual, com aumento da resistência vascular, elevação da pressão arterial e risco de arritmias, Acidente Vascular Cerebral (AVC), angina, Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e morte. 36, 22. As principais doenças cardiovasculares são: Doença isquêmica do coração (infarto do coração), AVC, aneurismas de aorta, vasculopatias periféricas, principalmente arterial e trombose venosa profunda com embolia pulmonar, também relacionada a DPOC, e risco de morte súbita. Há ainda lesão vascular em retina com limitação visual e perda visual. As alterações cardiovasculares do tabagismo ocorrem por inalação de nicotina e monóxido de carbono, com efeitos deletérios sobre o miocárdio. A nicotina induz à elevação de substâncias, como a serotonina, favorecendo a vasoconstricção e a agregação plaquetária; enquanto o monóxido de carbono lesa diretamente a camada vascular e forma a carboxi-hemoglobina, dificultando a adequada troca gasosa33, 22. Avalia de outro modo 33 A doença vascular periférica mais freqüente é a tromboangeite obliterante (Doença de Burger), responsável por amputação de membros inferiores. Estudos mostram que a interrupção do tabagismo resulta na redução de 95% destas amputações. Há redução da qualidade de vida por dor, claudicação e até amputação, com marcado dano psicológico. Também relacionado com o tabagismo, o AVC é considerado a terceira causa de morte no mundo, inclusive no Brasil, com seqüelas neurológicas irreversíveis e três vezes mias freqüente em fumantes e descreve-se que após cinco anos sem fumar, o risco é semelhante ao do não fumante. Doll e colaboradores, acompanhando médicos fumantes por 50 anos, ratificaram estes achados com a verificação desta patologia na amostra estudada11. DOENÇAS NEUROLÓGICAS TABACO-ASSOCIADAS Além do AVC já descrito, observam-se no fumante, maior risco para surgimento de outras doenças, como doença de Alzheimer, demência vascular e morte súbita. 40 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA DOENÇAS GENITO-URINÁRIAS TABACO-ASSOCIADAS Observa-se ainda que o tabagismo é um fator de risco para a disfunção erétil, dificuldade na fertilidade humana com redução da em torno de 40%, precocidade da menopausa e complicações gestacionais, como abortamentos, nati-mortalidade, com baixo peso e menor estatura ao nascer, além de maior morbi-mortalidade destas crianças na primeira infância, menor desempenho intelectual das mesmas. Estes dados são ratificados por evidência de maior dependência e sensibilidade da mulher aos danos do tabaco. Vale ressaltar o papel do tabaco e maior risco de doenças cardiovasculares com uso concomitante de anticoncepcionais orais ou presença de fatores de risco para essas doenças, tornado fundamental a redução das taxas de tabagismo no sexo feminino33 . OUTRAS DOENÇAS RELACIONADAS AO TABAGISMO Pesquisas mostram que a nicotina tem efeito antiestrogênico, aumentado o risco para osteoporose e fraturas após a menopausa, também relacionado à existência de DPOC, que a princípio os estudos não associam com o uso crônico de corticóide e outras doenças pulmonares crônicas não apresentam risco aumentado para osteoporose, sugerindo realmente a relação entre o tabaco e risco desta doença óssea. As alterações digestivas no fumante, por ativação de gânglios parassimpáticos, mais freqüentes são: Diarréia, náuseas, vômitos e maior risco para úlcera péptica, principalmente a duodenal, neste caso dificuldade de cicatrização da mesma4. Outras complicações do tabagismo são os acidentes automobilísticos relacionados à prática de fumar na direção de veículos, além de incêndios, na zona rural, a causa mais importante; e na cidade a segunda causa, superado pelos curtoscircuitos elétricos33. Dados da OMS sugerem que a cada dez segundos, alguém morre precocemente em conseqüência dos efeitos do tabagismo e o INCA descreve que o fumante, em relação ao não fumante, tem risco de doze a vinte vezes maior para desenvolver câncer de pulmão, dez vezes para DPOC e de dois a cinco vezes para AVC. As conseqüências do tabagismo anteriormente descritas e relacionadas com perda acelerada da função pulmonar, redução da qualidade de vida, surgimento e/ou agravamento de sintomas respiratórios põem ocorrer especialmente em crianças fumante passivas, e maior o risco quando a mãe é a fumante, por ficar mais tempo com a criança, expondo-a a fumaça do cigarro. Descreve-se ainda queda de cabelo, catarata, perda da audição, descoloração dentária e destruição do esmalte dentário, envelhecimento precoce da pele, osteoporose, psoríase, úlcera péptica e coloração amarela nos dedos e unhas. Além dos problemas citados, acrescenta-se a irritabilidade pela consciência da necessidade de interromper o tabagismo e a frustração de não consegui-lo, além das conseqüências sistêmicas da DPOC, como caquexia, osteoporose, arritmias, atrofia muscular, doença cardiovascular e cerebral. Há evidências de que o tabagismo favorece à hipercolesterolemia com redução da lipoproteína de alta densidade (HDL) e elevação da baixa (LDL), aumentando o risco de aterosclerose. A elevada taxa de carboxi-hemoglobina ou hemoglobina inutilizada no fumante, o torna mais vulnerável às situações de estresse e maior consumo de oxigênio. Assim, o fumante deve ser avaliado antes de procedimentos cirúrgicos, com interrupção do cigarro pelo menos 24 às 48h antes do ato, para redução do nível de carboxi-hemoglobina, pois sua vida média é pequena. Isto facilita a cirurgia por reduzir complicações no intra e pósoperatório, freqüentes nos fumantes em relação a não fumantes, principalmente em cirurgias de médio e grande porte e cirurgias abdominais altas, por maior limitação da ventilação33. Vale ressaltar os aspectos inerentes às neoplasias em geral, em particular ao câncer de pulmão, cuja ocorrência entre tabagistas é elevada e decorre da exposição ao benzopireno, presente na fumaça do cigarro, considerado o maior carcinogênico conhecido. Além do benzopireno, a fumaça do cigarro contém substâncias co-carcinogênicas que atuam indiretamente, facilitando a ação do benzopireno, especialmente se há predisposição individual para a doença Estudos sugerem que a interrupção do tabagismo, reduziria a incidência de todos os tipos de neoplasias para 30%; enquanto que a cessação do alcoolismo e controle de peso resultaria respectivamente em 3% e 1%. Impacto também mais baixo foi observado adotando-se medidas preventivas para outras neoplasias como colo uterino e exposição a raios-X, ratificando-se o papel do tabaco como potente indutor de neoplasia e a necessidade de medidas urgentes para interromper seu consumo9. Abordagem Geral do Tabagista Conforme relatado por diversos autores, o processo de cessação do tabagismo é muito difícil, pela inexistência de programas efetivos e extensivos à população exposta e baixa qualificação médica em geral, para tratar desta dependência química grave, de difícil e restrito tratamento. Além disto, a diferença no grau de dependência e resposta ao tratamento, ao transtorno psicológico e sócio-cultural associado e a falta de orientação prévia do fumante com relação à fase de abstinência, bem como o tempo de duração previsto, são alguns dos fatores que limitam o sucesso dos programas de cessação do tabagismo no mundo 15. Na abordagem geral para agregar dependentes da nicotina ao programa de cessação do tabagismo, alguns subgrupos merecem atenção especial. Idosos Segundo dados do IBGE de 2002, a população de idosos no Brasil cresceu de 7,9 para 9,3% e o aumento da expectativa de vida no País, originou distúrbios na saúde, seja pela degeneração orgânica fisiológica, acrescidos aos efeitos do tabagismo nessa população, habitualmente com limitação ao uso de drogas para tratamento de abstinência. Outros problemas são sociais, profissionais, culturais, financeiros e emocionais, próprios da faixa etária. Assim uma abordagem cautelosa destes pacientes é imprescindível e geralmente requer equipe multiprofissional capacitada7. Crianças e adolescentes Este grupo, facilmente seduzido pela mídia e apelos sociais próprios da idade, se destaca pela necessidade urgente de reduzir a exposição ao tabaco, cujos efeitos em longo prazo são deletérios. Apesar disto, mundialmente se observa persistência e aumento de doenças tabaco-dependentes na próxima década, principalmente pela prevalência elevada do tabagismo, tendo o jovem papel relevante neste contexto, de modo que a redução do consumo de tabaco neste grupo é investimento prioritário do programa de cessação do tabagismo. A participação de equipe multidisciplinar qualificada é fundamental, aliada ao relevante apoio familiar e escolar, orientando dos riscos e como resistir aos apelos da mídia, não manter o exemplo em casa e monitorar para detectar início do consumo cigarro20. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Gestante Entre as conseqüências da exposição à fumaça do cigarro, já foram referidos os problemas que vão da dificuldade de fertilização, ao aborto e prematuridade, com transtornos ao nascer, além do maior risco de morte no primeiro ano de vida. Nesta população, vale apelar para o sentimento que há de mais profundo entre os seres humanos a relação mãe-filho. Esta abordagem gestante, além de evitar complicações na mulher e na criança, pode ser o início a cessação definitiva do tabagismo6. Tabagismo como doença De comportamento social aceitável e difundido no mundo, no final do século XX, passou a ser abordado como doença e, portanto incluído no código internacional de doenças, com conseqüências corporais graves, impondo-se a necessidade e esforço mundial de estabelecer programas efetivos de cessação do consumo do tabaco, com as etapas descritas a seguir: - Conscientização da classe médica e outros profissionais de saúde sobre a dependência química à nicotina, como quantificala e abordagem, observando a variação individual de dependência. Saber abordar o fumante e ampará-lo nos momentos de fraqueza, elevando sua auto-estima e incentiválo nas recaídas, é um aprendizado fundamental. - Conscientizar o paciente fumante de que é doença e se não tratada, poderá ter conseqüências irreversíveis e graves. Orientar sobre dependência, abstinência e manutenção, estimulando-o a conhecer a dinâmica, o que o leva a fumar e gatilhos devem ser bem explorados. O estímulo a outros prazeres deve ser estimulado e falar das dificuldades da abstinência certamente a fará menos sofrida, como se conhecer o inimigo antes, torne menos difícil a batalha. Lembrar que os sintomas da abstinência cessam; já a conseqüência da exposição crônica à nicotina é irreversível. Determinar o momento ideal para iniciar o processo e torná-lo o marco do início da luta, é um ponto fundamental e deve ser definido pelo fumante. - Conscientização da família e amigos, abordando os aspectos anteriormente descritos para o dependente, esclarecendo a importância da participação de todos nesta difícil, mas não impossível, batalha, onde todos nos seremos vencedores. Ao iniciar o programa de cessação de tabagismo, o fumante deve submeter-se às estratégias ou estágios de abordagem comportamental, estabelecidas por Prochaska e Diclemente32, baseadas nos aspectos cognitivo e motivacional do fumante, mas é fundamental conhecer o grau de motivação que os pacientes apresentam na consulta. Neste momento esclarecimento dos riscos e conseqüências do consumo do tabaco deve se feito de modo tranqüilo e seguro, de modo a fazê-lo pensar e decidir, pelo menos iniciar o estágio de contemplação. Os estágios de mudança podem ser resumidos como se segue: 1) Pré-contemplação: O Fumante não pensa em parar de fumar. 2) Contemplação: O fumante reconhece que precisa para de fumar. 3) Pronto para a ação: O fumante considera seriamente que precisa parar e fumar 4) Ação: O fumante pára de fumar. 5) Manutenção: O fumante parou de fumar, mas deve ficar atento para não voltar. 6) Recaída: O fumante voltou a fumar. Para estabelecer estes estágios, cinco passos devem ser seguidos pela equipe e saúde diante do dependente de nicotina e tem a sigla conhecida por PAAPA: 41 • Perguntar: Avaliar tempo e cigarros ao dia, intenção de parar e se já tentou antes. • Avaliar: Avaliar grau de dependência e dificuldade do processo • Aconselhar: Informar ao paciente, sem a intenção de condenar ou punir. • Preparar: Avaliar o momento ideal para começar, geralmente de menos turbulência na vida. • Acompanhar: Importantíssimo e equipe deve estar preparada para ampará-los nas recaída Os estágios de manutenção e recaída são de extrema importância e a maturidade da equipe de suporte, de saúde, família e amigos, é o suporte para amparar o fumante nestes momentos, como resultado de perfeito entendimento da dependência química à nicotina, reconhecendo a fragilidade do dependente nesta luta. Ainda que coordenado por um médico, vários membros da sociedade desempenham atividade relevante no programa de cessação do tabagismo e os agentes comunitários de saúde são os melhores exemplos desses aliados. Preparar o fumante significa estabelecer com ele as estratégias para o processo de interrupção do tabagismo: escolher o momento ideal, lembrar que estresse é adverso ao inicio, pois ele tem no ato de fumar, momentos de prazer, que retirados na sobrecarga emocional, certamente o levará a ter lapsos ou episódios isolados de consumo; ou recaída, o retorno ao consumo regular do cigarro. A tentativa frustrada, por parte do fumante, certamente causará sensação de derrota e fraqueza, ainda que previamente orientado destas dificuldades. Neste caso, tranqüiliza-lo de que novas tentativas não serão necessariamente semelhantes, desde que observadas e corrigidas as falhas anteriores. Deve-se conversar com o fumante, oferecendo-lo apoio e estímulo, aumentando sua autoestima ao lhe lembrar que atos semelhantes são de coragem e ele é o principal protagonista da vitória. A interrupção o tabagismo com a abordagem cognitivocomportamental, sem uso de drogas, é o primeiro passo recomendado pelo INCA e deve ser tentada em todas as pessoas dispostas, pois com uma equipe multiprofissional qualificada no processo, o sucesso é possível. Vale salientar que as drogas utilizadas para auxiliar na interrupção do fumo, têm custo financeiro elevado e efeitos colaterais que limitam o seu uso em larga escala e que apesar tudo programado, geralmente são necessárias duas ou mais tentativas para que haja cessação o tabagismo, aspectos que devem ser sinalizados ao fumante desde início, pois só ajudam. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Andrade APA, Bernardo ACC, Viegas CAS, Ferreira DBL, Gomes TC, Sales MR. Prevalência e características do tabagismo em jovens da Universidade de Brasília. 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Implantando um programa de controle do tabagismo e outros fatores de risco em unidades de saúde. Rio de Janeiro, 2001. 28. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer/Coordenação Nacional de controle de tabagismo e prevenção primária de câncer. Ajudando seu paciente a parar de fumar. Rio de Janeiro, 1997. 29. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer/Coordenação Nacional de controle de tabagismo e prevenção primária de câncer. Falando sobre tabagismo. 3ª ed Rio de Janeiro, 1998. 30. National Institute on Drug Abuse. New understanding of drug addiction. Hospital Practice: Special report 1-36, 1997. 31. NHLBI/WHO. Global Initiative for Chronic Obstructive Pulmonary Disease (GOLD). Global strategy for the diagnosis, manage and prevention of Chronic Obstructive Pulmonary Disease. Betheseda: National Heart, Lung and Blood Institute, 2004. 32. Prochaska JO, Diclemente CC. Stages and process of self–change of smoking: toward an integrative modelo of change. 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Atualmente, não pretende parar totalmente de fumar e para sempre nos próximos 6 meses? Anexo 2. Neurotransmissores liberados no SNC por ação da nicotina. -Dopamina: Prazer, redução do apetite e adição. - Norepinefrina: Alerta e redução do apetite -Acetilcolina: Alerta e melhora da cognição - Vasopressina: Melhora da memória - Serotonina: Melhora de humor, reduz apetite e alívio da síndrome da abstinência. - Glutamato: Melhora da memória - GABA: Redução da ansiedade e tensão - Betaendorfina: Reduz ansiedade e tensão Anexo 3. Diretrizes diagnósticas do CID-10 para dependência pela nicotina. É necessária a presença de três ou mais itens para o diagnóstico A. Um forte desejo ou compulsão para consumir a substância B. Dificuldade em controlar o desejo de consumir a substância em termos de seu início, término e níveis de consumo. C. Estado de abstinência fisiológico quando o uso a substância cessou ou foi reduzido ou pelo uso da mesma substância com intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência D. Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos antes produzidos com doses mais baixas. E. Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da sustância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos. F. Persistência do uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas. Anexo 4. Questionário de Fagerstrom. 1. 2. 3. 4. 5. 6. Quanto tempo depois de acordar você fuma o primeiro cigarro? a) Após 60 min= 0 ponto b) Entre 31-60 min= 1 ponto c) Entre 6-30 min= 2 pontos c) Nos primeiros 5 min= 3 pontos Você encontra dificuldades em evitar fumar em lugares proibidos, como igrejas, trabalho, cinemas, shopping, etc.? a) Não= 1 ponto b) Sim= 1 ponto Qual o cigarro mais difícil de largar ou de não fumar? a) Qualquer um= 0 ponto b) O primeiro da manhã= 1 ponto Quantos cigarros você fuma por dia? a) Menos de 10= 0 ponto b) Entre 11-20= 1 ponto b) Entre 21-30= 2 pontos c) Mais de 31= 3 pontos Você fuma mais nas primeiras horas do dia do que no resto do dia? a) Não= 0 ponto b) Sim=1 ponto Você fuma mesmo estando doente a ponto de ficar acamado a maior parte do dia? a) Não= 0 ponto b) Sim= 1 ponto Pontuação: 0-4: Dependência leve 5-7: Dependência moderada 8-10: Dependência grave 44 II.3 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Hugo Maia Filho Daniel Vasconcelos Cunha Martins Diego José Leão de Oliveira Thiago Pereira Cavalcanti Zenilton Lima da Silva Sobrinho A RELEVÂNCIA DOS CONHECIMENTOS SOBRE CONTRACEPÇÃO NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA INTRODUÇÃO Palavras-chaves: Contracepção, Planejamento familiar, Anticoncepcionais orais, Implante hormonal, Anel vaginal; DIU de cobre, DIU medicado, Condom. A gravidez não planejada constitui um grave problema à saúde pública em países como o Brasil. Por serem uma importante causa de mortalidade e de morbidade maternoinfantil, os problemas vinculados à gestação merecem grande atenção dos profissionais ligados à área de saúde. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 19 milhões de mulheres sofrem aborto não-seguro por ano, sendo que desses, 18,5 milhões ocorrem em países em desenvolvimento: 4,2 milhões na África, 10,5 milhões na Ásia e 3,8 milhões na América Latina. Em conseqüência de complicações nesses abortos não-seguros, 68 mil mulheres grávidas morrem, a cada ano, em todo o mundo (WHO, 2006). O número de gravidezes entre as adolescentes brasileiras tem crescido de forma preocupante. Segundo os dados do Ministério da Saúde, 14% das mulheres entre 15 e 19 anos tinham pelo menos um filho. Além de contribuir para aumentar o número de abortos não-seguros, a gravidez na adolescência cria um problema social. São raras as adolescentes que têm condições de cuidar e educar seus filhos, até porque a maioria dessas gravidezes ocorre entre parcelas menos favorecidas da população brasileira (Ministério da Saúde, 2006). Além disso, a falta de planejamento familiar contribui para agravar os problemas sociais dos países em desenvolvimento. Muitos governos não têm condição de lidar com grandes aumentos populacionais, e acabam oferecendo más condições de assistência médica e de educação. Com o intuito de reduzir esses problemas, a implementação do planejamento familiar através de contraceptivos seguros representa uma das práticas mais bem documentadas e eficientes. Desde os anos 60, os programas de planejamento familiar têm ajudado as mulheres em todo o mundo a evitar aproximadamente 400 milhões de gestações indesejadas (Hatcher, 2001). Como conseqüência, muitas mulheres têm sido poupadas de gestações de alto risco e de abortos não-seguros. Além disso, nos países em que foi feito um rigoroso controle das taxas de natalidade através do planejamento familiar, a melhora das condições sócio-econômicas foi notável. Considerando que milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, em condições inadequadas de higiene e baixo nível de escolaridade, ter muitos filhos representa dificuldades tanto para a família quanto para o Estado. Entretanto, sem a contracepção assistida, a mulher e o seu companheiro não são capazes de escolher quando ou quantos filhos eles querem ter (Baird, 2000). No Brasil, existe a necessidade cada vez mais freqüente da atuação dos profissionais da saúde para orientar a contracepção no atendimento primário. Alguns métodos contraceptivos são tão simples que os próprios agentes comunitários de saúde, se bem treinados, podem orientar a população. Existem casos, entretanto, em que a participação do médico é fundamental para avaliar as condições dos pacientes e indicar o método mais adequado. Os métodos contraceptivos incluem: o uso de hormônios esteróides com a finalidade de bloquear a ovulação, métodos de barreira capazes de impedir a ascensão de espermatozóides, e o uso de dispositivos intra-uterinos medicados e não-medicados. Os métodos hormonais vão desde a pílula anticoncepcional aos anéis vaginais, implantes subcutâneos e aos adesivos transdérmicos. Já os métodos de barreira incluem o diafragma, associado a agentes espermicidas, e o “condon” ou “camisinha” (masculina e feminina). Com relação aos dispositivos intra-uterinos (DIU), existem os não-medicados e os medicados com hormônios. Além do seu efeito contraceptivo, vários trabalhos CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE científicos têm mostrado que os anticoncepcionais hormonais trazem outros benefícios para a saúde da mulher, tendo efeito sobre algumas patologias como a endometriose, a adenomiose e os pólipos endometriais (Burkman, 2004). A ESCOLHA DO MÉTODO CONTRACEPTIVO A escolha de um determinado método anticoncepcional é um processo que tem que envolver uma interação harmônica entre o conhecimento médico dos métodos contraceptivos e os aspectos éticos envolvidos na reprodução humana. Por causa disto torna-se importante para o médico de família ter o conhecimento dos direitos reprodutivos do ser humano, que incluem entre estes o livre acesso aos diversos métodos de contracepção existentes na atualidade. O médico de família que trabalha na atenção básica da saúde tem o dever social de orientar o seu paciente na escolha de um método contraceptivo que não fira nem as convicções pessoais deste nem lhe traga riscos desnecessários. Para isso é importante que este tenha uma sensibilidade especial para lidar com as questões ligadas à reprodução e sexualidade humana, sempre lembrando que o planejamento familiar tem que ser uma opção livre e nunca coercitiva do casal. Contraceptivos orais Os contraceptivos orais têm a capacidade de combinar uma contracepção eficaz e segura e ao mesmo tempo trazer vantagens para a saúde feminina. Nos últimos anos se tornou evidente que a mudança do padrão reprodutivo da mulher moderna levou ao aumento significativo no número de menstruações durante a sua vida reprodutiva. Este aumento no número foi responsável também pelo aumento na incidência de inúmeras patologias, entre elas a endometriose, mioma uterino e o câncer de endométrio. O uso do anticoncepcional oral por períodos além dos clássicos 21 dias, constitui o que se chama de regime estendido. O uso do anticoncepcional oral em regime estendido está associado a maiores benefícios para a saúde feminina que o esquema tradicional. Na verdade, a escolha deste regime de 21 dias de medicação ativa, seguido de 7 dias de pausa, reflete o pensamento equivocado de 50 anos atrás, de que era necessário dar a mulher usando anticoncepcionais a ilusão de que a mesma estava tendo menstruações regulares, a fim de que esta tivesse a certeza de que não estava grávida. Por sua vez, há meio século atrás, a menstruação era considerada erroneamente um processo salutar e inócuo para a saúde feminina. Naquela ocasião não se dispunha dos conhecimentos atuais de que a menstruação é um processo que envolve a ativação endometrial de citocinas inflamatórias e que a sua repetição incessante todo mês, fato que não era previsto ocorrer na natureza, pode aumentar o risco de se desenvolver patologias ginecológicas em mulheres susceptíveis (Coutinho, 1999). Os mecanismos pelos quais a repetição dos ciclos menstruais poderia levar ao aumento de risco para o desenvolvimento de patologias ginecológicas é complexo e envolve não somente os hormônios esteróides como também as prostaglandinas e outros mediadores inflamatórios. A menstruação pode ser definida como a descamação da camada funcional de um endométrio previamente estimulado pelos estrogênios, provocada pela queda da produção de progesterona. Os mecanismos que regulam o sangramento menstrual no endométrio incluem desde os hormônios esteróides produzidos no ovário até varias citocinas e fatores de crescimento celular que são produzidos localmente na glândula 45 e no estroma endometrial. Esses fatores inflamatórios locais são responsáveis tanto pela destruição como pela reparação da camada funcional do endométrio durante a menstruação, num processo que também envolve a ativação de enzimas como as metaloproteinases (Salamonsen e col 1997). O processo da menstruação é regulado por mecanismos ligados à inflamação e destruição de tecidos nos quais as prostaglandinas e outros mediadores inflamatórios têm um papel importante, inclusive na fase de reparação e angiogênese. Hoje se sabe que a menstruação, além de ser totalmente inútil do ponto de vista fisiológico, pode ser iatrogênica, embora muitas mulheres não estejam cientes dos riscos associados a essas menstruações incessantes (Coutinho, 1999). Um dado importante é que ainda hoje, mesmo em países desenvolvidos como os Estados Unidos, quase 80% das mulheres desconheciam que é possível suprimir a menstruação com o uso estendido de anticoncepcionais orais (Andrist, 2004); entretanto 59% dessas mulheres entrevistadas não queriam ter mais sangramentos mensais com os anticoncepcionais, optando por ciclos longos, sendo que 30% destas desejavam a amenorréia. Por sua vez, 81% dos ginecologistas americanos que freqüentavam congressos médicos já utilizavam anticoncepcionais orais hormonais em regime estendido na sua pratica diária, mas somente 12% destes ginecologistas acreditavam que os ciclos de 21/7 eram os mais adequados e benéficos para as suas pacientes (Sulak, 2006). Na Alemanha, somente 30% das usuárias de anticoncepcionais hormonais orais querem ter sangramentos mensais, sendo que a grande maioria destas gostaria de usá-los de maneira estendida para ter menos episódios de sangramento durante o ano. Uma percentagem elevada (37 a 46%) de usuárias optou pelo uso ininterrupto da pílula anticoncepcional com a finalidade de obter amenorréia (Wiegratz e col, 2004). As pacientes que optaram por ter sangramentos mensais, por outro lado, apresentavam como razões para esta conduta o medo da gravidez, a possibilidade de desenvolver infertilidade após o uso estendido da pílula e a idéia de que a menstruação poderia trazer benefícios para sua saúde feminina. Como nenhum desses temores é verdadeiro do ponto de vista cientifico, fica claro que o grau de informação e de instrução da paciente sobre esses assuntos é de extrema relevância para a sua opção em utilizar o anticoncepcional oral em regime estendido. Isso ficou evidente em um estudo realizado no Brasil que mostrava que a aceitação dos ciclos estendidos era muito maior entre as médicas do que entre as pacientes de um ambulatório de ginecologia, denotando assim a importância do nível de cultura e informação no processo de escolha (Machado e col., 2001). O temor por parte da usuária, e de certos médicos, de que os ciclos estendidos poderiam trazer maiores riscos para a saúde da mulher não foi comprovado em uma meta-análise recente publicada pelo Cochrane (Edelman, 2005). Nessa análise, foram comparados 5 ensaios clínicos utilizando anticoncepcionais hormonais orais em regimes estendidos com o regime tradicional de 21/7 e não foi encontrada nenhuma evidência de risco aumentado nas usuárias de ciclos estendidos. Por outro lado, ficou demonstrado que os sintomas adversos ligados à menstruação eram melhores tratados com o ciclo estendido, resultados esses que têm se repetido em outros estudos. Entre esses cinco ensaios clínicos incluídos na meta-análise feita pelo Cochrane, havia um único da América Latina, feito pelo grupo do Professor Elsimar Coutinho na Bahia e publicado há mais de 20 anos atrás utilizando pílulas contendo levonorgestrel por via vaginal (Edelman, 2005). Um recente estudo europeu (Foidart, 46 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA 2006) feito com uso da associação etinilestradiol 30mcg/ drospirenona 3mg não mostrou nenhuma evidência de aumento de risco com o uso desta associação quando utilizada em regime estendido, mesmo quando usada por períodos de 126 dias sem interrupção. O que foi observado nesse estudo foi a maior ocorrência de sangramento irregular, que geralmente ocorreu após 90 dias de uso ininterrupto da drospirenona/etinilestradiol. Por outro lado, quando se estuda o impacto sobre a qualidade de vida da mulher, obtido com o uso do ciclo estendido comparado com o ciclo tradicional de 21/7 dias, o que se observa é que a melhora da qualidade de vida é significativamente maior nas usuárias de ciclo estendido a despeito da maior incidência de sangramento irregular nos primeiros meses de uso (Sulak et al, 2002, Edelman, 2005, Foidart et al, 2006). Isso se deve ao fato de que os sintomas ligados à menstruação ou à pausa do contraceptivo diminuem de intensidade ou mesmo desaparecerem quando se estende o uso anticoncepcional por mais de 28 dias. Isto também foi observado no Brasil em um estudo recente utilizando a associação gestodeno 75mcg/ etinilestradiol 30mcg por ciclos de 56 dias (Machado RB, 2004). Sintomas ligados à retenção de liquido, como edema, mastalgia e a sensação de inchaço abdominal, assim com a dismenorréia também diminuíram significativamente de intensidade com o uso estendido de anticoncepcionais hormonais orais contendo a associação etinilestradiol 30mcg/drospirenona 3mg (Sillem et al, 2003). Isto se deve à melhora na ação terapêutica da drospirenona quando utilizada por períodos mais prolongados que os habituais 21 dias com pausa de 7. Do ponto de vista clínico, a diminuição da dismenorréia é maior quando os anticoncepcionais orais são usados em regime estendido, do que quando o regime de 21/7 é utilizado, e isto se deve à maior supressão no endométrio da Cox-2, levando assim à amenorréia e à redução da dor pélvica (Maia, 2005, Maia, 2006). Durante a menstruação, devido à queda de progesterona, ocorre significativo aumento da expressão da Cox-2 na glândula endometrial que coincide com o inicio do sangramento menstrual (Maia 2005). Tanto a progesterona durante a fase lútea tardia como os anticoncepcionais contendo gestodeno usados de maneira estendida, são potentes inibidores da expressão de Cox2 no endométrio, sugerindo assim que a ativação do receptor de progesterona reduz a expressão da Cox-2, e dessa forma, contribui à diminuição do sangramento e das cólicas menstruais (Maia, 2005). A parada do anticoncepcional oral, por outro lado, leva também à ativação da Cox-2 no endométrio de maneira semelhante ao que ocorre no ciclo menstrual com a queda de progesterona (Maia, 2006). O aumento da expressão da Cox-2 durante a menstruação leva ao aumento da produção de prostaglandinas pelo endométrio, causando assim dismenorréia, uma vez que as prostaglandinas são agentes pró-inflamatórios responsáveis não só pela exacerbação da dor durante este período, mas também pela quantidade de sangue menstrual perdido (Morrison et al, 1999). Isso explica porque as pacientes que têm dismenorréia se beneficiam com o uso estendido de anticoncepcionais hormonais orais, pois como esses diminuem a expressão da Cox-2 no endométrio, levando à redução da produção de prostaglandinas e, portanto, da dor associada com a menstruação (Morrison e col, 1999, Sulak e col., 2002, Sillem e col., 2003, Maia e col., 2005, Maia e col. 2006). Quanto maior for o período de uso de anticoncepcional oral maior será a diminuição da dismenorréia (Sillem et al, 2003), sendo que nos casos associados com endometriose, esse deve ser utilizado de maneira ininterrupta a fim de se evitar a recorrência da doença e da sua sintomatologia dolorosa (Wiegratz 2004 et al, Maia et al, 2004). A experiência clínica com o uso dos ciclos estendidos foi inicialmente concentrada em situações clínicas especiais como endometriose, hipermenorragia, miomas e ovários policísticos, porque nessas os efeitos benéficos da supressão da menstruação se mostravam mais evidentes (Wiegratz 2004). Na verdade, 60% das pacientes que estavam usando anticoncepcionais de maneira estendida nos Estados Unidos o faziam não por razões unicamente de contracepção, mas principalmente para tratar sintomas ligados à menstruação, como a tensão pré-menstrual (45%), a dismenorréia/dor pélvica (40%), o intenso sangramento menstrual (36%), a cefaléia (35%), a acne ou por motivo de conveniência pessoal (13%) (Sulak, 2004). Não existem dúvidas para o ginecologista de que se uma paciente tem sintomas ligados à menstruação que persistem após a pausa dos 21 dias de uso do anticoncepcional oral, esta deva utilizá-lo em regime estendido. Isso porque este esquema de administração está associado a uma melhora clínica mais significativa desses sintomas do que o esquema 21/7 (Sulak et al, 2002, Sillem et al, 2003). O conceito de que se deveria reduzir o número de sangramentos menstruais em uma mulher normal com a finalidade de prevenir o aparecimento de patologias ginecológicas foi mais difícil de se aceitar inicialmente, por causa do conceito arraigado de que o esquema 21/7 seria o mais seguro e o melhor para a usuária (Coutinho 1999, Sulak 2004). Seria oportuno lembrar que o esquema 21/7 foi aceito pela classe médica durante quase 50 anos sem ser questionado e sem que houvesse estudos clínicos comparativos com o regime estendido para se concluir, baseado em evidências científicas, que o regime de 21 dias seria melhor ou mais seguro que o estendido (Coutinho 1999). Na verdade, quando se faz uma revisão da história do desenvolvimento dos anticoncepcionais hormonais orais, fica evidente que o uso do esquema 21/7 foi baseado mais em uma decisão de mercado, indústria farmacêutica na década de 50, do que em ensaios clínicos que mostrassem a sua melhor eficácia e segurança clínica (Gladwell, 2000). Há 50 anos atrás, foi conclusão da indústria farmacêutica que qualquer método que alterasse o padrão menstrual de 28 dias não seria aceito pelas usuárias e, portanto, fadado a um fracasso de vendas (Gladwell, 2000, Coutinho, 1999). Entretanto o mundo mudou muito em meio século, inclusive a percepção de que a repetição freqüente das menstruações não era tão inócua como se supunha e poderia estar ligado ao aparecimento de sintomas e patologias ginecológicas que influenciavam negativamente a qualidade de vida das mulheres (Coutinho, 1999, Sulak, 2002). Em 2001 o Brasil foi o primeiro país a registrar um anticoncepcional contendo a associação de gestodeno 75mcg/ etinilestradiol 30mcg para uso contínuo. Em 2003, um anticoncepcional contendo a associação levonornorgestrel/ etinilestradiol foi aprovado pelo órgão americano “Food and Drug Administration” (FDA) para ser usado no mercado americano utilizando ciclos estendidos de três meses. De uma maneira geral é possível enquadrar as usuárias dos anticoncepcionais orais de ciclos estendidos em três grupos distintos baseado nas indicações clínicas do seu uso. O primeiro grupo, constituídos pelas mulheres sem sintomas ligados à menstruação, porém que gostariam por uma opção pessoal reduzir os números de episódios de sangramento durante o ano; o segundo grupo, de pacientes com sintomas adversos vinculados à menstruação, e nessas o espaçamento dos sangramentos através do uso dos anticoncepcionais em regime estendido, por períodos de até seis meses, estaria associado CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE com redução da intensidade desses sintomas. Por último, o terceiro grupo teria pacientes com patologias, como endometriose, e nessas o uso do anticoncepcional deve ser de modo ininterrupto. Em resumo, as vantagens do anticoncepcional oral são inúmeras. Em primeiro lugar, ao prover contracepção segura, faz-se a prevenção da gravidez não-planejada e consequentemente diminui-se a incidência do abortamento nãoseguro, que no Brasil é a terceira causa de mortalidade materna (Hatcher, 2001). Ao contrário dos países desenvolvidos, no Brasil a legislação do aborto ainda é muito restritiva, penalizando assim principalmente as mulheres mais pobres da população. Entre as vantagens não-contraceptivas dos anticoncepcionais orais, algumas são mais evidentes, como a diminuição da incidência de patologias associadas ao ciclo menstrual (por exemplo, miomatose uterina, endometriose, sangramento uterino excessivo, dismenorréia, doença inflamatória pélvica, cistos funcionais de ovário e câncer de endométrio). Esses benefícios são maiores caso os anticoncepcionais sejam utilizados de forma estendida. Entre as desvantagens do uso do anticoncepcional oral, há o pequeno aumento do risco relativo de desenvolver tromboflebite (Edelman 2005). Entretanto, este risco é muito maior com no estado gravídico e em números absolutos é pequeno, principalmente em mulheres jovens não fumantes. Por outro lado, vale ressaltar nos programas de educação, que os anticoncepcionais não protegem contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), e portanto a população jovem deve ser alertada em relação a pratica de sexo seguro. Entre as contra-indicações para o uso de anticoncepcionais orais, algumas estão razoavelmente estabelecidas na literatura, como: trombose, neoplasia genital, fumantes acima de 35 anos, diabetes mellitus não-controlada, hipertensão arterial sistêmica, doença hepática ativa e infarto do miocárdio (Kaunitz 2001). Pacientes em período de amamentação devem ser orientadas a utilizar anticoncepcionais que não tenham estrogênios, pois esses últimos diminuem a quantidade e a qualidade do leite. O Uso dos Anticoncepcionais Orais na Perimenopausa A perimenopausa é uma importante fase de transição na vida reprodutiva da mulher, que pode durar até cinco anos, e ela compreende um período de grandes flutuações hormonais, que culmina com a cessação completa da função ovariana, geralmente por volta dos 50 anos. Por ser um período de grandes transformações do ponto de vista hormonal, os mais variados sintomas clínicos podem ocorrer durante esta fase da vida reprodutiva da mulher, cujas soluções muitas vezes podem requerer enfoques terapêuticos diferentes. Durante esta fase, embora muitas mulheres ainda precisem de uma contracepção eficaz, outros problemas clínicos passam a adquirir uma maior importância durante este período, e eles incluem as alterações menstruais, a diminuição da massa óssea, a redução da libido, a tensão pré-menstrual e o aparecimento de sintomas vasomotores, para citar alguns destes (Kaunitz, 2001). O manejo clínico destes sintomas é complexo, pois algumas formas de terapia podem tratar algumas condições, porem não outras. O ideal seria um tratamento de baixo custo, eficaz, seguro e que trate o mais variado leque possível de sintomas e condições clínicas. A terapia de reposição hormonal cíclica, por exemplo, não poderia ser a primeira linha de tratamento por que esta forma de tratamento não suprime a ovulação, nem preveni as irregularidades menstruais. Na verdade, em muitas circunstâncias o uso da TRH pode agravar o sangramento 47 menstrual. Outra modalidade de tratamento hormonal que se mostrou eficaz para o tratamento dos diversos sintomas clínicos presentes na perimenopausa seria o uso de anticoncepcionais orais de baixa dose (Sulak, 2003). Durante muitos anos, o uso de anticoncepcionais orais por mulheres acima de 35 anos não foi uma pratica clínica muito difundida, em parte por causa de temores com relação a sua segurança, principalmente com relação ao aparelho cardiovascular. Entretanto, evidências mais recentes mostram que o uso de anticoncepcionais orais por parte de pacientes saudáveis e não fumantes não só é seguro com relação ao aparelho cardiovascular, mas também se mostrou eficaz para tratar inúmeros sintomas e condições clínicas que afligem as mulheres durante esta fase da sua vida reprodutiva, trazendo assim inúmeras vantagens não contraceptivas (Kaunitz, 2001). Recentes estudos mostraram também que inúmeras patologias uterinas que afetam as mulheres na perimenopausa estão associadas com uma expressão anômala da enzima aromatase no endométrio e que os anticoncepcionais orais contendo gestodeno são capazes de inibir a expressão desta enzima a nível endometrial, explicando assim os efeitos benéficos que estes têm sobre estas patologias (Maia e col. 2006, Maia e col. 2006). Implantes Só existe no mercado brasileiro um único implante aprovado para o uso, a base de etonorgestrel (68 mg). Este age primariamente através do bloqueio da ovulação, embora ele tenha efeito sobre o muco cervical e o endométrio. Esse implante consiste em um tubo de 2 mm de diâmetro, inserido embaixo da pele, através de um trocar descartável que acompanha o implante. O etonorgestrel é o metabólito ativo do desogestrel, e no implante comercial está disperso em uma matriz de etileno-vinil-acetato (EVA) e coberto por uma membrana de 0,06 mm feito do mesmo material. A duração dele é de três anos e a falha do método é praticamente zero (Huber, 1998). O implante deve ser inserido nos primeiros dias do ciclo menstrual, a fim de reduzir o risco de inserção em paciente com uma gestação inicial. Em pacientes no puerpério, o implante deve ser inserido no 21º dia após o parto, desde que ele não interfere na lactação. Em pacientes que tiveram abortamento, pode ser inserido imediatamente ou nos primeiros sete dias após a curetagem. A principal indicação desse implante é a contracepção, já que é bastante eficaz, ocorrendo 0,1 gravidezes por 100 mulheres no primeiro ano de uso (Hatcher, 2001). Além disso, às vezes, ele é utilizado para o tratamento da dismenorréia e endometriose. O implante como fabricado no Brasil está contra-indicado em pacientes com história de alergia ao progestogênio, em casos de adenoma hepático, câncer de mama, na porfiria aguda, em pacientes com doença trofoblástica antes do beta-HCG ficar negativo, nos casos de sangramento genital não-esclarecido (Brache et al, 2002), e obviamente se houver suspeita de gravidez. Anel Vaginal A mucosa vaginal é uma excelente via de acesso para os esteróides hormonais, pois além de permitir uma rápida absorção, tem ainda a vantagem de evitar a primeira passagem hepática, impedindo que o medicamento seja metabolizado pelo fígado antes de alcançar a circulação sistêmica. A via vaginal é indicada principalmente em pacientes com intolerância ao uso de anticoncepcionais por via oral. A mucosa vaginal pode ser utilizada também como via para administração da pílula anticoncepcional em pacientes com intolerância gástrica e outros sintomas adversos associados ao trato gastrintestinal (Coutinho 48 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA et al., 1980), existindo inclusive no mercado comercial brasileiro uma pílula contendo levonorgestrel e etinilestradiol. Além da pílula vaginal, nos últimos anos foram desenvolvidos inúmeros anéis vaginais contendo hormônios esteróides com a finalidade de bloquear a ovulação. No Brasil, existe apenas um único anel vaginal aprovado para uso que libera aproximadamente 15mcg de etinilestradiol e 120mcg de etonorgestrel diariamente de forma contínua. No anel vaginal, o hormônio está dissolvido numa matriz feita com o etileno-vinil-acetato (EVA). O anel vaginal é de fácil uso (a própria paciente pode colocar). Ele deve ser inserido durante os primeiros dois dias da menstruação e deve ser trocado a cada 3 semanas, sendo o novo anel inserido uma semana após a retirada do anterior, a fim de que ocorra o sangramento por privação durante esse curto período. Caso a paciente deseje a amenorréia ou tenha sintomas durante a pausa de uma semana, o anel vaginal deve ser trocado a cada quatro semanas, evitando assim a semana de pausa. Com o uso do anel vaginal, os níveis sangüíneos dos hormônios atingem um valor máximo entre 3 a 7 dias e permanecem estáveis até o 35º dia de uso, permitindo assim que as pacientes que desejam não menstruar possam trocar o anel a cada quatro semanas sem que haja risco de ocorrer gravidez. O mecanismo de ação do anel vaginal é semelhante ao da pílula anticoncepcional e envolve o bloqueio da ovulação. Os anéis vaginais são bem tolerados e têm elevada eficácia contraceptiva, ocorrendo 0,65 gravidezes por 100 mulheres num ano (Roumen, 2001). A incidência de sangramento menstrual irregular é em torno de 6% sendo inferior à observada com o uso de anticoncepcionais orais de baixa dose (Mulders e col., 2001). Outros efeitos colaterais já relatados são náuseas, dores de cabeça, alteração de peso corpóreo, desconforto vaginal e vaginite. DIU de cobre O dispositivo intra-uterino (DIU) é um objeto em forma de T, feito de plástico com um revestimento de cobre. Seu mecanismo de ação envolve uma resposta inflamatória na mucosa endometrial, pela presença do cobre. Essa inflamação impede o encontro dos espermatozóides com o óvulo, evitando a fecundação. O uso de DIU é um método de eficácia elevada, ocorrendo 3 gravidezes a cada 100 mulheres no primeiro ano de uso (Hatcher, 2001). Ele apresenta a vantagem de proporcionar uma anticoncepção eficaz e duradoura, não interferir nas relações sexuais, não apresentar os efeitos colaterais do uso de hormônios e ser imediatamente reversível (Sivin I, 1981). Como desvantagens, o DIU aumenta a incidência de doença inflamatória pélvica, aumenta o risco de anemia ferropriva devido ao aumento do fluxo menstrual, aumenta a dismenorréia, aumenta o risco de desenvolver endometriose e por ultimo é necessário um procedimento médico e um exame pélvico para sua inserção, a remoção também requer a atuação de um profissional especializado. O DIU deve ser inserido por um profissional especializado a qualquer momento durante o ciclo menstrual, após o parto ou abortamento espontâneo ou induzido. É necessária a realização do exame pélvico antes da inserção do DIU, assim como se deve ter o resultado de uma citologia vaginal recente. Em casos de dúvida, é recomendável a realização de um exame de ultrasonografia vaginal com a finalidade de avaliar o tamanho e posição do útero assim como para excluir a existência de patologia anexial. Caso haja dúvida de que a paciente esteja grávida, deve ser solicitado também um exame de beta-HCG urinário ou sanguíneo. A inserção durante a menstruação tem a vantagem de ser mais fácil, ter menos risco de inserir o dispositivo numa mulher grávida, porém tem o risco maior de deflagrar uma doença inflamatória aguda, caso a paciente tenha alguma infecção genital baixa não-diagnosticada no momento da inserção. Alguns estudos sugerem o uso profilático da doxiciclina com a finalidade de diminuir o risco de infecção. Entretanto três estudos duplo-cegos randomizados não confirmaram esses achados iniciais com a doxiciclina (Kronmal e col. 1991). O uso de antibióticos de vida-média mais prolongada, por outro lado, como a azitromicina, revelou-se eficaz para a profilaxia contra infecção pélvica provocada pela inserção do DIU, sugerindo assim que a questão da profilaxia é muito ligada ao tempo de exposição ao antibiótico e ao grau de risco da paciente. Em grupos de baixo risco para infecção, o uso de antibióticos após a inserção do DIU não traz vantagens adicionais e, portanto, não deve ser utilizado. O dispositivo é colocado através do canal cervical, e deve ser posicionado alto na cavidade uterina, próximo ao fundo uterino a fim de diminuir o risco de expulsão espontânea. A mulher deve ser informada que haverá aumento da intensidade da cólica e do sangramento menstrual nos meses subseqüentes à inserção do dispositivo. Esses incômodos se devem a maior produção de prostaglandinas pelo endométrio, e ele pode ser tratado de maneira eficaz através do uso de medicações antiinflamatórias não-esteróides (Tatum, 1983). A principal restrição ao uso do DIU é a existência de doenças inflamatórias pélvicas. DIU medicado Até agora, só existe um DIU medicado com hormônios no mercado brasileiro, o Mirena®. Esse DIU tem a forma de um T e contém na sua haste vertical a presença de levonorgestrel disperso em polidimetilsiloxano. Esse DIU libera aproximadamente 20mcg de levonorgestrel ao dia e foi aprovado para ser usado por cinco anos, embora seja possível usá-lo ainda por mais tempo sem que isto afete a sua eficácia. O dispositivo inibe a proliferação endometrial e induz a apoptose, sendo por isso utilizado para reduzir o fluxo e a cólica menstrual em pacientes com menorragia e dismenorréia. Existe uma dramática redução na quantidade e duração do sangramento menstrual após os primeiros meses do seu uso, e por este motivo deve ser o método de escolha nas pacientes com menorragia e anemia ferropriva (Faundes, 1993). Em alguns estudos clínicos, esse dispositivo teve uma eficácia semelhante à da ablação endometrial para reduzir o sangramento menstrual (Fedele et al, 1997). Além disso, pode ser aplicado após ablação endometrial por via histeroscópica, principalmente em pacientes com adenomiose (Maia 2003). Nesse caso o índice de amenorréia é próximo de 100%, sendo, portanto maior do que aquele observado quando é utilizado isoladamente. Além disso, é eficaz em pacientes com suspeita clínica de endometriose para controlar a dor associada com esta patologia. O mecanismo de ação do DIU medicado é basicamente no endométrio, provocando intensa atrofia glandular com reação decidual do estroma. A presença do dispositivo na cavidade uterina também provoca alterações no muco cervical que são em grau suficiente para impedir a migração do espermatozóide. A função ovariana não é bloqueada na maior parte das pacientes, sendo que a ocorrência de ovulações é relativamente freqüente e aumenta com o tempo de uso do dispositivo, alcançando a percentagem de 85% após o primeiro ano de uso. Entretanto, apesar da ocorrência de ovulações, a eficácia é elevada, sendo a falha acumulada em sete anos muito baixa, menor que 1,1 por 100 mulheres por ano (Faundes 1993). Devido aos níveis sangüíneos de levonorgestrel serem metade daqueles observados nos casos de uso de CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE anticoncepcionais orais contendo levonorgestrel, os efeitos sistêmicos são menores nas usuárias desse tipo de dispositivo, embora em alguns casos esses possam ser de intensidade suficiente para causar a sua remoção. As reações adversas que podem ocorrer com o uso desse são semelhantes àquelas que ocorrem com qualquer dispositivo intra-uterino, inclusive a expulsão e o risco de perfuração uterina. Um outro problema associado ao uso desse dispositivo intrauterino é a alta incidência de sangramento irregular durante os primeiros meses após a sua inserção, que embora seja de intensidade pequena, pode provocar inconveniências à usuária e ser um fator de risco para a sua remoção. Este sangramento irregular é causado pelo aumento local da produção de prostaglandinas causada pela ativação da Cox-2, de maneira semelhante ao que ocorre durante o uso dos anticoncepcionais orais de baixa dose. O uso de antiinflamatórios tem se mostrado eficaz para o controle deste sangramento. Com o passar dos meses, esse sangramento tende a cessar e a maior parte das mulheres passa a ter amenorréia. Alguns efeitos sistêmicos são também relatados pelas pacientes e incluem depressão, acne e sensação de inchaço. Entretanto esses efeitos adversos tendem a diminuir após o segundo mês de uso, em paralelo com a redução dos níveis sangüíneos do levonorgestrel que geralmente estão elevados nos primeiros meses após a inserção. Devido ao bloqueio não-completo da função ovariana nas usuárias, é possível ter a ocorrência de cistos ovarianos de caráter funcional. A maior parte desses cistos é assintomática, porém quando dolorosos devem ser monitorizados através da ultra-sonografia transvaginal, embora a maior parte resolva espontaneamente em 2 ou 3 semanas (Barbosa, 1995). O uso de antiinflamatórios não-esteróides está também indicado para o controle da dor. O retorno à fertilidade após a retirada do dispositivo é rápido. Ao contrário do DIU de cobre, o DIU medicado pode reduzir a incidência de doença inflamatória pélvica (DIP), principalmente no grupo de mulheres mais jovens, que são aquelas que têm maior risco. Em resumo, é um contraceptivo muito efetivo, reversível e de longa duração, tendo poucos efeitos hormonais secundários e podendo ser utilizado para seus efeitos benéficos nãocontraceptivos, principalmente em pacientes com sangramento e dor pélvica. Entre as desvantagens, pode provocar alguns sintomas sistêmicos, de origem hormonal, assim como há maior incidência de sangramento irregular nos primeiros meses de uso. O dispositivo deve ser inserido através do canal cervical por um profissional especializado, após a realização de exame ginecológico completo, bem como após a assepsia vaginal e do colo do útero. Esse dispositivo é contra-indicado para mulheres em pósparto imediato, portadoras de doenças hepáticas e em casos de câncer de mama. Condom Popularmente conhecidos como “camisinhas”, os condons são métodos contraceptivos largamente difundidos pelos meios de comunicações. A utilização dos condons é uma estratégia para dois grandes problemas de saúde pública: as gravidezes não-planejadas e o crescimento das infecções sexualmente transmissíveis (por exemplo, AIDS, sífilis, gonorréia, herpes, hepatite), (Hatcher, 2001). Por isso, os condons são muito utilizado pelo governo brasileiro em campanhas educativas para prevenção de ISTs. Os condons se encaixam no grupo de métodos anticoncepcionais coletivamente denominados métodos de 49 barreira, desde que constituem um obstáculo físico que impede o contato do esperma com a vagina. Atualmente existem no mercado dois modelos de condons, o masculino e o feminino. O condon masculino é um envoltório de látex, que apesar de fino, resiste bem ao atrito entre pênis e vagina, durante a penetração. Ele é feito para recobrir e se ajustar ao pênis ereto durante o coito. O condom feminino é uma espécie de sacola plástica, que a mulher deve introduzir na vagina, antes da relação sexual. A grande vantagem dos condons sobre os outros métodos contraceptivos é proteger conta as ISTs, desde que impedem o contato direto entre pênis e vagina. Além disso, o uso de condom não causa efeitos colaterais como os métodos hormonais. Como método contraceptivo, também é eficaz, com índice de gravidez de 3 em cada 100 usuárias por ano, quando usados corretamente (Hatcher, 2001). Ao indicar o condom como método contraceptivo, o profissional da saúde deve orientar os indivíduos sobre como colocar o condom no pênis. Além disso, deve esclarecer os seguintes aspectos: os homens devem colocar a “camisinha” somente quando o pênis estiver ereto; não se deve usar vaselina ou outro lubrificante à base de derivados do petróleo, pois eles causam rachaduras no látex (caso deseje usar lubrificante, o indivíduo deve utilizar aqueles feitos à base de água); após a utilização do condom, ele deve ser jogado no lixo; jamais o condom deve ser reutilizado. Embora o condom seja eficaz tanto na prevenção das ISTs como da gravidez , o seu uso entre casais monogâmicos que têm um relacionamento estável não é muito popular, sendo neste caso preferidos os métodos que não interferem diretamente com a relação sexual. CONCLUSÃO É de extrema importância para o profissional envolvido nos programas de saúde da família saber orientar a escolha dos métodos anticoncepcionais a serem utilizados. Durante anos, o Brasil não valorizou a importância do planejamento familiar e esta omissão junto com outros fatores é uma das razões para os graves problemas sociais que enfrentamos hoje. Graças aos avanços da medicina reprodutiva nos últimos anos, já se dispõem de métodos seguros, reversíveis e altamente eficazes para reduzir o número de gestações não planejadas, contribuindo assim para reduzir a mortalidade materna no Brasil. É fundamental lembrar que as complicações ligadas à gestação são as mais prevalentes causas de mortalidade materna no Brasil e é triste lembrar que no nosso meio as complicações relacionadas ao aborto não-seguro constituem a terceira causa de óbito materno. O Brasil, ao contrário das nações desenvolvidas e de muitas em desenvolvimento em que o aborto é legal, tem uma legislação restritiva, semelhante àquela dos países mais atrasados ou daqueles nos quais os direitos reprodutivos da mulher não são respeitados. Isto torna cada vez mais importante a atribuição do médico de orientar o planejamento familiar, a fim de reduzir a mortalidade materna e permitir assim que os casais tenham o direito de escolher o número de filhos que possam ter e educar. A introdução do planejamento familiar nos programas sociais foi uma prática adotada por quase a totalidade das nações deste planeta, desde a conferencia da ONU sobre população na década de 70 (Djerassi, 1981), e de todas as nações do mundo presentes na conferencia, somente duas não assinaram o documento, e uma delas foi o Brasil. Por certo, questões históricas, morais, éticas e teológicas não podem ser esquecidas ou menosprezadas, mas a autonomia do profissional de saúde não pode ser superior a da mulher, inclusive para decidir, com informação, qual o número de sua prole. 50 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA AGRADECIMENTOS Queremos agradecer ao Professor Elsimar Coutinho, Presidente do CEPARH, por sua luta de mais de quarenta anos em prol do planejamento familiar no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Andrist LC, Arias RD, Nucatola D, Kaunitz AM, Musselman BL, Reiter S, Boulanger J, Dominguez L, Emmert S. Women’s and providers’ attitudes toward menstrual suppression with extended use of oral contraceptives. Contraception 70: 359-63, 2004. 2. Baird DT. Overview of advances in contraception. British Medical Bulletin 56: 704–716, 2000. 3. Barbosa I, Olsson SE, Odlind V, Gonçalves T, Coutinho EM. Ovarian function after seven years’ use of levonorgestrel IUD. Advances in Contraception 11: 85-89, 1995. 4. 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A puberdade é a responsável pelas mudanças corporais e comportamentais desse período da vida, e inicia-se habitualmente nas meninas aos oito anos, com o surgimento do broto mamário, seguido do aparecimento dos pêlos pubianos e da primeira menstruação (11, 25, 42). Nos meninos, o primeiro sinal pubertário ocorre, a partir dos nove anos, com o aumento do volume testicular, seguido do surgimento dos pêlos pubianos, crescimento do pênis, aparecimento da primeira ejaculação (espermarca), e posteriormente dos pêlos faciais (11, 25, 42). No entanto, há uma ampla variação entre a idade do aparecimento das características sexuais secundárias, o que deve ser levado em consideração pelo profissional de saúde que atende o adolescente. A seqüência dos eventos puberais, em ambos os sexos foi sistematizada por Tanner (42), que a classificou em 5 etapas. A avaliação destes parâmetros é fundamental e indispensável na avaliação do crescimento dos adolescentes. O crescimento na adolescência apresenta três períodos: latência, aceleração e desaceleração, e sofre a influência direta da maturação sexual, sendo diferente no sexo masculino e feminino. O sexo feminino apresenta a aceleração do crescimento (estirão) durante o período que antecede a menarca. Após a mesma, a jovem entra no processo de desaceleração, crescendo em média 5 a 7 cm, até o fechamento dos núcleos de ossificação (Tanner, 1962). O sexo masculino apresenta o estirão mais tardiamente, porém mais longo (Tanner, 1962). Este fato associa-se à fase onde ocorre o crescimento peniano (42). De acordo com a maturação sexual e as etapas de crescimento, divide-se a adolescência em 3 fases: inicial (10-14 anos), média (14-17 anos) e tardia ou final (17-19 anos). Cada fase apresenta comportamentos diversos em relação ao exercício da sexualidade (11). A adolescência inicial distingue-se pelo surgimento das características sexuais, curiosidade a respeito dessas mudanças, o que pode levar a ambivalência pela perda do corpo infantil e gerar sentimentos de inferioridade, perda de confiança e baixa autoestima. Nessa fase são característicos: o aumento do pudor, e uso de roupas como disfarces, para esconder as transformações corporais. Quando as mudanças agradam aos adolescentes, os mesmos adotam uma postura de maior exibição corporal. O processo de autoconhecimento é vivenciado pela prática da manipulação dos órgãos genitais (masturbação) e pelos jogos sexuais (11). Ao longo dos anos, a masturbação tem sofrido uma série de recriminações morais e religiosas, o que deve ser evitado (11). A garantia da privacidade, que deve ser respeitada pelos familiares, e as orientações por parte dos profissionais, podem assegurar o preparo para o relacionamento sexual futuro. Os jogos sexuais representam uma forma de satisfação das curiosidades pessoais e favorecem o conhecimento mútuo. Geralmente envolve adolescentes do mesmo sexo, o que pode levar a interpretação de homossexualidade por parte dos adultos (25). As experiências homossexuais, bem como com animais, podem fazer parte de um contexto evolutivo, sem que isto signifique uma orientação permanente. A possibilidade de danos Palavras-chaves: Adolescente, Fatores de risco, Comportamento de risco, Vulnerabilidade, Comportamento de redução do risco. 52 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA só ocorre quando existem grandes diferenças entre as fases de desenvolvimento dos participantes, como a participação de pessoas adultas, ou envolvimento com possíveis situações de violência (29). Na adolescência média completa-se a maturação sexual. O comportamento sexual torna-se mais exploratório. Ocorre maior interesse no contacto físico, o que leva ao “ficar”, definido na linguagem dos jovens como permanecer juntos, sem compromisso; e o início da atividade sexual, na qual, as relações costumam ser casuais, e não planejadas, com negação das conseqüências da atividade sexual, sentimento de invulnerabilidade, o que pode favorecer complicações como a gravidez e as infecções sexualmente transmissíveis (11). A adolescência tardia é marcada por um comportamento mais expressivo e menos explorador, na qual a atividade sexual exibe relações mais íntimas e com maior capacidade de troca. Nessa fase, o indivíduo demonstra um maior amadurecimento para assumir-se no seu papel de adulto, na busca da sua identidade e da formação profissional (11). Diversos aspectos precisam ser lembrados quando se discute a sexualidade na adolescência: idade do início das características sexuais, características sócio-econômicas, a dinâmica familiar, o papel da escola, pressão dos grupos e a influência da mídia. A orientação sexual deve ser oferecida em todo atendimento do adolescente, sendo necessário evitar julgamentos e juízo de valores. A escuta e o respeito aos princípios éticos representam estratégias seguras para a aproximação com os jovens. A influência da mídia Alguns estudos têm evidenciado a capacidade dos meios de comunicação de transmitir informações e de moldar atitudes entre os jovens (32, 35). Os referidos meios são instrumentos manipulados por adultos, sofrem pressões da sociedade e dos valores da cultura vigente. A televisão (TV) é considerada o meio de comunicação de maior capacidade de influência sobre os adolescentes, não só pela sua popularidade, como também pelo tempo que os jovens despendem junto aos aparelhos de TV (32) . O pensamento mágico do adolescente facilita a identificação com alguns dos personagens e o final dos conflitos surge como “contos de fadas”, nos quais, os prejuízos inexistem e as soluções são oferecidas por terceiros (32, 35). Os comportamentos estereotipados, o excesso de imagens de violência e as informações incorretas sobre sexualidade podem favorecer a incorporação de hábitos de vida não saudáveis, que pode contribuir para o adoecimento futuro dos adolescentes (32, 35). Nas duas últimas décadas os “games” e computadores começam a dividir com a televisão, o tempo lúdico dos adolescentes, em particular, nas classes sócio-econômicas mais favorecidas. Os “games” podem contribuir para a banalização da violência, e na maioria das vezes, não oferecem opções conciliadoras, o que pode favorecer o comportamento agressivo em alguns indivíduos (32). Quanto à Internet, os adolescentes representam os seus mais freqüentes usuários (5, 32). Na questão da sexualidade, os jovens se identificam com o sexo virtual e às vezes são envolvidos com redes de prostituição (32). A relação do adolescente, com a tela do computador, permite ao mesmo, a idealização e a liberação das fantasias sexuais, sem a satisfação das necessidades primárias, como o contacto físico, etapa importante do desenvolvimento da sexualidade nesta fase da vida (32, 35). A imaturidade e o sentimento de invulnerabilidade, não permitem a alguns jovens, identificar situações de perigo (11). Os meios de comunicação, no entanto, não representam a única variável na adoção do comportamento entre os adolescentes. A omissão da sociedade, das famílias, dos educadores, e dos profissionais de saúde, exercem efeitos, tão negativos, quanto à presença da TV e da Internet (32). A discussão das imagens veiculadas por estes meios, com os jovens, podem representar uma forma de estímulo ao senso crítico dos mesmos, permitindo a disposição de outras fontes, mais confiáveis e efetivas de orientação e formação, e a utilização do tempo do lazer e entretenimento com outras experiências necessárias ao desenvolvimento humano. O adolescente como protagonista e agente de transformação As vivências na adolescência estão muito ligadas a cada cultura. A cultura age sobre os adolescentes, e eles a ela reagem, para a elaboração de novas propostas de modelos de identidade que se vinculam a um projeto de vida e de realização pessoal e profissional (44). Na sociedade capitalista, o adolescente é visto por alguns profissionais como imaturo, irresponsável, promíscuo, erotizado e sonhador (11). O desconhecimento das transformações psicosociais favorece a incorporação destes rótulos, e contribui para o afastamento dos adolescentes das unidades de saúde ou dos seus profissionais. Na adolescência, a busca da independência é marcada por mudanças nas relações familiares. Os pais anteriormente idealizados e supervalorizados passam a ser alvos de críticas e questionamentos (11, 44). A assimilação dos valores familiares passa a ser enriquecida com novos valores trazidos pelos grupos e pelos meios de comunicação. A separação progressiva dos pais denota a procura pelo caminho da individualidade, da identificação do adolescente como pessoa (39). Os grupos (turmas ou gangues) surgem como facilitadores da passagem do adolescente para a vida adulta (11, 43, 44). A incorporação dos valores grupais, obediência às regras estabelecidas pelos próprios jovens, favorece a exploração e as novas experimentações. Algumas mudanças flutuantes do humor dos adolescentes caracterizam reações às experiências vividas, algumas expressando a frustração e a rejeição, e outras, os sentimentos de aprovação de triunfos alcançados (11, 44). A solidão pode permear esta fase da vida, em alguns momentos. As contradições sucessivas podem sugerir que a conduta do adolescente é guiada pela ação, e a instabilidade inicial é necessária para a condução do seu processo evolutivo (11). O tempo é medido de forma diversa para os adolescentes (44). A desorientação temporal pode se expressar para alguns, na dificuldade do cumprimento de horários fixos, e na distribuição das suas atividades ao longo do dia. Os questionamentos tornam-se necessários para a construção da identidade do jovem e dos seus planos para o futuro. Os adolescentes representam um contigente-chave para qualquer processo de transformação social (7). Há necessidade da sociedade acreditar mais nos vínculos dos jovens com a ação, o compromisso e a capacidade da realização dos seus sonhos. Esta crença não deve ser confundida com paternalismo, no qual, o adolescente pode realizar qualquer coisa com os seus próprios meios (39). O estabelecimento e discussão dos limites são necessários para a educação dos adolescentes (44). Esse processo educativo envolve o respeito à autonomia do jovem, o estímulo às reflexões, compromisso e realização dos seus deveres, e senso de responsabilidade consigo mesmo e com o outro, ou seja, representa o processo de construção de cidadania de um CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE indivíduo, e não apenas a transmissão de informações e orientações. A inclusão dos adolescentes na resolução dos problemas familiares e sociais favorece a sua auto-estima, a capacidade de tomada de decisões e escolhas. Contribui no amadurecimento dos jovens, e proporciona a construção de um projeto de vida, que geralmente é realizado a médio e longo prazo, e que representará o significado da vida para aquele indivíduo, tendo o direito de aceitar os valores vigentes ou se rebelar, em busca de melhores valores. A CONSULTA DOADOLESCENTE Aspectos éticos Todo ato humano de cuidado deve ser um ato ético e positivo. Os aspectos éticos no atendimento aos adolescentes foram normatizados pelo Departamento de Adolescência e de Bioética da Sociedade Brasileira de Pediatria (39) por meio das seguintes recomendações: I. O médico deve reconhecer o adolescente como indivíduo progressivamente capaz e atendê-lo de forma diferenciada; II. O médico deve respeitar a individualidade de cada adolescente, mantendo uma postura de acolhimento, centrada em valores de saúde e bem-estar do jovem; III. O adolescente, desde que identificado como capaz de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, tem o direito de ser atendido sem a presença dos pais ou responsáveis no ambiente da consulta, garantindo-se a confidencialidade e a execução dos processos diagnósticos e terapêuticos necessários. Dessa forma, o jovem tem o direito de fazer opções, assumindo integralmente seu tratamento. Os pais ou responsáveis somente serão informados sobre o conteúdo das consultas como, por exemplo, nas questões relacionadas à sexualidade e a prescrição de métodos contraceptivos com o expresso consentimento do adolescente; IV. A participação da família no processo de atendimento do adolescente é altamente desejável. Os limites deste envolvimento devem ficar claros para a família e o jovem. O adolescente deve ser incentivado a envolver a família no acompanhamento de seus problemas. Desta forma cumpre-se o respeito aos princípios éticos já consagrados no atendimento do adolescente: autonomia, privacidade, condidencialidade e sigilo. A quebra do sigilo está indicada nas situações de risco de vida para o adolescente ou terceiros, e sempre deve ser informada ao adolescente (39). Onde e como atender? Em serviço ambulatorial, o atendimento do adolescente exige absoluta privacidade, devendo o profissional de saúde evitar interrupções, como o uso freqüente de telefone celular, que podem prejudicar o relacionamento médico-paciente. O respeito ao pudor do adolescente exige tato e delicadeza durante a realização do exame físico, devendo-se usar aventais e lençóis, pois a avaliação da genitália não deve ser dispensada, considerando-se que ela é de fundamental importância na avaliação do processo de crescimento e desenvolvimento dos jovens (11). Segundo o Código de Ética Médica, recomenda-se a presença de um acompanhante durante o exame nos pacientes menores de 18 anos, em particular, quando há diferenças de gênero entre o adolescente e o profissional (39). No entanto, este fato pode ser uma causa de inibição para o adolescente, e pode ser modificado, desde que, haja a concordância do jovem 53 e da família. Para evitar a ansiedade do adolescente e aliviar tensões é importante informar ao adolescente sobre tudo que está sendo realizado e os dados obtidos. Recomenda-se facilitar o acesso do jovem à unidade de saúde e que os adolescentes não sejam mesclados às crianças, motivo de constrangimento e afastamento dos adolescentes das consultas. A consulta envolve a entrevista com a família, o adolescente a sós, se possível, e o seu exame físico, com posterior conversa com o adolescente e a família. A entrevista com a família envolve os antecedentes patológicos (doenças, cirurgias, acidentes) do adolescente, sua situação vacinal, e antecedentes familiares (relação e estrutura familiar, doenças). A entrevista a sós com o adolescente requer habilidade e flexibilidade. A franqueza, sem autoritarismo, é necessária para o estabelecimento do vínculo entre o profissional e o paciente. Este é o momento para a abordagem sobre os grupos (amizades), hábitos alimentares, educação (ciclo, adaptação e interesses, atividades dentro e fora da escola), sono, lazer (esportes, fins de semana, noites), trabalho (carga horária, condições, realização pessoal), puberdade e sexualidade (“ficar”, namorar, atividade sexual, número de parceiros, uso de preservativo, conhecimento e uso de outros métodos anticoncepcionais, infecções sexualmente transmissíveis), drogas (percepção, uso de drogas lícitas ou ilícitas), projeto de vida (motivação, planos para o futuro), referências e valores. A linguagem não-verbal precisa ser observada pelo profissional, porque determinadas atitudes podem ser mais verdadeiras do que as respostas verbais fornecidas pelos jovens. Queixas vagas podem refletir problemas mais graves na esfera psicossocial do indivíduo e não devem ser desvalorizadas ou negligenciadas. Quais são os principais motivos de consulta do adolescente? As queixas orgânicas mais freqüentes são relacionadas a problemas ginecológicos ou urológicos, patologias respiratórias, problemas de crescimento, afecções cutâneas, problemas gastrointestinais, doenças infecciosas e acidentes (11). As queixas psicossociais são geralmente referidas pela família e associadas à má adaptação escolar, uso de drogas, envolvimento com situações de violência, depressão, dificuldades de relacionamento, timidez e ansiedade (44). As queixas relacionadas a somatização mais comuns são: cansaço, cefaléia, apatia, sonolência, tonturas, dor abdominal e palpitações (25). Quem deve atender o adolescente? Um serviço de atenção integral deve ter as seguintes características: acesso universal, cobertura efetiva, ênfase na promoção e prevenção, fornecer informações adequadas para os problemas mais comuns da população assistida, ter facilidade de encaminhamento a outros serviços e articulação com os diversos setores da comunidade. A participação dos jovens no processo de avaliação é de fundamental importância para a continuidade das ações (11). As características dos profissionais que trabalham com adolescentes englobam: interesse pela faixa etária, sensibilidade para reconhecer a singularidade do adolescente, facilidade de comunicação e capacitação adequada. O planejamento das atividades da equipe deverá incluir atendimentos em nível individual e em grupos (adolescentes e 54 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA familiares). As ações devem ser continuadas e reavaliadas periodicamente, pela própria equipe e pela clientela assistida. O sucesso da equipe depende em grande parte do desempenho individual. COMPORTAMENTO DE RISCO Conceito de risco, resiliência e comportamento de risco O risco é conceituado como a probabilidade de um evento ocorrer mediante a exposição a determinado agente ou situação (7, 14, 15) . Na adolescência a busca da independência favorece as novas experiências, algumas delas envolvendo situações de risco. Desde que estas situações possam ser controladas, o risco pode ser minimizado e desta forma favorecer o amadurecimento do jovem (7). Resiliência é um termo utilizado na física para descrever a propriedade de alguns metais se manterem, sem deformar-se, após a exposição a elevadas temperaturas (7, 15). Na sociologia, este termo é usado para definir a capacidade ou habilidade que alguns indivíduos apresentam de permanecerem estáveis mesmo após exposição a situações difíceis ou muito estressantes (15). O comportamento de risco representa a adoção de hábitos ou condutas que podem prejudicar a saúde do adolescente (14, 15) . O sentimento de invulnerabilidade contribui para a assimilação deste padrão comportamental, que se persistente, poderá ser incorporado de forma definitiva na vida adulta (15). A intervenção precoce pode evitar a continuidade e agravamento do problema (14). Para cada oportunidade de avaliação de um adolescente é necessário compreender a importância de identificar-se condutas de risco e preveni-las. Fatores de proteção A resiliência representa a capacidade ou habilidade do indivíduo reagir positivamente à adversidade (23) . São características a ela relacionadas: senso de humor, flexibilidade, sensibilidade, habilidade para a comunicação, altruísmo e comportamento pró-social, capacidade de resolver problemas, autonomia e autocontrole, firmeza, persistência, determinação, ter expectativas saudáveis e senso de decisão (15). Na adolescência o estímulo para o desenvolvimento da resiliência torna-se necessário a fim de minimizar e evitar a adoção de comportamentos de risco (41). Fatores de risco Os riscos podem ser biológicos ou psicossociais. Durante muitos anos a noção de risco esteve associada a resultados negativos, e indesejáveis, no desenvolvimento dos indivíduos. As transformações sociais no entanto geraram novas reflexões sobre este conceito, e a exposição ao risco aparece como uma etapa do processo de amadurecimento do ser humano, analisando-se assim o impacto dos mesmos sobre a vida dos adolescentes, e os mecanismos responsáveis pelas conseqüências negativas (15). RISCOS BIOLÓGICOS Risco nutricional A adolescência, fase de construção e desenvolvimento, cria espaços para novas referências, modelos e sonhos. Nessa fase da vida, há necessidade de um grande aporte energético (2). O desequilíbrio entre a ingestão de nutrientes e a atividade física pode favorecer a desnutrição ou a obesidade (12). A família, os grupos e a mídia contribuem na aquisição dos hábitos alimentares pelos adolescentes (5). A condição sócio-econômica dos jovens é um fator modulador desse processo. A redução do número de refeições ou substituição das refeições principais por lanches representa um fator de risco para os distúrbios nutricionais nesse período da vida (5). A desnutrição manifesta-se por atraso do crescimento pônderoestatural ou perda ponderal. Uma coleta de informações detalhada sobre a dieta do adolescente pode ajudar na elaboração da reeducação alimentar, respeitando-se as preferências, e estimulando a aquisição de hábitos alimentares mais saudáveis. As proteínas de origem animal e vegetal são usadas no processo de crescimento. A dieta de arroz e feijão deve ser complementada com uma fonte de proteína animal visando garantir os aminoácidos essenciais (12). A dieta vegetariana estrita, carece da proteína de origem animal, favorece o surgimento de anemia, e por isso, compromete o crescimento do adolescente, devendo ser evitada nesta faixa etária (11). Caso seja uma opção do jovem recomenda-se nestes casos a suplementação de aminoácidos e ferro. A deficiência de cálcio na dieta dos adolescentes está associada à baixa ingestão de leite e prejudica a incorporação de massa óssea favorecendo a osteoporose na vida adulta (2). O consumo de outras fontes de cálcio (iogurte, queijo, requeijão, feijão, folhas) deve ser incentivado nestes casos. A carência de ferro reflete-se na elevada prevalência de anemia na adolescência (6). São fontes de ferro: carnes, grãos, ovos e vegetais. A ingestão destes alimentos junto com outros,, ricos em vitamina C, promove maior absorção de ferro (12). Nas adolescentes portadoras de anemia, recomenda-se investigar distúrbios menstruais (aumento do fluxo ou encurtamento dos intervalos entre os ciclos) que podem contribuir para o aumento das perdas de ferro (11). O baixo consumo de vitaminas pode se manifestar pela presença de sangramentos gengivais, lesões de pele, queda de cabelos, alterações do crescimento e da maturação sexual (2). A suplementação das mesmas está recomendada nestas situações, afastando-se outros problemas de saúde. O estímulo ao maior consumo de frutas e verduras deve ser sempre recomendado. A ingestão excessiva de gorduras saturadas favorece o surgimento de dislipidemias e sobrepeso, em particular, quando existe história familiar (31). A seleção das gorduras representa uma estratégia de prevenção de doença cardiovascular, desde que, o processo aterosclerótico inicia-se na infância e adolescência, e a dieta representa um dos fatores ambientais mais importantes, relacionados ao nível sérico de lipídios neste grupo de indivíduos. As dietas de “fast-food” são habitualmente ricas em colesterol, não devendo fazer parte do hábito diário do adolescente (5). O sobrepeso na adolescência representa um fator de risco para a obesidade na vida adulta e geralmente está associada à co-morbidades como o diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial e dislipidemias Uma dieta balanceada e em pequenas porções, e a prática de atividade física representam as principais estratégias de prevenção desse importante problema de saúde pública O diagnóstico e a intervenção precoce podem minimizar os prejuízos a curto e longo prazo, em particular, na visão psicológica, evitando o isolacionismo social e a depressão, que agravam o problema e dificultam o tratamento (6). A imagem corporal é muito importante para o (a) adolescente. Na busca do “corpo perfeito” o mesmo pode se deparar com situações de risco. Dietas de restrição, uso de substâncias psicoativas e prática inadequada de atividade física, podem estar CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE associadas ao surgimento de doenças conhecidas como transtornos alimentares (18). Esse grupo de patologias é mais comum no sexo feminino, mas, a literatura registra o aumento da prevalência desses distúrbios no sexo masculino (12). A anorexia nervosa se caracteriza classicamente pela distorção da imagem corporal: a adolescente olha-se no espelho e se acha gorda, mas, na realidade está magra. Outros sinais e sintomas da doença são: a perda ponderal, ausência de menstruação, constipação intestinal e adoção de um caráter de restrição do consumo de alimentos ou ainda a atitude de provocar vômitos, consumir laxantes e diuréticos ou praticar atividade física em excesso (18). O diagnóstico precoce da anorexia exige o encaminhamento imediato para serviços de tratamento multidisciplinar (psiquiatra, psicólogo, nutricionista) e a investigação de outras patologias psiquiátricas que podem estar associadas, como a depressão ou o transtorno obsessivo compulsivo (18). Riscos na prática da atividade física A preocupação com a aparência física representa uma situação comum no cotidiano dos adolescentes. A atividade e o condicionamento físico estão diretamente relacionados à redução nas taxas de mortalidade por doenças cardio-vasculares em adultos (31). O grande problema para quem trabalha com adolescentes é dosar estas atividades. A procura pelo corpo ideal pode favorecer a execução de programas de treinamento físico extremamente pesado e sem a supervisão adequada (38). Alguns itens são relevantes para a orientação da atividade física: avaliação médica prévia, com o objetivo de identificar patologias que contra-indiquem a prática da atividade ou justifiquem orientações especiais; tempo de atividade; escolha da prática da atividade e presença de supervisão capacitada para identificar o momento de transformação do adolescente (9). Este momento está condicionado ao seu estadiamento de maturação sexual (5). Os adolescentes do sexo masculino apresentam ganho de massa muscular mais tardio em relação às adolescentes, o que ocorre no pico da velocidade de crescimento, por volta do estágio IV de Tanner (42). O ganho de força muscular é ainda mais tardio, o que justifica a liberação médica para a prática da musculação a partir da menarca nas meninas e após o estirão de crescimento nos meninos (4). As recomendações são portanto individualizadas e não apenas baseada na idade cronológica. O tempo de realização da atividade física depende da intensidade do exercício, do condicionamento físico do adolescente, do objetivo do exercício e do tipo. Os exercícios anaeróbicos solicitam um tempo menor em relação aos aeróbicos (21). A escolha do tipo de exercício passa pelo respeito às preferências do adolescente e as orientações adequadas em relação ao seu momento de condicionamento físico. Os esportes de grupo devem ser incentivados visto que esta prática associase com sociabilidade, responsabilidade, capacidade de troca e lidar com as frustrações e derrotas (21). Os esportes radicais conferem situações de risco e desde que a sua prática seja uma opção do adolescente, requerem orientações especiais e vigilância, visto que o sentimento de invulnerabilidade do adolescente e a prática da atividade favorecem situações de perigo (21). A vigorexia é um problema de saúde, mais comum no sexo masculino, e está associado a distorção da imagem corporal : o adolescente se vê muito magro, sem que realmente esteja e almeja sempre o ganho de massa muscular (21). A identificação precoce deste grupo de pacientes torna-se cada vez mais necessária, e a 55 intervenção adequada pode minimizar o risco de uso de esteróides anabolizantes (4). É recomendável nesses casos, o encaminhamento do adolescente para serviços multidisciplinares. O uso de suplementos energéticos (aminoácidos, L-carnitina, creatina e altas doses de vitaminas), deve ser desencorajado pelos profissionais de saúde, visto que, estes produtos representam a porta de entrada para o consumo dos esteróides anabolizantes, e podem causar lesão renal e hipertensão arterial (21) . O uso está indicado em situações especiais, devendo ser prescrito por médicos ou nutricionistas. Risco vacinal Vacinas não estão indicadas apenas para crianças. Para alguns autores (11) os adolescentes representam o grupo etário mais difícil de se sensibilizar a respeito da importância da vacinação e de risco para as doenças infecto-contagiosas, especialmente as de transmissão respiratória, considerando-se a sua característica de viver em grupos. A presença do sentimento de invulnerabilidade e imortalidade dificulta a aceitação de um programa vacinal. Além dos fatores relacionados aos usuários, deve-se prestar atenção às dificuldades e problemas apresentados pelos próprios serviços de saúde. O atraso no agendamento das consultas, falta de consultas noturnas ou nos finais de semana, filas, tempo de espera, dificultam bastante as vacinações nessa fase da vida. É inadmissível que a equipe não aproveite a vinda do adolescente à unidade de saúde para investigar a situação vacinal do indivíduo e colocá-la em dia, quando necessário. O desconhecimento ou desinteresse de alguns profissionais em relação a estes fatos justifica-se na formulação de perguntas mal elaboradas, que não esclarecem a real situação vacinal do adolescente. A cobrança do cartão de vacinação representa a melhor estratégia de rastreamento. Diante de dúvidas ou incertezas recomenda-se a vacinação, pois a realização de testes laboratoriais implica em custo adicional, muitas vezes superior ao da própria vacina. As vacinas recomendadas para os adolescentes são: dupla tipo adulto (difteria e tétano) ou tríplice acelular tipo adulto, BCG (para os que não fizeram uso), tríplice viral (SCR) e contra a hepatite B (11). Recomenda-se ainda o uso da vacina contra a hepatite A e contra a varicela, para os que não tiveram estas doenças.. Algumas vacinas podem ser recomendadas em situações especiais: antipneumocócica (cardiopatias, pneumopatias crônicas, diabetes mellitus, hepatopatias crônicas, imunodeprimidos) contra meningococo tipo C (asplênicos funcionais ou anatômicos, deficiência de complemento) contra Haemophilus influenzae tipo B (asplênicos funcionais ou anatômicos, imunodeprimidos) e contra influenzae (cardiopatas, pneumopatas crônicos, imunodeficientes, hemoglobinopatas, portadores de diabetes mellitus) (11). Esses adolescentes devem ser encaminhados para os Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIES). A vacina contra febre amarela está indicada para os jovens que vivem ou viajam para áreas de risco. As gestantes adolescentes devem receber a vacina dupla tipo adulto ou toxóide tetânico, exceto se a vacinação tiver ocorrido há menos de 10 anos (11). Comportamento sexual de risco As vivências da sexualidade trazem novas experiências, mas, também a possibilidade de riscos como a gravidez não planejada, 56 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA aborto e infecções sexualmente transmissíveis, que podem comprometer o projeto de vida a algumas vezes a própria vida (1). Na abordagem do adolescente recomenda-se sempre a abertura de discussões sobre a sexualidade humana e a possibilidade de trocas e orientações, visando concretizar comportamentos adequados que permitam aos jovens diminuir riscos (2). Para que a educação sexual não fique apenas na idéia, mas, possa operacionalizar mudanças é necessário rever o conceito de sexualidade, que não é descrita como sinônimo de sexo ou relação sexual, mas sim, compreendida como etapa inerente ao processo de desenvolvimento da personalidade (36). Para Acquavella & Braverman (1) “a sexualidade se evidencia não só pelo que fazemos, mas, principalmente, pelo que somos.” Outra noção importante é a visão temporal da sexualidade. O comportamento sexual está inserido no contexto de ordem moral, ética, sócio-econômica e portanto subordinado a valores e instituições que evoluem de forma dinâmica ao longo dos anos (36). Na atualidade a sexualidade humana é construída em um processo que envolve o indivíduo, a família, a escola e a sociedade (36). O modelo familiar trabalha a afetividade, na qual deve estar presente o amor, compromisso, respeito e diálogo. A família discute limites, que devem ser colocados com autoridade, mas, sem autoritarismo, nos quais o maior ensinamento seja o uso da liberdade vinculado a responsabilidade. A ausência de afeto familiar pode favorecer a iniciação sexual precoce e irresponsável. A escola representa uma instituição formativa e este espaço pedagógico pode fornecer informações corretas sobre o corpo humano, suas características e funções; discutindo sobre comportamentos e estilos de vida. A literatura mostra que alunos que receberam aulas sobre sexualidade usaram preservativos em maior escala, apesar dos jovens relatarem que as aulas não influenciaram na sua decisão de iniciar a vida sexua l (17). Os profissionais de saúde precisam conhecer as características da sexualidade na adolescência, para que possam de fato fazer prevenção na área da saúde reprodutiva. Nessa fase da vida vale o momento vivido e nem sempre planejado. A relação com o outro pode ser temporária e apenas exploratória; todos estes fatores, e a busca constante do prazer podem favorecer a iniciação sexual, bem como a pressão dos grupos, a falta de diálogo familiar e de projeto de vida(17). O conceito de proteção está sempre vinculado ao cuidar-se e cuidar do outro, mas, isto só é possível quando existe informação e planos para o futuro. Dessa forma, a orientação sexual não deve ser apenas informativa, mas, acima de tudo formativa e atrelada ao processo de construção de cidadania dos jovens (35). Não existe uma idade para se definir qual o melhor momento de iniciação sexual. A orientação que permanece é que o momento ideal é aquele no qual o adolescente possa assimilar informações sobre anticoncepção e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), e esteja apto para usá-las, assumindo com responsabilidade os seus atos (1) . Alguns fatores são sinalizadores do comportamento sexual de risco: idade de início da atividade sexual, ausência de informações, evasão escolar, mau rendimento escolar, baixa escolaridade dos pais, baixo nível sócio-econômico, alterações na dinâmica familiar, ausência de opções de lazer, uso de drogas, ausência de disponibilidade de métodos anticoncepcionais, falta de projeto de vida, envolvimento com situações de violência (11). A iniciação sexual precoce pode traduzir um momento de dissociação entre a estrutura corporal e psico-emocional do adolescente (35). Os estudos mais recentes mostram que a iniciação sexual está ocorrendo cada vez mais precoce, em particular em adolescentes com menor taxa de escolaridade (20, 35) . Segundo os referidos autores, os adolescentes com menos de 5 anos de escolaridade e que vivem em comunidades de baixa renda, apresentam maior risco de coitarca precoce, o que predispõe ao maior número de parceiros e dificulta a adesão ao uso de métodos anticoncepcionais. A ausência de informações ou a indisponibilidade de informações corretas são ainda comuns, em particular nas classes econômicas menos favorecidas, com baixa escolaridade dos pais. Em geral, pais e educadores fornecem informações restritas que precisam ser complementadas pelos profissionais de saúde (31) . Conseqüentemente, os meios de comunicação têm um papel de destaque na educação sexual dos jovens (32). A TV encaminha mensagens de prevenção a IST de maneira pontual e desprovida de um enredo necessário para se atingir a população adolescente, que por sua vez se acha invulnerável e indestrutível (32). Até o momento, não se vincula nenhuma associação entre a música e o comportamento sexual de risco, apesar da música contribuir para a socialização, identificação com o grupo e poder ser utilizada pelo jovem como um símbolo para a rebeldia. Alguns vídeos de música, entretanto, exibem com freqüência cenas de sexo, violência e em alguns, as mulheres são apresentadas como objetos sexuais (32). O cinema também pode contribuir para moldar atitudes a depender do tipo de mensagem encaminhada. A repetição de imagens que veiculam a atividade sexual enfoca muitas vezes a ação, e não a expressão da afetividade humana (32). Estes filmes e todas as outras imagens negativas, no entanto, podem ser apresentados aos adolescentes com o objetivo de estimular discussões e reflexões sobre a sexualidade humana. A omissão do diálogo familiar é tão importante quanto o papel da mídia no que se refere à educação sexual. A família representa a pedra angular na educação sexual da criança e do adolescente. A forma como a família vive influencia no comportamento dos jovens e na identificação do seu papel sexual. Assim, pais adolescentes tendem a ter filhos que se tornarão pais adolescentes (20). A falta de políticas públicas voltadas para o adolescente também favorece o afastamento dos adolescentes das unidades de saúde e conseqüentemente do acesso a novas informações ou aquisição de métodos contraceptivos. A idade não pode ser um fator limitante para estas ações, desde que a gravidez na adolescência incide desde a tenra idade (3). Em algumas regiões do País, as políticas estão mais organizadas o que favorece, por exemplo, que um adolescente da região Sudeste tenha duas vezes mais chances de usar o preservativo na sua primeira relação do que na região Nordeste. No entanto, as falhas nos programas são muitas, desde que o uso contínuo do preservativo representa uma prática incomum, em particular, com as parceiras fixas, e o risco de gravidez não planejada e IST é semelhante nas duas regiões (20). O uso de algumas drogas altera o juízo de realidade e a percepção do adolescente em relação ao uso de uma prática contraceptiva, além de favorecer a promiscuidade (22). O consumo de álcool guarda uma relação direta com o aumento das taxas de gravidez e IST na adolescência, considerando-se que o álcool é a droga mais consumida (26). A falta de um projeto de vida permite que o adolescente não assimile o conceito de proteção e desta forma despreze as informações veiculadas. Estimular o projeto de vida passa a ser CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE uma estratégia importante na prevenção de gravidez, IST, violência e uso de drogas. Gravidez na adolescência A gravidez na adolescência constitui-se um problema de saúde pública tanto em países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento (2). É descrita desde a Antiguidade, mas, passou a ser vista como um prejuízo à saúde, considerando-se o novo papel da mulher, inserida no contexto do mercado de trabalho e é de elevado risco, sobretudo quando a idade ginecológica é inferior a dois anos (32). Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), 27% dos partos que ocorrem no Brasil, estão relacionados a mães adolescentes O estado do Acre e os da região Nordeste, apresentam as mais altas taxas de prevalência de gravidez nesta faixa etária, com o aumento crescente da prevalência de gravidez em meninas entre 10 a 14 anos (28). A gravidez na adolescência apresenta conseqüências biológicas e psico-socais que se entrelaçam de modo indissociável. Do diagnóstico precoce depende o encaminhamento para serviços de Pré-Natal, que idealmente devem ser específicos e voltados para as gestantes adolescentes, a fim de minimizar os riscos. A qualidade da assistência Pré-Natal está vinculada a menor morbi-mortalidade materna e perinatal, com redução nos índices de prematuridade e melhor peso dos bebês ao nascimento (3, 17). Apesar da redução dos problemas biológicos, as conseqüências psicológicas e sociais da gravidez na adolescência são significativas. A mesma contribui para a evasão escolar, abandono do projeto de vida e manutenção do ciclo da pobreza. Os filhos de mães adolescentes tendem a ser mais negligenciados, menos imunizados e sofrem mais violência doméstica (3). O apoio familiar e do parceiro ajudam a minimizar estes conflitos, e contribuem para a redução da recorrência de gravidez (11). A suspeição de gravidez deve ser feita em adolescentes com história de náuseas, ganho ponderal rápido, dor abdominal, alterações menstruais e urinárias, e sempre que a adolescente for submetida à exposição a agentes teratogênicos (fármacos, radiação). Diante de um resultado negativo inicia-se a sensibilização e educação da adolescente para a anticoncepção, com orientações voltadas para a construção de um projeto de vida e escolha de um método contraceptivo, desde que 60% das adolescentes nesta situação engravidam dentro de um período de 18 meses (28, 33). Aborto Segundo dados do Ministério da Saúde, aproximadamente 40% dos abortos realizados no Brasil ocorrem em menores de 20 anos O coeficiente de mortalidade é 2,5 vezes maior nessa faixa etária e em cerca de 86% das adolescentes, os mesmos foram provocados (28). A questão legal e a falta de recursos adequados, propiciam as adolescentes, sobretudo de baixa renda, um elevado risco de complicações, como infecções e infertilidade. As conseqüências psico-sociais favorecem a marginalização social, os conflitos com a família e consigo própria. A jovem, muitas vezes, diante de uma gravidez não planejada vê-se dividida e às vezes obrigada por algumas famílias a optar entre o aborto ou um casamento. Sente-se então abandonada pelos seus familiares e pelo parceiro. Segundo Von Smigay apud Maakaroun et al. (25) “se começarmos a entender os desajustes psicológicos que cercam a vivência de um aborto, muito mais ocasionado por razões 57 sociais e ideológicas do que pela sua prática mesmo, temos uma questão de relevância, tanto do ponto de vista científico quanto político. Se a problemática do aborto não é formulada no terreno da individualidade e não é permeada por atitudes valorativas do tipo bom ou mau, homicídio ou não, prática natural ou antinatural, possibilitamos o deslocamento para outra questão de fundamental importância: como podemos transformar as condições que conduzem a sua ocorrência?” Uma rediscussão do fato com a adolescente, o apoio emocional, a avaliação das complicações biológicas e psicosociais, a recomendação precoce da contracepção, visam evitar uma nova gravidez e representam medidas que podem ajudar a minimizar os prejuízos da adolescente. Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) As razões pelas quais os jovens são mais predispostos as IST são inversamente proporcionais a sua maturação psicosexual, desenvolvimento cognitivo, conhecimentos acerca do assunto e renda sócio-econômica (33). O início sexual precoce, a presença de múltiplos parceiros, abuso sexual, ausência de uso do preservativo, prática de sexo oral e anal, uso de drogas e prostituição, representam algumas destas razões, que são comuns ao risco de gravidez, e que justifica sempre o conceito de dupla proteção na orientação sexual dos adolescentes (11). Incentivo deve ser dado para que o adolescente dissemine ativamente esta informação entre seus pares, amigos e parceiros. A diversidade das manifestações clínicas justifica a suspeição e oferta de rastreamento em jovens com comportamento sexual de risco. A presença de disúria, secreção vaginal e uretral, prurido genital, lesões no pênis ou na vulva, devem alertar o profissional de saúde em relação ao diagnóstico de IST. A abordagem baseia-se na síndrome clínica e deve envolver o adolescente e parceiro (a). É fundamental lembrar que a presença de uma IST aumenta a chance de aquisição de outra (33). O tratamento das IST passa por alguns princípios básicos: escolha da droga eficaz; uso preferencial da via oral, período breve e dose única para a administração; custo acessível ou melhor ainda, disponibilidade para a distribuição da droga na rede pública e prevenção. Segundo o Ministério da Saúde (2005) (27). A prevenção das IST envolve três etapas: 1) Primária, o estímulo ao uso do preservativo e imunização contra hepatite B; 2) Secundária, detecção precoce dos casos e contactantes de risco, evitandose a cadeia de transmissão. A convocação do parceiro poderá ser feita pelo próprio adolescente ou ainda através do envio de carta ou da busca ativa realizada pelo Serviço Social. As cartas devem conter as seguintes informações: código da doença, texto solicitando e enfatizando o comparecimento por interesse pessoal, lista de locais para a apresentação, identificação do profissional solicitante, serviço a que pertence; 3) Terciária, tratamento oportuno, evitando as complicações (infertilidade, disfunção sexual) e aconselhamento psicológico, a fim de evitar novas infecções. Este aconselhamento segundo o Ministério da Saúde (27) “é um processo de escuta ativa, centrado no cliente e pressupõe a capacidade de se estabelecer uma relação de confiança entre os interlocutores, visando o resgate dos recursos internos do adolescente, para que ele mesmo tenha a possibilidade de se reconhecer como sujeito de sua própria saúde.” Acidentes O adolescente é um ser em transformação e em processo de adaptação à sociedade. A curiosidade, impetuosidade, a busca 58 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA do novo e do desconhecido, a invulnerabilidade, o idealismo, próprios desse período da vida, favorecem os acidentes ( 11, 46). Estatísticas nacionais mostram que 50% dos atendimentos realizados com adolescentes em unidades de emergência estão relacionadas a esses problemas (46). Algumas dessas situações não devem ser consideradas como acidentes, mas, lesões associadas a situações de violência (ferimentos por arma branca ou de fogo, agressões) ou tentativas de suicídio (16). Os acidentes automobilísticos e as quedas representam os acidentes mais freqüentes. O sexo masculino, na fase de adolescência média, representa o grupo mais afetado (45). A prevenção representa a melhor forma de tratamento. A sensibilização do adolescente para conhecer e respeitar as leis de trânsito, o atravessar na faixa de segurança, nas passarelas, uso de cinto de segurança, capacetes ao andar de bicicleta ou moto, deve ser feita em todo atendimento ao adolescente, desde que os acidentes representam a principal causa de mortalidade nesta faixa etária e podem causar seqüelas irreversíveis (13). O consumo de drogas, em particular do álcool pode estar relacionado aos acidentes, sobretudo quando os mesmos costumam ser graves ou repetidos (26). Essa abordagem requer um elevado índice de suspeição para que se possa minimizar ou reduzir danos. Depressão e Suicídio Cerca de 60% dos adolescentes que freqüentam consultórios médicos apresentam algum sintoma depressivo As queixas são mais comuns no sexo feminino e em indivíduos com história familiar da doença (11). A depressão deve ser suspeitada quando 5 ou mais sintomas dentre os relatados a seguir estão presentes por duas ou mais semanas: sentimento de tristeza e vazio; alterações do apetite; distúrbios do sono; agitação ou isolacionismo; redução da atenção e concentração; cansaço ou fadiga intensos; sentimentos de culpa, inadequação ou inutilidade; ideação ou tentativa de suicídio (11). Diante de um adolescente com essa suspeita o mesmo deve ser encaminhado ao profissional da saúde mental (psiquiatra) para avaliação diagnóstica, e conduta terapêutica. O tratamento requer a intervenção medicamentosa, em alguns casos e psicoterapia (11). O tempo de uso dos antidepressivos está associado à gravidade do quadro e resposta individual. As tentativas de suicídio necessitam de uma abordagem cuidadosa, na qual se deve sempre valorizar os motivos que levaram ao ocorrido e oferecer a ajuda adequada. A desvalorização do problema ou a falta de orientações pode levar a recorrência dos fatos com o uso de técnicas mais agressivas e letais. RISCOS PSICO-SOCIAIS Saúde escolar O desempenho escolar abrange o mundo interno do adolescente, e sua realidade externa, representada pela família, escola e ambiente social. O fracasso escolar é produto de múltiplos fatores convergentes incluindo-se as deficiências subjacentes do indivíduo, alterações emocionais, respostas às pressões extrínsecas e aos estilos aprendidos para enfrentar as dificuldades cotidianas. Alguns fatores são relacionados à escola (características físicas, pedagógicas, qualificação do professor), outros são relacionados à família (escolaridade dos pais, interação dos pais com a escola, harmonia familiar). A influência dos grupos é marcante na adoção de um modelo de desempenho escolar (11, 24). Problemas oftalmológicos e audiológicos devem ser rastreados em adolescentes com distúrbio do aprendizado. As alterações do desenvolvimento psico-motor podem sinalizar a falta de integridade cognitiva. A anemia carencial compromete o potencial cognitivo e deve ser sempre valorizada. Transtornos com a leitura (dislexia), que podem ser precedidos por alterações da linguagem na infância, e matemática (discalculia) requerem apoio pedagógico especial, assim como o transtorno do déficit de atenção com hipertatividade (11, 24). O exame físico deve ser minucioso e incluir a triagem auditiva e oftalmológica, avaliação neurológica com ênfase na coordenação motora, equilíbrio, atenção, presença de hipercinesias. O adolescente deve ser estimulado a escrever as suas dificuldades. Declínio no desempenho escolar, inibição e devaneios podem representar manifestações depressivas, o que deve ser levado em questão na investigação de alterações do aprendizado. A evasão escolar é comum na adolescência e traz sentimentos negativos para o jovem favorecendo sentimentos de incapacidade, baixa auto-estima, marginalização social (11). A desestruturação da escola e as precárias condições de vida de uma parcela da população favorecem o abandono escolar e a inserção precoce e despreparada no mercado de trabalho, o que proporciona um comportamento de risco e manutenção da pobreza. Todo adolescente que apresenta dificuldade escolar, deve ser investigado em relação aos possíveis fatores causais. O profissional de saúde precisa aliviar a estigmatização e a rejeição, estimulando a busca de ajuda e a permanência na escola. Algumas vezes a repetição escolar pode ser um ponto de partida para o crescimento pessoal e amadurecimento do jovem, desde que haja a orientação adequada. A avaliação deve ser ampla e os casos detectados de alterações comportamentais devem ser monitorados, considerando-se que o grupo de indivíduos que apresenta comprometimento da saúde escolar é de alto risco para a delinqüência, comportamento sexual de risco, uso de drogas e conduta anti-social. Trabalho A adolescência representa um momento de escolhas dentre as quais, a profissionalização. A busca da identidade passa por um processo de amadurecimento e envolve a decisão profissional. Estima-se que 80% dos jovens norte-americanos com menos de 18 anos trabalham ou já trabalharam alguma vez. O maior empregador de adolescentes nos EUA é o setor de varejo: restaurantes, “fast-foods” e lojas (7). O Brasil considerou a idade mínima de 14 anos para a admissão ao trabalho, estabelecendo a garantia de direitos previdenciários e acesso do adolescente à escola. O trabalho noturno, insalubre ou perigoso foi proibido para os menores de 18 anos. Em 1998, a Emenda Constitucional nº 20 aumentou a idade mínima ao trabalho para 16 anos, admitindo a aprendizagem a partir dos 14 anos O aprendiz é empregado com direitos trabalhistas e previdenciários, devendo ter direito à metade do salário mínimo na primeira metade da aprendizagem, e 2/3 do referido salário na segunda metade, e freqüentar cursos de formação profissional. O Ministério do Trabalho determina que as empresas de grande e médio porte tenham 5% de aprendizes entre os seus funcionários (11). Existe uma correlação positiva entre trabalho e aspectos positivos na formação do jovem, como por exemplo: CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE responsabilidade, pontualidade, relacionamento interpessoal, aprender a lidar com o dinheiro, ganho de auto-estima, independência e novas habilidades (25). Trabalho de maior intensidade, conceituado como mais de 20 horas semanais, poderá estar associado a comportamento de risco: piora do desempenho ou evasão escolar, uso de drogas lícitas e ilícitas, distúrbios do sono, gravidez e IST, piora das relações familiares e envolvimento com acidentes de trabalho (11) . Nas classes menos favorecidas, nas quais o trabalho do adolescente contribui para a renda familiar, o trabalho acaba muitas vezes por prejudicar a adolescente, e a mesma lei que o deveria proteger o desprotege, considerando-se que a elevação da idade favorece a ida do adolescente para o subemprego, provocando a exploração do menor e a ausência dos direitos trabalhistas. Ao abordar o adolescente que trabalha, o profissional de saúde deve estar atento para avaliar as vantagens e desvantagens do trabalho e informar aos jovens sobre os seus direitos. A vigilância sobre o tipo e carga horária de trabalho, a nutrição, desempenho escolar, orientação vacinal e sexual e as questões psico-sociais, são de fundamental importância na prevenção de problemas. A realidade nacional mostra que os nossos jovens devem ser estimulados a sua profissionalização, em todas as classes sociais, respeitando-se e conhecendo a individualidade de cada um. As políticas públicas precisam contemplar esta necessidade e oferecer opções aos jovens, o que de certa forma contribui para evitar a ociosidade, promove o sentimento de ser útil e reduz a violência. Violência A violência envolve o adolescente em três situações diversas. A primeira, quando é o vitimizado, na segunda quando é o agressor e na terceira, a mais comum, quando ele é a vítima e também o agressor. Constitui-se na atualidade em um problema de saúde pública crescente em todo o mundo. Os adolescentes aparecem nas estatísticas como os que mais morrem e os que mais matam (37). Quanto mais jovem o indivíduo for vitimizado mais grave as seqüelas físicas, psíquicas e morais (37). As situações de abuso físico contra crianças e adolescentes, revestem-se de características que necessitam ser conhecidas pelos profissionais de saúde. Ocorrem geralmente no lar ou ambientes conhecidos e geralmente são camufladas pelos familiares; as agressões tendem a ser repetidas; o diagnóstico é eminentemente clínico e requer a experiência, sagacidade e visão humanista do profissional (30). Diante da suspeita, a notificação torna-se obrigatória e deve ser dirigida ao Conselho Tutelar ou a Vara de Infância e Juventude, de acordo com o Artigo 277 da Constituição Federal (34). Um relatório detalhado envolvendo a história médica e social e o exame físico minucioso, deve ser anexado a notificação, visando auxiliar na condução do caso. A omissão da notificação implica em uma contravenção penal. O acompanhamento multidiscplinar do adolescente deve ser indicado em todos os casos. A violência pode ser classificada em 4 tipos: abuso físico, abuso sexual, abuso emocional e negligência. Os adolescentes agressores não devem receber punições corporais, mas, medidas educativas e disciplinares. Na abordagem do adolescente traumatizado sempre se deve investigar a associação com situações de violência. A conduta anti-social, instabilidade afetiva, comportamento suicida e autodestrutivo podem representar algumas das seqüelas 59 psíquicas e morais da violência (30). O comportamento violento do adolescente pode representar uma manifestação de abuso anterior e pode resultar na transmissão da violência, perpetuando o ciclo da “violência”. No entanto, nem todos os indivíduos vitimizados tornam-se violentos, o que sugere a presença de alguns fatores de proteção, que conferem ao indivíduo, a capacidade de reagir positivamente à adversidade, a qual é chamada de resiliência (23). A resiliência explica porque alguns indivíduos vitimizados tornam-se agressores, depressivos ou suicidas, enquanto outros têm vida social e emocional normais, apesar das dificuldades vivenciadas (41). Os fatores econômicos, sociais e culturais, aspectos do temperamento do indivíduo, ociosidade, exposição excessiva a “games” e TV, envolvimento com grupos negativos, uso de drogas são outros fatores de risco associados ao envolvimento dos jovens com situações de violência (14). Além da violência doméstica, uma das formas mais visíveis de violência na sociedade é a juvenil, que acomete os adolescentes e tende a perpetuar-se na vida adulta. Um dos locais mais acometidos por este tipo de violência é a escola. A violência escolar (“bullyng”) envolve o comportamento agressivo, destruição de patrimônio e pode chegar a atos criminosos (8). Esse problema é universal e tem uma relação direta com conseqüências negativas para os agressores, vitimizados e observadores. Compreende todas as atitudes agressivas onde há uma relação desigual de poder que envolve diferenças de idade, tamanho, força física e desenvolvimento emocional (24). Geralmente, esse problema passa ignorado ou não é valorizado pelos educadores e pais. A violência urbana pode ser identificada como a maior preocupação indicada pela sociedade e vem sendo alvo de inúmeros debates no âmbito público e privado (30). O processo de urbanização que envolve a marginalização de grupos de indivíduos, aglomerados desenfreados e sem estrutura, as relações interpessoais e fugazes, o tempo escasso, o excesso de estímulos sonoros e visuais, a falta de oportunidade para todos contribuem para ansiedades, competição, imediatismo, atitudes que podem favorecer o comportamento violento. A desestruturação das famílias, o excesso de tolerância ou permissividade, exposição a maus tratos, hiperatividade, impulsividade, déficit de atenção, baixo desempenho escolar são fatores que contribuem na adoção de comportamentos violentos (45). O uso de drogas tem uma relação diretamente proporcional ao envolvimento com situações de violência, aumentando a excitabilidade, alterando os processos significativos e expondo os jovens a desfechos deletérios a saúde do adolescente (26). Os homicídios guardam uma relação com os indicadores sociais. No entanto, não se pode afirmar que haja uma relação direta entre pobreza e criminalidade. A desigualdade social, a injustiça e a exclusão parecem ser mais importantes nessa associação (37). A disponibilidade da arma de fogo, aliada ao seu uso indiscriminado atua como fator de risco para a violência urbana, porém o desarmamento não deve ser entendido como uma proposta apenas de entrega de armas, mas, como uma chamada de atenção para o desarmamento das relações individuais e preconceituosas (45). A exposição à violência urbana pode gerar o transtorno do estresse pós-traumático caracterizado por um estado de hipervigilância, ansiedade, recordações do momento da violência e perpetuação dos sentimentos negativos vivenciados. A retração social, adoção de comportamentos diferentes pode ser 60 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA uma outra manifestação (30). A intervenção precoce pode minimizar o impacto do prejuízo. As instituições de saúde e educação e as famílias devem estar aptas para o diagnóstico e a prevenção deste problema, oferecendo apoio a todos os envolvidos, e estimulando a reconstrução de uma escola, e de uma sociedade mais segura e saudável. Este desafio não é simples, mas é necessário, na atual perspectiva social. A prevenção da violência é uma responsabilidade dos profissionais de saúde, da família, das escolas e do poder público e consiste de três etapas:1) Primária, dirigida à população em geral e que consiste na promoção de saúde dos indivíduos; 2) Secundária, dirigida a grupos de risco; 3) Terciária, dirigida à população vitimizada. Envolve a equipe multiprofissional e interdisciplinar e o poder judiciário (11). Abuso sexual Estudos internacionais enacionai mostram que cerca de 7% a 36% das meninas e 3% a 29% dos meninos já sofreram abuso sexual (19, 27). O diagnóstico de abuso sexual e a sua conseqüente prevenção dependem da suspeição. O maior problema enfrentado pelos profissionais de saúde é o pacto de silêncio firmado entre as famílias, os agressores e as vítimas. Os adolescentes com retardo mental são de maior risco para este fenômeno (29). O profissional de saúde, especialmente das unidades de saúde da família, deve estar sempre atento a este diagnóstico diante de qualquer mudança comportamental do adolescente e o exame minucioso e freqüente da genitália pode oferecer pistas. A anamnese deve ser cautelosa, devendo se poupar à vítima de estar repetindo a sua história, que é colhida em momentos diferentes com outras pessoas envolvidas, procurando se observar contradições e incoerências. A possibilidade de abuso sexual deve ser investigada na presença de lesões na região genital, gravidez, trauma genital, sangramento vaginal em pré-púberes, IST e aborto. A escuta do adolescente, livre de preconceitos e sem interrupções é o primeiro passo para o acolhimento da vítima. Nos casos agudos, que ocorreram há menos de 72 horas, as medidas legais devem ser acompanhadas das medidas assistenciais. É necessário que ocorra a denúncia e a identificação do agressor. Na recusa dos responsáveis em fazer a denúncia à hipótese de conivência deve ser aventada, e é necessária a presença do Conselho Tutelar para assumir a guarda do adolescente. Nos casos de abuso crônico ou repetitivo, o adolescente apresenta-se fragilizado ou com comportamento agressivo ou autodestrutivo. Todos os casos de abuso sexual devem ser encaminhados para centros de referência que devem disponibilizar o atendimento e fornecer os medicamentos (27). Diante da suspeita diagnóstica, a avaliação laboratorial deve envolver a coleta de líquido vaginal para pesquisa de espermatozóides e patógenos, dosagem de fosfatase ácida e se possível exame do DNA. Pesquisa de gonococo no ânus e orofaringe, sorologias para sífilis, HIV e outra IST. Dentre as medidas assistenciais recomenda-se à imunização contra hepatite B, contracepção de emergência (até 72 horas da relação sexual), quimioprofilaxia antiretroviral e rastreamento e tratamento empírico das IST. O uso do secnidazol (30 mg/Kg/ dia) associado a azitromicina (10 mg/Kg/dia) visa a prevenção da tricomoníase e de outras IST. A assistência psicológica é muito importante e deve-se considerar sempre o risco potencial de suicídio (27). Outras formas de abuso sexual devem ser lembradas como a pornografia, pedofilia e a prostituição. Esta última, envolve milhares de crianças e adolescentes, sobretudo de baixa condição sócio-econômica e do sexo feminino, e algumas vendidas pelas próprias famílias. É comum que estas jovens tenham sido vítimas de abuso sexual por seus pais ou padrastos. Em algumas regiões o turismo sexual representa uma das formas de incentivo a estas práticas (29). Em qualquer relação sexual que envolva adolescente menor de 14 anos, deve sempre ser afastada a possibilidade de violência, considerando-se as questões legais vigentes no Brasil (34). Drogas Na atualidade, o adolescente sente cada vez mais necessidade de obter múltiplos objetos de satisfação e segundo Tavares (43) encontra cada vez mais dificuldade de se localizar na sociedade, pela ausência de recursos simbólicos que propiciem a passagem da infância à vida adulta. O consumo de drogas é uma realidade na sociedade vigente. No passado, os ritos de passagem cumpriam a função de inserir o jovem em um conjunto de símbolos que davam um sentido as transformações vivenciadas. Hoje, o jovem caminha cada vez mais solitário nessa fase de sua vida (43). O uso de drogas aparece para alguns adolescentes como uma marca para esta travessia. As drogas permitem o estabelecimento de novos laços sociais, asseguram o lugar do jovem no mundo, preenchem vazios e acaba algumas vezes se transformando na própria essência da vida do indivíduo. Geralmente quem procura o atendimento são os pais, porque segundo Tiba (44) são esses os sofredores e, portanto, os que pedem ajuda. Os usuários são levados aos serviços pelos responsáveis. A descoberta dos pais é precedida por mudanças comportamentais dos jovens, nas quais se destacam o comportamento agressivo e a queda do desempenho escolar. O momento da descoberta é crucial para a busca de ajuda. Saber perguntar é importante, mas, a escuta é fundamental. Por sua vez a família deve ser orientada que não deve discriminar o jovem. Nem sempre é possível saber o que leva o jovem a usar a droga: experimentação, pressão dos grupos, solução para conflitos, comportamento autodestrutivo. Cada adolescente tem sua história individualizada. O início do uso raramente é revelado e à medida que os pais aumentam a vigilância o uso da droga é reduzido, mesmo que temporariamente (11). A esperança dos pais é sempre encontrar o fornecedor da droga, mas, esta informação geralmente é sonegada, o que agrava o conflito familiar, pois os pais sentem-se traídos pelo (a) filho (a). Esse sentimento gera um comportamento depressivo ou punitivo por parte dos pais. Alguns cortam as mesadas, o lazer, afastam os amigos e até mudam de endereço. Diante de tudo isto, cabe ao profissional de saúde lembrar que cada caso é único, nenhum usuário tem prognóstico definitivo, há necessidade de se conhecer a droga usada, o seu mecanismo de ação, sinais e sintomas, seu uso, onde, quando e como, onde e com quem. A classificação da situação clínica do drogadito é de fundamental importância para a intervenção. Os indivíduos são classificados em usuário recreativo, portadores do hábito ou dependentes da droga. O usuário recreativo faz uso experimental da droga, não a guarda, usa geralmente com amigos e em pouca quantidade, fora de casa, e sente a necessidade de aumentar o prazer. Apresenta um relacionamento agressivo com a mãe (40, 44). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE O hábito de usar a droga é expresso pela compra da droga pelo usuário; o adolescente a guarda e a usa sozinho ou em companhia de outros; estabelece ritmo de uso; compromete a qualidade de vida, cultua a droga, afasta-se dos pais e dos companheiros que não usam a droga (40, 44). A dependência química é manifesta através da compra de maior quantidade da droga, o jovem não se preocupa onde guardar a droga e a mesma é achada com facilidade, usa sozinho e várias vezes no dia, conhece todos os meios de uso da droga, muda as relações sociais e passa a conviver apenas com outros usuários, intensifica os conflitos familiares e passa a ser controlado pela droga (40, 44). Nem toda experimentação de droga requer tratamento, mas, sempre vigilância em relação aos aspectos psico-sociais. O uso precoce de drogas é um fator de risco para a perpetuação do hábito e progressão para a dependência, que pode ser física ou psíquica, a depender da droga usada. Segundo Tiba(44), um indicador da ligação do indivíduo com a droga, está na resposta a seguinte pergunta: “o que você sentiria se eu jogasse a droga fora”? A preocupação com o desperdício, significa que existe uma ligação forte entre o indivíduo e a droga, o que predispõe a manutenção do hábito. Algumas drogas apresentam características próprias que favorecem a adoção do hábito mais rapidamente. O álcool representa uma droga muito consumida pelos jovens e apresenta a possibilidade de abertura para uso de outras drogas mais pesadas, além de favorecer acidentes, gravidez, IST e comportamento violento (40). O tabaco é altamente viciante, causa forte dependência psíquica e moderada dependência física. Os filhos de fumantes e consumidores de álcool têm uma maior chance de usarem estas drogas (43). Algumas drogas como o “crack”, heroína e a cocaína causam forte dependência e estão associadas a envolvimento com o tráfico e violência. O uso parenteral das drogas favorece a infecção pelo vírus HIV, HTLV-I, da hepatite B e C (40). Na atualidade, algumas drogas surgem para promover a excitabilidade e passam a ser consumidas nas festas sob a forma de comprimidos. O “ectasy” é uma delas e é conhecida como “a droga do amor”, porque favorece a desinibição sexual (40). Nas populações de baixa renda, em particular, entre os moradores de ruas é elevado o consumo de solventes, algumas vezes inalados para disfarçar a fome (40, 44). Na última década, os esteróides anabolizantes, estão entre as drogas mais consumidas pelos adolescentes, visando o ganho rápido de massa muscular (21) . Apesar desta afirmação, não existem estudos que comprovem que estas drogas podem melhorar a capacidade cardiovascular, agilidade, destreza ou desempenho físico. No mundo esportivo essas drogas estão banidas, considerando-se a gravidade dos seus efeitos colaterais. ABORDAGEM DO ADOLESCENTE COM COMPORTAMENTO DE RISCO Prevenção A prevenção representa a principal estratégia para a resolução do problema. Em geral, as medidas preventivas visam controlar o risco, redirecionar o impacto do mesmo, estimular a resiliência, transformar as novas experiências em atitudes positivas baseadas nos princípios éticos de respeito e solidariedade humana (41). Para isso há necessidade que as famílias exerçam o seu papel de construção de valores e referências; trabalhem o respeito 61 aos limites. A permissividade excessiva, assim como a falta de tolerância, e o autoritarismo, podem predispor a perda de valores e referências pelos adolescentes, e assimilação de um comportamento de risco. As escolas representam locais de formação de indivíduos e de preparação dos mesmos para o exercício da cidadania. O espaço pedagógico, desde que bem utilizado permite as reflexões e discussões, bem como a elaboração de propostas de forma grupal e ainda pode oferecer opções de lazer e cultura. A sociedade precisa acreditar mais nos jovens, permitir novas experiências, entendendo que destes desafios, depende o processo de crescimento do indivíduo. A valorização do ser adolescente é importante para a melhora da sua auto-estima e fortalecimento da sua resiliência. A mídia deve veicular informações corretas, e não apenas estimular o culto corporal, e o padrão de consumo, desde que o adolescente representa o seu principal público-alvo (32). Por outro lado, os profissionais de saúde e de educação precisam investir na capacitação para a abordagem do adolescente, desfazendo mitos, e abandonando o juízo de valores, visando assim a maior aproximação com estes indivíduos. As políticas públicas precisam proporcionar aos jovens mais espaços para a congregação dos mesmos, opções de lazer, cultura e profissionalização. As ações governamentais devem estar de acordo com estas propostas. Quando indicar tratamento? Os adolescentes com comportamento de risco devem ser diagnosticados o mais precocemente possível, e idealmente, encaminhados para centros de referência com equipe multidisciplinar. O tratamento varia desde orientações gerais (nutricional, vacinal, atividade física, contracepção e prevenção de IST, profissionalização) a apoio psicológico (individual, de grupo, familiar), psico-pedagógico, terapia ocupacional, a depender de cada situação. O apoio da família, dos pares, da escola, das políticas públicas, dos profissionais de saúde e do próprio adolescente é de fundamental importância para o êxito do tratamento. Ao jovem com comportamento de risco devem ser oferecidas novas oportunidades de acesso ao convívio social. Dessas atitudes da coletividade depende a segurança, estabilidade e felicidade da sociedade contemporânea, pois os adolescentes de hoje serão os adultos do amanhã, responsáveis pelos novos destinos do mundo. O desafio não está em vencer a utopia, mas, em transformar os sonhos em ações, e permitir que os mesmos se transformem em realidade. CONCLUSÕES A adolescência representa uma fase da vida marcada por inúmeras transformações e busca da identidade. Nesse processo, o indivíduo torna-se vulnerável, submete-se às novas experiências, algumas delas, possíveis situações de risco. O risco é necessário ao desenvolvimento humano, desde que controlado e orientado. Os riscos podem ser biológicos ou psicosociais. As características individuais, o papel da escola, da família, dos pares e da sociedade, são fatores fundamentais na promoção da saúde do jovem, e podem minimizar o impacto dos riscos. O comportamento de risco representa o desequilíbrio entre a proteção e o risco, o que culmina na adoção de atitudes que podem prejudicar a saúde do adolescente. O atendimento integral ao adolescente e a detecção de fatores de risco individuais e ambientais, representam as principais estratégias 62 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA na prevenção do comportamento de risco. A intervenção precoce pode minimizar as complicações e favorecer a assimilação de um estilo de vida saudável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Acquavella AP, Braverman P. Ginecologia do Adolescente: a prática no consultório. Clínicas Pediátricas da América do Norte 46: 489-504, 1999. 2. Albano RD, de Souza SB. Ingestão de energia e nutrientes por adolescentes de uma escola pública. Jornal de Pediatria (RJ) 77: 512-16, 2001. 3. Alfonso LM, Reyes Z. Conducta sexual, embarazo y aborto en la adolescencia, un enfoque integral de promoción de salud. Revista Cubana de Salud Publica 29: 183-87, 2003. 4. 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Waksman RD, Pirito RMBK. O pediatra e a segurança no trânsito. Jornal de Pediatria 81: S 181- S187, 2005. II.5 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE TÓPICOS RELEVANTES SOBRE INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS Romário Teixeira Braga Filho André Luis Bastos Sousa Anna Paula Mota Duque Vinicio Rodrigues de Britto Neto Larissa Siqueira Santos INTRODUÇÃO As Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), anteriormente denominadas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), determinam freqüentemente doenças agudas, infertilidade, incapacidade de longa duração e morte, levando ao surgimento de conseqüências graves, desde os aspectos médicos aos psicológicos, para milhões de homens, mulheres e crianças, em todo o mundo. Também, algumas das Infecções Sexualmente Transmissíveis foram identificadas como fatores facilitadores da disseminação do HIV. (11, 21, 40,75) No ano de 1990, a Organização Mundial de Saúde estimava que cerca de 250 milhões de novos casos de IST ocorreram em todo o globo naquele período. No ano de 1995, o número de novos casos de IST foi estimado em cerca de 333 milhões. Em 1999, a Organização Mundial da Saúde estimava que cerca de 340 milhões de novos casos de sífilis, gonorréia, infecções por clamídia e tricomoníase ocorreram em todo o mundo, afetando homens e mulheres entre as idades de 15 a 49 anos. (11, 21,40,68,75) Considerando as características epidemiológicas de uma dada doença numa população específica, a disseminação de uma IST depende do número de novos casos de infecção gerados por cada pessoa infectada. Isto pode ser descrito em termos de taxa de reprodução do caso, que para uma determinada IST depende da eficiência da transmissão, da freqüência média de mudança de parceiros sexuais, e da duração média da infectividade. (66,75) Torna-se evidente o importante papel da atenção primária em saúde na prevenção, diagnóstico precoce, tratamento adequado, e quando for o caso, encaminhamento dos pacientes a serviços de cuidados especializados. Este capítulo tem como objetivo principal fornecer uma revisão atualizada e sistematizada sobre as principais infecções sexualmente transmissíveis que ocorrem na população; propõe-se assim a facilitar ao generalista que atua na atenção básica, e especialmente nos Programas de Saúde da Família, o acesso aos principais tópicos de interesse relativamente ao tema em foco, que possam colaborar direta e objetivamente na sua prática profissional diuturna. A educação em saúde, com ênfase na prevenção, diagnóstico precoce e tratamento adequado, constitui-se em ferramenta fundamental para o controle da disseminação das infecções sexualmente transmissíveis, e redução eficaz dos danos físicos e morais que as mesmas produzem na população, principalmente na faixa etária mais jovem. Serão a seguir apresentadas reflexões sobre os aspectos epidemiológicocomportamentais relativamente às infecções sexualmente transmissíveis. Na seqüência, serão abordadas entidades nosológicas específicas, pela sua freqüência e importância epidemiológica e clínica, como: -Sindrome da imunodeficiência humana adquirida (SIDA); -Infecções gonocócicas; - Infecções sexualmente transmissíveis causadas por clamídia, micoplasma e ureaplasma; - Linfogranuloma venéreo; -Cancróide; -Sífilis; -Infecções pelo HTLV; -Infecções pelo Vírus do Herpes Simples Humano (HSV). Apesar das hepatites B e C terem suas formas de infecção e transmissão também por via sexual, sendo portanto consideradas infecções sexualmente transmissíveis, sua discussão não será abordada nesse capítulo, já que o tema específico sobre as hepatites 63 Palavras-chaves: Infecções Sexualmente Transmissíveis, Etiologia, Epidemiologia, Diagnóstico, Manifestações Clí-nicas, Tratamento. 64 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA encontra-se elaborado de forma ampla no capítulo escrito pelo Prof. André Vila Serra e cols. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICO-COMPORTAMENTAIS. Os dados dos estudos epidemiológicos demonstram que dentro do mesmo país, e entre países da mesma região, a prevalência e a incidência das IST podem variar amplamente entre as populações urbana e rural, e mesmo dentro de subgrupos populacionais de características semelhantes. Essas diferenças refletem a grande variedade de fatores econômicos, sociais e culturais, assim como diferentes condições de acesso ao tratamento apropriado. Em geral, a prevalência das IST tende a ser maior em moradores em áreas urbanas, indivíduos solteiros, e adultos jovens, porém ocorre em uma idade mais precoce em mulheres do que em homens.(52, 62, 66, 75) Estudo realizado como parte de um projeto de Cooperação Técnica entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Exército, integrando ações para o conhecimento e prevenção da infecção pelo HIV e outras IST entre os militares e na população de conscritos do Exército Brasileiro, teve o objetivo de monitorar comportamentos de risco à infecção pelo HIV em adolescentes do sexo masculino. Como ilustrativa dessa série de pesquisas, a abordagem realizada em 1998 com cerca de 30.318 conscritos, permitiu, entre outras, as seguintes conclusões: - Os conscritos com maior nível de instrução são justamente os que apresentam menor taxa de atividade sexual, iniciando vida sexual mais tardiamente e relatando menor número de parceiros sexuais; - O número de parceiros fixos é maior entre aqueles que detém maior escolaridade; - O percentual de uso do preservativo em todas as relações sexuais, no último ano apresentou baixo índice, alcançando cerca de 30% no estrato da região Norte/Centro Oeste, e 42% nos estratos das Regiões Sul e Rio de Janeiro/São Paulo; - O percentual de uso do preservativo cresce com o nível de escolaridade; e - Ocorrência de problemas relacionados às IST foi relativamente elevado em todos os três estratos geográficos, superior a 10%, atingindo valor maior que 20% no estrato da Região Norte/ Centro Oeste. Como conclusão, apresentou-se então o nível de escolaridade como uma das variáveis explicativas do comportamento de risco para as IST e AIDS. Os níveis mais baixos de escolaridade foram associados com o início mais precoce da atividade sexual, taxa mais elevada de atividade sexual, número maior de parceiros casuais e menores freqüências de uso de preservativos.(11,14,21,30,68) Também no Brasil, foi realizada uma pesquisa com a população sexualmente ativa nos últimos seis meses, e com 14 anos de idade ou mais, pelo IBOPE, em 2003, quando foram coletadas informações sobre: conhecimento sobre transmissão do HIV e outras IST; prevenção e controle de IST; práticas sexuais; e testagem do HIV. Informações relevantes obtidas nos resultados podem ser observadas, como: 2,4% dos homens sexualmente ativos declararam ter tido corrimento no canal da urina nos últimos seis meses; 40,0% das pessoas sexualmente ativas haviam apresentado sinais e sintomas compatíveis com IST alguma vez na vida, ou seja, corrimento no canal da uretra, dor ao urinar, feridas ou verrugas nos órgãos genitais para homens; e dor ao urinar, dor na relação sexual, corrimento vaginal, feridas ou verrugas nos órgãos genitais para as mulheres (para cada homem que relatou ter tido algum sinal ou sintoma compatível com IST, três mulheres o fizeram: a proporção foi de 20,7% entre os homens e 61,6% entre as mulheres).(30,52, 68) Os últimos estudos concluem também pelo aspecto de pauperização da AIDS; essa mesma configuração, aliada à possibilidade de que integrantes de determinado segmento social tendem a interagir sexualmente com indivíduos do mesmo grupo, sem exclusão da possibilidade de interação também com integrantes dos demais segmentos sociais, determina a maior probabilidade da disseminação da epidemia de AIDS, e da ocorrência de outras IST nos segmentos sociais mais desfavorecidos. Tal situação acarreta conseqüências para a comunidade como um todo e tem uma evolução imprevisível.(52, 62, 66, 75) Essas observações conduzem a reflexões sobre as formas de comunicação empregadas nas campanhas de prevenção de IST/AIDS entre os adolescentes, devendo haver uma adequação da linguagem às características econômico-sociais e de escolaridade, levando em consideração ainda os fatores culturais, comportamentos sexuais, crenças e mitos peculiares aos distintos segmentos populacionais. (8, 9, 14, 21) Também no Brasil foram realizadas pesquisas com adolescentes, sendo demonstrado que apenas 9,5% desses indivíduos, entre 15 e 19 anos, ignoram qualquer forma de evitarse a transmissão do HIV (variando entre 36% para os sem instrução até 0,1% para aqueles com 12 ou mais anos de escolaridade).(8,9,21, 25) Estudo realizado na Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecciosas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), objetivando estimar a prevalência de co-infecção pelo vírus B em indivíduos infectados pelo HIV, concluiu que: a população em estudo era majoritariamente masculina (64,8%), com idades entre 25 e 44 anos (75,6%), e com 65,1% referindo escolaridade entre 2 e 8 anos. O marcador sorológico anti-AgHBc esteve presente em 39,7% dos casos, o AgHBs em 8,5%, e o anti-AgHBs em 5,5%, havendo a presença de pelo menos um marcador em cerca de 40,9% dos casos examinados. Ainda nesse estudo, a análise univariada inicial demonstrou haver uma distribuição bi-modal da prevalência de marcadores de hepatite B, com valores mais elevados entre aqueles indivíduos com menos de 2 anos de freqüência à escola (47,8%), e entre os que alcançaram o nível superior (64,3%). Essa distribuição bi-modal para a freqüência de infecção pelo VHB (que tem praticamente as mesmas formas de transmissão que o HIV), chama a atenção para a necessidade de compreensão dos fatores comportamentais envolvidos na exposição de uma camada da população que tem acesso ao terceiro grau de escolaridade, e que não teria apenas os fatores comumente relacionados com as faixas de baixa escolaridade (condições socioeconômicas mais difíceis, baixo nível de higiene, promiscuidade, e acesso mais restrito aos serviços de saúde). (28, 32) SINDROME DAIMUNODEFICIÊNCIAHUMANAADQUIRIDA – SIDA (AIDS) Etiologia O vírus da imunodeficiência Humana(HIV) é um retrovírus não-oncogênico da família Retroviridae (retrovírus) e subfamília Lentivirinae. Apresenta-se com genoma de RNA e necessita de uma enzima denominada transcriptase reversa para sua multiplicação. Até o momento foram isoladas duas formas virais geneticamente diferentes em pacientes infectados, chamadas HIV-1 e HIV-2 que, embora distintas, compartilham alguns antígenos. Destes, o mais prontamente detectável é a proteína CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE p24, que é utilizada para diagnostico de infecção pelo HIV por ensaio de imunoabsorção ligado a enzima (ELISA). O HIV é bastante lábil no meio externo, sendo inativado pelo calor, hipoclorito de sódio, glutaraldeído, e outros agentes físicos ou químicos. (57) Aspectos epidemiológicos Existem no mundo aproximadamente 40 milhões de pessoas vivendo com HIV/SIDA. A África Subsaariana é a região mais afetada, com aproximadamente dois terços do total mundial. Na América Latina, o Brasil é o país mais afetado pela epidemia de infecção pelo HIV, em números absolutos. Desde a identificação do primeiro caso de SIDA no Brasil, em 1980, até junho de 2005, já foram notificados cerca de 371 mil casos da doença. A partir daí a infecção disseminou–se, principalmente nas regiões Sudeste e Sul, chegando a alcançar, em 1998, uma taxa de incidência de cerca de 18 casos de SIDA por 100 mil habitantes. A despeito de deter a mais alta taxa de incidência, a região Sudeste é a única que mostra uma tendência de queda consistente, embora lenta, desde1998, sendo boa parte atribuída à eficácia da terapia anti-retroviral. (16) Aproximadamente 60% dos casos notificados no Brasil são associados a alguma forma de contato sexual, sendo que quase a metade destes, (42,9%), decorrem de relações sexuais desprotegidas entre homens homossexuais/bissexuais. Este sub-grupo populacional concentrou a maior parte dos casos nos primeiros anos da epidemia. Em seguida, a infecção disseminou-se entre usuários de drogas injetáveis e aqueles que receberam transfusão de sangue e/ou de hemoderivados(hemácias, plasma, plaquetas, etc.) contaminados, em especial os portadores de hemofilia. A partir de meados dos anos 90, a epidemia se disseminou entre heterossexuais, que constitui atualmente a subcategoria de exposição sexual com o maior número de casos notificados da doença em todo mundo. Como uma das conseqüências, a incidência de SIDA aumentou rapidamente entre as mulheres e a razão de casos homem/mulher decresceu de 18,9:1, em 1984, para 1,5:1, em 2004, chegando a 0,9:1 na faixa de 13 a 19 anos.(58) Por sua vez, o crescimento de casos de infecção entre mulheres teve, como conseqüência, o aumento da transmissão vertical da infecção pelo HIV, com crescimento do número de casos de SIDA em crianças, em todo o mundo. No Brasil, cerca de 84% dos casos de SIDA em crianças com até 13 anos de idade é decorrente de transmissão vertical. (18) A transmissão de mãe para filho ocorre em três situações: no útero, por contágio transplacentário; através do canal de parto infectado; e após o nascimento, por ingestão de leite materno. Até dezembro de 2004 tinham sido registrados no Brasil 172 mil óbitos devido a SIDA. A taxa de mortalidade por SIDA apresentou-se crescente até meados da década de 90, estabilizando-se a partir de 1998 em 11 mil óbitos anuais, e decrescendo após o desenvolvimento do Programa Nacional do DST e AIDS(PN-DST/Aids). Não só a introdução da terapia anti-retroviral de alta potência, mas também as ações de prevenção e controle da infecção pelo HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis contribuíram para a mudança do perfil da epidemia no Brasil. (29) Observou-se também, um crescimento persistente na proporção de óbitos em negros, em segmentos da sociedade com menor nível de escolaridade e pior condição socioeconômica Tal situação parece refletir a desigualdade de gênero, social e racial no Brasil que dificulta o acesso a serviços de saúde a populações menos favorecidas. (31) 65 A partir de 1990, portanto, constatou-se uma transição do perfil epidemiológico na epidemia da SIDA, resultando em sua heterossexualização, feminização e pauperização, que continua a se acentuar com o decorrer do tempo. (68) A SIDA no Brasil, na verdade, se apresenta como sendo uma pandemia multifacetada, não possuindo um perfil epidemiológico único em todo o território brasileiro, mas constituindo-se em um mosaico de subepidemias regionais que são motivadas pelas desigualdades socioeconômicas. (17) A transmissão do HIV ocorre sob condições que facilitam o contato com o sangue ou fluidos corporais contendo o vírus, ou a célula infectada pelo vírus. Assim, as principais formas de infecção são: o contato sexual, a inoculação parenteral, e a passagem do vírus das mães infectadas para os seus recémnascidos. Em relação ao contato sexual, vale ressaltar que todas as formas de transmissão por HIV são potencializadas pela coexistência de outras doenças sexualmente transmissíveis, principalmente aquelas associadas a ulcerações genitais. Nesse contexto, sífilis, cancróide e infecção pelo Vírus do Herpes Simples Humano (HSV) são particularmente importantes. (75). A transmissão do HIV por transfusão de sangue ou hemoderivados foi praticamente eliminada. Tal fato resulta principalmente da triagem do sangue e plasma para anticorpos contra HIV, critérios de pureza absoluta para preparações de fator VIII, e screening de doadores com base em seus históricos. Contudo, um risco extremamente pequeno de contrair SIDA por meio de uma transfusão de sangue soronegativo persiste, porque um indivíduo recentemente infectado pode não ter anticorpos detectáveis laboratorialmente (janela imunológica). Alguns estudos demonstraram que instituições que seguem rigorosa conduta de controle de qualidade do sangue e derivados apresentam risco de infectividade de 1 por 2 milhões de unidades de sangue transfundido.(36) A infecção acidental pelo vírus HIV entre trabalhadores da área de saúde, apresenta-se como situação de risco extremamente pequeno, mas que impõe a necessidade de adoção de medidas preventivas e de pronta intervenção, quando da exposição a agentes possivelmente contaminados. (20) Patogênese O mecanismo de entrada do HIV nas células hospedeiras envolve a ligação entre glicoproteínas do vírus e a molécula de CD4 (presente nos linfócitos T CD4+, mas também em monócitos/ macrófagos e células dendríticas), além de co-receptores. Seguese a entrada do genoma viral no citoplasma da célula hospedeira, onde ocorre síntese do DNA pró-viral mediada pela transcriptase reversa. O HIV também pode infectar as células T quando transportado pelas células dendríticas da mucosa, ou mesmo através de outras células T. (55) Quando as células T se dividem, o DNA viral entra no núcleo e se integra ao genoma, podendo ficar latente ou ser transcrito e gerar novas partículas virais, que brotam da membrana da célula. A infecção e a replicação viral nas células infectadas são o principal mecanismo de lise das células CD4+. Há também uma perda seletiva do grupo de células T CD4+ de memória, levando o organismo a uma maior susceptibilidade a infecções comuns recorrentes. Além disso, existe também um déficit funcional (qualitativo) das células T CD4+, o que deprime ainda mais a imunidade celular, e aumenta a possibilidade de infecções por microrganismos intracelulares. A infecção dos macrófagos e, em menor extensão, dos monócitos sanguíneos, é extremamente importante na patogênese da infecção pelo HIV, principalmente por que tais 66 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA células se constituem em reservatórios de replicação viral, e também em veículos para a migração do HIV para outros tecidos, incluindo o sistema nervoso. Além da infecção dos linfócitos T CD4+, macrófagos, e células dendríticas, os linfócitos B também tem sua funcionalidade comprometida. Tais células são policlonalmente ativadas pelo estímulo de outras infecções, pelo próprio HIV, ou por citocinas dos macrófagos infectados. Apesar da presença de hipergamaglobulinemia e imunocomplexos circulantes, os anticorpos dos pacientes com SIDA não são plenamente eficientes. Isso prejudica a imunidade humoral, e aumenta a susceptibilidade a infecções por bactérias capsuladas, como, por exemplo, o S. pneumoniae e o H. influenzae. Além do sistema linfóide, o sistema nervoso é fortemente afetado pela infecção por HIV, com comprometimento principalmente das células microgliais e macrófagos. (1) Manifestações clínicas Três fases abrangem a história natural da infecção por HIV : a síndrome retroviral aguda, uma fase intermediária crônica, e a SIDA. O quadro de infecção aguda pelo HIV-1, que aparece 3 a 6 semanas após a infecção, apresenta-se na maioria das vezes apenas com sintomas transitórios, semelhantes ao resfriado comum, como dor de garganta, febre, perda de peso, fadiga e mialgias. Também pode ocorrer exantema, adenopatia cervical, diarréia e vômitos. Nessa fase, habitualmente não há anticorpos específicos anti-HIV-1 detectáveis. O diagnóstico, portanto, é baseado nos sintomas clínicos, na história da exposição, e em testes de laboratório confirmatórios específicos (detecção do RNA do HIV-1 ou do antígeno p24). (2) Geralmente, a partir do segundo mês após a infecção, uma resposta imune se estabelece, contém a carga viral e aumenta os níveis de T CD4+ para números próximos dos normais, sinalizando o término da fase aguda inicial. A maioria dos indivíduos infectados por HIV cursa com um longo período de latência (fase crônica da infecção), antes do aparecimento da SIDA. Nesse período, a maioria dos pacientes é assintomática ou apresenta linfadenopatia generalizada, podendo também apresentar infecções, (como herpes-zóster, candidíase), e trombocitopenia. Porém, a latência clínica não corresponde a um período de latência biológica viral. Há uma replicação viral contínua com contenção do vírus pelo sistema imune do hospedeiro. Tal fato reforça a importância dos marcadores de progressão da doença (a contagem de linfócitos TCD4+ no sangue) para a aplicação precoce da terapia antiretroviral. (71) Na fase final, o paciente apresenta tipicamente febre com duração maior que um mês, fadiga, perda de peso, diarréia, e após um período variável aparecem graves infecções oportunistas, neoplasmas secundários ou doenças neurológicas clínicas, caracterizando, então, o quadro franco de SIDA. A maior parte do número de óbitos em pacientes com SIDA é devido às infecções oportunistas. (1) O surgimento de terapias mais eficazes – inibidores de protease, terapia combinada – para o tratamento de indivíduos infectados pelo HIV, além de profilaxias primárias e secundárias para infecções associadas à imunodeficiência, tem reduzido de forma expressiva o surgimento das graves condições clínicas associadas à SIDA, assim como sua mortalidade específica em diversos países, como o Brasil. (37) São doenças indicativas de SIDA (Ministério da Saúde, 2003): 1. 2. 3. 4. Câncer cervical invasivo; Candidose de esôgfago; Candidose de traquéia, brônquios ou pulmões; Citomegalovirose em qualquer outro local que não sejam fígado, baço e linfonodos; como a retinite por citomegalovírus; 5. Criptococose extrapulmonar; 6. Criptosporidiose intestinal crônica (período superior a um mês); 7. Herpes simplex mucocutâneo (período superior a um mês); 8. Histoplasmose disseminada (localizada em quaisquer órgãos que não exclusivamente em pulmão ou linfonodos cervicais/ hilares); 9. Isosporidiose intestinal crônica (período superior a um mês); 10. Leucoencefalopatia multifocal progressiva (vírus JC, um poliomavírus); 11. Linfoma não-Hodgkin de células B (fenótipo imunológico desconhecido) e outros linfomas dos seguintes tipos histológicos: linfoma maligno de células grandes ou pequenas não clivadas (tipo Burkitt ou não-Burkitt) e linfoma maligno imunoblástico sem outra especificação (termos equivalentes: sarcoma imunoblástico, linfoma maligno de células grandes ou linfoma imunoblástico); 12. Linfoma primário do cérebro; 13. Pneumonia por Pneumocystis carinii; 14. Qualquer micobacteriose disseminada em órgãos outros que não sejam o pulmão, pele ou linfonodos cervicais/hilares (exceto tuberculose ou hanseníase); 15. Reativação de doença de Chagas (meningoencefalite e/ou miocardite); 16. Sepse recorrente por bactérias do gênero Salmonella (não tifóide); 17. Toxoplasma cerebral. Diagnóstico O diagnóstico precoce da infecção pelo HIV é feito a partir de testes sorológicos, regulamentados por meio da Portaria de Nº 59/GM/MS, de 28 de janeiro de 2003. (12) O tempo mínimo para a detecção de anticorpos anti-HIV na amostra de sangue do paciente, ou seja, o período correspondente ao término da janela imunológica, dura 3 a 12 semanas a partir da infecção. O principal teste diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV é o ELISA, utilizado amplamente como teste inicial, devido a sua alta sensibilidade. Quando o resultado for negativo ou inconclusivo, é necessário existir um segundo imunoensaio, com princípio metodológico e antígenos distintos. Os testes de imunofluorescência e Western Blot são confirmatórios da infecção, realizados após o imunoensaio. Existem, portanto, três etapas na triagem sorológica (Anexo 1). A pesquisa da soroconversão é feita com a coleta de uma segunda amostra, 30 dias após a emissão do resultado da primeira, e a repetição de todos os procedimentos descritos. Além disso, sempre que houver discordância entre o resultado da primeira e segunda amostra, deverá ser considerada a possibilidade de ter havido troca de material examinado, ou algum erro de procedimento. Crianças menores de 2 anos com o resultado do teste para detecção de anticorpos para HIV positivo, devem passar por testes complementares para a confirmação do diagnóstico, desde quando os anticorpos podem ter sido adquiridos através da mãe. (13) O diagnóstico de SIDA, em atenção básica, para indivíduos com mais de 13 anos, é feito com base em critérios, sendo o mais CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE conhecido o critério CDC (Center for Diseases Control, Estados Unidos) adaptado, que implica na existência de 2 testes de triagem reagentes, ou 1 teste confirmatório para detecção de anticorpos anti-HIV, somado ao diagnóstico de pelo menos uma doença indicativa de Aids, e/ou contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 350 células/mm³. São testes de triagem: várias gerações de ensaio por imunoabsorbância ligado à enzima -Enzyme Linked Immunosorbent Assay- ELISA; ensaio imunoenzimático -Enzyme Immuno Assay- EIA; ensaio imunoenzimático com micropartículas -Microparticle Enzyme Immuno Assay- MEIA; e ensaio imunoenzimático com quimioluminiscência. São testes confirmatórios: imunofluorescência indireta; imunoblot; Western Blot; teste de amplificação de ácidos nucléicos como, por exemplo, a reação em cadeia da polimerase -Polimerase Chain Reaction-PCR; e a amplificação seqüencial de ácidos nucléicos -Nucleic Acid Sequence Based Amplification- NASBA. Em crianças menores de 13 anos, o critério CDC adaptado exige evidência laboratorial da infecção pelo HIV, somado ao diagnóstico de pelo menos 2 doenças indicativas de SIDA de caráter leve, e/ou diagnóstico de pelo menos 1 doença indicativa de SIDA de caráter grave, e/ou contagem de linfócitos T CD4+ menor do que o esperado para a idade atual Brasil. (13) O quadro apresentado no anexo-2 demonstra a escala com a pontuação para cada sinal ou sintoma da doença. Tratamento O tratamento farmacológico atual para os portadores de SIDA consiste na terapia anti-retroviral (TAR) cujos objetivos visam, através da inibição da replicação viral, retardar a progressão da imunodeficiência, e restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, aumentando o tempo e a qualidade de vida da pessoa que vive com HIV ou SIDA. O início da terapia é recomendado para pacientes com manifestações clínicas associadas à infecção pelo HIV, independentemente da contagem de linfócitos T-CD4+ e da carga viral plasmática, e para aqueles com contagem de linfócitos TCD4+ abaixo de 200/mm3, independentemente da presença de sintomas ou da magnitude da carga viral. (15) Existem, até o momento, duas classes de drogas liberadas para o tratamento anti-HIV: Inibidores da transcriptase reversa São drogas que inibem a replicação do HIV por bloquear a ação da enzima transcriptase reversa que age convertendo o RNA viral em DNA: • Zidovudina (AZT) cápsulas 100 mg, ou injetável, frascoampola de 200 mg; • Zidovudina (AZT) solução oral, frasco de 2.000 mg/200 ml; • Lamivudina (3TC) comprimidos 150mg; • Estavudina (d4T) cápsula 30 e 40mg. Inibidores da protease Estas drogas agem no último estágio da formação do HIV, impedindo a ação da enzima protease que é fundamental para a clivagem das cadeias protéicas produzidas pelas células infectadas: • Indinavir cápsulas 400 mg; • Ritonavir cápsulas 100mg; • Saquinavir cápsulas 200mg; • Nelfinavir cápsulas de 250 mg; • Amprenavir cápsulas de 150 mg. 67 A terapia anti-retroviral é uma questão complexa, sujeita a constantes mudanças. Inúmeros estudos surgem a todo o momento, visando instituir guias práticos de tratamento para os pacientes infectados pelo HIV. (6) É recomendável que o paciente seja encaminhado a serviços de referencia para o tratamento da infecção pelo HIV/SIDA a fim de obter-se um atendimento especializado e multidisciplinar permanentemente atualizado. Também se deve estar atento para as especificidades que envolvem a profilaxia de eventos agravantes nos pacientes que convivem com o HIV e SIDA. Inúmeros estudos revelam fortes associações de SIDA com outras doenças que são passíveis de prevenção pelo uso das vacinas atualmente disponíveis. A idade, os riscos ocupacionais, o quadro clínico e outros fatores, devem ser levados em conta no momento da vacinação a fim de atender às necessidades específicas dos indivíduos infectados pelo HIV. INFECÇÕES GONOCÓCICAS Etiologia A infecção pela bactéria Neisseria gonorrhoeae é chamada blenorragia ou gonorréia. Caracteriza-se pelo comprometimento inflamatório no revestimento interno da uretra, podendo também envolver o cérvice uterino, o reto, a garganta, olhos, articulações, etc.. A infecção pode evoluir com bacteriemia, envolvendo articulações ou outros órgãos, através de disseminações metastáticas. (48, 53) O agente infeccioso, o diplococo N. gonorrhoea, bactéria intracelular, é habitualmente isolada em secreções a partir dos órgãos envolvidos, visualizado microscopicamente como bactérias gram-negativas, em disposição aos pares, ou aglomerados. (53) Epidemiologia A doença conhecida como blenorragia ou gonorréia é caracteristicamente disseminada através do contato sexual. As mulheres são habitualmente portadoras da infecção assintomática durante semanas ou meses, sendo detectadas geralmente quando os contatos sexuais são roteados. Nesse contexto, a bactéria é isolada comumente na orofaringe e no reto de homens homossexuais, e eventualmente na uretra de homens heterossexuais . (53) Manifestações Clínicas. O período de incubação nos homens geralmente dura entre 2 a 14 dias. O início dos sintomas comumente se dá com desconforto uretral, que se segue em algumas horas com disúria e corrimento purulento. Os sintomas agravam-se com o envolvimento crescente da uretra em sua extensão, exibindo um corrimento amarelo esverdeado espesso, e meato uretral com edema e hiperemia. (48) Já nas mulheres o período de incubação costuma durar entre 7 e 21 dias. Os sintomas geralmente são mais discretos, mas o envolvimento pode ser intenso, com disúria, polaciúria, e corrimento vaginal; o cérvice uterino e os órgãos do sistema reprodutivo interno podem ser acometidos. São manifestações comuns: o envolvimento das glândulas de Bartholin com formação de abcessos, e a ocorrência de salpingite (53) É comum o envolvimento do reto em mulheres e homens homossexuais, (como conseqüência da exposição através do coito anal), manifestando-se com dor retal ao defecar ou durante a prática sexual, e com corrimento retal purulento. Também o sexo orogenital pode resultar em envolvimento da orofaringe, 68 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA cursando a infecção de forma assintomática, ou com manifestações inflamatórias e dor à deglutição. (48,53) Diagnóstico Em aproximadamente 90% dos homens afetados pela doença, o diagnóstico pode ser rapidamente obtido pelo exame da secreção uretral com a coloração pelo Gram. Tal método tem sensibilidade de apenas 60% nos exames dos cérvices uterinos de mulheres doentes. Em ambos os sexos, a investigação de manifestações retais ou de orofaringe pode requerer cultura de secreções em meios seletivos contendo antimicrobianos como o meio de ThayerMartin, quando em sua maioria as colônias se torna visíveis entre 24 a 48 horas; isso porque, nesses casos, a simples coloração pelo Método de Gram de material purulento pode ser considerada pouco sensível e específica, devido à abundante microbiota endógena dos sítios de infecção. (53) Na investigação diagnóstica de pacientes com uretrites e cervicites, devem ser realizados testes genéticos para o RNA do gonococo, ao tempo em que se investiga a presença de clamídia, buscando a caracterização da possível infecção por ambos os agentes, já que essa co-morbidade é freqüente. Também nesse contexto, deve ser realizado de imediato e após três meses da abordagem diagnóstica inicial, o teste sorológico para sífilis, além do exame extensivo para a busca de outras infecções sexualmente transmissíveis. (10, 53) Como complicações do quadro infeccioso inicial, os homens podem desenvolver quadro de uretrite pós-gonocógica, que é geralmente conseqüência de uma infecção concomitante por clamídia. Esse último agente infeccioso apresenta habitualmente um período de incubação mais prolongado, e produz um quadro de corrimento uretral mais discreto e menos espesso, entre 7 a 14 dias após o término do tratamento da gonorréia com a administração de penicilinas ou cefalosporinas. Os homens podem desenvolver mais raramente quadros de epididimite, envolvimento infeccioso das vesículas seminais, prostatite, e mais raramente ainda, estreitamento uretral pós-inflamatório; nas mulheres, a salpingite é a complicação mais comum do envolvimento dos órgãos sexuais. (33,53) Ainda como complicações do envolvimento dos órgãos sexuais externos, pode haver disseminação bacteriana (mais comum em mulheres com infecções genitais que podem passar desapercebidas clinicamente, mas serem passíveis de comprovação com a realização de culturas). Tal situação pode resultar em envolvimento das articulações e alterações na pele. Mais raramente pode surgir quadro de pericardite, endocardite, meningite e perihepatite. (33,53) Tratamento Os casos de infecção uretral, do cérvice uterino, do reto e da faringe, são geralmente de fácil tratamento, sendo recomendado a dose única de 125 mg de Ceftriaxone por via intramuscular. São consideradas alternativas satisfatórias, todas em dose única, por via oral: -ciprofloxacino – 500mg; ofloxacino – 400mg; cefixime – 400mg; ampicilina – 3g. Se os pacientes têm problemas de alergias, gravidez ou outros, pode ser considerada a alternativa de uso de spectinomicina, em dose única de 2g por via intramuscular. (48, 49, 53) Sendo considerada a possibilidade de infecção concomitante por clamídia, pode ser acrescentada à terapêutica, por via oral: azitromicina – 1g por em dose única; doxiclina – 100mg duas vezes ao dia por 7 dias; eritromicina – 500mg quatro vezes ao dia, por 7 dias, (esta última alternativa considerada especialmente em caso de mulheres grávidas; evitar a forma de estolato). Em casos de infecções gonocócicas disseminadas, e em artrites gonocócicas, o tratamento é realizado preferencialmente com os pacientes internados em nível hospitalar, com antibióticos por via parenteral. Nesses casos, busca-se também tratar possível infecção concomitante por clamídia. (48, 49, 53) INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS CAUSADAS POR CLAMÍDIA, MICOPLASMA E UREAPLASMA Definições e Etiologia Os termos anteriormente usados para descrever os quadros infecciosos uretrais nos homens, nos cérvices uterinos, e na orofaringe e reto em ambos os sexos, de etiologia diferente da Neisseria gonorrhoeae, tais como uretrites não-gonocócicas, uretrites inespecíficas, infecções genitais inespecíficas, e cervicite mucopurulenta, mostraram-se inadequados, pois na maior parte das vezes os agentes etiológicos são identificados. (33) Estas entidades clinicas constituem o grupo de Infecções Sexualmente Transmissíveis mais freqüente nos Estados Unidos. Chlamydia trachomatis está envolvida como agente causal na maioria dos casos de uretrites e cervicites não-gonocócicas, seguida pelos microrganismos Mycoplasma genitalium e Ureaplasma urealyticum. Ainda assim, em alguns casos examinados, a etiologia permanece incerta, e isso é decorrente da baixa sensibilidade do método laboratorial utilizado. (33) Manifestações Clínicas Os homens geralmente desenvolvem a doença cerca de 7 a 28 dias depois da infecção. Os sintomas geralmente são desconforto urinário, e descarga uretral clara ou discretamente mucopurulenta. Mais raramente, o quadro clínico é mais explosivo, com disúria e corrimento uretral purulento e abundante, mimetizando um quadro de gonorréia. (10,33) Ainda quando o quadro de desconforto uretral é brando, costuma ser mais acentuado pela manhã, com disúria associada à estase de secreção no canal uretral. Pode haver edema e hiperemia no meato uretral. (10,33) Da mesma forma que na gonorréia, pode haver quadro de faringite e proctite, secundariamente ao contato sexual por via oral ou retal. As mulheres são habitualmente assintomáticas, porém podem apresentar disúria, corrimento vaginal, dor pélvica, dispareunia, polaciúria. Pode haver cervicite com exsudato purulento amarelado e ectopia cervical. (10) Diagnóstico Em homens infectados, o exame do esfregaço da secreção uretral, corado pelo Gram, costuma evidenciar muitos leucócitos polimorfonucleares, porém nenhuma bactéria patogênica. Em casos tão discretos que não exibam secreção uretral, pode ser útil o exame sumário de urina, que nesses casos geralmente evidencia elevação no número de leucócitos na análise do sedimento. Ou ainda, pode ser tentado o “swab” da secreção uretral pela manhã, quando há mais secreção em estase no canal uretral, para a pesquisa de inclusões desses agentes infecciosos. Em mulheres com secreção cervical purulenta, o exame do esfregaço demonstra muitos leucócitos polimorfonucleares, porém nenhum dos agentes desse tipo de infecção. Atualmente se busca o diagnóstico de infecção por clamídia através do exame de exsudatos por cultura, imunoensaio para CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE antígenos, ou provas genéticas. A detecção de micoplasma e ureaplasma se demonstra impraticável na atualidade. Deve ser rotina na investigação clínica a pesquisa de infecção concomitante por N. gonorrhoeae. (10,33) Podem ocorrer complicações crônicas no homem, como epididimite e Síndrome de Reiter (artrite com acometimentos nos olhos e pele, e uretrite recorrente não-infecciosa). Na mulher, pode haver artrite reativa, e a Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, em que a infecção do peritôneo peri-hepático por C. trachomatis ou mais raramente N. gonorrhoeae pode simular colecistite. Também a salpingite causada por C. trachomatis pode produzir dor pélvica crônica, gravidez ectópica e infertilidade. (10,33) Quando as infecções por clamídia não são adequadamente tratadas, os sintomas permanecem por até 4 semanas, em cerca de 60% a 70% dos pacientes. Tratamento As infecções não complicadas podem ser tratadas com azitromicina (1g em dose única por via oral), ou ainda os antibióticos seguintes, administrados durante 7 dias: ofloxacina, 300mg, duas vezes ao dia; tetraciclina, 500mg, quatro vezes ao dia; doxiclina, 100mg, duas vezes ao dia. Em pacientes cuja doença recrudesce após melhora clínica parcial, está indicado o tratamento prolongado, por até 21 a 28 dias. Em mulheres grávidas o esquema com tetraciclina pode ser substituído por eritromicina, 500mg quatro vezes ao dia, por pelo menos 07 dias (evitar a forma de estolato, devido a possibilidade de desencadeamento de colestase). Todos os pacientes devem ser aconselhados à abstinência sexual até que seus parceiros sejam examinados e adequadamente tratados. Os pacientes tratados devem ser reexaminados após 8 a 12 semanas, para que seja verificada a persistência ou recorrência de infecção. (33, 49) LINFOGRANULOMA VENÉREO Etiologia O Linfogranuloma venéreo (LGV) é causado pelas variantes sorológicas L1, L2 e L3 da C. trachomatis, que é uma bactéria obrigatoriamente intracelular. Essas variantes infectam predominantemente os monócitos e macrófagos, atravessam a superfície epitelial até os linfonodos regionais, e podem causar infecções disseminadas. (45) Epidemiologia O linfogranuloma venéreo é entidade clínica rara em países industrializados, porém é endêmica em partes da África, Ásia, América do Sul e Caribe. Sua epidemiologia é pouco definida, desde quando muitas vezes não pode ser distinguida com outras causas de ulceração genital com formação de bubões. Na atualidade tem sido observado o aumento da incidência de LGV. (21, 45) Aspectos Clínicos A evolução clínica do linfogranuloma venéreo pode ser dividida em três estágios: o estágio primário envolve o local de inoculação; o secundário envolve os linfonodos regionais e algumas vezes a região ano-retal; o estágio terciário, tardio, envolve as seqüelas, e comprometem os genitais e/ou o reto. (45) O estágio primário é observado após um período de incubação de 3 a 30 dias, e corresponde a uma pápula pequena e indolor, que pode ulcerar, surge no sítio de inoculação, geralmente o 69 prepúcio ou glande no homem, ou na vulva, parede vaginal, e ocasionalmente na cérvix feminina. Essa lesão é aulo-limitada, pode não ocorrer, ou passar desapercebida pelo paciente. (21, 45) O estágio secundário ocorre algumas semanas após a lesão primária, principalmente envolvendo os linfonodos inguinais, ou o ânus e reto. As formas inguinais são mais comuns no homem, pois a drenagem linfática da vagina e cérvix ocorrem mais freqüentemente para os linfonodos retroperitoniais do que para os inguinais. A proctite devido ao linfogranuloma venéreo é mais comum na mulher e em homens que praticam o coito anal receptivo, o que é atribuído à inoculação direta (10, 45, 49) A manifestação clínica mais proeminente é linfadenomegalia dolorosa, inguinal ou femoral, que é geralmente unilateral. Os linfonodos aumentados são habitualmente firmes, e a biópsia costuma revelar pequenas áreas de necrose envolvidas por células endoteliais e epitelióides. Estas áreas de necrose podem aumentar e formar os abscessos estrelados, os quais podem coalescer e romper para formar canais de descarga. (10, 45, 49) Se ocorre inoculação extragenital, pode surgir linfadenopatia fora da região inguinal, como na região cervical após inoculação secundária à prática do sexo oral. Muitos dos pacientes afetados apresentam mal-estar sistêmico, com febre, mialgias, e cefaléia. O envolvimento ano-retal, predominando em mulheres e homens homossexuais que praticam o coito anal receptivo, pode apresentar-se com uma proctite hemorrágica. Os pacientes podem cursar com dor retal e sangramento, freqüentemente associados a calafrios, febre e perda de peso (10, 45, 49) No estágio terciário, as lesões inflamatórias crônicas podem causar cicatrizações, obstruções linfáticas, elefantíase da genitália em ambos os sexos, e envolvimento retal com estenoses e fístulas. Essas lesões são mais comuns nas mulheres, podendo levar a destruições amplas da genitália externa (10, 45, 49) Diagnóstico A apresentação clínica é fundamental, podendo apresentarse como uma úlcera genital, ou como uma linfadenopatia inguinal geralmente dolorosa, sem evidência de ulceração genital. O diagnóstico diferencial deve ser feito com a infecção pelo vírus do herpes simples humano, sífilis, cancróide, e donovanose (10, 45, 49) O teste de Fixação do Complemento tem sido usado por muitos anos para diagnosticar a Infecção por clamídia. Outros métodos em estudo utilizando imunofluorescência e ensaios de amplificação de DNA, ainda não foram suficientemente avaliados para a detecção do linfogranuloma venéreo, portanto o diagnóstico do LGV é basicamente clínico. (10, 45, 49) Tratamento O tratamento recomendado para as formas bubônicas e anogenital é o uso de tetraciclina (500mg quatro vezes ao dia, diariamente, por 14 dias), ou doxiclina (100mg duas vezes ao dia, diariamente, por 14 dias). Em mulheres grávidas, em que o uso de tetraciclina é contra-indicado, pode ser usada eritromicina na dosagem de 500mg, quatro vezes ao dia, por 14 dias (evitar a forma de estolato, durante a gravidez e em portadores de hepatopatias)(10, 45, 49). CANCRÓIDE Aspectos etiológicos e epidemiologicos O Haemophilus ducreyi, bactéria gram-negativa, é o agente etiológico do cancróide, doença sexualmente transmissível 70 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA ulcerante que aumenta o risco de transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). (43, 60) H. ducreyi é um microrganismo biologicamente vulnerável; hábitos de higiene simples, aliados à circuncisão masculina desempenha papel importante na redução da infecção, ao tempo em que várias classes de antibióticos (alguns desses administrados mesmo em dose única), propicia cura rápida.. (43, 60) H. ducreyi depende de elevada freqüência de mudança de parceiros sexuais para sua sobrevivência, prevalecendo em ambientes caracterizados por elevada mobilidade populacional e intensa atividade de comércio sexual. (43, 60, 67) Manifestações clínicas Acredita-se que o processo infeccioso produzido pelo H ducreyi é iniciado no interior da pele da região genital, devido à formação de micro-abrasões durante o ato sexual. Após aproximadamente 4 a 7 dias, surge uma pápula eritematosa que alguns dias após evolui para o estágio pustular. As pústulas freqüentemente se rompem após 2 a 3 dias, formando lesões ulceradas dolorosas com base granulomatosa e exsudato purulento. As bordas da úlcera são geralmente irregulares e sua base é escavada. Na ausência da antibioticoterapia, a evolução natural da úlcera pode durar várias semanas até a plena resolução. Cancróide é mais freqüente em homens que em mulheres. As lesões ocorrem mais freqüentemente no prepúcio e frênulo nos homens, e na vulva, cérvice, e área perianal nas mulheres. As localizações extra-genitais são raras, ocorrendo na região interna das coxas, seios, e dedos. A linfadenopatia inguinal amolecida e dolorosa tipicamente ocorre em cerca de 50% dos casos, e os linfonodos aumentados podem evoluir para a forma de bubões. Geralmente a linfadenopatia é unilateral, sendo mais freqüente nos homens. Se não sofrem intervenção, os bubões podem flutuar e apresentar drenagem espontânea. (43, 60, 67) Diagnóstico No passado, o diagnóstico clínico e a cultura em laboratório foram utilizados como “padrão ouro” para o diagnóstico de cancróide. Com a evolução da tecnologia, os testes de amplificação de DNA demonstraram que ambos são medições imprecisas da verdadeira prevalência de H. ducreyi entre pacientes com doença genital ulcerada. Os achados de exame físico têm uma sensibilidade e especificidade baixa para diagnosticar a sífilis primária, cancróide e o herpes genital, mesmo em áreas onde essas doenças são comuns, e os médicos são experientes no diagnóstico de doenças genitais com úlceras. A sensibilidade da cultura do H. ducreyi comparativamente a reação à cadeia de polimerase múltipla (M-PCR), é de aproximadamente 75%. A coloração pelo Gram do material da úlcera não deve ser considerada como um meio importante de diagnóstico do cancróide, devido à pobre sensibilidade e especificidade desse exame. Com o avanço da tecnologia, a técnica de PCR se tornou o método mais sensível para o diagnóstico de cancróide (em torno de 100%). (43, 60, 67) Tratamento O tratamento pode ser feito com: eritromicina, 500mg por via oral, quatro vezes ao dia, durante sete dias; azitromicina, 1g por via oral, em dose única; ceftriaxona, 250mg em injeção intramuscular, dose única; ou ciprofloxacina, 500mg duas vezes ao dia, por via oral, durante 3 dias. A Organização Mundial da Saúde recomenda uma dose única de ciprofloxacina – 500mg, por via oral, enquanto o CDC (Center for Diseases Control and Prevention, nos Estados Unidos) recomenda 500mg duas vezes ao dia, por 3 dias. Em mulheres grávidas, esse antibiótico deve ser substituído por eritromicina ou ceftriaxona. O tratamento específico dos bubões deve ser considerado, com incisão ou drenagem, para aliviar o sofrimento dos pacientes, evitando sua drenagem espontânea. (43, 60, 67) SÍFILIS Etiologia Dentro da ordem Spirochaetales, família Spirochaetaceae, e gênero Treponema, que inclui quatro patógenos humanos, encontra-se o microrganismo causador da Sífilis, o Treponema pallidum, que foi denominado Treponema (devido ao seu aspecto de filamento retorcido) e pallidum devido à sua coloração pálida. (34, 63) Epidemiologia A forma mais essencial de transmissão da doença é através do contato sexual, seguida da transmissão vertical de mãe a filho, por via placentária. A maioria dos neonatos com sífilis congênita é infectada ainda no útero, porém o recém-nascido pode também ser infectado através do contato com lesões genitais ativas no momento do parto. (34, 63) O risco de transmissão através do sangue é hoje desprezível, devido a seleção de doadores, padronização de testes sorológicos, e preferência de uso dos componentes do sangue refrigerado ao invés do sangue fresco. Entretanto a transfusão de sangue ou hemoderivados contaminados é teoricamente possível, desde quando os microrganismos podem sobreviver cerca de 5 dias no sangue refrigerado. (63) A mais recente epidemia foi relatada em 1990, nos Estados Unidos, com casos de sífilis primária e secundária relatados em cerca de 20 por 100.000 pessoas, um aumento de 59% desde 1985. Embora nenhum fator individual possa explicar essa tendência, um fator contributório importante pode ter sido o uso de cocaína e o comércio de drogas ilícitas para o sexo.(54, 63, 73) Nos Estados Unidos, existem diferenças relatadas quanto a raça, sendo que indivíduos afro-americanos e hispânicos têm maiores prevalências de sororreatividade para sífilis. Fatores de risco identificados para esses grupos podem ser a idade mais precoce, instabilidade geográfica, e pobreza, além de acesso deficiente aos serviços de saúde. (63) Quanto à diferença entre gêneros, a relação de maior freqüência entre homens do que mulheres, que ocorria no passado, modificou-se tanto que nos dias de hoje essa proporção é de aproximadamente 1:1. Alguns estudos têm demonstrado que os homens têm uma freqüência maior de sífilis primária, enquanto mulheres têm com maior freqüência a sífilis secundária. Possivelmente, tal situação deve-se ao fato de que as mulheres se apercebem menos freqüentemente das lesões primárias, por serem internas, enquanto os homens têm menores taxas de sífilis secundária devido aos altos índices de diagnóstico e tratamento dos casos primários. (34, 63) A Organização Mundial da Saúde estimou que em 1995 havia 12 milhões de novos casos de sífilis em adultos em todo o mundo. O maior número de casos foi atribuído ao Sul e Sudeste da Ásia, com 5,8 milhões de casos, e 3,5 milhões de casos na África SubSaariana. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Patogênese e Patologia O T. pallidum penetra através de pequenas lesões na pele. Estudos em animais têm demonstrado que os microrganismos aparecem dentro de minutos nos linfonodos e disseminam-se dentro de horas. A invasividade parece ser um aspecto crítico para a virulência do T. pallidum, como é demonstrado pela sua habilidade em penetrar as células endoteliais de monocamadas e as membranas intactas. Os achados patológicos de todos os estágios da sífilis são caracterizados por envolvimento vascular, com endarterite e periarterite, e no estado gomatoso por inflamação granulomatosa. A superfície da úlcera é recoberta por um exsudato consistindo em fibrina, fragmentos de tecidos necróticos, e leucócitos polimorfonucleares. A coloração pela prata invariavelmente demonstra a presença de espiroquetas, principalmente na junção derme-epiderme na área perivascular. Nas lesões secundárias, o infiltrado pode se tornar granulomatoso. Nos aneurismas sifilíticos demonstra-se invasão da aorta por espiroquetas. Um exsudato inflamatório de linfócitos e células plasmáticas se formam ao redor do vasa vasorum da adventícia, e é seguido por endarterite obliterativa dos vasos nutridores. Em casos mais tardios, ocorre a formação de gomas e cicatrizes teciduais. (34, 63) Manifestações Clínicas Estudos demonstraram que cerca de 15% a 40% dos pacientes não-tratados desenvolvem complicações tardias da doença, tais como alterações cardiovasculares e neurosífilis. Se a infecção materna ocorre precocemente durante a gravidez, a incidência de natimortalidade é em torno de 25%, a de morte neonatal em cerca de 14%, recém-nascidos infectados em torno de 41%, e não-infectados cerca de 20%. Esses últimos dados estão em contraste com os apresentados quando a infecção materna ocorre tardiamente durante a gravidez: 12% de natimortalidade, 8% de morte neonatal, 2% de recém-nascidos infectados, e 77% de não infectados. (34, 63) As diversas manifestações clínicas da sífilis podem ser divididas em estágios, com características temporais e de envolvimento orgânico diferentes. Sífilis primária O período de incubação varia de 3 a 90 dias. A lesão clássica dessa fase da doença é uma úlcera indurada, única, indolor, com uma base limpa. Essa apresentação clássica, entretanto, tem manifestações variadas, com uma sensibilidade de cerca de 31% (tornando o diagnóstico clínico não totalmente confiável), porém uma especificidade de 98%. O tamanho da úlcera varia de 0,3 a 3,0cm; as bordas geralmente são bem delimitadas. O cancro duro ocorre no sítio de inoculação. Nos homens, o local mais afetado é o pênis, no sulco coronal, ou na glande. Os cancros anorretais são comuns em homens homossexuais. Em mulheres, as localizações mais comuns, em ordem decrescente de freqüência, são: grandes lábios, pequenos lábios, fúrcula, e períneo. Lesões extragenitais ocorrem infreqüentemente, e quando presentes, em cerca de 70% das ocorrências envolve a boca, e aproximadamente 20% destas lesões são localizados nos lábios(63). Sífilis secundária Não existe uma demarcação nítida entre a sífilis primária e a forma clínica secundária. Cerca de 1/3 dos pacientes ainda se apresentam com o cancro duro no período de manifestação da 71 sífilis secundária. Ou então, a lesão primária pode desaparecer cerca de 8 semanas antes do surgimento de sinais constitucionais ou cutâneos. Porém, vale ressaltar, aproximadamente 60% dos pacientes não se recordam de lesão de qualquer tipo. As lesões secundárias costumam ser sutis e podem passar desapercebidas ou ainda confundidas com outras doenças dermatológicas. As lesões variam entre máculas, máculo-pápulas, ou pústulas. Têm distribuição universal e as regiões palmares e plantares costumam ser freqüentemente envolvidas. O prurido pode estar presente, embora seja manifestação incomum. Mesmo em pacientes nãotratados, as lesões costumam resolver-se em algumas semanas, com cicatrizações residuais, hiper ou hipopigmentação, embora a maioria não desenvolva a formação de cicatrizes. As membranas mucosas podem ser envolvidas, principalmente a língua, mucosa bucal e lábios. As lesões variam entre 5 e 10mm e são usualmente pouco elevadas e indolores com uma erosão central coberta por uma fina membrana. Lesões mucosas genitais são mais freqüentes em mulheres, variando entre máculas, pápulas, ulcerações, e condilomas. Ainda que as lesões sejam evanescentes e desapareçam dentro de horas a alguns dias, costumam durar 2 a 3 semanas. ( 34, 63) Os sintomas sistêmicos, geralmente discretos, podem ser mal-estar e prostração, cefaléia, febre baixa, náusea, anorexia, vômitos. Em cerca de 70% a 85% dos pacientes ocorre linfadenopatia indolor, habitualmente nas regiões suboccipital, cervical, auricular posterior, e epitrocleares. Ainda que pouco freqüente, podem ocorrer manifestações de envolvimento inflamatório ocular, estomacal, hepático. O envolvimento renal, embora raro, é bem descrito, variando desde proteinúria, síndrome nefrótica, síndrome nefrítica aguda, glomerulonefrite rapidamente progressiva, e insuficiência renal. Sífilis latente (ou assintomática) Corresponde ao período que transcorre entre o desaparecimento das manifestações secundárias, até a ocorrência da cura terapêutica ou o surgimento das lesões terciárias. ( 34, 63) Sífilis terciária A sífilis cardiovascular hoje é considerada manifestação rara da doença. A aortite sifilítica é a manifestação mais comum dessa entidade, envolvendo a aorta ascendente. A complicação mais comum desse envolvimento é a insuficiência aórtica; em 20% desses pacientes, ocorre estenose do óstio coronariano, sendo angina do peito uma manifestação comum. A formação de aneurisma é a complicação menos comum da aortite, sendo sintomática em 5 a 10% dos pacientes. (63) A neurosífilis assintomática é definida como a presença de alterações no líquido cérebro-espinhal na ausência de sinais ou sintomas neurológicos. Precocemente, podem ocorrer sintomas de meningite asséptica, dentro dos primeiros 6 meses da infecção, ou à época das manifestações cutâneas. Os sinais clínicos compreendem: cefaléia, confusão mental, náuseas e vômitos, e rigidez de nuca, sem febre. Os nervos cranianos mais envolvidos são o facial e auditivo. Cerca de 10% dos pacientes com neurosífilis cursam com sífilis meningovascular, com o pico de ocorrência entre 4 a 7 anos da infecção primária. A síndrome é de uma encefalite difusa, com pródromos de cefaléia, alterações de personalidade, labilidade emocional, evoluindo até convulsões, alteração do nível de consciência, e achados de localização neurológica a depender do sítio envolvido. A tabes dorsalis é manifestação de envolvimento das estruturas pupilomotoras e raízes dorsais 72 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA medulares e da coluna, cursando com parestesias, alterações pupilares, arreflexia, evoluindo com ataxia sensorial e quadro álgico envolvendo as extremidades inferiores. (63) Sífilis congênita A sífilis não tratada pode comprometer profundamente a evolução da gravidez, resultando em aborto espontâneo, natimortalidade, parto prematuro, ou morte perinatal. Os neonatos infectados podem ser assintomáticos, ou terem achados sutis de envolvimento sistêmico de múltiplos órgãos. Pode haver evolução ao longo do tempo com rinite e descarga purulenta com rajas de sangue, hepatomegalia com ou sem esplenomegalia, linfadenopatia generalizada, alterações do líquido cérebro-espinhal, osteocondrite e osteomielite, surdez, retardo mental, hidrocefalia. (63, 74) Diagnóstico Baseia-se nos achados clínicos e laboratoriais. Na fase primária, o principal esteio do diagnóstico laboratorial é a microscopia em campo escuro, ou o teste direto de anticorpo fluorescente para T. Pallidum, falhando entretanto esses métodos em distinguir esse agente de outras espécies patogênicas de Treponema. (63) Os testes sorológicos permanecem como o principal suporte do diagnóstico laboratorial para as fases secundária, latente e terciária da sífilis. Os testes sorológicos são divididos em nãotreponêmicos e treponêmicos, sendo que nenhum desses é por si suficiente para o estabelecimento do diagnóstico. Os testes não-treponêmicos são mais úteis para o “screening”, e os treponêmicos para a confirmação do diagnóstico. Os testes não-treponêmicos incluem o “Venereal Disease Research Laboratory” (VDRL), e o “Rapid Plasma Reagin” (RPR) “test card”, ambos modificações da Reação de Wassermann original. Embora esses testes sejam amplamente disponíveis e relativamente baratos, são limitados pela falta de sensibilidade em estágios precoces e tardios da sífilis, e por reações falsopositivas. Essas reações falso-positivas são associadas com a idade avançada, gravidez, droga-adição, doenças malignas, doenças auto-imunes, e doenças virais (particularmente Vírus Epstein-Barr e Vírus da Hepatite), infecções por protozoários e por micoplasma. (24, 63) Os testes treponêmicos incluem o Teste de Absorção de Anticorpos Treponêmicos Fluorescentes (FTA-abs), e o teste de Microhemaglutinação para T. Pallidum (MHA-TP). Esses testes tem maior sensibilidade e especificidade que os testes não-trepônemicos, e são usados como confirmatórios para Sífilis após um teste não-trepônemico reativo ter sido relatado, e para afastar a falso-positividade em teste não-treponêmico. Resultados falso-positivos em FTA-abs e MHA-TP são raros, mas tem sido encontrados em associação com doença mista do tecido conjuntivo e doenças auto-imunes, infecções virais e gravidez. (24, 63) Tratamento Na sífilis primária, secundária e latente precoce (menos de 1 ano após a manifestação primária), o tratamento de escolha é penicilina benzatina G, 2,4 milhões de unidades, em injeção intramuscular, em uma única dose. Em crianças, a dose de penicilina benzatina G é de 50.000U/Kg, em injeção intramuscular, não ultrapassando o máximo de 2,4 milhões de unidades. (10, 63) As alternativas para os pacientes alérgicos às penicilinas são: doxiclina, 100mg por via oral, duas vezes ao dia, por 14 dias; ou tetraciclina, 500mg por via oral, quatro vezes ao dia, por 14 dias; ou eritromicina, 40mg/Kg/dia (máximo de 500mg/dose), por via oral, em doses divididas, por 14 dias; ou ainda Ceftriaxone, 1grama, em injeção intramuscular, diariamente por 8 a 10 dias. Na sífilis latente tardia (mais do que 1 ano após a manifestação primária), ou sífilis latente de duração indeterminada, o tratamento de escolha é penicilina benzatina G, 7,2 milhões de unidades por via intramuscular, administradas em 3 doses de 2,4 milhões de unidades cada, com intervalos de 1 semana. Crianças tem a dosagem de 150.000 U/Kg, por via intramuscular, até o máximo de 7,2 milhões de unidades, divididas e administradas em 3 doses iguais com intervalos de 1 semana. Pacientes alérgicos a penicilina podem receber: doxiclina, 100mg por via oral, duas vezes ao dia, por 4 semanas, ou tetraciclina, 500mg por via oral, quatro vezes ao dia, por quatro semanas. (63) Na sífilis tardia (goma, ou sífilis cardiovascular, sem afecção neurológica), o tratamento de escolha é também a penicilina benzatina G, 7,2 milhões de unidades por via intramuscular, administradas como 3 doses de 2,4 milhões de unidades cada, com intervalos de 1 semana. Pacientes alérgicos a penicilina, podem receber doxiclina, 100mg por via oral, duas vezes ao dia, por 4 semanas, ou tetraciclina, 500mg por vias oral, quatro vezes ao dia, por 4 semanas. Na neurosífilis, incluindo doença sifilítica ocular, o tratamento de escolha é: penicilina cristalina g aquosa, 18 a 24 milhões de unidades diariamente, administradas como 3 a 4 milhões de unidades iv a cada 4 horas por 10 a 14 dias. (63) Na sífilis congênita (crianças menores do que 1 mês) a medicação de escolha é penicilina cristalina G aquosa, 100.000 a 150.000 U/Kg/dia, administrada como doses de 50.000U/Kg/dose intravenosamente, cada 12 horas durante os primeiros 7 dias de vida e a cada 8 horas a partir de então, por um total de 10 dias. Na sífilis congênita (crianças maiores do que 1 mês), a medicação de escolha é penicilina cristalina G aquosa, 200.000 a 300.000 Unidades/Kg/dia, administrada intravenosamente como 50.000 U/Kg a cada 4 a 6 horas, durante 10 dias. (63, 74) INFECÇÕES PELO HTLV Definições e Etiologia O vírus linfotrópico das células T humanas (HTLV) pertence à família Retroviridae e a subfamília Oncovirinae. Existem basicamente dois tipos de HTLV, HTLV-I e HTLV-II, que compartilham aproximadamente 60% de semelhança. (59) Existem duas doenças que estão claramente associadas com a soropositividade para o HTLV-I, quais sejam: a leucemia de células T (ATL), e uma doença neurológica, mielopatia cronica progressiva desmielinizante e inflamatoria, conhecida como paraparesia espástica tropical ou mielopatia associada ao HTLVI (HAM/TSP); manifestações dermatológicas são comuns em ambas as doenças. Outras doenças têm sido associadas com o HTLV-I, por exemplo: a polimiosite, a poliartrite, a uveíte, e condições dermatológicas. De um modo geral, ser portador de HTLV-I implica em um risco de cerca de 2% a 5% de desenvolvimento de doença ao longo da vida. (23, 35) O HTLV-II, porém, não tem sido associado etiologicamente com clareza com qualquer doença, sendo provavelmente incerta sua participação em doenças linfoproliferativas e neurológicas.(23, 27, 35, 76) Aspectos Epidemiológicos Em todo o mundo, o HTLV infecta cerca de 15 a 20 milhões de pessoas, seja através da transmissão por via sexual, vertical CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE (mulher/criança), e parenteral (uso de drogas injetáveis e transfusão de sangue e seus derivados). (27) A infecção pelo HTLV é endêmica no sudoeste do Japão, na Bacia Caribenha, Melanésia, e em algumas partes da África. Em alguns locais em que a infecção pelo HTLV-I é endêmica, a prevalência de soropositividade chega a 15% da população geral. As taxas de soro-prevalências aumentam com a idade, sendo mais elevadas entre as mulheres. (35) Nos Estados Unidos a taxa média de soroprevalência para HTLV-I/II entre doadores de sangue voluntários é em torno de 0,016%. No Brasil, a maior freqüência de soropositividade foi encontrada em Salvador, com uma taxa cerca de quatro vezes maior que a encontrada na cidade de São Paulo. (59) A transmissão do HTLV se dá através da comunicação vertical da mãe para o filho (principalmente através da amamentação), pela relação sexual, através da transfusão do sangue contaminado, e pelo compartilhamento de agulhas contaminadas (usuários de drogas injetáveis). (56) A transmissão por via sexual parece ser mais eficiente do homem para a mulher do que da mulher para o homem. Nos Estados Unidos, aproximadamente 25% a 30% dos parceiros sexuais de doadores soro-positivos são também soro-positivos. A transmissão de HTLV pela transfusão de sangue e seus produtos acontece com a transfusão de produtos celulares (sangue total, concentrado de hemácias, e plaquetas), mas não com o plasma ou derivados de plasma de doador infectado pelo HTLV-I. A probabilidade de infecção através da transfusão de sangue total ou células vermelhas estocadas parece diminuir com a duração do armazenamento do produto, possivelmente associado à depleção de linfócitos T. (23) Devido ao elevado risco de transmissão através da transfusão de sangue, os Estados Unidos iniciaram a triagem de doadores para HTLV-I em 1988, e para HTLV-II em 1997, através de ensaios imunoenzimáticos (EIA). Esses ensaios tem alta especificidade e sensibilidade para HTLV-I/II, e tem alta efetividade em prevenir a transmissão de HTLV través do sangue e seus componentes. Embora o teste de “screening”, imunoensaio enzimático (EIA) seja mandatório, o Ministério da Saúde do Brasil não requer testes confirmatórios para os hemocentros. (23) Existe uma recomendação de que doadores soro-positivos de acordo com o Imunoensaio Enzimático sejam encaminhados para os serviços de referências, onde possam ser realizados testes confirmatórios, e, caso se aplique, aconselhamento. Ainda no Brasil, não há comunicação compulsória de doenças associadas ao HTLV-I/II; conseqüentemente não existem dados nacionais sobre suas ocorrências, a serem, utilizados pelos profissionais de saúde e serviços de vigilância epidemiológica.(23) Conforme dados relativos a doações de sangue, e em estudos baseados em população no Estado da Bahia (Região Nordeste), existe uma estimativa de que o Brasil pode ter o maior número absoluto de indivíduos soropositivos no mundo, aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. (23) No ano de 2000, o Capítulo de HTLV da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), recomendou um estudo descritivo amplo nacional sobre a soro-prevalência de HTLV-I/II entre indivíduos doadores de sangue em uma rede de hemocentros públicos no país. Esta rede, conhecida como Rede Pública de Hemocentros, tem serviços nos 26 Estados e no Distrito Federal. Esse estudo mostrou que a soro-prevalência variou amplamente como 0,4:1000 em Florianópolis, Estado de Santa 73 Catarina, até uma freqüência 25 vezes maior, como 10:1000, em São Luis, Estado do Maranhão. As taxas de soro-positividade foram menores nas capitais dos Estados da Região Sul, tendendo a aumentar em direção às Regiões Nordeste e Norte, sendo que as causas dessa heterogeneidade podem ser múltiplas, necessitando maiores estudos para seu esclarecimento. (23) Manifestações Clínicas O quadro de ATL (leucemia de células T), corresponde a uma condição de malignidade de linfócitos T CD4+ infectados pelo HTLV-I. Um amplo espectro de apresentações compreende desde a fase aguda, crônica, linfomatosa e leve. A fase aguda corresponde a infiltração de linfonodos, vísceras e pele com células malignas, que resulta em uma variedade de características clinicas. Pode ocorrer hipercalcemia, lesões líticas nos ossos, e alterações das enzimas hepáticas. Nesses casos, a sobrevida média é de 11 meses a partir do diagnóstico. A ATL costuma afetar cerca de 2% a 4% das pessoas soro-positivas para HTLVI em regiões endêmicas, especialmente indivíduos entre 50 e 60 anos de idade, sugerindo um período de latência de algumas décadas. (45, 47, 69, 70) O quadro de HAM/TSP (paraparesia espástica tropical), é caracterizado por fraqueza progressiva dos membros inferiores, hiperreflexia, hiperreatividade, incontinência urinaria, e alterações sensoriais. Como diagnóstico diferencial com a esclerose múltipla, verifica-se que na HAM/TSP, o quadro neurológico é evolutivamente progressivo, e não há alteração cognitiva, nem envolvimento dos nervos cranianos. Geralmente são encontrados anticorpos anti HTLV-I no líquido cerebroespinhal. O quadro de HAM/TSP desenvolve-se em cerca de 1% das pessoas que são soro-reativas para o HTLV-I. As mulheres são mais afetadas que os homens. Parece haver benefício com o uso de um andrógeno sintético, corticosteróide, e mais recentemente do interferon-2-alfa. O período de latência para HAM/TSP parece ser mais curto que para o quadro de ATL; quando associados a transfusão de sangue, é geralmente em média de 3,3 anos após o uso do produto contaminado. (38) Diagnóstico O diagnóstico da doença neurológica baseia-se no quadro clínico característico, e nos exames laboratoriais. A contagem de células no líquido cérebro-espinhal está anormal em menos da metade dos casos, porém a dosagem de proteínas e especificamente das imunoglobulinas está freqüentemente alterada. O teste sorológico deve comprovar a presença de anticorpos anti-HTLV-I. O diagnóstico deve ser confirmado pela reação da cadeia de polimerase para HTLV-I. (50) A suspeita de leucemia de células T deve sugerir ao clínico geral o encaminhamento imediato ao Hematologista/ Oncologista, para a abordagem especializada essencial. Tratamento O quadro de paraparesia espástica tem tratamento sintomático. Tem sido tentada a toxina botulínica para o alívio da espasticidade, com pouco sucesso. Também tem sido experimentado o uso de corticosteróide e danazol, porém há necessidade de realização de estudos controlados para confirmação do seu benefício. O quadro de leucemia de células T deve ter o estadiamento clínico e planejamento terapêutico estabelecido pelas especialidades de Hematologia/Oncologia, o que escapa aos objetivos desse capítulo. 74 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA INFECÇÕES PELO VÍRUS DO HERPES SIMPLES HUMANO A infecção pelo Vírus do Herpes Simples Humano é duradoura, acompanha o paciente usualmente durante toda a sua vida, com episódios recorrentes, e não é passível de cura. O preditor mais forte de infecção para uma determinada pessoa é o número de parceiros sexuais ao longo da sua vida. (4,7) Etiologia O Vírus do Herpes Simples Humano (HSV) é um DNA Vírus cujos únicos hospedeiros conhecidos são os seres humanos. Existem dois tipos de HSV, HSV-1 e HSV-2, que são distinguidos através das diferenças antigênicas em seus envelopes protéicos. O HSV-1 é geralmente associado com infecções orais, enquanto o HSV-2 é geralmente causador de infecções genitais, ainda que cada um deles pode infectar um determinado indivíduo em qualquer lugar da pele. (4,7) Epidemiologia Nos Estados Unidos existem pelo menos 50 milhões de pessoas infectadas pelo HSV, e é estimada a incidência de aproximadamente 500 mil a 700 mil novos casos de infecções genitais sintomáticas pelo HSV a cada ano. Há uma preocupante associação entre o Vírus da Inunodeficiência Humana (HIV) e o Vírus do Herpes Simples Humano, desde quando uma interação entre o HSV-2 e o HIV-1 pode resultar numa transmissão mais eficiente do HIV-1, e em um aumento na taxa de replicação do HIV durante o surto de reativação da infecção pelo HSV. (3, 5, 7, 19, 51) O Vírus do Herpes Simples Humano tipo 2 – (HSV-2) é a causa mais comum de úlceras genitais nos países industrializados. Inquéritos sorológicos para anticorpos tipoespecíficos têm demonstrado o aumento de cerca de 30% na prevalência de infecções por HSV-2 ao longo das últimas duas décadas. Atualmente, a prevalência de HSV-2 é maior que 20% entre adultos nos Estados Unidos. O recente trabalho National Health and Nutrition Study (NHANES III), entre pessoas brancas, demonstrou que 15% dos homens e 20% das mulheres foram HSV-2 soro-positivos. Nesse mesmo estudo, entre pessoas negras, 35% dos homens e 55% das mulheres foram HSV-2 soropositivos. A soro-prevalência para HSV-2 pode ser tão elevada como 50% entre mulheres que recorrem a clínicas para IST, tanto nos Estados Unidos, Reino Unido ou Austrália. Entre 60 e 90% das mulheres profissionais do sexo em todo o mundo tem anticorpos para o HSV-2. (3, 5, 7, 19) Existem preocupantes mudanças recentes na incidência do HSV-2. Enquanto estudos de incidêndia de HSV-2 sugerem que a maioria das infecções são adquiridas na terceira década de vida, estudos de soro-prevalência recentes indicam o preocupante deslocamento em direção à aquisição mais precoce do HSV-2. Por exemplo, entre adolescentes, a prevalência de HSV-2 é em torno de 5% (4,5% entre os brancos e 9% entre os negros). Inquéritos sorológicos de amostras de indivíduos jovens, colegiais, revelam uma prevalência semelhante de HSV2 (1 a 9%), com elevada taxa de soroconversão anual. Mais preocupante, a prevalência de HSV-2 tem quintuplicado em adolescentes brancos, e tem dobrado entre adultos jovens por volta da segunda década de vida ao longo das últimas duas décadas. (4,7,19) A maioria dos surtos de herpes genital recorrente é causada por HSV-2. Entretanto, é importante registrar a crescente proporção de primeiros episódios são causados por HSV-1. Em Seattle (EUA) e áreas do Reino Unido, esta proporção é 30% ou maior. Enquanto infecções genitais primárias por HSV-1 são clinicamente indistinguíveis dos episódios primários causados por HSV-2, a taxa de recorrência de infecções por HSV-1 parece ser menor. (4, 5, 7, 19, 42, 61) Manifestações Clínicas. O Vírus do Herpes Simples Humano infecta a pessoa atravessando a pele ou membrana mucosa, através de contato sexual direto com as secreções ou superfícies mucosas de uma pessoa infectada. O vírus se multiplica na camada epitelial e então ascende ao longo das raízes nervosas sensoriais até os gânglios das raízes dorsais, onde permanece em estado latente. Com as reativações, o vírus retorna a partir das raízes dos gânglios dorsais até as raízes nervosas, criando um surto cutâneo-mucoso, ou podendo não produzir qualquer sintoma detectável. (7, 19) A eliminação viral subclínica tem sido documentada em mais do que 80% das pessoas soro-positovas para o HSV-2 e assintomáticas. Apenas cerca de 10 a 25% das pessoas que são soro-positivas para o HSV-2 relata uma história clínica de herpes genital, o que sugere que a maioria das pessoas infectadas são assintomáticas ou tem sintomas que não são reconhecidos. Entretanto, uma vez que os pacientes são esclarecidos do seu estado de soro-positividade, mais do que 50% identificam clinicamente episódios de recorrência sintomática que eram previamente atribuídos a outras situações. Acredita-se que a eliminação viral em pessoas que desconhecem que são infectadas é responsável por pelo menos 70% da transmissão do HSV. A história natural da infecção pelo vírus do herpes simples humano envolve um episódio inicial agudo ou sub-clínico de infecção cutâneo-mucosa, a partir do qual se estabelece uma latência viral, e episódios de reativação subseqüentes, ao longo de toda a vida. (7, 19) As manifestações clássicas iniciais da infecção primária pelo vírus do herpes simples humano constituem-se em um quadro prodrômico que dura 2 a 24 horas e é caracterizado por dor local ou regional, sensação de picadas ou queimação. Os pacientes também podem apresentar mal-estar geral, dor de cabeça, febre, linfadenopatia inguinal e anorexia. Ao longo do evolução da doença, surgem pápulas, vesículas sobre uma base eritematosas, e erosões, a partir de algumas horas até alguns dias. Os comportamentos das infecções pelo HSV-1 e pelo HSV-2 parecem idênticos; as vesículas são de tamanho uniforme, e o centro mais tensionado costuma umbilicar para formar uma depressão central. As lesões costumam formar crosta e então re-epitelizam e curam sem formação de cicatrizes. Nas mulheres, as úlceras costumam surgir no intróito, meato uretral, genitália externa, e períneo; e nos homens, essas lesões atingem o prepúcio ou a glande do pênis. Em homens e mulheres, as lesões podem surgir na área perianal, coxas, ou nádegas. (7, 19) Aproximadamente 80% das pessoas que desenvolvem a infecção primária (sendo portanto previamente soro-negativos), desenvolverão sintomas constitucionais; nesses casos as vesículas costumam ser mais numerosas, e formarem feridas. As lesões habitualmente duram entre 2 a 6 semanas, são geralmente bastante dolorosas, e contem quantidades abundantes de partículas virais. As vesículas aparecem aproximadamente 6 dias após a exposição sexual. A eliminação viral tem maior duração nos episódios primários, cerca de 15 a 16 dias, e novas lesões continuam surgindo por cerca de 10 dias após a infecção inicial. (7, 19) As mulheres geralmente têm doença mais grave, com mais sintomas constitucionais e complicações do que os homens. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Lesões ulcerativas cervicais são comuns, e podem apresentarse com sangramento intermitente e corrimento vaginal. As pacientes podem apresentar disúria e síndromes de retenção urinária a partir de lesões uretrais e o contato da urina com lesões vulvares. Aproximadamente 25% das mulheres podem desenvolver meningite asséptica. Os homens raramente têm complicações sistêmicas, ainda que um padrão de retenção urinária possa ocorrer em casos de doenças mais graves, especialmente em pacientes não circuncidados. Em homens homossexuais, podem surgir infecção perianal e proctite. (7, 19) Os episódios recorrentes de infecção pelo vírus do herpes simples humano geralmente são mais discretas que os episódios iniciais; as lesões são tipicamente em grupamentos menores, e a eliminação viral ocorre em uma concentração menor e por duração temporal mais curta, cerca de 3 dias. São comuns manifestações atípicas, e se não houver formação de vesículas, condição pode ser diagnosticada como sendo uma outra doença. (7, 19) Quando os pacientes são previamente soro-positivos para o HSV-1 e tornam-se recentemente infectados pelo HSV-2, provavelmente não apresentarão os sinais e sintomas clássicos da doença. Nesse caso, parece que anticorpos para um tipo de HSV fornece proteção contra o outro sorotipo, de tal forma que mulheres soro-positivas para o HSV-1 tem uma taxa de soroconversão anual para o HSV-2 cerca de 5% a 20% menor do que mulheres soronegativas. A taxa de recorrência para HSV-2 varia enormemente, por uma média de 4 recorrências por ano, sendo o tempo médio para a primeira recorrência de 50 dias. Os homens apresentam mais recorrências do que as mulheres. Ainda que o HSV-1 cause cerca de 33% dos episódios iniciais, as infecções por HSV-2 apresenta cerca de 6 vezes mais recorrências. (7, 19) Surtos de recorrência ocorrem em cerca de 50% dos pacientes portadores de infecção por HSV-1, e o tempo médio para o surgimento da primeira recorrência é de cerca de 1 ano após o episódio inicial. As recorrências são espontâneas, porém vários fatores tais como: febre; lesão tissular ou nervosa; estresse físico ou emocional; exposição ao calor, frio, ou luz ultravioleta; infecção concorrente; fadiga; e relações sexuais, têm sido relacionadas com as recorrências. (7, 19) Diagnóstico A cultura do vírus pode ser realizada a partir de material colhido por “swab” em úlceras genitais. A base da lesão deve ser esfregada vigorosamente, pois o vírus está associado à estrutura celular. No laboratório, os espécimes são inoculados em culturas de células, e monitorados microscopicamente por 5 a 7 dias para obter o máximo de sensibilidade (BRUGHA et al., 1997; CUSINI & GHISLANZONI, 2001). 21,28 A reação à cadeia de polimerase (PCR) para o DNA do HSV tem uma maior sensibilidade que a tradicional cultura viral (superior a 95%, quando comparada com 75% da cultura). Seu papel no diagnostico da infecção pelo HSV não é ainda bem estabelecido, muito provavelmente devido ao seu elevado custo. Porém a PCR-HSV é usada no diagnostico da encefalite pelo HSV, pois o resultado é mais rápido do que a cultura viral. (19, 26) Os anticorpos contra o HSV são formados durante as primeiras semanas após a infecção e permanecem indefinidamente. Cerca de 50% a 90% dos indivíduos adultos tem anticorpos contra o HSV, porém apenas cerca de 30% tem anticorpos específicos contra o HSV-2. Estudos sorológicos tipos-específicos podem ser usados para confirmar a infecção 75 pelo HSV em pessoas que têm infecções subclínicas ou não reconhecidas. Desde quando a infecção pelo HSV-2 é quase exclusivamente adquirida através do contato sexual, os anticorpos contra o HSV-2 são relacionados com uma infecção anogenital. Já os anticorpos contra o HSV-1 podem estar presentes em lesões orolabiais ou anogenitais; portanto, não podem ser usados para estabelecer diagnósticos diferenciais entre estas formas de infecção. Se os anticorpos contra o HSV estão presentes, devem ser realizados outros testes para outras causas de úlceras genitais, como sífilis ou cancróide, principalmente em populações com maior risco de exposição. (19, 26) Tratamento Existem medicamentos anti-virais que oferecem benefícios clínicos, porém não curam a doença. Podem ser usados para o tratamento do episódio infeccioso, ou terapia supressiva de longo prazo. A droga mais conhecida é o acyclovir, um análogo da guanosina que inibe a síntese do DNA viral; tem pobre biodisponibilidade e meia-vida curta, que necessita freqüente dosagem. Derivados mais recentes como o valacyclovir e o famcyclovir têm aprimoradas as biodisponibilidades , embora compartilhem com o acyclovir os efeitos colaterais semelhantes: náusea, vômito, cefaléia e diarréia. (19, 41, 64) Em relação ao primeiro episódio, as drogas estudadas diminuem a duração de sintomas constitucionais e locais, aceleram a formação de crostas e cura das lesões em até seis dias, além de encurtarem o período de eliminação viral. Contudo, pacientes que apresentam mais que 6 episódios de recorrência por ano podem ser elegíveis para terapia supressiva. Esta pode reduzir as recorrências em cerca de 70% a 80%. (19, 41, 64) CONSIDERAÇÕES FINAIS O principal objetivo desse capítulo foi contribuir para que o profissional que exerce suas atividades na atenção primária à saúde da população possa dispor de uma revisão sistematizada para uma compreensão dos principais aspectos relativos às infecções sexualmente transmissíveis. O tema aqui abordado é muito relevante para a prática do generalista, desde quando apesar das mudanças nos hábitos e nos conceitos sobre comportamentos, muito ainda deixa de ser falado sobre questões relativas aos relacionamentos interpessoais, principalmente quando esses são ligados à esfera da intimidade do ser humano. E enquanto pouco se fala sobre o assunto, as infecções sexualmente transmissíveis se alastram em todo o mundo, afetando principalmente pessoas jovens, que muitas vezes são atingidos por condições incapacitantes, quando não fatais. O generalista deve estar atento para o interrogatório sistematizado, e o exame clínico cuidadoso dos pacientes sob seus cuidados, buscando o diagnóstico precoce e o tratamento adequado de condições que, se não adequadamente tratadas, muitas vezes podem conduzir a prejuízos físicos, emocionais e sociais de gravidade variável. As infecções sexualmente transmissíveis são passíveis de prevenção em grande escala, principalmente com a adoção de comportamentos de proteção da saúde individual e da pessoa com quem o indivíduo se relaciona intimamente. O papel do profissional de saúde é então, sumamente importante na tarefa de educar para comportamentos saudáveis, exortando os pacientes ao cuidado respeitoso para com o seu corpo e com a sua individualidade, e para com as pessoas com quem se relaciona, alimentando a auto-estima, o equilíbrio e a convivência harmoniosa e equilibrada. 76 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ABBAS AK. Doenças da Imunidade. 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Critérios de definição de casos de AIDS em adultos e crianças. II.6 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE DOENÇA DE CHAGAS: COSMOPOLITA OU RURAL? 81 Gilson Godinho Carlos Vinícius Espírito Santo Cláudia Patrícia Silva Alves Flávia de Castro Ribeiro INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA A doença de Chagas é uma enfermidade crônica debilitante e incapacitante. Atualmente acredita-se que nas Américas existam 15 milhões de infectados(25). Em 1995, estimava-se que a prevalência de infectados pelo Trypanossoma cruzi no Brasil estava em torno de 1,91 milhões de pessoas, das quais 191 mil seriam cardiopatas e 19.100, cardiopatas graves(35). No entanto, desde 1984, a prevalência geral de soropositividade no País caiu de 4% para menos de 0,5%(25). Segundo a Organização Mundial de Saúde, após a implementação de programas de controle da transmissão vetorial em torno de 1975, houve grandes avanços: a incidência de zero a quatro anos de idade teve uma queda de 95% entre 1983 e 2000 (Tabela 1), e a prevalência de soropositividade em bancos de sangue e em Serviços de Hemoterapia caiu em 90% entre 1980 e 1998(45). Não obstante, como ocorre com outras enfermidades, existe um sub-registro importante da doença de Chagas como causa de morte. De acordo com o Ministério da Saúde, a doença de Chagas é a segunda principal causa de morte entre as doenças infecto-parasitárias, perdendo apenas para tuberculose. Em 2003, foram registradas 5.016 mortes por Chagas (Tabela 2). Possivelmente esse número não corresponde à realidade, haja vista a ocorrência de mortes não notificadas, e a existência de óbitos devidos à doença de Chagas que são identificados como sendo de outras causas. Na América Latina, essa doença produziu o maior ônus de enfermidade entre as denominadas doenças tropicais. A malária, esquistossomose mansônica, leishmanioses e a hanseníase produzem, conjuntamente, um ônus de enfermidades de quase a quarta parte do produzido pela doença de Chagas. O mal de Chagas na América Latina é basicamente uma infecção em pessoas de baixa condição socioeconômica vivendo em habitações precárias. Na Colômbia, por exemplo, existem vinte e três espécies de triatomídeos. Na Bolívia, apesar de terem sido encontradas três espécies, as quais não estavam infectadas, foram detectados óbitos em jovens em Monfós e Talaigua Nuevo com sorologia positiva para o T. cruzi(10). Na Argentina, foi realizado notável trabalho que procurou capacitar os adolescentes na idade escolar e da zona rural (Castro Barros e Rio Seco das províncias de La Rioja e Cordoba, respectivamente) com ferramentas capazes de vigiar e determinar a presença de fatores de risco em suas casas através de planilhas. Os dados fornecidos pelos estudantes foram adicionados aos do pessoal técnico, permitindo aos professores caracterizar as residências como de muito risco (34 a 85 pontos), de risco (13 a 33 pontos) e sem risco (até 13 pontos), através da somatória dos pontos referentes a cada característica avaliada (Tabela 3)(12). Semelhantes informações podem ser importantes instrumentos de trabalho nas mãos dos profissionais da Atenção Básica a Saúde. Quando é realizada uma análise do perfil desta patologia no Estado da Bahia, que apresenta elevada prevalência da infecção e da doença e notáveis disparidades entre os índices de desenvolvimento humano de suas diferentes sub-regiões, não é surpreendente que só no 1º semestre do ano de 1998 foram registrados 400 óbitos com diagnóstico de tripanossomíase. Em concordância com este quadro de condições precárias de habitabilidade, dados anteriores (1996) mostravam que 88% dos domicílios rurais não dispunham de qualquer tipo de instalação sanitária, 46,4% não apresentavam esgotamento sanitário e 51,6% não possuíam canalização interna para abastecimento de água. Enquanto outros estados nordestinos, (e.g. Paraíba, Pernambuco e Piauí) exibem indicadores mais positivos de controle da transmissão vetorial da doença, o nosso Estado da Bahia ainda convive com presença do vetor e sua ativa transmissibilidade(9). Palavras-chaves: Doença de Chagas, transmissão, forma aguda, forma indeterminada, forma crônica, prevenção, diagnóstico, tratamento, célulastronco, aspectos psicossociais. 82 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA A infecção A Tripanossomíase Americana é causada pela infecção do protozoário Tripanosoma cruzi, transmitidos pelos insetos hematófagos reduviídeos, conhecidos popularmente como barbeiros. Normalmente, o ciclo do parasito é silvestre, ou seja, ocorre em animais silvestres e em seus insetos vetores. Um ciclo peridomiciliar ocorre quando animais infectados, como gambás e ratos, vivem próximos a habitações humanas. A infecção humana teve início e se agravou com a invasão do ciclo silvestre natural pelo homem e a construção de moradias, que favoreceram a modificação do ciclo, que antes era estritamente silvestre, em domiciliar. O barbeiro, ao ser ameaçado em seu hábitat natural, voa para o abrigo mais próximo, isto é, a cafua, galinheiros e chiqueiros(19). A doença transformou-se, então, numa zoonose típica da vida rural. As dificuldades econômicas estimularam a emigração às zonas urbanas, e, embora o êxodo tenha diminuído a população exposta à infecção rural, esse levou aos grandes centros os portadores do parasito e também, os próprios vetores. Na zona urbana, precárias condições de moradia criaram condições microambientais favoráveis à transmissão. Rachaduras e buracos em casebres de barro ou em paredes de madeira crua, telhados de sapê ou pedras, dentro de casa, servem de abrigo e ninho para os insetos que, durante a noite, transmite a doença de pessoa para pessoa. A infecção se tornou, então, um problema de saúde pública também no meio urbano. Além disso, a infecção sangüínea e a placentária também são mantedoras do aumento da taxa nas grandes cidades. RETROSPECTIVA DO CONTROLE DA DOENÇA NO BRASIL O controle da transmissão vetorial da doença de Chagas no País, institucionalizado em 1950 pelo Serviço Nacional de Malária, foi sistematizado e estruturado no modelo campanhista de alcance nacional apenas a partir de 1975, apesar da comprovada eficácia do uso de inseticidas de ação residual, então o hexaclorociclohexano a 6,5% na profilaxia da doença. Até os anos 70, apenas o Estado de São Paulo mantinha ações regulares de controle, em paralelo com trabalhos pioneiros de investigação em Minas Gerais(44). Os recursos aplicados no controle da transmissão vetorial da doença de Chagas foram de início aqueles disponibilizados pelo programa de malária, erradicada de extensas áreas do Sudeste e Nordeste. Isso, de certa maneira, impediu o planejamento das ações de controle com base em critérios estritamente epidemiológicos, a partir da informação produzida pelos inquéritos entomológico e de soroprevalência da doença de Chagas. Repetidas epidemias de dengue no país a partir de 1986 exigiram políticas de saúde do governo específicas para erradicação dessa doença. Apesar da atenção desviada para o controle da dengue, houve eliminação da principal espécie vetora no país, Triatoma infestans, dos domicílios. Permaneceram, no entanto, alguns focos do vetor, no nordeste do Estado de Goiás e sul de Tocantins, na região do Além São Francisco, na Bahia, no norte do estado Rio Grande do Sul e no sudeste do Piauí. Existem mais de 42 espécies de triatomíneos catalogados no Brasil. Dentre elas, trinta pertencem ao ambiente domiciliar, mas apenas cinco destas tem participação direta na transmissão domiciliar da doença: T.infestans, T.brasiliensis, T.pseudomaculata, T.sordida e Panstrongylus megistus. O número de municípios com T.infestans caiu de 711, em 1983, para apenas 102 em 1998 (dados provisórios). A participação relativa de T.infestans no total de capturas, consideradas todas as espécies, em 1983, era da ordem de 13,54% (84.334/622.822) e, em 1998, foi de 0,20% (360/176.810). As taxas de infecção natural de T. infestans foram reduzidas de 8,4% (1983) a 2,9% em 1997(44). As outras quatro espécies não tiveram os mesmos resultados, no entanto, foram mantidas em níveis de infestação e de colonização intradomiciliar incompatíveis com a transmissão. Sendo necessário, para tanto, um trabalho de vigilância de caráter contínuo, com pronta intervenção, uma vez haja evidência de constituição de colônias na habitação. TRANSMISSÃO Transmissão vetorial A transmissão pelo vetor é a forma que tem maior importância epidemiológica (80% a 90%)(14), ocorrendo pela penetração da forma infectante do protozoário (presentes nas fezes do inseto vetor, durante o hematofagismo) em solução de continuidade da pele ou mucosa íntegra. Transmissão transfusional Esse constitui o segundo mecanismo de importância epidemiológica (5% a 20%)(14). Especialmente é maior nas grandes cidades. A transmissão sangüínea foi crescente a partir da década de 40 do século XX, principalmente por causa do aumento no número de transfusões realizadas no Brasil e que coincidiram também com uma época de grande êxodo rural, que favoreceu a maior freqüência de pessoas com a infecção chagásica como doadores de sangue. Mecanismos de controle transfusional somente começaram a ser implementados a partir dos anos 60. Transmissão vertical A transmissão congênita corresponde a 0,5% a 8% das formas de transmissão(14). Pode ocorrer desde o terceiro mês de gestação, incidindo especialmente do terceiro ao quinto mês. Pode ocorrer também a infecção da criança através aleitamento, pois o T.cruzi já foi encontrado no leite materno na fase aguda de infecção(19). Entretanto, segundo Bittencourt et al.(3), a amamentação de mães portadoras da doença crônica não deve ser proibida, já que não foi comprovada essa rota de infecção. Transmissão oral Nessa forma de transmissão, a pessoa ingere o próprio vetor infectado ou alimento contaminado com fezes dos vetores. Essa forma de infecção foi subestimada durante muitos anos, e nem sempre é lembrada, mas teve a sua relevância posta em evidência no primeiro semestre de 2005 no Brasil, com o diagnóstico de casos agudos de doença de Chagas no Estado de Santa Catarina através de caldo de cana contaminado (vinte e cinco pessoas, das quais cinco morreram) e no Amapá (vinte e seis pessoas) por meio de suco de açaí contendo parasitos. Até 2001 já havia 148 casos informados na Amazônia brasileira, com cinco mortes(17). Todavia, anteriormente, casos agudos foram descritos em Pernambuco e Minas Gerais. Transmissão por transplante de órgãos. Ocorre quando o receptor recebe um órgão de um doador infectado, especialmente se for rim e coração. Esse mecanismo pode desencadear uma manifestação aguda grave da doença devido à terapia imunossupressora a que são submetidos pacientes transplantados. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 83 Tabela 1. Infecção humana por T.cruzi e a redução na incidência de doenças de Chagas em países da América do Sul, 1983-2000. País Faixa de idade (anos) Argentina Brasil Chile Paraguai Uruguai 18 0-4 0-10 18 6 - 12 Infecção em 1983 (taxa x 100) 5,8 5,0 5,4 9,3 2,5 Infecção em 2000 (taxa x 100) 1,2 0,28 0,38 3,9 0,06 Redução na incidência (%) Referência 80,0 95,0 94,0 60,0 99,0 74,75 76,77 78,79 75,8 81,82 Fonte:WHO- Technical Report Series(45). Tabela 2. Número de mortes por alguns grupos de causa no Brasil (1997-2003) segundo a classificação internacional de doença (CID) versão 10. Capítulo CID-10 Doenças do aparelho circulatório Neoplasias (tumores) Doenças do aparelho respiratório Tuberculose Doença de Chagas Hepatite viral Leptospirose Malária Leishmaniose Dengue Esquistossomose 1997 249.638 1998 256.511 1999 257.179 Ano 2000 260.603 2001 263.417 2002 267.496 2003 274.068 106.991 110.799 115.679 120.517 125.348 129.923 134.691 84.083 91.983 89.084 88.370 90.288 94.754 97.656 5.881 5.410 1.031 389 151 117 15 505 6.031 5.356 1.059 396 170 138 15 479 5.940 5.001 1.308 330 203 226 9 446 5.533 5.134 1.529 378 243 276 7 484 5.425 4.889 1.741 388 142 220 13 583 5.162 4.891 1.740 378 93 222 58 568 4.987 5.016 1.878 341 103 247 24 464 Fonte: Ministério da Saúde(22). Transmissão acidental Ocorre em hospitais e laboratórios, entre pesquisadores e técnicos da área de saúde que trabalham com o material contaminado pelo T.cruzi como: sangue de animais, em pessoas infectadas, meios de cultura, material contaminado, no vetor. É necessário manejo adequado de todo o material, treinamento de pessoal e trabalhar com todas as condições de segurança. Transmissão sexual A transmissão por via sexual não está bem estabelecida, havendo apenas relatos de suspeitos na Argentina (quatro casos)(14), que teriam ocorrido em homens com passado de relação sexual íntima com mulheres chagásicas que estavam em período menstrual. Já foram isolados parasitos no líquido menstrual de mulheres(19,14), mas essa forma de transmissão não foi confirmada. FORMAAGUDA A fase aguda da doença de Chagas compreende os fenômenos clínicos que se estabelecem nos primeiros meses de infecção (dois a quatro meses) e do ponto de vista laboratorial, delimita-se mais ou menos imprecisamente, pela demonstração do parasito no sangue por meio de exame direto(30). Esta fase pode ser sintomática ou assintomática (mais freqüente). Há predomínio da forma aguda sintomática na primeira infância, levando a morte cerca de 10% dos casos(19). Segundo Carlos Chagas(8), tal ocorrência seria devida ao fato de que crianças, desde a mais tenra idade, estão expostas aos triatomíneos. Outros fatores como sono profundo e mais prolongado nas crianças – a facilitar a ação dos insetos – bem como pele mais delgada destas – a favorecer penetração do parasito – foram indicados como fatores associados à infecção. A fase aguda inicia-se quando o T. cruzi penetra na conjuntiva (sinal de Romaña) ou na pele (chagoma de inoculação), que aparecem em 50% dos casos dentro de quatro a dez dias após a picada do barbeiro, regredindo em um a dois meses. As manifestações gerais são: febre, cefaléia, exantemas transitórios, astenia, edema localizado e generalizado, poliadenia, hepatomegalia, esplenomegalia, podendo ser acompanhados por insuficiência cardíaca e perturbações neurológicas. A linfadenomegalia regional pode persistir por várias semanas(25). As manifestações de envolvimento cardíaco são as de uma miocardite difusa, associado à taquicardia e alterações inespecíficas do ECG(25), pode ser acompanhada de pericardite serosa e às vezes endocardite. Nos casos agudos fatais há invariavelmente miocardite com cardiomegalia (25) . As perturbações neurológicas são em conseqüência da meningoencefalite, destacando-se as convulsões generalizadas (Quadro1). FORMA INDETERMINADA (FASE CRÔNICA ASSINTOMÁTICA) Após a fase aguda ou a infecção assintomática, os indivíduos infectados passam por um longo período assintomático (de dez a trinta anos)(14,19,21,25,35). Essa forma latente é caracterizada por exames sorológicos e/ou parasitológicos positivos e presença constante de anticorpos líticos, bem como ausência de sinais e sintomas da doença, com ECG convencional normal. O coração, 84 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Tabela 3. Fatores dos riscos incluídos nos cadastros dos estudantes: categorias e valores atribuídos a cada para um obter um grau de risco de suas moradias. FATORES DE RISCO Tipo de moradia Teto Palha e barro Palha e bambu Palha e placas Placa única Outros Materiais Paredes Barro Tijolo sem reboque Pedras Tijolo com reboque Otro material Gretas nas paredes Sim Não Caixas/roupas/coisas amontoadas no interior da casa (desordem) Sim Distância entre a casa e o galinheiro (em pés) <20 20 || 39 40 || 60 >60 Distância do curral à casa (em pés) <20 20 | 39 40 || 60 >60 Distância do déposito à casa (em pés) <20 20 || 39 40 || 60 >60 VALORATRIBUÍDO 14 12 10 5 1 14 10 8 3 0 4 0 8 12 10 8 3 9 7 5 2 4 2 2 0 Fonte: Vigilância de la enfermedad de Chagas por escolares (12). Tabela 4. Óbitos por ano causados por Doença de Chagas segundo região do Brasil. Região Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste TOTAL 1997 52 788 3.054 344 1.172 5.410 Fonte: Ministério da Saúde(22). 1998 49 771 2.999 345 1.192 5.356 1999 57 799 2.745 323 1.077 5.001 2000 51 834 2.728 326 1.195 5.134 2001 63 807 2.622 264 1.133 4.889 2002 67 843 2.524 293 1.164 4.891 2003 74 850 2.620 324 1.148 5.016 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE o esôfago e os cólons apresentam-se radiologicamente normais. Cerca de 50% dos pacientes chagásicos que tiveram a fase aguda apresentam essa forma da doença. O estado latente pode ser ativado a um estágio de doença aguda em indivíduos imunossuprimidos graves. Em estudos longitudinais realizados, foi relatado o aparecimento de alterações eletrocardiográficas em 10,4% a 33% dos pacientes em cinco anos de segmento e em 10% a 48% após dez anos(39). FORMA CRÔNICA SINTOMÁTICA Alguns chagásicos assintomáticos podem, após vários anos (dez a trinta anos), apresentar sintomatologia relacionada com o sistema cardiovascular, digestivo e/ou nervoso. Observa-se reativação intensa do processo inflamatório, com dano de vários órgãos, nem sempre relacionado com o parasito, o qual se encontra escasso nessa fase da doença(19). Forma cardíaca A expressão clínica da doença cardíaca atinge cerca de 20% a 40% dos pacientes(19) e normalmente se inicia com fadiga aos esforços, palpitação, tonturas, dispnéia e síncopes(20,25). Essas alterações refletem uma série de arritmias, como extra-sístoles ventriculares, acessos de taquicardia e vários graus de bloqueio cardíaco (nodos sinoatrial e atrioventricular e os ramos direito e anterior esquerdo do feixe de His)(19,25). Não é incomum a morte súbita de pacientes sem nenhuma outra morbidade; o tamanho do coração desses pacientes pode ser normal ou apenas moderadamente aumentado. Outros pacientes com miocardiopatia têm cardiomegalia e morrem de insuficiência cardíaca refratária, os quais têm os corações hipertrofiados, com adelgaçamento da parede, especialmente no ápice (aneurisma de ponta característico), freqüentes trombos murais com subseqüente embolização dos pulmões e órgãos periféricos. As coronárias são geralmente normais. As alterações reveladas no exame físico nem sempre guardam boa correlação com a intensidade dos sintomas. Pode haver pulso irregular, bulhas hipofonéticas e talvez um ritmo em galope. Em fases mais avançadas da doença, devido à cardiomegalia, podem ser auscultados sopros de regurgitação mitral e tricúspide, com desvio lateral e caudal do ictus cordis. São comuns todas as manifestações congestivas como hepatomegalia, edema periférico, turgência venosa jugular, ascite e derrame pleural (exclusiva ou predominantemente à direita)(20). Forma digestiva As alterações que ocorrem no trato gastrointestinal são devidas à destruição irreversível das células nervosas do sistema nervoso entérico e estão presentes em 7% a 11% dos casos(19). Tendo este a função de integrar e coordenar as diferentes funções viscerais, a desnervação intrínseca repercute necessariamente na fisiologia dos órgãos atingidos. A inervação se processa de maneira irregular e imprevisível, acometendo diferentes segmentos do tubo digestivo, mas principalmente esôfago e cólon, podendo ocorrer também no estômago, duodeno e intestino delgado(31). Sob muitos aspectos a esofagopatia chagásica se assemelha ao megaesôfago idiopático (acalásia). A principal diferença está na associação do megaesôfago com megacólon e a cardiopatia. Os principais sintomas são disfagia, odinofagia, dor retroesternal, regurgitação, pirose, soluços, tosse e sialose. A pneumonia aspirativa é uma complicação comum em casos avançados, assim como a perda ponderal e a caquexia(25). O 85 megaesôfago aparece mais no sexo masculino e é mais freqüente na zona rural endêmica(19). O megacólon é mais freqüente no adulto entre trinta e sessenta anos e mais no sexo masculino(2,12). Aparece muito associado ao megaesôfago e esse fato agrava bastante o estado nutricional do paciente. Os pacientes sofrem de constipação crônica e dor abdominal. Podem acontecer volvo, obstrução com formação de fecalomas e perfuração intestinal, levando à peritonite. Os pacientes, na maioria das vezes, só procuram o serviço especializado quando o quadro já é muito grave ou então na vigência de alguma complicação(31). Forma nervosa O mecanismo patogênico básico nessa forma clínica seria a denervação, contestada por alguns autores por consistir em agregados de células gliais e linfóides sem o encontro do parasito(19). Por outro lado, admite-se também que a perda ou diminuição dos neurônios seja em conseqüência da isquemia devida à ICC e às arritmias cardíacas, assim como processos auto-imunes. As manifestações neurológicas incluem alterações psicológicas, comportamentais e perda de memória. Forma congênita A característica patológica importante da doença de Chagas congênita é a placentite crônica, com alterações inflamatórias e necrose focal nas vilosidades coriônicas. Está associada a abortos, natimortos ou doença aguda no feto(25). Na maioria das vezes apresenta-se assintomática ou associada à febre persistente do recém-nato, prematuridade e hepatoesplenomegalia. A doença de Chagas congênita é curável, desde que detectada precocemente. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com as formas congênitas de toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpesvírus (TORCH). DIAGNÓSTICO O diagnóstico da infecção pelo T.cruzi deve ser apoiado pela clínica e pela epidemiologia, e confirmado pelo diagnóstico laboratorial. Esse pode ser buscado através do encontro do parasito ou de anticorpos dirigidos contra o mesmo na pessoa infectada. Métodos parasitológicos diretos O exame parasitológico direto deve ser priorizado quando o paciente estiver sob suspeita de fase aguda da doença de Chagas, que é caracterizada pela presença do parasito no sangue, ou de reativação da doença por causa de alguma condição clínica imunossupressora. Exames diretos são realizados em poucas horas, mas exigem pessoas bem treinadas para reconhecer os parasitos. Não requerem material muito especializado, podendo ser realizados em laboratórios clínicos. O exame a fresco é o mais utilizado por ter elevado índice de resultados satisfatórios. Busca-se o parasito numa gota de sangue periférico colocado em lâmina. Deve-se examinar 200 campos microscópicos por lâmina para ter certeza de negatividade. Rassi et al.(29) demonstraram uma sensibilidade de 78% neste exame. A técnica de Strout é utilizada para obter uma amostra concentrada de parasitos: o sangue coletado é levado à centrifugação, sendo o seu sedimento examinado. Alguns estudos atestam uma sensibilidade de até 90% para este método(28). Os exames parasitológicos diretos podem apresentar resultados falso-negativos especialmente nos primeiros dez dias 86 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Quadro 1. Principais sinais e sintomas na Doença de Chagas Aguda em casos aparentes. Principais sintomas e sinais da Doença de Chagas Aguda em casos aparentes. Sinal ou sintoma Características gerais básicas Sinal de porta de entrada (chagomas de inoculação). Chagoma de Romana. Outros tipos de “chagomas”. Febre. Adenopatia. Hepato e esplenomegalia. Edema generalizado. Edema local. Lesões dermatológicas eritemato-induradas, não purulentas, com descamação esfoliativa ao final da evolução. Faltam em muitos casos. Indolores ou pouco dolorosas, cor violácea. Geralmente membros ou face. Adenopatia satélite freqüente.Defervescência em lise. Edema bipalpebral unilateral, com adenopatia satélite e adenite. Diminuição da fenda palpebral. Podem ocorrer prurido, lacrimejamento e dor local leve. Referido em mais de 50% dos casos descritos., deve corresponder a 10% ou menos dos casos agudos ocorridos. O mais chamativo é o “sinal de Romaña”. À biópsia encontram-se formas amastigotas de T.cruzi intracelulares. Diagnóstico diferencial: picada de inseto, miíase, conjuntivites e ordéolos, traumatismo, celulite orbitária, edema angioneurótico e trombose do seio cavernoso. Mais raros: metastáticos (à distância de uma inoculação primária, geralmente via hematógena ou linfática) e lipogenianos (na bochecha). Geralmente moderada (+38ºC) contínua, durando entre 7 e 30 dias. Pode ter picos de ascensão vespertinos. Mesmo nos casos “inaparentes” está presente, em duração e temperaturas menores. Geralmente pequenos e múltiplos linfonodos, em vários plexos, endurecidos, não coalescentes e não supurados, também presentes à jusante dos chagomas de inoculação. Relativamente mais descritos na Argentina. Cerca de 20 a 40% dos casos, idades mais baixas, geralmente com pequeno aumento de volume, vísceras endurecidas e pouco dolorosas à palpação. Concomitância de congestão passiva e degeneração. Endurecido, elástico, difuso e frio. Bastante precoce. Mais visível no rosto, extremidades e bolsa escrotal. No ponto de penetração do parasito. Acompanhado de coloração avermelhada ou vermelho-violácea, com enduração e dor discreta. Estado geral. Comprometido. Sinais de miocardite aguda. Detecção variável entre 5 e 50% dos casos, em média.Taquicardia muito freqüente, independente da curva térmica. Pulso rápido, fino e rítmico. Ausculta pode mostrar bulhas Abafadas e eventualmente sopro sistólico de ponta, por lesão oro-valvular ou conseqüente à dilatação de anéis valvulares. O ECG na DCA apresenta-se alterado em 30% ou mais dos casos referidos na literatura sugestivo de miocardite aguda (alteração de T e aumento PR). Eventual presença de ICC (mau prognóstico): cansaço fácil, ortopnéia, ritmo de galope e aumento da pressão venosa. Ao RX, caracteristicamente cardiomegalia global (entre 15 e 60% dos casos descritos) com campos pulmonares geralmente claros. Pode haver derrame pericárdico nos casos mais graves Principalmente em crianças menores de 2 anos (1 – 10%), geralmente associada com cardiopatia manifesta. Líquor claro, com parasitos. Opistótono, rigidez de nuca e outros sinais tradicionais de meningismo. Como sintomatologia: vômitos freqüentes e repetidos (sem estado nauseoso), cefaléia, agitação, estrabismo, obinubilação, prostração, convulsões, etc. Sinais de meningoencefalit e Observações práticas Fonte: Ministério da Saúde(23). Geralmente não melhora com antitérmicos usuais. À biópsia podem estar parasitados. Geralmente existe hiperplasia linfocitária. Pode persistir por meses após a fase aguda Fazer diagnóstico diferencial com a hepatomegalia de outras entidades febris em nosso meio. Pode superpor-se um edema por insuficiência cardíaca. Natureza inflamatória. Faz parte do chagoma de inoculação ou de chagomas metastáticos. Astenia, adinamia, palidez, choro continuado, fáscies de sofrimento. Principalmente em crianças menores. Diferenciar com outras miocardites agudas (reumática, toxoplasmótica, diftérica, tóxica, sifilítica, etc) e com endocardites. Histologicamente: Inflamação linfo-monocitária geralmente difusa e predominantemente subendocárdica, com miocitólise e edema intercelular sendo o parasito facilmente encontrável nas miocélulas cardíacas. Péssimo prognóstico, geralmente encontrando-se, à necropsia, graves alterações inflamatórias no encéfalo e meninges. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE após a infecção, nesse período ainda não houve tempo para multiplicação dos parasitos. Após trinta dias de início das manifestações agudas, a parasitemia tende a cair, devendo-se atentar para este fato. Devem-se considerar alguns aspectos relacionados a alguns tipos de transmissão e os resultados desses exames: a transmissão congênita, por exemplo, é mais comum que seja perinatal, sendo o parasito só encontrado dias após a infecção; ou seja, um exame negativo nos primeiros dias de vida não exclui o diagnóstico de infecção. Já se tem notícia de exames negativos até seis meses após o nascimento mesmo estando-se diante de um quadro de transmissão vertical(24). É possível fazer esses exames com outros materiais além de sangue periférico, como líquor (principalmente em suspeitas de reativação da doença em HIV-positivos), na medula óssea e em outros líquidos biológicos ou tecidos. Os exames a fresco são rápidos, baratos e eficientes. Em caso de resultados negativos, deve-se utilizar uma técnica de concentração (Strout) e, em caso de persistência de negatividade, pesquisar anticorpos IgM ou realizar xenodiagnóstico. Métodos parasitológicos indiretos Vários são os métodos parasitológicos indiretos, mas estes são mais demorados e não podem ser realizados com tanta facilidade técnica como os diretos. Também estão indicados na fase aguda da doença, desde que os exames diretos tenham sido negativos, ou na fase crônica, quando os resultados sorológicos forem duvidosos. O emprego dos métodos indiretos é dificultado pelo custo mais elevado e pela necessidade de mais destreza do pessoal de laboratório. O xenodiagnóstico é feito pela alimentação de triatomíneos com o sangue do paciente. Se este for infectado, o parasito se multiplicará no triatomíneo, que será pesquisado após trinta ou sessenta dias. Devem ser utilizadas 40 ninfas, e o método pode ser natural, quando as ninfas são colocadas na pele do paciente, ou artificial, quando são alimentadas com o sangue extraído dos mesmos. A hemocultura apresenta bons resultados, mas a opinião entre os autores varia enormemente quanto à sua sensibilidade (43,7% a 97,4%)(28). A metodologia empregada hoje indica o uso de heparina como anticoagulante e separação imediata do plasma do sangue colhido, pois este contém anticorpos contra o parasito. O sangue deve ser semeado em, no mínimo seis tubos, e examinado mensalmente, durante quatro meses no mínimo. O método de inoculação em animais tem sido pouco empregado por fatores técnicos limitantes, como a necessidade de um biotério apropriado, com animais isogênicos. É mais utilizado em laboratórios de pesquisa. A Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é um método de sensibilidade muito elevada, podendo ser aplicado em amostras de sangue ou de fezes de triatomíneos. Existem diversas técnicas de realização, com o uso de diferentes sondas para detecção de DNA exclusivos do parasito e de amplificação. É muito sensível, mas também menos econômico e exige laboratório bastante especializado. Para a obtenção de bons resultados com os métodos indiretos, é necessário que haja repetição dos exames em diferentes momentos (na fase mais crônica da doença, a parasitemia normalmente é baixa), e que sejam colhidas amostras ideais de sangue. Métodos sorológicos Para facilitar o diagnóstico, são utilizados os métodos sorológicos, especialmente nos pacientes que estão em fase crônica, que cursa com parasitemia baixa e inconstante. A 87 sorologia também é indicada em casos agudos que deram testes parasitológicos negativos (neste caso busca-se IgM). A ausência temporária dos parasitos na circulação sangüínea não impossibilita a detecção de anticorpos contra o mesmo durante vários meses. Apesar dessa qualidade, a sorologia apresenta algumas limitações: a resposta imune deficiente de pessoas com doenças imunossupressoras pode expressar um resultado falsonegativo, e reações cruzadas pelo estímulo antigênico de outros parasitos podem conferir um falso-positivo. Recomenda-se a combinação de mais de uma técnica para aumentar a sensibilidade dos testes, que assim pode chegar a 97%(28). As reações sorológicas envolvem a detecção de anticorpos por meio da visualização de fenômenos que ocorrem em conseqüência da presença de anticorpos, como hemaglutinação (a olho nu), imunofluoresncência (ao microscópio) e ensaio imunoenzimático (espectrofotômetro). Pessoas não infectadas podem reagir nesses sistemas, por isso o soro pesquisado deve ser diluído várias vezes, até uma concentração na qual a existência de anticorpos ocorra somente em pessoas infectadas. Existem ainda exames laboratoriais de auxílio para o diagnóstico da doença de fase aguda, e estes devem ser considerados (Quadros 2 e 3). TRATAMENTO Devido à relativa pouca importância da Doença de Chagas como pandemia, persistindo atualmente quase que exclusivamente em países subdesenvolvidos da América Latina, pouco se investe internacionalmente em pesquisas de medicamentos específicos e em terapêuticas alternativas para essa patologia. Ainda que a incidência da doença esteja em queda, nota-se, uma inquietação por parte dos profissionais que trabalham com este tipo de doentes, sejam eles cardiologistas, imunologistas, infectologistas etc., em busca de novos dados epidemiológicos, novas opções terapêuticas e melhores resultados quanto à cura ou prognóstico desta entidade nosológica. Vem do Brasil, especialmente da Bahia, o retrato desta histórica falta de investimentos na Doença de Chagas concorrendo com as atuais pesquisas envolvendo a terapia celular (células-tronco)B , onde, de um lado, vê-se o uso do Benzonidazol, medicamento revelado como ativo para a doença em 1967 e que ainda não tem suas indicações totalmente difundidas, e de medicamentos usados na cardiopatia chagásica, em analogia ao tratamento de outras formas de insuficiência cardíaca mais bem estudada, e, do outro lado, observa-se o crescimento dos experimentos com transplante de células-tronco em humanos, sendo a publicação do primeiro paciente transplantado, com sucesso, em 2004(43). Para falar do tratamento desta enfermidade, é necessário investigar e detectar a forma clínica em que o paciente se encontra, o que irá, definitivamente, nortear o tratamento etiológico. Por isso, devem-se reportar algumas das características das diversas formas da doença. Diante da maior prevalência da forma cardíaca e para fins práticos, este segmento da Doença de Chagas será abordado quando durante a descrição do tratamento das formas crônicas tardias da moléstia, citando as bases do tratamento da esofagopatia chagásica, também de importância no atual contexto epidemiológico. B NOTA DO EDITOR: No Brasil, as pesquisas em humanos com célulastronco são ainda experimentais e após autorização expressa da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) da Comissão Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. 88 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Quadro 2. Exames laboratoriais auxiliares no diagnóstico e manejo de casos de Doença de Chagas aguda. Ministério da Saúde-Secretaria Nacional de Vigilância em Saúde Tratamento para a forma aguda A forma aguda da Doença de Chagas é caracterizada por manifestações clínicas como febre, moderada e continua prolongada, e chagomas de inoculação que são descritos em mais de 50% dos casos(23). Caracteriza-se pela presença de T. cruzi no sangue seja através do Xenodiagnóstico ou da Hemocultura. Esta fase dura até cerca de dois meses (entre três e oito semanas e compreende, juntamente com as formas congênita, acidental e crônica recente (na prática, toda criança com infecção), indicação formal para o tratamento etiológico específico(4) . Dados do ano de 2004 do Ministério da Saúde sugerem que, apenas o tratamento etiológico das formas aguda e congênita é indicados pela unanimidade dos especialistas na área. A terapêutica etiológica, no Brasil, é realizada com o Benzonidazol, única droga disponível no mercado brasileiro e que tem o nome comercial de RochaganÒ. Tem como apresentação comprimidos de 100mg, para administração em duas ou três tomadas diárias na dose de 5mg/kg/dia para adultos e 10mg/kg/dia para crianças, durante um período de sessenta dias. Para crianças, pode-se triturar o medicamento e administrálo com água, leite ou mel. É consenso atual que o tratamento seja o mais precoce possível. Esse medicamento deve acompanhar a abstinência do uso de substâncias alcoólicas e tem como principais contra-indicações: gravidez no primeiro trimestre, leucopenia severa e disfunções hepática e renal graves. A droga é bem tolerada em crianças, estando entre as reações adversas do medicamento, que acometem 10% a 30% dos adultos (23) . tratados: dermatite semelhante à doença do soro, mal-estar generalizado; polineuropatia periférica, bastante dolorosa e dose dependente, que se resolve espontaneamente após o término do tratamento; e depressão medular. Náusea e vômitos também têm sido relatados (Quadro 4). O ideal é fazer acompanhamento com hemograma a cada 7 a 15 dias para identificar uma possível leucopenia causada pelo medicamento(6,26). Quando específica e adequadamente tratada, se obtém com o uso de benzonidazol índices de cura que variam de 30% a 90%, nas casuísticas mais conhecidas(6,11,13). O tratamento específico consegue abreviar o tempo de evolução da doença às vezes de forma dramática, reduzindo rapidamente a parasitemia e fazendo cessar a febre e a taquicardia. Nos poucos pacientes que persistem com alterações eletrocardiográficas pós-tratamento etiológico específico como alargamento do intervalo PR e alterações na repolarização ventricular, notou-se uma tendência à evolução para a forma crônica cardíaca. Outros indícios de mau prognóstico da forma aguda são: manifestações de comprometimento do sistema nervoso central SNC, as grandes cardiomegalias e o ECG evidenciando arritmias extrassistólicas, bloqueios intraventriculares e baixa voltagem do QRS. Não somente devido a essa notável vulnerabilidade ao tratamento etiológico precoce e à possibilidade de cura sem maiores complicações, mas também para propiciar ao Sistema de Saúde dados que facilitem a vigilância à tripanossomíase, são de grande interesse e importância a detecção e notificação da doença de Chagas aguda. É fundamental lembrar que a introdução do tratamento etiológico deve ser precedida de uma avaliação clínica completa, CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 89 Quadro 3. Esquema prático do procedimento diagnóstico frente a um caso suspeito de Doença de Chagas aguda, em serviços da rede básica de saúde. 1. Pensar em DCA frente a situações clínicas e epidemiológicas sugestivas, tais como febre prolongada de etiologia obscura, sinais de porta de entrada (Romaña e outros), sinais de comprometimento miocárdico, recém nascido febril com hepatoesplenomegalia (filho de mãe chagásica), antecedente de vivenda infestada por triatomíneos e/ou transfusão de sangue recente, etc.; 2. Realizar exame a fresco imediato, repetindo três a quatro vezes ao dia durante alguns dias face aos resultados anteriores negativos; 3. Procurar enriquecer a pesquisa direta realizando concomitantemente a técnica de micro-hematócrito; 4. Se não se dispuser de microscopia no local, pode-se colher gota espessa para exame em município vizinho, num esquema similar ao do exame a fresco (item 1, acima); 5. Colher sangue venoso (ou capilar, em papel de filtro) para realizar imediatamente a pesquisa usual de anticorpos da classe IgG por técnicas convencionais (como imunofluorescência (TIFi), hemaglutinação (HAi) e ELISA), repetindo este exame três semanas após: uma “viragem” do resultado indicará doença aguda. Se o primeiro exame for positivo, pode tratar-se de um momento tardio de fase aguda ou de um paciente já com doença de Chagas crônica, uma dúvida que eventualmente pode ser dirimida através da clínica, da epidemiologia e de outros exames de laboratório (especialmente parasitológicos diretos); 6. Se possível, tentar pesquisa de AC anti T. cruzi da classe IgM. Se positivo, o resultado será bastante sugestivo de DCA, especialmente quando a clínica e a epidemiologia forem compatíveis; 7. Sempre subsidiar o estudo do caso com ECG e hemograma completo, idealmente semanais; 8. Realizar outros exames específicos para afastar outras etiologias em face de doenças agudas com febre prolongada (diagnóstico diferencial). Fonte: Ministério da Saúde(23). Quadro 4. Principais reações colaterais observadas no tratamento específico da doença de Chagas. Sintoma / sinal Anorexia Cefaléia Dermatopatia Excitação psíquica Gastralgia Insônia Náuseas Perda de peso Polineuropatia Vômitos Benzonidazol ++ + +++ + + ++ + + ++ Nifurtimox +++ ++ + +++ +++ ++ +++ +++ ++ +++ Fonte: Ministério da Saúde(23). Gráfico 1. Redução da fibrose e inflamação no miocárdio chagásico crônico após o transplante de medula óssea. Fonte: Santos (34)*. (*) Grupos de camundongos BALB/c com infecção crônica (18meses de infecção), não tratados ou transplantados com células de medula óssea singênicas (2x107 células por camundongo) foram sacrificados após 30 ou 60 dias de transplante. Secções do coração foram preparadas para avaliação histopatológica com coloração por hematoxilina/eosina para análise do infiltrado inflamatório (a) ou por tricrômio de Masson para quantificação da fibrose intersticial (b). Barras verticais representam os desvios padrões da media de 3-8 camundongos. 90 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA que inclui anamnese e exame físico completo, realização de duas provas sorológicas quantitativas, pesquisa do T.cruzi eletrocardiograma de repouso e radiografias de tórax em perfil, póstero-anterior e com esôfago contrastado, assim como o seguimento a posteriori. Este seguimento deve ser feito a cada seis meses, durante cinco anos, exceto nos casos de tratamento instituído na forma crônica tardia que merece um acompanhamento mais prolongado, já que o principal critério de cura é a negativação da sorologia e da parasitemia. Uma outra opção terapêutica voltada para a tripanossomíase aguda, porém não disponível no Brasil, é o Nifurtimox, que tem como nome comercial, LampitÒ. Deve ser administrado também por um período de sessenta dias, numa dose de 8-12 mg/kg/dia divididos em duas ou três tomadas. Os efeitos colaterais relatados com uso desta droga também encontram-se listados no Quadro 4. Tratamento para a forma crônica recente Esta forma corresponde ao período inicial da moléstia, depois que cessa a fase aguda da doença (no mínimo cinco anos de infecção). Na prática, como já citado anteriormente, considerase a classificação nesta forma da doença a toda criança ou adolescente com comprovação sorológica da infecção. Esta é outra indicação para o uso do Benzonidazol, com resultados razoáveis de cura. Tratamento para a forma crônica indeterminada Essa forma clínica da patologia chagásica abrange a maior parte dos doentes. Caracteriza-se pela persistente latência da infecção, em pessoas assintomáticas e após exame clínico detalhado, radiografias de tórax, eletrocardiograma de repouso e ecocardiograma sem alterações identificadas. Portanto, nessa fase o paciente encontra-se assintomático, ainda que com exames sorológicos positivos. Para esses casos, além do acompanhamento ambulatorial regular, alguns especialistas afirmam a importância do tratamento etiológico para casos selecionados, como quando em caráter de investigação clínica ou teste terapêutico individualizado. Tratamento para a forma crônica tardia Apesar da baixa percentagem de cura com o medicamento específico nesse grupo, aceita-se que, no caso do fácil acesso do paciente ao remédio esse deva ser tratado independente da forma da doença em que se encontre. Outra formal indicação é como agente supressivo em pacientes recém-transplantados. As formas crônicas tardias envolvem principalmente arritmias e/ou insuficiência cardíaca congestiva (miocardiopatia chagásica) ou esofagopatia (megaesôfago chagásico) ou colopatia (megacólon chagásico) ou a associação das mesmas. Devido à semelhança da fisiopatologia dessas anormalidades da Doença de Chagas com a de outras formas de acometimento do coração e aparelho digestivo e à ausência de terapêutica específica, que não o Benzonidazol, notar-se-á, conseqüentemente, o uso, por analogia, de medidas terapêuticas empregadas em outras enfermidades com bons resultados, também na tripanossomíase. Tratamento das arritmias Apesar da clássica associação da Doença de Chagas com bloqueio completo de ramo direito e bloqueio divisional ânterosuperior, muitas outras arritmias cardíacas fazem parte da forma cardíaca da Doença de Chagas. O tratamento vai depender do tipo de arritmia. Nas bradiarritmias sintomáticas por causas não reversíveis como, bloqueio atrioventricular (BAV) ou disfunção do nodo sinusal, assim como no BAV assintomático, mas de localização baixa no feixe de His (BAV de 2ºgrau Mobitz tipo II e BAVT) o implante do marcapasso é o tratamento de escolha. Para essa indicação terapêutica o eletrocardiograma de repouso e o Holter de 24 horas são suficientes. Um estudo eletrofisiológico pode ser necessário para algumas arritmias. Nas taquiarritmias ventriculares, o objetivo principal é a resolução dos seus sintomas inerentes e a prevenção da morte súbita, que ocorre com moderada freqüência entre os chagásicos, não havendo condutas consensualmente aceitas. A conduta mais aceitável atualmente é a de não tratar primariamente arritmias ventriculares em pacientes assintomáticos com cardiopatia chagásica crônica. No caso de uma taquicardia ventricular sustentada (TVS), do tipo recorrente, e com a função ventricular preservada, a ablação do circuito da arritmia representa uma boa opção terapêutica. Se a função ventricular já estiver deprimida, deve-se cogitar a possibilidade do implante de um cardiodesfibrilador (CDI), após a tentativa de controle da arritmia com a Amiodarona. Nos sobreviventes de uma parada cardíaca e nos que toleram mal a TVS, o CDI seria a primeira escolha. Estudos mais recentes com uma arritmia também muito freqüente entre os chagásicos, a fibrilação atrial (FA), sugerem a ablação circunferencial da veia pulmonar como medida suficiente para restabelecimento do ritmo sinusal independentemente do uso de medicamentos anti-arrítmicos ou cardioversão(26). Tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca congestiva secundária à miocardiopatia chagásica A descompensação circulatória desencadeada pela Doença de Chagas é devida ao intenso processo inflamatório multifocal, mediado por células mononucleares, da musculatura cardíaca, com evolução para fibrose irreversível e falência miocárdica. Como dito anteriormente, devido às semelhanças fisiopatológicas, a insuficiência cardíaca (IC) desta enfermidade vem sendo tratada como as outras formas de falência cardíaca: restrição salina, diuréticos, vasodilatadores (nitrato, hidralazina, inibidores da ECA e antagonistas do receptor da angiotensina II), digitálicos e beta-bloqueadores. Porém, devido a elevada prevalência da patologia, ainda necessita-se de grandes estudos clínicos avaliando o uso destas medicações especialmente nessa população de doentes. Um exemplo de medida terapêutica que vem sendo bem estudada neste grupo e que já apresenta boa delimitação das aplicações é o uso de anticoagulantes orais, especialmente em pacientes que parecem apresentar relação com acidentes vasculares cerebrais (AVCs) embólicos, independentemente da presença de trombo intracavitário e/ou fibrilação atrial documentada.(11). As atuais recomendações de anticoagulação incluem: Fibrilação atrial, trombo mural evidenciado ao ecocardiograma, história de tromboembolismo ou acidentes vasculares cerebrais (AVCs) prévios, etc. Dentre as intervenções cirúrgicas, apenas serão abordados a ressincronização cardíaca, a cardiomioplastia dinâmica, a ventriculectomia reducional. O transplante cardíaco, também se aplica aos casos de IC refratária ao tratamento farmacológico clínico, porém tem duas importantes limitações: a primeira diz respeito à disponibilidade de órgãos para transplante no Brasil, onde a política de transplante de órgãos encontra-se incipiente, e a segunda é a iminente possibilidade de reativação infecciosa ocasionada pela terapia imunossupressora. Um exemplo disso é o reaparecimento de lesões ricas de parasitos (meningoencefalite, miocardite) em pacientes portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), o que o levou CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE ao patamar de condição definidora da doença em portadores do vírus HIV, por parte do Ministério da Saúde(27). Mais adiante será comentada sobre a terapia celular, como nova alternativa aos cardiopatas chagásicos crônicos com refratariedade ao tratamento farmacológico. Tratamento da esofagopatia chagásica Como descrito anteriormente, o acometimento do esôfago na Doença de Chagas é resultado da destruição dos plexos nervosos pelo processo inflamatório desencadeado pelo parasito. Ocorre, então, a incoordenação nos movimentos responsáveis pela propulsão dos alimentos (aperistaltismo), associado ao quadro de acalasia (aumento do tônus do cárdia). Diante da obstrução distal o esôfago sofre dilatações cada vez maiores configurando o chamado megaesôfago chagásico. Tendo em vista a impossibilidade de restituir a motilidade normal do esôfago, o tratamento do megaesôfago visa, tão logo, facilitar o trânsito do bolo alimentar, reduzindo a resistência oferecida pelo cárdia. A conduta adotada atualmente preconiza o tratamento cirúrgico como a primeira opção. Caso se opte pelo tratamento clínico (principalmente nos quadros iniciais), devese orientar o paciente a alimentar-se preferencialmente com dietas pastosas, evitar a ingestão de alimentos e medicamentos à noite, assim como bebidas geladas. No entanto, recomenda-se o uso de bebidas gaseificadas e alcalinas com a finalidade de facilitar a promoção da limpeza esofágica, antes de deitar-se. Além disso, a utilização de vasodilatadores como o Dinitrato de Isossorbida 5mg, sublingual, cerca de quinze minutos antes das refeições ou Nifedipina 10mg, sublingual, cerca 35 a 40 minutos antes da alimentação, reduzem significativamente a pressão basal do esfíncter inferior do esôfago (EIE), porém têm efeito apenas paliativo. A dilatação por sonda ou balão, antigamente muito efetuada, atualmente, cedeu lugar ao tratamento cirúrgico que combina técnicas de facilitação do trânsito alimentar com técnicas antirefluxo. Hoje em dia, a cirurgia mais utilizada é a de Heller-Pinoti (Cardiomiotomia extra-mucosa com fundoplicatura anterior), que tem suas indicações mais formais em pacientes com dilatações situadas nos Grupos radiológicos II e III, mas que também se presta à cirurgia precoce de alguns pacientes do grupo radiológico I. Nos casos mais avançados, de dolicomegaesôfago (Grupo IV), devido aos resultados insatisfatórios com a cirurgia de Heller e a dilatação, a conduta mais aceita é esofagectomia, seja com a interposição do cólon ou intestino ou anastomose direta com o estômago (mais utilizada). O prognóstico pós-cirúrgico destes pacientes ainda permanece reservado(4)(Gráfico 1). Experimentos mais recentes evidenciam a possibilidade de tratamento das formas iniciais da doença com a toxina botulínica (Botox), apresentando bons resultados iniciais no que tange ao relaxamento do cárdia e a melhora dos sintomas de disfagia. Porém essa medicação, que não é tóxica e permite uma abordagem inicial menos invasiva, tem o inconveniente de com o uso repetido induzir a produção de anticorpos e a conseqüente inativação da toxina em administrações posteriores da droga(42). Novas tendências terapêuticas Como lembrado anteriormente, existem apenas duas medicações para o tratamento etiológico (cura) da tripanossomíase, o Benzonidazol e o Nifurtimox, sendo que apenas o primeiro deles é comercializado no Brasil e que ambos estão no mercado há mais de 25 anos sem o aparecimento de novas drogas com menores efeitos colaterais ou melhores 91 resultados no tratamento da cardiopatia chagásica crônica. Enquanto a população de indivíduos portadores de Doença de Chagas ainda aguarda o desenvolvimento de novos quimioterápicos mais eficientes, especialmente para as formas crônicas dessa patologia, e com menor grau de toxicidade, uma nova estratégia terapêutica surgiu e vem sendo cada vez mais estudada na tentativa de atenuar ou reparar os danos causados pelo longo período de exposição do tecido miocárdio do chagásico ao processo inflamatório característico desta doença: a Terapia CelularC . Por Terapia Celular, entende-se como a utilização de células, fatores de proliferação e biomateriais com a finalidade de reparar ou reconstituir tecidos e órgãos lesados. A unidade base para este processo de regeneração tissular é uma célula indiferenciada e dotada de grande poder de proliferação, a célula-tronco(34). Com base nos primeiros estudos utilizando células-tronco de medula óssea de camundongo com a finalidade de regenerar tecido muscular esquelético, que datam de 1998 e que obtiveram sucesso, e fazendo analogia aos estudos, inicialmente com modelos animais e posteriormente com humanos portadores de cardiopatia isqûemica, que mostravam redução da área de fibrose, formação de novos cardiomiócitos e neovascularização, foi realizado o primeiro transplante de células-tronco do mundo em paciente portador de cardiopatia chagásica crônica(34,38). Tratavase de um paciente de 52 anos, em classe funcional III pela NYHAD , com terapêutica padrão otimizada (inibidor da enzima conversora da angiotensina, beta-bloqueador, espironolactona, digitálico e diurético de alça em doses máximas e submáximas) e que em 30 dias após o procedimento apresentou melhora da capacidade funcional, dos índices dos exames radiológicos (ecocardiograma e ventriculografia radioisotópica) e dos escores subjetivos que avaliam a qualidade de vida(1,22). Na verdade, pouca informação pode ser tirada a partir de um caso isolado, porém ficou demonstrado a exeqüibilidade do procedimento, ainda que um número maior de pacientes precise ser abordados para a melhor avaliação dos dados. Até novembro de 2005, 35 pacientes portadores de cardiopatia chagásica crônica que estavam nas classes funcionais II e IV haviam sido submetidos ao transplante de células-tronco de medula óssea, com sucesso. Essa experiência prévia motivou a ampliação das pesquisas na área e, atualmente, também em Salvador, vem sendo testado o uso da terapia celular para o tratamento da cirrose hepática, além da programação da ampliação dos estudos para o nível nacional, com perspectivas de alcançar um número de 300 pacientes em diversos centros(36). É de extrema importância notar que, ainda que tenha havido a possível redução da fibrose, redução do processo inflamatório e aumento da massa miocárdica nos transplantados, não foi evidenciada a redução na carga parasitária tissular após a terapia celular. Ou seja, a terapia com células da medula óssea nem de longe representa a cura da doença. Isto nos sugere que os quimioterápicos antiparasitários persistirão como parte integrante do tratamento da Doença de Chagas e nos remete ao fato de existir uma carência no mercado de drogas que atuem efetivamente nas formas crônicas desta enfermidade. Mais estudos a respeito da terapêutica com células-tronco, definitivamente, precisam ser realizados e em relação aos que já estão em curso cabe-nos o seguimento, porém esse pode ser uma das alternativas aos casos clínicos refratários ao tratamento C NOTA DO EDITOR: é ainda um tratamento experimental, e após expressa autorização da Comissão nacional de Ética em Pesquisa. D New York Heart Association. A Classe Funcional III pela NYHA é definida por: Marcada limitação por dispnéia/fadiga durante atividade física ordinária. 92 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA otimizado, que não o transplante cardíaco, que traz consigo inúmeros e grandiosos obstáculos para sua realização. PREVENÇÃO A profilaxia da doença de Chagas é feita a partir de medidas específicas, como eliminação dos vetores e controle da qualidade do sangue e hemoderivados, e também de medidas inespecíficas, como melhoria da qualidade de vida da população em geral e modificação do hábito de destruição da fauna e da flora. O combate ao vetor promove a eliminação da principal via de transmissão através da utilização de inseticidas de ação residual borrifados na área peridomiciliar das regiões de risco e também no interior das residências. Alguns autores atestam extrema diminuição de casos agudos após práticas de eliminação do vetor, como no exemplo da cidade de Montalvânia, em Minas Gerais(29) . Desde 1991 existe um programa especial para o controle transfusional da doença de Chagas nos países do Cone Sul, com legislação específica sobre a qualidade da hemoterapia e da implementação de laboratórios nacionais, tudo em paralelo com o controle vetorial. Observou-se a progressiva diminuição na prevalência da infecção chagásica entre os candidatos à doação de sangue e também um gradual deslocamento de doadores infectados para grupos etários mais elevados, como resultado desse controle.(15) O controle da transmissão congênita ainda não tem uma boa estratégia na rotina médica, pelo fato das informações ainda serem débeis em relação a essa forma de infecção. O que se faz hoje é a pesquisa sorológica em recém-nascidos de mães chagásicas, e imediata terapêutica para os casos diagnosticados. Uma das principais formas de controle da infecção pelo T.cruzi permeia aspectos políticos e econômicos em que vive a população exposta. Referem-se aqui as condições de moradia dessa população, sua educação, seus hábitos e seu nível de instrução. A melhoria habitacional é a medida que mais rapidamente tem impacto sobre a transmissão, porque existe uma relação direta da infestação domiciliar por triatomíneos e estado físico da casa. Não é considerada aqui apenas a falta de alvenaria, mas também a higiene interna do domicílio, como o acúmulo de objetos, por serem bons esconderijos para o vetor, e a área anexa à moradia, como galinheiros, paióis, currais, etc. O problema da moradia afeta não somente as populações rurais, mas também as populações urbanas mais desenvolvidas, apesar de haver maior relação com o padrão econômico das pessoas do que com a região em que moram. O entendimento pelas pessoas do risco que representa a doença de Chagas é difícil, devido o caráter crônico da doença e sintomas relativamente inespecíficos da fase aguda, que muitas vezes são menosprezados pelos pacientes e a comunidade. Vê-se, portanto, que a profilaxia da doença de Chagas deve ser feita integrando-se vários métodos: combate ao triatomíneo, identificação e seleção de doadores de sangue e melhoria da habitação, com adequada higiene e limpeza da mesma. ASPECTOS PSICOSOCIAIS E COGNITIVOS DA DOENÇA DE CHAGAS Desde os primórdios, os estudiosos já manifestavam a crença de que os estados emocionais estavam relacionados ao surgimento, manutenção e agravamento de muitas doenças. Passando do conhecimento cartesiano à psicanálise, hoje, não se tem dúvidas de que fatores emocionais podem determinar diferentes evoluções no quadro orgânico, em função da condição cognitiva e psicossocial do paciente. Apesar do número de estudos relacionados aos comprometimentos psicológicos nos pacientes chagásicos serem restritos, Storino(40) destaca que o paciente, ao saber da doença e tomando conhecimento do seu curso, “desenvolve uma sintomatologia reativa que vai desde uma depressão leve, de uma simples ansiedade, até à síndrome de alexitimia”. Este processo seria desencadeado pelo “temor oculto da evolução maligna e pela impossibilidade de deter a doença.”(16). A constatação de que o medo da morte é inerente a todo ser humano, independentemente de sexo, religião, cultura, é conhecida e validada por uma série de pesquisas e estudos. Sabe-se também que, para lidar com este processo, o paciente terá que buscar mecanismos internos, mais precisamente, mecanismos de defesa. Quanto mais preservado tiver sido o seu desenvolvimento psicoafetivo, maior a possibilidade de adaptação, existindo maior probabilidade de o paciente lidar com o curso evolutivo da doença e seus desdobramentos. O portador da doença de Chagas, em geral, origina-se de um ambiente socioeconômico e cultural restrito, ou seja, vive em um meio familiar desestruturado, experimentando marginalização social, carência de condições básicas e poucas oportunidades de desenvolvimento intelectual(40). Conseqüentemente, seus mecanismos de defesas são primitivos e pouco adaptativos. A forma como um paciente de doença terminal evolui a partir do conhecimento da mesma é descrita em alguns estudos, sendo cinco os estágios constatados por Elisabeth Kubler-Ross(2) como sendo: a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Negação e isolamento No primeiro estágio, os mecanismos de defesa utilizados seriam formas de enfrentar a dor psíquica diante da possibilidade da morte. A duração e a intensidade desses mecanismos dependeriam de como a pessoa que sofre e as outras ao seu redor são capazes de lidar com essa dor. No caso dos chagásicos, como já foi descrita, a condição de vida é em geral extremamente desfavorável, o que ocasiona o consumo abusivo do álcool como um meio de facilitar a negação da doença e de o afetado provar a si mesmo e aos outros que está saudável. Raiva O segundo estágio seria a raiva. Nesta fase, o ambiente é hostilizado pela revolta de quem sabe que vai morrer. Junto com a raiva, também surgem sentimentos de revolta, inveja e ressentimento. A dor psíquica do enfrentamento da morte manifesta-se por atitudes agressivas e de revolta que podem ser exacerbadas pelo consumo do álcool. A compreensão das pessoas próximas é necessária, pois a angústia transformada em raiva na pessoa que tem suas atividades interrompidas pela doença ou pela morte será proporcional às respostas de acolhimento e compreensão advindas do meio social bem como da estrutura psíquica do portador. Barganha O terceiro estágio descrito é a barganha. A maioria dessas barganhas é feita com Deus e, normalmente, mantida em segredo. A barganha, na realidade, é uma tentativa de adiamento; neste intuito, o indivíduo compromete-se a ser dedicado ao próximo e coloca-se a serviço de Deus objetivando a cura. Nessa fase, o CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE paciente mantém-se dócil, reflexivo e sereno. Afinal, não se pode barganhar com Deus, ao mesmo tempo em que o agride e o hostiliza. Depressão A depressão seria o quarto estágio e surge quando o paciente toma consciência de sua debilidade física, quando já não consegue negar suas condições de doente e as perspectivas da morte são claramente sentidas. Neste momento a depressão assume um quadro clínico típico e característico: desinteresse, desânimo, tristeza, apatia, choro, etc. Aceitação O período da aceitação é descrito como último estágio, mas nem sempre os pacientes passam por todas as etapas, especialmente esta. Kovács et al.(18) fez um estudo que constata o medo da morte como um aspecto inerente a todo ser humano, independentemente de sexo, religião, cultura. Segundo a autora, a ansiedade e o medo estão associados, sendo o primeiro um sentimento ligado a uma causa difusa, e o segundo, ao real. A relação então que se estabelece será de quanto maior a ansiedade, maior o medo da morte. Variáveis como o tempo, espaço, probabilidade, gênero, manifestação, patologia, diferenças individuais, devem ser estudadas para maior compreensão sobre o medo da morte e a repercussão na vida do portador de uma doença incurável. Escalas e questionários são instrumentos valiosos, segundo a autora, para se avaliar a intensidade do medo das pessoas em relação à morte. Algumas conclusões são bastante significativas, destacando-se: O medo da morte diminui nas pessoas mais religiosas, o mesmo acontecendo com os ateus convictos. Não há diferenças significativas entre as pessoas normais, neuróticas e psicóticas em relação ao medo da morte. O contato direto com a morte influencia sobre o modo consciente de se pensar na morte. A experiência de vida e os traços de personalidade são variáveis relevantes para se determinar o grau de medo em relação à morte. Aparentemente, não há correlação entre o medo da morte e a escolha profissional. Crianças que tiveram experiências negativas apresentam maior angústia acerca da morte. O medo da morte está diretamente relacionado a variáveis próprias da vivência no decorrer do desenvolvimento. A partir desse estudo, pode-se inferir que a maturidade psicológica do indivíduo é um fator importante no sentido de conter o medo da morte, tendo esta como inevitável, porém com investimento continuado na vida. Desta forma, é importante que haja uma conscientização sobre a necessidade de dar aos pacientes portadores de doença de Chagas um suporte emocional, incentivá-los a buscar grupos de apoio no decorrer de toda a evolução da doença, tanto para a família quanto para o portador. Características cognitivas dos portadores de Chagas Hueb et al(16) apresentaram, em 2005, um trabalho de revisão que expunha indícios significativos da relação entre a doença de Chagas e determinadas características, sugerindo a necessidade de serem ampliadas as pesquisas que investiguem de forma mais detalhada o impacto da doença sobre o portador. Foram registrados alguns aspectos que relacionam alterações 93 comportamentais associadas à baixa capacidade mnemônica e cognitiva identificadas na doença de Chagas crônica, independentemente da identificação da forma nervosa. Esse trabalho também apresentou uma análise de cinco artigos que pesquisaram prioritariamente a inteligência em seus aspectos gerais e áreas específicas, tais como: a atenção, a memória, a percepção e a psicomotricidade, particularmente no aspecto da organização percepto-viso-motora, todos eles trabalhando com a hipótese de que a doença de Chagas afeta o funcionamento cognitivo dos portadores. Nos cinco artigos revistos foram utilizadas amostras de conveniência, grupos de comparação e instrumentos padronizados, explicitando critérios bem-definidos de inclusão e exclusão dos participantes. Estas foram as principais conclusões: Quatro artigos confirmaram a hipótese de prejuízo cognitivo associado à doença de Chagas, sendo que o único que não identificou tal associação (Moncada, Romero, Espinoza & Leal, 1987) utilizou um instrumento não padronizado para a população avaliada, a qual habitava a zona rural. Nos quatro artigos que indicam prejuízos cognitivos (Jörg & cols., 1972; Mangone & cols., 1994a; Mangone e cols., 1994b; Pereyra, Mangone, Segura, Genovese & Sica, 1992) verificouse tanto comprometimento da inteligência geral quanto prejuízo da inteligência específica, no que tange aos processos mnemônicos, sendo que dois deles (Jörg & cols., 1972; Mangone e cols., 1994a) verificaram também sinais de déficit atencional. O estudo de Jörg e cols.(1972), além dos prejuízos assinalados, detectou deficiências quanto ao desempenho da coordenação visomotora, leitura, escrita e capacidade de compreensão. Como conseqüência desses prejuízos, foram verificadas outras dificuldades tais como: pobres ajustes ao senso comum, baixa tolerância à frustração, além de restritas habilidades nas realizações da vida diária. A análise final dos trabalhos valida a associação de prejuízo cognitivo à doença de Chagas e demonstra que o impacto tanto é verificado na área intelectiva quanto nas funções cognitivas específicas. Ainda no trabalho de Hueb et al.(16), são encontrados alguns estudos que analisam a doença de Chagas em relação à dimensão psicossocial, esta como sendo o nível de educação e informação dos portadores em relação à doença, sua ação sobre os hábitos de higiene, condições de vida e expectativas em relação à doença. A compreensão sobre a doença, segundo os pesquisadores, deveria ultrapassar o entendimento dos aspectos biológicos e atingir a dimensão sociocultural relacionada ao contexto político, econômico, tendo a pobreza como o lugar comum. Destacam-se algumas inferências retiradas dos artigos estudados: Os pacientes revelam ser portadores de medos, com baixa auto-estima e estigma frente à doença, e apresentam prejuízos na qualidade de vida e na convivência familiar e social. Há uma melhora na qualidade de vida do transplantado cardíaco. Existe grande preconceito contra o portador trabalhador, determinando para esse uma pior condição de vida e prejuízos sociais. A doença de Chagas é geradora de estigma e preconceitos. A análise desses indicadores é um alerta para o nível de pobreza do povo, para dificuldades que envolvem o desenvolvimento de hábitos de saúde, particularmente para a população mais carente e que vive na zona rural. A ação preventiva eficaz e as medidas adequadas carecem de estudos, pesquisas que contemplem variáveis amplas e combinadas, objetivando uma ação mais efetiva. 94 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA PERSPECTIVAS O custo social da doença torna-se aparente quando se considera o elevado número de pessoas acometidas e o número de óbitos da doença (Tabela 4). A infecção chagásica ocorre predominantemente nos primeiros anos de vida. As pessoas infectadas que sobrevivem à sua fase aguda permanecem infectadas pelo resto da vida, pela inexistência de tratamento efetivo. Desses, mais da metade apresentará comprometimento cardíaco, geralmente nas idades mais produtivas, muitas vezes fatal. A transmissão da infecção pelo barbeiro se dá predominantemente nas áreas rurais de baixa densidade populacional. A endemia rural, entretanto, vem sendo transformada em verdadeira endemia urbano-rural devido a intensidade dos movimentos migratórios. Em alguns dos centros metropolitanos, a percentagem de trabalhadores acometidos pela doença chega a níveis de 4% e até 7%(44). Nas áreas em que os inseticidas foram adequadamente aplicados houve uma drástica redução da população de vetores e conseqüentemente da transmissão. Essa redução da transmissão vetorial sempre resulta também na diminuição, a médio prazo, de doadores de sangue e de gestantes infectados, o que reduz os riscos de transmissão transfusional e congênita. A persistência da endemia se deve à irregularidade com que as campanhas têm sido conduzidas, por motivos de ordem administrativa e, principalmente, orçamentária. Na raiz dessa descontinuidade encontra-se a falta de uma definição clara sobre a prioridade que o combate a esta endemia deve merecer. Essa opção é hoje mais uma questão de política governamental do que técnica. RECOMENDAÇÕES De posse desses conhecimentos, o agente de saúde da família passa a ter condições de identificar e ajudar na prevenção e tratamento da doença de chagas na comunidade em que trabalha e reside. Utilizando os sindicatos, os estudantes do primeiro e segundo grau, as comunidades religiosas e todos os movimentos comunitários existentes no seu universo de trabalho, o agente de saúde deve desenvolver atividades visando o controle da doença: fazer campanha de controle do vetor através de pesticidas, pesquisar a qualidade das habitações com formulários e/ou questionários, e encaminhar os portadores de doença sintomática grave (insuficiência cardíaca, arritmia, manifestações digestivas por megacólo e megaesôfago) para os hospitais terciários. O trabalho do agente deve visar à adoção de tratamento específico, o qual deve abranger desde a terapêutica mais simples (e.g. digital e diurético), a cardioestimuladores e desfibiladores internos, e até o uso de células-tronco, num futuro próximo. Numa suspeita forte de Doença de Chagas, deve-se confirmar o diagnóstico, o qual é alcançado através de uma anamnese perfeita, sempre pesquisando os órgãos que podem ser acometidos: cérebro (meningoencefalite), esôfago (megaesôfago), colo (megacolo) e coração (cardiomiopatia chagásica aguda ou crônica). Esta última existe sempre que uma das partes do coração está comprometida: o sistema de condução elétrico ou o músculo cardíaco. Os seguintes exames devem ser considerados quando existe a suspeita de comprometimento dos órgãos. → Cérebro - Tomografia computadorizada → Esôfago - Raio X de torax com esofago contrastado e endoscopia digestiva alta. → Colo - Enema baritado do colo e colonoscopia. → Coração - ECG, Raio X de tórax. Todos os outros exames que se fizerem nescessários para uma avaliação mais acurada devem ser de responsabilidade do especialista, numa etapa de atendimento terciário. CONCLUSÃO Concluindo, pode-se responder à pergunta: a doença de chagas é uma doença cosmopolita ou rural? Atualmente, no Brasil, e principalmente no Estado da Bahia, a doença é prevalente nos dois ambientes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Agência Fiocruz de Notícias. As mil e uma utilidades das células tronco. Fernando Merques. Extraído de hhttp://www.Fiocruz.br/ ccs/especiais/celulastronco/ ctronco_fer.htm, acesso em 8 de março de 2006. 2. Balonne GJ. Lindando com a morte http//gballone.sites.uol.com.br/ você/ morte1.html, acesso em 17 de abril de 2006. 3. Bittencourt ACL, Sadygursky M, Silva AA, Menezes CA, Marianetti MMM, Sólon C, Sherlock I. Evaluation of Chagas’ disease transmission throught breast feeding. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 83:37-9, 1988. 4. Brener Z. Terapêutica experimental na doença de Chagas. 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Technical Report Series, 2002. 96 II.7 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Luis Schiper Andréa Pato Vieira Campos Carolina Oliveira Santos David Araújo Veiga Rosário Ludmila Freitas da Almeida Ubenício Silveira Dias Junior André Ney Menezes Freire A OSTEOPOROSE COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA INTRODUÇÃO O envelhecimento da população é um fato observado em todo mundo e tem sido, freqüentemente, acompanhado pela osteoporose, patologia que se caracteriza pelo enfraquecimento das estruturas ósseas. seu aparecimento está relacionado ao aumento do risco de fraturas do esqueleto, principalmente do quadril (90% dos casos), na faixa etária acima de 65 anos de idade e em indivíduos do sexo feminino (75% dos casos identificados na população geriátrica). Nesse contexto supracitado, ratifica-se a necessidade de direcionar mais atenção a essa questão de saúde pública, buscando melhoria na qualidade de vida da população idosa. A prevenção da osteoporose é uma medida que reduz os custos empregados com o tratamento das fraturas e de suas seqüelas, podendo ser incorporada através de ações simples e eficazes, ao Programa de Saúde da Família (PSF) e, se implementada, contribuirá, efetivamente, com os cuidados que o SUS já destina aos idosos do País. Este trabalho tem como objetivo definir tais ações e orientar a equipe do PSF na execução adequada das medidas. A SITUAÇÃO DO PROBLEMA Palavras-chaves: Osteoporose, Colo do fêmur, Menopausa, Programa da Saúde da Família, Envelhecimento populacional. Em todo o mundo, inclusive no Brasil, o envelhecimento da população tem sido um evento comumente observado. No final do século XX, a expectativa de vida da população brasileira já se aproximava dos 70,5 anos de idade. Entre 1980 e 2003, a expectativa de vida dos brasileiros elevou-se em 8,8 anos – mais 7,9 anos para os homens e mais 9,5 anos para as mulheres – sendo que, em 2003, a estimativa ao nascer, para ambos os sexos passou a ser 71,3 anos. De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2025, o Brasil será o sexto país do mundo com maior número de pessoas idosas 21. Esse envelhecimento promove mudanças sócio-econômicas na população, e os governantes passam a ter preocupações com o seguimento de faixa etária mais elevada e suas características peculiares. Os idosos são capazes de aumentar a renda e a produção ativa de uma região, bem como trazer-lhe alto custo social, caso patologias inerentes à sua idade não sejam enfocadas com a devida seriedade, elevando os gastos da previdência social10. A osteoporose é um dos problemas que surge com o envelhecimento físico e biológico da população. A estrutura óssea apresenta-se enfraquecida, aumentando o risco de fratura do esqueleto. Em cerca de 90% dos casos secundários de fratura, a osteoporose localiza-se no quadril, ocorre em indivíduos acima de 65 anos de idade e, preferencialmente, em mulheres, com 75% dos eventos observados na faixa etária referida 2 4. A OMS considera a osteoporose uma doença negligenciada, mal diagnosticada e que afeta, aproximadamente, 200 milhões de mulheres no mundo, afligindo cerca de um terço das mulheres entre 60 e 70 anos de idade e dois terços das mulheres com 80 anos ou mais 31. No Brasil, estima-se que existam 4,5 milhões de brasileiras com osteoporose, e um risco de 140.000 fraturas de colo de fêmur ao ano 20. Estatisticamente, 50% das mulheres que sobrevivem às fraturas de colo de fêmur permanecem incapazes de caminhar sem assistência, 25% acabam confinadas a cuidados familiares e, entre 12% e 20%, morrem nos primeiros seis meses após correção cirúrgica 24. Esses dados confirmam a urgência em se dar prioridade as ações que minimizem os impactos sócio-econômicos conseqüentes desse grave problema de saúde pública, buscando-se uma melhoria na qualidade de vida da população idosa, principalmente, no que se refere ao seguimento das mulheres 5 . CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Nos EUA, a ocorrência anual de fraturas no quadril é de aproximadamente 250.000 casos com perspectiva de duplicação desse valor em 2040 17. No Brasil, estudo na cidade de Marília (SP) mostrou taxa de incidência bruta de fraturas do quadril de 4,46/10.000 habitantes/ ano em 1994, e 5,551/10.000 habitantes/ano em 1995 16. Estas fraturas são, em geral, tratadas cirurgicamente. Por acometer a população mais idosa são freqüentes as comorbidades, como: hipertensão arterial, diabetes melitus, cardiopatias, entre outras doenças crônicas. Essas co-morbidades elevam a taxa de mortalidade, sendo 20% maior que a esperada para uma população na mesma faixa etária sem fratura 11. Com o aumento da expectativa de vida, as Unidades Básicas de Saúde devem preparar-se para atender a demanda de doenças crônico-degenerativas que antes eram atendidas, principalmente, pelos médicos-especialistas 27. A Atenção Básica constitui-se no primeiro nível da atenção à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), compreendendo um conjunto de ações de caráter individual e coletivo, que engloba a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. O Programa da Saúde da Família (PSF) insere-se no Nível de Atenção Básica à Saúde, como um modelo importante de aproximação da população com o SUS. A Saúde da Família, estratégia priorizada pelo Ministério da Saúde para organizar a Atenção Básica, tem como principal desafio promover a reorientação das práticas e ações de saúde de forma integral e contínua, levando-as para mais perto da família e, com isso, melhorando a qualidade de vida dos brasileiros. O atendimento é prestado pelos profissionais das equipes de saúde da família (Médicos, Enfermeiros, Técnicos de Enfermagem, Agentes Comunitários de Saúde, Dentistas e Auxiliares de Consultório Dentário) na unidade de saúde ou nos domicílios. Essa equipe e a população, acompanhadas, criam vínculos de co-responsabilidade o que facilita a identificação, o atendimento e o acompanhamento dos agravos à saúde dos indivíduos e famílias na comunidade. Alguns dos aspectos mais importantes do PSF são a promoção da saúde e a prevenção de doenças, não existindo outro modo de viabilizar tais metas se não for através do planejamento, de forma a se preverem as dificuldades enfrentadas e preparar o município, os profissionais e as comunidades para essa tarefa. OSTEOPOROSE Diagnóstico A Osteoporose é o tipo mais comum de doença metabólica óssea, caracterizada pela redução de sua massa e deteriorização da micro arquitetura do osso. Desse modo, o osso diminui em quantidade, mas continua apresentando a composição orgânica normal. Essa situação leva a uma maior fragilidade estrutural e conseqüente aumento do risco de fraturas devido a pequenos traumas 13. Entre a adolescência e os 35 anos de idade, é atingido o pico de massa óssea. A partir de então, ocorre normalmente, à medida que as pessoas envelhecem, uma redução progressiva da massa óssea devido à maior velocidade de reabsorção óssea se comparado à de formação do osso 6 . O diagnóstico da Osteoporose pode ser feito através de um estudo radiográfico que evidencie fratura por fragilidade óssea ao nível do colo femoral, punho, ombro e corpos vertebrais ou através da medida de densidade óssea (BMD) 19. 97 Existem várias técnicas para a mensuração da densidade mineral óssea, dentre elas, a Densitometria Óssea é hoje o exame de referência para o diagnóstico da Osteoporose devido à sua grande precisão, baixa dose de radiação, duração rápida do exame e baixo custo. Esse exame é realizado por técnica de DEXA-absorciometria por Raios-X. O diagnóstico da Osteoporose é realizado pela avaliação da coluna lombar, em incidência antero-posterior (AP) e do fêmur proximal, colo femoral e/ou fêmur total e antebraço, segundo os critérios propostos pela OMS. 19. O maior valor preditivo para fratura, contudo, dá-se quando se mede o próprio local de interesse. Por exemplo, o melhor local para se avaliar risco de fratura da coluna é a própria coluna 18. Como a Densidometria Óssea tem custo elevado, há os seguintes indicadores para reforçar, ou não, essa solicitação pelo médico assistente: → Idade superior a 65 anos; → Diagnóstico prévio de osteoporose; → Sexo feminino da raça branca; → História de fraturas anteriores em qualquer osso; → Pacientes em uso de corticoterapia crônica; → Pacientes com hiperparatiroidismo primário; → Pacientes em tratamento da osteoporose, para controle da eficácia da terapêutica9. É considerado como Osteoporose quando a densidade mineral óssea (BMD), ou massa óssea, está 2,5 pontos abaixo do padrão normal para mulheres com 25 anos, estabelecido pela Organização Mundial de Saúde. Nessa fase, o risco de fraturas espontâneas ou não traumáticas é elevado. Esse tipo de trauma pode acontecer, quando a pessoa cai da sua própria altura, ou mesmo, quando esbarra em algum objeto. Se a densidade estiver entre 1,5 e 2,5 pontos de desvio padrão-normal para mulheres, caracteriza-se a osteopenia, que é uma situação pré-osteoporótica 28. A doença instala-se de forma silenciosa, pois não há sintomas claros que revelem o enfraquecimento do esqueleto. Podem ser observadas perda de altura progressiva e deformidades vertebrais, principalmente cifose dorsal. Infelizmente, a maioria dos pacientes só descobre o problema depois de fraturar algum osso. Algumas dessas fraturas podem deixar seqüelas para o resto da vida do paciente, como: dificuldade para caminhar, realizar as atividades habituais e, até mesmo, prejuízo à respiração22. As fraturas mais comuns na osteoporose são do corpo vertebral, punho e quadril e, eventualmente, também em arcos costais, bacia e ombro 29. A osteoporose pode ser classificada como primária, ou seja, aquela que não é gerada por alguma outra doença prévia, ou secundária, decorrente de uma anormalidade endócrina ou neoplásica, como: hiperparatireoidismo, diabetes mellitus, corticoterapia prolongada, menopausa cirúrgica, tumores de medula óssea e mieloma múltiplo 13. A osteoporose primária pode ser dividida em pós-menopausa (Tipo I), que ocorre devido à redução nos níveis do hormônio estrogênio, e senil (Tipo II), que ocorre em ambos os sexos, geralmente a partir dos 65 anos de idade 14. A osteoporose, a exemplo de outras doenças crônicas, tem etiologia multifatorial. Fatores genéticos contribuem com cerca de 46% a 62% de densidade mineral óssea (DMO) e, portanto, 38% a 54% podem ser afetados por fatores relacionados ao estilo de vida, tais como a nutrição 13. 98 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Os principais fatores de risco para osteoporose são passíveis de controle, podendo ser classificados em genéticos, biológicos, comportamentais e ambientais 13. Dos fatores genéticos e biológicos, as pessoas brancas e as de origem oriental apresentam maior risco de fraturas do que populações afrodescendentes, assim como mulheres de qualquer grupo racial em relação aos homens. Desse modo, o antecedente familiar, particularmente materno, de fraturas osteoporóticas é uma indicação para o exame. É também importante observar presença de escoliose, osteogênese imperfeita e menopausa precoce. O risco de fraturas também esta associado ao maior risco de quedas, principalmente em pessoas com déficit visual, de força muscular no quadríceps e/ou cognitivo, alterações de marcha e disfunções neurológicas que afetem o equilíbrio 13. Dos fatores comportamentais e ambientais, os mais prevalentes são: alcoolismo, tabagismo, consumo excessivo de café, falta de atividade física regular, longos períodos de imobilização, má nutrição, baixa ingesta de cálcio, amenorréia induzida por excesso de exercícios, dieta com alta ingesta de fibras, fosfatos e proteínas. O risco de fraturas osteoporóticas em usuários de corticosteróide, por mais de seis meses, é de cerca de 30% a 50% superior aos indivíduos que não usam essa droga. Drogas que provoquem hipotensão postural ou alterações do equilíbrio, como anti-hipertensivos, barbitúricos, benzodiazepínicos e diuréticos, podem também aumentar o risco de quedas 18. Ao se encontrar um paciente com queixas que levem à suspeita de Osteoporose ou, ao se reavaliar um paciente cujo diagnóstico já esteja confirmado, os principais aspectos a serem investigados no exame físico são: estatura, peso corporal, hipercifose dorsal, abdômen protuso, outras deformidades esqueléticas e sinais físicos de doenças associadas à osteoporose 13. Poderão ser solicitados exames complementares, como os testes laboratoriais, chamados neste caso de marcadores bioquímicos de formação e reabsorção óssea, pois identificam mudanças na remodelação óssea em curtos intervalos de tempo. Seu emprego é bem definido na monitorização do tratamento. A osteocalcina e a fosfatase alcalina são indicadores de formação óssea, enquanto a piridinolina, a deoxipiridinolina e os telopeptídeos do colágeno tipo 0 são da reabsorção óssea 12. Os exames radiológicos são indicados para o diagnóstico das fraturas; porém, esta técnica não deve ser utilizada para diagnosticar Osteoporose, visto que sinais de descalcificação só se tornam evidentes quando a perda de massa óssea é superior a 30%, achado tardio e já sem a devida importância nessa patologia 29. Os pacientes que apresentam redução inesperada da estatura ou quadro doloroso vertebral devem realizar radiografias da colunas dorsal e lombar para investigar possível imagem de fratura do corpo vertebral. Os exames radiográficos, assim como os testes laboratoriais, são úteis para o diagnóstico diferencial de outras doenças que possam acometer o osso 13. Tratamento O tratamento da Osteoporose engloba abordagem multicêntrica, sendo as medidas profiláticas vistas como fatores de sucesso no desfecho da melhora da patologia. Uma boa nutrição, consistindo de dieta balanceada, com quantidade de calorias satisfatória e suplementação de cálcio e vitamina D, quando necessários, dará ao indivíduo uma massa óssea adequada. O nutriente mais importante para o osso é o cálcio; sua suplementação na alimentação pode ser usada, também, como prevenção e tratamento da osteoporose. Suas principais fontes são o leite e seus derivados, mas pode ser encontrado em diversos tipos de alimentos 8 , como mostrado no quadro 1. Os suplementos de Cálcio são disponíveis em vários tipos de sal. Alguns deles são: carbonato, citrato, lactato e o gluconato 25. A Vitamina D é produzida na pele depois de adequada exposição solar. Embora considerado, atualmente, um hormônio, permanece sendo chamada de vitamina, pois se acreditava ser sua maior fonte de origem, a dietética. Sabe-se hoje que a vitamina D pode ser sintetizada pela pele sob a catalisação dos raios solares, mais especificamente os raios ultravioletas de comprimento de onda entre 230 a 313 nm, no horário das 7:00 às 9:00 horas da manhã. 3 . A vitamina D é uma substância fundamental para a manutenção de um esqueleto de boa qualidade, ou seja, para a manutenção de uma boa densidade óssea. Nos idosos, a síntese cutânea de vitamina D equivale a um terço da produção do indivíduo jovem, quando submetidos a uma mesma quantidade de irradiação de luz solar. Além disso, geralmente, os idosos costumam permanecer a maior parte do tempo em ambientes fechados e utilizar roupas que cobrem mais a pele quando estão fora de casa. Os idosos, portanto, são uma população de risco para deficiência de vitamina D, principalmente aqueles residentes em asilos ou confinados ao espaço de sua residência 7 . A atividade física é importante para prevenção e tratamento da osteoporose. Os exercícios físicos ativos de contração muscular, estimulam a formação e o fortalecimento da massa óssea, reduzindo o risco de osteoporose. Em indivíduos idosos, atividades com carga, como a marcha, têm mais efeitos vantajosos sobre os ossos do que as que não recebem carga, como a natação ou atividades aeróbicas; portanto, a atividade física com carga aumenta a massa muscular e, conseqüentemente, a massa óssea, promovendo uma melhor qualidade de vida ao paciente. A atividade física deve ser feita pelo menos três vezes por semana, em dias alternados, durante no mínimo 30 minutos. Atividades físicas leves podem ser realizadas diariamente, enquanto as atividades que exigem mais da musculatura e dos ossos devem ser realizadas com intervalos de 48 horas, em média 20. Como precaução para evitar quedas é fundamental rever o conceito da “Casa Segura”¹ que é um programa preventivo, estimulado pela Sociedade Brasileira de OrtopediaE , que visa a desenvolver medidas de segurança na residência e nos trajetos das pessoas. São valorizados a luminosidade, a redução de esforços e cargas, a funcionalidade, a praticidade, a acessibilidade, a higiene, a acústica, a integração com outros cômodos, a ergonomia, a estética e o conforto. Sugestões para atingir esses objetivos seriam utilizar pisos antiderrapantes em escadas, banheiros e cozinha, evitar obstáculos ou objetos soltos nos trajetos da casa, manter uma altura confortável e segura de móveis e armários e uma iluminação noturna nas paredes. Muitos pacientes com desconforto relacionado a fraturas osteoporóticas ou deformidades beneficiam-se de um programa de fisioterapia, onde são realizados sessões com aparelhos de ultra-som, tensys, ondas curtas, com o objetivo analgésico e antiinflamatório. E Texto completo disponível em www.sbot.org.br. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 99 Quadro 1. Alimentos “Amigos”* dos Ossos: quantidade (mg) de Cálcio em 100g dos alimentos. : Abóbora (folhas)447 Açaí 118 Açafrão em pó 250 Aipim (folhas) 303 Açaí (suco) 110 Alfafa 525 Alcaparra 122 Aveia (grão cru) 281 Amêndoa 254 Avelã 287 Aveia (preparo instantâneo) 392 Badejo Cru 181 Azeitona Verde 122 Brócolis (folhas cruas) 400 Bolo Trigo 217 Café Solúvel 179 Brócolis (folhas) 513 Camarão em conserva 145 Camarão cru congelado 145 Castanha do Pará 172 Camarão Cozido 96 Coalhada 490 Chocolate + leite açucarado 213 Doce de Leite 176 Couve Manteiga 330 Farinha Láctea 260 Enchova cozida 173 Farinha de soja (262 se com alto conteúdo de gordura; ou 324 se baixo conteúdo de gordura) Farinha de peixe 4610 Feijão vermelho 100 Feijão branco miúdo 476 Flocos de cereais 550 Figo dessecado 223 Gergelim (sementes) 417 Gema de ovo de galinha (cozido) 123 Iogurte 120 Hortelã (folhas) 194 Leite de vaca integral 123 Leite de cabra 200 Melado de cana 591 Manjuba salgada 530 Mostarda 333 Mexilhão cozido 127 Namorado cozido 66 Namorado cru 252 Ovo de Galinha (inteiro, cru) 73 Ovo de codorna 62 Pão de Cevada 60 Ovo de galinha (inteiro, cozido) 54 Peixe de água doce (frito) 124 Pão de milho 110 Queijo de minas 635 Sardinha em conserva (azeite) 402 Queijo gorgonzola italiano 340 Queijo Ementhal suíço 1100 Queijo provolone italiano 925 Queijo prato 1023 Soja (Farinha industrializada) 263 Soja cozida 90 Soja (Leite em pó) 275 Soja (Farinha industrializada) 263 Traíra (peixe) 645 Sorvete de Creme 150 Tremoço (amarelo cozido 211; e cru 1.087) (*)O Organismo não fabrica cálcio, que é encontrado nos alimentos. Na melhor idade o organismo utiliza cerca de 1500mg/dia. Fonte: Franco, 1997. O tratamento farmacológico para a osteoporose é feito à base de drogas classificadas como anti-reabsortivas ou estimuladoras da formação óssea. Como drogas anti-absortivas temos: estrógeno, calcitonina, bifosfonato e alendronato e, como formadoras de osso, temos o hormônio da paratireóide (PTH), usado na dosagem de 20 mcg/dia 1. O raloxifeno é um medicamento da classe dos moduladores seletivos de receptores de estrogênio, que previne a perda de massa óssea e diminui o risco de fraturas vertebrais em 40% a 50%, em pacientes com osteoporose. Utiliza-se, como esquema posológico, dose de 60 mg/dia por via oral. Os bifosfonados e os alendronatos são agentes anti-reabsortivos que aumentam a massa óssea na coluna e no fêmur e reduzem o risco de fraturas vertebrais em 30% a 50%. O esquema posológico para os bifosfonados é de 5 mg/dia e dos alendronatos 10 mg/ dia ou 70 mg/semanal via oral. 1. A calcitonina do salmão reduz o risco de fraturas vertebrais em 33% a 36% na dose de 200 ui/dia por via nasal. Se uma causa secundária da Osteoporose estiver presente, o tratamento específico deverá ser direcionado para essa patologia. É importante, notar, no entanto, que cada indivíduo possui um metabolismo diferenciado e cabe somente ao médico indicar o tratamento adequado para cada paciente 26. O PLANEJAMENTO DA SAÚDE FAMILIAR (PSF) E A OSTEOPOROSE Baseando-se na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu capítulo ll, no artigo 6º, está assegurado o direito de saúde aos cidadãos brasileiros. Para dar acesso aos meios necessários para se ter esse direito assegurado, introduziu-se o conceito de Atenção Básica à Saúde que seria o conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situado no 1º nível de atenção dos sistemas de saúde, voltado para a promoção de saúde, da prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação. No sentido de ampliar as ações do PSF, propõe-se a inclusão das medidas preventivas da Osteoporose no contexto das atividades desenvolvidas em uma Unidade de Saúde da Família pelo Médico Clínico, pela Enfermeira, pelo Técnico de Enfermagem e pelo Agente Comunitário de Saúde. Esse projeto não teria custo adicional para o sistema e traria repercussões sociais de grande abrangência. Em 1999, nos EUA, as despesas gerais com o tratamento da osteoporose atingiram US$ 21 bilhões, valor que inviabiliza qualquer programa de assistência médica para os países em desenvolvimento 15. 100 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA A magnitude monetária obtida nos dados do IBGE em 2002, em que 27,6% das mulheres brasileiras encontram-se acima de 40 anos, justifica-se a busca incessante por metodologias com compromisso social para serem aplicadas a partir do menacme15. As fraturas proximais do fêmur são associadas com maior número de mortes, incapacidade física e custo médico maior do que as outras fraturas osteoporóticas juntas (vértebras e rádio distal), demonstrando a importância das medidas preventivas, como fator de diminuição do custo da previdência social 23. A Osteoporose representa um problema de saúde importante, que acomete um número cada vez maior de pessoas, principalmente as mais idosas. De acordo com dados fornecidos pelo Programa “Casa Segura” (www.sbot.com.br), os idosos chegarão a 17 milhões de pessoas em 2020, isto é, 1, em cada 13 brasileiros, será idoso. Nessa mesma fonte, é possível constatar que as lesões traumáticas nos idosos são responsáveis por um terço dos atendimentos do SUS. Dessa forma, a atenção especial a esse problema, como parte da atenção básica à saúde, pode ser o passo inicial para diminuir o surgimento de novos casos e uma importante estratégia para acompanhar casos já existentes de forma mais contínua e eficaz. Nesse sentido, para se inserir a Osteoporose e suas complicações no Programa de Atenção Básica a Saúde, faz-se necessário criar normas e rotinas que facilitem a adesão e inclusão no programa da população considerada de risco. O planejamento com base nos critérios epidemiológicos e sociais é a base para o desenvolvimento das ações na Saúde da Família. Os estudos disponíveis sobre o efeito da tecnologia da densitometria óssea foram revisados, e análises de custoefetividade e alternativas de intervenção frente à assistência tradicional são apresentadas, considerando mulheres na perimenopausa e com 65 anos de idade. O custo incremental por fratura evitada foi elevado: acima de R$ 10.000,00 para quaisquer das alternativas de intervenção examinadas, sendo o custo médio estimado das fraturas assistida dentro da alternativa tradicional inferior a R$ 2.000,00 o que indica que a implementação no SUS de qualquer uma das alternativas em pauta seria questionável segundo critérios de eficiência no uso de recursos e de eqüidade 27. Para efetivar o processo de inclusão da prevenção da osteoporose no PSF, a equipe deverá manter todas as suas atividades anteriores, acrescentando as seguintes rotinas: 1) Conhecer a realidade das famílias responsáveis, com ênfase nas suas características sociais, econômicas, culturais, demográficas, epidemiológicas e de moradia; 2) Identificar os problemas de saúde e situações de risco mais comuns na população com 50 ou mais anos de idade, com hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, cardiopatias, uso de corticosteróide, menopausa cirúrgica, alcoolismo, fumo, má nutrição e fraturas antigas. 3) Elaborar, com a participação da comunidade, um plano local de melhoria das condições de moradia pessoal, coletiva e conscientização dos riscos da osteoporose; 4) Realizar visitas domiciliares de acordo com o planejamento, para identificar, equacionar e estimular os conceitos de casa e ambiente seguro, além da melhoria dos hábitos alimentares; 5) Fomentar a participação popular, discutindo com a comunidade conceitos da cidadania, direito à saúde e moradia; 6) Promover ações intersetoriais e parcerias com organizações formais e informais para o enfrentamento conjunto dos problemas de moradia segura e saudável. Caberá ao Médico 1) Realizar consultas clínicas em mulheres de 50 ou mais anos de idade; 2) Visitar o domicílio no sentido de orientar hábitos alimentares com produtos ricos em cálcio, verificar as condições de moradia na área externa e interna do domicílio e discutir com os moradores os conceitos de casa e ambiente seguro; 3) Aliar a atuação clínica à prática de saúde coletiva, incentivando a exposição solar das 7:00 às 9:00 horas da manhã e estimular a atividade física regular; 4) Fomentar a criação de grupos de patologias específicas, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, saúde mental e osteoporose; 5) Realizar o pronto atendimento médico em casos de fraturas; 6) Encaminhar aos serviços de maior complexidade, quando for necessário; 7) Solicitar exames laboratoriais de rotina, acrescentando os de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina; 8) Prescrever medicações profiláticas, como a Suplementação do Cálcio e a Vitamina D. Caberá ao Enfermeiro 1) Realizar cuidados de enfermagem nas fraturas, fazendo indicação para continuidade da assistência prestada; 2) Realizar consultas de enfermagem, transcrever e prescrever medicações e orientações conforme protocolos estabelecidos e competências legais; 3) Realizar palestras educativas sobre osteoporose, risco de fraturas, alimentação adequada rica em Cálcio, atividade física regular e a conceituação de casa e ambiente seguro; 4) Realizar ações de saúde em diferentes ambientes, na Unidade de Saúde da Família e no domicílio; 5) Organizar e coordenar a criação de grupo de patologias (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, saúde mental e osteoporose); 6) Organizar campanhas contra o uso do álcool e do fumo; 7) Organizar eventos voltados para a atividade física regular. Caberá ao Técnico de Enfermagem 1) Realizar procedimento de enfermagem dentro das competências técnicas legais; 2) Realizar procedimentos de enfermagem nos diferentes ambientes, Unidades de Saúde da Família e nos domicílios, dentro do planejamento de ações traçadas pela equipe no que se refere aos cuidados preventivos da osteoporose; 3) Realizar uma busca ativa da população de risco para a osteoporose; 4) Realizar ações de educação higiênica e alimentar 5) Estimular medidas para transformação do ambiente domiciliar e peri domiciliar em lugar seguro. Caberá ao Agente Comunitário de Saúde 1) Realizar mapeamento da sua área; 2) Cadastrar a população de risco e atualizar sempre o cadastro; 3) Identificar moradias em situações de risco; 4) Identificar área de risco; 5) Realizar visitas domiciliares, mensalmente, para acompanhamento do processo de prevenção da osteoporose e suas conseqüências; CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 6) Identificar parceiros e recursos existentes na comunidade que possam ser potencializados pela equipe no sentido de estimular medidas alimentares adequadas, atividade física regular e adequação do ambiente e da casa segura. CONCLUSÕES O PSF é um Programa de Saúde Básica para a população brasileira, que tem contribuído de maneira significativa para melhoria das suas condições de vida. Acrescentar ao programa, a prevenção da osteoporose, diminuição dos riscos de queda e melhoria das condições de moradia, contribuiria para uma melhor atenção a um grupo da população que cresce, anualmente, em larga escala. Essa mudança demográfica leva à transição epidemiológica, caracterizada pela queda da mortalidade infantil, redução das doenças infecciosas e aumento das doenças crônicodegenerativas, como a osteoporose 27. O aumento da morbimortalidade pela osteoporose está associado a custos econômicos significativos, relacionados à hospitalização, cuidados ambulatoriais, institucionalização, incapacidades e mortes prematuras. As intervenções profiláticas, baseadas na tecnologia da Densitometria Óssea, demonstraram alto custo no final do tratamento, inviabilizando a sua realização. É preciso que o governo, profissionais da área de saúde e a população entendam o desafio, que é a identificação precoce dos fatores de risco para a osteoporose e se mobilizem para um programa de educação e intervenção contínua, prática que ainda fica muito a desejar no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Alexandersen P, Toussaint A, Christiansen C, Devogelaer JP, Roux C, Fechtenbaum J, Gennam C, Reginster JY. Iprivlavone in the treatment of posmenopausal osteoporosis - a randomized controlled trial. Journal of American Medical Association 285:1482-1488, 2001. 2. Cauley JA, Seeley DG, Ensrud K, Ettinger B, Black D, Cummings SR. Estrogen replacement therapy on fractures in older woman. Annual Intern Medicine 122: 9-16,1995 3. Chevalley T, Rizoli R, Nydegger V, Slosman D, Rapin CH, Michel JP, Vasey H, Bonjour JP. Effects of calcium supplements on femural bone mineral density and vertebral fracture rate in vitamin D-replete elderly patients. Osteoporosis Internal 4:245-252, 1994 4. 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WHO Technical Report Series 843: 121-129, 1994. 102 II.8 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Alcina Maria Vinhaes Bittencourt Catarina de Andrade Regis Catarina Tâmara Ribeiro Cristina Brasileiro Silva Fernando C. C. de Figueredo Maria Almeida Dias Maria Cardoso Guerreiro Costa Rodolfo Godinho S. Dourado Lima Palavras-chaves: Diabetes Mellitus, Prevenção, Complicações 4.Educação, Tabus, Programa de Saúde da Família, Tratamento. DIABETES MELLITUS: DESFAZENDO CRENÇAS E TABUS INTRODUÇÃO Diabetes Mellitus (DM) é uma condição crônica na qual há concentração aumentada de glicose sangüínea, causada pela falta absoluta ou relativa da insulina secretada pelo pâncreas. Ou seja, quando a insulina não estiver sendo produzida ou quando houver insuficiência de ação da mesma em relação às necessidades do organismo. O Diabetes tem sido conhecido como uma doença desde a antiguidade. A palavra “Diabetes” vem do grego, significando “passar por” e foi utilizada pela primeira vez por Arataeus de Cappadocia no segundo século d.C., que forneceu uma descrição clínica da doença, mencionando o fluxo urinário aumentado, sede e perda de peso, características que são ainda hoje importantes para o diagnóstico.(3) O sabor doce da urina semelhante ao do mel, em pessoas poliúricas, foi valorizado durante o quinto e sexto século d.C. por médicos indianos. A produção de conhecimentos em Diabetes Mellitus tem ocorrido em progressão geométrica e a todo momento ocorrem constantes mudanças nos conceitos e parâmetros de diagnóstico e tratamento do Diabetes. Diabetes Mellitus atinge proporções epidêmicas em todo o mundo, particularmente no mundo desenvolvido. Projeções do DM DATA BASE e da Organização Mundial de Saúde (OMS) sugerem que existem 180 milhões de indivíduos diabéticos em todo o mundo. No Brasil, a prevalência foi de 7,8% em uma amostra probabilística da população de 22.069.905 de indivíduos rastreados pelo Ministério da Saúde em 2001 e atendidos pelo Serviço Único de Saúde. Como problema de saúde pública em rápida expansão, o Diabetes Mellitus requer uma ação coletiva na prevenção primária e secundária e melhoramento da disponibilidade e da eficácia da atenção às pessoas portadoras. A educação à saúde para os seus portadores de como conviver com a sua condição é a chave para se conseguir o objetivo preventivo das complicações do DM a longo prazo, e depende de esforços constantes da comunidade, dos portadores de diabetes, de suas famílias, das equipes multidisciplinares, da comunidade científica e técnica e dos gestores. O diabetes é uma condição de custo elevado para o serviço público e para a comunidade. O clínico, na prática, por muitas vezes é difícil por causa da escassez de pessoal especializado em cuidados com a saúde, de drogas e de equipamentos para monitorização. Conscientes da necessidade de tomar medidas para melhorar a qualidade da atenção médica das pessoas com diabetes nas Américas, em 04 de agosto de 1996, na cidade de San Juan de Puerto Rico, a Federação Internacional de Diabetes (FID), a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), junto com as Associações Nacionais de Diabetes e seus governos na América do Norte, Central e do Sul, se posicionaram de acordo sobre um plano estratégico de prevenção e tratamento do diabetes e redigiram um documento denominado de “A declaração das Américas”: Milhões de portadores de diabetes não são diagnosticados, milhões não são tratados adequadamente. Para transformar este quadro alarmante é necessário um plano estratégico de ação e compromisso, para aqueles que sofrem de diabetes reconhecendo-o como um problema de saúde pública grave, e implementando um programa de atenção nos postos de saúde da rede básica nas capitais e no interior com equipes multidisciplinares que visasse: → Assegurar a disponibilidade de medicamentos e insumos para um bom controle, com distribuição regular. → Inclusão do diabetes no programa de medicamentos de alto custo e de novos medicamentos. → Incentivar a aprovação de leis que visam assegurar o direito constitucional dos portadores de diabetes, ao seu melhor tratamento. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 103 → Cooperação com as Secretarias de Saúde estaduais e municipais e Ministério da Saúde, para que todos esses benefícios sejam implementados. → Conscientização pública e dos gestores de saúde sobre a importância de ações globais em diabetes. O objetivo maior é de promover a aderência ao tratamento, e a consciência do autocuidado, orientando continuamente o diabético, desfazendo mitos, crenças e tabus, sensibilizando-os a reajustar sempre seus estilos de vida. Ocorre principalmente em gestantes com idade superior a 25 anos, e com aumento de peso excessivo durante a gestação(6).Parece representar um estágio do DM tipo 2, uma vez que costuma mais adiante reaparecer como tal. CLASSIFICAÇÃO DO DIABETES MELLITUS (DM) Tolerância diminuída a glicose São os casos em que os pacientes não apresentam os sinais e sintomas típicos de DM, porém apresentam uma intolerância à glicose detectada pelo teste de tolerância a glicose oral. Desses pacientes, cerca de 2 a 5% progridem para o DM propriamente dito a cada ano, enquanto muitos revertem resultados normais em testes subseqüentes(6). Muitas já foram as tentativas de estabelecer uma classificação para o Diabetes Mellitus (DM) globalmente aceita, de fácil aplicação prática e entendimento(3). Diversos critérios foram utilizados para isso, sem no entanto alcançar a clareza e objetividade necessárias quanto aos aspectos clínicos e epidemiológicos, dada a complexidade e heterogeneidade desta patologia8.Para citar exemplos: - Quanto à idade: DM da infância e adolescência x DM da maturidade; - Quanto ao peso: DM magro x DM obeso; - Quanto ao uso de insulina: DM insulino-dependente x DM não insulino-dependente; - Quanto a cetose: DM com tendência a cetose x DM sem tendência à cetose.; - Quanto à etiologia: DM genético x DM secundário. Nenhum desses critérios conseguiu ser suficiente nem satisfatório à criação de classificação amplamente aceita (3).A atual proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1999) é uma revisão da classificação apresentada pela Associação Americana de Diabetes (ADA, 1997) e se baseia em critérios de etiopatogenia do DM (6). DM tipo 1 É uma condição hiperglicêmica por conta da produção deficiente de insulina decorrente da destruição das células beta pancreáticas, decorrente de doença autoimune ou de causas desconhecidas. Seus portadores têm maior tendência a cetoacidose e corresponde a 5% a 10% do total de casos3.Existe uma forma clínica com progressão rápida, que geralmente apresenta sintomatologia logo na infância ou adolescência e outra forma de progressão lenta, cuja sintomatologia surge na idade adulta, sendo referida como diabetes auto-imune latente no adulto (LADA) (6). DM tipo 2 É uma condição resultante de diversos graus de resistência periférica à ação da insulina associada também deficiência relativa da secreção de insulina(6).Acomete principalmente pacientes acima dos 40 anos, os obesos, e dentre esses, preferencialmente aqueles com distribuição abdominal da gordura e os sedentários(6). São pacientes menos propensos a situações de cetoacidose, e esta, quando ocorre, geralmente é precipitada por infecção, muitas vezes assintomática. Corresponde a 85% a 90 % do total dos casos(6). Atualmente, sua incidência vem aumentando bastante devido ao crescente aumento dos casos de obesidade. DM gestacional É a diminuição da tolerância à glicose, em vários graus de intensidade, que tem diagnóstico pela primeira vez durante a gravidez, geralmente desaparecendo após o parto ou não(6). DM secundário Aqueles casos nos quais o DM surge como conseqüência da existência de outros fatores conhecidos e confirmados, apresentados no quadro 1. SINAIS E SINTOMAS DO DM Embora o início do Diabetes possa ser totalmente assintomático, especialmente no DM tipo 2, os sinais e sintomas mais comuns são: - Fome (polifagia) e sede (polidipsia) exageradas; - Urinar muitas vezes ao dia (polaciúria) ou em grande quantidade (poliúria); - Rápida alteração do peso corporal(ganho ou perda); - Infecções de pele ou prurido vaginal; - Dificuldade de cicatrização; - Desânimo, cansaço; - Suor frio; - Disfunção eréctil; - Pressão arterial elevada; - Palpitações; - Cãimbras, tremores; - Alterações visuais; - Hipotensão postural; - Diminuição da sensibilidade (tatil, térmica e dolorosa). FATORES DE RISCO AO DM Diversos fatores ambientais afetam a incidência de DM tipo 2, como exemplo daqueles que aumentam bastante o risco temos: a obesidade, ganho de peso e a inatividade física, sendo que a última atua independentemente da obesidade. O uso de cigarro acrescenta um pequeno aumento enquanto um consumo moderado de álcool associa-se a uma diminuição do risco. Adicionalmente, a dieta pobre em fibras e rica em alimentos capazes de elevar a glicemia aumentam o risco de Diabetes tipo 2 e certos ácidos graxos na dieta podem afetar diferentemente a resistência à insulina e o risco de DM (12). A Síndrome Metabólica, que é um conjunto de fatores de risco cardiovasculares que comumente se associam (obesidade, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica e intolerância a glicose) é considerada como predisponente do DM tipo 2, embora nem todos os portadores dessa síndrome desenvolvam Diabetes(23). O componente genético também é relevante fator associado ao desenvolvimento do DM tipo 2. Isso fica demonstrado pelo fato de um paciente com história familiar ter possibilidade cinco a dez vezes maior de desenvolver a doença em relação à população geral, havendo concordância de 90% em gêmeos univitelinos(17). Outros fatores de risco para o desenvolvimento de DM tipo 2 são idade acima de 45 anos, evidência de tolerância à glicose comprometida, diabetes gestacional, e hipertensão arterial(23). 104 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Quadro 1. Etiologias do diabetes mellitus secundário. Etiologia do DM secundário Pancreatopatia Disfunções hormonais Uso de medicamentos Síndromes genéticas Infecções No diabetes tipo 1, os fatores de risco são: doença autoimune, predisposição genética e fatores ambientais(23). Fatores ambientais, como obesidade e sedentarismo, têm grande interação com a suscetibilidade genética, colaborando com aumento da resistência à insulina e maior risco de desenvolvimento do diabetes. Também, o sedentarismo favorece a obesidade, que por si só, é um importante fator de risco para o diabetes tipo 2. Com o aumento das taxas de obesidade, maior a probabilidade de mais casos do diabetes tipo 2. Assim, a atividade física e a perda de peso poderão contribuir para reduzir o risco de desenvolver esse tipo de diabetes(17). A depressão também aparece como importante fator de risco para o desencadeamento da diabetes, principalmente no caso da diabetes tipo 2, sugerindo que o estado depressivo provoca alguma alteração hormonal capaz de precipitar o aparecimento da hiperglicemia(18). Além disso o uso de antipisicóticos recentes tem favorecido o aparecimento de DM tipo 2. SITUAÇÕES ESPECIAIS Idosos Diabetes é uma condição comum em pessoas idosas, acometendo pelo menos 20% das pessoas com idade superior a 65 anos.(2) Com o aumento da expectativa de vida em todo o mundo e o conseqüente envelhecimento da população, cada vez mais há indivíduos com diabetes diagnosticado mais tardiamente e também indivíduos, já diabéticos, que atingem idades mais avançadas.(19) Dentro desse contexto, há necessidade de estabelecer estratégias para lidar com a heterogeneidade clínica e funcional, muito presente nesta faixa etária, de forma a conseguir o melhor controle metabólico nos indivíduos diabéticos.(19) Exemplos Pancreatite crônica calcificada ou litiásica Pancreatite alcoólica Exérese do pâncreas Hemocromatose Fibrose cística Carcinoma Síndrome de Cushing (aumento de glicocorticoides) Acromegalia (excesso de hormônio do crescimento) Feocromocitomas Hipertireoidismo Glucagonoma Aldosteronismo primário Corticóides Anticoncepcionais orais Diuréticos tiazídicos Imunossupressores (ex: azatioprina) Colchicina Síndrome de Down Síndrome de Turner Rubéola congênita Citomegalovírus Caxumba Hepatite (vírus B e C) Coxsackie do grupo B Sarampo Mononucleose O tratamento do diabetes em pessoas idosas deve seguir os mesmos princípios e objetivos recomendados aos menores de 65 anos, priorizando o atendimento multidisciplinar e, preferencialmente, sempre com a mesma equipe de profissionais, de maneira a criar melhor relação equipe-paciente, o que tem direto nexo com a maior adesão ao tratamento.(5,19) Por se tratar de um grupo bastante heterogêneo, como previamente citado, deve ser individualizado o tratamento de acordo com a idade biológica, presença de co-morbidades (relacionadas ou não com o diabetes), aspectos psicossociais e limitação de funções físicas ou cognitivas (alteração visual e auditiva, perda de memória, incapacidade motora, dentre outras).(19) A educação em diabetes se faz especialmente necessária nessa faixa etária, devendo ser exercida por um profissional treinado para lidar com este tipo de paciente e suas peculiaridades. Deve se dar ênfase ao reconhecimento de hipoglicemia e hiperglicemia (e como tratar) ao uso de outras medicações e à monitorização.(2,19) A dieta deve ser valorizada em diabéticos de todas as faixas etárias, sendo tratamento de eleição em pessoas idosas, objetivando garantir conteúdo calórico adequado e fornecimento de nutrientes, sofrendo adequação para cada caso em particular. Não devem ser impostas mudanças radicais na dieta para que não ocorra a rejeição.(19) Em pacientes obesos, deve ser explicada a importância da redução do peso para a melhora do controle metabólico, assim como para a redução da resistência a insulina. Com a redução do peso, também há melhora do sistema cardiovascular e do osteoarticular, freqüentemente comprometidos nos idosos. Como em todos os passos do tratamento do diabetes em idosos, não se pode desconsiderar a presença potencial ou real de comorbidades , fazendo sempre as adaptações necessárias.(19) CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE A atividade física é fundamental sobretudo para o alcance da redução de peso. Mas devem ser sempre consideradas as incapacidades que surgem nos idosos, sobretudo aquelas dos sistemas osteoarticular e cardiovascular. A “caminhada” deve ser estimulada tendo a duração inicial de 20-30 minutos, podendo chegar até uma hora diária. Exercícios de alongamento também devem ser realizados, para aumentar a elasticidade. Se houver dor ou qualquer desconforto, o exercício deve ser descontinuado. A avaliação cardiovascular periódica se faz necessária sempre; ressalta-se a importância desta avaliação, uma vez que diabéticos do tipo 2 podem apresentar infarto do miocárdio sem dor. (19) Diabetes na Gravidez Mulheres com diabetes pré-existente que engravidam são de controle glicêmico mais difícil. Isto ocorre porque os hormônios da placenta secretados durante a gravidez, como a progesterona, são responsáveis por um aporte maior de glicose ao sangue materno, uma vez que têm ação contrária à insulina. (30) O risco de má-formação congênita nos fetos dessas mulheres está diretamente relacionado ao grau de hiperglicemia que a mãe apresenta, principalmente nas primeiras oito semanas de gestação. (2,30) Nas pacientes mal controladas neste período, a taxa de casos com má-formação pode atingir até 30 %, enquanto em mulheres não-diabéticas esta taxa é de 1-2%.(2,30) Esse risco é maior se houver elevada concentração de hemoglobina glicada no primeiro trimestre. (2) O crescimento acelerado e inadequado do feto (macrossomia) também pode ocorrer nessas situações, decorrente do aumento da liberação da glicose e de outros nutrientes da mãe para o feto, sendo isto um estímulo às ilhotas pancreáticas que ao produzirem muita insulina (hormônio anabólico), levam ao acúmulo de gordura abdominal, organomegalia e crescimento esquelético acelerado. (4,30) Além disso, a taxa de natimortalidade é quatro vezes maior nessas mulheres quando comparada à observada nas mulheres não-diabéticas. (30) Fica evidenciado dessa forma que o diabetes materno influencia em vários aspectos a gravidez e o concepto e, portanto, merece especial atenção . As mulheres diabéticas que estão em idade fértil devem ser orientadas quanto às complicações e riscos da gravidez e também sobre as exigências para uma gravidez bem sucedida. Os profissionais de saúde devem ser treinados para estimular a gravidez planejada nessas mulheres, com o objetivo de reduzir o número de complicações e para que façam um controle glicêmico mais adequado. (2,22,30) A contracepção efetiva é indicada em todos os momentos, exceto quando a paciente estiver em bom controle metabólico e com desejo de engravidar. (2) Portanto, a mulher diabética que planeja engravidar deve ser orientada quanto aos cuidados pré-concepção, dentre os quais se destacam: atingir níveis de hemoglobina glicada próximo do normal sem hipoglicemia excessiva; continuação de uso de contracepção efetiva até que se consiga o controle glicêmico adequado; identificar, avaliar e tratar as complicações tardias do diabetes, como retinopatia, nefropatia, doença coronariana crônica, hipertensão arterial sistêmica e neuropatia. (2,15) Crianças e adolescentes O diabetes mellitus nessa faixa etária apresenta certas particularidades, que devem sempre ser lembradas. A criança é insulino-dependente na maioria das vezes, pois o seu pâncreas é praticamente incapaz de produzir a insulina para atender às 105 suas necessidades fisiológicas e, por isto, não responde ao tratamento com medicações orais. (9) Outra particularidade da criança com diabetes é a facilidade do descontrole glicêmico, chamado de diabetes lábil por apresentar ora hiperglicemia e/ou coma, ora hipoglicemia. Essa instabilidade torna difícil avaliar o grau de controle, sendo muitas vezes agravada pelas condições sócio-econômicas e pelo grau de instrução da criança, dos pais, dos professores e da comunidade onde vive a criança, como também pelo desconhecimento sobre diabetes. Os adolescentes diabéticos podem sofrer outras interferências, sobretudo no relacionamento social, e muitos deles não revelam aos seus amigos e namorados (as) a existência do diabetes, com receio ou medo de rejeição ou de despertar sentimentos próximos à compaixão. Nas adolescentes é um momento de angústia e indagações principalmente com relação aos efeitos de uma futura gestação sobre os bebês.(9) Para que a criança diabética tenha o direito à medicação e aos instrumentos de aplicação da insulina (seringas ou canetas) ela deve ser encaminhada à Procuradoria de Assistência Judiciária do Ministério Público do Estado, pois alguns municípios já apresentam legislação estadual própria, como o Rio de Janeiro e São Paulo. Esses diabéticos especiais devem ser encaminhados aos serviços especializados no tratamento de crianças diabéticas para que recebam assistência adequada, orientação e também, para as colônias de férias, acampamentos ou grupos sociais, para que, junto com os seus pares, conheçam melhor como conviver com o seu diabetes, em especial nos momentos de descontrole glicêmico, como na hiperglicemia e hipoglicemia. Os profissionais de saúde devem aprender com pessoas especializadas em diabetes infanto-juvenil, pois muitas vezes um contato por telefone pode resolver a situação-problema desses diabéticos tão especiais. (7) COMPLICAÇÕES O DM tipo 2 é uma doença comum e grave, a qual imprime pesado ônus ao sistema de serviços de saúde, decorrente do tratamento e de suas complicações, bem como aos portadores e às suas famílias. É estimado que 50% dos pacientes diabéticos permanecem não detectados. Isso explica porque, no momento do diagnóstico, muitos pacientes diabéticos têm sinais de complicações micro e macrovasculares. No Quadro 2, foram listadas as principais manifestações observadas quando há hipoglicemia ou hiperglicemia no indivíduo com diabetes mellitus. Níveis elevados e contínuos de glicose no sangue podem provocar alterações nos nervos e nos grandes e pequenos vasos sangüíneos. O diabetes também pode diminuir a resistência do sistema imune no combate às infecções. O controle inadequado da glicemia aumenta o risco de ocorrência de dislipidemias, doenças oculares (retinopatia), doença renal, complicações cardíacas (infartos), acidente vascular cerebral, pressão arterial elevada, comprometimento da micro e macrocirculação, neuropatia periférica, impotência sexual, infecções e amputações(especialmente as devidas ao pé diabético). Em vista disso, o bom controle do diabetes pode ajudar a evitar esses freqüentes problemas. Hipoglicemia É a alteração metabólica e clínica caracterizada pela queda dos níveis de glicemia abaixo de 70mg/dL e que se manifesta 106 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA com variada sintomatologia (quadro 2), de acordo com a sua duração e gravidade. É classificada em três tipos: leve (glicemia de 70 a 50mg/dL), moderada (glicemia de 50 a 30 mg/dL) e intensa (glicemia abaixo de 30 mg/dL ou quando é necessário o socorro médico). O estado de hipoglicemia pode ser causado por: doses de hipoglicemiantes superiores às necessárias; omissão ou diminuição da refeição, mantendo a mesma dose da medicação antidiabética; realização de exercícios não-previstos e vômitos ou diarréias. Dentre as ações imediatas a serem adotadas em caso de hipoglicemia, se incluem: tomar um refrigerante não-dietético ou um copo de água com açúcar ou mel; aguardar 15 min e realizar o teste da glicemia. Em caso de perda da consciência, colocar um pouco de açúcar sobre os lábios do paciente, não fornecer insulina, não administrar outras medicações sem orientação médica e encaminhar para o serviço médico mais próximo. Hiperglicemia É a elevação dos níveis de glicose no sangue, geralmente acima de 160 mg/dL, e que ocorre, principalmente, quando o tratamento medicamentoso se torna insuficiente para a alimentação e atividades diárias da pessoa portadora de diabetes mellitus. A hiperglicemia pode ser causada por: dose de medicação inferior à necessária; medicação não-indicada para determinado caso; abusos alimentares; na ocorrência de infecções em geral e estresse emocional. Nesses casos, estão indicadas as seguintes medidas imediatas: se o paciente puder engolir, fornecer-lhe líquidos sem açúcar e conduzi-lo a um pronto atendimento médico. Quadro 2. Complicações agudas decorrentes da hiperglicemia ou da hipoglicemia. Complicações Hipoglicemia Hiperglicemia Sintomas Sensação de fraqueza ou fome Tonturas Dores de cabeça, irritabilidade Tremores, palpitações, palidez Sudorese, pele fria e úmida Visão turva ou dupla Convulsões Sonolência ou desorientação Perda de consciência, coma Sede intensa, desidratação Volume urinário excessivo Fraqueza e tonturas Perda de apetite, náuseas e vômitos Respiração acelerada Face avermelhada (rubra) Dor abdominal COMPLICAÇÕES CRÔNICAS São clinicamente relevantes e ocasionam elevada morbimortalidade em comparação com a população não-diabética. No Quadro 3, foram listadas as principais complicações crônicas. O impacto do efeito das complicações crônicas é dimensionado pelos seguintes indicadores: o diabetes é a principal causa de cegueira adquirida e amputações de membros inferiores no mundo; contribui de forma significativa (30% a 50%) para outras causas como cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, colecistopatias, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial; e cerca de 26% dos pacientes que ingressam em programas de diálise são diabéticos (6). A doença cardiovascular é a principal responsável pela redução da sobrevida de pacientes diabéticos, sendo a causa mais freqüente de mortalidade. A dislipidemia é um dos principais fatores de risco para doença cardiovascular em pacientes diabéticos, cuja influência é maior que os demais(6). Quadro 3. Complicações crônicas em portadores de diabetes mellitus. Complicação Microangiopatia Efeito e Situações Associadas Comprometimento dos capilares Nefropatia: presença de albuminúria persistente: excreção de albumina> 300mg/dL, na ausência de outro distúrbio renal. Retinopatia: pontos flutuantes; dificuldade de enxergar de dia; pressão ou dor nos olhos; hipersensibilidade à luz e relato de anéis ou halos coloridos Macroangiopatia Comprometimento dos vasos arteriais: deficiência circulatória do cérebro, coração e membros inferiores Neuropatia Parestesias em membros Impotência sexual Alterações digestivas, urinárias e circulatórias Ressecamento da pele Lesões ulcerosas de pernas e pés PREVENÇÃO DAS COMPLICAÇÕES CRÔNICAS Medidas de prevenção do DM são eficazes em reduzir o impacto desfavorável sobre a morbimortalidade destes pacientes, principalmente em razão de se poder evitar as complicações cardiovasculares. Adquirem especial importância a adoção de um estilo de vida saudável, com dieta balanceada e exercícios físicos regulares. A restrição energética moderada, baseada no controle de gorduras saturadas, acompanhada de atividade física leve, como caminhar trinta minutos cinco vezes por semana, pode reduzir a incidência de diabetes tipo 2 em 58% das pessoas com risco elevado para o desenvolvimento desta afecção(6). A maior freqüência de complicações do DM tipo 2, tais como riscos cardiovasculares, hipertensão arterial e dislipidemia, se instala em uma fase inicial da doença, quando o indivíduo ainda não sabe que é diabético. Isso dificulta sobremodo a prevenção, inclusive das complicações mais tardias (neuropatias, nefropatias e retinopatias). Em vista disso, o diagnóstico e tratamento precoces, já nas fases iniciais da doença, tornam-se tão importantes para reduzir as complicações e proporcionar melhor qualidade de vida melhor ao portador de diabetes mellitus. Pé diabético O inadequado controle do diabetes, a longo prazo, pode levar a dois acontecimentos aos pés do paciente: à diminuição na sua capacidade de sentir dor (neuropatia sensorial), e à CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE diminuição na sua capacidade de receber mais sangue quando é necessário (arteriosclerose). Nessas condições, os pés se tornam extremamente delicados, sujeitos a lesões graves até por acontecimentos banais (ex: sapatos apertados, banho quente, corte pequeno, etc.). Avaliações regulares, bem como educação dos portadores e família a respeito de cuidados com os pés e tratamento imediato de qualquer lesão, são de responsabilidade da equipe de atendimento do diabetes. As responsabilidades dos pacientes e de seus familiares incluem: higiene regular e inspeção diária dos pés e, se presentes a neuropatia ou a arteriosclerose, a procura de auxílio profissional especializado. Acidentes cardiovasculares Arteriosclerose está associada ao envelhecimento das artérias, originando infarto do miocárdio ou AVC (hemorragia e/ ou isquemia), sendo sua evolução prevenida pelo controle do diabetes. Outros fatores de risco cardiovascular, como hipertensão arterial, obesidade, sedentarismo, tabagismo e elevados níveis de colesterol sanguíneo, também devem ser tratados. Retinopatia A prevenção de lesões oculares é também alcançada com bom controle do diabetes e, se houver concomitantemente hipertensão arterial, é fundamental a normalização dos níveis da pressão arterial. O envolvimento da parte sensitiva do sistema ocular pode não causar distúrbios visuais até que isto se torne muito grave; dessa maneira, a avaliação oftalmológica regular é necessária para diagnosticar lesões precoces. Isto é especialmente relevante, uma vez que as lesões podem ser facilmente controladas com o tratamento a laser, o qual interrompe a progressão da doença retiniana. Nefropatia A lesão renal também pode ser prevenida pela normalização da glicemia e da pressão arterial. A pesquisa regular de albumina na urina (albuminúria), se presente, pode revelar lesão renal inicial antes que se torne clinicamente aparente. 107 Educar é um processo de mudanças que ocorre entre equipediabético-família-comunidade, tornando-se necessária uma aliança contínua de mútua confiança, indispensável à melhor relação destas pessoas, visando o esclarecimento de muitas dúvidas que por certo surgirão, bem como amainando a quase sempre presente ansiedade do conviver toda a sua vida com o pesadelo das expressões “NÃO PODE”, “NÃO DEVE”, “NÃO FAÇA”, “NÃO COMA”, “NÃO BEBA”, “NÃO”, bloqueando sua liberdade mental e tornando-no um incapaz para uma vida normal, assomado por um sentimento de culpa, quando na verdade o grande “vilão” é o próprio diabetes. Os profissionais de saúde não devem dar ordens ou exigir obediência por parte do diabético, evitando o fantasma das complicações, valorizando a vida e a saúde como o mais precioso desejo do ser humano, usando a magia da sua presença nesta desafiante doçura. DESFAZENDO CRENÇAS E TABUS NO DIABETES MELLITUS O objetivo do tratamento do diabetes é prevenir complicações agudas e crônicas. Assim, é necessário que o diabético tenha consciência de sua condição para se autocuidar. A não adaptação ao tratamento pode ser observada na esfera pessoal e social. Alguns se negam a cumprir aspectos do tratamento e outros apresentam dificuldades de conciliar a sua condição com as exigências do local onde desenvolvem suas atividades laborativas. A equipe de saúde tem a obrigação de sempre reorientar o diabético, partindo de novas metas, desfazendo mitos, crenças e tabus, sensibilizando-o para a necessidade de fazer reajustes em sua vida visando adotar um estilo de vida saudável, continuando a ser uma pessoa útil produtiva e realizada socialmente. Na convivências com pacientes diabéticos, ouvimos comumente comentários e desabafos que permitem a observação de tabus e crendices que serão esclarecidos a seguir. A ingestão excessiva de açúcar pode causar diabetes? NÃO! O consumo de açúcar pode causar hiperglicemia apenas em pacientes predispostos EDUCAÇÃO DO DIABÉTICO O diabetes é uma condição crônica ímpar que requer uma aliança entre profissionais de saúde e portadores. A educação é o pilar fundamental da terapêutica do diabético, que dura toda a vida, através de um processo de mudança contínua de comportamento, em relação a como conviver com seu diabetes. A equipe de saúde na ação educativa deve: mudar conhecimentos, atitudes, ações e desfazer os mitos, crenças e tabus bem estabelecidos e cultivados de família para família. O diabético deve ser considerado não meramente como portador de uma “doença” que tenha na hiperglicemia o seu achado principal, mas sim como uma síndrome multissistêmica, com facetas evolutivas polimórficas, em que a hiperglicemia é um epifenômeno, considerado o agente lesivo da micro e da macro circulação, que surgiram a médio e a longo prazo. É de suma importância que na entrevista inicial o profissional de saúde procure fazer um inventário clínico apurado e, mediante as informações colhidas, explique, com palavras acessíveis, a natureza de sua doença, os cuidados indispensáveis quanto à forma ideal do tratamento, o controle, bem como os meios práticos para um convívio harmonioso e responsável com o diabetes. É possível adquirir diabetes após uma transfusão sanguínea? NÃO! O diabetes não é uma doença infecto-contagiosa. O mel pode ser usado em substituição ao açúcar? NÃO! O mel também contém sacarose, além de outros tipos de açúcar(frutose e glicose), sendo desaconselhável o seu uso como substituto do açúcar. Em excesso, o mel também descompensa o diabetes. O açúcar mascavo e o cristal têm composição muito semelhante à do açúcar refinado e também são contra-indicados. O pão de glúten, centeio, integral, bolachas “de água e sal” e torradas podem ser usados à vontade? NÃO! Como qualquer outro tipo de massa, contêm amido, e esse se transformará em açúcar, não podendo ser usados à vontade. Podem ser consumidos de maneira moderada, assim como o pão comum. O azeite de oliva pode ser utilizado pelo diabético? SIM! O óleo de oliva pode e deve fazer parte da dieta do portador de diabetes, uma vez que ele é rico em ácidos graxos monoinsaturados, elementos protetores contra as doenças 108 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA coronarianas, pois aumentam os níveis de HDL colesterol e reduzem os níveis de LDL colesterol. Deve-se preferir o azeite de oliva extravirgem, por este ser prensado a frio. Recomendase intercalar seu uso com outros óleos, já que não possui ácidos graxos essenciais. O diabético pode comer macarrão (massas em geral) ou pão fresco? SIM! Esses alimentos têm composição semelhante à do arroz e da batata, portanto podem ser consumidos desde que em quantidades não excessivas, em refeições balanceadas complementadas com alimentos ricos em fibras, tais como verduras, legumes e frutas. Os produtos dietéticos podem ser usados à vontade? NÃO! Os produtos dietéticos (que não contêm açúcar) podem ser muito calóricos, como por exemplo, o chocolate dietético, que mesmo sem conter açúcar, é desaconselhado em razão da sua grande quantidade de gordura. Por isso é importante ler sempre os rótulos dos produtos para verificar a sua composição. As frutas que têm sabor doce são proibidas para as pessoas com diabetes? NÃO! As frutas contêm açúcar natural (frutose) e podem ser usadas nas quantidades indicadas (até três porções de frutas ao dia, com casca e bagaço, sempre uma de cada vez e variando os tipos). As carnes e os ovos podem ser utilizados à vontade? NÃO! Carnes e ovos não contêm açúcar, mas contêm gorduras e proteínas que, em excesso, também alteram a glicemia, sobrecarregam os rins e o sistema cardiovascular. Sua utilização deve ser moderada. Feijão faz bem para quem tem diabetes? SIM! O feijão é um alimento rico em proteína vegetal, amido e fibras. É recomendável usar a mistura de uma parte de feijão para duas partes de arroz. O excesso de feijão, assim como de qualquer outro alimento, deve ser evitado. Os óleos vegetais (milho, soja, girassol, etc.) por serem isentos de colesterol, podem ser usados à vontade? NÃO! Os óleos devem ser utilizados com moderação, mesmo sendo vegetais e sem colesterol. Seu excesso também compromete o controle do diabetes, bem como o nível sanguíneo de triglicérides. Por que é necessário controlar o peso corporal para contribuir no tratamento do diabetes? A redução do peso ajuda no controle da glicemia, além de reduzir outros riscos à saúde associados ao excesso de peso tais como a hipertensão arterial, doenças cardíacas, e alterações dos lipídios no sangue. Pessoas que consomem muito açúcar apresentam maior risco de desenvolverem diabetes? NÃO! O desenvolvimento do diabetes ocorre por causas variadas, como: obesidade, história familiar, estilo de vida inadequado ou falência na produção de insulina. O diabetes pode ser provocado por motivos emocionais? NÃO! O que é observado é o aumento dos níveis glicêmicos, em resposta ao estresse emocional em indivíduos já diabéticos ou propensos à doença. Nessa situação, são liberados alguns hormônios capazes de elevar a glicemia. Plantas em forma de chá são eficazes no tratamento do diabetes? NÃO! O tratamento do diabetes é eficaz quando são seguidas as recomendações (medicamentosas ou não), alimentares e atividade física. Embora alguns chás possam contribuir para a redução da glicemia, sua eficácia no tratamento do diabetes não é comprovada cientificamente. Bebidas amargas, como a água tônica, podem ser utilizadas por diabéticos? SIM! Desde que seja a versão “diet”. Embora a água tônica seja amarga, apresenta açúcar em sua composição, podendo ocasionar aumento da glicose sanguínea. É verdade que tudo que nasce embaixo da terra (cenoura, beterraba, batata, aipim, inhame) aumenta a glicemia? NÃO! Essas raízes contêm amido que se transforma em açúcar (glicose), mas isso não quer dizer que não possam ser usadas por diabéticos. A batata, o aipim, o inhame e a mandioquinha podem ser usadas como substitutos do arroz ou macarrão. Já a beterraba e a cenoura podem ser consumidas como legumes. A maioria dos diabéticos terá complicações crônicas? NÃO! Estudos comprovaram que se o diabetes é bem controlado retarda o aparecimento das complicações em 75% dos casos. Mulheres diabéticas podem ter filhos? SIM! Desde que haja planejamento e bom controle glicêmico antes, durante e após a gestação. A insulina pode ser usada em comprimido? NÃO! A insulina precisa ser aplicada por via subcutânea, intramuscular ou endovenosa, pois se usada por via oral, além de ter um cheiro desagradável, o estômago a digeriria, não sendo absorvida. A insulina pode criar dependência? NÃO! Porque o diabético tem deficiência de insulina e o seu uso serve para compensar esse déficit. Depois de iniciado o tratamento com insulina, o paciente deve utilizá-la pelo resto da vida? NÃO! A terapia com insulina pode ser associada aos hipoglicemiantes orais e poderá ou não ser utilizada sempre. TRATAMENTO EACOMPANHAMENTO DO DIABÉTICO Quando se pensa em diabetes, imediatamente vem à memória o uso de insulina no tratamento desses pacientes. Entretanto, o cuidado com o diabético vai muito além da utilização de medicamentos. Uma terapêutica eficaz exige o acompanhamento multidisciplinar e a co-participação do paciente, da sua família e do seu núcleo social, a qual se constrói com uma permanente estratégia de educação e estimulação do diabético na adesão ao tratamento. Vai desde a observação diária dos pés e cuidado dos dentes pelo próprio paciente, o controle rigoroso da sua dieta, a prática de atividades físicas regulares, as consultas periódicas com o médico-assistente e com especialistas (oftalmologista, nefrologista, cardiologista, dentista, etc.), até o CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE uso de drogas hipoglicemiantes como a insulina. O tratamento deve ser sempre individualizado. O auto-cuidado O sucesso do tratamento do DM começa com o envolvimento do diabético nesse processo, o que demanda empenho da equipe de saúde em persuadi-lo a se inserir no contexto de sua própria doença, tornando-o sujeito ativo na promoção da sua melhora clínica. Um bom controle do diabetes demanda motivação pessoal e disciplina por parte do paciente, uma vez que exige dele sacrifícios como o uso de injeções e outros medicamentos diariamente, refeições com restrições tanto de variedade quanto de quantidade e em horários pré-definidos e a prática regular de exercícios físicos. Nesse contexto, a educação em diabetes é um instrumento valioso e não se limita apenas à distribuição maciça de cartilhas ou à apresentação de palestras sobre o tema de forma pontual, já que envolve um processo interativo de aprendizado. O auto-exame dos pés Esse item é ressaltado com ênfase especial uma vez que a negligência de algo aparentemente simples pode até levar à amputação de um membro no diabético. O cuidado com os pés faz parte da profilaxia das complicações do diabetes, uma vez que esta é uma doença que altera o funcionamento da circulação sangüínea e a sensibilidade tátil. Disso resulta a maior predisposição de ferimentos leves passarem despercebidos e, devido ao distúrbio circulatório associado, haver comprometimento da cicatrização que, em último grau, pode acarretar a remoção de um membro. Portanto, deve-se orientá-lo a usar calçados que ao mesmo tempo protejam os pés e os deixem confortáveis, a fim de se evitar lesões, assim como instruílo a examinar os próprios pés com o objetivo de detectar precocemente lesões porventura existentes. O cuidado com a higiene da unhas também deve ser enfatizado. Uma forma de executar o auto-exame, na impossibilidade de o próprio paciente fazê-lo diretamente (devido à redução da acuidade visual ou limitação articular, por exemplo), é utilizando o auxílio de um espelho ou de uma lente de aumento. A auto-monitorização dos níveis glicêmicos(6, 9,31) A medida freqüente da glicemia é uma das melhores estratégias para se avaliar a efetividade do tratamento do DM, ou seja, se os níveis glicêmicos estão sendo mantidos próximos dos níveis desejados, permitindo o ajuste fino do tratamento conforme a variação diária da glicemia. Recomenda-se que o paciente realize, em casa, medidas repetidas da sua glicemia, usando aparelhos de manuseio relativamente simples que dosam a glicose em amostras de sangue da ponta dos dedos (glicosímetros). Deve-se alertá-lo que os testes devem ser realizados em diferentes horários durante todo o dia; não basta medir apenas de vez em quando, pois a glicemia pode estar controlada pela manhã e fora dos níveis aceitáveis à tarde, por exemplo. É importante também orientá-lo a anotar as medidas da glicemia para relatá-las nas consultas com o médico. Esse controle glicêmico mais rigoroso ajuda a prevenir as flutuações excessivas nos níveis glicêmicos (hiper ou hipoglicemia), as complicações tardias do DM e a progressão de complicações já existentes. A pesar de ser uma ferramenta importante no controle do diabetes, é dificultada por questões de ordem psicológica. Nesse ponto, a equipe que o assiste deve estar atenta para esclarecer 109 suas dúvidas e preparada para dissuadi-lo de seus temores. Além disso, dada a realidade econômica do país, o glicosímetro ainda não é um instrumento acessível para a maioria dos diabéticos, os quais ainda acabam por fazer um exame de glicemia somente a cada seis meses, quando visitam o médico para sua avaliação periódica, o que resulta numa informação de pouco valor porque pouco diz sobre o estado real de controle glicêmico. O teste de glicosúria, embora mais barato, não se constitui uma boa alternativa, visto que, quando negativo, não denota controle glicêmico, sendo uma avaliação indireta e pouco confiável dos níveis de glicemia. Modificações no estilo de vida Estimular o diabético a adotar hábitos de vida saudáveis (manutenção do peso adequado, alimentação apropriada, prática regular de exercícios físicos, abstenção do fumo e baixo consumo de bebidas alcoólicas) é uma tarefa difícil, mas imprescindível para a obtenção de um resultado terapêutico plenamente satisfatório. Hábitos alimentares saudáveis e controle do peso(6, 9,31) Um dos nós críticos do tratamento é a alimentação do diabético. A partir do diagnóstico da doença, o paciente se vê “condenado” a uma dieta severa, onde muito se restringe e pouco é permitido, o que se torna um obstáculo à adesão ao tratamento, já que, muitas vezes, a refeição é um dos seus poucos momentos de lazer e integração social. Ademais, esse tema é envolto por crenças e tabus que precisam ser cuidadosamente desfeitos. Nesse contexto, o plano alimentar deve ser personalizado de acordo com idade, sexo, prática de atividade física, comorbidades, situação econômica e, principalmente, hábitos culturais e alimentares da região. Orientação dietética individualizada pode ser desenvolvida a partir de um breve recordatório alimentar; com base nessas informações, podemse fazer sugestões específicas para mudanças que tanto o paciente quanto o responsável pelo tratamento considerem pertinentes e realizáveis. Uma alimentação adequada favorece melhor controle metabólico e do peso corporal. Em linhas gerais, deve-se orientar uma dieta com pouca quantidade de sal e gordura, desestimular o consumo de frituras e de carboidratos simples (açúcar, mel, garapa, melado, rapadura e doces em geral), e incentivar o uso de fibras alimentares (frutas, legumes, verduras e alimentos integrais). Também é necessário traçar no plano alimentar o número e a quantidade de refeições e preestabelecer os horários das mesmas. O uso de adoçantes e alimentos dietéticos permite uma melhor qualidade de vida, amenizando um pouco o sentimento de “isolamento” e até “impotência” que o diabético experimenta. Entretanto, o custo desses produtos afasta uma parcela significativa desses pacientes. A dieta para crianças e adolescentes deve ser ajustada freqüentemente a fim de se prover calorias suficientes para o crescimento e desenvolvimento, dentro do esperado para a idade. Como existe uma associação freqüente entre diabetes e obesidade, é essencial o tratamento paralelo dessa comorbidade, visando à melhora dos índices de controle metabólico e dos níveis pressóricos. O tratamento para a redução de peso pode envolver, além de medidas dietéticas e prática de exercícios físicos, o uso de medicamentos antiobesidade. 110 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA INCREMENTO NAATIVIDADE FÍSICA(1, 6,9,31) Isoladamente, a prática de exercícios físicos talvez seja a intervenção no estilo de vida mais importante no caso do diabetes, uma vez que está associada à melhora dos níveis glicêmicos, sensibilidade periférica à insulina, performance cardiovascular e remodelagem. O objetivo é fazer com que pessoas sedentárias se tornem ativas e que as pouco ativas se tornem regularmente ativas. Para os diabéticos em geral, recomendam-se preferencialmente exercícios aeróbicos como caminhar e andar de bicicleta, com duração de no mínimo 30 minutos, em intervalos de pelo menos 48 horas. Sua prática deve ser regular e continuada para que os benefícios se tornem evidentes. Conforme a tolerância do paciente, pode-se aumentar gradativamente a duração e a freqüência dos exercícios para que se evitem lesões por esforço excessivo. O principal papel do médico é fazer a triagem dos pacientes com complicações e buscar alternativas seguras para esses se exercitarem, pois exercícios físicos na presença de diabetes descompensado, neuropatia, nefropatia, retinopatia e doença cardiovascular podem acarretar muito mais danos do que benefícios. Os pacientes com idade superior a 35 anos devem fazer acompanhamento cardiológico, pois têm maior propensão a eventos coronarianos assintomáticos devido à neuropatia autonômica do diabético. Deve-se orientar os pacientes em uso de insulina a não praticar atividade física em jejum e a levar consigo fonte de carboidratos rapidamente absorvíveis como tabletes de glicose ou sucos com açúcar, por causa do risco de hipoglicemia. Recomenda-se ainda que se evite a aplicação da insulina nos locais ou membros mais requisitados durante essas atividades. Devem ser enfatizados também o uso de calçados apropriados e confortáveis e a ingestão de líquidos em quantidade suficiente antes, durante e depois do exercício. Abstenção do fumo e baixo consumo de bebidas alcoólicas(6, 9,31) O tabagismo é um dos principais fatores de risco para doenças do coração e dos vasos sangüíneos, os quais já têm maior propensão a sofrer distúrbios nos diabéticos pelos próprios mecanismos da doença, o que potencializa esse perigo. Portanto, ainda que não seja fácil, dado o poder de causar dependência da nicotina, esse hábito deve ser abolido. Nesse sentido, é importante a colaboração da família e do núcleo social do paciente. Recomenda-se que se retirem cigarros de casa e do local de trabalho para se evitar fumar nesses locais. A abstenção total é essencial ao tratamento. Não é recomendado o uso habitual de bebidas alcoólicas. Para redução do risco de hipoglicemia, devem ser consumidas sempre com alimentos. Deve-se desestimular o uso de bebidas alcoólicas nos pacientes em terapia insulínica ou com sulfoniluréias, dado o risco de hipoglicemia, pacientes com controle glicêmico inadequado, obesos, com neuropatia, e pancreatite ou dislipidemia associadas. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO(27,28) Estudos mostraram que os riscos de complicações crônicas são significativamente reduzidos quando se mantém a glicemia semelhante à de pessoas não diabéticas, refutando o pensamento até pouco tempo vigente de que níveis um pouco elevados de glicose no sangue não representariam problema. Assim sendo, a opção adotada pelo médico deve contemplar o objetivo principal do tratamento do diabetes, isto é, a manutenção dos níveis glicêmicos o mais próximo possível dos limites normais. Diabetes tipo 1(6, 9,31) A base do tratamento para o DM tipo 1 é a insulinoterapia. Nesses pacientes, a produção de insulina é praticamente nula, o que torna mandatória a sua reposição exógena, a qual deve tentar reproduzir a resposta fisiológica. Há vários tipos de insulina disponíveis no mercado, as quais se dividem de acordo com o tempo de ação do efeito hipoglicemiante. A insulina regular (R), de ação rápida, tem aspecto cristalino, e o seu perfil médio de ação está descrito na Quadro 4. A insulina NPH (do inglês, Neutral Protamine of Hagedorn), de ação intermediária, que visa reproduzir a liberação basal de insulina pelo pâncreas, tem aspecto leitoso. Existem ainda, novos tipos de insulina, com ações ultra-rápida ou mais prolongadas, não disponíveis, até o momento, pelo Ministério da Saúde para distribuição gratuita. A dose inicial deve estar entre 0,2-0,4 U/Kg/dia, aplicada por via subcutânea (SC). Para um paciente adulto, a média adequada está entre 0,5-1,0 U/Kg/dia. No Quadro 5 são citados os esquemas de insulinoterapia mais utilizados. Dianetes Tipo 2 Antidiabéticos orais(6, 9, 27, 28, 31). Os antidiabéticos orais são medicamentos que, administrados por via oral, têm ação hipoglicemiante, ou seja, que diminuem os níveis de glicose previamente elevados, ou anti-hiperglicemiante, que agem impedindo a elevação da glicemia após uma refeição. O tratamento via oral está indicado apenas para o diabético tipo 2, pois este paciente ainda produz insulina. Esses medicamentos estão descritos no Quadro 6. O tratamento farmacológico com antidiabéticos orais deve ser empregado quando as intervenções dietéticas e exercícios físicos não se mostrarem suficientes para se alcançar os níveis glicêmicos desejados e, na maioria dos casos, inicia-se com monoterapia. A escolha do medicamento é baseada no perfil individual do paciente. A acarbose pode ser indicada, por exemplo, para o paciente cuja elevação dos níveis glicêmicos após as refeições é significativa, pois esse medicamento permite uma absorção mais lenta dos carboidratos e, conseqüentemente, uma elevação gradual da glicemia, melhorando a atuação da insulina endógena. Como não são descritas interações medicamentosas com medicamentos habitualmente usados por idosos, é uma opção terapêutica segura para esse grupo de pacientes. Um paciente obeso se beneficia mais com o uso de metformina, uma vez que essa droga promove a redução do peso, pelo seu efeito anorexígeno (um dos efeitos colaterais) e por não agir aumentando a secreção de insulina. A metformina é o medicamento de escolha na presença de resistência à insulina, evidenciada pela presença de obesidade, hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e hipertensão arterial, entre outros sinais observados na síndrome metabólica. A perda de peso associada aos sintomas do diabetes (polis) com glicemia entre 140mg/dl e 270mg/dl indica secreção deficiente de insulina, e, neste caso, uma sulfoniluréia seria a melhor indicação. Conforme a evolução do DM, torna-se necessário, ao longo do tratamento, o ajuste das doses e a combinação de agentes com diferentes mecanismos de ação. Um algoritmo para o tratamento do DM tipo 2 está exposto na Figura 1. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 111 Quadro 4. Perfil médio de ação dos tipos de insulina. Tempo de ação Ultra-rápida Rápida Intermediária Longa Tipo de insulina Lispro (Humulog) Aspart Regular NPH/lenta Ultralenta Glargina (Lantus) Início de ação 5-15 min 10-20 min 0,5-1h 2-4h 6-10h 1-2h Pico de ação 1-1,5h 1-3h 1-3h 4-10h 10-15h sem picos Duração 3-4h 3-5h 4-6h 10-16h 18-20h 22-24h Vias de administração SC, IM, IV SC, IM, IV SC SC Quadro 5. Esquemas de insulinoterapia. Esquema Duas aplicações diárias Três aplicações diárias Modo de administração da insulina 2/3 da dose diária pela manhã, na proporção NPH/ R de 70%/ 30%; 1/3 da dose diária à noite, na proporção NPH/ R de 50%/50%. 2/3 da dose total pela manhã, na proporção NPH/ R de 70%/ 30%, 1/3 restante dividido 50%/ 50%: uma aplicação de regular antes do jantar uma aplicação de NPH antes de dormir. Quadro 6. Antidiabéticos orais: mecanismos de ação e efeitos clínicos. Medicamento Sulfoniluréias (glibenclamida) Repaglinida* Nateglinida* Metformina Glitazonas Acarbose* Mecanismo de ação Redução da glicemia de jejum (mg/dl) Redução da HbA1c (%) Efeito sobre o peso corporal Aumento da secreção de insulina pelo pâncreas Aumento da secreção de insulina pelo pâncreas Aumento da secreção de insulina pelo pâncreas Aumento da sensibilidade à insulina predominantemente no fígado Aumento da sensibilidade à insulina no músculo Retardo da absorção pós-prandial de carboidratos 60-70 60-70 20-30 60-70 1,5-2 1,5-2 0,7-1 1,5-2 Aumento Aumento Aumento Diminuição 35-40 20-30 1-1,5 0,7-1 Aumento Sem efeito *Atua predominantemente na redução da glicemia pós-prandial. Pode reduzir a glicemia de jejum a médio e longo prazos. Insulinoterapia no DM tipo 2(6,20) Alguns diabéticos tipo 2 necessitarão de terapia insulínica logo após o diagnóstico; outros, ao longo da evolução do diabetes. Uma vez constatada uma resposta inadequada ao uso de antidiabéticos orais, o tratamento com insulina deve ser iniciado, podendo-se associar esses dois grupos de medicamentos. Um dos esquemas mais utilizados é a combinação de antidiabéticos orais durante o dia e insulina de ação intermediária ou lenta ao deitar. Assim, busca-se corrigir as hiperglicemias pós-prandiais com o uso de hipoglicemiantes de ação curta antes das refeições, e corrigir as hiperglicemias de jejum com a insulina ao deitar. A insulinização plena é indicada quando não se consegue o controle da glicemia com a terapia combinada de insulina e antidiabéticos orais. As principais indicações da insulinoterapia são: 1. ao diagnóstico, quando os níveis de glicemia estiverem acima de 270 mg/dl, especialmente se acompanhados de perda de peso, cetonúria e cetonemia. Alguns desses pacientes provavelmente não são do tipo 2, mas do tipo 1 de início tardio e, portanto, dependentes de insulina; 2. durante a gravidez, quando não houver normalização dos níveis glicêmicos com dieta; 3. quando os medicamentos orais não conseguirem manter os níveis glicêmicos dentro dos limites desejáveis; 4. quando, durante o tratamento com antidiabéticos orais, surgirem intercorrências (cirurgias, infecções, acidente vascular encefálico, etc.), acompanhadas de níveis glicêmicos elevados e que podem piorar o prognóstico; 5. em pacientes com infarto agudo do miocárdio e com níveis glicêmicos superiores a 200 mg/dl, recomenda-se a utilização de insulina por via intravenosa contínua e solução de glicose a 5% com cloreto de potássio (o emprego destas medidas pode reduzir em 30% a mortalidade por causa cardiovascular). Dentre as complicações da insulinoterapia, são mais freqüentes a hipoglicemia, o ganho de peso excessivo, o edema insulínico e a resistência insulínica. A hipoglicemia é a principal complicação da insulinoterapia. Várias condições clínicas (por exemplo, insuficiência suprarrenal, tireoidiana, hipofisária, renal, hepática e abuso de álcool) podem predispor os indivíduos em uso de insulina a apresentarem hipoglicemia. Desse modo, essas condições devem ser monitorizadas nesses tipos de pacientes. O uso de doses incorretas de insulina, a aplicação intramuscular e a omissão de refeições também levam à hipoglicemia em uma porcentagem não desprezível de pacientes. O edema insulínico pode ocorrer em pacientes cronicamente descompensados, sendo rapidamente revertido a partir de um bom controle glicêmico com a insulinoterapia. O edema, cuja causa exata não é bem conhecida, pode ser generalizado ou localizado em mãos e pés. Em alguns casos, faz-se necessário o uso de diurético, por dois ou três dias. A resistência insulínica é definida como a necessidade pelo paciente adulto de mais de 200 UI/dia, ou, se criança, de mais do 112 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Figura 1. Algoritmo terapêutico para o DM tipo 2. Quadro 7. Avaliação inicial do paciente diabético. Exame clínico Peso, altura, IMC, TA Circunferência abdominal Fundo de olho Palpação das artérias Avaliar macroangiopatia Avaliar neuropatias Exame cuidadoso dos pés (pele, unhas, região interdigital, pulsos) Exame buco-dentário Exames complementares Equipe multidisciplinar Sumário de urina Iniciar o programa de aprendizagem Hemograma Consulta com a nutrição Glicemia Consulta com enfermagem Colesterol, triglicérides Consulta com serviço social HDL, LDL Avaliação psicossocial Creatinina, uréia, K+ Medidas educacionais Hemoglobina glicada (HbA1c) ou frutosamina (podem ser normais em diabetes recente) RX de tórax, ECG Urocultura (se necessário) Quadro 8. Revisão anual do paciente diabético. Exame clínico No exame físico, atentar para: Palpação das artérias (Doppler se necessário) Exame cuidadoso dos pés e das unhas Investigar microangiopatias, neuropatias, hipotensão ortostática Fundo de olho Avaliação buco-dentária Avaliação complementar Sumário de urina, urocultura HbA1c ou frutosamina Creatinina, uréia, eletrólitos Colesterol, triglicerídeos, HDL, LDL Microalbuminúria e/ou proteinúria de 24h Depuração da creatinina RX do tórax que 2,5 UI/ Kg de peso/ dia. No DM tipo 2, está associada com uma série de condições clínicas, tais como cirurgia, infecções, cetoacidose, doenças de excesso de hormônios contrareguladores (hipercortisolismo, hipertireoidismo, hipersomatotropismo, feocromocitoma, hiperaldosteronismo), síndromes genéticas e elevados títulos de anticorpos antiinsulina. Tratar tais condições pode diminuir a resistência à insulina. Está previsto para breve o lançamento no mercado da insulina inalável, o que vai abrir novas perspectivas no tratamento do diabetes. Reconsiderar a terapêutica Solicitar consultas especializadas para os centros de referência (com oftalmologista, dentista, neurologista) se necessário Revisão com a nutricionista, enfermeira e assistente social SEGUIMENTO CLÍNICO E LABORATORIAL DO DIABÉTICO(6) Após a primeira consulta do paciente diabético, este e a equipe de saúde que o assiste devem manter o vínculo fundamental para o seguimento desta doença, através de visitas periódicas e do compromisso mútuo de participação do processo que, a partir do diagnóstico, deve-se iniciar. A avaliação inicial do diabético requer uma atenção pormenorizada do médico a fim de se estadiar a doença por meio da avaliação multidisciplinar, do exame clínico e de exames CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE complementares, os quais devem estar sistematizados na rotina da equipe de saúde (vide quadro 7). O período entre a primeira visita será determinado de acordo com o estado metabólico e clínico de cada diabético (15 a 30 dias, em média). Na segunda visita, deve-se prosseguir com o programa educativo, pesquisar sinais e sintomas de hipoglicemia, analisar os resultados dos exames solicitados na visita anterior, verificar o peso, TA e glicemia capilar neste momento. Na terceira visita, que acontece dentro de um intervalo de três meses, prossegue-se com o programa educativo de grupo, já avaliando a educação recebida anteriormente, faz-se um cuidadoso exame dos pés e verifica-se HbA1c, lipídios séricos (se estiverem elevados), glicemia pós-prandial e sumário de urina. Esse é o momento de reconsiderar a terapêutica se não houver uma resposta adequada às medidas instituídas. A avaliação deverá ser mantida a cada 3 a 4 meses no paciente que esteja bem controlado. Faz parte do seguimento também uma avaliação periódica anual, cujos principais objetivos são listados no quadro 8. CONCLUSÃO Nenhuma pessoa pode fornecer tudo que é necessário para a assistência ao diabético e o bom controle de sua condição atualmente necessita da integração destes à associações de portadores, suas famílias, amigos, companheiros e organizações além da elaboração de políticas de saúde e da interação com as equipes de saúde multidiciplinares. Os diabéticos devem ser treinados para compreender e lidar com suas demandas diárias através de métodos eficazes de educação para leigos, individuais ou de grupo, e do trabalho constante de equipes de saúde integradas para que estas incentivem o autocuidado e estejam aptas a responder os seus questionamentos. Conceitos errados, sem fundamentos científicos em relação ao diabetes necessitam de melhor esclarecimento popular, pois podem atrapalhar o tratamento por sempre estarem relacionados à idéia de sacrifício. E é neste contexto que surgem os grandes tabus e crenças. Freqüentemente os diabéticos perguntam se existem chás ou medicamentos caseiros úteis. Compreendemos que métodos alternativos podem ser utilizados como tratamento pois podem ajudar a amenizar a angústia gerando expectativas positivas frente ao convívio com o diabetes. Assim, sugerimos que no processo educativo, os diabéticos sejam sempre orientados sobre sua condição considerando, avaliando e trabalhando suas crenças, mitos e tabus, de forma que as equipes possam utilizá-las como aliados ao tratamento, compreendendo sua dinâmica na vida de cada um. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. American Diabetes Association. Diabetes mellitus and exercise. Diabetes Care 2002; 25 (supll 1): S64-S68. 2. American Diabetes Association. Padronização de cuidados médicos em diabetes. Diabetes Care 2: 64-84, 2004. 3. Arduino F. Diabetes Mellitus. 3a edição, Guanabara Koogan: Rio de Janeiro,1980. 4. Barbieri RL, Repke JT. Distúrbios Clínicos durante a gravidez. 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A criança pequena, devido à velocidade de seu crescimento, constitui um dos grupos mais vulneráveis aos erros e deficiências de alimentação, sobretudo durante o período do desmame e na vigência de processos infecciosos. Nesse sentido, é importante enfatizar o aleitamento materno, por representar o alimento ideal, praticamente insubstituível, para o início da vida da criança. Da mesma forma, no início da alimentação compl ementar, a criança deve receber alimentos adequados, particularmente para as populações menos favorecidas socioeconomicamente; a essas crianças deve-se procurar oferecer, sempre, alimentos de baixo custo, de fácil aquisição e preparo, de maior disponibilidade local e já de uso habitual em suas comunidades(61, 80). Nadya Maria Bustani Carneiro André Macedo Serafim da Silva Carlos Augusto Amorim, Carolina M. Alves Cavalheiro Diogo Radomille de Santana Emília Nunes de Melo Érica Perez Iglesias, Grazieli Cerqueira Marina Soares Blanco Mateus Boaventura de Oliveira Renata Tavares, Sidinéia Rocha Vanessa Porto Souza ALEITAMENTO MATERNO O leite materno é o alimento mais nutritivo para as crianças no primeiro ano de vida pois, além de promover o crescimento, previne infecções e promove uma relação afetiva entre o lactente e a mãe. A Organização Mundial de Saúde(88) recomenda que o leite materno seja oferecido ao lactente, exclusivamente, sem uso de chás e água, durante os seis primeiros meses de vida. A partir do sexto mês deve-se oferecer alimentação complementar, mas o leite materno deve ser continuado até a criança completar dois anos ou mais. Composição do leite materno A composição bioquímica do leite de todos os mamíferos é altamente específica para cada espécie, refletindo a adaptação fisiológica espécie-específica, assegurando o crescimento e desenvolvimento nas primeiras fases da vida. O leite materno passa por três fases distintas: colostro, leite de transição e leite maduro. O colostro é um líquido amarelado, mais grosso e de pequeno volume que preenche as células alveolares durante o último trimestre de gestação e é geralmente secretado até o terceiro dia, podendo ir até o sétimo dia após o parto(53). O leite materno apresenta menor teor de gordura e de calorias, alta concentração de proteínas e minerais, além de taxas mais elevadas de zinco, vitaminas A e E(14,47); fornece 67kcal/dl, é rico em lactoferrina e imunoglobulinas, em especial a IgA(28) e leucócitos; facilita o crescimento do Lactobacilus bifidus e a eliminação do mecônio(53), apresentando assim um perfil tanto imunonólogico protetor quanto nutricional. A fase transicional do leite materno dura do sétimo ao décimo dia, podendo ir até duas semanas pós-parto. O leite materno vai então demonstrando um decréscimo de imunoglobulinas e proteínas e um aumento nos níveis de lactose e gordura, até chegar à fase de leite maduro(53); nessa fase, o leite apresenta 7g/dl de lactose, 0,8% de oligossacarídeos, que na presença de peptídeos, vão formar o fator bífido(14,47). O leite do início da mamada chamado leite anterior, parece acinzentado e aguado. Ele é rico em proteína, lactose, vitaminas, minerais e água. Já o leite posterior contém mais gordura; portanto, é preciso que a criança esvazie completamente a mama para que ela possa receber todos os nutrientes necessários ao seu crescimento(14,47). 117 Palavras-chaves: Lactente, Aleitamento Materno, Nutrição, Alimentação Complementar, Alimentação Artificial. 118 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA O leite materno contém 88% de água e tem osmolaridade similar à do plasma (53) . Por isso, a criança que é amamentada exclusivamente ao peito, não necessita de água. No leite humano predominam as proteínas do soro, na proporção de 60%-70%, enquanto no leite de vaca, a proteína predominante é a caseína (80%) de mais difícil digestão(57). As principais proteínas séricas do leite incluem a alfa-lactoalbumina, importante para a síntese de lactose, além dos fatores protetores como lactoferrina, lisozima e imunoglobulinas(28). O leite materno apresenta uma concentração baixa de tirosina e fenilalanina, sendo este dado fundamental, pois o recém-nascido tem baixa capacidade de metabolização desses aminoácidos aromáticos, que podem causar letargia(53). O leite humano contém, também, diferentemente do leite de vaca, maiores concentrações de aminoácidos essenciais de alto valor biológico (cistina e taurina), que são fundamentais para o crescimento do sistema nervoso central. Isso é particularmente importante para a criança prematura, que não consegue sintetizálos a partir de outros aminoácidos, por deficiência enzimática. Além disso, o leite humano contém carnitina, que é vital para a degradação de ácidos graxos de cadeia longa, pois o recémnascido tem capacidade reduzida de sintetizar essa substância(86). A quantidade de gordura no leite materno é de 3,5g/dl e não sofre influência da dieta materna(14,47). Os lipídios presentes no leite materno são responsáveis por 50% a 60% da carga energética do leite oferecido ao recém-nascido, aproximadamente 70 kcal/ dl(37). Existem no leite humano, basicamente, 3 tipos de lipídios: triacilgliceróis, fosfolipídios e colesterol. O colesterol presente no leite humano é benéfico nessa fase da vida, pois ajuda no desenvolvimento do cérebro, e posteriormente, na fase adulta, a manter os níveis de colesterol baixos (53). O leite materno é rico em ácidos graxos insaturados de cadeia muito longa (LCPUFA): decohexaenóico e ácido aracdônico, importantes para o desenvolvimento e mielinização do cérebro e o desenvolvimento visual(28,12). O ácido aracdônico, o ácido linoleico e as gorduras poliinsaturadas existem em maiores concentrações no leite humano do que no leite de vaca, e todos são importantes para a síntese de prostaglandinas. Os triglicerídeos, maior fonte de calorias para a criança, sob ação da lipase, dão origem aos ácidos graxos livres e glicerol. Os ácidos graxos parecem ser os únicos componentes que sofrem alterações pela manipulação dietética da mãe(37), mas, de modo geral, o leite materno tem quantidades significativas de todos os ácidos graxos essenciais(14,47). O principal carboidrato do leite materno é a lactose, a ser metabolizado em galactose e glicose, sendo a galactose o recurso primário para a substância branca do cérebro em crescimento. A lactose favorece a absorção de cálcio, a presença de uma flora intestinal protetora contra bactérias patogênicas e propicia a formação de fezes de consistência adequada(53,86). Apesar de as quantidades de minerais serem menores no leite materno do que no leite de outros mamíferos, essas quantidades atendem às necessidades do lactente e, juntamente com uma baixa carga de proteínas, não sobrecarregam os rins imaturos do recém-nascido(53). Estão presentes no leite humano: sódio, potássio, cloro, cálcio, magnésio e fósforo, além de traços de ferro, flúor, zinco, cobre, manganês, selênio e iodo. Apesar da pequena quantidade de cálcio, ele é bem absorvido e atende às necessidades do recém-nascido a termo, com uma taxa cálcio/ fósforo de 2:1(31,35). O conteúdo de sódio declina durante o curso da lactação e a quantidade reduzida desse soluto com a grande quantidade de potássio parece ser benéfica para o lactente a termo. A grande biodisponibilidade do zinco compensa sua baixa concentração no leite materno. A deficiência de ferro é rara porém o recém-nascido tem uma boa reserva deste mineral, a qual pode durar até o sexto mês. Além disso, a pequena quantidade de ferro no leite materno está ligada à lactoferrina e apresenta maior biodisponibilidade; sua absorção é facilitada pela presença de lactose e de vitamina C, assim como pela baixa presença de proteínas e fósforo. Todas as vitaminas solúveis são encontradas em quantidades adequadas no leite materno. As vitaminas lipossolúveis também existem em boa quantidade no leite materno, mas a vitamina K deve ser administrada ao recémnascido, pois as bactérias intestinais endógenas produtoras desta vitamina só começam a produzi-la alguns dias após o nascimento. A vitamina D só precisa ser administrada em lactentes que não têm exposição freqüente ao sol(53,86). Em relação à composição imunológica, o leite humano possui inúmeros fatores imunológicos, específicos e não-específicos, que conferem proteção ativa e passiva para as crianças amamentadas. As células imunocompetentes predominantes no leite humano são os macrófagos (40% a 50%), seguidos por linfócitos e granulócitos neutrófilos, que têm capacidade fagocítica, além de exercer funções bactericidas e fungicidas(35,53). Os leucócitos estão presentes em concentrações maiores no colostro e vão diminuindo durante a lactação. Os macrófagos sintetizam os componentes C3 e C4 do complemento, a lisozima e a lactoferrina, que representam um veículo e estoque de imunoglobulinas(53). Os linfócitos são 5% a 10% das células brancas e a maioria destes são linfócitos T (80%), que exercem uma ação citotóxica nos microorganismos e estimulam o sistema imune do lactente(67). O sistema enterobroncomamário garante que qualquer patógeno que estimule a produção de anticorpos na mãe, permita a passagem dessas imunoglobulinas para o leite materno(53). As imunoglobulinas são proteínas presentes no leite materno durante todo o período de amamentação do bebê, mas principalmente no colostro, podendo constituir até 90% do teor protéico durante o primeiro dia de lactação(8,61). A IgA é a principal imunoglobulina (Ig) do leite materno e se apresenta principalmente na forma dimérica (secretória), constituindo 90% das Igs(14,47), com a função de evitar a adesão de microorganismos à mucosa intestinal e, além disso, age contra Escherichia coli, Vibrio cholerae, Shigella sp., Salmonella sp., Clostridium difficile, Giardia lamblia e Campylobacter sp(53). A especificidade dos anticorpos IgA no leite humano é um reflexo dos antígenos entéricos e respiratórios da mãe, o que proporciona proteção à criança contra os patógenos prevalentes no meio ambiente no qual ela está inserida. As imunoglobulinas IgM e IgG aparecem em concentrações menores no leite materno. As IgE, junto com os antígenos do lúmen intestinal, liberam mediadores químicos que aumentam a permeabilidade vascular, facilitando a liberação de IgG, que realizam atividade opsnonizante. As IgM são encontradas em valores muito próximos aos da concentração no soro de adultos normais(8) e são fundamentais para a proteção contra as infecções maternas(53) e contra as enterobactérias na criança(8,67). A lactoferrina é uma enzima quelante do ferro que possui uma ação bacteriostática, principalmente sobre a E. coli. Apresenta concentração elevada no colostro (600mg/dl), diminuindo progressivamente no leite maduro (180mg/dl)(14,47). A lisozima apresenta ação bactericida sobre a maioria das bactérias Gram-positivas e atinge sua maior concentração no leite maduro, entre 14 a 39 mg/dl(86). As proteínas ligadoras de vitamina B12 previnem a incorporação desta vitamina pela E. coli e os bacterióides, assim inibindo o crescimento destes microrganismos(53). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE A presença de ácidos graxos livres e monoglicerídeos, liberados pela hidrólise de triglicerídeos no leite materno, faz mediação da lise de bactérias, vírus e protozoários(53). Os oligossacarídeos promovem o desenvolvimento de uma flora bífida, que através da diminuição do pH, inibe a multiplicação de enterobactérias como Shigella, Salmonella e E. coli, inibindo ainda a adesão de bactérias do gênero Pneumococcus à mucosa(53). Alguns dos fatores de proteção do leite materno são total ou parcialmente inativados pelo calor, razão pela qual o leite humano pasteurizado não tem o mesmo valor biológico do leite natural. Técnica da amamentação Amamentar é mais que uma técnica. É um sentimento particular e único entre cada mãe e seu filho, criando um vínculo afetivo importante para ambos. A amamentação exclusiva deve ser estimulada por pelo menos seis meses, e a mãe deve estar segura e informada adequadamente de que o aleitamento materno é a forma natural de alimentar seu bebê, confiar em sua capacidade de amamentar e sentir-se apoiada pelos profissionais de saúde. O êxito do aleitamento materno depende também da técnica correta de amamentação, visto que uma elevada percentagem de problemas precoces ocorre ao colocar de modo incorreto o bebê ao peito, na maioria das vezes por falta de orientação(84). Quando o posicionamento não é adequado, a mãe sente dor, há tendência de ocorrerem traumas mamilares e a mandíbula e a língua do bebê podem ser incapazes de extrair o leite. Deve-se respeitar as posturas escolhidas pela mãe que, com freqüência, são diferentes nos primeiros dias, em função de dor no abdome ou no períneo. É importante que o profissional de saúde saiba avaliar se a técnica da amamentação está correta e seja capaz de orientar detalhadamente, explicando toda a técnica e problemas freqüentes que possam ocorrer(55,75). A mãe deve estar em posição confortável, relaxada. O bebê deve estar com o seu corpo próximo ao da mãe, de forma a tocálo, barriga com barriga. O corpo e a cabeça do bebê devem estar alinhados; o bebê deve estar com o braço inferior posicionado ao redor da cintura da mãe. O corpo do bebê deve estar fletido sobre a mãe, com as nádegas apoiadas. A mãe deve segurar a mama com a mão em forma de “C”, deixando a aréola livre. O bebê deve estar abocanhando o mamilo e parte da aréola (2 cm além do mamilo) com os lábios extrovertidos. A criança que não abocanha uma porção adequada da aréola tende a causar trauma nos mamilos e pode não ganhar peso adequadamente, apesar de permanecer longo tempo no peito. Dificuldades relacionadas à “pega” da mama podem também contribuir para o aparecimento de fissuras e mastite nas mães(72,77). Fisiologia da lactação Reflexos da mãe O desenvolvimento das glândulas mamárias que as capacita para a secreção de leite ocorre em duas fases: a primeira acontece aproximadamente no meio da gravidez, quando as glândulas se tornam competentes para secretar o leite que, nessa fase, é produzido em pequenas quantidades e observa-se a presença de lactose no sangue e na urina da mãe; a segunda fase ocorre durante os primeiros 4 dias após o parto, sendo que o maior aumento na produção acontece aproximadamente após as primeiras 40 horas. Essas fases de desenvolvimento e maturação das glândulas mamárias ocorrem em resposta aos hormônios da gravidez – progesterona, prolactina e o hormônio lactogênico placentário(54). 119 Quando a criança suga o peito ou, até mesmo, chora, isto faz com que um hormônio chamado ocitocina seja liberado pela glândula hipófise. Esse hormônio na corrente sangüínea leva à contração das células mioepiteliais da mama e à conseqüente ejeção do leite(75). Sem esse hormônio, somente a sucção do leite não seria eficaz para a retirada do mesmo. Além disso, a ocitocina também ajuda na expulsão da placenta, na contração do volume uterino e no controle do sangramento pós-parto. Por estes motivos muitos especialistas recomendam que a primeira mamada ocorra ainda na sala de parto. O reflexo de liberação da ocitocina pode ser inibido por estresse, cansaço excessivo, dor ou fissuras. A prolactina é liberada pelo estímulo da sucção, agindo nas células secretoras dos alvéolos da glândula mamária e estimulando a produção de leite. Esse hormônio é liberado depois da ocitocina e tem secreção máxima à noite, por isto recomendase que a criança também seja amamentada nos horários noturnos, quando ocorre maior produção de leite(31,54). A prolactina também tem um efeito sobre os ovários, inibindo a ovulação, aumentando então o período de amenorréia e espaçando as gestações. Mais uma vantagem da amamentação para as mães lactantes(61). Estudos indicam que o volume de secreção do leite na mulher é regulado pela demanda da criança, de modo que, quanto mais a criança suga o leite e esvazia a mama, mais aumenta a secreção de leite; portanto, a amamentação deve ocorrer sempre que a criança quiser, inclusive à noite e deve-se esvaziar por completo as mamas. Mesmo as mulheres magras e até as desnutridas são capazes de produzir leite suficiente para a completa nutrição dos filhos(54). O leite é produzido nos alvéolos, em células epiteliais altamente diferenciadas. A produção de leite materno nos cinco dias pós-parto é variável, porém a secreção de leite aumenta de 50ml em média no segundo dia pós-parto para 500ml no quarto dia. O volume de leite produzido na lactação já estabelecida varia de acordo com a demanda da criança. A média de produção de leite durante os primeiros 4 a 6 meses é de 750ml + / - 130ml/ dia para as crianças exclusivamente amamentadas(28,33). Reflexos do bebê Ao nascer, a criança está preparada para receber alimentos líquidos, estando presentes os reflexos de busca, de extrusão da língua, de preensão reflexa e de deglutição que a auxiliam na amamentação(54). No reflexo de busca, a criança gira a cabeça na direção do estímulo tátil aplicado na região perioral. Já o reflexo de extrusão da língua possibilita o posicionamento correto do complexo aréolopapilar para a estimulação da sucção, com esta começando quando a mama toca a junção entre o palato duro e o mole(1). O reflexo de extrusão da língua, presente nos primeiros quatro meses de vida da criança, leva à expulsão dos alimentos semisólidos oferecidos à mesma. A partir do quarto ao sexto mês, este reflexo desaparece, correspondendo ao período de introdução da alimentação complementar, não-láctea. Também corresponde ao período em que o lactente é capaz de sustentar a cabeça sobre o tronco(1,54). Digestão do leite materno Nos primeiros quatro meses de vida, o trato gastrointestinal (TGI) da criança é imaturo e está preparado somente para a digestão do leite materno, não sendo capaz de digerir alimentos complexos, como aqueles presentes na alimentação do adulto. Nesta fase, a absorção de proteínas pelo organismo é elevada, 120 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA para proporcionar incorporação efetiva das proteínas do leite materno pelo TGI. Entretanto, as proteínas presentes em outros alimentos, como no leite de vaca, devem ser evitadas, pois também são absorvidas podendo desencadear quadros de alergia da criança a esses alimentos(12,54). A baixa concentração de caseína no leite humano resulta na formação de coalho gástrico mais leve, com flóculos de mais fácil digestão e com reduzido tempo de esvaziamento gástrico. Além do mais, a digestão do leite materno possibilita a criação de um pH intestinal favorável ao desenvolvimento da flora residente e evita a implantação de anaeróbios e coliformes, diminuindo a morbidade pelas doenças diarréicas(1). Os rins da criança nos primeiros meses de vida têm muito baixa capacidade de filtração glomerular e de concentração urinária. Por isso, a oferta de alimentos complexos, ricos em proteínas estranhas ao organismo causa sobrecarga do rim pela incapacidade de excretá-los, causando distúrbios metabólicos graves na criança. Devido às próprias características fisiológicas, a criança deve ser amamentada exclusivamente, sem o uso de água ou chás, até o sexto mês de vida quando será introduzida a alimentação complementar não-láctea de modo progressivo(27). BENEFÍCIOS PARA MÃE E FILHO Por causa de suas propriedades antiinfecciosas, antiinflamatórias e imunomodulatórias, o aleitamento oferece proteção contra diversas patologias. O leite materno permite uma proteção contra infecções respiratórias e gastrointestinais: uma criança que não foi amamentada tem o risco 17 vezes maior de ser internada por uma pneumonia; 14,2 vezes maior de morrer por diarréia e 3,6 vezes maior de morrer por infecções respiratórias. Isso quando comparadas às crianças amamentadas exclusivamente com leite materno(53). No Brasil, em um estudo realizado por Victora et al.(81), foi demonstrado que as crianças que não eram amamentadas apresentavam um risco, duas a três vezes maior, de morrer por pneumonia e diarréia, quando comparadas com as que eram amamentadas. O aleitamento artificial do bebê também está relacionado ao risco aumentado do surgimento de otite média, infecção do trato urinário, meningite por Haemophilus influenzae, asma, vômitos e resfriados prolongados(76). O aleitamento materno reduz a incidência das doenças alérgicas (asma, bebê chiador, eczemas, dermatite atópica e alergias alimentares)(28,67). Devido a suas ações no sistema imunológico, a criança alimentada exclusivamente ao seio tem prevalência menor de certas doenças auto-imunes tais como doença celíaca, Diabetes mellitus tipo 1, doença de Crohn, colite ulcerativa e linfomas infantis e leucemias(28,42); apresenta também maior produção de anticorpos após vacinação contra pólio, tétano e difteria(42). A amamentação também melhora o desenvolvimento da cavidade oral; o alinhamento dentário reduz a incidência de apnéia do sono e a presença de cáries, além de diminuir a necessidade de uso de aparelhos ortodônticos(62). Um estudo recente demonstrou 50% menos de risco de morte súbita infantil nos bebês amamentados exclusivamente, do que naqueles com aleitamento artificial, porém ainda não se sabe as razões desse achado(48). Alguns estudos que relacionaram aleitamento e obesidade mostraram que as crianças que receberam apenas leite materno têm o risco de 2,8% de se tornarem obesas, enquanto que aquelas com aleitamento artificial tiveram esse risco de 4,5%. Além dessas contribuições, o ato de amamentar também aproxima a mãe do seu filho, estreitando os vínculos afetivos(87); traz benefícios psicológicos para a criança e para a mãe, gerando sentimentos de segurança e de proteção na criança e de auto-confiança e realização na mulher. Ainda não existe consenso quanto à associação entre aleitamento materno e desenvolvimento cognitivo. No entanto há fortes indícios na literatura de que crianças amamentadas apresentam vantagem sob o ponto de vista cognitivo, quando comparadas com as não amamentadas. Alguns defendem a presença de substâncias no leite materno que otimizariam o desenvolvimento cerebral. Porém ainda não se conhece a magnitude e a importância desse fato(28). A literatura é restrita acerca dos benefícios do aleitamento para a saúde da mãe, porém já é sabida a relação positiva entre amamentar e apresentar menos doenças como câncer de mama(11), câncer de ovário(73), fraturas ósseas (especialmente coxofemoral), osteoporose (44), menos mortes por artrite reumatóide precoce, aumento do período de amenorréia pósparto(41), rapidez do retorno ao peso pré-gestacional, menor sangramento uterino acelerando a involução uterina, menos ocorrência de anemia e favorecimento da dequitação placentária(41). O impacto do aleitamento materno na qualidade de vida é difícil de ser quantificado. Crianças que recebem leite materno adoecem menos, necessitando de menos atendimento médico, menos hospitalizações e medicamentos. Além disso, amamentar uma criança ao seio é mais econômico do que com alimentação artificial. Essa vantagem não deve ser desconsiderada, sobretudo em famílias de baixo poder aquisitivo(40). Contra-indicações da amamentação O aleitamento materno é a forma mais nutritiva e completa para a alimentação da criança. Por esse motivo, os profissionais da área de saúde devem estar cientes das contra-indicações e da interrupção errônea do aleitamento e devem tomar todos os cuidados para impedir a transmissão de alguma patologia à criança. O tempo decorrido entre a exposição da mãe ao patógeno e o início dos sintomas, geralmente faz com que haja exposição do lactente ao patógeno e, dessa forma, a orientação geral é manter o aleitamento materno(2,28). Além disso, se a amamentação é suspensa quando surgem os sintomas na mãe, a proteção diminui, pois a criança deixará de receber anticorpos específicos, assim como outros fatores de proteção do leite(45). As contra-indicações absolutas da amamentação são raras e algumas das recomendações variam de opinião a depender do autor. Por parte da criança, a galactosemia é uma dessas restrições, pois a deficiência de uma enzima do metabolismo da galactose faz com que ocorram aumentos dos níveis de galactose e seus metabólitos podendo causar lesões nos rins, fígado, cérebro e olhos ou até mesmo a morte em casos mais graves(16). A transmissão do HIV pelo leite materno já foi comprovada por diversos estudos(3,6,13,68). A maior parte da transmissão vertical do HIV é feita durante o trabalho de parto e no parto, mas cerca de 35% da transmissão ocorre nas últimas semanas de gestação e durante o aleitamento materno. A transmissão pode ocorrer em qualquer período da amamentação e a taxa de infecção aumenta com tempo de lactação. Alguns fatores interferem no risco de transmissão: condições da mama (abscesso e mastite), úlceras orais na criança e estado imunológico da mãe(79). Com o advento da terapia retroviral, diminuíram os casos de transmissão vertical durante a gestação(64.70). No Brasil, o Ministério da Saúde preconiza que a amamentação seja contra-indicação absoluta em pacientes portadoras do HIV. Contudo, a Organização CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomendam que, em países pobres, onde doenças como diarréia, pneumonia e desnutrição contribuem para elevadas taxas de morbi-mortalidade infantil, o benefício do aleitamento materno deve ser considerado em relação ao risco de transmissão do HIV(43,45). Outro retrovírus, o HTLV-1, também pode ser transmitido pelo aleitamento materno(38), sendo esta via de transmissão vertical considerada predominante(45). Esse retrovírus é causa de paraparesia espástica tropical(58) associada ao desenvolvimento de neoplasias malignas (leucemia/linfoma de células T do adulto)(25). Como para essas patologias graves não se dispõem de terapêutica ou vacinas eficazes, alguns autores contra-indicam a amamentação por mãe soropositiva para HTLV-1(45). O leite materno não é contra-indicado nos casos em que a mãe seja portadora do vírus B da hepatite. O maior risco de transmissão da hepatite B para a criança ocorre durante o parto. Por isso, recomenda-se para filhos de mães portadoras do vírus da hepatite B, que logo após o nascimento, nas primeiras seis a doze horas de vida, sejam aplicadas a primeira dose da vacina contra o vírus da hepatite B e uma dose da imunoglobulina hiperimune da hepatite B(5), tendo eficácia de 95%(5). Apesar de relatos recentes mostrando a presença do vírus da hepatite C (VHC) em outras secreções (leite, saliva, urina e esperma), a quantidade do vírus parece ser pequena demais para causar infecção e a grande maioria dos estudos não indicam transmissão pelo leite materno(50,56). Recomenda-se que seja informado às mães que existe um risco teórico não confirmado de transmissão pelo aleitamento materno, e a decisão de amamentar deve ser individulizada(5,25,66). Até o momento o Ministério da Saúde ainda não contraindica o aleitamento para recém-nascidos de mães portadoras do vírus C da hepatite. O citomegalovírus (CMV) pode ser excretado na saliva, urina, leite humano, sêmen, secreções cervicais e fezes por vários anos após primoinfecção e na ocorrência de reativação de suas formas latentes(45,90). A maioria das crianças é infectada durante ou após o parto, mas mantém-se assintomáticas, embora algumas possam apresentar pneumonia intersticial, hepatite, anemia, linfocitose atípica ou escasso ganho de peso(46,63). Porém, alguns autores sugerem a continuidade da amamentação porque durante a gestação e o aleitamento materno há passagem de imunoglobulinas, e assim a criança estaria de certa forma protegida; sendo assim, o risco de doença assintomática no lactente é menor do que num período posterior(25,32,45,63). O risco de transmissão de vírus herpes simples pelo leite materno é muito baixo. Por isso, o aleitamento está indicado neste caso. Quando as lesões herpéticas estiverem presentes em uma das mamas, evita-se o contato do lactente com esta mama, mas não é contra-indicada a amamentação na outra mama sadia(45,84). Cuidados adicionais devem ser adotados com vesículas em outras localizações: cobrir as lesões, lavar rigorosamente as mãos, usar máscaras em lesões nasolabiais, usar luvas em lesões nos dedos, evitar contato íntimo prolongado até que as lesões estejam secas(74). A varicela em neonatos tem graves repercussões, podendo causar a morte em muitos casos(25). Na vigência de infecção materna com o vírus do varicela-zoster até cinco dias antes ou dois dias após o parto, a mãe pode transmitir a doença na sua forma mais grave ao lactente, e este deve receber o mais precoce possível a imunoglobulina específica contra varicela (VZIG). Além disso, está indicado o isolamento da mãe na fase contagiante das lesões até a fase de crosta, que varia geralmente de 6 a 10 dias após o “rash”(45). Não obstante, são escassas as 121 evidências de que o vírus da varicela possa vir a ser encontrado no leite materno; sendo assim a mãe pode ordenhar o leite para que seja oferecido ao seu filho(25). O bacilo de Koch não é excretado pelo leite materno. O recémnascido não deve ser separado da mãe em tratamento para tuberculose, a menos que esta tenha uma forma grave da doença. Mesmo assim deverão ser ponderados os seguintes aspectos: vacinação com BCG, suspeita de tuberculose congênita, instituição de quimioprofilaxia e continuação da amamentação. Nos casos em que a mãe é bacilífera ou infectante (não-tratada ou com tratamento iniciado há menos de três semanas do nascimento da criança), a Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta que se deve diminuir o contato íntimo mãe-filho, amamentar com máscara ou similar e rastrear os comunicantes, especificamente os domiciliares, além de administrar hidrazida à criança na dose de 10mg/kg peso, uma vez ao dia, durante três meses(45). Após a quimioprofilaxia, deve-se vacinar a criança com BCG - ID(6,45). Já a Academia Americana de Pediatria orienta a separação da mãe, mas alimentando a criança com leite humano ordenhado(45). Se a mãe for não-infectante ou abacilífera (com tratamento iniciado há mais de três semanas do nascimento da criança), não se deve suspender a amamentação; e pode-se vacinar com BCG-ID. A administração de drogas tuberculostáticas à mãe e a tuberculose extrapulmonar não contra-indicam a amamentação(45). O bacilo de Hansen pode ser excretado pelo leite materno nos casos de hanseníase de forma virchowiana, não-tratada ou tratada há menos de três meses com sulfona (diapsona) ou três semanas com a rifampicina. Nesse caso, deve-se evitar contato mãe-filho, exceto para amamentar, usar máscara ou similar, lavar cuidadosamente as mãos antes de manipular a criança e fazer a desinfecção de secreções nasais e lenços. Se a mãe for nãoinfectante ou abacilífera, mantém-se a amamentação com esses cuidados(46). O Trypanosoma cruzi pode ser transmitido via leite materno tanto na forma aguda quanto na crônica. Nesta última, o aleitamento materno não é contra indicado, exceto se houver sangramento e fissura no mamilo. Na forma aguda, a mãe não deve amamentar a criança(21,22). Também está contra-indicada a amamentação em mães com limitações temporárias, emocionais ou físicas, como casos graves de psicose, eclâmpsia ou choque séptico. A Academia Americana de Pediatria admite que as evidências atuais não são suficientes fortes para contra-indicar a amamentação por mulheres com implante de silicone(4). O uso ou dependência de drogas ilícitas por parte da mãe (opióides, cocaína, anfetaminas, barbitúricos e alucinógenos) é uma contra-indicação ao aleitamento materno(19,84), pois criam dependência na criança e causam alterações orgânicas(4). Uso de medicamentos durante a lactação Muitas doenças são autolimitadas e não requerem nenhum tipo de tratamento medicamentoso, apenas medidas gerais, como repouso, aumento da ingesta hídrica e alimentação adequada. Quando se faz necessária a utilização de algum fármaco, o médico deverá prescrever um medicamento seguro para a mãe e o bebê, que não afete a amamentação e que não seja contra-indicado nesse período. Deve-se verificar sempre se existe uma opção mais segura(36). A escolha e o uso de medicamentos durante a lactação têm fundamental importância por dois motivos. Primeiro, nem todas as drogas que são seguras para a gravidez são seguras para o período de lactação, sendo necessário cautela nas prescrições 122 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA desses medicamentos(78). Segundo, apesar da cautela na escolha, o conselho de interrupção da lactação não é sempre correto, embora seja comum entre os médicos e enfermeiros (que são pouco orientados sobre o assunto), além de ser a opção “preferida” pelas mães ansiosas, que também por falta de informação temem o uso do medicamento(7). A passagem de drogas para o leite materno é freqüente, porém existem poucas contra-indicações absolutas e raras necessidades de suspensão da amamentação(69). Essa passagem do medicamento para o leite é influenciada por fatores relacionados ao leite materno, à mãe, ao lactente e à droga(15,36). O leite materno sofre alterações na sua composição conforme a fase de lactação (colostro versus leite maduro) ou conforme a fase da mamada (leite anterior versus leite posterior). Durante a fase de colostro, o espaço intercelular é largo, o que faz com que os medicamentos, as drogas ilícitas, os linfócitos, as imunoglobulinas e as proteínas transfiram-se facilmente para o leite materno. Porém, o volume de leite ingerido pelo bebê nessa fase é considerado pequeno(15). Em relação aos medicamentos, devem ser considerados: a concentração no soro materno influenciada pela sua meia-vida (quanto maior a meia-vida da droga, maior é a sua permanência no sangue); o peso molecular; sua capacidade de ligação às proteínas; e se é lipossolúvel. Medicamentos com grande peso molecular, elevada ligação a proteínas e pobremente lipossolúveis dificilmente entram na composição do leite materno, de modo significativo(78). Deve-se dar uma atenção especial às mães com patologias hepáticas ou renais, visto que podem estar com incapacidade de metabolizar ou excretar adequadamente o medicamento, fazendo com que ocorram níveis sangüíneos mais elevados e maior tempo na circulação materna dessas substâncias. A Academia Americana de Pediatria(4) sumariou em 2001, quatro considerações básicas antes da prescrição de drogas para a mulher em lactação: 1 – a terapia farmacológica é realmente necessária? Se o medicamento é requerido, deve haver comunicação entre o pediatra e o médico da mãe para melhor determinar as opções de escolha; 2 – o medicamento mais seguro deve ser escolhido; 3 – se há possibilidade de o medicamento apresentar riscos ao lactente, sua concentração no sangue deste deve ser medida e avaliada; 4 – o lactente pode ser menos exposto ao medicamento, se a mãe ingeri-lo imediatamente após a amamentação ou antes de um longo período de sono da criança(4). O Quadro 1 apresenta a compatibilidade de alguns medicamentos com a amamentação, mas a não inclusão de alguns fármacos não significa que são seguros ou não, e sim que não se dispõe de informações suficientes sobre os mesmos. Deve ser considerado que nos neonatos os efeitos dos medicamentos são maiores, devido a menor eficácia das funções renais e hepáticas. A classificação desses fármacos é feita pela Academia Americana de Pediatria, revisada pela última vez em 2001(4,15). São necessárias contínuas pesquisas, com o acompanhamento das atualizações pelos médicos, principalmente por causa do surgimento de novas drogas no mercado. Problemas mais freqüentes na amamentação Como foi dito anteriormente, é primordial que a mãe saiba amamentar corretamente o seu filho, pois o esvaziamento mamário inadequado é uma das causas básicas da maior parte dos problemas relacionados à lactação. Ingurgitamento mamário A retenção de leite nos alvéolos causa distensão dos mesmos e compressão dos ductos, com conseqüente obstrução do fluxo, agravando a retenção inicial. Secundariamente há edema devido à estase vascular e linfática, interrompendo a produção de leite. O aumento da pressão faz o leite acumulado tornar-se mais viscoso (o chamado leite empedrado). Existe um ingurgitamento fisiológico que é discreto e não requer qualquer tipo de intervenção. No ingurgitamento patológico, há grande desconforto para a mulher, podendo ser acompanhado de febre e mal estar; a mama apresenta-se aumentada, hiperemiada, dolorosa, tensa, com áreas avermelhadas, e os mamilos achatados, dificultando a mamada. Geralmente ocorre 2 a 5 dias após o parto, porém pode surgir em qualquer época durante o aleitamento(26,29). A prevenção do ingurgitamento se faz iniciando mais cedo a amamentação e também através da técnica correta da amamentação em livre demanda e da não utilização de suplementos(82). Uma vez instalado o ingurgitamento os seguintes procedimentos são recomendados: que se faça a ordenha manual antes da mamada para facilitar a pega, massagens delicadas para diminuir a viscosidade do leite e estimular sua ejeção; início da mamada pelo seio mais túrgido, pois a sucção é mais forte; em algumas situações a administração de analgésicos sistêmicos/antiinflamatórios (ibuprofeno, paracetamol); o uso de compressas mornas para ajudar na descida do leite e de compressas frias nos intervalos das mamadas, para diminuir o edema e a dor. O sutiã utilizado deve ter alças largas e sustentar bem os seios. Caso o bebê não sugue, a mama deve ser esvaziada com ordenha manual ou bomba de sucção, principalmente para a prevenção de mastite(29,82). Dor e trauma mamilar É normal a mulher sentir uma dor discreta no início das mamadas. Mamilos muito dolorosos podem significar trauma subjacente por posicionamento ou pega inadequados; mamilos curtos, planos ou invertidos; por disfunções orais da criança; por uso impróprio de bombas de extração de leite, reações alérgicas a óleos e cremes utilizados nos mamilos, entre outros. Os tipos de traumas mais comuns sofridos pelos mamilos são: eritema, edema, fissuras, bolhas, marcas (brancas, escuras ou amarelas) e equimoses. É de grande relevância a prevenção da dor e dos traumas, pois esses são freqüentes causas de desmame. Para isso deve-se amamentar utilizando a técnica correta, manter os mamilos secos, não utilizar produtos que retirem a proteção natural do mamilo, amamentar sob livre demanda, ordenhar a aréola ingurgitada, entre outros. Quando instalados os traumas, deve-se fazer o máximo para prevenir as infecções secundárias e evitar mais dor. De início devem-se reduzir os estímulos dolorosos, iniciando a mamada pela mama menos afetada; deve-se ordenhar um pouco de leite antes da mamada para estimular a ejeção de leite, alternar posições de mamadas e, se necessário, usar analgésicos sistêmicos via oral(29). Para estimular e acelerar a cicatrização dos traumas mamilares existem dois tipos de tratamento, o seco e o úmido. O tratamento seco, muito popular e que consiste em banhos de luz e de sol e uso de secador de cabelo, não é muito recomendado atualmente. O mais correto é o tratamento úmido, utilizando o próprio leite materno, cremes e óleos apropriados, formando uma camada protetora que evita a desidratação das camadas mais profundas. Recomenda-se o uso de produtos com vitaminas A e D, lanolina anidra modificada e cremes ou pomadas com corticóide (mometasona 0,1% e propionato de halobetasol), no caso de fissuras mais graves e uma vez afastadas as infecções. O uso de chás, cascas de banana ou mamão não é comprovadamente CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Quadro 1. Lista de fármacos compatíveis e incompatíveis com a amamentação. Estrógenos Levodopa Testosterona Nicotina Ciclofosfamida Ciclosporina Doxoribicina Acetominofeno Acetazolamida Acitretin Ácido flufenâmico Ácido iopanóico Ácido mefenâmico Ácido nalidíxico Aciclovir Álcool Alopurinol Amoxicilina Antimônio Apazone Atropina Aztreonam Baclofeno toprim Barbitúricos Bendroflumetiazide Bromide Butorfanol Cafeína Captropril Carbamazepina Carbetocina Carbimazole Cáscara Cefadroxil Cefazolin Cefotaxime Cefoxitin Cefprozil Ceftazidime Cetoconazol Cetorolac Cisplatina Clindamicina Clogestone Clorofórmio Cloroquina Clorotiazida Fármacos que podem suprimir a lactação Lisurida Bupropiona Diuréticos Cabergolide Ergotamina Álcool Ergometrina Pseudo-efedrina Drogas incompatíveis com a amamentação Anfetamina Cocaína Metrotexate Heroína Fenciclidina Marijuana Drogas usualmente compatíveis com a amamentação Clortalidona Iodine (Povidine) Cicloserina Ioexol Cimetidina Isoniazida Ciprofloxacin Ivermectina Codeína Kanamicina Colchicina Labetolol Contraceptivos com estrógeno/progesterona Levonorgestrel Dantron Levotiroxina Dapsone Lidocaína Dexbromfeniramina Loperamida Diatrizoate Loratadina Dicumarol Medroxiprogesterona Difilina Meperidina Digoxina Metadona Diltiazen Metimazol Dipirona Metildopa Quinidina Quinina Riboflavina Rifampicina Sais de ouro Secobarbital Senna Sotalol Sulbactam Sulfametoxazol/Trime- Disopiramida Domperidona Enalapril Espironolactona Estreptomicina Etambutol Etanol Fenilbutazona Fenitoína Fexofenadina Flecainide Fleroxacin Fluconazol Fluoresceína Gadolinium Halotano Hidralazina Hidrato de cloral Hidroclorotiazida Hidrocloroquina Ibuprofeno Indometacina Interferon Iodo Sulfapiridina Sulfisoxazol Sulfato magnésio Sumatriptan Suprofen Terbutalina Terfenadina Tetraciclina Teofilina Ticarcilina Timolol Tiopental Tiouracil Tolbutamida Tolmetin Triprolidina Valproato Vitamina B1 Vitamina B6 Vitamina B12 Vitamina D Vitamina K Warfarin Zolpiden Fonte: Chaves RG et. al. (2001). Metiprilon Metoprolol Metoexital Metrizamida Metrizoato Mexiletine Minoxidil Morfina Moxalactam Nadolol Naproxeno Nefopam Nifedipina Nitrofurantoína Noretinodrel Norsteróide Noscapina Ofloxacin Oxprenolol Piridostigmina Pirimetamina Piroxicam Prednisolona Prednisona Bromocriptina Procainamida Progesterona Propoxifeno Propranolol Propiltiouracil Pseudo-efedrina 123 124 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA benéfico para as fissuras mamilares: ao contrário, alguns trabalhos mostram que esses procedimentos podem ser irritantes(29,72). Infecção mamilar A infecção é bastante comum no mamilo lesado, principalmente por Staphylococcus aureus. Nos casos confirmados, deve ser realizado o tratamento tópico com mupirocina a 2% e sistêmico com antibióticos (considerado mais efetivo). Se não tratada, a infecção mamilar pode evoluir para mastite em 25% das mulheres(29). Bloqueio dos ductos lactíferos Este bloqueio ocorre quando o leite produzido numa determinada área da mama não é drenado adequadamente. Acontece freqüentemente quando a mama não está sendo esvaziada corretamente, quando a amamentação é infreqüente, quando a criança apresenta sucção ineficaz, na presença de pressão local em uma área ou como conseqüência do uso de cremes nos mamilos. Há o surgimento de nódulos sensíveis e dolorosos, podendo haver também dor, calor e eritema. Para prevenir o bloqueio, deve-se realizar o esvaziamento completo da mama, realizando mamadas freqüentes e utilizando as técnicas corretas. Quando há bloqueio de ducto, faz-se necessário amamentar com mais freqüência, aplicar calor local e realizar massagens na região atingida, em direção ao mamilo, e fazer a ordenha, caso o bebê não esteja conseguindo esvaziar as mamas completamente(29). Mastite A mastite é um processo inflamatório resultante do bloqueio dos ductos associado à infecção. Durante a lactação, é denominada de mastite lactacional ou puerperal sendo uma importante causa de desmame. Geralmente, o seu aparecimento ocorre em torno da segunda e terceira semana após o parto, tornando-se menos freqüente após a 12a semana(82). Inicialmente, a estase do leite provoca aumento da pressão intraductal, resultando no achatamento das células alveolares e na formação de espaços entre as células. Esse espaço permite a passagem de alguns componentes do plasma para o leite e do leite para o espaço intersticial. Esses componentes poderão induzir resposta inflamatória. Os eventos que favorecem a estagnação do leite materno são considerados fatores predisponentes ao desenvolvimento da mastite. São eles: uso de chupetas, mamadeiras, trabalho materno fora do lar, primiparidade, fadiga materna, episódios prévios de mastite, fissuras de mamilos e freio lingual curto da criança. Além desses fatores, outros eventos também podem ser correlacionados ao desenvolvimento da mastite, tais como a produção excessiva de leite, o esvaziamento incompleto da mama, a redução do número de mamadas, horários regulares para amamentar, sucção débil da criança e os longos períodos de sono do bebê(72). O diagnóstico é geralmente clínico, ou seja, baseado em sinais e sintomas indicativos de inflamação local apresentados pela mãe. É comum, portanto, o relato de dor, edema, calor e vermelhidão. Sintomas sistêmicos, semelhantes à síndrome gripal, também podem estar presentes tais como mal-estar, febre, calafrios, mialgias e cefaléia. Com menos freqüência, a paciente pode apresentar também náuseas e vômitos. Várias espécies de microorganismos têm sido associadas à mastite lactacional e ao abscesso mamário, destacando-se o Staphylococccus aureus como o agente mais comum da mastite lactacional infecciosa(82). No Brasil, em um estudo descritivo realizado em setenta mulheres com mastite, 84% evoluiu para abscesso, sendo a bactéria isolada Staphylococus aureus em 55% dos casos(72). Em fases mais avançadas da doença, observa-se a presença de abscessos superficiais, fístulas lácteas, úlceras ou perda de tecidos mamários nas formas necrotizantes(29,82). Os pontos mais efetivos no tratamento da mastite são: remoção do leite, antibioticoterapia sistêmica e tratamento sintomático. O esvaziamento completo da mama deve ser realizado através do aleitamento, que deve ser mantido, e da ordenha. O uso da antibioticoterapia é indicado quando a contagem de células e de colônias e a cultura no leite forem indicativas de infecção. O tratamento sintomático é feito com analgésicos (com fármacos compatíveis com a amamentação), capazes de aliviar a dor e contribuir na redução do processo inflamatório. Outras medidas como a utilização de compressas quentes antes das mamadas, ajudam na drenagem do leite; e de compressas frias após as mamadas ou nos intervalos, podem aliviar os sintomas(72,82). A prevenção consiste na utilização de técnicas adequadas de amamentação e ordenha. Além do acompanhamento médico, para que possam ser diagnosticados e tratados precocemente os problemas como a fissura mamilar e ingurgitamento mamário(72,82). Abscesso mamário O abscesso mamário com grande freqüência ocorre secundariamente a uma mastite. A interrupção da amamentação ou o não esvaziamento adequado da mama afetada pela mastite, representa um fator de risco para o desenvolvimento de abscesso. Do mesmo modo que na mastite o agente etiológico mais freqüente é o Staphylococus aureus(82). Seu diagnóstico clínico é realizado pela sensação de flutuação à palpação. Para a confirmação do diagnóstico pode-se realizar uma punção ou uma ultra-sonografia(72,82). Com a confirmação do diagnóstico, deve-se seguir rapidamente o tratamento no sentido de tentar evitar necroses teciduais extensas. O tratamento se baseia no esvaziamento do abscesso a partir de drenagem cirúrgica ou aspiração(47,82). Em caso de abscesso muito grande ou muito profundo, pode-se fazer necessário realizar ressecções externas, não se excluindo a possibilidade de deformações na mama e comprometimento funcional. Apesar de se verificar a presença de bactérias no leite materno nessas circunstâncias, é indicado o prosseguimento do aleitamento, pois essa condição não constitui risco para a criança. Quando a localização do abscesso impedir a amamentação na mama afetada, é indicada a ordenha na mesma e a manutenção da amamentação na mama sadia(29). Baixa produção de leite Apesar de a maior parte das mães terem condições de produzir quantidade suficiente de leite para seu bebê, o “leite fraco” ou “pouco leite” é a desculpa mais utilizada pelas mulheres para deixarem de amamentar ou iniciarem a complementação na alimentação da criança. Muitas vezes por pura falta de informação quanto ao comportamento normal do bebê. Quando o leite está insuficiente, a criança não fica saciada após as mamadas, chora muito, quer mamar com freqüência, faz mamadas muito longas e não ganha peso adequadamente (menos de 20g de ganho por dia). Nesta situação também o número de micções por dia cai (menos que seis a oito) e as evacuações se tornam infreqüentes, com fezes em pequena quantidade, secas e duras, sendo indicativos indiretos de pouco volume de leite ingerido(29). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Outras situações podem estar associadas a essa baixa produção de leite, como pega inadequada, uso do bico de borracha, menor freqüência e curta duração de mamadas, além do uso de chás e água. Quando a criança passar a apresentar prejuízo em seu crescimento, deve-se usar um complemento lácteo ou de outra natureza, a depender da idade, para aumentar a oferta calórica(47). Quando há queixa pela mãe de insuficiência na produção de leite, deve-se investigar todas as possíveis causas através de uma anamnese e exame físico completos e da observação da amamentação (posicionamento e pega). Para aumentar a produção de leite, as seguintes medidas são úteis: melhorar a pega do bebê, se necessário; aumentar a freqüência das mamadas; oferecer as duas mamas em cada mamada; dar tempo para o bebê esvaziar bem as mamas; trocar de seio várias vezes numa mamada se a criança estiver sonolenta ou se não sugar vigorosamente; evitar o uso de mamadeiras, chupetas e protetores (intermediários) de mamilos; consumir dieta balanceada; ingerir líquidos em quantidade suficiente e repousar(23). Se essas medidas não funcionam pode-se prescrever para as mães medicamentos como domperidona e metoclopramida, que aumentam os níveis de prolactina, sendo a primeira mais segura. No entanto, essas drogas aparentemente não estimulam a secreção láctea quando os níveis de prolactina já estão suficientemente altos ou quando há insuficiência de tecido glandular(29). NECESSIDADES ENERGÉTICAS E NUTRICIONAIS As necessidades nutricionais correspondem às quantidades calóricas e de nutrientes que asseguram a integridade e o bom funcionamento orgânico. Tais necessidades são determinadas por diversos fatores, como: idade, sexo, tamanho, composição corpórea e dotação genética. Relativamente ao peso corpóreo, as necessidades de todos os nutrientes para a criança são maiores do que para o adulto. Isso porque um ser em crescimento e desenvolvimento requer nutrientes para o aumento da massa corpórea, e também para a manutenção das funções orgânicas(24,89). Durante os primeiros seis meses de vida, o alimento ideal para suprir tais necessidades energéticas é representado pelo leite materno exclusivo. A excelência do aleitamento materno deve ser sempre enfatizada, visto ser este capaz de fornecer toda a demanda energética de que a criança necessita nessa fase de sua vida. A necessidade calórica diária é de 100 a 116kcal/kg/dia para crianças até 12 meses de idade (Quadro 2). Durante os seis primeiros meses, essa densidade calórica é plenamente fornecida pelo aleitamento materno exclusivo. As mães devem ser orientadas a fornecerem mamadas freqüentes, de pelo menos sete vezes ao dia durante os 3 primeiros meses, a fim de obter uma ingesta habitual de 150 a 200ml/kg/dia e uma oferta satisfatória de calorias(52). Quadro 2. Necessidades Calóricas Diárias de Lactentes. Idade (meses) 0+ 3 meses 3+ 6 meses 6+ 9 meses 9+ 12 meses Média 1º ano Fonte: FAO/OMS, 1998. Energia (Kcal/Kg) 116 99 95 101 103 125 O ganho ponderal médio estimado deve ser de 20 a 30g/dia, nos 3 meses iniciais. Ao final do primeiro ano de vida, o lactente deve triplicar de peso e aumentar em 50% o seu comprimento. Do ponto de vista nutricional, o leite humano dispõe de níveis ótimos de macro e micronutrientes, ideais para o crescimento saudável da criança nessa fase(12). No entanto, crianças que permanecem em aleitamento materno exclusivo após os seis meses de vida estão sob risco de desnutrição(24). Nesse período, a oferta calórica do leite materno torna-se insuficiente para suprir o metabolismo da criança. Deve-se, portanto, orientar as mães sobre a necessidade da introdução de outros alimentos no cardápio de seu filho. A densidade energética ideal deve ser obtida através de uma alimentação complementar adequada, associada à ingestão habitual de leite materno. Os novos alimentos introduzidos na dieta devem ser ricos em energia e micronutrientes (particularmente ferro, zinco, cálcio, vitamina A, vitamina C e folatos), de fácil consumo e boa aceitação pela criança. A criança pequena possui um mecanismo muito eficiente de auto-regulação da ingesta diária de energia. Assim, tende a comer quantidades menores de alimentos mais energéticos. O pequeno volume do estômago da criança pequena (30-40 ml/kg de peso) pode impedi-la de alcançar suas necessidades energéticas, se a dieta for de baixa densidade energética. Por outro lado, se a criança recebe grande quantidade de energia dos alimentos complementares, poderá reduzir a ingestão de leite materno, o que não é aconselhável, principalmente nas crianças menores( 51 ) . O aporte adequado dos diversos nutrientes deve ser instituído a fim de se obter o balanço energético necessário para a criança. As estimativas de requerimentos totais de energia e as proporções entre os diversos elementos da dieta têm sido feitas em bases teóricas e possuem diversas limitações metodológicas. Dessa forma, revisões sucessivas têm sido feitas na literatura para o estabelecimento de critérios mais bem definidos. O atual requerimento de energia estimado para crianças amamentadas é de 615cal/dia dos 6 aos 8 meses de idade, 686cal/dia dos 9 aos 11meses e 894cal/dia dos 12 aos 23 meses(34). Atualmente, a Organização Mundial de Saúde determina que para crianças menores de 2 anos em países em desenvolvimento, com uma ingesta média de leite materno, os alimentos complementares devem suprir aproximadamente 200kcal por dia dos 6 aos 8 meses de idade, 300kcal dos 9 aos 11 meses e 550kcal dos 12 aos 23 meses(52). Essa ingesta ótima deverá ser obtida através do fracionamento e variabilidade adequada da dieta ofertada à criança. A proporção ideal entre os componentes da dieta deve ser de: 40% a 50% de hidratos de carbono, 30% a 40% de lipídios e 10% a 20% de proteínas. A ingesta diária de alimentos deve ser balanceada, a fim de proporcionar um consumo equilibrado de todos os macronutrientes em quantidades satisfatórias(89). Portanto, a importância dos diversos macronutrientes da dieta (proteínas, gorduras e carboidratos) é um outro quesito que merece atenção. Seguem abaixo as informações sobre a proporção adequada desses nutrientes na dieta da criança no primeiro ano de vida. Conteúdo de proteínas As necessidades protéicas de um indivíduo são definidas como a dose mais baixa de proteínas ingeridas na dieta. Essa quantidade de proteína deverá compensar as perdas orgânicas 126 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA e manter o balanço de energia em níveis moderados de atividade física. O lactente, o pré-escolar e o escolar apresentam necessidades protéicas por quilo de peso maiores que as do adulto, uma vez que necessitam manter as taxas de crescimento. A concentração de proteínas do leite humano é a mais baixa dentre todos os mamíferos. A concentração habitualmente relatada é de 1,1g%(17). Contudo, o leite humano é capaz de fornecer a ingesta protéica necessária ao crescimento normal da criança durante os seis primeiros meses de vida e provoca baixa carga de excreção renal de solutos(60). É imprescindível que os profissionais de saúde estejam atentos e desencorajem o hábito adotado por algumas famílias de substituição do leite humano por farináceos, estes últimos com quantidade insuficiente de proteínas. Esta prática inadequada eleva os índices de desnutrição infantil(24). De maneira semelhante, a alimentação complementar deve fornecer quantidades satisfatórias de proteína. É importante para a criança receber proteínas de alto valor biológico e de melhor digestibilidade, presentes nos produtos de origem animal. A densidade protéica (gramas de proteínas por 100kcal de alimento) recomendada para os alimentos complementares é de 0,7g/100 kcal, dos 5 aos 24 meses de vida(52). A digestão de proteínas, nos primeiros meses de vida, ocorre normalmente já que a secreção de pepsina e ácido clorídrico encontra-se em níveis normais, da mesma forma que ocorre com a atividade proteolítica do intestino. Conteúdo de gorduras A Academia Americana de Pediatria recomenda que o lactente receba uma oferta de lipídios de 30% a 40% da energia total fornecida através da dieta. Essa quantidade é considerada suficiente para fornecer a ingestão adequada de ácidos graxos essenciais (linoléico, linolênico e araquidônico), boa densidade de energia e absorção de vitaminas lipossolúveis(24). A gordura adicionada à dieta afeta a densidade geral de nutrientes e, se excessiva, pode exacerbar a má nutrição de micronutrientes em populações vulneráveis. Evidências limitadas sugerem que a ingestão de gordura em excesso favorece a obesidade na infância e futura doença cardiovascular. Uma vez que as funções hepáticas e pancreáticas no recémnascido não se encontram totalmente desenvolvidas, a digestão de gorduras depende de lipases específicas do leite humano e da lipase lingual. Conteúdo de carboidratos A função principal dos carboidratos é energética e, em relação às gorduras e proteínas, eles são mais importantes quanto à eficiência em proporcionar energia para o trabalho celular. Recomenda-se que a ingestão de carboidrato seja em torno de 40% a 50% da oferta energética total da dieta. As crianças com mais de 6 meses de idade devem ser incentivadas a ingerirem outros mono e dissacarídeos por meio de frutas e produtos lácteos, alimentos importantes como fontes de vitaminas, minerais e oligoelementos(34). A incapacidade do sistema digestivo, entretanto, está, sobretudo, relacionada à limitada síntese de algumas enzimas. Apesar de algumas enzimas como as dissacaridades estarem presentes em níveis satisfatórios no recém-nascido e, por essa razão, a ingestão de lactose ocorrer normalmente, outras enzimas mostram-se deficientes nessa idade. A amilase é um exemplo. Embora presente na saliva dos bebês, não há digestão de amido na boca ou esôfago nos primeiros meses. Já a amilase pancreática não é secretada até o terceiro mês de vida e, até o sexto mês, seus níveis são insatisfatórios ou ausentes. Alimentos ricos em vitaminas e ferro Para orientar as mães e os cuidadores em geral na escolha dos alimentos complementares, o profissional de saúde deve conhecer o conteúdo nutricional dos alimentos locais e sua utilização para a alimentação infantil. Quando necessário, deve consultar tabelas locais de composição de alimentos e também estar familiarizado com a sua disponibilidade de acordo com a área geográfica e o custo. A alimentação complementar destinada à criança deve ser rica em vitaminas, antes fornecida pelo aleitamento materno. As vitaminas são indispensáveis para o metabolismo celular normal, sendo que entre as principais vitaminas requeridas na alimentação complementar estão as vitaminas A, D e C(83). Os principais alimentos fontes de vitamina A são fígado, gema de ovo, produtos lácteos, folhas verde-escuras e vegetais e frutas de cor laranja (cenoura, abóbora, pimentão vermelho ou amarelo, manga, maracujá, mamão). Se a mãe tem uma dieta adequada em vitamina A, a oferta de alimentos complementares ricos nessa vitamina facilmente supre as necessidades do bebê amamentado. Todavia, há regiões onde se constata a deficiência na alimentação desta vitamina. Nessas regiões, a vitamina A é fornecida sob a forma de cápsulas de 100.000 UI (para crianças de 6 a 11 meses de idade) e de 200.000 UI (para crianças de 12 a 59 meses), que são administradas a intervalos de 4 a 6 meses durante as campanhas de imunização, na rotina dos serviços de saúde ou pelos agentes comunitários de saúde(52). A complementação de vitamina D é desnecessária nos primeiros meses de aleitamento materno de lactentes brancos, mas é necessária para lactentes negros e lactentes não expostos à luz solar. As crianças com pigmentação escura da pele podem requerer três a seis vezes mais a exposição ao sol, em relação a bebês de pigmentação clara para produzir a mesma quantidade de vitamina D. O leite humano é pobre em vitamina D, enquanto o leite de vaca não constitui fonte desta vitamina(20). Alguns fatores de risco podem levar à deficiência de vitamina D, como alimentação inadequada da mãe durante o aleitamento, confinamento durante as horas de luz diurna, pele escura, alimentação pobre em cálcio ou baixa absorção deste mineral(18). A vitamina C pode ser oferecida à criança sob a forma de sucos de laranja e de outras frutas cítricas. Quanto ao ferro, recomenda-se que a sua densidade nos alimentos complementares varie de acordo com a faixa etária, sendo de 4mg/100kcal dos 6 aos 8 meses indo para 0,8 mg/ 100kcal dos 12 aos 24 meses. Em países em desenvolvimento, devido às baixas densidade e biodisponibilidade do ferro nas dietas (apenas cerca de 11% a 18% de absorção), as necessidades com freqüência não são totalmente supridas(18). Essa situação se agrava devido ao alto custo dos alimentos ricos em ferro, que, portanto, não podem ser consumidos por lactentes de famílias de baixa renda. O acesso a alimentos fortificados com ferro é maior em países industrializados do que em países em desenvolvimento. Por conseguinte, essa é uma das razões pelas quais, no Brasil, a anemia por deficiência de ferro é muito freqüente em menores de 2 anos(85). Os alimentos de origem animal apresentam uma melhor biodisponibilidade de ferro (até 22% de absorção) do que os de origem vegetal (1% a 6%). As carnes (principalmente as vermelhas) e alguns órgãos (sobretudo o fígado) levam vantagem sobre o leite e seus derivados quanto à densidade e CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE biodisponibilidade do ferro (71). Alguns alimentos contêm quantidades razoáveis de ferro, porém com baixa biodisponibilidade. É o caso da gema de ovo, do feijão, da lentilha, da soja e dos vegetais verde-escuros (acelga, couve, brócolis, espinafre, mostarda, almeirão). A absorção de ferro dos alimentos de origem vegetal pode ser incrementada se forem consumidos na mesma refeição alguns alimentos como carnes, peixes, frutose e ácido ascórbico (laranja, goiaba, limão, caju, acerola, manga, mamão, melão, banana, maracujá, pêssego, tomate, pimentão, folhas verdes, repolho, brócolis, couve-flor). Neste caso, deve-se dar preferência aos alimentos crus e frescos, já que parte da vitamina C é destruída no cozimento. Por outro lado, ovos, leite, chá mate ou café dificultam a absorção de ferro, por formarem precipitados insolúveis com o mesmo(59). Os cereais (arroz, milho, trigo) exercem um efeito inibitório na absorção do ferro; isso se deve à presença de fitatos, e não de fibras, que, por si só, não possuem efeito inibidor. Já o leite inibe a absorção do ferro heme e não-heme pelo seu conteúdo de cálcio e, provavelmente, pela presença de fosfoproteínas(59). O elevado consumo de leite de vaca é um dos fatores que contribuem para o aumento da prevalência de anemia na infância. Certamente, a introdução de alimentos ricos em ferro é de extrema importância quando se inicia a alimentação complementar, sua absorção fica facilitada em presença de ácidos. Portanto, a dieta para reposição de ferro deve conter alimentos ricos em ferro e outros que facilitem a sua absorção(85). 127 acostumada ao leite não estranhe muito a mudança; posteriormente o sal e temperos em pequena quantidade podem ser colocados de acordo com a preferência da criança. Os alimentos precisam estar sempre bem cozidos e amassados. Para que estes supram adequadamente as necessidades nutricionais do lactente, recomenda-se que a refeição de sal contenha os alimentos contidos no Quadro 3. As refeições salgadas devem ser iniciadas com 2 a 3 colheradas das de chá, aumentando a quantidade de acordo com a aceitação da criança. Num período de cada 3 a 4 dias, deve-se acrescentar um novo alimento e observar as reações da criança. A gema de ovo cozida pode ser introduzida na segunda semana após iniciada a sopa. Inicialmente deve ser acrescido 1/ Quadro 3. Sopa ou papa salgada do lactente. Alimentos necessários para a refeição de sal Grupo 1: uma fonte protéica: carne magra de frango ou boi, miúdos, gema de ovo Grupo 2: uma fonte de cereal: arroz ou milho Grupo 3: 2 a 3 tipos de verduras, legumes ou tubérculos: quiabo, beterraba, couve-flor, brócolis, couve, repolho, abóbora, abobrinha, batata, chuchu, banana da terra, batata doce, aipim, inhame, etc. Grupo 4: uma fonte de leguminosa: feijão, lentilha, grão de bico, feijão verde, andu, ervilha Grupo 5: óleo: milho, canola, girassol ou azeite doce ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR Alimentação ideal no primeiro ano de vida Segundo as recomendações da Organização Mundial de Saúde(88), o aleitamento materno exclusivo deve ser mantido até os seis meses de idade. A partir desse período deve ser introduzida a alimentação complementar, com alimentos apropriados, seguros e nutricionalmente adequados às necessidades da criança sem, contudo haver o abandono do aleitamento materno que deverá ser mantido até dois anos de idade ou mais. Os alimentos complementares anteriormente designados “alimentos de desmame” podem ser chamados de transicionais, pois são preparados de modo especial para a criança pequena até que ela possa consumir a dieta da família em torno de um ano de idade(10,49). Introdução de novos alimentos Os primeiros alimentos que devem ser oferecidos durante a alimentação complementar são os sucos e/ou as papinhas de frutas. Recomenda-se que sejam oferecidos à criança pela manhã no intervalo de duas mamadas. O ideal é começar com uma fruta de cada vez para que possíveis reações aos alimentos possam ser observadas. Deve-se iniciar com 10 a 20g por dia, aumentando gradativamente a quantidade até chegar a 100 ou 150g. Logo após a introdução do suco, deve-se introduzir as papas de frutas amassadas sob a forma de purê ou raspadas com a colher. As frutas utilizadas na papa ou no suco devem ser frutas da estação, doces, que não necessitem da adição de açúcar e observando-se a disponibilidade da região. Assim como recomendado com o suco, as frutas devem ser introduzidas uma de cada vez, observando-se as reações. Posteriormente à aceitação da papinha de frutas e dos sucos, devem ser introduzidas as sopas ou papas salgadas na hora do almoço. Estas devem ser preparadas inicialmente sem sal ou temperos, colocando-se um alimento mais doce como: banana da terra, batata doce ou abóbora para que a criança que está 4 de gema cozida e aos poucos essa quantidade deve aumentar até chegar a uma gema. Pode ser oferecida no almoço ou no jantar, em dias alternados, e sempre bem cozida para evitar a contaminação por bactérias do gênero Salmonella. Aos 7 meses, na hora do jantar deve ser introduzida a segunda sopinha de sal. Aos 10 meses podem ser introduzidos a clara do ovo e sobremesas de doces de frutas caseiros sem adição de açúcar, que deve ser evitado durante todo o primeiro ano de vida. Deve-se iniciar a sopa com arroz, frango e duas ou três verduras, além do óleo, observando a aceitação e tolerância da criança. Na segunda semana, acrescentar a gema de ovo, iniciando com ¼ e ir aumentando até oferecê-la inteira, sempre bem cozida, dia sim, dia não. Na terceira semana, deve-se acrescentar o feijão ou outra leguminosa. Pode-se variar os ingredientes de acordo com as recomendações acima, porém mantendo sempre um de cada grupo e 2 a 3 do grupo 3 (ver Quadro 3). Inicialmente os alimentos devem ser cozidos e em seguida bem amassados e podem ser passados na peneira se necessário. O óleo, de preferência, deve ser usado cru, após o cozimento dos alimentos, na quantidade de 5 a 10ml (uma colher de sobremesa) para cada refeição. A sopinha deve ser oferecida em prato com colher à criança, nenhum outro alimento idealmente deve ser administrado com mamadeira se a criança ainda faz alguma refeição com leite materno, pois com esta prática a criança abandona a amamentação mais cedo. O suco ou a papinha de frutas não substitui uma refeição de sal ou o leite materno, pois não tem o mesmo valor calórico. Deve-se orientar a mãe para que evite deixar a criança maior de 6 meses mamar fora de horário, a todo momento no peito, pois pode inibir o apetite para as demais refeições, fazendo com que não haja o aporte calórico necessário ao seu desenvolvimento pondero-estatural. De forma geral, não há restrições quanto à introdução aos alimentos que devem ser oferecidos. Até o primeiro ano de vida, entretanto, deve-se evitar os alimentos mais contaminados por 128 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA agrotóxicos (morango e tomate) e os que oferecem maior risco de contaminação (enlatados, embutidos e mel). Os alimentos oferecidos devem ser frescos, de fonte confiável, as verduras, legumes e frutas devem ser bem lavados e o único enlatado no primeiro ano de vida deve ser o óleo. Os cuidados com a higiene são fundamentais na aquisição, armazenamento, preparo e oferecimento dos alimentos para evitar a contaminação e o desencadeamento de doenças. Devese evitar alimentos industrializados e também potencialmente alergênicos (como leite de vaca, amendoim, mariscos, chocolate) sobretudo se há história familiar de alergia. Deve-se também retardar a introdução de trigo, aveia, cevada e centeio na dieta, evitando assim o aparecimento precoce da Doença Celíaca. Aproximadamente aos doze meses, a criança poderá receber refeição semelhante à dieta habitual da família, porém modificada em relação à consistência, temperos e condimentos. Esquema: Alimentação ideal no primeiro ano de vida Leite materno exclusivo até o 6º mês de vida. A partir do sexto mês: • Ao acordar: Leite Materno • Merenda da manhã: suco de frutas ou papinhas de frutas com frutas da estação, sem adição de açúcar • Almoço: sopinha • Merenda da tarde: Leite Materno • Jantar: sopinha • Antes de dormir: Leite Materno É fundamental que não se alimente a criança dormindo nem se a desperte para ser alimentada. Deve-se transformar as refeições em momentos agradáveis, respeitando-se o apetite e o gosto da criança e observando os períodos de erupção dentária e de infecções que podem alterar a disposição para a alimentação. ALIMENTAÇÃOARTIFICIAL Há diversos fatores, desde psicológicos, fisiológicos e socioeconômicos, que impedem a amamentação; para esses devem ser usadas alternativas alimentares(20), mas sempre após esgotarem-se todas as possibilidades de manutenção do aleitamento materno. Na impossibilidade de se proporcionar aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida, a complementação da nutrição do lactente será realizada pela administração do leite de vaca, ou de fórmulas dele derivadas, que é o substituto do leite materno habitualmente mais utiilizado no Brasil. São indicações para o uso de fórmulas lácteas: substituição no caso de mães que não querem ou não podem amamentar; suplementação no caso de mães que não podem oferecer amamentações ocasionais e complementação quando a produção de leite é comprovadamente insuficiente. Os alimentos artificiais recomendados, na impossibilidade do aleitamento materno, são as fórmulas lácteas industrializadas, que mais se assemelham, em sua composição, ao leite humano e que são enriquecidas e modificadas para melhor suprirem as necessidades dos lactentes. Muitas vezes no nosso contexto socioeconômico, não é viável o uso dessas fórmulas lácteas modificadas para uma significativa parcela da população em virtude do custo, principalmente relacionado à indisponibilidade financeira e também educativa e geográfica, sobretudo na zona rural. Apesar do grande uso do leite de vaca, esse alimento não é adequado, pois não supre todas as necessidades que são requeridas para a nutrição adequada do lactente. O leite de vaca tem três vezes mais a quantidade de proteínas que a recomendada, 50% mais sódio do que o limite dito de segurança, 2/3 da ingesta recomendada de ferro e metade do ácido linoléico. No Quadro 4(65) são descritos os problemas causados pelo uso do leite de vaca. Para a utilização do leite de vaca, é preciso reconhecer as diferenças entre os leites disponíveis no mercado. O leite de vaca integral pode ser encontrado “in natura”, isto é, na forma líquida como sai da vaca sem sofrer alterações ou em pó, pela extração da água. As fórmulas lácteas modificadas podem ser um substituto na falta do leite materno, sendo derivadas, principalmente do leite de vaca modificado e suplementado industrialmente, de acordo com o Quadro 5(39), seguindo os padrões do Codex Alimentarius, para satisfazer as exigências nutricionais dos lactentes. Ao contrário do leite humano, o leite artificial possui uma composição constante, determinada por normas e não pelas necessidades individuais da criança. Considerando as necessidades básicas do lactente, são fundamentais certas modificações do leite de vaca para equiparação ao leite humano. As principais alterações consistem na retirada parcial da gordura saturada do leite, com acréscimo de óleo vegetal, prevalecendo a gordura poliinsaturada, e conseqüentemente os ácidos graxos essenciais. É feita a redução da concentração protéica e diminuição de metabólitos (como o fósforo e sódio) para reduzir a osmolaridade e a carga renal excretada. Deve-se acrescentar taurina, composto nitrogenado não-protéico, necessária à proliferação celular, absorção de lipídeos, proteção das membranas celulares atenuando compostos tóxicos e desenvolvimento do Sistema Nervoso Central; ferro e vitaminas evitando suas carências; carboidratos, complementando as necessidades calóricas. A relação proteína/gordura deve ser próxima à do leite materno. Para a alimentação do lactente, quando só o leite artificial for disponível, o ideal é que se utilize sempre o leite em pó, pois o risco de infecção é menor. Em relação à contra-indicação, não é aconselhável o uso, pelos lactentes, do leite desnatado, devido à baixa concentração calórica e à deficiência de ácidos graxos essenciais e vitaminas. Não se deve utilizar também achocolatados, evitando assim o comprometimento da absorção de proteínas e cálcio. Além do leite de vaca, na Região Nordeste do Brasil, o leite de cabra é bastante utilizado pela crença de ser melhor que o leite de vaca e desenvolver menos complicações alérgicas, porém esta crença não tem embasamento científico. Sua composição possui uma maior osmolaridade, que favorece o risco ainda maior de desidratação; maior teor de gordura; e quantidade de ferro semelhante, porém com menor concentração de ácido fólico, propiciando mais chance de anemia megaloblástica. Observar que tanto o leite de vaca quanto o leite de cabra podem desencadear quadros de alergia alimentar. Considerando a restrição financeira e a falta de informação das famílias de baixa renda, que são impossibilitadas de adquirir as fórmulas artificiais modificadas, optando pela utilização do leite de vaca integral, de menor custo, a seguir é apresentada a melhor conduta diante da única alternativa para essas famílias. Entretanto, é preciso enfatizar que os benefícios das fórmulas infantis em relação ao leite de vaca integral são imensamente superiores, sendo necessária a viabilização de ações educativas e socioeconômicas para utilização destas fórmulas por todas as camadas sociais. O leite de vaca integral em pó quando empregado, deve ser usado diluído a 10% nos dois primeiros meses de vida ou diluído a 2/3 quando utilizado “in natura” e a partir desta idade deve ser usado integral a 15%. Sempre que for usado, o leite de vaca integral deve ter complementação calórica sob a forma de frutas ou farinhas de arroz ou de milho, pois a relação proteína/caloria do leite não é a ideal. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 129 Quadro 4. Problemas decorrentes do uso do leite de vaca no lactente. Problema Anemia ferropriva Comentário deficiência que ocorre não só pelo baixo teor de ferro do leite de vaca, como também pela má absorção do ferro nos lactentes, diminuindo sua biodisponibilidade. Apenas 10% do ferro do leite de vaca é absorvido, quando comparado com 49% da absorção do ferro no leite materno Risco aumentado de alergia devido a proteínas específicas desse leite, e seu uso precoce podem facilitar a aquisição de hipersensibilidade a outros alimentos Sobrecarga renal causada pela alta concentração de solutos resultante do aumento da carga metabólica Deficiência de ácidos graxos deficiência de ácidos graxos essenciais, que ocorre devido à baixa concentração destes no essenciais leite de vaca, além da diluição na hora do preparo. Isso pode acarretar retardo no crescimento, lesões na pele, aumento na fragilidade e na permeabilidade da membrana, além de comprometimento neurológico. Implica também em um déficit de ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa (LCPUFAs), que são sintetizados a partir dos ácidos graxos essenciais, porém não são ainda disponibilizados pelo sistema enzimático do bebê. Os LCPUFAs são imprescindíveis para o desenvolvimento visual e cognitivo do lactente, pois influenciam em propriedades da membrana, processo de sinalização, expressão de genes e síntese de eicosanóides. Infecções gastrointestinais infecções gastrointestinais. Considerando que o sistema imunológico da criança não está completamente desenvolvido, o contato do lactente com a água utilizada na diluição, com a mamadeira e com o leite contaminado pode gerar infecções gastrointestinais, uma das principais causas de mortalidade infantil Menor aproveitamento de cálcio devido a uma maior quantidade de fósforo, sendo a relação cálcio/fósforo baixa Fonte: Ribeiro Jr et al., 2000. Quadro 5. Informação nutricional. Informação Nutricional or 100kcal Proteínas, g Ac. linoléico, g Cálcio, mg Ferro, mg Sódio, mg Potássio, mg Cloreto, mg Fósforo, mg Magnésio, mg Iodo, mcg Cobre, mg Zinco, mg Manganês, mcg Vitamina A, UI Vitamina D, UI Vitamina E, UI Vitamina K1, mcg Vitamina C, mg Tiamina (B1), mg Riboflavina (B2), mg Niacina (PP), mg Vitamina (B6), mg Ácido Fólico, mcg Ac. Pantotênico, mg Vitamina (B12), mcg Biotina, mcg Colina, mg CODEXALIMENTARIUS (0 A 6 MESES) mínimo máximo 1,8 4 0,3 NE 50 NE 1 2 20 60 80 200 55 150 25 NE 6,0 NE 5 NE 0,006 NE 0,5 NE 5 NE 250 500 40,0 100 0,7 NE 4,0 NE 8 NE 0,04 NE 0,06 NE 0,25 NE 0,035 NE 4 NE 0,3 NE 0,15 NE 1,5 NE 7 NE (*) a composição do leite de vaca integral é variável. Leite de vaca integral 5,9 0,1 197 0,08 82 246 173 164 20 13 0,015 0,6 5 205 4,1 0,14 9,5 1,5 0,06 0,28 0,13 0,07 0,47 0,54 0,65 5,7 20 CODEXALIMENTARIUS (6 A 12 MESES) mínimo máximo 3 5,5 0,3 NE 90 NE 1 2 20 85 80 NE 55 NE 60 NE 6,0 NE 5 NE NE NE 0,5 NE NE NE 250 750 40,0 120 0,7 NE 4,0 NE 8 NE 0,04 NE 0,06 NE 0,25 NE 0,045 NE 4 NE 0,3 NE 0,15 NE 1,5 NE NE NE 130 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA As fórmulas lácteas modificadas podem ser utilizadas a 15% desde o nascimento e não necessitam acréscimo de caloria, pois apresentam uma adequada relação caloria/proteína. A maioria dos leites em pó e fórmulas lácteas modificadas, encontradas no mercado, é diluída a 15% (3 medidas de 5 g para 100 ml de água). A quantidade de leite oferecida ao bebê deve ser calculada com base nas necessidades calóricas específicas para cada faixa etária (ver Quadro 2) respeitando sempre a capacidade gástrica que na criança varia de 20 a 40 ml/kg/hora. Os leites em pó são extremamente seguros quanto a contaminações microbiológicas, as latas devem ser lavadas antes de abertas; e quando abertas os cuidados devem ser rigorosos, mais do que para os leites líquidos. Atenção para o fato de que as fórmulas lácteas artificiais modificadas não devem sofrer fervura. Cuidados a serem adotados na utilização de alimentos artificiais A atenção deve-se voltar principalmente para a diluição do leite artificial e para a contaminação da água e dos utensílios. No caso do leite “in natura” deve-se ter claro que até o terceiro mês a mamadeira tem que ser preparada com duas partes de leite e uma de água; após esse período, o lactente já pode tomar o leite integral. Toda água a ser utlizada para o preparo do leite deve ser bem fervida antes. Algumas recomendações devem ser seguidas no preparo da mamadeira para evitar a contaminação da mesma. A água tem que estar fervida, o leite deve estar descontaminado, as mamadeiras devem estar esterilizadas e isoladas do ambiente e o manipulador deve ter lavado bem as mãos e o antebraço, cortado as unhas e prendido os cabelos; tudo para que a mamadeira se encontre livre de bactérias e outros agentes(14). Em caso de pessoas, principalmente da zona rural, que só disponibilizam do leite “in natura” para a alimentação do lactente, cuidados mais rigorosos têm que ser adotados. Primeiro, deve-se ter a certeza da boa saúde do animal, para não haver transmissão de doenças. Segundo, o manipulador tem que ter uma higienização pessoal de modo a não contaminar o leite, os utensílios utilizados também devem estar corretamente limpos e, logo após a retirada do leite, o recipiente tem que ser tampado para isolamento do ambiente. Terceiro, antes do uso do leite pelo lactente, esse deve ser coado e fervido por três minutos. Assim evita-se a contaminação por diversas bactérias. Para uma boa higienização dos utensílios e mamadeiras devem-se seguir esses passos(47): • Lavar todos os utensílios com água corrente e com detergente (sabão em barra não deve ser usado). Utilizar a escova para retirar quaisquer resíduos acumulados em reentrâncias e locais de difícil limpeza. Ter atenção para lavar o bico dos dois lados e não esquecer de lavar a tampa e também a rosca. • Enxaguar bem para tirar todo o detergente. Depois colocar tudo em uma panela com água e ferver por 10 minutos. Tomar cuidado com os utensílios que não podem ser fervidos por muito tempo; só por 3 minutos como os bicos e as roscas das mamadeiras. • Escorrer a água da panela, retirar os objetos com uma pinça para evitar o contato com as mãos. Guardá-los em um recipiente limpo e com tampa. Atenção, as peças não devem ser secadas. Algumas recomendações são feitas para o uso do alimento artificial. A mamadeira deve ser preparada imediatamente antes de dar para a criança. Se a mamadeira for preparada antes, conservar no máximo na geladeira até 4 horas; depois disso, ela não deve mais ser utilizada. Sempre deixar no refrigerador, nunca em temperatura ambiente e não reutilizar sobras do leite. A mamadeira deve ser dada de modo a simular a situação de uma amamentação; então, a pequenos detalhes tem-se que dar a devida atenção. A criança deve ser segurada no colo com a cabeça apoiada no braço, tomando cuidado para não tocar no bico. A mamadeira deve ser mantida sempre inclinada, evitando o acúmulo de ar no bico e futuros incômodos para o bebê. O furo do bico da mamadeira deve ter um tamanho suficiente para que o leite goteje e de certa forma permita que o lactente faça um esforço para adquiri-lo, estimulando a sucção. Antes de ser servido, deve-se perceber se o leite se encontra numa temperatura agradável para o bebê; de preferência, o leite deve estar em temperatura ambiente. Após a mamada, deve-se colocar a criança na posição vertical, para permitir a eructação. A mamadeira noturna não é indicada, pois está relacionada com a formação de cáries e maior chance de refluxo(14). CONSIDERAÇÕES FINAIS Os benefícios conferidos pelo leite materno são máximos nas populações de menor nível econômico e o efeito mais evidente é visto na redução da mortalidade infantil. Há estudos demonstrando que entre todas as medidas preventivas – vacinas, saneamento, nutrição adequada – é o aleitamento a medida de maior impacto contra a morbidade e mortalidade infantis(40,82). A recomendação internacional quanto à duração da amamentação não estabelece o período máximo (dois anos ou mais). Cabe à mãe a decisão de manter a amamentação até que a criança a abandone espontaneamente ou de interrompê-la, em um determinado momento nesse período. Muitos são os fatores envolvidos nessa decisão: psicológicos, sociais, econômicos e culturais(30). Observar que há períodos de licença maternidade diferentes nos diversos países; no Brasil este período é de três meses e em 2005 foi iniciado um projeto da Sociedade Brasileira de Pediatria para que esta licença seja estendida a um ano em vista dos benefícios para a amamentação e para o futuro das crianças brasileiras. O Ministério da Saúde do Brasil, em conjunto com a Organização Pan-Americana da Saúde, contratou um grupo de especialistas para elaborar o “Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos”, que foi publicado em 2002(9). As normas gerais atuais para a alimentação infantil são as propostas no Guia Alimentar para uma Alimentação Saudável(10,85), são elas: 1. Dar somente leite materno até os seis meses, sem oferecer água, chás ou qualquer outro alimento; 2. A partir dos seis meses, introduzir, de forma lenta e gradual, outros alimentos, mantendo o leite materno até dois anos de idade ou mais; 3. Após seis meses, dar alimentos complementares (cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas e legumes) de duas a três vezes ao dia, se a criança receber leite materno; 4. A alimentação complementar deve ser oferecida sem que a rigidez de horários prejudique a sua ingestão; 5. A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida de colher; começar com consistência pastosa (papas/purês) e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação da família; 6. Oferecer à criança diferentes alimentos ao dia (uma alimentação variada é uma alimentação colorida); 7. Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições; CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 8. Evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas nos primeiros anos de vida e usar sal com moderação; 9. Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos, garantindo o armazenamento e conservação adequados; 10. Estimular a criança doente e convalescente a alimentar-se, oferecendo seus alimentos preferidos, respeitando a sua aceitação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Almarza AL. Alimentación del lactante sano. In: Asociación Española de Pediatría (ed). Protocolos diagnósticos y terapéuticos en Pediatría. Capítulo 2: Nutrición. Bilbao, p. 31120, 2002. 2. American Academy of Pediatrics. Breastfeeding and the use of Human Milk. Work Group on Breastfeeding. Breastfeed Rev., 6:31-6, 1998. 3. American Academy of Pediatrics. Breastfeeding and the use of Human Milk. Pediatrics, 115:496-506, 2005. 4. American Academy of Pediatrics. Committee on Drugs: The transfer of drugs and other chemicals to human milk. Pediatrics, 108:776-89, 2001. 5. American Academy of Pediatrics. Committee on Infectious Diseases. Red Book (ed.). 25th ed., Elk Grove Village (IL), 2000. 6. American Academy of Pediatrics. 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Os cuidados aos portadores de prejuízos da inteligência originados no início da vida ficam restritos a crianças e pré-adolescentes, relegando a segundo plano a assistência aos adultos portadores de retardo mental que poderiam ser beneficiados com programas de reabilitação psicossocial, fomentando a melhor qualidade de vida e facilitando sua inserção na comunidade. Este capítulo abordará especificidades nosológicas, epidemiológicas e de cuidados em saúde comunitária aos portadores de retardo mental, facilitando a atuação das equipes multiprofissionais no exercício da sua importante tarefa em saúde comunitária. A terminologia da deficiência As pessoas portadoras de níveis de inteligência abaixo da média são freqüentemente discriminadas e estigmatizadas; expressões médicas assumem uma conotação depreciativa exprimindo desvalor social. Com freqüência é ouvido alguém ser taxado de imbecil, idiota, cretino, oligofrênico, débil mental, debilóide ou “burro”. Na zona rural do estado da Bahia – Brasil os portadores de transtorno de inteligência são chamados com aparente conotação afetiva de “rudes”. Novas denominações têm sido usadas em saúde comunitária. Foram propostos os termos excepcionais, pessoas necessitadas de cuidados especiais. Atualmente, a terminologia proposta é “pessoa portadora de prejuízos da inteligência originados no início da vida”. Considerando o recomendado pela Organização Mundial da Saúde, em sua Classificação Internacional de Doenças, décima revisão (CID 10) e o estipulado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), será empregada neste capítulo a denominação retardo mental para os portadores de estados deficitários das funções cognitivas. Uma tendência atual é incentivar os membros da comunidade, que sofrem discriminação, ao uso ostensivo dos termos desqualificantes, objetivando diminuir seu poder de estigmatização. Recentemente, ao ser discutida a implantação do sistema de cotas na Universidade Federal da Bahia (UFBA) usou-se oficialmente a expressão afrodescendentes. Foi grande a surpresa dos membros da UFBA frente ao cartaz colocado na fachada da Reitoria pelos ditos afro-descendentes com os dizeres “A UFBA É NEGRA”. Outro exemplo é a anedótica resposta de um homossexual, gay ou melhor, homem que faz sexo com outro homem ao ser chamado de “bicha”. Respondeu ao seu interlocutor: isto todo mundo já sabe, vamos ao que interessa. O conceito de inteligência O termo inteligência tomado como substantivo dá a falsa impressão de uma atividade específica, de uma função psicológica; na realidade, há pensamentos e comportamentos inteligentes resultantes da interação do raciocínio lógico, pensamento abstrato, memória, atenção e afetividade. A expressão vem do latim com referência a intus legere, conhecer os fenômenos em profundidade. Karl Jaspers 12 a define como “conjunto de todas as capacidades, de todos os instrumentos que, em quaisquer realizações, são utilizáveis para a adaptação às tarefas vitais e que podem empregar-se com fim determinado”. Kurt Schneider17 a define como “capacidade de resolver tarefas práticas e teóricas”. Ser inteligente é estar mais bem instrumentado para uma adaptação na comunidade. Embora seja de grande valor o pensamento convergente (a melhor maneira de executar uma tarefa), atualmente se estimula o pensamento divergente (as maneiras de executar essa Palavras-chaves: Retardo mental, medicina do comportamento, cuidados integrais de saúde, continuidade da assistência ao paciente. 134 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA tarefa), a criatividade. Existe um fator geral de inteligência (fator G) lingüístico e lógico-matemático e fatores especiais (aptidões). Assim, é possível falar em inteligência lógico-matemática, social, musical, espacial, corporal-cinestésica, pictórica. Em pessoas com um fator G deficitário é recomendável incentivar a valorização de seus fatores especiais. Existem excelentes cozinheiras que não conseguiram alfabetizar-se, músicos geniais incapazes de aprender a leitura de uma partitura musical, entre muitos exemplos conhecidos, como o de um grande ídolo do futebol brasileiro com um fator G muito abaixo da média e atuação esportiva considerada genial. Na década passada deu-se ênfase à denominada “inteligência emocional”; na verdade sempre se soube que o pensamento inteligente pode ser facilitado ou dificultado pelo estado afetivo das pessoas. Alonzo enfatiza a colocação de Piaget1 sobre tal aspecto da inteligência: “Sem afeto não haveria interesse, nem necessidade, nem motivação; e conseqüentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e não haveria inteligência”. Atualmente existe um vasto campo de pesquisa da “inteligência artificial”, utilização de modelos cibernéticos e informática para entender as capacidades cognitivas. O bom funcionamento da inteligência depende 60% de fatores biológicos, herdados, nutricionais, da integridade das células do cérebro. A estimulação psicossocial é responsável em 40% da completude de inteligência, ficando patente a importância dos processos de reabilitação psicossocial em portadores de inteligência abaixo do normal esperado para sua idade por lesões ou disfunções do sistema nervoso central14. Avaliação da inteligência Idade mental - medida por meio de testes psicológicos padronizados, avaliando as capacidades verbais e não-verbais. Quociente de inteligência (QI) - divisão da idade mental avaliada por meio de testes psicológicos, pela idade cronológica multiplicada por 100. Os escores de QI teriam uma distribuição normal seguindo a Curva de Gauss sendo conhecida esta distribuição como “curva do sino”. Quocientes acima de 140 indicariam pessoas superdotadas de inteligência e abaixo de 85 estariam os portadores de retardo mental. Para avaliar este quociente existe a necessidade de testes e tabelas psicométricas oficialmente só aplicáveis por psicólogos, sendo apenas de utilidade recreativa os “testes de inteligência” encontrados na Internet e em revistas populares.. Atualmente, entretanto, é questionada a validade da avaliação do Q.I. em adultos. No anedotário popular, em uma época que cargos públicos eram preenchidos por indicação de pessoas importantes e não por concurso, dizia-se que determinada pessoa assumira o cargo por ter alto Q.I. – “Quem Indicou”. Portanto, a maneira mais prática para avaliar a inteligência continua centrada em entrevistas, investigando a atuação da pessoa na comunidade, seu nível de adaptação, sua curva de vida. O conceito de retardo mental (Oligofrenia, deficiência mental) O DSM-IV conceitua retardo mental como: “Funcionamento intelectual significantemente inferior à média (Critério A), acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança (Critério B) e o início do retardo mental ocorre antes dos 18 anos”. Na CID – 10 o retardo mental é definido como sendo “uma condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente a qual é especialmente caracterizada por comprometimentos de habilidades manifestadas durante o período de desenvolvimento, as quais contribuem para o nível global de inteligência, isto é, aptidões cognitivas, de linguagem, motoras e sociais”. Segundo essas definições, o retardo mental em seus diversos níveis de comprometimento da inteligência implica, sempre, em uma lentificação e parada do desenvolvimento psíquico antes dos 18 anos de idade e compromete, sempre, a interação do sujeito na comunidade. Não representa uma enfermidade em si, mas um conjunto de sinais e sintomas que decorrem de disfunções ou lesões do cérebro demandando cuidados específicos das equipes de saúde, tratando-se de um comprometimento “orgânico”; organicidade em Psiquiatria faz referência ao cerebral lesional ou disfuncional. Nos comprometimentos extra sistema nervoso central, utiliza-se a terminologia “somático”. Como veremos no caso do cretinismo, uma alteração somática (hipofunção tireoideana) resulta em um comprometimento orgânico e retardo mental. Classificação Não existe uma concordância entre os autores e classificações quanto aos limites de Q.I. para cada tipo de retardo mental. Por isso, apesar de questionados, neste capítulo serão usados os critérios adotados pela CID -10. Retardo mental leve Antigamente denominado debilidade mental, (educáveis). F70 (CID X), 317 (DSM IV). Q.I. entre 50 e 69. Nesse caso, a idade mental varia de 9 a 11 anos. Esses indivíduos apresentam algumas dificuldades de aprendizado que podem ocasionar repetência no final do ensino fundamental ou abandono dos estudos. Na idade adulta conseguem integrar-se social e profissionalmente podendo atuar em atividade laborativa remunerada. Retardo mental moderado Denominados anteriormente oligofrênicos leves (semieducáveis). F71 (CID X), 318.0 (DSM IV). Q.I. entre 35 e 49 . Na vida adulta adquirem um desempenho equivalente ao de uma criança na faixa dos 6 aos 8 anos Precisam de assistência para viver e trabalhar em comunidade. Geralmente apresentam atrasos acentuados do desenvolvimento na infância, mas podem adquirir habilidades de comunicação nesse período. Beneficiamse de treinamento profissional e, com moderada supervisão, podem manter práticas sociais e ocupacionais. No entanto, dificilmente progredirão além do nível de segunda série do ensino fundamental. Durante a adolescência, a dificuldade no reconhecimento de convenções sociais pode interferir no relacionamento com seus pares. Retardo mental grave No passado eram denominados imbecis (treináveis). F72 (CID X), 318.1 (DSM IV). Q.I entre 20 e 34. A idade mental, nesse caso, equivale à de uma criança de 3 a 5 anos. Esses pacientes têm necessidade de assistência contínua. Durante os primeiros anos da infância, não desenvolvem a fala, que pode ser desenvolvida no período escolar, bem como os cuidados elementares e com a higiene. O aprendizado escolar tem benefício limitado, limitando-se à familiaridade com o alfabeto e à contagem simples. Na idade adulta, são capazes CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE de executar tarefas simples, sob supervisão. A maioria adaptase bem à vida em comunidade. Retardo mental profundo Os antigos idiotas (dependentes). F73 (CID 10), 318.2 (DSM IV). Q.I. abaixo de 20. A idade mental desses indivíduos é inferior a 3 anos. Apresentam limitações graves quanto aos cuidados pessoais, continência, comunicação e mobilidade. A maioria das pessoas nessa condição tem uma disfunção neurológica identificada como responsável pelo retardo mental, além de alterações morfológicas severas. Durante os primeiros anos da infância, apresentam prejuízos consideráveis no funcionamento sensório-motor. O desenvolvimento motor e as habilidades de higiene e comunicação podem melhorar com treinamento apropriado. Alguns desses indivíduos conseguem executar tarefas simples, em contextos abrigados e estritamente supervisionados. Na CID 10 há a classificação de Retardo mental não especificado (F79) equivalendo no DSM IV 319 ao Retardo mental – gravidade inespecificada, aplicáveis em situações em que existe forte suposição de retardo mental sem que seja possível uma avaliação psicométrica. Psicopatologia - As especificidades do funcionamento psíquico em portadores de retardo mental. Alguns portadores de retardo mental são passivos e dependentes, enquanto outros podem ser agressivos e impulsivos. Classificados como harmônicos e desarmônicos ou tórpidos e eréticos. Afetividade Presença de labilidade emocional com freqüentes mudanças dos afetos. Baixa tolerância às frustrações fomentando crises de agressão ao próximo e a si mesmos. Atitudes raivosas e episódios de agitação psicomotora. Freqüentemente são obstinados e apresentam tenacidade afetiva (crises de birra, rancores duradouros). Pensamento Podem apresentar prolixidade, não sabendo distinguir o axial do acessório ao relatar eventos. Têm dificuldade de abstração apresentando o denominado concretismo, necessitando a contribuição de imagens para formular seu pensamento; desta forma, “Liberdade” seria um bairro de Salvador ou uma estátua que existe nos Estados Unidos, sendo difícil conceituá-la como uma possibilidade de livre escolha pessoal. Tendem à fantasia confundido os fatos da vida real, com tendência à pseudologia (mentira patológica). Vida voluntária São facilmente influenciáveis, crédulos, facilitando a ação de impostores. Impulsivos, não conseguem conter a expressão dos seus sentimentos. Apresentam uma tendência à atuação, uma experiência interna não é expressa por palavras e sim transformada em ato (acting out). Diante de um fato desagradável não expressam verbalmente seu descontentamento e sim com condutas agressivas. São freqüentes as alterações do apetite, ingerindo objetos ou substâncias estranhas (alotriofagia). Atenção Existe uma grande distraibilidade, não conseguindo uma boa concentração por muito tempo. 135 DIAGNÓSTICO O diagnóstico de retardo mental deve ser feito o mais precocemente possível, levando em consideração que algumas das suas formas são melhoráveis e até mesmo curáveis quando tratadas precocemente, e as medidas reabilitatórias são mais eficazes se aplicadas no início da existência dos portadores deste transtorno. Sempre que houver disponibilidade de psicólogos na equipe multiprofissional deverá ser realizada a avaliação psicométrica. O diagnostico levará em conta o desempenho do sujeito comparado ao apresentado por pessoas da sua idade e meio cultural idêntico. A ausência de alguns dados evolutivos poderá ser de utilidade para avaliar a possibilidade de haver um retardo mental segundo a idade da criança 10: • 12 semanas – Deitada não observa os movimentos das próprias mãos, não segue com o olhar a movimentação de um brinquedo pendurado no teto; • 24 semanas – Não bebe diretamente do recipiente quando colocado junto aos seus lábios, não mostra desagrado quando um brinquedo é removido, não sorri frente à sua imagem no espelho; • 40 semanas – Não engatinha puxando o corpo com as mãos, não aponta para objetos, não puxa as roupas dos outros para chamar a atenção, não faz “adeusinho”; • 1 ano – Não diz palavras com algum significado, não beija a pedido, não anda apoiada por uma das mãos; • 18 meses – Não sobe e desce escadas, não aponta desenhos, não obedece a duas ordens simples; • 2 anos – Não apanha um objeto no chão sem cair, não lava e enxuga as mãos, não vira as páginas de um livro uma a uma, não fala pedindo água ou para ir ao banheiro, não usa “meu”, “eu” , “você” ; • 3 anos - Não anda de triciclo, não copia um círculo em um cartão, não sabe algumas canções infantis, não está sempre fazendo perguntas. Não obstante os indicadores supracitados, por vezes o retardo mental não é reconhecido senão na idade escolar, havendo necessidade de uma avaliação psicométrica e o diagnostico diferencial com algumas entidades nosológicas que mimetizam um retardo mental. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Alguns transtornos podem ser confundidos com retardo mental ou coexistirem como co-morbidade (duplo diagnóstico). Atraso simples do desenvolvimento - Decorre de carência do meio onde vive, transtorno afetivo, distúrbios de linguagem, déficits sensoriais, insuficiência de escolarização. Mediocridade intelectual – Decorrente da falta de estímulos em um meio cultural massificante onde são encontrados indivíduos simplórios e simplistas, seguindo a escravidão da moda e do novo e não de um retardo mental. Autismo infantil - Alteração cerebral que afeta a capacidade da pessoa a se comunicar, com dificuldade de estabelecer relacionamentos e de responder apropriadamente ao ambiente, agindo como se não tomasse conhecimento do que se passa ao seu redor, mostrando-se insensíveis aos ferimentos podendo inclusive ferir-se intencionalmente. Algumas crianças apesar do 136 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA autismo apresentam inteligência e fala sem alterações, em outros casos existe concomitância de autismo e retardo mental. Transtorno de déficit da atenção e hiperatividade (TDAH) Denominado anteriormente lesão ou disfunção cerebral mínima. Presença de desatenção, dificuldade para organizar tarefas e atividades, freqüentemente abandona sua cadeira ou sala de aula, dão respostas precipitadas. Os portadores de TDAH em sua maioria têm inteligência dentro dos limites da normalidade. Alguns portadores de retardo mental, os desarmônicos ou eréticos são hiperativos. Epilepsia.. A epilepsia é uma afecção crônica do Sistema Nervoso Central, caracterizada por acessos repetidos – crises – devidos a uma excitação neuronal anormal. O portador de epilepsia isoladamente não apresenta retardo mental. Freqüentemente, há a concomitância de retardo mental e epilepsia como sintomas de uma mesma lesão e/ou disfunção cerebral. A maior parte das alterações de comportamento atribuídas aos portadores de epilepsia é decorrente de um retardo mental coexistente. Paralisia cerebral – Condição caracterizada por um deficitário controle muscular, espasticidade, paralisia e outras alterações neurológicas decorrentes de uma lesão cerebral que ocorre durante a gestação, durante o nascimento ou antes dos 5 anos de idade, podendo cursar ocasionalmente com retardo mental. DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO – CAUSAS DE RETARDO MENTAL Causas genéticas • Tendência familiar, síndrome de Down, esclerose tuberosa, angiomatose, fenilcetonúria (uma das doenças investigadas no teste do “pezinho”). Pré-natais • Infecção materna por sífilis, rubéola, toxoplasmose, vírus HIV. • Alcoolismo dos genitores • Incompatibilidade materno- fetal • Malformações – hidrocefalia, microcefalia, macrocefalia Relacionadas ao parto • Anoxia e traumas do parto. Neonatais Problemas endocrinológicos e dismetabólicos. Pós-natais • Desnutrição • Traumatismos encefálicos, meningites e encefalites. Os cuidados aos portadores de retardo mental O retardo mental não é uma doença e sim um conjunto de sinais e sintomas (síndrome) decorrente de lesão ou disfunção do Sistema Nervoso Central ocorridas no início da vida. Em se tratando de um transtorno persistente, é um hóspede que veio para ficar em definitivo e, portanto, a principal meta dos cuidadores é descobrir as capacidades dos sujeitos sob seus cuidados e não identificar somente suas incapacidades. A pergunta é: O que este portador de retardo mental é capaz de fazer com certa autonomia? A comunicação deve ser cordial e amistosa, levando em conta a extrema suscetibilidade e pouca tolerância às frustrações dos sujeitos sob cuidados. Sempre enfatizando os limites e a necessidade de contenção social. As tarefas solicitadas devem ser bem definidas conforme as possibilidades psíquicas do portador de retardo mental. Tratamento farmacológico. (Adolescentes e adultos) Até o momento não existe nenhuma evidência de fármaco que possa melhorar a capacidade cognitiva dos portadores de prejuízo da inteligência, apesar do sensacionalismo da imprensa leiga sobre pretensas “drogas inteligentes”. Com freqüência alguns limitados psíquicos apresentam um comportamento psicótico com idéias que discordam de sua realidade cultural (delírios). São as denominadas psicoses atípicas, antigas psicoses em oligofrênicos. Estes episódios são controláveis farmacologicamente com o emprego de antipsicóticos: Haloperidol – 5 a 10 mg/dia em uma ou duas tomadas sempre associado à prometazina – 25 a 50 mg/dia, em duas tomadas, para prevenir efeitos colaterais decorrentes da impregnação dos núcleos de base do cérebro, (reações neurodislépticas), à qual estes pacientes são muito sensíveis. Altas doses de haloperidol provocam um efeito colateral denominado acatisia (síndrome das pernas inquietas), evento que leva à necessidade do paciente se locomover ininterruptamente; isso era freqüentemente observado nos antigos sanatórios com grupos de pacientes andando o tempo todo ou marchando quando em ortóstase (de pé). Também poderá ser prescrita clorpromazina – 25 a 100 mg em duas tomadas ou tioridazina– 50 a 100mg em duas tomadas. Alguns psiquiatras preferem utilizar a periciazina, 10 a 20 mg/ dia, associada à prometazina. Os atipsicóticos atípicos (risperidona, clozapina, etc.) não têm indicação nesses eventos, além do elevado custo, não existe evidência do melhor efeito terapêutico nesses episódios psicóticos. Períodos de insônia são controláveis com fenobarbital, 100 mg ao deitar ou prometazina, 25 mg ao deitar. Em crises de agitação psicomotora poderá ser prescrito: levomepromazina 25 mg associada a prometazina 25 mg por via intramuscular, ou clorpromazina e prometazina na mesma dosagem. Lembrar o axioma: “Em Medicina a via venosa é uma via extrema para casos extremos”. Não se recomenda o uso de haloperidol parenteral nestes eventos dada à facilidade de provocar reações impregnação e neurodislépticas nesses pacientes. Nos estados de ansiedade poderá ser usada a levomepromazina ou clorpromazina por via oral, desde que os portadores de retardo mental costumam apresentar reação paradoxal aos diazepínicos (tranqüilizantes). Quando existe uma conduta excessivamente agressiva poderá ser prescrita a carbamazepina, 200 mg em duas tomadas diárias. Reabilitação psicossocial É de vital importância a interação das equipes de saúde com a comunidade e associação de moradores do setor objetivando melhor inserção social e acesso ao mercado de trabalho dos portadores de retardo mental. Nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) será estimulada a ampliação de oficinas terapêuticas e de formação profissional. A sobrecarga dos familiares de portadores de retardo mental. Ocasionalmente se observa nos meios de comunicação CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE relatos de portadores de transtorno psiquiátrico mantidos amarrados em cárcere privado por seus familiares, desnutridos e em precário estado de higiene corporal. Essa espécie de “maldade” demonstra uma forma totalmente inadequada de fazer face à sobrecarga que representa um membro da família com incapacidade mental. No convívio diário com o seu doente, os familiares têm que colocar suas próprias necessidades e desejos em segundo plano, sofrem perdas financeiras, têm tarefas cotidianas adicionais, perturbação no relacionamento entre familiares e convivem com a pré-espera de atitudes inadequadas e incompreensíveis por parte do portador de transtorno mental, situação caracterizada como a sobrecarga objetiva dos familiares. A continuidade do estresse crônico tende a provocar sofrimento emocional e fragilização psicológica dos familiares; é a denominada sobrecarga subjetiva. Em seu livro sobre cuidados aos pacientes com transtorno psiquiátrico, Rosa16 comenta que geralmente é a genitora dos pacientes que tem que assumir estes excessivos encargos: “sobre a mãe recai predominantemente o peso emocional e o ônus de prestar cuidados. Não só ao paciente, mas a todo o grupo familiar, pois é potencializadora de mediações. Essa mãe é quem está freqüentemente adoecendo”. Portanto, existe a necessidade de apoio a os familiares pela equipe de saúde mental. Ações sugeridas aos membros da equipe multiprofissional dirigidas aos familiares dos pacientes sob seus cuidados: Informar sobre as características do transtorno mental apresentado pelo paciente, usando palavras simples e facilmente compreensíveis. Abrir um campo de diálogo, procurando identificar que espécie de esclarecimento deseja o familiar. Evitar um monólogo autoritário sobre educação continuada em saúde como soe acontecer em programas de cuidados comunitários; Enfatizar que toda pessoa portadora de limitação mental é capaz de exercer certo grau de autocuidados e de desempenhar tarefas no lar e na comunidade, dentro das suas possibilidades, sendo seu direito à cidadania e um incentivo ao aumento de sua autoestima; Promover grupos operativos com familiares nos quais serão trocadas “dicas” entre eles sobre as melhores soluções para os problemas surgidos no convívio com seus doentes; enfatizar a importância de distribuir as responsabilidades de cuidados aos portadores de retardo pelos membros da família, evitando o excessivo desgaste de um único familiar com tais encargos; informar sobre os direitos dos pacientes frente ao Estado e a Previdência Social; orientar sobre as peculiaridades da vida sexual do portador de retardo mental. Aspectos legais dos portadores de retardo mental. Capacidade Civil – Os portadores de retardo moderado a profundo são considerados incapazes para os atos da vida civil, sendo necessário nomear um tutor na menoridade e um curador quando adultos. Capacidade Penal – Ballone4, citando o Código Penal em seu artigo 26, escreve: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”; defende o autor que os portadores de retardo mental profundo ou grave seriam inimputáveis, enquanto que os de grau leve seriam imputáveis. Direitos previdenciários Os portadores de retardo mental de moderado a profundo 137 em condições sócio-econômicas adversas fazem jus ao Benefício Assistencial - LOAS 6 Amparo Assistencial ao Idoso e ao Deficiente – LOAS. Esse amparo, no valor de um salário mínimo é pago ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais que não exerça atividade remunerada e ao portador de deficiência incapacitado para a vida independente e para o trabalho, desde que: 1. Possuam renda familiar mensal per capita, inferior a ¼ do salário mínimo; 2. Não estejam vinculados a nenhum regime de previdência social; 3. Não recebam benefício de espécie alguma. Para divisão da renda familiar é considerado o número de pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendido: o cônjuge, o(a) companheiro(a), os pais, os filhos (inclusive o enteado e o menor tutelado) e irmãos não emancipados de qualquer condição, menores de 21 anos ou inválidos. O benefício pode ser pago a mais de um membro da família, desde que comprovadas todas as condições exigidas. Neste caso, o valor do amparo assistencial anteriormente concedido a outro membro do mesmo grupo familiar, passa a integrar a renda para efeito de cálculo por pessoa do novo benefício requerido. O pagamento do benefício cessa no momento em que ocorrer a recuperação da capacidade laborativa ou em caso de morte do beneficiário. O benefício é intransferível, não gerando direito à pensão a herdeiros ou a sucessores.x O portador de retardo mental de grau moderado a profundo fará jus a Pensão por Morte quando do falecimento de genitor, na qualidade de menor ou maior inválido. Sistema Único de Saúde (SUS) Portadores de retardo mental egressos de internamento em hospital psiquiátrico custeado pelo Sistema Único de Saúde fazem jus a um salário mínimo mensal por 12 meses, renovável, pelo programa “De Volta Para Casa” (CAP-SES). – Portaria nº 2.077, de 31 de outubro de 20035. A sexualidade nos portadores de retardo mental A sexualidade nas pessoas portadoras de retardo mental se desenvolve de maneira diferente dos sujeitos sem tal comprometimento da inteligência. Esses indivíduos apresentam características psíquicas próprias como baixa auto-estima, pouco controle dos impulsos, baixa tolerância à frustração, dificuldade de compreensão e procura por gratificação imediata através de sensações prazerosas. Elas têm ainda dificuldade de aprender, por suas experiências, as normas gerais de convivência social, de modo que não conseguem distinguir entre o certo e o errado, entre o que é ou não aceitável pela sociedade. Não vivenciam a adolescência de maneira usual, não se inquietam com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, não questionam sua identidade e não se redescobrem. Sua adolescência é marcada pela falta de autocontrole e pela atuação imediata de suas necessidades sexuais, sem qualquer controle moral. Mas essas particularidades podem e devem ser trabalhadas pelos seus cuidadores, pais e educadores. Uma educação sexual integral pode mudar o perfil dessas pessoas, principalmente se iniciadas desde a infância. Deve-se buscar uma maneira de ensiná-las a interagir melhor com a sociedade, através da conscientização sobre a existência de condutas públicas e privadas. As condutas públicas seriam aquelas que não ofendem nem agridem as pessoas ao seu redor, enquanto as privadas seriam aquelas permitidas somente quando se está em ambiente 138 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA privado. É claro que para ensiná-las deve-se levar em consideração suas limitações de compreensão. As informações devem ser passadas repetidas vezes, de forma clara, usando palavras simples e conhecidas. Além de educar os indivíduos portadores de retardo mental , é importante a educação dos familiares . Sabe-se que, de maneira geral, os membros da família atravessam algumas etapas ao descobrirem a incapacidade dos parentes: negação, recusa, pesar e aceitação. Os cuidadores precisam ajudar os familiares dessas pessoas a lidar com seus sentimentos em relação aos portadores de retardo mental ou encaminhá-los a um especialista, caso seja necessário. Violência sexual e portadores de prejuízo da inteligência Apesar de a sexualidade dos portadores de retardo mental ser uma realidade para as equipes de saúde, são muitas as pessoas que preferem ignorar este fato, uma vez que isto suscita complexas implicações legais, sociais, morais, éticas, religiosas e políticas. Por esta razão não é incomum que a questão da sexualidade nestas pessoas só seja enfrentada quando se apresentem grávidas ou portadoras de alguma doença sexualmente transmissível. Isto se configura como um problema ainda maior em face ao aumento do número de casos de exploração e abuso sexual em portadores de retardo mental, além da pandemia da infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) em todo o mundo. O ato sexual pressupõe o consentimento de ambas as pessoas envolvidas; isto pode não acontecer a depender do grau de acometimento da inteligência do indivíduo, de forma que este não compreenda a natureza dos riscos a que irá se expor (como no caso de se submeter a relações sem o uso de preservativo), ou simplesmente não entenda que possui o direito de aceitar ou recusar um ato sexual. Neste caso, a natureza do relacionamento entre a pessoa portadora de retardo mental e outra passa a ser de interesse das autoridades responsáveis, e pode configurar uma violação das leis civis. Dados da literatura e de serviços de saúde indicam que casos de violência sexual em homens e mulheres portadores de prejuízos da inteligência freqüentemente deixam de ser notificados e investigados, e na maioria das vezes os perpetradores são membros da própria família ou cuidadores destes indivíduos19. Esta situação não só favorece a ocorrência de novos episódios de abuso, como denota uma falha da equipe de saúde em oferecer o apoio devido a estes indivíduos e impedir agravos à sua saúde. O passo mais importante que qualquer profissional de saúde deve adotar frente a esta situação é jamais ficar em silêncio diante uma suspeita de abuso em portadores de retardo mental. Os serviços de saúde devem dispor de uma regulação que estipule claramente que situações constituem violência sexual, nunca deixando de investigar casos sob suspeita e notificar as autoridades responsáveis ao se confirmar a situação de abuso. Devem também ser tomadas providências por parte dos gestores de saúde para que os programas voltados para a prevenção e combate da violência sexual incluam os portadores de prejuízo da inteligência, e disponham de informações específicas sobre a abordagem destas pessoas. O envelhecer em portadores de retardo mental O envelhecimento em portadores de retardo mental possui suas peculiaridades. Algumas esperadas pelos aspectos etiológicos do transtorno e outras inerentes aos cuidados esperados a qualquer pessoa em faixa etária correspondente. Medidas de prevenção e promoção à saúde devem ser estimuladas como evitar tabagismo, manter peso normal e nutrição adequada, praticar exercícios físicos, e os cuidados com quedas e prevenção de fraturas. Consultas e exames médicos periódicos (glicemia, colesterol, mama, próstata, rastreamento cardiovascular, endócrino, oftalmológico e dermatológico) devem ser realizados a partir dos 50 anos conforme orientados nas especialidades em cada caso 9. Quanto às particularidades no manejo destes pacientes, ressalta-se que a maioria não apresenta queixas somáticas de forma espontânea ou o fazem de maneira atípica, através de mudanças no comportamento, padrão alimentar ou de sono, predispondo a diagnósticos tardios e tratamento de quadros mais complicado. Assim, torna-se salutar o cuidado preventivo, com maior vigilância e grau de suspeição por parte de cuidadores e equipe de saúde. O modo de envelhecer e comportamento apresentado pelo paciente neste processo vital estão intimamente ligados às situações e oportunidades vividas. São aspectos condicionantes: acesso e acompanhamento em serviços de saúde e reabilitação, prevenindo complicações comuns ao envelhecimento ou particulares da síndrome originária da deficiência mental (por exemplo, surdez ou problemas de visão em síndrome de Down); possibilidade de freqüentar ambientes, sejam domésticos ou especializados, que estimulem interesses diversos, fomentem habilidades cognitivas, manuais, relações interpessoais e de diversão; exercício de trabalho adaptado a sua capacidade cognitiva, possibilitando inserção social e acesso a dinheiro próprio9. Além disso, o envelhecer relaciona-se com fenômenos sociais e de época. Atualmente, muitos portadores de retardo alcançam idade avançada apesar de que, em média, observe-se menor expectativa de vida nesta população 13. Isso pode significar algum avanço no modo de cuidar e lidar com o portador de retardo, mas também sinaliza novas necessidades tendo em vista que, biologicamente, eles estão mais expostos aos riscos e limitações do envelhecimento de forma mais precoce e com evolução mais rápida, particularmente ao desenvolvimento de demências, cujo diagnóstico nesta população ainda é confuso e controverso. CONCLUSÕES Em seu artigo de 2002 sobre incapacitados psíquicos, Snek tem Horn11 estima uma prevalência de 4,07 o/00 de portadores de retardo mental na Espanha e afirma: “não digo que o melhor seja cuidá-los em um serviço de saúde mental, necessitam de cuidados psiquiátricos, porém no seu próprio meio social”. A psicóloga Celi Diniz Gonçalves em comunicação pessoal informa que dentre os 140 portadores de transtorno mental sob cuidados em fevereiro de 2006 no CAPS Prado – Bahia – Brasil, 51 tinham diagnóstico de retardo mental, com faixa etária entre 6 e 57 anos de idade e média de 24 anos, estando 63,3% dos usuários entre 20 e 29 anos de idade, necessitando inclusão social e acesso à cidadania plena. Embora a Campanha da Fraternidade de 2006 tenha priorizado a atenção nos portadores de deficiência e os meios de comunicação anunciem que a próxima telenovela terá um personagem com síndrome de Down, os portadores de prejuízo da inteligência originados no início da vida necessitam um envolvimento continuado e bastante peculiar dos componentes das equipes de saúde comunitária . Esperamos que o conteúdo deste capítulo possa representar um instrumento facilitador nos cuidados aos portadores de retardo mental na Atenção Primária à Saúde. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Alonso-Fernandez F. Psicologia médica y social. 4. ed, Paz Montalbo: Madrid, p 575-89., 1978. 2. Alonzo PR, Leon AM, Sanchez JL. Psicologia Medica. McGrow Hill: Madrid, 685p., 1996. 3. American Psyhiatric Organization. DSM-IV.Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Artmed: Porto Alegre, 830 p., 1995. 4. Ballone GD. Imputabilide. Extraído de http:// www.psiqweb.med.br/, acessado em 10 de fevereiro de 2006. 5. BRASIL. Portaria Nº 2.077, de 31 de outubro de 2003.“De Volta Para Casa”. Extraído de http://www.ifb.org.br/ Legislação, acessado em 03 de fevereiro de 2006. 6. BRASIl. Lei Nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da assistência social – LOAS, Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília: MPAS SAS. 1997. 7. Butcher HJ. A inteligência humana. Perspectiva: São Paulo, 1972. 8. Delay J, Pichot P. Manual de Psicologia. 3.ed, Masson: Rio de Janeiro, p.189-229, 1975. 9. Flórez J. Envejecimiento y síndrome de Down. ¿Alzheimer, sí o no? Revista Síndrome Down 10: 55-62, 1999. 10. Hanus M. Psiquiatria integrada. Andrei: São Paulo, 1981. 11. Horn ST. El redescubrimiento por la psiquiatria de los disminuidos psíquicos. Revista de la associacín Española de Neuropsiquiatria 81: 81-5, 2002. 12. Jaspers K. Psicopatologia Geral. 8 ed., Atheneu:São Paulo, 25867, 2000. 13. McGuire DE, Chicoine BA. Trastornos depresivos en los adultos con síndrome de Down. Revista Síndrome Down 14: 11-16, 1997. 14. Monedero C. Psicopatologia general. Biblioteca Noueva: Madrid, 894p., 1973. 15. Novaes MH. Psicologia aplicada á reabilitação. Imago: Rio de Janeiro, 132p., 1975. 16. Rosa LCS. Transtorno mental e cuidado na família. Cortez: São Paulo, 367p., 2003. 17. Schneider K. Psicopatologia clínica, Mestre Jou: São Paulo, 255p., 1968. 18. Sim M. Sintomas da mente: Introdução à psicopatologia descritiva, Artmed: Porto Alegre, 367p., 2001. 19. Sundram, C J. Plain Talk About Sex and Mental Retardation. Quality of Care Newsletter, 54, Nov-Dec 1992 20. World Health association. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Artes Médicas: Porto Alegre, 1993. 139 140 III.3 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Vanda M. Miranda Claudia Plech Garcia Daniela Nery Gardênia S. Lobo Lívia Leal Monteiro Luiz Costa-Junior, Heloisa Souza Cristiana M. Nascimento-Carvalho OPORTUNIDADES PERDIDAS DE VACINAÇÃO NA CRIANÇA INTRODUÇÃO Ao longo de muitos séculos, as doenças infecciosas tiveram papel relevante no quadro nosológico da população mundial.(35) A chamada transição epidemiológica se verificou nos países que obtiveram desenvolvimento industrial e melhoria das condições de vida da população. Nesses países, houve a redução da mortalidade geral e da mortalidade infantil, por doenças transmissíveis, e o crescimento da mortalidade por doenças crônico-degenerativas. Disso resultou a elevação da expectativa de vida de muitos povos. Nos países subdesenvolvidos, contudo, as doenças infecciosas e parasitárias permanecem como um importante problema em saúde pública, especialmente quando se observa o desordenado crescimento urbano e a industrialização acelerada.(35) Além das vacinas e antibióticos, outros fatores foram determinantes na alteração do padrão epidemiológico das doenças, contribuindo de modo relevante para a melhoria das condições de vida dos indivíduos, como o desenvolvimento de novas tecnologias sanitárias, a ampliação do acesso aos serviços de saúde, a criação de medidas de controle, entre outros avanços científico-tecnológicos.(35) Entretanto, doenças infecciosas e parasitárias ainda possuem um grande impacto na morbidade, especialmente entre aquelas doenças para as quais ainda não se dispõe de mecanismos de imunoprevenção.(4) O uso de vacinas está entre os fatores que influenciaram a alteração do comportamento das doenças nas diversas regiões. Sua prática se constitui em uma das medidas mais eficazes dentre as propostas dos Programas de Saúde Pública,(16) uma vez que assegura proteção individual e duradoura às pessoas, contribuindo de modo relevante para a melhoria da saúde dos indivíduos, reduzindo a morbi-mortalidade geral e infantil por doenças transmissíveis e aumentando, conseqüentemente, a expectativa de vida da população.(4)) Do ponto de vista econômico os estudos, em todo o mundo, têm demonstrado que os recursos gastos com programas de vacinação são bem menores que os custos com a assistência de pacientes portadores das mesmas doenças imunopreveníveis. Se forem levadas em conta as despesas com internações, ausência ao trabalho e despesas com as reabilitações, os gastos com as vacinas são bem menores que os elevados custos decorrentes do total de despesas com todo o processo de tratamento e reabilitação. (16) CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA Palavras-chaves: Imunização, criança, doenças transmissíveis, programas de imunização, imunização, prevenção. No Brasil na década de 30, as doenças transmissíveis respondiam por mais de um terço dos óbitos registrados nas capitais, sendo responsabilizadas como a principal causa de morte, nestes centros urbanos.(4) Na última década, dados estatísticos evidenciaram queda de mortalidade e consideráveis aumentos de cobertura vacinal, para doenças que podem ser prevenidas com a imunização. Outros estudos, entretanto, demonstraram que em determinadas regiões do país, especialmente as áreas rurais e as periferias das grandes cidades, com bolsões de pobreza, tinham grupos populacionais e, especificamente, crianças menores de 6 anos, susceptíveis a essas doenças.(13 35) As doenças infecciosas, e entre estas as imunopreveníveis, ainda ocupam um papel marcante entre as causas de óbito no Brasil e possuindo grande impacto social. Essas doenças também estão diretamente relacionadas às más condições de vida da população, decorrentes de: pobreza, higiene precária, a má condição de habitação de alimentação e de nível educacional.(13 22) Dados da Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde, em 2004, mostravam um comportamento bem variado das doenças infecciosas no Brasil; algumas com CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE tendência à diminuição, outras com quadro de persistência, algumas surgindo em nosso espectro de doenças e outras, outrora erradicadas, retornando a este. Dentro do grupo de doenças transmissíveis com tendência à diminuição encontravam-se a coqueluche, a difteria, o tétano acidental e a rubéola, doenças que possuem em comum o fato de serem imunopreveníveis.(4) Segundo dados do Ministério da Saúde (M.S.), em 2005, são elevados os índices de adoecimento da população por hepatite B, coqueluche e tuberculose, apesar das vacinas para prevenir estas infecções estarem disponíveis no calendário básico vacinal, preconizado pelo Ministério da Saúde.(5) O quadro da cobertura vacinal no Brasil ainda não possui a amplitude ideal, alcançando uma cobertura, no ano de 2004, equivalente a 77% da população-alvo, estando abaixo das metas preconizadas pela Programação Pactuada Integrada de Vigilância em Saúde (PPI-VS), estabelecidas pelo M.S., com deficiências em diversos estados.(4) “Na série histórica de 2001 a 2003, a cobertura vacinal de rotina em cada ano foi de 100%. Em 2004 esse percentual caiu para 98,1%. Nesse mesmo período, as campanhas nacionais resultaram em cobertura vacinal acima de 99%, porém apresentando tendência declinante. Em 2004 e 2005, as coberturas obtidas foram de 96,49% e 95,34%, na mesma ordem. Os percentuais de municípios que apresentaram cobertura vacinal adequada na 1ª e 2ª etapa de campanha de 2005 foram, respectivamente, de 69% e 72%. É importante ressaltar que há estados com coberturas vacinais abaixo da meta preconizada, tanto na rotina quanto em campanha”.(33) No Estado da Bahia doenças infecto-contagiosas ainda representam um dos principais problemas de saúde tendo sido identificadas como o segundo principal grupo de causas responsáveis por internações hospitalares, respondendo por 11% do total de hospitalizações.(5) Dados da Vigilância em Saúde do Estado da Bahia revelaram que, nos últimos anos, houve números significativos de ocorrência de algumas doenças que podem ser prevenidas por imunização. A difteria aumentou a incidência de 0,06/100.000hab em 2001 para 0,15/100.000hab em 2002 (incremento de 61,9% no número de casos); tétano em menores de 1ano teve incidência de 0,001/1.000 nascidos vivos em 2001 e 0,002/1000 nascidos vivos em 2002 com taxa de letalidade de 83,3%. Foram confirmados 707 casos de meningites em 2002, correspondendo a incidência de 5,3/100.000 hab e letalidade de 16,4%. Do total dos 707 casos confirmados, 134 casos (18,9%) foram de doença meningocócica, 12 casos (1,7%) de meningite não-especificada, 199 casos (28,1%) de meningite viral, 51 casos (7,2%) de meningite por outras etiologias, 23 casos (3,2%) de meningite por Haemophilus influenzae tipo b e 20 casos (2,8%) de meningite pneumocócica. No ano de 2002, foram notificados 3.345 casos de hepatite viral com um coeficiente de incidência de 22,6/100. 000 hab., sendo confirmados 1.056 destes (31,6%). As taxas de infecção pelo vírus da hepatite B e pelo bacilo da tuberculose superaram as taxas nacionais, em 2003, sugerindo a existência de deficiências na cobertura vacinal no Estado da Bahia.(27). PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÃO O Programa Nacional de Imunização (PNI) foi instituído, no Brasil, em 1973, com o a intenção de coordenar as ações de imunização em todo o território nacional,(28) tendo como principal objetivo oferecer ampla cobertura vacinal, para prover a população de adequada proteção contras as doenças 141 imunopreveníveis (3) (BrsilPNI). O PNI, visa favorecer, especificamente, o controle ou a erradicação de doenças tais como sarampo, tétano, difteria, coqueluche e poliomielite, além de, indiretamente oferecer suporte a imunização contra a tuberculose, a partir da vacinação contínua da população sob risco de adquirir estas doenças. Esse programa gerencia o uso e o suprimento de alguns imunobiológicos preconizados para grupos populacionais ou situações específicas.(13) O PNI vem se ampliando gradativamente mediante a introdução de novas vacinas no calendário básico e da ampliação da cobertura vacinal para grupos especiais tais como: como imunossuprimidos, esplenectomizados, hepatopatas, falcêmicos, dentre outros, através dos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIES).(7) De acordo com o Ministério da Saúde, para que um programa de imunização possa assegurar os resultados aos quais se propõe, são necessários à escolha de estratégias adequadas de vacinação, a organização dos serviços de saúde e o comprometimento da população local com os programas e suas ações.(13) As vacinas Vacina, que em linguagem técnica recebe a denominação da especialidade farmacêutica, é a substância que contém um ou mais agentes capazes de tornar o individuo protegido de doenças sob diversas formas. Podem conter vírus vivo atenuado, vírus “inativados”, bactérias mortas e componentes de agentes infecciosos purificados e/ou modificados quimicamente, capazes de estimular o organismo da pessoa a produzir células e ou anticorpos contra este(s) agente(s). Deste modo permite que o organismo possa se defender da doença infecciosa. Assim, a vacinação é uma maneira barata e eficaz de controle epidemiológico de doenças que podem ser prevenidas pela imunização, diminuindo as taxas de adoecimento e morte.(18) Além de sua efetividade para a saúde, são ressaltados os benefícios resultantes do uso de vacinas, os quais superam em muito os custos decorrentes de sua fabricação, conservação e aplicação. Por sua vez, as pesquisas sobre vacinas auxiliam e permitem outras descobertas científicas, principalmente sobre a imunidade e seus mecanismos, criando conhecimentos para a prevenção e cura de várias outras doenças.(8 17) Como agem e como protegem A proteção conferida pelas vacinas, ou imunidade, resulta do mecanismo pelo qual o organismo humano registra uma substância como estranha e reage buscando absorvê-la, neutralizá-la ou eliminá-la. As vacinas estimulam esta reação, utilizando substâncias próprias dos germes infecciosos – antígenos específicos - para criar uma proteção duradoura, na medida em que a ‘”memória”, do organismo identifica o código dos agentes infecciosos a cada vez que houver com eles um contato. Nas vacinas, os germes utilizados são “enfraquecidos” (atenuados) ou mortos; assim, quando os germes mais potentes, das doenças infecto-contagiosas, invadirem o organismo os anticorpos já os “conhecem” e lutam para destruí-los, evitando, desse modo, que se contraia a doença. “Na criança e no adulto estes anticorpos protetores atuam como salvaguardas contra os agentes infecciosos, com duração longa ou permanente para muitas doenças”.(8 17) Vacinação associada Ocorre quando as vacinas são misturadas no momento da aplicação; a exemplo, de determinadas apresentações (marcas) 142 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA das vacinas contra Haemophilus influenzae do tipo b e vacina tríplice contra difteria, tétano e coqueluche (DPT). (O uso destas misturas só é permitido após autorização para seu emprego).(8) Vacinação combinada Quando dois ou mais agentes são administrados numa mesma preparação. Citamos como exemplo, a vacina tríplice (DTP), contra a difteria, o tétano e a coqueluche, e as vacinas duplas, contra difteria e tétano (DT para crianças e dT para adultos a). É o caso também da vacina oral trivalente contra a poliomielite, que contém os três tipos de vírus atenuados da poliomielite.(8) Vacinação Simultânea Ocorre quando duas ou mais vacinas são administradas por diferentes vias num mesmo atendimento. Um exemplo comum nas unidades de saúde é a administração simultânea das vacinas: tríplice, por via intramuscular, contra o sarampo por via subcutânea e contra a poliomielite por via oral.(8) Eventos adversos após vacinações As vacinas por terem na sua composição agentes infecciosos inativados ou atenuados, ou alguns componentes destes, podem, por vezes, induzir a reações indesejáveis. Algumas dessas reações adversas são observadas com freqüência, sendo, em sua maioria, benignas e passageiras, tais como a febre e a dor local referidas após uso de DPT.(8) Contra-indicações gerais para vacinação As vacinas que contenham bactérias ou vírus vivos atenuados, tais como a vacina contra tuberculose, (BCG), a vacina tríplice viral contra sarampo caxumba e rubéola (SCR ou MMR) e a vacina contra a de febre amarela, não devem ser usadas, a princípio, em pessoas portadoras de imunodeficiência congênita ou adquirida, em portadores de neoplasia maligna, no curso de tratamento com corticosteróide em esquemas imunodepressores (2mg/dia, de prednisona por mais de uma semana, em crianças), ou submetidos a outras terapêuticas imunossupressoras tais como quimioterapia antineoplásica e radioterapia. São contra indicadas, também, na gravidez, pelo risco de danos ao feto, exceto em situações de alto risco de exposição a algumas doenças imunopreveniveis tais como febre amarela. O uso dessas vacinas deve ser evitado, ainda, nas doenças febris agudas.(8) Recomendações para adiamento de vacinação(8) • Nas doenças febris graves, para evitar que os sinais e ou sintoma e complicações, destas doenças, sejam atribuídos ao uso da vacina; • Durante o uso de imunoglobulinas ou sangue e derivados, pois os anticorpos presentes nesses produtos podem neutralizar o vírus de vacina como sarampo, caxumba e rubéola; no caso de vacinas contra pólio e febre amarela não há necessidade de adiamento, pois a resposta vacinal não é afetada pelo uso de hemoderivados e imunoglobulinas; • Durante o tratamento com drogas em doses imunodepressoras, recomenda-se adiar o uso de vacinas para um mês após o término do tratamento com corticosteróide, ou para três meses após a suspensão de outros tratamentos que causem imunossupressão (devido ao maior risco de complicações e da probabilidade de resposta imune inadequada). • Não se tem observado interferências entre as vacinas do calendário básico do Ministério da Saúde do Brasil. A exceção da vacina contra febre amarela, cuja recomendação é para intervalo de duas semanas entre sua aplicação e a de outras vacinas, quando não for possível o uso simultâneo. Falsas contra-indicações para vacinação (8) • Desnutrição; • História de convulsão na família; • Internação hospitalar; • Tratamento com corticosteróide, em baixas doses, ou em período inferior a duas semanas; • Reações alérgicas localizadas, não-graves e não relacionadas aos componentes de determinadas vacinas; história de passado de tuberculose, sarampo varicela, rubéola, caxumba, coqueluche, poliomielite, difteria e tétano; • Doenças neurológicas compensadas, mesmo com presença de seqüelas; baixo peso ao nascer (menos de 2.500 gramas) e ou prematuridade, com exceção de BCG que pode ser aplicada quando a criança apresentar mais de 2 kilos; • Doenças benignas comuns na infância, como infecções de vias aéreas superiores, diarréia leve, doenças de pele tais como escabiose, impetigo sem gravidade; uso de vacina contra raiva. (7 25). Calendários vacinais para a população infantil Os calendários de vacinas levam em conta alguns aspectos dentre os quais se destacam: o conhecimento da resposta imunológica que orienta quanto ao momento mais adequado para a imunização, a situação epidemiológica das doenças imunopreveníveis que orienta quanto à época de aplicação dos imunobiológicos e a facilidade de compreensão e de cumprimento do calendário e racionalização do número de visitas para aplicação das vacinas. Assim para que seja introduzida uma nova vacina no calendário do MS, antes deverão ser discutidas: a situação epidemiológica da doença que se pretende prevenir, a eficácia da vacina, seu impacto e a relação custo-benefício.(28) As vacinas Preconizadas pelo Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria estão contempladas nos dois calendários habitualmente mais usados na prática pediátrica são o calendário básico do Ministério da Saúde (Quadro 1) e o da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) (Quadro 2). A inclusão de mais vacinas no calendário da SBP, em relação às do calendário do MS, está justificada pelos diferentes papéis que cada uma dessas entidades se propõe a assumir frente à população. À SBP se propõe a divulgar informações sobre a existência de novas vacinas, para crianças, sua eficácia e segurança. O MS, entretanto, visa assegurar o direito de que todos os cidadãos possam ser vacinados de acordo com as vacinas preconizadas em seu(s) calendário(s).(28) O MS, através do PNI, tem preconizado a obrigatoriedade do uso de vacinas para 11 doenças imunopreveníveis: a tuberculose (vacina BCG), hepatite B, paralisia infantil (vacina anti-pólio ou Sabin), a difteria/tétano/ coqueluche/Haeemophilus influenzae tipo b (vacina tetra), sarampo/caxumba/ rubéola (vacina tríplice viral) e febre amarela. A partir de junho de 2005, a SBP atendendo ao seu Departamento de Infectologia, passou a recomendar a inclusão da vacina contra o vírus da Influenza (gripe) em duas doses anuais, com intervalo de um mês, a ser aplicada dos seis meses aos dois anos de idade. A partir desta idade, o uso fica recomendado apenas para grupos de maior risco; a exceção das crianças menores de nove anos de idade que ainda não usaram esta vacina, para as quais se recomenda duas doses com intervalo de um mês entre as CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 143 Quadro 1. Calendário Básico de Vacinação da Criança (Ministério da Saúde). IDADE VACINAS BCG - ID DOSES DOENÇAS EVITADAS dose única Formas graves de tuberculose Ao nascer Vacina contra hepatite B (1) 1ª dose Hepatite B 1 mês Vacina contra hepatite B 2ª dose Hepatite B 2 meses VOP (vacina oral contra pólio) 1ª dose Poliomielite (paralisia infantil) 1ª dose Difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo Haemophilus influenzae tipo b 2ª dose Poliomielite (paralisia infantil) 2ª dose Difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo Haemophilus influenzae tipo b 3ª dose Poliomielite (paralisia infantil) Vacina tetravalente (DTP + Hib) 3ª dose Difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo Haemophilus influenzae tipo b Vacina contra hepatite B 3ª dose Hepatite B Vacina tetravalente (DTP + Hib) (2) 4 meses VOP (vacina oral contra pólio) Vacina tetravalente (DTP + Hib) VOP (vacina oral contra pólio) 6 meses Vacina contra febre amarela (3) dose única Febre amarela 12 meses SRC (tríplice viral) dose única Sarampo, rubéola e caxumba 15 meses VOP (vacina oral contra pólio) 9 meses 4 - 6 anos reforço Poliomielite (paralisia infantil) DTP (tríplice bacteriana) 1º reforço Difteria, tétano e coqueluche DTP (tríplice bacteriana 2º reforço Difteria, tétano e coqueluche SRC (tríplice viral) reforço Sarampo, rubéola e caxumba 6 a 10 anos BCG - ID (4) reforço Formas graves de tuberculose 10 anos Vacina contra febre amarela reforço Febre amarela Fonte: (60) : BCG-ID: vacina contra tuberculose – intra-dérmica; DTP: tríplice bacteriana de células inteiras- difteria, pertussis, tétano; Hib: Haemophilus influenzae tipo b; SRC (tríplice viral): vacina contra sarampo, rubéola e caxumba. (1) A primeira dose da vacina contra a hepatite B deve ser administrada na maternidade, nas primeiras 12 horas de vida do recém-nascido. O esquema básico se constitui de 03 (três) doses, com intervalos de 30 dias da primeira para a segunda dose e 180 dias da primeira para a terceira dose. (2) O esquema de vacinação atual é feito aos 2, 4 e 6 meses de idade com a vacina Tetravalente e dois reforços com a Tríplice Bacteriana (DTP). O primeiro reforço aos 15 meses e o segundo entre 4 e 6 anos. (3) A vacina contra febre amarela está indicada para crianças a partir dos 09 meses de idade, que residem ou que irão viajar para área endêmica (estados: AP, TO, MA MT, MS, RO, AC, RR, AM, PA, GO e DF), área de transição (alguns municípios dos estados: PI, BA, MG, SP, PR, SC e RS) e área de risco potencial (alguns municípios dos estados BA, ES e MG). Se viajar para áreas de risco, vacinar contra Febre Amarela 10 (dez) dias antes da viagem. (4) Em alguns estados, esta dose não foi implantada. Aguardando conclusão de estudos referentes a efetividade da dose de reforço. mesmas. Para as demais, fica a orientação de apenas uma dose anual. Tais orientações foram baseadas em estudos internacionais que comprovaram ter as crianças elevadas taxas de infecção, pelo vírus Influenza, um dos mais importantes entre os vírus causadores de infecções respiratórias, responsável também por elevado número de hospitalização na população infantil.(30). OPORTUNIDADES PERDIDAS DE VACINAÇÃO (OPV) Conceito Segundo a Organização Mundial de Saúde, “Toda a vez que, uma criança, adolescente ou adulto, entrar em contato com um serviço de saúde, não importando o motivo, e não for corretamente informado a respeito das vacinas que poderia receber, fica caracterizada a oportunidade perdida para profilaxia de doençasimunopreveníveis”(23) . Um dos meios para intensificar a imunização é o aproveitamento das oportunidades de vacinar crianças e adultos, quando estes procurarem os serviços de saúde. Dentro desse contexto, a ausência da imunização em condições favoráveis, chamada de oportunidade perdida de vacinação, pode ser conceituada como a taxa de não-imunizados necessitando de vacinação em relação à população-alvo.(30) Ocorrências de OPV Em virtude da importância em aumentar a cobertura vacinal, entre crianças, a Organização Mundial de Saúde tem orientado diversos estudos para determinar taxas de OPV. As taxas encontradas (número de casos de OPV sobre o total de crianças entrevistadas) variaram de 0 a 91%, com mediana de 41%, sendo maiores nos serviços hospitalares do que as encontradas nos serviços de atenção primária.(24) Resultados de investigações realizadas nos últimos quinze anos demonstraram que crianças têm sido vítimas de OPV, tanto nos países em vias de desenvolvimento quanto nos países desenvolvido (Gráfico 1). Alguns destes estudos trazem orientações sobre estratégias para reduzir as causas identificadas como responsáveis pela ausência da vacinação e são abordadas no item considerações gerais, deste capítulo. 144 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Quadro 2. Calendário Vacinal da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Fonte (30) : BCG-id: vacina contra tuberculose – intra-dérmica; DTP: tríplice bacteriana de células inteiras- difteria, pertussis, tétano; DTPa: tríplice bacteriana acelular; dT: vacina dupla de adulto contra tétano e difteria; dTp a: tríplice acelular tipo adulto; Hib: Haemophilus influenzae tipo b; VOP: vacina oral contra pólio; IPV: vacina inativada contra poliomielite; SRC: vacina contra sarampo, caxumba e rubéola. Notas: 1) A segunda dose da vacina BCG deve obedecer a política regional de saúde (estadual ou municipal); 2) A vacina contra hepatite B, deve ser aplicada nas primeiras 12 horas de vida. Crianças com peso de nascimento igual ou inferior a 2 Kg, devem receber o seguinte esquema vacinal: 1ª dose ao nascer; 2ª dose ao completar 2 Kg; 3ª dose 1mês após a 2ª dose; 4ª dose, 6 meses após a 2ª dose; 3) Vacinas combinadas contemplam a 2ª dose da vacina contra Hepatite B aos 2 meses de vida; 4) Vacina DTP (células inteiras) é eficaz e bem tolerada. Quando possível, aplicar a DTPa (acelular) devido a sua menor reatogenicidade; 5) Como alternativa à vacina dT, pode ser administrada a vacina dTp a (tríplice acelular tipo adulto) aos 15 anos; 6) Se usada uma vacina combinada Hib/DTPa (tríplice acelular), uma quarta dose da Hib deve ser aplicada aos 15 meses de vida; 7) Recomenda-se que todas as crianças com menos de cinco anos de idade recebam VOP nos Dias Nacionais de Vacinação. A vacina inativada contra poliomielite (VIP) pode substitutir a vacina oral (VOP) em todas as doses, preferencialmente nas duas primeiras doses; 8) A vacina contra Influenza está indicada nos meses que antecedem o período de maior prevalência da gripe, estando disponível apenas nessa época do ano. Está recomendada dos 6 meses aos 2 anos, e a partir desta idade, para grupos de maior risco. Nos menores de 9 anos, primovacinados, são administradas 2 doses, com intervalo de 1 mês e, nos anos subseqüentes, apenas 1 dose. A partir dos 9 anos é administrada apenas uma dose, anualmente; 9) A segunda dose da SCR (contra sarampo, caxumba e rubéola) pode ser aplicada dos 4 aos 6 anos de idade, ou nas campanhas de seguimento. Todas as crianças e adolescentes devem receber ou ter recebido duas doses de SCR, com intervalo mínimo de 1 mês. Não é necessário aplicar mais de duas doses; 10) Adolescentes não-vacinados ou os que não tiveram doença, constituem grupo prioritário para vacinação contra hepatite B e varicela; 11) A vacina contra Febre Amarela está indicada para os residentes e viajantes para as áreas endêmicas, de transição e de risco potencial; 12) Recomenda-se 2 ou 3 doses da vacina contra Meningococo C no primeiro ano de vida, de acordo com o fabricante. Após os 12 meses de vida, deve ser aplicada em dose única. Causas mais comuns de OPV Algumas barreiras são identificadas como responsáveis por esta sub-vacinação: deficiência do próprio sistema de distribuição vacinal, recusa em tomar a vacina após exposição dos riscos que a mesma é capaz de causar, aliado a inexistência de um esclarecimento sobre os benefícios inquestionáveis e sobre as oportunidades perdidas de vacinação.(15) A OPV é um fator implicado na inadequada vacinação de muitas crianças, permitindo o desenvolvimento de doenças infecciosas prontamente preveniveis, implicando em custos maiores para a sociedade ao precisar arcar com o tratamento, morbidade, mortalidade, seqüelas e mesmo diminuição do rendimento dos pais. Fatores cruciais e mais diretamente implicados na OPV • A falta de informações atualizadas de profissionais de saúde, sobre o calendário de vacinação;(24) • falta de preocupação desses profissionais em verificar o cartão vacinal da criança; .(12, 14, 24) • Anamneses incompletas;(1) • Dependência de referência médica para que se estabeleça a imunização; • Um sistema de gravação de dados ineficiente para as vacinações realizadas e para as não realizadas em um paciente;(11) • Falta de conhecimento, aliado a crendices e falsos-conceitos da população sobre o calendário vacinal; (36) • Orientações inadequadas sobre as contra-indicações à vacinação.(10 21) • Aliados aos fatores acima citados, a falta de conhecimento dos próprios médicos sobre o calendário vacinal ainda é bastante comum. Cohen et al.(9) em estudo realizado nos Estados Unidos identificaram os pediatras como os profissionais que estão melhores adaptados ao calendário vacinal infantil. Os médicos da família e outros profissionais se mostraram menos conhecedores do calendário, e assim contribuindo com maior grau de OPV. Um sistema de gravação de dados mais eficiente é uma necessidade talvez mundial. Alguns autores afirmam, até, que o cartão vacinal foi uma excelente idéia, porém já se encontra um CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 145 Gráfico 1. Percentagens de ocorrências de Oportunidades Perdidas de Vacinação, em crianças, nos últimos quinze anos. Peru Peru 100 % 60 56 52 40 20 Nigéria - Niamey USA - Milwaukee 78 80 59,6 47 44 37 31,6 13 12,8 1,4 0 1 Ano Fonte: (1 2 10 11 14 19 21 25 34 36) tanto ultrapassado, o que torna necessário criar um sistema mais integrado possibilitando a obtenção de dados vacinais das pessoas, com maior facilidade. Isto evitaria não só as OPV como, também, os gastos desnecessários com as doses de vacinas administradas em excesso que tanto irritam familiares e causam despesas a mais para o governo, além de serem um motivo a mais para a falta de vacinas em certas regiões, a exemplo de Nairobi, na África.(2) A adoção de falsas contra-indicações ainda é bastante comum, não só no Brasil como também em muitas outras partes do mundo, devido à falta de preparação dos profissionais das áreas de saúde. Situações que não constituem contra-indicações à vacinação ainda são apontadas, corriqueiramente, como condições que fazem esses profissionais retardarem o uso de vacinas, apoiados em conceitos desatualizados, com conseqüente prejuízo da cobertura vacinal. Dentre as mais comuns estão as doenças benignas infecciosas, doenças crônicas, resposta de hipersensibilidade de médio e pequeno porte às vacinas, prematuridade, desnutrição, internação hospitalar, febre e contacto com parentes imunocomprometidos(9 10 36) CONCLUSÕES As vantagens dos programas de vacinação são indiscutíveis. A imunização é, comprovadamente, uma maneira barata e eficaz de reduzir a morbi-mortalidade geral e infantil por doenças infecciosas, aumentando a expectativa de vida da população e diminuindo, em longo prazo, os custos da atenção à saúde. Enfatizar a importância da vacinação, diante de benefícios tão incontestáveis, ainda se faz necessário, tendo em vista as taxas significativas de OPV apresentadas pelo Brasil. Apesar dos avanços das últimas décadas, a cobertura vacinal no país permanece abaixo das metas preconizadas pela Programação Pactuada Integrada de Vigilância em Saúde (PPI-VS), estabelecida pelo Ministério da Saúde. Além disso, populações de diversas áreas, sobretudo de áreas rurais e periferia de grandes cidades, continuam apresentando risco elevado de morbi-mortalidade por doenças transmissíveis que podem ser evitadas através da imunização. Reduzir as taxas de OPV requer mais do que melhorar o próprio sistema de distribuição vacinal. É importante prover os profissionais, das diversas áreas de saúde, de informações atualizadas sobre o calendário vacinal, de cada localidade, as 3 India - Caucutá India - Caucutá Congo - Brazzaville Uganda - Kiyeyi Suiça Kenya - Nairobi USA - Denver indicações para administração de vacinas em situações específicas, efeitos adversos das vacinas e contra-indicações à vacinação. Verificar o cartão de vacina deve ser procedimento de rotina, realizado todas às vezes que uma criança procurar um serviço de saúde, seja para acompanhamento em ambulatório, assistência em pronto atendimento ou mesmo para internamento hospitalar. Esse processo de educação e conscientização dos trabalhadores, da área de saúde, deve ter início durante a sua formação, e ser estendido e atualizado ao longo da vida profissional. É fundamental a propagação desses conhecimentos no meio acadêmico, com ênfase para os benefícios da vacinação e prejuízos decorrentes das OPV. O controle da vacinação deve, entretanto, transcender as fronteiras dos serviços de atendimento à população, tornando as visitas domiciliares, uma das grandes oportunidades para verificação do cartão de vacinas e das orientações sobre a importância de mantê-lo atualizado. As campanhas educativas com esclarecimentos sobre as vacinas, seus efeitos e benefícios, podem se transformar em uma das excelentes armas de combate à OPV, sobretudo se apoiada pelas instituições de educação e pelos equipamentos comunitários encarregados da mídia. A educação dos profissionais de saúde, aliada ao esclarecimento a população geral, é essencial para que a vacinação possa repercutir prevenindo doenças, minimizando custos e gerando um impacto, positivo, ainda maior na saúde da população brasileira. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Biswas AB, Mitra NK, Nandy S, Sinhá RN, Kumar S. Missed opportunities for immunization in children. Indian Journal of Public Health 44: 23-27, 2000. 2. Borus PK. Missed opportunities and inappropriately given vaccines reduce immunisation coverage in facilities that serve slum areas of Nairobi. East African Medical Journal 81: 124129, 2004. 3. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. SI/PNI. Extraído de http:/ /w3.datasus.gov.br/si-pni/si-pni.php, acesso em 22 de junho de 2006. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Situação da prevenção e controle das doenças transmissíveis no Brasil. In: Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2004 - uma análise da situação de saúde. Brasília, 2004. 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Departamentos científicos. Novo calendário de vacinas da SBP 2005. Extraído de www.grog.saude.sp.gov.br/ download.asp?file=SBP_2005.pdf, acesso em 22 de junho de 2006. 31. Sociedade Brasileira de Pediatria. Educação Continuada. Extraído de http://www.sbp.com.br/ show_item2.cfm?id_categoria=24&id_detalhe=1848&tipo_detalhe=s, acesso em 23 de março de 2006. 32. Sociedade Brasileira de Pediatria. Calendário Vacinal da Sociedade Brasileira de Pediatria 2005. Extraído de http://www.sbp.com.br/ show_item2.cfm?id_categoria=24&id_detalhe=1848&tipo_detalhe=s, acesso em 24 de junho de 2006. 33. Sociedade Brasileira de Pediatria. SBP NOTÍCIAS 41:3 2006. Extraído de http://www.sbp.com.br/ show_item2.cfm?id_categoria=65&id_detalhe=1316&tipo=S, acesso em 22 de junho de 2006. 34. Talani P, Nkounkou-pika J, Mayanda H, yala F. Missed vaccination opportunities in Brazzaville. Bulletin de la Societe de Pathologie Exotique 93: 121-122, 2002. 35. Teixeira MG, Meyer MA, Costa MCN, Paim JS, Silva LMV. 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III.4 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE PREVENÇÃO DOS ACIDENTES DOMÉSTICOS INFANTIS NO ÂMBITO DA ASSISTÊNCIA PRIMÁRIA À SAÚDE INTRODUÇÃO Acidentes são definidos como acontecimentos casuais, geralmente desagradáveis, que independem da vontade humana e são provocados por força exterior que atua rapidamente e que se manifesta por lesões físicas e emocionais(23). As estatísticas mundiais demonstram que, nos últimos anos, vêm aumentando as taxas de morbidade e mortalidade por acidentes. Segundo a OMS, violência e acidentes ocupam o segundo lugar como causas de morte, superados apenas pelas doenças circulatórias (8). Os acidentes constituem a primeira causa de morte em crianças maiores de um ano no mundo(22); na Suécia constituem a 1ª causa de morte entre 0 e 15 anos de idade, e em Cuba também é a 1ª causa de morte entre 1 e 14 anos de idade(6). Na Inglaterra, acidentes infantis são causa de 700 óbitos por ano, 125 mil admissões em hospitais e 2 milhões de atendimentos nos serviços de emergência(6). Acidentes são, pois, grande problema de saúde pública mundial, tendo conseqüências mais graves em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde há desequilíbrio entre o estilo de vida e medidas de prevenção destinadas a evitar os acidentes(8, 22 ). A cada ano, os acidentes no grupo de crianças com idade abaixo de 14 anos são os causadores de quase 6 mil mortes e mais de 140 mil admissões hospitalares, somente na rede pública de saúde(5); ou seja, são mais de 16 mortes de crianças por dia devido a acidentes - fatores externos como incidentes em casa ou no trânsito(11). A morte é apenas ponta do “iceberg”, pois para cada acidente com morte são registrados outros quatro que deixam seqüelas nas crianças, sendo muitas destas seqüelas permanentes, como paralisia cerebral ou tetraplegia (11). O mais doloroso diante deste quadro é que há estimativa de que pelo menos 90% dessas lesões podem ser prevenidas(5). Entre os tipos de acidentes mais comuns e de maiores danos à saúde, figuram os acidentes domésticos, que são aqueles ocorridos no interior de moradias ou em seus arredores. De acordo com a OMS, 45% dos acidentes com a população mundial são domésticos(6). Na faixa etária de 0 a 19 anos quase 1/3 dos acidentes ocorrem dentro de casa e 10% dos casos são graves o suficiente para requerer hospitalização, sendo que 5% das vítimas morrem antes de serem hospitalizadas(2). No Canadá o percentual de mortes infantis devido a acidentes no interior das residências chegou a 37% do total de acidentes envolvendo crianças(21). Os acidentes domésticos incluem queimaduras, quedas, contusões, feridas, ingestão de produtos químicos, devidos a manipulação de utensílios, animais domésticos, entre outros. São considerados o lado oculto dos acidentes, já que não são divulgados nos meios de comunicação e em revistas científicas com a mesma ênfase com que são tratados os acidentes de trânsito. Todavia, estão entre as 5 principais causas de morte em crianças de 1 a 14 anos em 20 países da América Latina(3,23). Em todos os países os acidentes domésticos originam grandes gastos; por exemplo, no Canadá estima-se que, apenas com as quedas na infância, sejam gastos 630 milhões de dólares por ano(17). A demanda assistencial devido a lesões provocadas por acidentes constitui uma proporção importante dos pacientes que consultam os serviços de emergência pediátrica. Estima-se que, em média, os acidentes infantis causem de 10% a 30% de ocupação dos leitos hospitalares. Dessa forma, a prevenção desses eventos resultaria na redução tanto dos gastos hospitalares, quanto do desgaste emocional vivenciado pela criança e pela família durante a permanência hospitalar. 147 Sumaia Boaventura André Lauro Reis Santana Sofia Flores Mata Virgem Marilia Mercês Oliveira Hillane Rodrigues Pereira Alex Teixeira Guabiru Ana Paula Santana Huang Clarissa Oliveira Sacramento Paula Andrade de Andrade Vinícius P. de Almeida Santos Verônica de Fátima Porto Luana Emanuelle Leite Lima Vanessa Silva Muniz Palavras-chaves: Acidentes domésticos, prevenção de acidentes, assistência primária em pediatria, acidentes infantis, tipologia dos acidentes. 148 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA No Brasil, os dados epidemiológicos sobre acidentes na infância são incompletos, predominando as estatísticas de mortalidade e/ou casos de maior gravidade (que necessitam de hospitalização), sendo que os dados relativos à morbidade, que ainda permanecem escondidos no âmbito da comunidade, demandam maiores esforços para a sua obtenção(21). Portanto, é muito importante o registro e a ampliação do conhecimento sobre os acidentes infantis para embasar o desenvolvimento de medidas eficazes de prevenção. Apesar da escassez de registros nacionais, alguns estudos trazem contribuições para uma aproximação da realidade destas ocorrências. Em nosso país, excetuando as afecções perinatais, as causas externas são responsáveis pelo maior número de óbitos envolvendo a faixa etária de 0 a 19 anos(17). No ano de 1999 os acidentes foram responsáveis por mais de 8 mil mortes de crianças e adolescentes até os 14 anos, representando cerca de 1/3 do total de mortes(6). Estudos indicam que para cada óbito de menor de 15 anos, por causa externa, estima-se que 470 são atendidos exclusivamente em pronto-socorro e cerca de 20 são internados(13,16,21,23). intradomiciliares e a hierarquização das moradias por potencial de riscos identificados seguramente é de grande importância e utilidade no planejamento e implementação de ações para a diminuição das possibilidades de acidentes. TIPOLOGIA DOS ACIDENTES Queimaduras A maioria das queimaduras ocorre no ambiente doméstico(20), predominando a cozinha como local de ocorrência. Mais da metade dos casos de queimaduras ocorre em crianças de 1 a 5 anos independentemente do nível sócio-econômico(21). A água fervente foi o agente causador de 59% dos acidentes entre as crianças abaixo de 3 anos. O álcool de uso doméstico foi responsável por 40% dos acidentes com crianças na faixa de 7 a 11 anos(19). O álcool é considerado o principal líquido inflamável relacionado a queimaduras (20). Os acidentes com corrente elétrica podem ser inseridos entre os agentes causadores de queimaduras, embora as seqüelas dependam do tipo de evento produzido e sendo proporcional à descarga de voltagem recebida. Os danos variam desde queimaduras leves a graves até arritmias e morte. Em crianças maiores de 12 anos, a maioria dos casos é causada por cabos e extensores elétricos, e uma parte por uso incorreto da tomada. Para crianças menores de 6 anos os acidentes podem ser por contato da boca com o cabo eletrificado ou por introdução de objetos nas tomadas(15). Para a prevenção das queimaduras, recomendam-se as medidas descritas no Quadro 2. Os acidentes na infância representam uma importante causa de morbi-mortalidade, principalmente a partir dos cinco anos de idade, quando as doenças infecciosas diminuem de freqüência. A maior acidentalidade do sexo masculino é creditada ao padrão educacional que permite aos meninos serem mais ativos do que as meninas. Acidentes em crianças maiores de 1 ano são relacionados ao maior desenvolvimento neuromotor associado a uma maior socialização. O ambiente doméstico constitui local de alto risco, pois crianças permanecem muito tempo dentro de casa, agravando-se a situação quando o ambiente doméstico é pequeno, com poucos cômodos, muitas pessoas, eletrodomésticos e animais de estimação(7). Os locais do corpo mais atingidos são braços, pernas, e cabeça(7). O acometimento de braços e pernas é justificado pela exploração tátil realizada pelas crianças, bem como a utilização destes membros como mecanismo de defesa; o acometimento da cabeça em crianças pequenas, é justificado pelo grande peso deste segmento em comparação ao restante do corpo, tornandose mais difícil a manutenção do equilíbrio corpóreo(7). Um acidente geralmente não ocorre ao acaso como uma fatalidade. Muitas vezes é resultado da atuação de um conjunto de fatores ligados ao hóspede susceptível, ao agente lesivo e ao ambiente inseguro, o que torna mais ou menos previsível sua ocorrência(23).A prevenção de acidentes pode ser resumida nas palavras antecipação, ação e responsabilidade(17), e para que tenha eficácia, dados sobre a rotina de vida da criança devem ser conhecidos. A identificação dos riscos existentes no ambiente doméstico e arredores das moradias é extremamente importante para qualquer intervenção com o objetivo de diminuir acidentes. Os principais riscos domésticos apontados por estudiosos desta temática são: acesso livre à cozinha, móveis que podem ser arrastados ou levantados, objetos pérfuro-cortantes, cozinhas defeituosas ou mal manipuladas, fósforos e similares ao alcance das crianças, fontes de eletricidade mal protegidas, escadas e balcões com corrimões ou parapeitos inseguros(3). Baseados nestas identificações as moradias podem ser categorizadas para riscos de acidentes em baixo, médio e alto risco; as de baixo risco teriam até 5 fatores identificados, as de médio risco, de 6 a 9 fatores, e as de alto risco, 10 ou mais fatores de risco de acidentes identificados (3) .A identificação dos riscos Quedas As quedas estão entre os acidentes mais freqüentes em crianças, principalmente no primeiro ano de vida. Entre 0 e 2 meses de idade, geralmente, as pessoas deixam as crianças caírem; entre 3 e 11 meses, acontecem, principalmente, as quedas de mobília e de seus próprios equipamentos, em especial do andador e do carrinho. Quedas da mesa durante a troca de fraldas estão associadas a maior freqüência de internação. As quedas de janelas predominam em pacientes do gênero masculino abaixo de 5 anos. As quedas da cama, berço e beliche acontecem, geralmente, com crianças menores de 6 anos enquanto dormem(17). O Quadro 1 contém lista de medidas de prevenção das quedas(4). Corpo Estranho A penetração de corpo estranho em orifício natural figura como primeira causa de acidentes por forças inanimadas(13), sendo freqüente em pediatria o atendimento de crianças que introduziram caroços de feijão em narinas ou ouvido.. Aspiração de corpo estranho também é problema freqüente entre crianças de 6 meses a 3 anos de idade, e dentre os objetos ingeridos ou aspirados destacam-se moedas, pilhas, caramelos, brinquedos pequenos (peças ou pedaços), pregos, caroços ou sementes, e alimentos (Mora, 2000). Dormir com chiclete na boca é fator de risco que pode ocasionar morte por aspiração deste corpo estranho(2). Suspeita ou presença de corpo estranho nas vias aéreas, no Setor de Endoscopia Perioral de hospital do Ceará , identificou os objetos mais encontrados : espinha de peixe, moedas e osso de galinha(21). Algumas medidas de prevenção encontram-se no Quadro 3. Intoxicações A curiosidade faz com que a criança se exponha ao risco de ingestão de substâncias tóxicas. A maioria absoluta (98%) dos CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 149 Quadro 1. Medidas de prevenção das quedas. Quando trocar fraldas de um bebê mantenha uma mão segurando-o. Nunca deixe um bebê sozinho em mesas, camas ou outros móveis, mesmo que seja por pouco tempo (Criança Segura) As grades dos berços devem ter, no máximo, 5 centímetros entre elas. Andador é contra-indicado para crianças, pois podem ocasionar quedas graves (Criança Segura). Crianças menores de 6 anos não devem dormir na parte de cima de beliche; se não houver esta possibilidade, colocar grades nas laterais da cama.. Escadas devem ter corrimão e o piso não deve ser liso. Casas com crianças pequenas necessitam de protetores e barreiras em todos os acessos da casa qu levem à escada. Não permitir que crianças se balancem em beliches ou outros móveis da casa, ou brinquem sob móveis.. Colocar portão de segurança no topo e em baixo da escada. Recolher brinquedos e outros objetos do piso. Líquidos derramados no chão devem ser secados imediatamente. Não colocar berço ou outro móvel próximo à janela Tanques ou lavanderias devem estar fixados / cimentados no chão (Tanques de lavar roupas podem desabar sobre crianças que se pendurem na parte anterior, provocando esmagamento de tórax e abdômen). Educar as crianças a não subirem em pias, lavanderias e vasos sanitários. Brincadeiras em escadas, telhados, lajes e varandas sem telas não devem ser permitidas. Fonte: Britton(4). Quadro 2. Medidas de prevenção das queimaduras. Não é seguro lidar com líquidos quentes e, ao mesmo tempo, cuidar de lactentes. Crianças pequenas devem ser supervisionadas ao entrar na cozinha Crianças não devem ter acesso a eletrodomésticos, fósforo e isqueiro. Comidas e bebidas quentes devem ser deixadas fora do alcance de crianças. Cozinhar e transportar líquidos quentes não deve ser permitido a crianças. Deve-se preferir a utilização dos queimadores da parte posterior dos fogões . O cabo das panelas deve estar sempre voltado para a parte de dentro e posterior da bandeja do fogão. O botijão de gás deve ficar fora da casa, se não for possível, é recomendável fechar a válvula de segurança. As mangueiras devem estar em bom estado de conservação. Nunca deixar o ferro de passar roupa ligado e com o fio desenrolado , ao alcance das crianças, pois além da alta temperatura, é perigoso por seu peso e eletricidade. No banheiro, a água quente, no balde na bacia ou na banheira, representa risco para a criança, a qual nunca pode ficar desacompanhada. Deve-se conferir a temperatura da água com o cotovelo antes de dar banho em crianças. Evitar o acesso das crianças a fios, linhas elétricas, tomadas e interruptores. Utilizar sempre protetores nas tomadas ao alcance de crianças. Conserto de fios desencapados e sem tomadas nas pontas deve ser realizados por adultos protegidos por luvas isolantes e longe de crianças Empinar pipas na rua perto de fios elétricos pode ocasionar morte por eletrocussão. Fonte: Paes & Gaspar(17). Quadro 3. Medidas de prevenção para acidentes com corpo estranho. Crianças menores de 6 anos de idade devem ser especialmente vigiadas para a prevenção de ocorrência de acidentes Não deixar ao alcance de crianças objetos pequenos como: botões, alfinetes, grampos, brincos, caroços de feijão, moedas, etc. Não oferecer a crianças pequenas caramelos pequenos e duros, que possam ser aspirados. Não oferecer a crianças pequenas frutas sem retirar os caroços (pinhas, tangerinas, melancias, etc), pelo risco de aspiração. Brinquedos devem ser grandes o bastante para não serem engolidos e resistentes para não quebrarem. Fonte: Criança Segura(5). 150 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA eventos acontecem em casa, sendo que mais da metade das intoxicações acidentais acometem crianças na faixa etária entre 0 e 4 anos, sendo os meninos a maioria. Crianças sofrem conseqüências mais graves quando expostas ao veneno, pois elas são menores, têm metabolismo rápido e seus organismos são menos capazes de lidar com toxinas químicas(5). Medicamentos, produtos químicos industriais e os de higiene doméstica são os maiores responsáveis por intoxicações devido ao uso popular, já enraizado no Brasil, de vasilhames de refrigerantes para acondicionamento de material de limpeza , e com auto-medicação familiar, ficando estes medicamentos ao alcance do manuseio pelas crianças(21). As intoxicações medicamentosas são causadas em sua maioria por analgésicos e antitérmicos, seguidas por psicotrópicos (antidepressivos e benzodiazepínicos). O paracetamol, por exemplo, é o medicamento que tem ocasionado maior número de intoxicações(21).Além dos medicamentos, também constituem típicos exemplos as intoxicações com querosene, inseticidas e pesticidas (chumbinho utilizado como veneno de rato), produtos de limpeza e plantas. Ao montar um jardim, as pessoas devem estar atentas às espécies de plantas venenosas que podem causar acidentes às crianças, dentre as quais destacam-se: espirradeira, comigo-ninguém-pode, graveto-do-diabo, copo-de-leite, café-de-salão, castanheira-daíndia, acônito, narciso. Monóxido de carbono (CO) também pode ocasionar intoxicações com morte, geralmente devido a inalação em fornos de carvão, aquecedores de água em banheiros, ou fogão a gás Em regiões que tem tradição de festejar com fogos de artifício as festas juninas, o envenenamento com morte por ingestão do Cloreto de Potássio contido nos fogos é uma possibilidade, devendo-se evitar a manipulação e o acesso das crianças a estes conteúdos (2). Diante da possibilidade da criança ter ingerido substâncias tóxicas, a primeira atitude a ser adotada pelos responsáveis é entrar em contato, por telefone, com centro de assistência toxicológica para receberem orientação; por isto, o número do centro deve estar sempre disponível, perto do telefone. No Quadro 4 indicam-se medidas de prevenção das intoxicações., e no Anexo I encontram-se os Centros de Informação Toxicológica de todo o Brasil. Cortes e lacerações Cortes e lacerações podem ser conseqüências de quedas e do manuseio inadequado de objetos potencialmente perigosos para adultos e crianças. No ambiente doméstico, a cozinha se afigura como o local onde há a maior concentração de fatores de risco de acidentes. Objetos pontiagudos ou cortantes como garfos, facas, objetos de vidro ou louça que podem quebrar, como copos e pratos, equipamentos de limpeza danificados como vassouras com cabos trincados e quebrados podem ocasionar acidentes perfurantes ou lácero-contusos. No ambiente rural, crianças são precocemente colocadas para realizar tarefas, como raspagem de mandioca, sem que tenham o desenvolvimento psicomotor necessário para o manuseio de uma faca. Dentre as medidas de prevenção, destacam-se as contidas no Quadro 5. Afogamento O afogamento pode ocorrer em locais como lagoas, rios, represas, mares, ou num simples balde de água ou banheira plástica(13).Entre as crianças menores de 1 ano de idade, os afogamentos são geralmente por descuido dos responsáveis. Diferentemente dos adultos, as partes mais pesadas do corpo da criança pequena são a cabeça os membros superiores. Por isso elas perdem facilmente o equilíbrio ao se inclinarem para frente e conseqüentemente podem se afogar em baldes ou privadas (5). Na faixa etária de 1 a 3 anos a maioria absoluta (90%) das mortes por afogamento acontece em piscinas residenciais; a maioria das crianças que se afogam são menores de 5 anos, sendo que mais da metade dessas mortes ocorrem em piscinas particulares(17). O afogamento durante o banho de banheira ou bacia é rápido e silencioso. Qualquer descuido pode causar um acidente. Por exemplo, ao deixar a criança na banheira ou bacia para pegar uma toalha, cerca de 10 segundos são suficientes para que a criança fique submersa; se o motivo for um telefonema, apenas 2 minutos são suficientes para que a criança submersa na banheira ou bacia perca a consciência. Outra situação é sair para atender a porta : a criança submersa na banheira, na bacia, no balde ou na piscina entre 4 a 6 minutos pode ficar com danos permanentes no cérebro(5). Vale ressaltar a ocorrência de óbitos por afogamento em baldes e tanques(13), pois crianças pequenas podem se afogar em apenas 2,5 centímetros de água. Portanto, baldes e bacias devem ser mantidos virados para baixo e fora do alcance das crianças, as caixas d’água devem ser mantidas fechadas, as banheiras devem ser supervisionadas no momento do banho e as piscinas cercadas e cobertas com rêde. Ao utilizar piscinas, as crianças devem ser assistidas todo o tempo por um adulto. Dados do Ministério da Saúde (DATASUS) mostram que em 2003, foram notificados 88 afogamentos decorrentes de quedas ou submersão em piscinas, sendo que 51 desses afogamentos aconteceram às crianças menores de 4 anos.(5) Estima-se que entre 1 a 4 anos de idade 90% das mortes por afogamento ocorrem em piscinas residenciais.(17) . Para a prevenção de afogamentos algumas medidas foram indicadas no Quadro 6. Acidentes ofídicos Os acidentes ofídicos são graves., predominando em pacientes do sexo masculino, nos pés e pernas, seguindo-se mãos e antebraços(12).. Aproximadamente 90,5% destes acidentes são causados por serpentes do gênero Bothrops (jararacas). Essas serpentes possuem hábitos variados, podendo ser encontradas penduradas em árvores, enterradas, entocadas, à beira dos rios ou dentro d´água(12). Medidas de prevenção dos acidentes ofídicos encontramse listadas no Quadro 7. Escorpionismo Os acidentes escorpiônicos são considerados graves, principalmente nas crianças e, em especial, os causados pelos Tityus serrulatus (escorpião amarelo), responsável por acidentes de maior gravidade(12).. As picadas predominam nos membros superiores (mãos e antebraços) e a grande maioria acontece no meio rural, em ambiente dmiciliar; todavia, escorpiões já foram encontrados em apartamentos de andares altos.. As medidas para prevenção dos acidentes escopiônicos são apresentadas no Quadro 8. Armas de fogo Entre os 57 países pesquisados pela UNESCO, o Brasil ocupa o segundo lugar em mortes por armas de fogo. De 1979 a 2003, CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Quadro 4. Medidas de prevenção das intoxicações Os medicamentos sem utilidade e desnecessários devem ser descartados. Os frascos de medicamentos devem ser fechados com a tampa de segurança após o uso Nunca se deve falar com a criança que o medicamento é doce. Substâncias tóxicas (álcool, querosene, gasolina, creolina, detergentes, desinfetantes, soda cáustica, inseticidas, raticidas, formicidas, etc) devem ser mantidas em suas embalagens originais, e nunca devem ser guardadas em embalagens de refrigerantes sem rótulos.. Verificar quais plantas dentro e ao redor da casa são venenosas, e removê-las ou deixá-las inacessíveis para crianças. Fonte: Academia Americana de Pediatria (16) . Quadro 5 – Medidas de prevenção para cortes e lacerações. Facas, tesouras, chaves-de-fenda e outros objetos pérfuro-cortantes nunca devem ser dados às crianças. Manter tais objetos em locais fechados onde a criança não tenha acesso. Brinquedos devem ser grandes o bastante para não serem engolidos e resistentes para não quebrarem. Utilizar para as crianças utensílios (copos, pratos, etc) inquebráveis. Não usar latas semi-abertas como recipientes Não puxar ou permitir que crianças puxem objetos de prateleiras ou lugares altos com as pontas dos dedos ou ganchos improvisados. Identificar e retirar pontas de pregos ou parafusos aparentes em camas, cadeiras, bancos, portas, etc. Não fazer uso de objetos de vidro ou porcelana rachados, especialmente espelhos e vasos sanitários; Não deixar máquinas de costura ao alcance das crianças; Não permitir que crianças brinquem com ventilador, pois podem ter como conseqüência fratura, corte ou amputação de um ou mais dedos. Fonte: Criança Segura(5). Quadro 6. Medidas de prevenção dos afogamentos. Cisternas e fossas abertas sem proteção, constituem fatores de risco para quedas e afogamentos, devendo permanecer tampadas. Evitar deixar banheira, tanque ou tonel com água ao alcance de crianças Nunca deixar a criança só na banheira, bacia ou banheiro; Manter o vaso sanitário tampado e a porta do banheiro fechada Cercar piscinas com grades e mantê-las sempre cobertas com capas ou redes de proteção quando não estiverem sendo usadas. Fonte: Criança Segura(5). Quadro 7. Medidas de prevenção dos acidentes ofídicos. Não manusear lixo acumulado, folhas secas e palhas, sem luvas de couro. Nunca introduzir a mão em locais cujo interior não seja visível. Tomar cuidado ao mexer em locais escuros, quentes e úmidos. Ratos sinalizam a presença de cobras, devendo-se ter atenção à vista deles. Deve-se tampar os buracos dos muros, paredes e portas. Deve-se limpar a área em volta da casa, evitar acúmulo de entulho, lixo, madeiras, pedras, telhas e tijolos, que contribuem para a presença de pequenos animais, que são alimentos para as cobras. Fonte: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos(12). Quadro 8. Medidas de prevenção dos acidentes escorpiônicos. Conservar a área em volta da casa, e terrenos vizinhos limpos. Aparar o mato e a grama freqüentemente. Evitar vegetações densas próximas a muros e paredes. Examinar com cuidado as roupas e os calçados, e sacudi-los antes de usá-los. Evitar pendurar roupa em contato com as paredes. Tampar a soleira da porta e fechar as janelas ao entardecer. Colocar telas nos ralos do piso, das pias e tanques. Tampar os buracos das paredes, do piso e de outros locais por onde os escorpiões possam entrar. Não colocar camas e berços encostados na parede. Cobertores, lençóis e mosquiteiros não devem encostar no chão. Cuidados com o lixo domiciliar: acondicioná-lo adequadamente em sacos plásticos, ou em recipientes fechados e tampados, para evitar a exposição a insetos que são alimentos para escorpiões. Preservar as aves de hábitos noturnos, galinhas, gansos, lagartos e sapos, porque combatem naturalmente os escorpiões. Fonte: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos(12). 151 152 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA 550 mil pessoas morreram no país, cerca de 100 vítimas por dia, e boa parte delas são crianças(5). O entendimento da conseqüência de suas ações e a distinção entre armas reais e de brinquedo é difícil para crianças menores de 8 anos. Crianças de três anos de idade são fortes o suficiente para puxar o gatilho de muitos revólveres(5). Estas informações são muito importantes para os pais e cuidadores de crianças pois, freqüentemente não percebem a habilidade da criança em obter acesso e disparar uma arma, ignoram sua possibilidade de confundir objetos reais e de brinquedo, sua impossibilidade de fazer bons julgamentos sobre segurar uma arma e conseqüentemente, a impossibilidade de seguir as regras de segurança(5). Quase todos os tiros fatais não-intencionais em crianças ocorrem em casa ou na vizinhança, sendo que a maioria dessas mortes envolve armas guardadas carregadas e acessíveis às mesmas(5). Existe um denominador comum em todos os acidentes com armas de fogo: o acesso a uma arma. A coisa mais importante que os pais e os portadores de armas de fogo podem fazer para proteger as crianças dos acidentes é eliminar a possibilidade de acesso à arma. Assim, alguns cuidados são essenciais: se há crianças em casa, qualquer arma é um perigo em potencial; considere os riscos; sempre guarde as armas de fogo descarregadas, travadas e fora do alcance das crianças; guarde as munições em um lugar separado e trancado; manter armas guardadas com chaves e lacres de combinação escondidos em lugares separados(5). PARTICIPAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NA PREVENÇÃO DEACIDENTES A consideração da “acidentalidade” tem sido discutida, pois a grande maioria dos acidentes pode ser prevenida. A prevenção consiste em antecipar os acontecimentos, evitando que algum dano aconteça, mediante o exercício de cuidados físicos, materiais, emocionais e sociais(21).A presença do adulto não impede que o acidente aconteça, talvez por desconhecimento de como evitá-lo, ou ainda por não estar realizando uma supervisão direta(9).Portanto, instruções para as pessoas que moram na mesma casa que uma criança sobre como prevenir e lidar com os acidentes considerando as características das distintas faixa etárias, é medida de baixo custo e grande impacto na prevenção(10). Para as crianças, a casa é o primeiro espaço ampliado, constituindo um centro de aprendizagem sobre riscos. Em sua exploração deste espaço, elas têm contato com novos ambientes e perigos, tomando consciência sobre suas margens de segurança por tentativa e erro. Qualquer descuido, por pequeno que seja, nestas novas incursões e descobrimentos da criança, pode ocasionar acidentes em locais supostamente seguros para as mesmas. Os acidentes podem dever-se ao descuido, ao uso inadequado de certos elementos que geralmente são usados pelo adulto, porém ao alcance dos menores, e por falhas relacionadas com o elemento em si mesmo(15). A atuação preventiva requer a participação dos profissionais de saúde, bem como de outras categorias que direta ou indiretamente lidam com crianças e adolescentes, na elaboração e na atuação nos programas de prevenção. O programa de prevenção deve envolver também a família, as associações comunitárias e a sociedade em geral(14). Medidas simples podem ser bastante eficazes, como a definição de fontes potenciais de perigo doméstico de acordo com o desenvolvimento psicológico e motor das crianças; a educação dos pais para observar riscos em volta; medidas de segurança baseadas em regulamentações legais, e suporte financeiro para que as famílias executem medidas que melhorem a segurança no ambiente doméstico. Um trabalho de divulgação de informações e conscientização da população sobre a importância dos acidentes domésticos e o conhecimento dos riscos desses acidentes ajudaria a reduzir significativamente o número de fatalidades que acontecem dentro das próprias casas. Desta forma, conhecer o perfil das ocorrências de acidentes em uma área geográfica sob responsabilidade da equipe de saúde da família, é fator decisivo na reorganização dos serviços de saúde não só em nível hospitalar, mas inclusive, nos serviços de atenção básica a saúde do município(14). A notificação sistemática das ocorrências, o questionamento sobre ocorrência de acidentes durante as visitas domiciliares e a continuada anotação destes dados pode contribuir para delinear este perfil de ocorrências e compor um sistema de informações sobre acidentes e riscos de acidentes. Uma segunda possibilidade é a identificação de fatores de riscos de acidentes nas moradias da área geográfica, pelos membros das equipes de saúde durante as visitas domiciliares. Sabe-se que as ocorrências de acidentes são multiplicadas pela existência de mais de cinco fatores de risco na casa(3). Por sua vez, esta identificação casa a casa, deve ser seguida de discussão com os moradores sobre os fatores e as formas possíveis de atenuação ou anulação dos fatores de risco. Por exemplo, não guardar querosene ou detergente em garrafas de refrigerantes; evitar o acúmulo de lixo perto das casas; não deixar cacos de vidro, latas com bordas proeminentes, pregos, parafusos, lascas de madeira, dispersos nos arredores das moradias e nas ruas (assegurar a coleta regular de lixo que deve ser realizada pelos municípios é muito importante). Uma terceira possibilidade é o esclarecimento aos pais ou responsáveis sobre o estágio em que a criança se encontra e os diversos perigos que são encontrados no ambiente doméstico(21). As intervenções educativas feitas pelos pediatras e membros das equipes do Programa de Saúde da Família, fornecendo informações aos pais a fim de diminuir a taxa de acidentes domésticos, têm demonstrado ser efetiva, tanto em nível da taxa de acidentes como dos custos derivados de sua atenção e possíveis seqüelas(15). Todavia, estas medidas não podem estar dissociadas de ações públicas que tenham impacto na determinação dos acidentes. Políticas governamentais que garantam o acesso das crianças, notadamente menores de seis anos, a creches, têm impacto positivo na diminuição destas ocorrências, pois geralmente a supervisão das crianças e o ambiente na creche podem proporcionar menores possibilidades de acidentes que no ambiente doméstico. O contexto do acidente inclui todos os níveis de prevenção, tanto a primária, com programas educativos e medidas de segurança; quanto a secundária, tratando eficazmente e minimizando seqüelas físicas, emocionais e sociais, e por fim, a terciária, reabilitando e reintegrando a criança e seus componentes físicos e socioculturais no contexto familiar e na sociedade(21). CONCLUSÃO Os dados de ocorrência de acidentes infantis com morte devem constituir o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e ser utilizados em nível regional, municipal e local para o planejamento, implementação, acompanhamento e avaliação das CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE ações e serviços de saúde. Todavia, o registro destas mortes não é suficiente; é necessária a implantação de sistema de identificação de fatores de riscos intra-domiciliares para a ocorrência de acidentes infantis e na população geral , realização de ações para a diminuição destes fatores de risco, estruturação de ações educativas e de esclarecimento voltadas para as famílias e para os profissionais de saúde. A estruturação de programa de prevenção de acidentes domésticos deve ser realizada, com ações desenvolvidas em conjunto com as demais ações que compõem a vigilância à saúde. Nesta perspectiva, a organização do trabalho preventivoeducativo, com o estabelecimento de prioridades (casas com maior índice de aglomeração, e com maior número de fatores de risco) e hierarquização das ações é fundamental. A busca ativa de fatores de risco de acidentes dentro das moradias deve ser incorporada como rotina pelas equipes se saúde da família. Os agentes comunitários de saúde têm um papel importantíssimo na realização destas ações de baixo custo. A criação de Centros de Envenenamento de âmbito regional, a divulgação de sua existência, a sua efetiva atuação como fonte de informações para o público em geral e para os profissionais da área de saúde também constitui necessidade. A capacitação dos profissionais de saúde nos diversos níveis de assistência para atendimento dos acidentes impõe-se na perspectiva da implementação de ações que garantam a integralidade da atenção. A atuação convergente e sinérgica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e do Conselho Nacional de AutoRegulamentação Publicitária - CONAR , em relação à embalagem segura e a características químicas dos produtos, e em relação ao conteúdo de propagandas que não incentivem a curiosidade e o uso inadequado de produtos também podem assegurar uma diminuição dos acidentes. Por exemplo, desinfetantes com aromas de frutas podem aumentar o risco de ingestão deste produto por crianças;. propagandas veiculadas pela televisão que chamem atenção para características dos medicamentos como sabor agradável também podem estimular a curiosidade e a experimentação por crianças. No âmbito das ações gerais, considerando que o Estado deve assegurar os direitos de cidadania, o acesso a educação, a emprego, a creches, a saneamento, a coleta regular de lixo, incluem-se, pois as ações setoriais tem limites no seu impacto, e a saúde e a doença são resultantes sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Centros de Informação Toxicológica do Sistema de Informações TóxicoFarmacológicas. Extraído de http://www.anvisa.gov.br, acesso em 29 de Junho de 2006. 2. Asirdizer M; Yavuz MS; Albeck E; Castürk G. Infant and adolescent deaths in Istambul due to home accidents. The Turkist Journal of Pediatrics. 47:141-149, 2005. 3. 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CIT) Belo Horizonte – Serviço de Toxicologia de Minas Gerais Hospital João XXIII – Avenida Professor Alfredo Balena, 400 1° andar – Stª Efigênia – CEP: 30.130-100 – Belo Horizonte/ MG. Telefone: (31) 3239.9224/ 3239.9223 (Hospital) – (31) 3239-9308 / 3224-4000 (Tel. CIT) Botucatu – Centro de Assistência Toxicológica de Botucatu Instituto de Biociências – UNESP – Campos de Botucatu, Rubião Junior – Caixa Postal 510 – CEP: 18.618-000-Botucatu/SP Telefone: (14) 3815-3048 / 3811-6017 / 3811-6034. Site: www.laser.com.br/ ceatox Campina Grande – Centro de Assistência Toxicológica de Campina Grande Hospital Universitário Alcides Carneiro – Rua Carlos Chagas s/nº - Bairro São José – CEP: 58.107-670 Campina Grande/PB Fone/Fax: (83) 341-4534 Campinas – Centro de Controle de Intoxicações de Campinas Cidade Universitária – Zeferino Vaz – Hospital das Clínicas – UNICAMP – CEP:13.083-970 – Campinas/SP Telefone: (19) 3788.7573 / 3788.7290 (Tel. CIT) Campo Grande – Centro de Informações Toxicológicas de Campo Grande Av. Eng. Luthero Lopes, 36 – Aero Rancho – CEP: 79.084-180 – Campo Grande/MS. Telefone: (67) 386-8655 e 378-2558 Cuiabá – Centro de Informação Anti-Veneno de Mato Grosso Hospital Municipal e Pronto Socorro de Cuiabá – Rua General Valle, 192 – Bairro Bandeirantes – CEP: 78.010-100 – Cuiabá / MT. Telefone: (65) 617-1715 (Tel. CIT) . Fone/Fax: (65) 617-1700 (Tel. Hospital) Curitiba – Centro de Informações Toxicológicas de Curitiba H. de Clínicas – Rua General Carneiro, n°180 – Centro – CEP: 80.060-000 – Curitiba/PR. Telefone: (41) 264-8290 / 363-7820 – Atendimentos: 0800 41 01 48 Florianópolis – Centro de Assistência Toxicológica de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina – Hospital Universitário – Bairro Trindade – Caixa postal 5199 – CEP: 88.040-970 – Florianópolis/SC. Telefone: (48) 331.9535 / 331.9173 (Tel. CIT) Atendimento: 0800 643 52 52 Fortaleza – Centro de Assistência Toxicológica de Fortaleza Instituto Dr. José Frota – Rua Barão do Rio Branco,1816 – Centro – CEP: 60.016-061 – Fortaleza/CE Telefone: (85) 255.5050 / 255.5012 (Tel. CIT) Goiânia – Centro de Informação Tóxico-farmacológicas de Goiás Superintendência de Vigilância Sanitária – Av. Anhanguera, 519( – Setor coimbra CEP: 74.043-001 Goiania/GO. Telefone: (62) 201.4113 Fax: (62) 291-4350 Atendimento: 0800 646 43 50 João Pessoa – Centro de Assistência Toxicológica da Paraíba Hospital Universitário Lauro Wanderley – Cidade universitária – Campus I CEP: 58.059-900 – João Pessoa/PB Telefone: (83) 216.7007 Site: www.ufpb.br / ceatox Londrina – Centro de Controle de intoxicações de Londrina Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná – Universidade estadual de Londrina – Av. Robert Kock, 60 – Vila Operaria – Caixa Postal 1611, CEP: 86.038-440- Londrina/PR Telefone: (43) 3371.2244 Manaus – Centro de informação Toxicológica de Manaus Hospital Universitário Getulio Vargas – Serviço de Farmácia do HUGV – Av. Apurinã, 4 – Praça 14- CEP: 69.020-170 – Manaus / AM Fone/ Fax: (92) 622-1972 Maringá – Centro de Controle de Intoxicações de Maringá Hospital Universitário Regional de Maringá – Av. Mandacaru, 1590 CEP: 87.080-000 - Maringá/PR Telefone: (44) 225.8484 R.227 (Tel. Hospital) Natal – Centro de Informação Toxicológica de Natal Hospital Giselda Trigueiro – rua Cônego Montes, N°110 – Quintas CEP:59.035-000 – Natal/RN Telefone: (84) 232-7969 Fax: 232-7209 Niterói – Centro de Controle de Intoxicações de Niterói Hospital Universitário Antonio Pedro – Avenida Marques do Paraná, 303 – Centro Prédio da emergência do HUAP – 4° andar CEP: 24.033-900 – Niterói/RJ. Telefone: (21) 2717.0521 / 2717-0148 – R. 4 Porto Alegre – Centro de Informações Toxicológicas do Rio Grande do Sul Rua Domingos Crescêncio, 132 – 8ª andar – Santana – CEP: 90.650-090. Telefone: (51) 3217-1751 (Tel CIT) Atendimento: 0800780200 Site: www.cit.rs.gov.br Presidente Prudente – Centro de Atendimento Toxicológico de Presidente Prudente Hospital Estadual Odilon Antunes de Siqueira – Av. Coronel José Soares Marcondes, 3758 - Jardim Bongiovani CEP: 19.050-230 – Presidente Prudente/SP. Telefone: (18) 229-1500 Site: www.unoeste.br/ceatox Recife – Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco Hospital da Restauração - 1º andar. Av agamenon magalhães s/n – Bairro Derby CEP: 52.010-040 Telefone: (81) 3421-5444 Ramal: 151 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 155 Ribeirão Preto – Centro de Controle de Intoxicações de Ribeirão Preto Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – Av. Bernardino de Campos, 1000 – Bairro Higienópolis CEP: 14.015-130 – Ribeirão Preto/SP. Telefone: (16) 602-1000 (Tel Hospital) ; (16) 602-1190 (Tel CIT) Rio de Janeiro Centro de Controle de Intoxicações do Rio de Janeiro Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Av. Brigadeiro Trompovski, s/n UFRJ – 8º andar, sala E- 01, Ilha do Fundão – Cidade Universitária CEP: 21.941-590 – Rio de Janeiro/RJ Telefone: (21) 2573- 3244; (21)2290-3344 (Tel CIT) FIOCRUZ Av. Brasil, 4635 - Prédio Haity Moussatche – sala 218 CEP:21,045 – Rio de Janeiro/RJ. Telefone: (21) 3865-3246. Site: www.fiocruz.br/ sinitox? São José do Rio Preto – Centro de Assistência Toxicológica de São José do Rio Preto Fundação Faculdade Regional de Medicina (FUNFARME) – Av Brigadeiro Faria Lima, 5416 – Bairro São Pedro CEP: 15.090-000 – São José do Rio Preto/SP. Telefone: (17) 210-5000 Ramal1380 São José dos Campos – Centro de Controle de Intoxicações de São José dos Campos Hospital Municipal Dr. José de Carvalho Florence – Rua Saigiro Nakamura, 800 – Vila Industrial CEP: 12.220-280 – São José dos Campos/SP. Telefone: (12) 3901-3400 Ramal: 3431/3449 (Tel Hospital) Salvador – Centro de Informações Anti-Veneno da Bahia (CIAVE) Hospital Geral Roberto Santos – Rua Direta do Saboeiro, Estrada velha do saboeiro, s/n Bairro Cabula CEP: 41150-000 Salvador/BA Telefone (71)33873414 / 3387-4343; 0800 284 43 43 (Atendimento) Site: www.ciave.hpg.com.br Santos – Centro de Controle de Intoxicações de Santos Hospital Guilherme Álvaro – Rua Dr. Oswaldo Cruz, 197 sala 134 Bairro Boqueirão CEP:11.045-904 – Santos/SP Telefone: (13) 3222 2878 São Paulo – Centro de Controle de Intoxicações de São Paulo Hospital Municipal Dr. Artur Ribeiro de saboya – Av. Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro, 860 Térreo 2 Bairro Jabaquara CEP:04.330 – 020 São Paulo/SP. Telefone: (11) 5012-2399 (Tel CIT). (11)5012-5311 (Atendimento Médico) 0800 771 37 33 (Atendimento) Taubaté – Centro de Controle de Intoxicações de Taubaté Hospital Escola – Av. Granadeiro Guimarães, 270 Bairro Centro CEP: 12.020-130 – Taubaté/SP Telefone: (12) 232-6565 Vitória – Centro de Atendimento Toxicológico (Toxcen) Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória – Alameda Mary Ubirajara, 205 – Santa Lúcia CEP: 29,055-120 – Vitória/ES Telefone: (27) 3137-2400 (27)3137-2406. 0800 283 99 04 (Atendimento) Fonte: ANVISA. 156 III.5 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Maria do Socorro Heitz Fontoura Adriana Reis Brandão Matutino Carolina Candeias da Silva Milena Cerqueira de Santana Cristiana M. Nascimento-Carvalho FATORES DE RISCO PARA AS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS EM CRIANÇAS INTRODUÇÃO Em condições de normalidade, o trato respiratório possui mecanismos de defesa eficientes para a manutenção da integridade das vias aéreas, apesar da sua interface direta com o meio ambiente e inalação contínua de diferentes partículas que potencialmente podem lesar a mucosa respiratória .e favorecer a ocorrência de doenças.4 As crianças são particularmente vulneráveis a estes eventos devido a fatores individuais de imaturidade, maior freqüência de infecções respiratórias virais nos primeiros anos de vida e possibilidade de concomitância com fatores de risco que a expõem a maiores complicações no curso das infecções respiratórias agudas (IRA)43. A grande maioria dos quadros de doença respiratória aguda é de atenção em ambulatórios e serviços de atenção primária. Apenas 10% requerem hospitalização e somente 3% podem necessitar medidas mais intensivas em unidades de atenção secundária ou terciária5.. Neste capítulo, abordaremos os principais fatores de risco relacionados com as doenças respiratórias em crianças, com a finalidade de contribuir para o planejamento de ações de vigilância e atenção para identificação precoce das situações de risco. Algumas medidas necessitam de atuação desde a fase pré-natal outras, fogem da competência do profissional da área de saúde e exigem atuação política dos governos. No entanto, medidas eficazes de cuidados à saúde podem ser implementadas a nível de atenção primária visando identificar precocemente as crianças com maior risco de adoecimento, diagnosticar e tratar precocemente os casos de acordo com a gravidade, diminuindo assim o índice de hospitalização e mortes. Cabe chamar atenção da freqüente superposição destes fatores tornando difícil a aplicação de intervenções isoladas. Palavras-chaves: Doenças respiratórias, Epidemiologia, Desnutrição, Fumo, Asma, Fatores socioeconômicos, Medidas preventivas, Pneumonia, Amamentação, Fator de risco. Importância do Problema As doenças respiratórias são muito freqüentes na criança, podem acometer qualquer segmento do aparelho respiratório, abrangem um amplo espectro de entidades clínicas e apresentam distintos graus de gravidade a depender da idade, do estado imunitário da criança, do agente etiológico envolvido, bem como da presença de outras patologias associadas. As afecções respiratórias podem ser de etiologia infecciosa (resfriado comum, bronquites e pneumonias, por exemplo) ou alérgica (rinites alérgicas e asma são as mais comuns). As infecções das vias aéreas superiores são autolimitadas e de evolução benigna.23 As doenças que acometem o trato respiratório inferior têm caráter de maior gravidade e, se não diagnosticadas e tratadas precocemente podem colocar em risco a vida das crianças.3,23,48,49 As infecções respiratórias agudas (IRA), de uma maneira geral, representam uma causa importante de morbidade em crianças e adultos em todo o mundo, nos diferentes estratos sócio econômicos.6,25.Estudos longitudinais constataram a ocorrência de 4 a 8 episódios de IRA em crianças que moram nos centros urbanos e 1 a 3 episódios em zona rural.6,35,40.A desigualdade consiste na ocorrência de complicações bacterianas como as pneumonias muito mais freqüentes nos países menos desenvolvidos, onde o risco de evolução para pneumonia após episódio de infecção respiratória aguda viral chega a ser 10 vezes maior.6,40 As IRA aparecem hoje como a principal causa de hospitalizações em crianças menores de 5 anos no Brasil, esse dado é similar nos países em desenvolvimento.Apesar de sua distribuição global, complicações referentes a essa patologia estão muito associadas a fatores socioeconômicos.1,6,12,14. Calcula-se que 1 de cada 30 a 50 episódios de IRA com tosse vão evoluir para pneumonia e, sem tratamento adequado, 10 a 20% destes pacientes morrem.5 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Dados da Organização Mundial de Saúde apontam cerca de 10 milhões de mortes prematuras, nos paises em desenvolvimento, as IRA contribuem com 25 a 30% delas.8 A pneumonia é responsável por 80% das mortes por IRA e contribui com cerca de 40 a 60% das hospitalizações refletindo particularmente as precárias condições de vida e saúde a que estão submetidas uma grande parcela da população infantil nestas regiões620,21,28,29 Os vírus são os principais agentes infecciosos das doenças respiratórias na criança. As bactérias podem ocorrer como agente primário ou secundário após infecção viral. As crianças de maior risco encontram-se nas famílias de classe econômica menos favorecidas, expostas a muitos fatores de risco, submetidas a piores condições de moradia e alimentação, com menor acesso aos serviços saúde e educação e maior risco de agravamento das doenças, hospitalização e morte.11,12,14,23,25,29,36. No início da década de 80, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu as infecções respiratórias agudas como problema de Saúde Pública, especialmente nos países em desenvolvimento. Protocolos padronizados segundo a gravidade do caso e grau de complexidade do serviço de saúde vêm sendo aplicada nas regiões identificadas com o problema, para diagnóstico precoce e tratamento das IRA.6,9. Outras medidas foram agregadas para manejo dos principais agravos à saúde da criança num conjunto de ações denominado: Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) com boa aplicabilidade nos serviços de atenção primária, podendo ser desenvolvidos por toda a equipe de profissionais de saúde. Estas medidas vêm apresentando impacto na redução da mortalidade por infecção respiratória aguda e conseqüentemente nos índices de mortalidade infantil de uma maneira geral.6,8,41. . O controle das infecções respiratórias agudas é complexo, exige atuação conjunta de todos os profissionais de saúde e ações que extrapolam a prática de saúde, como por exemplo: melhor estruturação da rede básica de saúde, saneamento, educação, melhoria da qualidade do ar e de vida, a partir de políticas econômicas e sociais que beneficiem a todos. 6,50 A asma é a doença crônica mais comum na infância, sendo a tuberculose altamente prevalente. Fatores relacionados com complicações no curso das IRA, nas crianças • Idade inferior a 5 anos (principalmente os menores de 1 ano). •· Portadoras de viroses respiratórias. • Baixo peso ao nascer • Expostas ao tabagismo em ambiente doméstico. • De famílias de baixo nível socioeconômico • De famílias com baixo nível de instrução • Crianças sem cobertura vacinal ou com cobertura vacinal incompleta • Crianças institucionalizadas (creches, orfanatos) ou hospitalizadas muito tempo • Residentes em casas densamente povoadas, mal ventiladas e sem infra-estrutura sanitária • Sem aleitamento materno ou desmamadas precocemente. • Desnutridas ou portadoras de outras doenças que comprometem os mecanismos de defesa respiratória ou sistêmica: alergia respiratória, sarampo, hemoglobinopatias, imunodeficiências congênitas ou adquiridas, fibrose cística, refluxo gastro-esofágico, cardiopatias, neuropatias, bronquiectasias, etc. 157 • Em uso de medicamentos que alteram os mecanismos de defesa respiratórios ou sistêmicos, como: corticosteróide em curso por longa duração, citostáticos e antibióticos de amplo espectro e por tempo prolongado • Crianças acidentadas, com alteração dos mecanismos de defesa respiratórios: afogamentos, aspiração de corpo estranho, traumas torácicos, ingestão de hidrocarbonetos. FATORES DE RISCO NUTRICIONAIS A desnutrição é a doença nutricional mais prevalente no nosso meio bem como na maioria dos países em desenvolvimento. As deficiências nutricionais afetam padrão de crescimento das crianças e as expõem a maior risco de adoecimento e de complicações no curso das enfermidades. As crianças desnutridas apresentam maior número de infecções respiratórias, duração mais prolongada dos episódios e maior possibilidade de evolução para pneumonia. 8,10,11,29,36,37,40,46 Estudos observacionais no mundo em desenvolvimento, avaliando a importância de micro nutrientes específicos, têm indicado que, além da desnutrição global, deficiências específicas de vitamina A e de Zinco são fatores relacionados à pior evolução das infecções respiratórias, embora isso ainda necessite de maiores estudos.50O controle do crescimento e desenvolvimento das crianças é o melhor mecanismo para manter a vigilância sobre o estado nutricional.Os programas de suplementação de vitamina A devem ser dirigidos a populações com carência do micro nutriente pelo risco de complicações do uso de doses excessivas. A falta de aleitamento materno, baixo peso ao nascer e desnutrição são os principais fatores nutricionais de risco para infecções respiratórias agudas (IRA). Estes, interagem uns sobre os outros.36,37,38,50 Falta de aleitamento materno A amamentação exerce um papel relevante na proteção de recém-nascidos e crianças contra infecções de uma maneira geral. A OMS recomenda a amamentação exclusiva até os seis meses de idade e introdução de alimentação complementar junto com o leite materno até os dois anos , principalmente nos países em desenvolvimento. Nestes, onde as condições ambientais e socioeconômicas são precárias, a amamentação tem maior efeito protetor que nos países desenvolvidos.1,37,49,52,53 Desde a década de 20 são apontados em vários estudos epidemiológicos os benefícios do aleitamento materno na proteção às doenças infecciosas, sendo o efeito protetor do leite humano transferido por anticorpos maternos contra patógenos ambientais, bem como por outras substancias como a lisozima e a lactoferrina.2,38,50,54 Muitos estudos tem se ocupado em demonstrar a relevância do aleitamento materno nas doenças respiratórias da criança. Victora,1999 apontou que a criança não amamentada tem 3,6 vezes mais chances de morrer por pneumonia, do que aquela que foi amamentada49 .Oddy et al., 2003 descreveu que um aumento em 40% nas taxas de amamentação pode reduzir em até 50% as mortes causadas por infecções respiratórias em crianças com menos de 18 meses de idade. Broor et al., 2001 considerou a falta do aleitamento materno, nos primeiros quatro meses de vida do bebê, fator de risco independente para infecções respiratórias agudas baixas.11 O tempo de amamentação varia muito entre os diversos países. Alguns fatores são relacionados a maior duração do aleitamento: maior renda familiar, maior peso de nascimento, número apropriado de consultas de puericultura, experiência 158 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA prévia de amamentação e intervalo de tempo entre as mamadas.2,27,53 Estes dados apontam para uma significativa parcela da população, advinda de classes sociais menos favorecidas, contendo variados fatores de risco para doenças infecciosas, que não se beneficiam portanto, do efeito protetor do leite materno. Fatores socioeconômicos influenciam na adesão á prática do aleitamento materno. Quanto maior a escolaridade materna, maior importância é atribuída à amamentação e do seu papel no desenvolvimento físico e intelectual da criança..A promoção, proteção e apoio às práticas de aleitamento materno são atividades essenciais dos sistemas de saúde para preservar este recurso natural,contribuindo com a possibilidade de uma geração de crianças mais saudáveis O ato de amamentar não é puramente instintivo O estímulo e a educação materna durante o pré natal, o acompanhamento das crianças em serviços de puericultura desde o nascimento tem demonstrado impacto na melhoria nas taxas de amamentação. 50,53. Baixo peso ao nascer O baixo peso ao nascer é considerado marcador de risco para a morbimortalidade por doenças respiratórias. A literatura estima que a chance de morrer por IRA no primeiro ano de vida é quatro vezes maior nas crianças com peso menor que 2500grs.1,45,49. . Em um estudo de caso controle avaliando óbitos por pneumonia em Fortaleza, crianças que nasceram com menos de 2000g tiveram um risco relativo de 3,2 vezes quando comparadas com bebês de peso normal ao nascimento.50 Nos países desenvolvidos, o baixo peso está relacionado a nascimentos prematuros (menos de 37 semanas de gestação). As crianças prematuras são mais vulneráveis a ocorrência de doença respiratória sibilante nos primeiros anos de vida. Vários mecanismos já foram indicados para explicar a associação entre a asma e o baixo peso ao nascer, como: déficit na função pulmonar, imaturidade imunológica associada à exposição precoce a aeroalérgenos, pulmões com dimensões reduzidas, hiperreatividade brônquica e a maior chance de ocorrer infecções virais em crianças de baixo peso.15,49,50 Alguns estudos revelam associação entre o baixo peso ao nascer e asma. Essa associação parece ser predominante até os 5 anos de idade.15 A maioria dos estudos que comparam crianças com baixo peso ao nascer (<2500g) e com muito baixo peso ao nascer (<1500g) revelam que as últimas, têm quase duas vezes mais chances de desenvolver asma.15 Estima-se que 19% dos bebês nascem abaixo do peso (<2500g) nos países menos desenvolvidos, nestas regiões, baixo peso ao nascer está associado a desnutrição intra-uterina, são os considerados pequenos para a idade gestacional (PIG).49 Os lactentes PIG são mais relevantes, pois representam a maioria dos bebês com baixo peso ao nascer, nos países em desenvolvimento.50 Estes bebês, na maioria das vezes vêm de famílias pobres, têm curto período de aleitamento materno, não superam as agressões externas e constituem grupo de risco para adoecer e morrer em idade precoce por causa infecciosa.50,51,55 A prematuridade e o baixo peso ao nascer parecem exercer influências diversas em relação à função pulmonar e a asma.15,50.. Achados que associam lactentes PIG com o déficit na função pulmonar mostram a importância da nutrição intra-uterina para o desenvolvimento pós-natal das vias aéreas e consequentemente para função pulmonar. Desnutrição A desnutrição resulta, principalmente, de uma ingestão insuficiente de calorias e nutrientes. É um problema global, afeta uma em cada quatro crianças no mundo39. Está associada à maior morbidade e mortalidade infantil de uma maneira geral..Representa um risco de 53% para a mortalidade por pneumonia entre crianças menores de 5 anos. 8,34,46,50 Em Salvador-Ba, Nascimento-Carvalho conclui que fatores intrínsecos de idade,desnutrição e associação com doenças crônicas foram fatores de risco independentes associados à hospitalização e morte. A desnutrição predispõe a deficiência imunológica, afeta mecanismos de defesa antígenos-específicos e não específicos,com prejuízo particularmente da resposta imune celular.Há redução na secreção de imunoglobulina A, importante fator de proteção das vias aéreas. Esta situação, relaciona-se á maior suscetibilidade das crianças desnutridas às infecções graves.8,46,51,50,46 Os riscos da desnutrição em relação ao trato respiratório não se restringem a debilitação do sistema imune. A redução da massa celular corporal , com comprometimento da força muscular dos músculos respiratórios nos desnutridos os expõem a maior possibilidade de fadiga muscular e predisposição a insuficiência respiratória aguda.34. Em países em desenvolvimento, crianças abaixo do peso para a idade têm grandes chances de estarem desnutridas.51 Indicadores antropométricos são usados como definidores do estado de nutrição. O mais usado nos diversos estudos sobre o tema é o de peso/idade. Como valores de referência para a desnutrição recomenda-se o uso de pontuações do desvio padrão (pontuações Z).50,51Considera-se a desnutrição em estágio de moderado a severo quando a pontuação Z está abaixo de -2 .Em estudo de caso controle no Brasil, crianças com pontuação Z abaixo de -2 têm 4,6 mais chances de adquirir pneumonia, em relação a crianças com pontuação Z maior que zero.50 FATORES SOCIOECONÔMICOS Os fatores socioeconômicos são fatores de risco de extrema relevância para o desenvolvimento e agravamento das doenças respiratórias. Diversos estudos têm demonstrado que a morbimortalidade é substancialmente mais elevada entre crianças de classe social baixa ou de menor poder aquisitivo, estabelecendo uma relação inversa entre doença e renda familiar.7,51Victora e col. num estudo longitudinal realizado em Pelotas na década de 80 demonstrou que a taxa de hospitalização por infecção respiratória aguda nos primeiros anos de vida foi cinco vezes maior nas crianças de famílias com renda familiar de até um salário mínimo.51 A desiqualdade diante da morte por doença respiratória na população infantil também foi apontada por Guimarães em 1984, que encontrou um risco de morte por pneumonia de 6,4 vezes maior nas crianças residentes em favelas.24 Fontoura, 1991, destaca pneumonia como a maior causa de óbito por infecção respiratória aguda nos menores de cinco anos em Salvador. Os índices de maior mortalidade foram concentrados nas regiões menos previlegiadas da cidade.Neste mesmo estudo, foi encontrado um percentual de mortes domiciliar por pneumonia de 33%. Este achado foi também descrito por Benguigui no Pará e Chatkins no Rio Grande do Sul.21César et al num estudo de coorte com 5304 crianças menores de 5 anos, em 1993 concluiu que a classe social e a escolaridade materna foram os principais determinantes de hospitalização por pneumonia .As crianças de famílias com renda menor que 1 salário mínimo apresentaram risco de 1,5 a 3 vezes maior de hospitalização, enquanto as de maior renda apresentaram risco CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 20 vezes menor.14 Benício et al,2000 observou maior prevalência de doença respiratória baixa em crianças de famílias de baixa renda.7. Outros determinantes de risco da doença respiratória relacionados com o nível sócio econômico foram também relevantes em vários estudos: A baixa escolaridade materna, por exemplo, foi citada em estudos realizados no Brasil, os quais demonstraram haver uma maior incidência de hospitalização e mortalidade entre crianças cujas mães possuíam dois anos ou menos de escolaridade, enquanto as crianças de mães com oito anos ou mais estavam sendo menos frequentemente vitimadas.54Multiparidade e ganho ponderal na gestação foram condições também relacionadas a maior risco de hospitalização.14 O nível de educação dos pais é um outro fator de risco socioeconômico de relevância e que tem uma considerável influência nas manifestações das IRA. Filhos de mães adolescentes também adoeceram ou morreram por pneumonia com maior freqüência devido à inexperiência e dificuldade no manejo dos casos graves pelos pais.7 FATORES DE RISCO AMBIENTAIS. Os impacto da poluição ambiental sobre os pulmões é difícil de ser avaliada em razão das muitas variáveis envolvidas.As condições do ambiente doméstico associadas à poluição atmosférica, tais como umidade, ventos, temperatura, a diversidade das partículas aéreas em suspensão podem ser fatores associados a que as crianças estão expostas ,facilitando o desenvolvimento e piorando a evolução das doenças respiratórias.45. Sabe-se que as diversas variáveis climáticas, como temperatura, umidade relativa do ar e fenômenos climáticos, como as ondas de calor e a inversão térmica, possuem estreita relação com a prevalência e a gravidade das IRA.19 A exposição ao frio sempre esteve relacionada ao desenvolvimento de infecções respiratórias, o que fica evidenciado pelo aumento da mortalidade por pneumonia durante o inverno.51 Isto é causado pela diminuição da qualidade do ar, devido às mudanças climáticas bruscas, principalmente pela retenção das partículas de poluição por massas de ar frio.9 No entanto, a relação entre as baixas temperaturas e as IRAs não está totalmente esclarecida. Nas infecções virais, por exemplo, não foi observado maior frequência no desenvolvimento de infecções respiratórias virais entre os indivíduos expostos ao frio e à umidade e aqueles expostos a um ambiente seco e quente.51 Os fatores climáticos têm relevância maior na freqüência do que na gravidade das Iras .No que diz respeito a gravidade os fatores mais relevantes sâo o hospedeiro e o meio ambiente.51 O confinamento em moradias pequenas e mal ventiladas ,grande número de pessoas vivendo no mesmo ambiente, é um problema constante em países em desenvolvimento, principalmente em áreas urbanas, nas quais a desigual distribuição de renda é mais significativa, facilitando a formação de aglomerados populacionais.12 Estes fatores, favorecem as infecções virais ou desencadeamento de hiperreatividade das vias aéreas criando condições locais que predispõem a complicações bacterianas, inclusive pneumonias. Estudos realizados no Brasil, mostram que a presença no domicílio de 3 ou mais crianças < 5 anos ou a presença de uma pessoa a mais dividindo o dormitório está associado com maior taxa de hospitalização por doença respiratória.12,51 159 Cardoso et al. avaliando os fatores de risco intra domiciliares por doença respiratória infantil na cidade de São Paulo observou que variações extremas de temperatura e a presença de fungos ou ácaros no dormitório da criança aumentam significativamente a incidência de doença respiratória sibilante e de infecções das vias aéreas inferiores.12 A who guide line recomenda a distribuição de 12 m2 de espaço por pessoa no domicílio..A utilização de espaços menores bem como outros adultos dividindo o dormitório com a criança são fatores que propiciam a ocorrência de doenças respiratórias.13..Por outro lado a aglomeração tem sido sugerida como fator protetor para o desenvolvimento de asma na idade adulta12 A freqüência a creches apresenta uma associação positiva com a ocorrência de doença respiratória. Victora,1994, Fonseca 1996, Benício, 2000. referem um risco aumentado para doença respiratória em 10,5,22 e 2,5, vezes, quando a criança freqüenta creche.7,20,51 Este risco é maior no primeiro ano de vida . Tem sido verificado que a criança de creche apresenta mais precocemente colonização naso faríngea por bactéria patogênica.56 Foi demonstrado que há elevação progressiva da prevalência de IRA, para as crianças em idade pré-escolar, quando o período de estadia na creche aumenta, esta relação, no entanto mostrouse independente da exposição a outros fatores de risco. Holberg aponta maior risco quando as crianças são cuidadas fora do domicílio nos primeiros três meses de vida e que entre 4 meses e 3 anos o risco de complicações por doença respiratória aumenta na presença de 3 ou mais crianças,não importando o lugar.26. Poluição atmosférica A associação entre os níveis aumentados de poluição atmosférica e a ocorrência de doenças respiratórias, principalmente em crianças, estimulou o desenvolvimento de diversos estudos. Mecanismos potenciais através dos quais os poluentes, como o dióxido sulfúrico, o monóxido de carbono, o dióxido de nitrogênio e o ozônio, aumentam a susceptibilidade de infecção viral incluem: rompimento da barreira muco ciliar, comprometimento das células imunitárias ou liberação de mediadores da inflamação.30 Estudos realizados no Equador, apontam que crianças com níveis de carboxihemoglobina (COHb) acima do considerado seguro (2,5%) são 3,25 vezes mais propensas ao desenvolvimento de IRA.19 . Outras pesquisas avaliaram os níveis de poluentes em ambientes fechados, concluindo que estes aumentam o risco de alergias, desordens respiratórias agudas e crônicas e comprometimento da função pulmonar. Estimativas mostram que 1,5 a 2 milhões de mortes por ano, em todo o mundo, podem ser atribuídas a este tipo de poluição, sendo que 1 milhão destes mortos são crianças de até cinco anos de idade.53Em países em desenvolvimento, onde o custo e a disponibilidade limitam o acesso à eletricidade e aos combustíveis, a poluição nos domicílios é agravada pelo uso de combustíveis orgânicos, como madeira e resíduos humanos e agrícolas. Fumo A fumaça do cigarro é o principal poluente doméstico e possui quantidades significativas de monóxido de carbono, amoníaco, nicotina, cianureto de hidrogênio, além de diversas partículas e carcinógenos.45. Qualquer exposição ao fumo passivo aumenta a probabilidade de apresentação de tosse noturna, estridor e infecções respiratórias durante os dois 160 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA primeiros anos de vida. 22 Nas áreas urbanas, as taxas de exposição das crianças ao fumo passivo representam 38% a 40%. A incidência de infecções respiratórias em crianças com pais fumantes está entre 1,2 e 1,6, sendo estes números maiores para as crianças em idade pré-escolar do que para aquelas em idade escolar.16 A incidência também é maior entre as crianças de mãe fumante do que aquelas de pai fumante, no entanto o fumo paterno também apresenta importância estatística nas infecções respiratórias infantis. A associação entre o fumo materno e as doenças respiratórias está provavelmente mais relacionada à exposição pós-natal que à exposição pré-natal (intra-uterina). 16 A exposição durante a gravidez está provavelmente relacionada com alterações no controle da respiração e desenvolvimento e crescimento das vias aéreas e a exposição pós-natal com diminuição do calibre das vias aéreas compatível com inflamação e edema da parede respiratória.17,44 Pais fumantes aumentam a prevalência de asma e sintomas respiratórios entre as crianças em idade escolar e as que possuem asma já estabelecida apresentam um quadro mais severo da doença.15,16 Conclue-se portanto que mudanças positivas em variáveis sócioeconômicas bem como nas relacionadas à condição de salubridade das moradias refletiria positivamente na morbimortalidade por doença respiratória nas crianças MEDIDAS PREVENTIVAS O controle das doenças respiratórias deve fazer parte de um conjunto de ações contempladas na estratégia AIDPI, como por exemplo: planejamento familiar, efetividade do pré natal, promoção do alojamento conjunto e do aleitamento materno, as imunizações, a TRO, o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de práticas de educação em saúde,dentre outras. Em uma escala mais abrangente, os órgãos de gestão de saúde devem buscar informações epidemiológicas que direcionem as prioridades nas intervenções de saúde pública, formulando um planejamento eficaz de acordo com as necessidades da população.8 As medidas ,como: vacinação, programas educativos, e ações de atenção primária parecem ser as mais adequadas para os países em desenvolvimento. A vacinação constitui uma das principais medidas na prevenção de doenças respiratórias. As vacinas do calendário de imunizações de rotina são importantes na prevenção de doenças respiratórias, e especialmente contra tuberculose, difteria, coqueluche e sarampo. A imunização contra o Haemophilus influenzae, por exemplo, tem elevada eficácia. A vacina contra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib), adotada no Brasil desde 1999, tem mostrado impacto na redução das doenças invasivas causadas por este agente, tais como: como meningite, bacteremia e epiglotite18. Em um estudo com crianças no Chile, demonstrou-se que a vacinação reduziu os casos de pneumonia onde não houve bacteremia em cinco vezes.18 Outras vacinas devem ser disponibilizadas em larga escala como a heptavalente contra o Streptococus pneumoniae para população menor de 5 anos pelo seu valor na proteção das doenças invasivas estreptocócicas. A vacinação contra o vírus influenzae tem sido indicada para crianças institucionalizadas, falcêmicas, portadoras de pneumopatias e cardiopatias crônicas.19. Um programa de imunização efetivo tem impacto importante na redução das doenças imunopreveníveis, o que não está claro é se este seria capaz de reduzir a freqüência global das pneumonias nas crianças, num país em que o fator de risco mais importante para as pneumonias é a desnutrição. Além do apoio ao estudo e aplicações de programas de imunização, outras medidas preventivas em relação às doenças respiratórias podem ser tomadas. Programas voltados à saúde da criança devem ser estimulados, especialmente os referentes a atenção pré e perinatal. Sugere-se atenção especial à saúde de crianças nascidas com baixo peso e a assistência a criança com IRA, incluindo educação em saúde da população para o reconhecimento dos sinais de gravidade e capacitação de recursos humanos no manejo adequado desse grupo de doenças. E também, melhoria da cobertura e qualidade na atenção ambulatorial, visando à redução da taxa de hospitalização e, assim, seus efeitos deletérios sobre a criança e sua família. Programas educativos com alvo nas famílias de baixa-renda deveriam estar entre essas medidas, uma vez que ter uma renda familiar menor que cinqüenta dólares/mês já foi apontado como fator de risco associado à pneumonia.46 É óbvio que importantes fatores socioeconômicos que predispõe as IRA, como: aglomeração de pessoas, excesso de umidade na residência, baixa escolaridade dos pais acabam fora do alcance dos profissionais de saúde.12,50 Mas cabe a estes alertar a população para os riscos a que são submetidos e identificar rapidamente sinais de doenças respiratórias nas crianças, como: tosse, sibilo, tiragem subcostal e taquipnéia, para que o paciente possa ser encaminhado a um tratamento adequado. Ao adotar medidas preventivas um alto custo com tratamento pode ser evitado. O fumo também está diretamente relacionado à morbidade respiratória de crianças menores de cinco anos, e isso não pode ser ignorado. O risco como fumante passivo é enorme ainda mais na faixa etária pediátrica. Campanhas contra o tabaco que visem à conscientização das famílias devem ser apoiadas pelo setor de saúde. Principalmente para evitar que as mães fumem na presença de seus filhos, pois o contato materno é maior. Estratégias devem ser montadas de acordo com a realidade das pessoas onde será feito o trabalho de prevenção, enfocando aspectos em que essa população seja mais carente. Prevenir a desnutrição e a falta de aleitamento materno também é importante, não só para o controle das doenças respiratórias como para diversas infecções. E cuidados prénatais adequados podem reverter o quadro de baixo peso ao nascimento, fator de risco que parece estar associado com a pneumonia e com a asma. Assim deve-se prestar uma assistência pré-natal apropriada, orientar a mãe quanto à amamentação do bebê e quanto à alimentação complementar durante a infância e monitorar o crescimento da criança. O conhecimento dos profissionais de saúde sobre a amamentação é vital para que se desenvolva um trabalho educativo com as mães. Assim esses profissionais devem sempre estar se atualizando sobre esse e outros assuntos relacionados. É preciso investigar e dar maior atenção às crianças que são submetidas a vários fatores de risco simultaneamente. Pois a maioria das intervenções são simples e podem evitar maiores custos com o tratamento de infecções respiratórias. A prevenção exige conhecimento dos profissionais de saúde e sensibilidade para tomar as medidas necessárias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Albernaz EP, Menezes AM, Cesar JA, Victora CG, Barros FC, Halpern R. Fatores de risco associados à hospitalização por bronquiolite aguda no período pós-neonatal. Revista de Saúde Pública 37: 485-493, 2003. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 2. American Academy of Pediatrics. Work Group on Breastfeeding and use of human milk. 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III.6 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE PROFILAXIA DAS HEPATITES VIRAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA 163 André Vila Serra Camila Nemi Maria Clara Mansur Monique Simões INTRODUÇÃO As hepatites virais representam um significativo problema de saúde pública mundial e com elevada prevalência na população brasileira. Sua importância não se restringe à ampla quantidade de indivíduos infectados, também abrange os tipos variados de apresentação clínica e as conseqüências diversas das infecções a depender do tipo de vírus, do tempo de diagnóstico e da resposta ao tratamento. Assim, o desenvolvimento e a aplicação de medidas profiláticas devem ter grande destaque, objetivando a organização efetiva da atenção primária à saúde e o controle da infecção. Neste capítulo, será feita uma revisão dos vírus hepatotrópicos (A, B, C, D e E). Darse-á ênfase à descrição de estratégias preferenciais à prevenção dessas afecções, considerando os modos de transmissão, a época de exposição (pré ou pós), os grupos populacionais mais expostos e as formas de apresentação aguda ou crônica da doença. Os últimos 50 anos foram de notáveis conquistas no que se refere à prevenção e ao controle das hepatites virais. No Brasil, foi criado o programa de Hepatites Virais do Ministério da Saúde para a identificação, prevenção e controle além de tratamento das hepatites virais (B e C). Os mais significativos progressos foram na identificação e no rastreamento dos indivíduos infectados e o surgimento de vacinas protetoras, usadas universalmente nos países desenvolvidos e principalmente naqueles em fase de desenvolvimento. A prevenção primária das infecções pelos vírus A e B é realizada por meio da imunização vacinal, além do controle daqueles pertencentes aos grupos mais expostos ou de risco profissional. Em relação aos vírus da hepatite C são feitos também programas de controle, principalmente para aqueles considerados como sujeitos a maior exposição, através de educação continuada e permanente do Ministério da Saúde, com a finalidade de reduzir a transmissão desses agentes. HEPATITEA Epidemiologia A infecção pelo vírus da hepatite A (VHA) é universal e um problema de saúde em todo o mundo. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de casos novos de hepatite A ocorram a cada ano no mundo. É muito comum em áreas em que não há condições satisfatórias de higiene e de saneamento básico. A prevalência e incidência da infecção pelo vírus da hepatite A estão diretamente relacionadas às condições sócio-econômicas de cada região no mundo. A infecção ocorre predominantemente em crianças e tipicamente cerca de mais de 90% ocorre em países em desenvolvimento, sobretudo os países tropicais(35). Nestas regiões de países em desenvolvimento, a maioria da população mostra positividade para anticorpos contra o VHA, sendo maior a incidência da infecção na população infantil. A exposição ao vírus antes dos 10 anos de idade é bastante elevada e a prevalência entre adultos é de cerca de 100%(3). O coeficiente de incidência situa-se acima de 43 casos/ 100.000 habitantes/ano(27). Uma revisão da literatura(6) sobre a prevalência de anti-VHA total em algumas cidades brasileiras mostra padrões variáveis: elevada prevalência nas regiões Norte e CentroOeste, com padrão semelhante aos observados em regiões subdesenvolvidas; e prevalência decrescente da região Sudeste para a região Sul, onde a prevalência na primeira década, mesmo nas populações de mais baixa renda é menor do que a observada na região Norte. Essas observações epidemiológicas sobre a hepatite A no Brasil têm demonstrado que nas regiões mais desenvolvidas o número de crianças susceptíveis está aumentando muito, não só nas classes mais privilegiadas, mas também nas classes Palavras-chaves: Hepatites virais, Prevenção, Exposição, Transmissão, Parenteral, Oro-fecal, Imunização, Hepatite viral humana, Vacinas contra hepatite viral. 164 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA menos favorecidas(6), fato decorrente das melhores condições sanitárias existentes nessas regiões. Em um estudo recente em escolares de três escolas de ensino fundamental, localizadas em três bairros da cidade de Vila Velha (Espírito Santo), onde vivem famílias de renda alta ou média, baixa e muito baixa, a prevalência do anti-VHA total foi, aos 10 anos de idade, respectivamente 9%, 49,1% e 61,7%. Essa mudança no padrão epidemiológico da hepatite A vem ocorrendo em várias outras regiões do mundo, com aumento de adolescentes e adultos jovens susceptíveis, com idade crescente, aumentando o número de casos da doença nesse grupo etário, levantando a discussão da vacinação contra a infecção nessas regiões, tendo em vista que a gravidade da doença é maior em adultos(38, 6). Outro estudo, realizado no Povoado de Cavunge (município de Ipecaetá, Bahia), que dista 168 km de Salvador, capital do Estado, mostrou uma prevalência de anticorpos anti-VHA em 83,3% da amostra estudada. As pessoas soropositivas foram mais freqüentes entre os residentes na área urbana que na área rural e aumentaram proporcionalmente com a idade, tendo as segunda e terceira décadas de vida os maiores percentuais de infecção. O significativo aumento da soroprevalência após os 10 anos de idade sugere que a poluição ambiental seja a maior determinante dessa infecção, uma vez que é nessa faixa etária que ocorre o maior número de contatos extradomiciliares. A área rural apresenta maior precariedade das condições sanitárias e mais baixos índices de desenvolvimento econômico. No entanto, a soropositividade foi maior entre os residentes na zona urbana do povoado, fazendo supor que, pela maior proximidade dos domicílios na zona urbana e o maior acúmulo das deficiências sanitárias, esses tenham sido os mecanismos facilitadores da disseminação do VHA(3). Transmissão e fatores de risco A hepatite A é transmitida através da via fecal-oral por conta da disseminação pessoa a pessoa ou através da contaminação da água ou alimentos. O VHA (vírus da hepatite A) é excretado nas fezes cerca de uma semana antes de começar os sintomas. Raramente é transmitida via parenteral devido ao curto período de viremia, embora já tenha sido detectado em usuários de drogas(40). A transmissão via contato sexual é rara, porém, pode ocorrer principalmente entre homossexuais masculinos(10), e aqueles participantes de práticas sexuais oro-anais. Podem aparecer surtos epidêmicos devido às características da disseminação do vírus A, através de alimentos contaminados, frutos do mar, alimentos crus, ostras cruas, manipulação de alimentos por portadores do vírus, águas poluídas e contaminadas. Podem aparecer surtos epidêmicos em creches, orfanatos, instituições para deficientes mentais, acampamentos infantis, e também em catástrofes naturais e guerras civis, devido, principalmente, a uma elevada contaminação da água. A transmissão em ambiente hospitalar e os profissionais na área de saúde poderão adquirir o vírus, principalmente para aqueles que trabalham na área de pediatria. Trabalhadores de laboratórios que manipulam o fígado infectado pelo VHA correm o risco de infecção. Portadores de doenças crônicas do fígado ou distúrbios da coagulação sanguínea (e.g., hemofilia) também fazem parte do grupo de maior exposição(22). As hepatites não são transmitidas através do contato casual. É permitido apertar as mãos, abraçar ou beijar alguém infectado com hepatite viral, desde que as condições de higiene e ambientais sejam adequadas. O controle sanitário, além do saneamento básico, é fundamental para evitar a transmissão do vírus. Devem ter maior cuidado para não adquirirem a infecção viral os viajantes e as pessoas que trabalham em áreas de maior endemicidade(22). Patogênese e curso natural O vírus da hepatite A é um vírus RNA da família dos picornavírus, que tem um período de incubação de 15 a 45 dias, com média de 28 dias, período de maior infectividade da doença. A maioria dos indivíduos infectados desconhece terem tido contato com vírus da hepatite, e irão eliminar conforme a sua imunidade o vírus, mas curando-se da infecção. O VHA não persiste por mais de 5 meses e, portanto, não cursa com forma crônica da doença(2). Não existe tratamento específico para hepatite A e o quadro é agudo. O indivíduo cura-se por si próprio em poucas semanas ou meses sem nenhum efeito mais grave. Uma vez recuperado, o indivíduo está imune devido à presença de anticorpos IgG, podendo conviver com a presença do VHA. É considerada a menos ameaçadora das hepatites, pois geralmente não causa danos no fígado, não evolui para a cronicidade e 99% dos infectados se recuperam completamente(22, 41, 12). Alguns casos podem apresentar forma prolongada da doença, ou recidivar por cerca de 6 a 9 meses, sendo essa ocorrência principalmente em pessoas adultas. O risco de hepatite fulminante é muito raro (0,01-1%), porém aumenta com a idade e se houver doença hepática pré-existente. Aqueles acima de 40 anos de idade correm o risco potencial de morte em cerca de 1%(8). Crianças geralmente não têm sintomas. Os adultos podem ficar doentes subitamente, apresentando icterícia, cansaço, náuseas, vômitos, dor abdominal, urina escura, fezes claras e febre. Uma pessoa infectada pode transmitir o vírus para outras cerca de duas semanas antes dos sintomas aparecerem. Os sintomas desaparecerão durante um período de 6 a 12 meses até a completa recuperação, mas geralmente não duram mais de 30 dias(22). O médico não pode diferenciar a hepatite A das outras hepatites virais baseado apenas no quadro clínico. A única maneira para diagnosticar VHA é fazer um teste sanguíneo para pesquisar anticorpos IgM anti-VHA. Na maioria das pessoas estes anticorpos tornam-se detectáveis 5 a 10 dias antes do início dos sintomas e podem persistir por mais de 6 meses após a infecção(22, 16). Os anticorpos anti-VHA do tipo IgG denunciam infecção passada, e são úteis em inquéritos epidemiológicos. Profilaxia Na atenção primária à saúde, ou seja, atenção primária que envolve equipe de saúde multidisciplinar: médico, enfermeiro, dentista, técnicos de enfermagem e agentes de saúde, e que vão estar diretamente ligados à população, quer seja através do Programa de Saúde da Família, ou em domicílios, unidades de saúde (postos e centros de saúde), unidade hospitalar, escolas, creches, acampamentos infantis e de adultos, estes devem estar prontos e atentos para a prevenção ou profilaxia da hepatite A(33). As equipes devem observar nas visitas realizadas em domicílios, as condições sócio-econômicas e ambientais, a situação do saneamento básico, tratamento da água, observar locais de dejetos (fezes e urina), sanitários (vasos, torneiras, fossas, etc.), o aspecto de higiene e limpeza do local, cuidados na seleção, higiene e preparo dos alimentos. Observar reservatório de água: existência de água tratada, fervida ou filtrada. Observar controle da água de poços, rios, riachos, poças, açudes, reservatórios em tanques e tonéis, etc(34). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Orientar a toda a população em relação aos riscos de contaminação e disseminação do VHA, promovendo discussões com a população, individualmente ou coletivamente, principalmente nas populações de maior risco de prevalência da doença, palestras em unidades de saúde, escolas, creches, hospitais, acampamentos, principalmente no interior do território brasileiro(16). As equipes de saúde poderão orientar a população aos cuidados íntimos de higiene, cuidados mínimos como a lavagem das mãos com água e sabão freqüentemente (principalmente após usar o banheiro), com a higiene pessoal dos adultos, idosos e crianças, inclusive em creches, escolas e ambiente de confinação. Devem também orientar as pessoas para que estas evitem contato com material fecal, dejetos fecais, em esgotos, em rios, riachos, fontes, poças, chamando a atenção para aqueles que trabalham nessas áreas, lavadeiras, pescadores, adultos e crianças em atividades esportivas e de lazer, população flutuante como viajantes, turistas, etc. Em áreas de grande endemicidade recomenda-se medidas gerais de higiene: além da lavagem de mãos, cuidados com a água, frutas e verduras cruas e mariscos inadequadamente cozidos(2, 22, 38, 16). Orientar os profissionais que trabalham no preparo, confecção e embalagem dos alimentos, em relação à higiene, controle e qualidade dos alimentos evitando a contaminação pelo vírus da hepatite A (o vírus é inativado pela fervura durante 20 minutos, cloração, luz ultravioleta e por formalina a 1:4000)(38). Esses profissionais devem ter exame médico periódico, inclusive o controle e a realização de marcadores de hepatites virais. O Ministério da Saúde disponibiliza para as unidades básicas de saúde a vacina contra o vírus da hepatite A. Além disso, os casos de infecção pelo VHA devem ser notificados pela unidade de saúde, através do profissional responsável pelo cuidado ao paciente(30, 2). Vacina e Imunoglobulina A vacina, feita de partículas inativas do VHA (sintético), é de alta eficácia na prevenção da hepatite A e é recomendada a pessoas que apresentam risco elevado de adquirir a infecção, de transmitir o vírus, de apresentar formas graves da doença e no controle de surtos epidêmicos (Quadro 1). Entretanto, sua segurança quando dada durante a gravidez não está determinada. A dosagem e a programação recomendada varia com a idade do paciente. A imunização de crianças e adolescentes consiste de 2 ou 3 doses da vacina. Os adultos precisam de adicional, de uma dose 6 a 12 meses após a dose inicial da vacina. A vacina fornece proteção por aproximadamente 4 semanas após a primeira dose; a segunda dose protege por um período maior, acima de 20 anos(22). Além da infecção pelo VHA poder ser prevenida pela vacina, os sintomas podem ser evitados pelo uso de imunoglobulina. A imunoglobulina para hepatite A, foi desenvolvida nos Estados Unidos a fim de oferecer imunização passiva contra a infecção. A administração é intramuscular, e se antes da exposição, previne 85% a 95% dos casos. Se utilizada uma a duas semanas após a exposição, pode prevenir ou atenuar a doença. Mas, após duas semanas do contato, não apresenta eficácia(38). A dose de imunoglobulina (IG) é baseada no peso do indivíduo, no tempo esperado de exposição e se a profilaxia é pré ou pós-exposição (Quadros 2 e 3)(18). A imunização para aqueles que trabalham nas unidades básicas de saúde é fundamental, principalmente os que residem no interior e estarão expostos e com maior freqüência a infecção pelo vírus A(33, 34). A imunização em massa para toda a população é inviável 165 em todo o mundo, devido ao seu elevado custo, mas devem ser imunizados todos aqueles considerados como grupos mais expostos aos riscos de infecção. Deve ser recomendada aos viajantes para áreas endêmicas, homossexuais masculinos, usuários de drogas venosas, pacientes com hepatopatia crônica e pessoas que trabalham em ocupação de risco de adquirir infecção(23). A profilaxia na pré-exposição se faz através de vacina que poderá dar proteção de imunidade até 20 anos. O Brasil, conta com as vacinas (inativadas) HAVRIX (SmithKline Beecham Biologicals) e VAQTA (Merck e Sharp Dohme), em apresentações para crianças e adultos, e de aplicação intramuscular. As doses recomendadas de acordo com a idade e o esquema a ser utilizado estão especificados no Quadro 4(18). A potência da HAVRIX é expressa em unidades ELISA (EL.U) e da VAQTA em unidades (U). As duas vacinas são altamente imunogênicas e possuem grande eficácia, induzindo soro-conversão em 90% a 98%, após uma dose e, em 100% após duas doses. Os níveis de anticorpos considerados protetores persistem pelo mínimo até seis anos em adultos e, se estima que a proteção pode persistir até por 20 anos. Alguns poucos estudos demonstram que a vacina pode ser administrada com outras vacinas (e.g., em viajantes). Efeitos adversos graves, após a aplicação da vacina, não têm sido descritos(19, 38). HEPATITE B Epidemiologia A infecção pelo vírus B da hepatite é outro problema de saúde mundial. Estima-se que 5 milhões de casos de hepatite B aguda ocorram anualmente em todo o mundo. A prevalência e a incidência da infecção pelo vírus B variam bastante entre as diferentes áreas do planeta(20). Essa prevalência tem sido reduzida em países onde já se implementou a vacinação, porém ainda permanece elevada em populações com elevado risco de exposição e em países onde não se controlou ainda a transmissão vertical e horizontal intradomiciliar. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, dois bilhões de pessoas já tiveram contato com o vírus da hepatite B (VHB), tornando 325 milhões de portadores crônicos. No Brasil, aproximadamente dois milhões de pessoas são portadores crônicos do vírus da hepatite B(42, 45). Patogênese e curso natural O vírus da hepatite B (VHB) é um vírus DNA da família dos hepadnavírus e é capaz de causar tanto a forma aguda quanto a forma crônica da hepatite. Além disso, está também relacionado ao desenvolvimento do carcinoma hepatocelular, o hepatoma(24). Seu período de incubação é prolongado, podendo variar entre 28 e 160 dias. A infecção pelo vírus B da hepatite pode levar a um entre os quatro cursos clínicos finais: recuperação após infecção aguda, hepatite fulminante, hepatite B crônica ou estado de portador sadio. A velocidade com que a doença progride é determinada por vários fatores, associados ao sistema imunológico e às características do vírus. Além disso, também é fator importante a idade do hospedeiro em que ocorre a infecção(20). Entre os adultos, 90% a 95% dos infectados previamente saudáveis irão eliminar a infecção de forma espontânea, curandose da mesma. Entre os indivíduos infectados, 5% a 10% são considerados portadores-sadios, ou seja, apesar de não desenvolverem doença, têm o poder de transmiti-la para outras pessoas. 166 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Quadro 1. Vacina – indicações na profilaxia pré-exposição. Risco elevado de adquirir a infecção • crianças de áreas endêmicas • receptores de fatores de coagulação • profissionais de creches, orfanatos e atendentes de instituições para doentes mentais • profissionais da área da saúde • homossexuais • usuários de drogas • viajantes e turistas de áreas não endêmicas Risco elevado de transmitir a infecção • manipuladores de alimentos (preparo, confecção e embalagem) Risco elevado de desenvolvimento de doença grave • portadores de doença crônica do fígado • portadores de hepatite B e C que se submeterão à tratamento específico Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18) Quadro 2. IG- Profilaxia pré-exposição. Idade < 2 anos Tempo de exposição < 3 meses 3-5 meses > 5 meses < 3 meses 3-5 meses > 5 meses > 2 anos Profilaxia recomendada IG 0,02 ml/kg IG 0,06 ml/kg IG 0,06 ml/kg a cada 5 meses Vacina ou IG 0,02 ml/kg Vacina ou IG 0,06 ml/kg Vacina Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18) Quadro 3. IG- Profilaxia pós-exposição. Período pós-exposição < 2 semanas > 2 semanas Exposição futura Não Sim Não Sim Idade Todos ≥ 2 anos Todos ≥ 2 anos Profilaxia recomendada IG 0,02 ml/kg IG 0,02 ml/kg e vacina Nenhuma profilaxia Vacina Dose 360 EL.U 720 EL.U 1440 EL.U 25 U 50 U Esquemas 0,1 e 6 meses 0 e 6 meses 0 e 6 meses 0 e 6 meses 0 e 6 meses Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18). Quadro 4. Vacinas inativadas- doses e esquemas recomendados. Vacina HAVRIX Idade (anos) 2 a 18 VAQTA > 18 2 a 18 > 18 Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18). Aproximadamente 70% dos adultos infectados não apresenta sintomas.(42). Entre os 30% restantes, os principais sintomas são fadiga e cansaço, icterícia, febre e dores musculares e articulares. Outros sintomas menos comuns são perda de peso e de apetite, depressão, ansiedade, irritabilidade, dores de cabeça, distúrbios do sono, desconforto abdominal do lado direito, coceiras, enjôos e diarréia(20). Em 5% a 10% dos indivíduos infectados, a doença se tornará crônica.(42). Entre os casos crônicos da doença, 20% a 50% evoluem para a cirrose hepática e, desses, 10% evoluem para o câncer(24). Daí a relevância da uma prevenção adequada e da detecção precoce. Raramente, a hepatite B pode se transformar em uma hepatite fulminante, casos em que, além dos sintomas comuns da fase aguda, aparecem também confusão mental e alterações de coagulação do sangue, representada por sangramentos de diversos tipos. São casos que necessitam de atenção imediata e que podem, em poucos dias, levar à morte(42). Transmissão O vírus B da hepatite está presente em todos os líquidos corporais fisiológicos e patológicos, com exceção das fezes. O vírus pode se disseminar pelo sangue, líquidos corporais, além de secreções como saliva, sêmen, suor, lágrima e leite(24). É importante ressaltar que a hepatite B não é transmitida por alimentos ou água, ou pelo contato casual (aperto de mão, beijo na face, etc.). Desta forma, as rotas de transmissão possíveis são: • Perinatal, de uma mãe infectada para a criança durante o parto, ou seja, transmissão vertical; CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE • Parenteral, aravés de injeções e transfusões (objetos nãoesterilizados, agulhas de tatuagens, equipamentos dentários e outros objetos perfuro-cortantes); • Contato sexual homo ou heterossexual sem proteção(20). O antígeno de superfície do vírus da hepatite B (AgHBs) tem sido detectado no leite de mulheres soropositivas, e é possível que pequenas quantidades de sangue possam ser ingeridas pelo recém-nascido durante a amamentação, a partir de lesões nos mamilos, mesmo que pequenas. No entanto, não há indicação para suspender a amamentação.(25) Grupos expostos ao risco de infecção e profilaxia Considerando as rotas possíveis de transmissão do vírus B da hepatite, os grupos mais expostos à infecção são formados por: profissionais de saúde; usuários de drogas injetáveis. pacientes que em tratamento por hemodiálise; pacientes que recebem transfusões de sangue ou hemoderivados; usuários de piercing, tatuagens, acupuntura; homossexuais e profissionais do sexo(20, 45). Do ponto de vista prático, algumas medidas gerais podem ser adotadas para a prevenção da infecção pelo vírus da hepatite B, principalmente em relação ao contato pessoal íntimo Devem ser observados os cuidados com a higiene pessoal, principalmente com material contaminado com sangue e saliva, como lâminas de barbear, escovas de dentes e toalhas. Em unidades de assistência à saúde, a prevenção da exposição ao sangue ou a outros materiais biológicos é a principal medida para que não ocorra contaminação por patógenos de transmissão sangüínea. Precauções básicas devem ser utilizadas na manipulação de artigos médicohospitalares e na assistência a todos os pacientes, independente do diagnóstico definido ou presumido de doença infecciosa. Recomenda-se o uso de barreiras de proteção (luvas, capotes, óculos de proteção ou protetores faciais) quando for previsto o contato mucocutâneo com sangue ou outros materiais biológicos. Incluem-se ainda as precauções necessárias na manipulação de agulhas ou outros materiais cortantes e os cuidados necessários de desinfecção e esterilização na reutilização de instrumentos usados em procedimentos invasivos. A profilaxia primária, conhecida como profilaxia préexposição, da infecção pelo vírus B da hepatite é realizada, na prática clínica, com o uso de vacinas, recomendadas pela OMS nos calendários de imunização básica, com vistas à erradicação desta doença no mundo. No Brasil, a vacina está disponível nas unidades básicas de saúde e em algumas maternidades e está disponível em algumas situações por recomendação do Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de Imunizações(29). Considerando os grupos mais expostos, é recomendado o esquema vacinal para: menores de 1 ano de idade, a partir do nascimento, preferencialmente nas primeiras 12 horas após o parto; crianças e adolescentes entre 1 e 19 anos de idade; doadores regulares de sangue; portadores de hepatite C; usuários de hemodiálise; poliransfundidos; hemofílicos; pacientes com talassemia; portadores de anemia falciforme; profissionais de saúde; populações indígenas, em todas as faixas etárias; comunicantes domiciliares de portadores do vírus B da hepatite; portadores de neoplasias; pessoas reclusas (presídios, hospitais psiquiátricos, instituições de menores, forças armadas, etc); população de assentamentos e acampamentos; homens que mantêm relações homossexuais ou bissexuais; usuários de drogas injetáveis; pacientes infectados pelo HIV e profissionais 167 do sexo. São comercializadas, atualmente, com os nomes de Engerix e Recombivax. É aplicada por via intramuscular, sendo 1 ml em adultos e 0,5 ml em crianças, divididas em três doses. A primeira dose é indicada ao nascer, sendo a segunda e a terceira doses administradas, respectivamente, 1 mês e 6 meses após a primeira, assim como para o adulto. Quando existe a suspeita (ou a certeza) de contato com o vírus, procede-se a profilaxia pós-exposição. Essas situações compreendem(29, 33): recém-nascidos de mãe AgHbs+, pessoa não vacinada, exposição sanguínea acidental (percutânea ou de mucosa), quando o caso índice for HbsAg+ ou de alto risco, e o profissional de saúde não imunizado contra hepatite B, comunicantes sexuais de caso agudo de hepatite B (administrar até 14 dias do contato) e vítimas de abuso sexual. Nestes casos, é indicada a utilização da imunoglobulina hiperimune contra hepatite B (HBIg), que contém altas concentrações de anticorpos, na dose de 0,06 ml/kg. Deve ser usada dentro de poucas horas após a exposição, associada à primeira dose da vacina contra o vírus B. Esta associação possibilita o início simultâneo da imunização ativa e também a produção de uma imunidade duradoura(29, 33). HEPATITE C Epidemiologia De acordo com a OMS, estima-se haver 170 milhões de pessoas infectadas pelo vírus da hepatite C, aproximadamente 3% da população do planeta. O VHC é quase cinco vezes mais disseminado pelo mundo que o HIV e calcula-se que de três a quatro milhões de novos casos se infectem a cada ano. Nos EUA, a hepatite C tornou-se a principal causa de doença hepática crônica e a indicação mais comum de transplante hepático(13). Esses alarmantes dados fazem da hepatite C um grande problema de saúde pública mundial, uma pandemia. No Brasil, as melhores informações são fornecidas pelos Serviços de Hemoterapia e Bancos de Sangue que fazem testes de triagem em todos os doadores. As prevalências relatadas por esses serviços estão entre 1,4% e 2,3%. Cabe ressaltar, no entanto, que a população analisada pelos serviços de hemoterapia não reflete a população geral, pois a população de doadores geralmente é predominantemente de jovens, do sexo masculino, e presumivelmente saudáveis(15). Em 2003, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), a prevalência de portadores da hepatite C no Brasil foi de 7.332 casos, assim distribuída por região: Sudeste 52,7%, Sul 28,3%, Nordeste 7,4%, Centro-Oeste 7,4% e Norte 4,2%. Dos Estados com maior prevalência de casos destacam-se São Paulo (37,9%), Rio Grande do Sul (15,5%) e Rio de Janeiro (10,7%). O Estado da Bahia soma 2,5% dos casos, dividindo a oitava posição com o Mato Grosso do Sul. Em relação ao gênero, tem-se maior número de casos entre os homens (62,9%). Segundo faixa etária, observa-se maior freqüência entre os de 40 e 59 anos de idade (46,2%), seguida pelos adultos jovens – 20 a 39 anos (39%) e idosos – 60 anos e mais (11,2%)(29, 34). Patogênese e história natural A hepatite C é uma infecção recentemente identificada e de progressão geralmente lenta. Sua maneira de ocorrência e a prevalência na população ainda não estão completamente elucidadas. A doença é causada por um vírus tipo RNA, membro da família Flaviviridae(9). O agente causador da hepatite C foi identificado recentemente, em 1989, dez anos depois da 168 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA descoberta do vírus da imunodeficiência humana (HIV), e infecta cinco vezes mais pessoas que HIV(11). O VHC se apresenta na natureza com vários genótipos diferentes: 1a, 1b, 2a, 2b até 11a. Os genótipos 4, 5a e 6a não ocorrem no Brasil. O genótipo 1 do vírus é mais freqüente e mais resistente ao tratamento(4). O vírus tem também grande poder de mutação, o que torna o desenvolvimento de uma vacina um trabalho dificultoso e remoto. A hepatite C aguda é assintomática em 84% dos casos, fato que dificulta o diagnóstico. O tempo de incubação é de 14 a 160 dias com uma média de 7 semanas, mas a pessoa infectada pode transmitir a doença antes desse período. Os sintomas mais comuns são icterícia, mal-estar geral, febre, náuseas, vômitos e desconforto em hipocôndrio direito, geralmente 2 a 12 semanas após a exposição. Em muitos indivíduos, principalmente em crianças, os sintomas são leves e passageiros, podendo passar por uma gripe ou um distúrbio digestivo(20). O grande fator que leva ao maior destaque da hepatite C é o seu poder de cronicidade. Apenas 15 a 30% das pessoas infectadas pela hepatite C curam espontaneamente, enquanto 70 a 85% desenvolvem hepatite crônica. Aproximadamente 20 a 30% dos portadores da hepatite C crônica desenvolvem cirrose após 10 a 20 anos de infecção, e destes, 1% a 4% evoluem para câncer de fígado(11). Transmissão e fatores associados ao risco de infecção A transmissão da hepatite C faz-se essencialmente por contato com sangue e hemoderivados contaminados com o vírus, colocando sob máximo risco os usuários de drogas injetáveis ilícitas, os politransfundidos, os pacientes submetidos à hemodiálise e os indivíduos que sofrem acidentes perfurocortantes com material contaminado, especialmente os trabalhadores da área de saúde. A transmissão vertical ocorre se no momento do parto houver contato do sangue da mãe com o sangue do filho, dependendo principalmente da quantidade de vírus circulante no momento do parto e co-infecção com HIV, estando nesses casos a taxa de transmissão entre 4,3 a 5%. Entretanto, não há recomendação para que a mulher portadora do VHC não engravide, e não há restrição para a amamentação. A possibilidade de transmissão sexual é uma questão ainda não solucionada, mas tem sido indicada como uma possibilidade concreta em publicações mais recentes, embora constantemente aceita como muito menos provável do que a transmissão do VHB, com risco mais elevado para grupos populacionais intensamente expostos à atividade sexual com múltiplos parceiros e naqueles com Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)(37). Estudos mostram que o ato de cheirar cocaína ou heroína é um fator associado à transmissão da hepatite C, já que usuários de drogas inaladas, em geral, apresentam feridas e sangramentos nas narinas, e o compartilhamento dos “canudos” consegue transmitir o vírus da hepatite C (VHC). Outros grupos mais expostos, apesar de risco menor, são de indivíduos que se submetem à realização de “piercing”, tatuagem e acupuntura. Profilaxia Em decorrência da evolução silenciosa e constante da hepatite C e na ausência de vacina contra o VHC, as medidas de prevenção primária e secundária se tornam fundamentais para controle da doença. A prevenção primária pode reduzir ou eliminar o risco potencial para transmissão do VHC nas seguintes condições: transmissão pela partilha de seringas, transmissão por compartilhamento de instrumentos usados para cheirar drogas, transmissão por sangue ou hemoderivados, transmissão sexual associado à promiscuidade, transmissão por inoculação cutânea por hábitos urbanos (tatuagem, “piercing”, etc.), transmissão ocupacional nosocomial(14). Uma alternativa para conter a transmissão no grupo de usuários de drogas ilícitas é a adoção do programa de Redução de Danos (RD). A RD é uma estratégia da saúde pública que visa reduzir os danos à saúde em conseqüência de práticas de risco. No caso específico do Usuário de Drogas Injetáveis (UDI), objetiva reduzir os danos daqueles usuários que não podem, não querem ou não conseguem parar de usar drogas injetáveis, e, portanto, compartilham a seringa e se expõem à infecção pelo HIV, hepatites e outras doenças de transmissão parenteral. A Redução de Danos tem sido a política prioritária para o desenvolvimento de ações junto a usuários de drogas e são desenvolvidas pelas três esferas de governo e também pelas organizações da sociedade civil. O Ministério da Saúde tem reunido esforços para fortalecer a parceria entre os Programa de Saúde Mental, Programa de Hepatites Virais e o Programa Nacional de DST e Aids objetivando promover a integralidade da atenção e a visibilidade da redução de danos como uma política de saúde publica. A Portaria nº. 1.028 de 4 de julho de 2005 do Ministério da Saúde preconiza estabelecer diretrizes que orientam a implantação das ações e, desta forma, subsidia municípios e estados na manutenção ou implantação de ações voltadas para usuários de drogas. O trabalho de redução de danos, quando iniciado no Brasil, era focado em usuários de drogas injetáveis e foi avançando muito, ampliando seu campo de atuação e concebendo a redução de danos como uma política de saúde. Atualmente é observado o aumento de transmissão da hepatite C entre os usuários de drogas aspiradas. Acreditase que em função de campanhas de educação que mostram os perigos de transmissão de doenças pelo uso de drogas injetáveis, muitos usuários estão preferindo o uso de drogas aspiradas, desta maneira é preciso implementar e ampliar de forma efetiva as campanhas que mostrem também os perigos existentes nessa outra pratica, já que existem perigos ao se compartilhar os “canudos” para aspirar drogas(29). Em Salvador (Bahia), foi iniciado um projeto junto ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1995, com o objetivo de reduzir a disseminação do HIV, dos vírus das hepatites B e C e de outros agentes de transmissão parenteral e sexual entre usuários drogas, com ênfase para os usuários de drogas injetáveis (UDI) e usuários de crack, com extensão para outros segmentos da população. Atualmente, o projeto estabeleceu parceria com o Programa de Saúde da Família (PFS) da Secretaria de Saúde do Município do Salvador(1). A Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti (ARDFC) constitui um Serviço de Extensão Permanente do Departamento de Medicina da Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que incorpora os propósitos de cooperação técnica em prevenção, capacitação pessoal e pesquisa relacionadas ao uso de drogas, vírus da imunodeficiência humana (HIV) e síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), hepatites e outras ISTs, realizando parcerias com instituições que têm promovido a Redução de Danos na Bahia. A mudança de visão dos atendimentos oferecidos aos usuários de drogas aproximandoos dos serviços de saúde através do programa de Redução de Danos (RD) desenvolvido pela FAMEB é referência mundial na minimização dos efeitos relacionados ao consumo de substâncias lícitas e ilícitas. Com uma equipe multidisciplinar (médicos, psicólogos, assistentes sociais), o programa vem CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE reduzindo os percentuais de contaminação por HIV e por hepatite entre os usuários.(1). No que se refere à transmissão por sangue e seus derivados são necessários rastreamento em serviços de hemoterapia e bancos de sangue, garantia de bom funcionamento dos serviços de hemodiálise e rastreamento de doadores de órgãos(26). Os testes para a identificação do VHC entre os doadores só foram implantados nesses locais entre 1990 e 1993. Assim sendo, todas as transfusões realizadas antes deste prazo levaram o risco de transmitir o vírus C. Por esta razão é recomendado que pessoas que receberam sangue ou derivados antes de 1993 devem procurar unidade de saúde para realizar o teste de detecção para hepatite C. Com a introdução dos testes obrigatórios nos serviços de hemoterapia e bancos de sangue, a possibilidade da infecção pelo vírus C caiu drasticamente, de cerca de 15% das transfusões realizadas antes de 1991, para menos de 1% das realizadas após aquele ano(21). Evidentemente, as pessoas que necessitavam de transfusões freqüentes, como os hemofílicos, ficaram mais expostos à infecção pelo vírus C. Para evitar a transmissão sexual em pessoas com múltiplos parceiros, aconselha-se o uso de preservativo. Em relações monogâmicas de longa duração, a probabilidade da transmissão sexual da hepatite C é muito baixa, mas não é nula. O assunto e o risco envolvido devem ser discutidos com o doente e o seu parceiro. O uso de preservativo está recomendado quando o casal tem atividades sexuais que podem resultar em trauma e na presença de ISTs (20). Durante as sessões de tatuagem e colocação de “piercings”, há pequenos sangramentos que ocorrem com a perfuração da pele e, se nesse sangue estiver presente o vírus da hepatite C, a infecção poderá ocorrer. Uma vez feita a opção por colocar um “piercing” ou fazer uma tatuagem, deverão ser adotadas algumas medidas de segurança, como: conferir se o estúdio ou clínica tem autorização de funcionamento expedida pela Secretaria Municipal de Saúde e Vigilância Sanitária do Município e se o documento está afixado no local; verificar se a pele do local escolhido para realizar a tatuagem ou colocar o “piercing” está sadia - sem doenças fúngicas ou bacterianas, queimaduras ou alergias; verificar se o ambiente onde o profissional atua é higiênico; procurar saber como é feita a limpeza e a esterilização dos instrumentos utilizados durante o processo de tatuagem e colocação do “piercing”; presenciar a abertura de agulhas e lâminas descartáveis e conferir o descarte das mesmas em recipientes próprios para esse fim; verificar se os resíduos das tintas utilizadas para a sua tatuagem serão descartados após a conclusão do trabalho a ser realizado no local escolhido para a tatuagem ou colocação do “piercing”; após a colocação do “piercing” ou aplicação da tatuagem, observar se há reações na pele, febre ou outros sintomas. Se isso acontecer, é recomendada a consulta a um médico para avaliação e orientação de como tratar o caso (43). Apesar de todos os avanços em diagnóstico e tratamento, a abordagem após acidentes com instrumentos perfurocortantes (AIPC) deixa bastante a desejar, já que nos casos de infecção por VHC não existe qualquer tratamento disponível no momento. Por isso, a saída reside na profilaxia primária. Existem algumas medidas de prevenção, chamadas Precauções Básicas, que devem ser utilizadas em todos os casos em que a assistência ao pacientes envolva manipulação de sangue, secreções e excreções e contato com mucosas e pele não-íntegra. As Precauções Básicas não dependem do diagnóstico definido ou presumido de doença infecciosa, as quais incluem a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como luvas, máscaras, gorros, óculos de proteção, aventais e botas, para 169 reduzir a exposição ao sangue e outras secreções biológicas, e também os cuidados específicos para manipulação, descarte e expurgo de instrumentos perfurocortantes contaminados. As medidas gerais para prevenção de AIPC incluem: máxima atenção durante a realização de qualquer procedimento; não utilizar os dedos como anteparos durante a realização de procedimento que envolva material perfurocortante; não reencapar agulhas, entortá-las, quebrá-las ou desconectá-las a seringa; não utilizar agulhas para fixar papéis; desprezar agulhas, scalp, lâminas de bisturi, vidrarias e qualquer material perfurocortante em recipiente rígido; não descartar material infectante em lixo comum; o recipiente para o descarte não deve ser preenchido acima do limite de 2/3 de sua capacidade total; vedar o recipiente antes do transporte para o destino final. Como o tipo de AIPC mais comum (dedos perfurados por agulhas) não é evitado pelos EPI, tão importante quanto disponibilizar equipamentos de proteção é promover ações educativas permanentes, que familiarizem os profissionais de saúde com as precauções universais e os conscientizem da necessidade de empregá-las adequadamente(5). No momento em que um AIPC ocorre, é fundamental que as medidas a serem tomadas estejam padronizadas e sejam de conhecimento de todos. Acidentes de trabalho com sangue e outras secreções biológicas potencialmente contaminadas devem ser tratados como casos de emergência médica, mas é importante manter a calma e coordenar as ações. Nos casos de exposição simples à secreção biológica contaminante em pele íntegra, uma boa higiene com água e sabão é o suficiente. Infelizmente, o tipo de exposição mais comum ainda é a perfuração de dedos no ato de reencapar agulhas. Nesses casos, o local deve ser lavado com água e sabão e aplica-se PVP-I ou álcool a 70% por 30 segundos. Após a conduta inicial no sítio do ferimento, devem ser colhidos os dados sobre as condições do acidente, o acidentado e o pacientefonte. Essas informações serão importantes para a abertura de uma CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), para o preenchimento da ficha de notificação da CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar) e para o próprio acompanhamento do acidentado, caso necessário. Se o estado infeccioso do paciente-fonte é desconhecido, testes sorológicos devem ser realizados imediatamente, de preferência após obtenção de consentimento por escrito. A recusa do profissional exposto a um AIPC para a realização de testes sorológicos ou para o acompanhamento deve ser registrada e atestada. A disponibilização das medidas imediatas pós-AIPC é um direito tanto do funcionário quanto do paciente e um dever de toda instituição de saúde, seja ela pública ou privada(7). No convívio social as recomendações gerais são no sentido de não partilhar escovas de dente, próteses dentárias, lâminas de barbear, tesouras e alicates de unhas, ou outros objetos de higiene pessoal que possam conter sangue. Os utensílios potencialmente veiculadores de sangue devem ser de uso exclusivo, tanto no ambiente domiciliar quanto extradomiciliar, a exemplo de salões de beleza e barbearias, locais onde geralmente não se pode atestar a esterilização eficiente dos materiais compartilhados. É importante ressaltar que não existe contágio por abraços, beijos, saliva, espirros, tosse, compartilhamento de copos e talheres ou no contato casual. Futuro Um aspecto fundamental para a prevenção da hepatite C é o desenvolvimento de uma vacina que induza imunidade mediada por células. Atualmente, vacinas para terapia e profilaxia estão em estágio inicial de desenvolvimento(20). 170 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA HEPATITE D Epidemiologia A distribuição e letalidade do vírus causador da hepatite D é mundial, particularmente nas áreas onde há elevada prevalência de infecção do vírus da hepatite tipo B. No Brasil, a região Amazônica, principalmente na parte ocidental, é que tem reportado o maior número de casos (45). Excetuando a região Amazônica, a prevalência de infecção pelo vírus D no Brasil é desprezível, seja em grupos expostos ou na população geral. No entanto, em áreas endêmicas de hepatite B a infecção pelo VHD representa grave problema de saúde pública. A estimativa é de que 18 milhões de pessoas encontram-se infectadas pelo VHD, entre os portadores crônicos do VHB no mundo. O estado de portador crônico do VHB é o principal fator epidemiológico para a propagação do VHD(17, 45). Patogênese e história natural O vírus da hepatite D (VHD), também chamado de vírus “delta” é constituído por RNA e não é um vírus hepatotrópico autônomo, não conseguindo, por si só, infectar o fígado. O VHD depende exclusivamente da ajuda provida pelo DNA do vírus da hepatite B e de seu envelope de proteínas, o antígeno de superfície do VHB (HBsAg), para completar o seu ciclo biológico, ou seja, de replicação, transmissão e infectividade, de penetração e replicação. Por conta disso, a duração da infecção pelo vírus D é totalmente determinada pela duração da infecção pelo vírus B(20). Dependendo da situação do hospedeiro em relação ao vírus tipo B, pode haver co-infecção ou super-infecção. A co-infecção aguda ocorre após exposição a soro contendo VHB e VHD. A super-infecção ocorre no portador crônico de VHB com um novo inóculo de VHD. A doença ocorre 30 a 50 dias mais tarde, sendo a letalidade é mais elevada na superinfecção do que na coinfecção. (24). Na maioria dos casos, o quadro clínico da coinfecção aguda (VHB + VHD) evolui com hepatite aguda benigna. Excepcionalmente, a síntese do VHD torna-se intensa, soma-se aos efeitos ocasionados pelo VHB, e leva a formas fulminantes e crônicas de hepatite. O prognóstico da co-infecção mostra-se benigno, ocorrendo completa recuperação e eliminação dos vírus B e D em 95% dos casos. Na superinfecção pelo VHD em portadores do HBsAg sintomáticos ou assintomáticos, com sinais ou sem sinais sorológicos de replicação do VHB, o prognóstico é bem mais grave. Na superinfecção, o índice de cronicidade é significativamente maior (79,9%) do que na coinfecção (3%), ou na hepatite B clássica(17). Transmissão O modo de transmissão do vírus da hepatite D (VHB) é similar ao do vírus da hepatite B (VHB) e ocorre, principalmente, por via parenteral. Ou seja, exposição percutânea (transfusões, injeções não esterilizadas, objetos perfuro-cortantes), contato através de mucosas e contato sexual(20, 45). Grupos pupulacionais mais expostos e profilaxia Na co-infecção aguda VHB + VHD, são fatores de risco relevantes(17): transfusões de sangue e hemoderivados; uso de drogas injetáveis; tatuagens; ato cirúrgico em áreas endêmicas; atividade de profissionais de saúde; promiscuidade sexual; transmissão vertical (sempre relacionada a infectividade do VHB). Na superinfecção aguda pelo VHD em portadores do VHB, estão mais expostos (17, 45): usuários de drogas injetáveis; prisioneiros; hemofílicos; pacientes hemodialisados; profissionais de Saúde; homossexuais, prostitutas; residentes em áreas endêmicas; contatos familiares e neonatos. Nas áreas endêmicas de VHB, com ocorrência de transmissão do VHD, especialmente no Estado do Acre e região sul do Estado do Amazonas, os contatos familiares parecem ter muita relevância na transmissão, pois foram frequentes dois ou mais casos na mesma família(39). A melhor maneira de se reduzir a taxa de infecção pelo vírus D é a vacinação contra o vírus B da hepatite. No entanto, sua eficácia somente é observada na co-infecção (infecção simultânea do VHB com o VHD), entre indivíduos susceptíveis a infecção pelo VHB. Entre indivíduos portadores crônicos do VHB, residentes em áreas endêmicas de infecção pelo VHD, ou pertencentes a grupos expostos à infecção, a prevenção da superinfecção pelo VHD ainda não conta com uma medida profilática eficaz. HEPATITEE Patogênese e curso natural O vírus da hepatite E (VHE), é um vírus RNA pertencente à família dos Calciviridae. A infecção pelo vírus é auto-limitada e não requer nenhum tratamento. Durante a fase aguda não há peculiaridades clínicas que permitam diagnosticar a hepatite E sem a sorologia específica. O quadro clínico assemelha-se ao de outras hepatites virais, principalmente A, com a ressalva da existência de maior número de formas ictéricas, sobretudo em adultos. Porém, as formas anictéricas predominam, dificultando o diagnóstico da infecção na fase aguda da doença. As taxas mais elevadas de infecção clínica acontecem em adultos jovens (15, 36) . Não há necessidade de medicamentos e nem hospitalização, exceto nos casos de mulheres grávidas ou portadores de doença crônica do fígado. Quando não ocorre a forma fulminante, a doença evolui para a cura espontânea. O período de incubação é de 40 dias, podendo ter variação de 15 a 60 dias. Casos de fatalidade e morte variam de 1% a 3%, e em mulheres grávidas em torno de 15% a 25% (8, 2). À semelhança da conduta adequada às outras hepatites virais, não há espaço para crendices e tabus dietéticos ou repouso exagerado. Deve-se permitir dieta livre de acordo com a aceitação do paciente. Não há casos descritos de hepatite E crônica (41). Habitualmente, a doença apresenta resolução espontânea após 2 a 6 semanas, embora formas colestáticas prolongadas tenham sido descritas (19). O diagnóstico sorológico da infecção pelo VHE se faz através da determinação do marcador anti-VHE (IgG e IgM). O anticorpo IgM encontra-se presente apenas na fase aguda da doença, constituindo-se no exame solorógico de escolha para o diagnóstico da hepatite aguda E. O VHE-RNA pode ser detectado no soro ou nas fezes dos pacientes. No primeiro caso, a detecção se dá no início do período de estado, entretanto, o VHE-RNA sérico desaparecerá rapidamente, pois o período virêmico é, usualmente, curto. No segundo caso, a detecção se faz na fase que antecede a doença propriamente dita, ou seja, fase prodrômica. O VHE-RNA não é rotineiramente utilizado devido ao alto custo e, ainda, pela falta de padronização do teste (36). Epidemiologia O vírus se desenvolve em determinadas áreas geográficas do mundo, principalmente em países em desenvolvimento e com CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE condições sanitárias inadequadas. O reservatório do vírus E nessas áreas é desconhecido (36). Nas populações sadias dos Estados Unidos e Europa, e em áreas não endêmicas de ocorrências não bem documentadas é baixa a prevalência do VHE. A origem dessa infecção nessas pessoas é desconhecida. É elevada a incidência da infecção pelo VHE na Ásia, África e México. Foram reveladas epidemias de hepatite E em áreas de clima quente, e raras em climas temperado. Foram identificadas hepatites pelo VHE aguda no Egito e na Índia (36, 8). Alguns estudos desenvolvidos no norte da Índia avaliaram a prevalência de VHE em crianças e demonstraram que a probabilidade de infecção mostra-se mais elevada na população urbana do que na rural, e que as crianças passam a ser susceptíveis à infecção a partir de um ano de idade(15, 36). No Brasil, a soroprevalência de anti-VHE é de 3,3% na população em geral, sendo de 2,0-7,5% em candidatos à doação de sangue em 4,5% das crianças estudadas. A co-infecção com a hepatite A é de 25-38% na região Nordeste, de 14-18% entre as prostitutas e de 12% entre os usuários de drogas venosas na região Sudeste do Brasil(6). Transmissão e fatores de risco A transmissão do VHE é feco-oral, inclusive pela comum contaminação fecal da água. De maneira semelhante ao VHA, o VHE é excretado nas fezes durante a semana que precede a manifestação clínica da doença, diminuindo significativamente sua eliminação fecal após a primeira semana que se segue à icterícia. A transmissão entre pessoas é mínima. Transmissão sangüínea durante o nascimento não foi demonstrada. Grandes epidemias foram registradas em países da Ásia, África e no México. Adultos jovens na faixa de 20 a 40 anos são mais infectados, mas o prognóstico é bom, e exceto nas mulheres grávidas. Essas desenvolvem uma forma grave da doença, principalmente as gestantes que se encontram no terceiro trimestre de gestação. Foi observada em mulheres grávidas no terceiro trimestre de gravidez letalidade em torno de 25%(41, 29, 34). Não existe até o momento vacina para Hepatite E. Prevenção O maior e principal problema é o controle e tratamento da água para consumo humano sendo esse o grande problema de saúde pública em todas as áreas de elevada prevalência do VHE. Na Atenção Básica a Saúde, observando aqueles que vão trabalhar em áreas de risco, há necessidade de informação e educação da população e aos indivíduos para o cuidado em não contraírem a infecção viral. A população será orientada a utilizar água tratada, filtrada ou fervida, evitar contato com excrementos fecais, evitar o uso de alimentos crus, ostras cruas. Deve ser seguida a mesma orientação para o controle e profilaxia para Hepatite A, apesar de não existir vacina para Hepatite E. Uma maior atenção deve ser dada as pacientes grávidas, e principalmente se no terceiro trimestre da gestação, juntamente com a Equipe de Saúde da Família e o médico-obstetra (33, 34). Melhores condições sanitárias, segurança no tratamento adequado da água são fatores-chaves que poderão erradicar ou diminuir a incidência de VHE em todo o mundo(20). Pelo fato de o anticorpo anti-VHE neutralizar todos os genótipos virais, o desenvolvimento de uma vacina de ampla utilização parece viável. Há estudos em andamento com esse objetivo. Essa futura vacina seria indicada aos viajantes, que se dirigem a áreas endêmicas, e, naturalmente, para as gestantes(36). 171 CONSIDERAÇÕES FINAIS O enfrentamento das doenças transmissíveis endêmicoepidêmicas, como as hepatites virais, é um permanente desafio para a saúde pública no Brasil. As hepatites podem ser agrupadas de acordo com a maneira preferencial de transmissão em fecal-oral (vírus A e E) e parenteral (vírus B, C, D). Com o objetivo de viabilizar a diminuição da incidência, ou mesmo a erradicação das infecções, devem ser considerados os aspectos epidemiológicos e de prevenção, específicos para cada tipo de hepatite viral. A expansão da cobertura vacinal no que se refere à hepatite B, a mais efetiva detecção do VHC por parte dos Serviços de Hemoterapia e Bancos de Sangue e a substancial melhoria das condições sanitárias são fatores decisivos que contribuem para a modificação do quadro epidemiológico das hepatites virais no nosso país. Há que se considerar, entretanto, as grandes disparidades de acesso aos serviços de saúde e a informações, e também as diferenças da situação de saneamento no território nacional. O desenvolvimento da Atenção Básica no Brasil, aliada à crescente discussão a cerca do tema, inserem-se como pontos chaves para a redução do risco de doenças e de outros agravos, visando o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Os procedimentos de cunho preventivo e de promoção à saúde (com busca ativa de doentes, vacinas, educação, medidas para melhorar a qualidade de vida entre outras ações) assumem grande importância no sentido de mudanças no modelo médicoassistencial proporcionando intervenções mais eficazes na saúde em âmbito individual e coletivo. O programa de Hepatites Virais do Ministério da Saúde destaca-se como uma conquista para prevenção e controle das hepatites virais, e deve ser alvo de constante debate e ampliação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ARD-FC Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti. Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Extraído de http://www.medicina.ufba.br, acesso em 1º de fevereiro de 2006. 2. AASLD, The American Association for the Study of liver Diseases. Disponível em www.aasld.org, acesso em 21 de janeiro de 2006. 3. Almeida D, Tavares-Neto J, Queiroz-Andrade M, Dias C, Ribeiro T, Almeida A, Silva-Araújo J, Santanna MA, Paraná R. Soroprevalência de anticorpos contra o vírus da hepatite A em região do semi-árido do Estado da Bahia. GED 24:167-70, 2005. 4. Campiotto S, Pinho JR, Carrilho FJ, Da Silva LC, Souto FJ, Spinelli V, Pereira LM, Coelho HS, Silva AO, Fonseca JC, Rosa H, Lacet CM, Bernardini AP. Geographic distribuition of hepatitis C vírus genotypes in Brazil. Braz J Med Biol Res.; 38: 41-9, 2005. 5. Cardo DM, Bell DM. Bloodborne pathogen transmission in healthcare workers - risks and prevention strategies. Inf Dis Clin North Am 11: 330-346, 1997. 6. Carrilho FJ, Mendes Clemente C, Silva LC. Epidemiology of Hepatitis A and E virus infection in Brazil. Gastroenterol Hepatolol 28: 118-25. 7. CDC. Recommendations for follow-up of healthcare workers after occupational exposure to hepatitis C virus. MMWR 46: 603606, 1997. 8. CDC, US Center for Disease Control. Disponível em ww.cdc.gov./ ncidod/diseases/hepatitis, acesso em 21 de janeiro de 2006. 9. Choo QL, Kuo G, Weiner AJ, Overby LR, Bradley DW, Houghton M. 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Mas, apesar da modificação da dinâmica do consumo de drogas desde a década de 60 com o movimento “hippie”, utilização de drogas como “oportunidade de experimentar, em grupo, novas sensações e chegar-se a novas percepções do universo, da vida, da interioridade humana”, as drogas continuam prometendo “algo a mais” – não apenas o prazer, repudiado pelo ritmo implacável da vida social que se contesta, mais ainda o esquecimento da solidão, do sentimento de vazio e das recordações sombrias, além da liberação de angústia, sofrimento e depressão. Dentro do panorama global do uso e abuso de drogas nas sociedades modernas, recorrer a seu uso pode, dependendo do contexto socioeconômico, ter um sentido diferente como por exemplo o de “tapar a fome” , situação esta que acontece freqüentemente com jovens de subúrbios e favelas, menores abandonados e crianças desnutridas. O uso de solventes, ou inalantes - fáceis de achar ou de roubar - com alto poder de “mistificação”, de indução de uma sensação de “barato” na cabeça e no corpo, apresentam-se como um substituto nefasto da fome e da miséria. Desta forma, o consumo de drogas, mesclado muitas vezes com álcool, faz parte do contexto global da subnutrição, do desemprego e da falta de infra-estrutura sanitária e habitacional. A luta contra o abuso de drogas não pode isolar-se do combate global, de modo que os profissionais que se dedicam ao trabalho preventivo da drogadição, tendo consciência da amplitude do fenômeno, podem e devem elaborar estratégias de intervenção que levem em conta as especificações de cada população-alvo. Importante salientar as peculiaridades dos usuários, não devendo confundir uso com abuso; pois este último termo é associado à dependência química, a qual confronta a inserção social e profissional do usuário. A periculosidade do produto em si é relativa; considerando tão somente a toxicidade da substância, corre-se o risco de esquecer-se de outros fatores, também fundamentais, para a dependência como o indivíduo, sua maior ou menor fragilidade e os seus conflitos; assim como o contexto sóciocultural e econômico. Em termos epidemiológicos, o álcool se destaca como a droga mais consumida e cuja dependência acomete de 10% a 12% da população mundial (CHERPITAL, 1993) e 11,2% dos brasileiros que vivem nas 107 maiores cidades do país (CARLIM et al., 2002). A incidência do alcoolismo é maior entre os homens (Fillmore, 1987) e na faixa etária de 18 a 29 anos (EATON et al., 1989) Seguindo-se tabaco, inalantes e medicamentos psicotrópicos, com variações conforme a faixa etária considerada. Além disso, os estudos evidenciam que, ao contrário do que freqüentemente se veicula, as drogas ilícitas (em particular maconha e cocaína) contribuem apenas discretamente para o problema de saúde pública criado pelo abuso de substâncias psicoativas (BUCHER, 2000). Somando-se a isto, as conseqüências do abuso de drogas psicoativas custam ao Brasil o equivalente de, pelo menos, 7,9% do PIB por ano. Custo financeiro este, que acarreta também enorme custo social não quantificável, sob a forma de sofrimento pessoal, familiar, comunitário e institucional (BUCHER, 2000). Levando-se em consideração a abrangência de papéis ocupados pela droga na sociedade, assim como a necessidade de uma abordagem sistêmica do indivíduo usuário, propomos, no lidar cotidiano das equipes de saúde da família, um olhar integral, que possibilite acolher e ouvir estes indivíduos que buscam o serviço: seus medos, Palavras-chaves: Drogas, álcool, alcoolismo, medicações psicotrópicas, solventes, maconha, cocaína, uso e abuso de drogas, acolhimento, atenção domiciliar e comunitária, emergências psiquiátricas. 174 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA dificuldades, relações com a família, trabalho e comunidade, suas demandas individuais para além das demandas externas; assim como uma busca ativa, uma observação mais aguçada da comunidade e dos seus membros através das visitas domiciliares que podem ser realizadas, assim como o acolhimento, por todos os membros da equipe e não somente pelos agentes comunitários. Considerando-se que a atenção domiciliar e comunitária é fundamental para uma visão sistêmica destes indivíduos, olhando-os dentro dos seus contextos de vida, tal abordagem deverá basear-se na compreensão e respeito, de modo que a equipe não reproduza um comportamento repressor, policial e de julgamento. Esta nova relação entre usuário e equipe exigirá dos profissionais uma atitude de maior responsabilização, de modo que o indivíduo seja respeitado em sua autonomia e que a proposta de tratamento tenha como base a negociação, possibilitando a intervenção do usuário. O fortalecimento do vínculo entre a equipe e o usuário, tornando este como agente ativo no seu tratamento, possibilita uma maior adesão e conseqüentemente resultados mais satisfatórios ÁLCOOL O beber é uma ação social inserida num contexto cultural no qual há uma diversidade de modos sociais de ingestão de bebidas alcoólicas: freqüência, característica da bebida, quem bebe e como bebe etc. Desta forma, é importante distinguir o significado de termos como alcoolização, embriaguez, alcoolismo, bebedor, bêbado, embriagado, alcoólatra, alcoólico, alcoolista, alcoólico ativo, alcoólico passivo, etc; porque esses dizem respeito aos graus de tolerância e às atitudes de cada um destes diferentes estados. Em várias sociedades não é o álcool que é condenado, mas o comportamento desviante dos indivíduos (NEVES, 2004). O álcool é uma droga psicoativa que admite - dependendo da dose, da freqüência e das circunstâncias - um uso sem problemas. No entanto, a sua utilização abusiva pode acarretar graves conseqüências, sejam elas orgânicas, psicológicas e sociais. As motivações para o uso/abuso do álcool são diversas pois este é capaz de reduzir a ansiedade, possibilitar efeitos estimulantes/euforizantes ou mesmo anestésicos. Em contrapartida, é também bastante associado à violência, agressividade, desestruturação familiar e profissional (BUCHER, 2000). No Brasil, atribui-se ao álcool o envolvimento em cerca de 60% dos acidentes de trânsito e aparece em 70% dos laudos cadavéricos das mortes violentas (RIBEIRO; MARQUES, 2002a). Na abordagem do paciente alcoolista é imprescindível diferenciar os padrões de ingestão de bebidas alcoólicas principalmente no que tange ao uso nocivo e à dependência. Por uso nocivo entende-se, segundo o CID 10, um padrão uso de substância psicoativa que está causando dano à saúde física ou metal. A síndrome de dependência é definida, também pelo CID 10, como um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de substâncias alcança a prioridade muito maior para um determinado indivíduo que outros comportamentos que antes tinham maior valor. Tal diferenciação é feita tendo em conta que o paciente alcoolista apresenta um espectro de problemas clínicos e diagnósticos para o médico como o tratamento da intoxicação aguda e suporte à abstinência, por exemplo. A avaliação inicial deve priorizar o estabelecimento de um relacionamento terapêutico, a avaliação das necessidades de saúde urgentes e a formulação de um plano de ação para o alcoolismo e os problemas relacionados (GITLOW; PEYER, 1995). Em serviços de atenção primária à saúde, recomenda-se a aplicação de questionários de triagem para determinar a presença de uso nocivo ou de risco, sendo o questionário CAGE (Quadro 1) o mais utilizado. Apesar de não fazer um diagnóstico de dependência, esse indicador detecta os bebedores de risco, para os quais se deve propor uma intervenção ((RIBEIRO; MARQUES, 2002a). Em casos de intoxicação aguda (uso nocivo de substâncias em quantidade acima do tolerável para o organismo), os sinais e sintomas caracterizam-se por níveis crescentes de depressão do sistema nervoso central. Inicialmente, há sintomas de euforia leve, evoluindo para tontura, ataxia e incoordenação motora, passando para confusão e desorientação, e atingindo graus variáveis de anestesia, do estupor ao coma. A intensidade da sintomatologia da intoxicação tem relação direta com a alcoolemia (Quadro 2) no entanto, também sofre interferência de outros fatores como o desenvolvimento de tolerância, a velocidade da ingestão, o consumo de alimentos e alguns fatores ambientais (RIBEIRO; MARQUES, 2002a). Na maioria dos casos, o tratamento farmacológico não é recomendado e a intervenção deve ser feita a partir de 150 mg% de alcoolemia. As medidas gerais de suporte à vida serão tomadas de acordo com os sinais e sintomas apresentados pelo paciente (RIBEIRO; MARQUES, 2002a). A crise de abstinência é decorrente da cessação da ingestão crônica de álcool e ocorre na maioria dos dependentes (70% a 90%) variando de intensidade. É caracterizada por tremores, insônia, agitação e inquietação psicomotora e se dá cerca de 24 a 36 horas depois da última dose. Nos casos leves e moderados, apenas medidas de manutenção geral dos sinais vitais são aplicadas. Nos casos graves, que ocorre em cerca de 5% dos dependentes, a síndrome é autolimitada, com duração média de 7 a 10 dias. A ocorrência de crises convulsivas está presente em 3% dos casos, sendo em geral autolimitadas e não requerendo tratamento específico (RIBEIRO; MARQUES, 2002a). O sintoma de abstinência mais comum é o tremor, acompanhado de irritabilidade, náuseas e vômitos. A intensidade é variável e é mais comum que aconteça no período da manhã. Além dos tremores, são observados hiperatividade autonômica com taquicardia, aumento da pressão arterial, sudorese, hipotensão ortostática e febre (<38ºC).Os critérios diagnósticos para a Síndrome de Abstinência estão apresentados no Quadro 3 (RIBEIRO; MARQUES, 2002a). A gravidade da Síndrome de Abstinência varia e o seu nivelamento pode fornecer subsídios para o planejamento da intervenção imediata. Daí a importância da aplicação de um questionário para a Avaliação da Gravidade da Síndrome de Abstinência (Quadro 4), diferenciando quadros que variam desde apenas alterações psíquicas, como insônia e irritabilidades, até outros marcadamente autonômicos com delirium e crises convulsivas. A síndrome de abstinência nível I (leve a moderada) é marcada por sintomas como tremores, agitação, ansiedade, alterações do humor, da sensopercepção, do relacionamento interpessoal, do apetite, sudorese em surtos, aumento da freqüência cardíaca, pulso e temperatura; representa 90% dos casos e se instala cerca de 24 horas após a interrupção do consumo de álcool. A síndrome de nível II, que se instala cerca de 48 horas após a abstinência alcoólica, representa uma evolução de cerca de 5% dos casos do nível I, e é marcada por sintomas autonômicos mais intensos associados a alucinações auditivas e visuais bom como desorientação temporo-espacial. Com a evolução desta síndrome, em cerca de 72%, instala-se o quadro chamado Delirium Tremens (DM). Esta psicose orgânica CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Quadro 1. Cut down/ Annoyed/ Guilty/ Eye-opener Questionnaire (CAGE). Quadro 2. Níveis plasmáticos de álcool (mg%), sintomatologia relacionada e condutas. Quadro 3. Critérios diagnósticos para síndrome de abstinência do álcool (SAA) ~ OMS. 175 176 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Quadro 4. Clinical Withdrawal Assessment Revised – CIWA-Ar questionário para a Avaliação da Gravidade da Síndrome de Abstinência. é reversível, dura de 2 a 10 dias, cursa com despersonalização, humor intensamente disfórico, alternado da apatia até a agressividade, e apresenta elevado risco de seqüelas e morte para o paciente (RIBEIRO; MARQUES, 2002a). O manejo ambulatorial desta síndrome é menos custoso e proporciona a permanência do paciente em sua vida social e familiar como ocorre no manejo das síndromes de nível I. Na primeira semana, o tratamento consistirá em cuidados gerais e farmacoterapia (Tiamina/dia: 300mg intramuscular e sedativos a depender do caso: Diazepam – 20 a 40 mg/dia/oral ou Clordiazepóxido – 100 a 200mg/dia/oral ou Lorazepam – de 4 a 8 mg/dia/oral). Nas segunda e terceira semanas deverá haver a redução gradual dos cuidados gerais juntamente com a farmacoterapia (Tiamina – 300 mg/dia/oral e diminuição gradual do sedativo). O manejo das síndromes do nível II é mais complexo e necessita de suporte hospitalar e especializado. O detalhamento dos manejos clínicos dos dois níveis encontramse nos Quadros 5 e 6 (RIBEIRO; MARQUES, 2002a). É de grande importância que desde o momento inicial de atendimento seja feito o planejamento terapêutico para o alcoolista, de forma a encurtar o tempo entre a desintoxicação e as intervenções psicossociais, tornando o ambiente menos ambivalente e reduzindo o risco de fuga terapêutica. Embora a motivação interna por parte do paciente seja extremamente importante, uma vez que seu desconforto físico é aliviado, este tende a desenvolver reações de negação e fuga do problema. Neste momento deve-se fornecer ao usuário de álcool fatores motivadores externos, tentando intervir em toda estrutura de suporte social, estabelecendo contatos com pessoas significativas para o paciente (empregadores e familiares) no sentido de envolvê-las desde o inicio no processo de reabilitação (GITLOW; PEYER, 1995). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 177 Quadro 5. Manejo clinico da síndrome de abstinência nível I. Quadro 6. Manejo clinico da síndrome de abstinência nível II. Nesse trabalho de reabilitação (ou melhor, habilitação) psicossocial do paciente torna-se fundamental oferecer diversas modalidades terapêuticas e de acompanhamento. O tratamento psicoterápico, por exemplo, pode fornecer ao paciente apoio emocional e prático, auxiliando no enfretamento dos problemas existentes e no desenvolvimento de novas condutas frente às diversas situações da vida. Não se deve ignorar também a importância da utilização de farmacoterápicos, em casos selecionados, sem perder a noção de que estes não são capazes de substituir o álcool em relação à euforia proporcionada pelo 178 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA mesmo, sendo apenas adjuvantes na remoção de sintomas primários de ansiedade ou depressão, insuficientes, no entanto, para causar uma recuperação efetiva. A proposta seria então a adoção de um tratamento individualizado, atento para a complexidade e multiplicidade de necessidades sociais e fisiológicas existentes, incluindo acompanhamento com visitas domiciliares freqüentes, de forma a encorajar a ressocialização; bem como a articulação com centros de saúde mental (que podem oferecer diversas modalidades de terapia: em grupo, individual, familiar, de reabilitação profissional etc.). Neste contexto deve-se ressaltar a importância da articulação do sistema de saúde com os Alcoólicos Anônimos, onde o paciente poderá buscar apoio humano único e contato com pessoas que passaram por experiências semelhantes, capazes de uma compreensão mais profunda principalmente das questões emocionais (GITLOW; PEYER, 1995). MEDICAÇÕES PSICOTRÓPICAS Após o álcool e o tabaco, as medicações psicotrópicas correspondem às substâncias psicoativas mais consumidas no Brasil. Se considerarmos que ansiolíticos (Benzodiazepínicos – Ex: Diazepam, Lorazepam), barbitúricos (Amilobarbital), anfetaminas (Metilfenidato), anticolinérgicos, anorexígenos e xaropes codeínicos, vendidos em drogarias sob controle apenas das prescrições médicas, ocupam o terceiro lugar (após álcool e tabaco) nas receitas publicitárias, entende-se, ao menos em parte, porque estas substâncias são tão consumidas e comumente subestimadas principalmente pela população leiga, quanto ao seu potencial de uso abusivo (BUCHER, 2000). As drogas ansiolíticas são as mais utilizadas entre os psicotrópicos sendo os benzodiazepínicos os principais (BUCHER, 2000), possuindo mais outras quatro propriedades farmacológicas: sedativos, hipnóticos, relaxantes musculares e anticonvulsivante. As faixas etárias avançadas e o sexo feminino são os que mais recorrem a estas prescrições (RIBEIRO; MARQUES, 2002b). Nos últimos 30 anos, com o surgimento de formulações de ação mais segura e livre de efeitos colaterais, capazes de promover rápido alívio da ansiedade, estas substâncias emergiram como uma saída para escapar de pressões sociais e familiares. De fácil obtenção, são muitas vezes utilizadas por usuários habituais de outras drogas para amenizar os efeitos indesejados destas. Passaram a ser também comumente utilizadas como substitutas da conversa médica, uma solução no “tratamento” de pacientes queixosos, ou apenas considerados difíceis (BUCHER, 2000). Na literatura científica, as posições sobre a prescrição destes medicamentos são muitas vezes antagônicas, em contradição com ampla prescrição por parte dos médicos. Estima-se que 50 milhões de pessoas façam uso diário de benzodiazepínicos sendo responsável por cerca de 50% de toda prescrição de psicotrópicos (Hallfors & Saxe, 1995). Atualmente, um em cada 10 adultos recebem prescrições de benzodiazepínicos a cada ano, a maioria destas feitas por clínicos gerais (HIRSCHFELD, 1993). Apesar de sua aparente segurança, estas drogas, além da dependência psicológica, podem desenvolver uma dependência física (cerca de 50% dos pacientes que as utilizam por mais de 12 meses) (BATESON, 2002), desencadeando, quando da sua supressão uma nítida síndrome de abstinência que começa progressivamente dentro de dois a dez dias a depender da meiavida do medicamento (MILLER, 1995). É importante diferenciar os sintomas de abstinência com os sintomas de rebote que seria o retorno dos sintomas originais para os quais o medicamento foi prescrito, porém numa intensidade muito maior. Além dos sintomas maiores como convulsões, alucinações e delirium, a síndrome de abstinência também provoca tremores, sudorese, palpitações, letargia, náuseas, vômitos, anorexia, sintomas gripais, cefaléia, dores musculares, insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração, inquietação, agitação, pesadelos, disforia, prejuízos da memória, despersonalização/ desrealização. É importante salientar que mesmo doses terapêuticas podem levar à dependência. Não se deve esperar, porém, que o paciente preencha todos os critérios, uma vez que o quadro típico de dependência química não ocorre na maioria dos usuários de benzodiazepínicos (TYRER, 1988). A melhor técnica e a mais amplamente reconhecida como a mais efetiva é a retirada gradual da medicação, estando relacionada ao menor índice de sintomas e maior possibilidade de sucesso (RIBEIRO; MARQUES, 2002b). O suporte psicológico deve ser oferecido e mantido tanto durante quanto após a redução da dose, para que o paciente possa buscar certa autonomia no domínio da própria ansiedade. Deve-se oferecer apoio psicossocial, terapia ocupacional, psicoterapia e psicofarmacoterapia de estados depressivos subjacentes. É importante ajudar que a pessoa distinga entre os sintomas de ansiedade e de abstinência, assim como oferecer suporte por longo prazo (RIBEIRO; MARQUES, 2002b). As drogas estimulantes e anorexígenas, em especial as anfetaminas, são, por sua vez, as de consumo em maior crescimento. Seu mercado é diverso pois abrange três principais tipos de usuários: “o instrumental”, consome com objetivos específicos tais como emagrecer e melhorar o desempenho no trabalho; “recreacional”, usa com intuito de buscar seus efeitos estimulantes; e “os crônicos”, os quais buscam evitar o desconforto dos sintomas de abstinência (OMS, 1997). Além das anfetaminas fabricadas para “uso médico”, nos últimos 20 anos, anfetaminas modificadas têm sido sintetizadas em laboratórios clandestinos para usos “não-médicos” sendo que a mais conhecida e utilizada no Brasil é a 3,4 metilenedioximetanfetamina (MDMA), o “ecstasy”, muito identificada com os “clubbers” e suas festas, conhecidas como “raves”. As anfetaminas são capazes de agir sobre as funções de sono e vigília, fome e saciedade, e possuem qualidades estimulantes e euforizantes que facilitam seu uso abusivo. Quando utilizadas de forma abusiva provocam também estados de irritabilidade e nervosismo que levam muitas vezes os usuários a associarem ansiolíticos ou outros sedativos (BUCHER, 2000). Casos graves de intoxicação podem ser acompanhados de agitação e nervosismo, chegando até a desenvolver delírios, principalmente persecutório e auto-referente, e alucinações visuais e auditivas. O tratamento pode ser feito com neurolépticos e benzodiazepínicos (RIBEIRO; MARQUES, 2002c). As principais complicações ameaçadoras à vida na “overdose” por anfetamina são a hipertermia, hipertensão arterial, convulsões, colapso cardiovascular e traumas. Edemas pulmonares e cardiogênicos são possíveis (BUCHER, 2000). Estas drogas têm um alto poder de induzir dependência e de desenvolver tolerância, porém, boa parte destes indivíduos não procura auxílio especializado bem como não há abordagens específicas para estes pacientes (SRISURAPANONT et al, 2000). A Síndrome de Abstinência chega a atingir cerca de 87% dos usuários de anfetamina (CANTWELL; MCBRIDGE, 1998). Sintomas depressivos e exaustão podem suceder períodos prolongados de uso e abuso. Os sinais e sintomas da síndrome CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 179 de abstinência por anfetaminas são: fissura intensa, ansiedade, agitação, pesadelos, redução da energia, lentificação e humor depressivo. O tratamento medicamentoso para a remissão dos sintomas não tem se mostrado promissor tendo preferido utilizar critérios individuais para o tratamento de suporte. Benzodiazepínicos de ação curta podem ser utilizados (RIBEIRO; MARQUES, 2002c). Estes agentes químicos não causam dependência nem física nem psíquica, são substâncias lícitas em sua maioria, e assim o caminho para resolver este problema é a educação através de trabalhadores sociais que sejam familiarizados com o estilo de vida do usuário (BUCHER, 2000). SOLVENTES Diamba, aliamba, bengue, birra, erva, fumo, fumo de Angola, mato, pango, rafi, fininho, baseado, morrão, gongo, malva, fumo bravo, maricas, mariguana, marihuana, namba, jererê, fumo de caboclo, lombra, cangonha, ganja, calunda, bucha, barro... Com tantos vocábulos diferentes, a maconha se configura como a droga ilícita mais consumida no Brasil. O seu uso popular está, muitas vezes, associado à vadiagem, preguiça e marginalidade desde relatos que remetem ao período colonial quando usada pelos escravos africanos para “esquecer as amarguras da escravidão e a saudade da terra dos ancestrais” (BUCHER, 2000). Muitos são os posicionamentos sobre os efeitos da maconha, podendo ser exemplificados por duas posições antagônicas: a moralista e a liberal. Segundo a ótica moralista, são enfatizados os efeitos nefastos da maconha, apelando, por conseguinte, à necessidade de repressão social como única maneira de erradicação deste “mal terrível”. Por outro lado, sob um ponto de vista liberal, entende-se a maconha como um meio, de uso milenar, de o homem experimentar estados alterados de consciência. Para além destas duas vertentes, observa-se que apesar do discurso em torno da maconha como um “problema público”, evita-se relatar que seus efeitos no organismo nunca mataram ninguém, ao contrário do que acontece com muitas drogas lícitas como o álcool, medicamentos e inalantes; ou ilícitas como a cocaína ou os opiáceos (BUCHER, 2000). As complicações agudas mais comuns do uso da maconha são os déficits motores e cognitivos - perda de memória de curto prazo (SOLOWIJ, 1998), podendo desencadear quadros temporários de natureza ansiosa, tais como reações de pânico, ou sintomas de natureza psicótica. Ambos habitualmente respondem bem a abordagens de reasseguramento e normalmente não há necessidade de medicação (VAN OS et al.., 2002). A maconha é capaz de piorar quadros de esquizofrenia além de constituir um importante fator desencadeador aos indivíduos predispostos devendo os pacientes esquizofrênicos usuários de maconha e seus familiares serem orientados quanto aos riscos potenciais (VAN OS, 2002). Os sinais e sintomas decorrentes do uso de maconha são divididos em: euforizantes, físicos e psíquicos. Entende-se como efeitos euforizantes o aumento do desejo sexual, a sensação de lentificação do tempo, o aumento da autoconfiança e grandiosidade, os risos imotivados, a loquacidades, a hilaridade, o aumento da sociabilidade, a sensação de relaxamento, o aumento da percepção das cores, sons, textura e paladar e o aumento da capacidade de introspecção. Os efeitos físicos principais são taquicardia, hiperemia conjuntival (olhos vermelhos), boca seca, hipotermia, tontura, retardo psicomotor, redução da capacidade para a execução de atividades motoras complexas, incoordenação motora, redução da acuidade auditiva, broncodilatação, hipotensão ortostática, aumento do apetite (larica), xerostomia, tosse e midríase. Quanto aos efeitos psíquicos, pode haver despersonalização, desrealização, depressão, alucinações e ilusões, sonolência, ansiedade, irritabilidade, prejuízos à concentração, prejuízo da memória de curto prazo, letargia, excitação psicomotora, ataques de pânico, A inalação voluntária destes produtos surgiu nos países industrializados com a ampla fabricação de colas, produtos de limpeza e cosméticos, entre outros, onde difundiram-se principalmente entre os jovens de grupos marginalizados, como, por exemplo, as minorias raciais. No caso do Brasil, dois perfis principais de usuários podem ser identificados. O primeiro grupo constitui-se de jovens, principalmente estudantes, que utilizam esse tipo de droga como primeira experiência, como forma de romper com as regras. Este grupo é geralmente composto por classes sócio-econômicas mais favorecidas, que utilizam principalmente o loló ou lança-perfume. O segundo grupo engloba uma grande maioria social da juventude pauperizada, que encontra no efeito rápido, porém intenso, dessas drogas uma maneira de evasão da realidade (BUCHER, 2000). Diversos estudos demonstram que o grupo específico das “crianças de rua” utiliza habitualmente, principalmente, a cola. Os autores chamam atenção tanto para os danos orgânicos causados por essas substâncias quanto para o efeito alienante e desmobilizante que esta prática pode exercer entre os jovens. Assim a utilização dessas drogas no Brasil constitui um fenômeno social vinculado a fatores como fome, miséria e o abandono. Os consumidores mais numerosos e importantes são jovens que vivem em condições miseráveis, sem estruturas de suporte sociais ou familiares, que desenvolvem em torno da droga uma forma de organização social, onde buscam prazer, ainda que por curtos instantes (BUCHER, 2000). Clinicamente, os solventes funcionam como depressores centrais (DINWIDDIE, 1998). Seus efeitos intensos e efêmeros estimulam o uso continuado, principalmente em usuários crônicos, propensos a este tipo de uso, além de uma forte probabilidade de desenvolver dependência (RANG, 2001). Existem controvérsias quanto à existência de tolerância e síndrome de abstinência para este tipo de droga. A intoxicação aguda é caracterizada por sensação de euforia e desinibição, associada a ataxias, risos imotivados e fala pastosa durante as doses iniciais. Com a continuidade do uso, surgem manifestações congruentes com a depressão do sistema nervoso central: confusão mental, desorientação e possíveis alucinações visuais e auditivas. Posteriormente a depressão central é acentuada, levando a redução do estado de alerta, incoordenação motora e piora das alucinações. O agravamento do quadro pode levar ao estado de inconsciência, convulsões, coma e até a morte. Os solventes são também depressores cardíacos (ação miocárdica direta) e respiratórios. A ocorrência de traumas associada à sua utilização, está relacionada à incoordenação motora e distraibilidade decorrentes da intoxicação (RIBEIRO; MARQUES, 2002d). As intoxicações graves, com depressão respiratória, coma, arritmias cardíacas e convulsões são emergências médicas e devem receber tratamento imediato segundo procedimentos de rotina. Intoxicações menos graves devem receber intervenções suportivas como manutenção dos sinais vitais, controle da agitação até a estabilização do quadro (RIBEIRO; MARQUES, 2002d). MACONHA 180 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA auto-referência e paranóia e prejuízo do julgamento (RIBEIRO; MARQUES, 2002e). O uso crônico da maconha pode levar a déficits cognitivos, no entanto estes são reversíveis e estão associados ao consumo recente e não ao uso cumulativo (POPE; HUDSON, 2001). Apesar da dependência da maconha vir sendo diagnosticada há algum tempo, ainda se configura bastante relativa. Não há doses formais definidas de tetra-hidrocanabinol (THC, princípio ativo da maconha) para produzir a dependência e, apesar do seu risco aumentar conforme a extensão do consumo, alguns usuários diários não chegam a se tornar dependentes. A maioria não se torna dependente e somente uma minoria desenvolve uma síndrome de uso compulsivo semelhante a outras drogas (ROSEMBERG; ANTHONY, 2001). Da mesma maneira que a dependência, a síndrome de abstinência, apesar de ser reconhecida pela CID 10, também é controversa pois só havia sido descrita em laboratório. É caracterizada por fissura, irritabilidade, nervosismo, inquietação, sintomas depressivos, insônia, redução do apetite e cefaléia. A conseqüência mais grave do uso continuado da maconha é a Síndrome Amotivacional, na qual há um desestímulo do usuário na busca de seus objetivos e das suas atividades cotidianas: estudo, trabalho e esportes (BUCHER, 2000). Os efeitos nocivos permanecem inconclusos e, recomendase que os profissionais de saúde informem seus pacientes usuários sobre os já comprovados efeitos nocivos como risco de acidentes, dependência (para os usuários diários), déficit cognitivo e danos respiratórios (para usuários crônicos) (RIBEIRO; MARQUES, 2002e). COCAÍNA A cocaína, ou a “droga nos anos 80”, ocupa um lugar de destaque entre as drogas ilícitas apesar da sua já conhecida periculosidade. Associada às camadas de elite da sociedade, assim como à circulação em meios social e culturalmente privilegiados, a coca exerce um fascínio crescente nas sociedades ocidentais e a sua grande expansão se relaciona fortemente como os modos de vida das nossas sociedades pós industriais desde o início do século passado (BUCHER, 2000). Atualmente, o seu uso atinge todos os estratos sociais (diretriz) sendo consumida por 0,3% da população mundial sendo que 70% destes consumidores se encontra nas Américas (UNODCCP, 2001). Os usuários habituais elogiam as suas “virtudes”, pois a droga torna-os mais lúcidos e concentrados, melhorando o rendimento no trabalho pela eliminação do cansaço. Elimina também os medos e as inibições, além de estimular a atividade sexual, a sensação de potência e a vivência orgásmica. No entanto, as promessas cumpridas pela droga não são duradouras e os riscos calculados pelo seu uso devem ser contrapostos aos riscos mais perniciosos como da dependência ou “vício”. Os efeitos da cocaína em médio prazo vão se modificando sendo que no início é caracterizado por euforia, estimulação, redução da fadiga e do apetite, excitação sexual, aumento das capacidades mentais e da sociabilidade. Porém, com o tempo, o sentimento generalizado de aumento da energia vital e da sensibilidade, bem como do otimismo, diminuem e cedem cada vez mais à agitação e irritabilidade, à ansiedade, hiperexcitabilidade, insônia, lassidão e modificações nas capacidades de atenção e percepção, além de problemas diretamente orgânicos como a ulceração das mucosas nasais. A tolerância é desenvolvida fazendo com que a dose seja progressivamente aumentada a fim de garantir os efeitos positivos e afastar os negativos (BUCHER, 2000). A periculosidade da cocaína se situa em três níveis: 1. pelas reações bioquímicas e fisiológicas do sistema nervoso e de todo o organismo à presença do tóxico; 2. pelos efeitos psíquicos, seja nas alterações da consciência da “embriaguez cocaínica” aguda, seja nas modificações de caráter a médio ou longo prazo; e 3. por alterações psicossociais ou diretamente sociais, através dos efeitos corrosivos exercidos sobre os laços familiares e grupais, pelo isolamento e marginalização progressivos (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). Nas salas de emergência, a cocaína é responsável por 30% a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas (LANGE, 2001) e 10% comparada com todos os tipos de drogas (CABALLERO, 1999). A população de usuários é extremamente jovem, variando dos 15 aos 45 anos, com predomínio da faixa etária dos 20 aos 30 anos. A cocaína pode se apresentar sob a forma do pó de cocaína, que pode ser cheirado ou inalado diluído em água; crack e merla , que podem ser fumados. Quanto mais rápido o início da ação da droga, quanto maior a sua intensidade e quanto menor a sua duração, maior será a chance para o indivíduo evoluir para a dependência. Tais fenômenos são influenciados pela via de administração. A coca é um estimulante poderoso do sistema nervoso central e um potente anestésico local com ações vasoconstritoras. As complicações relacionadas à cocaína capazes de levar o indivíduo à atenção médica são habitualmente agudas as quais apresentam especificidades a depender da via de administração. As complicações psiquiátricas como quadros agudos de pânico, os transtornos depressivos e os psicóticos agudos são as mais comuns (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). Os principais sintomas decorrentes do consumo de cocaína são o aumento do estado de vigília, euforia, sensação de bem estar, autoconfiança elevada, aceleração do pensamento, aumento da freqüência cardíaca, da temperatura corpórea e da freqüência respiratória, sudorese, tremor leve de extremidades, espasmos musculares (especialmente língua e mandíbula), tiques e midríase (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). Dentre as complicações agudas, a mais conhecida é a “overdose” que se caracteriza pela falência de um ou mais órgãos decorrentes do uso agudo da droga. A “overdose” constitui uma emergência médica e requer atenção imediata. Nesta situação, as complicações cardiovasculares são as mais freqüentes, principalmente a angina pectoris. As complicações do sistema nervoso central também são muito importantes, contribuindo para a ocorrência de acidentes vasculares cerebrais entre os jovens (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). O uso da cocaína durante a gravidez está associado ao aparecimento de complicações no concepto, como: baixo peso ao nascer, abortos espontâneos e déficits cognitivos ao recémnascido. Não há evidências de uma síndrome teratogênica (SINGER, 2002). As complicações psiquiátricas como disforia (irritação), ansiedade, agitação, heteroagressividade, sintomas paranóides e alucinações podem ser decorrentes tanto da intoxicação aguda quanto da síndrome de abstinência e são responsáveis pelo aparecimento de uma série de transtornos psiquiátricos agudos e crônicos. Existe uma possibilidade real dos transtornos psíquicos também estarem relacionados a alterações clínicas como distúrbios metabólicos e hipoglicemia ou quadros confusionais desencadeados por infecções devendo ser feito, prioritariamente, uma avaliação clínica inicial geral (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE No contexto da atenção básica, a abordagem do usuário deve ser feita visando prevenir as intoxicações agudas e overdose, situações comuns nas salas de emergência. A atenção continuada ao usuário de cocaína poderá ajudar no diagnóstico precoce da dependência e encaminhamento para serviços especializados. À equipe de saúde da família cabe o papel de articuladora na reconstrução das relações e suporte psicossocial, buscando integrar este indivíduo ao seu meio e “substituindo” a dependência à droga por novos laços afetivos. As situações de emergência provavelmente ocorrerão e a equipe deverá estar preparada para contorná-las. O conhecimento prévio do paciente, através das visitas domiciliares, ajudará consideravelmente a capacidade de poder contratual entre a equipe e o paciente, de modo que este possa ser tranqüilizado e medicado, dando suporte clínico necessário e enfocando uma abordagem voltada para a realidade do paciente, do seu contexto de vida, sem repressões e julgamentos. Nos quadros em que há inquietação de natureza ansiosa pode-se administrar um benzodiazepínico por via oral (1 comprimido de diazepam 10 mg ou clordiazepóxido 25 mg). Casos de extrema agitação podem requerer a administração de benzodiazepínicos mais sedativos por via intramuscular (midazolam 15 mg) (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). Os sintomas psicóticos (delírios paranóides, alucinações) podem desaparecer espontaneamente após algumas horas (ao final da ação da droga). Agitações extremas decorrentes destes sintomas podem necessitar sedação, sendo os benzodiazepínicos intramusculares (midazolam 15 mg) os mais indicados. Nas situações graves, os neurolépticos podem ser utilizados, principalmente o haloperidol 5 mg. Os neurolépticos fenotiazínicos, tais como clorpromazina e a levomepromazina, devem ser evitados, pela redução significativa que provocam no limiar de convulsão (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). A medicalização consiste numa parte da abordagem ao usuário de cocaína, sendo utilizada principalmente nas intoxicações agudas. Até o momento, nenhum medicamento mostrou-se eficaz para proporcionar alívio aos sintomas de abstinência, nem para diminuir o comportamento de busca da substância, estando tais condutas norteadas pela prática clínica (RIBEIRO; MARQUES, 2002f). A melhor abordagem a ser realizada será aquela que considerará a complexidade do indivíduo, seu meio e subjetividade proporcionando o estabelecimento do vínculo com a equipe e o acompanhamento continuado deste paciente. COMENTÁRIOS FINAIS A abordagem ao usuário de drogas na atenção básica requer muito mais do que conhecimentos técnicos e farmacológicos. O Programa de Saúde da Família traz a possibilidade de atuação da equipe no mesmo território do usuário de drogas, promovendo uma visão mais complexa dos processos que influenciam o abuso e dependência. Dentro de uma perspectiva multifatorial, o uso, abuso e dependência de substância não constituem, necessariamente, uma doença mental. Mais profundamente, estes podem ser entendidos como conseqüência de uma série de pressões e repressões que a vida em sociedade impõe. Nas histórias pessoal, familiar, profissional dos usuários podem ser encontrados indícios do que levou o paciente a buscar nas drogas uma forma de evadir da realidade. Fatores biológicos (como os genéticos, por exemplo) são apenas parte de um cenário múltiplo. 181 O acompanhamento contínuo, através da busca ativa destas pessoas, além de uma abordagem na família, a qual majoritariamente encontra-se desgastada no convívio com usuários de drogas, deverão ser o foco central do tratamento, buscando-as no seu meio social, de modo a apóia-las e respeitalas. O restabelecimento da saúde pressupõe um total engajamento do paciente no seu processo de livrar-se da dependência assim como a abertura de novas alternativas que possibilitem a sua reconstrução social. Para tal, a equipe de saúde da família deverá atuar integrada não somente com relação aos seus membros mas buscando articular-se com outros setores como escolas, associação de moradores, instituições de saúde especializadas, universidades etc, de modo que possam ser realizadas atividades educativas que visem a prevenção e promoção com relação às drogas como também estimulando o respeito, tolerância e apoio aos usuários de drogas e suas famílias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. SCHIMIT, M.D.; LIMA, M.A.D.S. Acolhimento e vínculo em uma equipe do Plano de Saúde da Família. Cad.. Saúde Pública, v.20, n.6, p.1487-1494, nov.-dez. 2004. 2. RIBEIRO, M.; MARQUES, A.C.P.R.; Abuso e dependência de Álcool, Projeto Diretrizes. AMB/ABP, 2002a. 3. RIBEIRO, M.; MARQUES, A.C.P.R. Abuso e dependência da Benzodiazepínicos, Projeto Diretrizes. AMB/ABP, 2002b. 4. RIBEIRO, M.; MARQUES, A.C.P.R. Abuso e dependência da Anfetaminas, Projeto Diretrizes.. AMB/ABP, 2002c. 5. RIBEIRO, M.; MARQUES, A.C.P.R. Abuso e dependência da Solventes, Projeto Diretrizes. AMB/ABP, 2002d. 6. RIBEIRO, M.; MARQUES, A.C.P.R. Abuso e dependência da Maconha, Projeto Diretrizes. AMB/ABP, 2002e. 7. RIBEIRO, M.; MARQUES, A.C.P.R. Abuso e dependência da Cocaína, Projeto Diretrizes. AMB/ABP, 2002f. 8. COSTA, H. Política de Atenção Integral. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. 9. BUCHER, R. Drogas e Drogadição no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. 10. GITLOW, S.E.; PEYSER, H.S. Alcoolismo: um guia prático de tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 11. NEVES, D.M. Alcoolismo: Acusação ou Diagnóstico. Cad. Saúde Pública , v.20, n.1, p.32-35, jan.-fev. 2004. 12. BRASIL. Ministério da Saúde. Humaniza SUS – Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco: um paradigma éticoestético no fazer em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 13. RANG, H.P.; DALE, M.M.; RITTER, J.M. Farmacologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. 14. CHERPITEL, C. 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SINGER LT, ARENDT R, MINNES S, FARKAS K, SALVADOR A, KIRCHNER HL, et al. Cognitive and motor outcomes of cocaine exposed infants. JAMA 2002; 287:1952-60. III.8 CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE O PROFISSIONAL DE SAÚDE E O ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Arlúcia de Andrade Fauth Allann da Cunha Carneiro Carina Santos Rios Gustavo Carneiro Gomes Leal Júlio César de Oliveira Leal Liana Santos Alves Peixoto Tiago Souza de Almeida INTRODUÇÃO Embora existam poucos dados epidemiológicos sobre o adolescente usuário de drogas, estudos indicam que nessa população, a ocorrência de alterações de comportamento e problemas psicológicos, é maior que entre adultos. O uso precoce é o mais perigoso e quanto mais cedo a intervenção, maior a possibilidade de redução de danos. As pesquisas em salas de emergência revelam que entre populações de jovens mesmo entre usuários ocasionais, o álcool relaciona-se a 50% das ocorrências, (8). Além disso, o uso de drogas associa-se a inúmeras complicações, desde acidentes de trabalho a violência, complicações clínicas como câncer e cardiopatias e desenvolvimento de dependência. Apesar desse quadro bem estabelecido, estudos internacionais têm demonstrado que apenas 5% a 10% das pessoas com problemas por uso de substâncias procuram tratamento especializado (30). Outras pesquisas informam que aproximadamente 20% das pessoas que procuram a rede de cuidados primários de saúde têm problemas por uso de drogas (4). Indivíduos com transtornos por abuso de substâncias têm duas vezes mais chance de procurar os serviços primários de Saúde do que aqueles que não apresentam tais problemas (4) Em nível nacional, trabalhos realizados nas enfermarias do Hospital-escola da faculdade de medicina da UNESP encontraram taxa de 17% de homens internados por outros diagnósticos com patologia sugestiva de dependência a álcool, mas um número mínimo havia sido diagnosticado como portador dessa e na ocasião do estudo apenas um havia sido encaminhado a tratamento por esse quadro (12). O Programa de Atenção Básica 2005 da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, preconiza, seguindo a NOAS nº. 01/2002 “as medidas preventivas em DST/AIDS, gravidez na adolescência e abuso de substâncias psicoativas”. Nesse contexto e após todos os elementos anteriormente citados, é possível afirmar que a capacitação dos profissionais de saúde envolvidos em tais cuidados é um elemento fundamental. AEVOLUÇÃO DO TERMOADOLESCENTE Adolescente é um termo relativamente recente. As “dificuldades e tensões” que existem hoje nos adolescentes, é algo que nunca foi refletido nas sociedades primitivas, portanto nunca houve um equivalente para a adolescência naquela época. A palavra adolescente aparece na língua latina como adolescer que significava crescer, e o termo adulescens para simbolizar o “crescendo”. Naquela época tal termo designava a faixa etária dos 17 aos 30 anos. Após alguns séculos o “crescendo” vai ser a partir dos 15 anos, utilizando-se a evolução fisiologia e cronológica do sujeito. Por volta de 1870, surge nos dicionários definitivamente o conceito de adolescente, mas ainda correspondendo a uma faixa etária de 14 e 25 anos. (28). No século XX, a adolescência se destaca bem da criança e do adulto, ganhando o status de fase da vida (28), mas o que realmente importa nessa fase são as transformações que as crianças vão passar para se tornarem adultos. É a vida sexual que deixa a infância e se torna adulta, é a puberdade que atua. A adolescência com o passar do tempo, se torna um símbolo bem identificado em diversos campos da cultura e a partir da qual um grupo de certa faixa etária pode se identificar. Esta identificação se torna cada vez mais ampla ao ponto de surgirem novas Palavras-chaves: Substâncias Psicoativas, Adolescência, Atenção Primária, Diagnóstico, Tratamento, Redução de danos. 183 184 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA categorias, os pré-adolescentes. É uma fase, uma passagem, na qual o indivíduo perde a identificação inicial com os pais, e tenta traçar seu próprio caminho. Passa por situações, experiências internas, conflitos, nada tranqüilos diante de um real até então desconhecido. Os Ritos de Passagem e suas importâncias Nas sociedades primitivas, os ritos de passagem inseriam o jovem em um modelo que fazia sentido diante de suas mudanças típicas da idade. Assim, apesar de se depararem com a estranheza de seu próprio corpo em transformação, os modelos forneciam um modo do jovem se identificar e se posicionar. Já na modernidade, com a massificação de modo de vida dos indivíduos, principalmente nos centros urbanos, o rito perdeu seu significado e, para compensar sua falta, surgiram os equivalentes para o mesmo que se multiplicam sem cessar. Como os ritos de passagem perderam sua força e não fornecem mais os modelos, e na presença da massificação das ações, fica conflituoso para o sujeito se posicionar – Não sou adulto, nem sou criança, cresço ou continuo na adolescência? Nesse caminho de ser único, o adolescente então parte da referência, que é o símbolo do Pai, e vai tentar ir além deste Pai. Tentará ser alguém no mundo, alguém diferente do que o seu pai foi, e um ser responsável. Em um mundo com falta de modelos, fica mais difícil sua trajetória, porém o obriga a um contato maior e diferenciado em sua cultura. A DROGAE OADOLESCENTE A droga surge bastante evidente nessa fase – a adolescência. Ela fornece laços sociais, com um grupo, no período em que o indivíduo busca ser diferente do que seus pais foram – isto é o “uso adolescente”. Apesar de separar-se do que foi seu Pai, paradoxalmente torna-se alienado a um grupo que muitas vezes se organiza em torno da droga. Desta forma, para alguns jovens, a adolescência representa um tempo da vida onde a droga pode fazer um papel social temporário. Ao invés do(a) jovem ocupar seu lugar na sociedade, se assume como um viciado(a), se identificando enormemente com o termo. Torna assim a droga à causa dessa sua forma de vida, se eximido da busca da responsabilidade. É dessa forma que nos últimos tempos, a passagem da infância para a fase adulta tem sido cada vez mais difícil. O indivíduo permanece cada vez mais nessa fase, envolto em um mundo de consumo extremamente prazeroso, e que não fornece um modelo para sua passagem à idade adulta. Em suma, a adolescência configura-se como um período de certa vulnerabilidade para o sujeito, pois este se encontra imerso em uma situação de transição em que novas responsabilidades e papéis são assumidos, ocasionando algumas vezes conflitos e indagações. Assim sendo, nessa etapa da vida, há uma a probabilidade dos sujeitos experimentarem substâncias psicoativas, culminando, em alguns casos, em dependência ou pelo menos abuso. Um bom profissional da saúde, no exercício da atenção primária à saúde, não pode relevar esses casos. Para isso ele deve ser preparado para conseguir diagnosticar ou prever de forma simples e eficaz o abuso de substâncias psicoativas por seus pacientes e também conseguir identificar possíveis transtornos que possam estar relacionados a essa dependência. Essa análise por parte do profissional deve ocorrer em todos os seus atendimentos, não somente nas consultas direcionadas ao problema, pois na maioria das vezes os jovens relutam ou não conseguem reconhecer que têm problemas com substâncias psicoativas e que precisam de ajuda. Por exemplo, nos casos de co-morbidade entre dependência e transtornos psíquicos, a grande maioria procura auxílio para os transtornos mentais e não para o abuso de drogas, mas cabe ao profissional fazer o diagnóstico duplo (3). Como diagnosticar o envolvimento com drogas? Há diversas maneiras de se diagnosticar o envolvimento do (a) adolescente com substâncias psicoativas. A melhor é através de um bom diálogo, não apenas com a pessoa, mas com seus familiares, amigos e outros profissionais de saúde que já tenham trabalhado com o mesmo (3). A conversa com o sujeito deve acontecer de forma a deixá-lo confortável com o assunto, pois é comum a resistência e até dissimulação nessas situações. Caso um bom contato seja estabelecido, é importante questionar sobre os tipos de drogas utilizadas, assim como a freqüência e a quantidade (3). Além do diálogo, para a identificação da substância utilizada, devem-se observar também os sintomas físicos e psicológicos. Existem sinais e comportamentos clínicos característicos de cada classe de substância. Drogas e utensílios encontrados com o paciente também devem ser levados em consideração além de exames toxicológicos de sangue e urina caso seja disponível (3). O diagnóstico principal deve ser feito em função da droga que mais contribui para o quadro clínico do adolescente. Outras drogas devem ser incluídas no diagnóstico caso se evidencie que elas também representam uma ameaça significante à saúde do adolescente. É necessário que o profissional de saúde conheça alguns dos principais transtornos que acometem os usuários de drogas. A seguir, tem-se um resumo da classificação utilizada pelo CID10 (Classificação Internacional de Doenças 10) (21): Intoxicação aguda: estado em que o usuário permanece temporariamente após o uso da substância, caracterizado pelas alterações relativas a cada droga, é a chama “onda” ou “viagem”. Em alguns casos pode haver complicações na intoxicação aguda causando lesões como traumatismo, aspiração de vômito, delirium, coma e convulsões. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIAGNÓSTICO Uso nocivo para a saúde: simplesmente um padrão de consumo de uma droga que seja prejudicial a saúde, tanto de forma física (e.g. danos ao septo nasal devido ao uso de cocaína), quanto psíquica (depressão decorrente do uso abusivo de álcool e outras drogas). Aqui nesse caso se inclui o conceito de abuso de substância psicoativa. O correto diagnóstico de uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas acometendo adolescentes é de extrema importância, pois, além do prejuízo causado diretamente pelas drogas, vários outros problemas graves podem estar relacionados, como transtornos mentais e comportamentais (10). Síndrome [estado] de abstinência: conjunto de sintomas decorrentes da cessação do uso de uma substância psicoativa que o paciente vinha consumindo por tempo prolongado. Os sintomas, o início e duração da crise dependem da droga e da dose que era utilizada. Pode haver complicações com a ocorrência de convulsões e delirium. CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Transtorno psicótico: caracteriza-se pelo surgimento de fenômenos psicóticos (alucinações, paranóia, agitação, medo intenso etc) durante ou logo após o uso da droga, mas que não são explicados pelos efeitos habituais da substância usada ou pelos efeitos da síndrome de abstinência. Síndrome amnésica: caracterizada por transtornos da memória. Habitualmente a memória imediata está normal, a memória remota está relativamente prejudicada e a recente é a mais afetada. Transtorno psicótico residual ou de instalação tardia: transtorno caracterizado pelas alterações causadas pela substância psicoativa que persistem além do período no qual essas manifestações podem ser consideradas como um efeito direto da substância. Dependência e Abuso A síndrome de dependência se caracteriza por um conjunto de fenômenos mentais, comportamentais e fisiológicos, decorrente do uso repetido de uma substância psicoativa, que causam desejo poderoso de consumir a droga. Esse desejo leva a que o (a) jovem não consiga controlar seu consumo, continuando o uso apesar de saber dos riscos e passar a dar maior prioridade à droga do que a outras atividades prazerosas e obrigações. Pode ocorrer também aumento da tolerância e desenvolvimento de abstinência (Quadro 1). (22) O abuso está relacionado aos problemas decorrentes do uso repetido da substância. Isso é representado principalmente por falha no cumprimento de obrigações, o uso da substância em situações que trazem riscos físicos (e.g. dirigir alcoolizado), problemas com a lei e no seu convívio social. Um indivíduo pode apresentar esses comportamentos mesmo no início do uso da substância, sem ter ainda desenvolvido dependência, portanto se o indivíduo apresenta abuso de drogas não significa necessariamente que ele seja dependente. A identificação de abuso não inclui conseqüências diretas da droga à saúde do indivíduo, como “overdose” ou câncer, portanto não inclui a nicotina e cafeína (Quadro 2) (22) Questionários Existem questionários validados que podem ser usados na identificação de envolvimento com substâncias psicoativas. Esses, de forma rápida e eficaz, identificam o problema e podem ser utilizados por qualquer profissional de saúde durante sua entrevista com o paciente. Apesar de sua alta confiabilidade, estes questionários não devem ser utilizados como ferramenta de diagnóstico, apenas de levantamento e triagem (11,20). Em seguida, um resumo dos principais questionários. CAGE O CAGE é um teste específico para o uso de álcool e reconhecido internacionalmente pela sua praticidade e eficácia (6,20) , e é composto de quatro perguntas: 1. Você já sentiu necessidade de parar de beber ou de diminuir a bebida? 2. Você já se sentiu chateado por pessoas que criticam seu hábito de beber? 3. Você já se sentiu culpado por beber? 4. Você já bebeu álcool de manhã para acordar ou para curar ressaca? Para dar mais naturalidade ao teste, essas perguntas devem ser mescladas com outros questionamentos diversos sobre alguns hábitos da pessoa (e.g., bebidas de refrigerantes, café ou chá , consumo de chocolate; etc.) ou em uma conversa corriqueira com a pessoa. indicam alcoolismo (6,20). (6) 185 . Duas respostas afirmativas já AUDIT (do inglês: Alcohol Use Disorder Identification Test) É outro questionário específico sobre o consumo de álcool. Composto de 10 perguntas de alternativa, mais completo que o CAGE, porém é mais complexo de ser realizado e por ser mais direcionado também pode causar maior resistência por parte do entrevistado (15). ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test) O ASSIST é um questionário bastante completo que avalia ao mesmo tempo o consumo de diversas drogas: álcool, cigarro, maconha, cocaína, estimulantes, inalantes, alucinógenos etc. Considerando a quantidade de drogas abordada pelo ASSIST esse instrumento é bastante rápido e de fácil aplicação, tornando-o perfeito para aplicação na atenção básica (11), como pode ser visualizado no Quadro 3. Como fazer o Diagnóstico Diferencial? Como foi dito anteriormente, é bastante comum a relação entre abuso de substância e transtornos mentais (10). A ordem de causa e conseqüência pode ser variável, tanto o abuso de substância pode acarretar com problemas mentais, quanto a existência prévia de algum transtorno pode dar início ao envolvimento do jovem com as drogas (3). Os principais transtornos notados em pacientes com abuso de substância são (DSM-IV): Crises de abstinência; Demência; Amnésia; Transtornos psicóticos (delírios e alucinações); Ansiedade; Problemas sexuais e Transtornos no sono. Deve-se estar atento se esses transtornos são decorrentes do abuso da substância ou se já faziam parte de um quadro préexistente. Para isso, deve-se conhecer o histórico da pessoa para saber de sinais anteriores ao período de envolvimento com a substância e observar se há manutenção dos transtornos após suspensão do uso da droga. Na maioria das vezes, essa diferenciação é bastante complexa, sendo muito recomendada a atuação de um psiquiatra nesses casos (3). Para se fazer um correto diagnóstico, é necessário conhecer, além dos conceitos, os sinais e sintomas característicos decorrentes do uso e abuso dos diferentes tipos de substâncias psicoativas, como mostrado a seguir: Características clínicas Classificação das drogas As drogas podem ser divididas em 3 categorias de acordo com sua ação sobre o sistema nervoso: estimulantes, depressoras e perturbadoras do sistema nervoso central. Entre as drogas estimulantes estão a cocaína, anfetaminas, nicotina e cafeína, que aumentam a atividade cerebral, deixando a pessoa mais atenta e eufórica. As principais drogas depressoras são: álcool, benzodiazepínicos (tranqüilizantes ou calmantes), barbitúricos (soníferos), opiáceos e inalantes. Estas agem diminuindo a atividade cerebral, possuindo até mesmo propriedade analgésica. A ação da droga torna a pessoa temporariamente desatenta, desconcentrada, lerda e sonolenta. Mescalina, maconha, cogumelo, LSD, ecstasy, anticolinérgicos naturais (lírio) e sintéticos, são algumas das principais drogas perturbadoras, também chamadas de alucinógenas. Essas substâncias agem sobre o sistema nervoso 186 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Quadro 1. Critérios para identificação de dependência segundo o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Critérios para Dependência de Substância Um padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses: (1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: (a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado (b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância (2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos: (a) síndrome de abstinência característica para a substância (b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência (3) a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido (4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância (5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos (6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância (7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool) Especificar se: Com Dependência Fisiológica: evidências de tolerância ou abstinência (isto é, presença de Item 1 ou 2). Sem Dependência Fisiológica: não existem evidências de tolerância ou abstinência (isto é, nem Item 1 nem Item 2 estão presentes). Fonte: http://www.psiqweb.med.br/dsm/subst.html Quadro 2. Critérios para identificação de abuso de substância segundo o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Critérios para Abuso de Substância A. Um padrão mal-adaptativo de uso de substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por um (ou mais) dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro de um período de 12 meses: (1) uso recorrente da substância resultando em um fracasso em cumprir obrigações importantes relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa (por ex., repetidas ausências ou fraco desempenho ocupacional relacionados ao uso de substância; ausências, suspensões ou expulsões da escola relacionadas a substância; negligência dos filhos ou dos afazeres domésticos) (2) uso recorrente da substância em situações nas quais isto representa perigo físico (por ex., dirigir um veículo ou operar uma máquina quando prejudicado pelo uso da substância) (3) problemas legais recorrentes relacionados à substância (por ex., detenções por conduta desordeira relacionada a substância) (4) uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos da substância (por ex., discussões com o cônjuge acerca das conseqüências da intoxicação, lutas corporais) B. Os sintomas jamais satisfizeram os critérios para Dependência de Substância para esta classe de substância. Fonte: http://www.psiqweb.med.br/dsm/subst.html central gerando quadros de alucinação ou ilusão, geralmente de natureza visual. Quadro clínico Drogas depressoras do Sistema Nervoso Central 1. Álcool Os efeitos da ingestão de álcool podem ser notados em duas fases distintas. Inicialmente são notados os efeitos estimulantes como euforia e desinibição, as pessoas ficam mais “soltas”. Com o passar do tempo, começam a aparecer os efeitos depressores como desequilíbrio, falta de coordenação motora, fala arrastada, descontrole e sono. É comum também, após a ingestão de bebidas alcoólicas, que o indivíduo apresente um mal-estar geral, com dor de cabeça, rosto avermelhado e vômito; mais comum em pessoas pouco resistentes ao álcool. Quando a dose de álcool é muito elevada, o efeito depressor fica exacerbado, podendo até mesmo provocar o estado de coma. Os consumidores de álcool, freqüentemente, desenvolvem tolerância e precisam de doses cada vez maiores para se satisfazerem. A síndrome de abstinência também é comum no alcoolismo e inclui dois ou mais dos seguintes sintomas: sudorese; tremor das mãos; insônia; náusea e vômitos; alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas; agitação e CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 187 ansiedade. Delirium e convulsões ocorrem em uma quantidade muito reduzida de pessoas. Os sintomas da abstinência geralmente começam a aparecer de 4 a 12 horas após a suspensão do uso e alcança sua intensidade máxima durante o segundo dia de abstinência e tendem a melhorar acentuadamente no quarto ou quinto dia. Porém, após esse período de abstinência, segue-se outro quadro crônico, com sintomas de ansiedade, insônia e disfunção no sistema nervoso autônomo que podem persistir por até 3 a 6 meses. Os sintomas de abstinência normalmente aparecem 8 a 10 horas depois da pausa do uso, no caso de heroína e morfina. A crise de abstinência normalmente se inicia com ansiedade, sudorese, lacrimejamento, corrimento nasal, bocejos e desejo pela droga. Os sintomas vão se intensificando, aparecendo então insônia, ondas de calor e frio, dores nos ossos e músculos, cólicas abdominais, pupilas dilatadas, calafrios e tremores. Em um a dois dias, aparecem sintomas de extrema inquietação, vômitos, diarréia, náusea, pressão, temperatura, pulso e freqüência respiratória altas. 2. Inalantes O termo inalantes refere-se a um grupo heterogêneo de substâncias químicas presentes em vários produtos de uso corriqueiro encontrados na indústria, nos escritórios, na escola ou em casa. Também chamados de substâncias voláteis ou solventes, os inalantes compõem uma ampla gama de produtos como colas, solventes, tintas, corretivos líquidos, nitritos orgânicos e anestésicos. Inalados, os vapores destes produtos produzem sensações prazerosas, como euforia e desinibição. É importante reconhecer que existem diferentes inalantes em vários produtos com efeitos fisiológicos e propriedades químicas variados. Nessa categoria os agentes químicos mais frequentemente abusados incluem o tolueno, hexano, tetracloreto de carbono, acetona, nafta, éter, clorofórmio, entre outras. “O alto uso indevido de solventes no Brasil os transformam na droga mais consumida entre estudantes dos ensinos fundamental e médio, nas 27 capitais do País” é a conclusão do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - Cebrid, após levantamento feito em 2004, com estudantes. Para prevenir o uso indevido, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa determina a resolução 345, de proibição da venda para menores de 18 anos de solvente utilizados largamente em grandes e pequenas indústrias (9). Outro inalante, para os quais a questão de ilegalidade torna difícil o acesso a informações de consumo, é o éter e seus diversos subprodutos, presentes nos chamados “lança-perfume” e utilizados em larga escala em períodos de festas populares às quais são atribuídos inúmeros casos de acidentes, prisões e morte por parada cardíaca de pessoas nessa faixa etária. 4.Benzodiazepínicos e Barbitúricos Utilizados como ansiolíticos, relaxantes musculares e anticonvulsivantes, os benzodiazepínicos (BZD) são associados a um risco definitivo de dependência quando prescritos em longo prazo, mesmo se utilizados em doses terapêuticas, e mesmo o uso em curto prazo pode causar rebote na parada de uso destas medicações. (28) Didaticamente, é possível classificar os dependentes de BZDs em duas grandes categorias: aqueles que recebem a droga sob prescrição médica e aqueles que abusam primariamente de outras drogas, associando os BZDs a estas como os usuários de álcool, cocaína, anfetaminas, heroína, etc.(19). A procura de serviço de saúde pelos usuários desses medicamentos mais frequentemente ocorre devido à abstinência, em procura de novas receitas ou em conseqüência de superdosagem. No abuso desse tipo de substância há três padrões de uso. Na intoxicação crônica, mais comum na meia idade, a pessoa normalmente inicia o uso ocasional para insônia ou ansiedade, mas evolui para o uso crônico diário. No caso dos adolescentes, é mais comum a intoxicação periódica, que é o uso com o objetivo de “bater onda” (ficar com a consciência alterada). É comum também a mistura do uso desses medicamentos com outros depressores do sistema nervoso, como heroína ou álcool. Nos casos de intoxicação, raramente a pessoa procura ajuda médica, mas os principais sinais físicos são nistagmo, diplopia, estrabismo, tônus muscular e coordenação diminuídos, vertigem, ataxia. Os efeitos psicológicos são similares aos do álcool. Doses maiores podem levar a coma, apnéia e morte. Abstinência dessas drogas pode culminar em delirium, convulsões e até mesmo morte, tornando necessário o acompanhamento hospitalar para pacientes apresentando abstinência das mesmas. A abstinência mais frequentemente ocorre após intenso uso durante um ou dois meses e depende da duração da ação da droga Os sintomas são inicialmente: ansiedade, inquietação, náusea, vômitos e anorexia. Após um dia intensificam-se se somando a insônia, pesadelos, tremor nas mãos, cólicas abdominais, hiper-reflexia, taquicardia e pressão baixa. Em dois a três dias é possível a ocorrência de convulsões, sendo que metade destes pode apresentar delirium. Bebês de mães fisicamente dependentes manifestarão esses mesmos sinais e sintomas de abstinência, só que devido à tenra idade seu quadro clínico é bem mais grave. 3. Opiáceos A Heroína e a morfina estão entre os mais comuns opióides. Seus usuários costumam chegar ao sistema de saúde em razão de abstinência, superdosagem ou de complicações como endocardite e hepatite. Essas drogas são bem absorvidas pelo organismo e apresentam efeitos mais intensos quando injetados na circulação sanguínea do que quando ingeridos. Na intoxicação por opióides, o indivíduo apresenta diminuição da dor, dificuldade na respiração, constipação, enjôo, vômitos, diminuição das pupilas, queda de pressão e fala arrastada. A pessoa intoxicada geralmente se encontra eufórica (mas também pode apresentar desânimo), sonolenta, desatenta e tranqüila. A superdosagem de opióides normalmente acontece pelo uso da heroína e tem como principais sinais e sintomas o conjunto: coma, pupilas contraídas e depressão respiratória. A pele se encontra mais fria e pegajosa, além de uma coloração azulada. Deve-se verificar também a presença de marcas de agulhas. Os músculos podem estar flácidos e a urina diminuída. O uso concomitante de álcool e barbitúricos podem facilitar o aparecimento desses sintomas. 5 Drogas estimulantes do Sistema Nervoso Central A cocaína e as anfetaminas são as drogas estimulantes mais comumente envolvidas em abuso. As anfetaminas são geralmente ingeridas, já a cocaína por via oral não apresenta efeitos muito fortes e por isso é mais utilizada a inalação intranasal. A cocaína tem ação mais curta que as anfetaminas e o aparecimento dos seus efeitos é mais rápido. 188 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Pequenas doses dessas drogas provocam aumento da pressão arterial, da freqüência cardíaca, da temperatura corporal e das pupilas. O aumento da dose provoca o aumento desses efeitos, além de poder também causar rubores, tonturas, dor no peito, enjôos e vômitos. Podem ocorrer arritmias, convulsões, hemorragias e dificuldade em respirar. A morte por uso dessas substâncias ocorre geralmente quando o uso se dá por injeções ou no caso da cocaína, também quando fumada. Alguns sinais físicos ajudam no diagnóstico do abuso de cocaína. Quando inalada, pode provocar coriza, corrimento nasal, septo nasal inflamado, inchado ou até mesmo perfurado; a injeção pode provocar abscessos cutâneos e inflamações locais. Além de aumentar as chances de infecção pelo Clostridiium tetani (tétano), por vírus das hepatites B e C e HIV, especialmente quando os usuários compartilham seringas ou as usam em precárias condições de higiene. Os efeitos psicológicos provocados pelo uso desse tipo de droga são: euforia, sensação de fadiga e apetite diminuídos e força física e capacidade mental aumentadas. O aumento da dose provoca bruxismo (ranger os dentes), formigamentos, insônia, perda de peso, inquietação, tremor, irritabilidade, paranóia, perda de concentração. Também a psicose paranóide, caracterizada por delírios de perseguição, instabilidade emocional e alucinações além de agressividade física, sendo quadro de psicose clinicamente indistinguível da esquizofrenia. As drogas estimulantes não provocam crise de abstinência que ameace a vida, apesar da apresentação de uma série de sintomas como depressão, pensamento suicida, irritabilidade, náuseas, vômitos, sono irregular, tremores além de extrema fadiga. O que se chama de “aterrissagem” (que compreende letargia, fome, apatia e desejo pela droga) ocorre após uso contínuo e pesado da droga por dias ou semanas. Há desenvolvimento de tolerância aos efeitos euforizantes, hipertérmicos, e cardiovasculares além da supressão do apetite. 6. Drogas perturbadoras do Sistema Nervoso Central Maconha A maconha tem origem na planta Cannabis sativa O tetrahidrocanabinol (THC) é a substância psicoativa principal, embora a fumaça da maconha contenha mais de 400 compostos. A potência da droga depende da concentração do THC que varia consideravelmente de acordo com a parte da planta usada para o preparo, região geográfica de cultivo, etc. A resina da floração da planta, onde o THC é mais abundante dá origem ao haxixe, raro no Brasil (28). Alguns dos sinais de uso de maconha são bastante conhecidos, um dos mais marcantes são os olhos avermelhados, bastante visíveis. Outros sinais são boca seca, aumento da freqüência cardíaca, sonolência e notável aumento do apetite. Os principais sintomas físicos decorrentes do uso e abuso de maconha são problemas respiratórios: bronquite, sinusite, faringite, tosse seca, congestão nasal, etc. Alguns sinais psiquiátricos são característicos como deformação da noção de tempo e espaço e prejuízo da atenção e da memória de curto prazo. A síndrome de abstinência da maconha tem se apresentado com inquietude, ansiedade, disforia, irritabilidade, insônia, anorexia, tremores musculares, aumento dos reflexos, sudorese, diarréia e alterações de batimentos cardíacos e da pressão sanguínea. Essa síndrome pode aparecer em torno de 10 horas após a cessação do uso e atingir seu pico por volta das 48 horas. Com o uso excessivo da maconha, em alguns casos pode-se desenvolver a chamada síndrome amotivacional, caracterizada por apatia, dificuldade de concentração, isolamento social, perda no interesse em coisas novas. LSD O LSD usado largamente em vários países, possui efeitos semelhantes à mescalina, porém menos intensos. Os efeitos dessas drogas, assim como os demais perturbadores do SNC, são aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca, aumento da temperatura corporal e dilatação das pupilas. Essas drogas provocam efeitos visuais, alterações de percepção, instabilidade emocional e pensamento alterado. Alucinações verdadeiras são raras, pois na verdade as emoções se tornam mais intensas e mudam de forma repentina, além de distorção de tempo e espaço. As percepções intensificam-se, as cores e texturas se tornam mais ricas e os odores são mais fortes, além de surgirem muitos questionamentos e exacerbação da sensibilidade. Dentre as reações adversas provocadas pela droga, a “viagem” ruim é a principal, sendo mais comum em usuários inexperientes e indivíduos que não toleram os efeitos da droga ou a perda de controle. A “viagem” ruim consiste em pânico extremo e agudo além de medo de ficar louco. Outra reação adversa é o delirium, que consiste em agitação, desorientação, paranóia, alucinação e delírio. Os pacientes tendem a atos perigosos e podem agredir as pessoas ou tentar o suicídio. O uso de alucinógenos pode provocar psicose, além de exacerbar ou revelar algum conflito psicológico, dependendo da vulnerabilidade do usuário. Quatro em cada dez pacientes apresentam espontaneamente efeitos recorrentes transitórios por meses após o uso, incluindo fadiga, estresse e uso de outras drogas, como maconha e álcool. O “flashback” é caracterizado por instabilidade emocional, distorção de percepção, ilusões visuais e perda da noção de tempo, durando por volta de alguns segundos. TRATAMENTO Como tratar o adolescente com problemas relacionados ao uso de álcool ou outras drogas? Os estudos de metanálise sobre a efetividade dos diversos tratamentos psicoterápicos para adolescentes conseguiram reunir em torno de 400 tipos diferentes de terapias utilizadas para adolescentes (33). Além dessa diversidade de intervenções, a escolha do tratamento dependeu de fatores extrínsecos, isto é, da disponibilidade do tratamento mais adequado para o jovem (proximidade ao local de sua residência e compatível com sua condição socioeconômica e com seu sistema familiar), como também de fatores intrínsecos, como a motivação do jovem e a gravidade de seu diagnóstico como um todo. O tratamento do adolescente deve levar em consideração também, o tipo da droga utilizada e a freqüência do consumo (18,13). Qualquer que seja o modelo teórico, o tratamento deve estar estruturado em três níveis: o desenvolvimento global do adolescente; a modificação do comportamento de uso de álcool ou drogas e a resolução dos problemas associados, além do reajuste familiar, social e ambiental. (13). Basicamente, há cinco modelos de tratamento para as farmacodependências: ambulatorial, hospitalar, comunidades terapêuticas, grupos de auto-ajuda e medicamentoso. (23). CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE O tratamento medicamentoso para dependência química, além de específico quando necessário para a síndrome de abstinência de determinadas substâncias psicoativas, visam a utilização de drogas anticompulsivas que auxiliam o paciente a ter um alívio da “fissura” (exacerbado desejo de usar a droga), sendo esse relevante elemento na recaída de indivíduos após a desintoxicação. (13). Papel dos fármacos no tratamento do alcoolismo – uma questão complexa e multifatorial O uso de Dissulfiram (antabuse) é indicado apenas para pacientes de boa adesão ao tratamento e sem condições físicas graves. O uso desse medicamento pode ser suspenso em 6 a 12 semanas, mas se o paciente for incapaz de se manter sóbrio, o tratamento deve persistir indefinidamente. O lítio é utilizado na manutenção da abstinência no alcoólico desintoxicado (e nos casos com histórico familiar ou pessoal de transtorno afetivo ou padrão cíclico de beber impulsivo). A duração do tratamento é de pelo menos 1 ano e deve ser reinstituído caso os sintomas reapareçam. Muito comumente, os indivíduos alcoolistas apresentam sintomas de depressão, ansiedade ou comportamento antisocial. Tais sintomas são induzidos por álcool e cessam após 1 a 2 semanas de abstinência na maioria dos casos. Com a persistência dos sintomas, deve ocorrer o tratamento concomitante para o transtorno e alcoolismo. Entre esses transtornos, a ansiedade é bastante comum. Deve-se ter cuidado com abuso de benzodiazepínicos que é um alto risco para pacientes com alcoolismo. Nessa situação devem ser usados preferencialmente tricíclicos ou inibidores da monoamina oxidase para ansiedade ou transtorno do pânico e buspirona para ansiedade generalizada. Podem ser usados também nesses casos de ansiedade, serotoninérgicos como fluoxetina, paroxetina, citalopram e sertralina. Noradrenérgicos e dopaminérgicos (bupropiona, venlafaxina, metilfenidato e clonidina) são utilizados com bons resultados em pacientes hiperativos usuários de álcool, já que aqui também pelo risco deda biso de vê-se evitar o uso de derivados anfetamínicos. Outras substâncias, embora de uso pouco habitual como o Naltrexone parece amenizar os efeitos da ingesta do álcool e o acamprosato parece amortecer os efeitos da abstinência alcoólica. O Álcool e os programas de tratamento Na reabilitação de um adolescente com alcoolismo deve-se considerar normal a existência de recaídas, já que se trata de uma doença médica crônica, e devido a heterogeneidade dos seus portadores, as terapias existentes nem sempre dão bons resultados, devendo as peculiaridades de cada sujeito e exeqüibilidade da proposta terapêutica serem bem avaliadas. Os objetivos do tratamento para reabilitação do doente resumem-se em desintoxicação, abstinência e sobriedade. Os Alcoólicos anônimos (AA) possuem um papel fundamental no alcance da abstinência, sendo bastante efetivo, porém alguns pacientes necessitam de diferentes programas de tratamento, inclusive a hospitalização. A sobriedade, ou recuperação, contempla mudanças psicológicas e sociais importantes, para que as pessoas não se sintam insatisfeitos com a qualidade de suas vidas após o tratamento. Indivíduos com uso intenso e freqüente do álcool e aqueles sem sucesso no tratamento ambulatorial podem precisar de 189 internação, para conseguir se o início da abstinência e recuperação. Há um grande questionamento sobre a eficácia de um tratamento isolado, somente com os AA. A principal crítica referese a um estado de infelicidade após o tratamento por essa via. Nesses casos, associar um tratamento ambulatorial pode gerar alguns benefícios, como por exemplo: em casos onde o tratamento fez surgir uma síndrome psiquiátrica que ameaça a sobriedade do paciente, essa acaba requerendo um tratamento psiquiátrico. Benzodiazepínicos Na atenção básica o tratamento de usuários dessa categoria de substância deve enfatizar a síndrome de abstinência , tratada através da redução parcelada e progressiva do BZD em questão. Geralmente o BZD de meia vida curta deve ser substituído pela dose equivalente de BZD de longa meia vida longa antes da retirada completa. A retirada geralmente iniciase com a redução de 50% da dose inicial no 2º dia de retirada, continuando-se com 1/3 da dose total até o final. Muitas vezes, por intolerância do paciente quanto aos sintomas da síndrome de abstinência, esta retirada é bem mais lenta, podendo até levar meses (13). Os Inalantes O tratamento da superdosagem ou do uso crônico de inalantes não é específico; Nesses casos são usadas medidas de suporte como controle sintomático de arritmia, dificuldades respiratórias e distúrbios hidroeletrolíticos. No caso de síndrome orgânica cerebral, o tratamento se baseia no reasseguramento e na tranquilização em um ambiente calmo até a resolução natural do quadro que ocorre em horas. O uso de neurolépticos é contraindicado e, caso não ocorra a diminuição dos sintomas de alteração do comportamento e sensório em horas ou até cinco dias, deve ser considerada a possibilidade de um algum transtorno orgânico ou psiquiátrico subjacente. (23). Canabinóides: Maconha e Haxixe A maconha e o haxixe podem induzir uma variedade de sintomas psicóticos e alterações no comportamento, embora seu uso, muitas vezes, seja pouco valorizado. Raramente causa emergências médicas, pode desencadear um quadro psiquiátrico em indivíduos predispostos ou um surto em um indivíduo que já tenha um quadro estabelecido. (28). As principais reações adversas ao uso do THC são “más viagens”, reações de pânico, delirium e “flashbacks”, mas essas são raras e nesses casos o tratamento é baseado na conduta de reasseguramento e apoio ao paciente desde que os sintomas são autolimitados. Não é necessário manejo medicamentoso, inclusive a síndrome de abstinência não requer nenhuma intervenção farmacológica específica (19). Estimulantes do Sistema Nervoso Central: Cocaína e Anfetaminas Como dito anteriormente, a cocaína e as anfetaminas, embora farmacologicamente diferentes, compartilham atividade estimulante do SNC e grande capacidade para abuso e dependência. Em quadros de intoxicação aguda com sintomatologia paranóide relevante, pode-se fazer uso de medicação antipsicótica. Haloperidol é a medicação de escolha por sua menor capacidade de desencadear convulsões, doses de 5 a 15 mg ao dia por, no máximo, uma semana (23). 190 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA Os quadros de intoxicação grave com sintomas físicos (pressão arterial elevada, convulsões, etc.) devem ser tratados com medidas gerais de manutenção. Quanto à compulsão ou “fissura”, freqüente nos usuários de cocaína, pode ser manejada com drogas anticompulsivas, (e.g. desipramina, bromocriptina, fluoxetina, carbamazepina em doses habituais antiantidepressivas e para modulação do humor). (13). Alucinógenos O termo alucinógeno refere-se a um grupo heterogêneo de substâncias com diferentes capacidades químicas e farmacológicas, tendo em comum a capacidade de causar no usuário uma alteração na sensopercepção (alucinações) e um estado mental semelhante à psicose. As substâncias alucinógenas tanto podem ser encontradas na natureza (em plantas e cogumelos), serem semi-sintéticas (a dietilamida do ácido lisérgico - LSD) ou sintéticas (MDMA - Ecstasy). (28). Os anticolinérgicos, como o trihexafenidil e o biperideno, em altas doses, também podem ser usados eventualmente para a obtenção de efeito alucinatório. (28). Nesses casos as reações de pânico são tratadas com BZD, isso se a pessoa apresentar grande ansiedade. Em casos de superdosagem atendidos de imediato, utiliza-se lavagem gástrica, do contrário as medidas estabilizadoras são mais recomendadas. ABORDAGENS TERAPÊUTICAS DOS TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS As psicoterapias são indicadas pela maioria dos profissionais e pesquisadores da área, para o tratamento de transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Assim, as intervenções psicossociais são consideradas como fundamentais ao sucesso do trabalho. Em geral, a indicação de atividades psicoterapeuticas é individualizada, entretanto o atendimento pode alcançar além do indivíduo, o grupo familiar e a comunidade na qual o usuário está inserido, podendo ser individuais ou grupais, curativas ou de prevenção de recaídas (26) . Abordagem Psicodinâmica A abordagem psicodinâmica integra um conjunto de teorizações de base psicanalítica e busca compreender a personalidade da pessoa a partir da articulação entre fatores biopsicossociais. A personalidade, foco de estudo da psicodinâmica, é conceituada como um modo singular de ser no mundo e que integra uma complexa rede de inter-relações entre tendências afetivas (corpo), representações mentais e imagens, e as experiências adquiridas no decorrer da vida. Esta abordagem parte do pressuposto de que as determinações biológicas são mais ou menos relevantes na constituição da personalidade isso devido ao significado que adquirem na dinâmica do funcionamento psíquico (26). As teorizações psicanalíticas, ao se referirem a pessoas dependentes de drogas, supõem personalidades neuróticas impulsivas que seriam indivíduos que se arvoram na busca de atos que dão prazer, sem consideração pelos outros, a não ser como instrumento para satisfação e alívio das tensões geradas pela falta do prazer. A abordagem psicodinâmica também supõe a existência de uma personalidade prévia que ao entrar em contato com a droga estaria predisposta à adição. Portanto a personalidade do toxicômano quando se apresenta ao tratamento seria o resultado cumulativo dos efeitos da história pessoal da ingestão de drogas sobre a sua personalidade prévia. Os trabalhos psicanalíticos indicam ainda a importância de impulsos e de fixações para explicar a dependência das drogas (26) . Sob essa perspectiva a fixação no estágio oral do desenvolvimento infantil e a posterior regressão seriam centrais na determinação do quadro clínico. A abordagem psicodinâmica leva em conta ainda, alterações e vulnerabilidades da estrutura psíquica dos dependentes, além de tentar compreender as dificuldades que estas pessoas apresentam no manejo de afetos e comportamentos e dos estados subjetivos relacionados ao bem estar e auto-estima. Os toxicodependentes são considerados imaturos afetivamente e possuindo recursos internos pouco desenvolvidos. Esses pacientes “permanecem vinculados a um nível primitivo de funcionamento psíquico, no qual há incapacidade de discriminar e verbalizar sentimentos”, o que os impossibilita de lidar com dificuldades intra e extrapsíquicas de modo satisfatório (26). A função do tratamento seria permitir que estes indivíduos entrassem em contato com conteúdos inconscientes que o impulsionam ao uso desmedido de droga, e, além disso, permitir que ele tenha uma melhor relação com os outros que o cercam e consigo. Abordagem Fenomenológico-existencial/Compreensiva Aqui, nesta perspectiva, a Compreensão, como enfoque metodológico, evidencia-se através da concepção humanista, e com a mesma o resgate de conceitos como responsabilidade, subjetividade e liberdade. A partir disso, o fenômeno das drogas é compreendido num enfoque interacionista no qual o sujeito é entendido em relação, seja consigo mesmo, com a sua família, sua história, as contradições sociais, e, neste caso específico, em relação às drogas. A pessoa humana é percebida como uma totalidade, não podendo ser decomposto em partes para ser estudado ou analisado, devido à complexidade e dinâmica da sua vida psíquica, que não pode ser reduzida a qualquer apreensão fragmentária. Além disso, esta idéia está fundamentada no conceito de individualidade, sendo cada indivíduo diferente entre si e cada um deles um ser multifacetado que nenhum modelo isolado abarca. O aspecto social da vida do indivíduo é também incluído, sendo o homem considerado um ser social, fonte e centro de valores, cujo crescimento é parte inerente de seu processo de individuação e depende do seu encontro com os demais sujeitos. O paciente é ainda, pensado como responsável por suas escolhas, portanto, ativo na construção de relações com a coisa e o outro. Da fenomenologia são utilizados conceitos como o de intencionalidade que descreve o fenômeno com tudo aquilo que está presente na consciência. Dessa maneira, o objeto nunca existe sem uma consciência que o registre, nem existe consciência sem objeto. “As idéias existem porque são idéias sobre coisas, ambas constituindo um único fenômeno” (19). Assim, a pessoa humana só existe em relação, e, portanto, a compreensão dessas relações tem muito a revelar sobre o mesmo e o seu modo de ser. O existencialismo se insere nesse contexto e apresenta a valorização do ser humano, como ser existencial que se constrói no mundo, sendo a relação pessoa-mundo tão intima que seria equivocado rompê-la para o exame de qualquer questão. Fundamental para o entendimento dessa filosofia é a idéia de CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE liberdade que confere ao indivíduo o poder de autodeterminarse e principalmente de fazer escolhas, sendo que o indivíduo sempre seria barrado pelos seus limites (19). Esta concepção de pessoa torna-a responsável pelo seu futuro e o confere a possibilidade do constante crescimento através da superação desses limites. Para compreender a toxicomania, é preciso sempre levar em conta a intencionalidade do sujeito, e para isso não é possível descartar suas carências emocionais, os desequilíbrios do sistema social e os arranjos e desarranjos da sua dinâmica familiar. Então, dessa forma, o sujeito não pode ser responsabilizado sozinho pela sua conduta, mas também a família e o grupo social no qual está inserido. Para o tratamento é importante ampliar as possibilidades de escolha do indivíduo, além de ajudá-lo a compreender-se, autogerir-se e utilizar ao máximo os seus potenciais, responsabilizando-se pelas próprias escolhas. Nessa etapa do trabalho será buscado apresentar as principais abordagens do tratamento psicoterápico no abuso de drogas, esclarecendo quais as técnicas de recuperação e enfrentamento propostas por cada uma delas. Abordagem cognitivo-comportamental De acordo com Silva & Serra (24), a dependência química é vislumbrada pela teoria cognitiva como uma interação complexa entre cognições, comportamentos, emoções, relacionamentos interpessoais, influências culturais e processos biológicos. Por outro lado, a teoria comportamental, enfatiza a questão do aprendizado social no processo de dependência a substâncias psicoativas, explicando que esse processo está intimamente vinculado aos estímulos, os quais o indivíduo foi exposto ao longo de sua vida e o ambiente em que este está inserido. A abordagem cognitivo-comportamental, por sua vez, esclarece que há uma relação dialética entre comportamento e cognição, com influências mútuas. Assim sendo, através de um trabalho focado nas cognições seria possível modificar o comportamento. Para essa abordagem o indivíduo interpreta os fenômenos com base nos processos cognitivos e a partir dessa interpretação formula os comportamentos de resposta aos mesmos. Para relacionar-se com o mundo, o sujeito elabora esquemas e crenças que o orientam na interpretação dos acontecimentos. Dentro desse modelo, a dependência é vista como um comportamento aprendido, que pode ser modificado, desde que exista a motivação por parte do sujeito em fazê-lo. Para que o tratamento seja planejado de maneira correta é necessário que o terapeuta tenha conhecimento das expectativas do usuário e do papel das drogas na vida daquele indivíduo (14). Assim, de acordo com Marques et al. (14), o tratamento iniciase com a identificação de sinais que desencadeiam o comportamento de intoxicar-se, buscando construir estratégias de enfrentamento ao problema. Para que o processo seja conduzido de maneira eficaz é imprescindível que o terapeuta compreenda as crenças e expectativas do paciente no uso das substâncias psicoativas. O tratamento pode ser conduzido individualmente ou em grupo e ambas as opções possuem vantagens e aspectos que dificultam o processo. Na abordagem grupal há processos de identificação e os membros tendem a se ajudar mutuamente já que estão enfrentando a mesma situação. Por outro lado, na terapia individual as questões do sujeito podem ser trabalhadas com mais tempo, o que auxilia a sua recuperação e o estabelecimento do vínculo com o terapeuta é mais rápido. 191 Assim, a terapia visa “fazer com que o paciente possa aprender perceber e experimentar novas experiências sem a droga, redimensionado-as e modificando sua maneira de estar no mundo” (14). Abordagem da terapia familiar sistêmica Atualmente, há uma nova visão da problemática da dependência química, na qual o indivíduo não é visto de maneira isolada, mas inserido em um contexto e interagindo com este em um movimento de influências mútuas. Assim sendo, a família emerge como um dos elementos principais no tratamento da adição às drogas, por constituir-se em um dos alicerces da denominada rede de apoio ou sistema terapêutico. Uma abordagem que possibilita essa discussão é a terapia familiar-sistêmica, uma vez que a condição para a realização do trabalho é receber juntas todas as pessoas da família envolvidas com o problema, tratando-o de forma relacional (27). A perspectiva sistêmica aborda a família não como um conjunto de indivíduos com características peculiares, mas um sistema determinado pelas relações entre seus componentes, em um movimento de constante adaptação às influências externas (conte