Contribuições das Especialidades Médicas à Atenção Primária à

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Contribuições das
Especialidades
Médicas à Atenção
Primária à Saúde
JOSÉ TAVARES-NETO
Editor
CONTEXTO • 2006
Salvador da Bahia, Brasil
À FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA,
PELOS 198 ANOS (1808 - 2006)
Agradecimentos dos Professores do PAED (PPgMSFAMEB-UFBA), dos Alunos do PVIC (PPgMSFAMEB-UFBA) e dos Colaboradores deste livro, aos
Professores RODRIGO PINHEIRO SILVEIRA
(Curso de Medicina da Universidade Federal do Acre),
LORENE LOUISE SILVA PINTO (Faculdade de
Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia),
e a YEHUDA BENGUIGUI (Organização
Panamericana de Saúde/Organização Mundial da
Saúde), pelas sugestões e críticas durante a revisão
de todos os resumos dos capítulos e pelos votos de
incentivo.
AUTORES
Docentes
Faculdade de Medicina da Bahia
Universidade Federal da Bahia
ALCINA MARIA VINHAES BITTENCOURT
Médica, Professor do Departamento de Medicina. Coordenadora do Serviço de Diabetes da SAEB. Especialista em
Endocrinologia e Metabologia. Endereço para correspondência: Departamento de Medicina, Pavilhão de Aulas da Faculdade
de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon sn°, campus Canela da UFBA, 40110-100 Salvador, Bahia – Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
ANDRÉ VILA SERRA
Médico, Professor do Departamento de Medicina. Especialista em Gastroenterologia. Endereço para correspondência: Rua
Padre Feijó, 38, bairro Canela, 40110-170 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico : [email protected]
ANTÔNIO FRANCISCO JUNQUILHO VINHAES
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia, Chefe do Serviço de Urologia do Hospital São Rafael da Bahia. Endereço
para correspondência: Faculdade de Medicina da Bahia, Largo do Terreiro de Jesus, 40026-010 Salvador, Bahia - Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
ARLÚCIA DE ANDRADE FAUTH
Médica, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Assistente Estrangeiro da Universidade René Descartes – Paris V.
Endereço para correspondência: Departamento de Neuropsiquiatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia,
Av. Reitor Miguel Calmon sn°, campus Canela da UFBA, 40110-100 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico:
[email protected]
CARLOS AUGUSTO SANTOS DE MENEZES
Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Mestre em Saúde Materno-Infantil.
Endereço para correspondência: Maternidade Climério de Oliveira - UFBA. Rua Limoeiro, bairro Nazaré, 40055-150
Salvador, Bahia –Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
CLOTÁRIO NEPTALI CARRASCO CUEVA
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Mestre em Cirurgia Cardiovascular. Endereço para correspondência:
Departamento de Cirurgia, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon sn°, Vale do
Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
CÍCERO FIDELIS
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular. Endereço para
correspondência: Alameda das Samambaias, 320, Casa 06, 41650-295 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico:
[email protected]
DENISE DOS SANTOS BARATA
Médica, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Mestre em Saúde Materno-Infantil.
Endereço para correspondência: Maternidade Climério de Oliveira - UFBA – Rua Limoeiro, bairro Nazaré, 40055-150
Salvador, Bahia –Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
DOMINGOS COUTINHO
Médico, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Av.
Juracy Magalhães Jr, 2.096, sala 311, 41940-060 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
EDNA LÚCIA SOUZA
Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Doutoranda do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da FAMEBUFBA.Endereço para correspondência: Av: Paulo VI, 2.200/104, Itaigara, 41810-001 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço
eletrônico: [email protected]
EDSON O’DWYER JUNIOR
Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia.
Mestre em Saúde Materno-Infantil. Professor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública. Endereço para correspondência: Av.
Tancredo Neves 805A/207, 41828-021 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
FERNANDO ANTONIO GLASNER DA ROCHA ARAUJO
Médico, Professor Assistente de Clínica Médica e Reumatologia. Especialista em Reumatologia. Mestre em Reumatologia.
Endereço para correspondência: Departamento de Medicina, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia, Vale do
Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
GERVASIO BATISTA CAMPOS
Médico, Professor de Anestesiologia do Departamento de Cirurgia. Médico do Hospital São Rafael. Endereço para
correspondência: Av. Tancredo Neves 1632, Edf. Salvador Trade Center, sala 402, 40820-020 Salvador, Bahia – Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
GILSON GODINHO
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Chefe do Laboratório de Hemodinâmica e de Cardiologia Intervencionista do
Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (COMHUPES). Endereço para correspondência: Laboratório de
Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do COMHUPES. Rua Augusto Viana s/n°, Canela, 40110-160 Salvador –
Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
HEITOR CARVALHO GUIMARÃES
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Título de Especialista e Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
Endereço para correspondência: Rua José Duarte, 132, bairro Tororó, 40050-050 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço
eletrônico: [email protected]
HUGO MAIA FILHO
Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Endereço para correspondência:
CEPARH. Rua Caetano Moura, 35, 40210-341 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
ISABEL CARMEN FONSECA FREITAS
Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Especialista em Pediatria e Medicina da Adolescência. Professora da Escola
Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Mestre em Medicina e Saúde. Endereço para correspondência: Avenida Santa Luzia,
379, apto. 802, Horto Florestal, 40295-050, Salvador- Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
JORGE LUIZ SAPUCAIA CALABRICH
Médico, Professor do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Especialista em Tocoginecologia e
Mastologia. Endereço para correspondência: Av. Juracy Magalhães Jr., 2.426, Apto. 904, bairro Rio Vermelho, 419040-060
Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
JOSÉ MARCOS PONDÉ FRAGA LIMA
Médico, Neurocirurgião, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Membro titular da Sociedade Brasileira de
Neurocirurgia. Endereço para correspondência: Av. Paulo VI, 111, bairro Pituba, 41810-000 Salvador, Bahia – Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
JOSÉ SIQUEIRA FILHO
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Coordenador do Serviço de Cirurgia Vascular do Complexo Hospitalar
Universitário Professor Edgard Santos. Endereço para correspondência: Rua do Gato Arisco, 88, bairro Itapuã. 41620-320
Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
JOSÉ TAVARES-NETO
Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Tropical, Doutor em Clínica Médica e Livre-docente
em Doenças Infecciosas e Parasitárias. Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina da Bahia, Largo do Terreiro
de Jesus, 40026-010 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
LORENE LOUISE SILVA PINTO
Médica, Professora do Departamento de Medicina Preventiva. Mestre em Saúde Comunitária. Doutoranda em Medicina e Saúde
(FAMEB/UFBA). Endereço para correspondência: Departamento de Medicina Preventiva, Pavilhão de Aulas da Faculdade de
Medicina, Av. Reitor Miguel Calmon, s/n, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia -Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
LUIS SCHIPER
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Ortopedia e Traumatologia. Endereço para correspondência:
Rua João das Botas, 28, bairro Canela, 40110.160 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
MARGARIDA COSTA NEVES
Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Serviço de
Pneumologia do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos, Rua João das Botas s/nº, bairro Canela, 40110160Salvador, Bahia - Brasil. E-mail: [email protected]
MARIA DE LOURDES LIMA FALCÃO
Médica, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Oftalmologia. Endereço para correspondência: Clinica
Oftalmológica do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard santos, Rua Augusto Viana s/n°, Canela, 40110-160
Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
MARIA DO SOCORRO HEITZ FONTOURA
Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Especialista em Pediatria e Pneumologia pediátrica. Professora da Escola
Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Mestre em Saúde Materno Infantil. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em
Medicina e Saúde. Endereço para correspondência: Departamento de Pediatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina,
Av. Reitor Miguel Calmon, s/n°, Vale do Canela. 40110-100 Salvador, Bahia -Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
MARIA TERESA GONÇALVES
Médica, Professora do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana. Especialista em Ultra-sonografia.
Endereço para correspondência: Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana, Pavilhão de Aulas da
Faculdade de Medicina, Av. Reitor Miguel Calmon, s/n°, Vale do Canela. 40110-100 Salvador, Bahia -Brasil.. Endereço
eletrônico: [email protected]
MURILO NEVES
Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Serviço de
Hematologia do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos, R. João das Botas s/nº, Canela, 40110-160 Salvador,
Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
NADYA MARIA BUSTANI CARNEIRO
Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Especialista em Pediatria e Gastroenterologia pediátrica.Endereço para
correspondência: Departamento de Pediatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA, Av. Reitor Miguel
Calmon, s/nº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
NILO LEÃO BARRETTO
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Titular da Sociedade Brasileira de Urologia. Endereço para correspondência:
R. Tenente Pires Ferreira, nº 143, apto.1101, Barra, 40130-160 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico:
[email protected]
NILSON FERREIRA GOMES
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Endereço para correspondência: Alameda dos Jasmins, nº 110 ap. 102,
Cidade Jardim/Candeal de Brotas, 40210-370 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
OCTAVIO MESSEDER
Médico, Professor do Departamento de Medicina. Especialista em Pneumologia. Mestre em Medicina. Endereço para
correspondência: Centro Médico do Hospital Português. Rua Princesa Isabel, 914, sala 01, Barra Avenida, 40144-900
Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
OSÓRIO JOSÉ DE OLIVEIRA FILHO
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Oftalmologia. Endereço para correspondência: Av. Juracy
Magalhães Jr. 2096 Conj. 207 CMA do Hospital Aliança, bairro Rio Vermelho, 41940-060 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço
eletrônico: [email protected]
PAULO ANDRÉ JESUÍNO
Médico, Cirurgião geral e Intensivista, Professor do Departamento de Cirurgia. Professor da Escola Baiana de Medicina e
Saúde Pública (EBMSP). Mestre em Cirurgia. Endereço para correspondência: Rua Machado Neto, 267 Aptº 701, Pituba,
41830-510 Salvador, Bahia -Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
RAUL COELHO BARRETO FILHO
Médico, Perito Médico Legal, Professor do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal. Mestre em Odontologia
Legal e Deontologia. Endereço para correspondência: Instituto Médico-legal Nina Rodrigues, Av. Centenário, snº,Vale dos
Barris, 40100-180 Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
ROBERTO MIGUEL CORREIA DA SILVA
Médico, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Mestre em Medicina Interna. Coordenador do Curso de Psicologia
Médica e Psicopatologia II. Endereço para correspondência: Departamento de Neuropsiquiatria, Pavilhão de Aulas da
Faculdade de Medicina da Bahia da UFBA, Av. Reitor Miguel Calmon snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
ROMÁRIO TEIXEIRA BRAGA FILHO
Médico, Professor do Departamento de Medicina. Mestre em Medicina Interna. Endereço para correspondência: Rua Padre
Feijó, 240/3º andar, bairro Canela, PAED/Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde, 40110-170 Salvador, Bahia,
Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
ROSA VIANNA S. BRIM
Médica, Professora do Departamento de Apoio Diagnóstico e Terapêutico. Membro Titular do Colégio Brasileiro de
Radiologia. Endereço para correspondência: Rua Sócrates Guanaes Gomes, 84, apto. 101, Cidade Jardim/Candeal, 40280-630
Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
SUMAIA BOAVENTURA ANDRÉ
Médica, Professora do Departamento de Medicina Preventiva. Mestre em Saúde Comunitária. Especialista em Pediatria e
Saúde Pública. Endereço para correspondência: Departamento de Medicina Preventiva, Pavilhão de Aulas da Faculdade de
Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon, snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico:
[email protected]
VANDA M. MIRANDA
Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Formação especializada em Pediatria. Mestre em Pediatria. Doutoranda do
Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde do Departamento de Medicina da FAMEB-UFBA
Endereço para correspondência: Rua Nita Costa, 101, apto. 901, Jardim Apipema, 40155-000 Salvador, Bahia -Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
VENCESLAU DOS REIS SOUZA SILVA
Medico, Professor do Departamento de Cirurgia. Endereço para Correspondência: Av. ACM. 1034, sala 449-450. 41825-906
Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
VITOR LÚCIO DE OLIVEIRA ALVES
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em Coloproctologia. Mestre em Cirurgia. Endereço para
correspondência: Departamento de Cirurgia, 2° andar, Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos, Rua Augusto
Viana, snº, Canela, 40110-060, Salvador, Bahia – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
WALDECK D’ALMEIDA
Médico, Professor do Departamento de Neuropsiquiatria. Especialista em Psicodrama e Psicoterapia de Grupo
Endereço para correspondência: Departamento de Neuropsiquiatria, Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia,
Av. Reitor Miguel Calmon, snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil. Endereço eletrônico:
[email protected]
WELLINGTON ALVES CAVALCANTE
Médico, Professor do Departamento de Cirurgia. Formação especializada em Cirurgia e Nutrologia. Professor da Escola
Baiana de Medicina e Saúde Pública.Endereço para correspondência: Departamento de Cirurgia, Pavilhão de Aulas da
Faculdade de Medicina da Bahia, Av. Reitor Miguel Calmon, snº, Vale do Canela, 40110-100 Salvador, Bahia - Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
COLABORADORES
ESTUDANTES
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA (FAMEB)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
(UFBA)
ADRIANA R. ANDRADE
ADRIANA REIS BRANDÃO MATUTINO
AGNALDO VIANA PEREIRA NETO
ALEX OLIVEIRA DE ARAÚJO
ALEX TEIXEIRA GUABIRU
ALINE ABREU
ALLANA SILVA
ALVINO JOSÉ ALVES FILHO
ANA BARBARA CAVALCANTE
ANA CARINA VIEIRA LIMA E SILVA
ANA CAROLINA SÁ
ANA CLAUDIA OLIVEIRA SILVA
ANA JÚLIA SANTIAGO MARINHO
ANA PAULA SANTANA HUANG
ANDRÉ BRITO
ANDRÉ LUIS BASTOS SOUSA
ANDRÉ MACEDO SERAFIM DA SILVA
ANDREA B. DINIZ
ANNA PAULA MOTA DUQUE
ANTÔNIO JOSÉ SOUZA REIS FILHO
AUGUSTO JUNIOR AZEVEDO BASTOS
BRUNO TRINDADE
CAMILA NEMI
CARINA SANTOS RIOS
CARLAGRACIELE TORRES
CARLA RAMOS ANDRADE
CARLA SANTOS NOGUEIRA
CARLOS AUGUSTO AMORIM
CARLOS DANIEL VILAS BOAS DE
CARVALHO
CARLOS EDUARDO CERQUEIRA ROLIM
CARLOS VINÍCIUS ESPÍRITO SANTO
CAROLINA ABUD
CAROLINA CANDEIAS DA SILVA
CAROLINA MACHADO ALVES
CAVALHEIRO
CAROLINA OLIVEIRA SANTOS
CATARINA DE ANDRADE REGIS
CATARINA TÂMARA RIBEIRO
CINARA COSTA SILVA
CLARA MAIA BASTOS
CLARISSA OLIVEIRA SACRAMENTO
CLÁUDIA PATRÍCIA SILVA ALVES
CLAUDIA PLECH GARCIA
CRISTIANE AZEVEDO DE ANDRADE
CRISTIANE LIMA VERDE FERREIRA
CRISTINA BRASILEIRO SILVA
DANIEL CÂNDIDO LADEIA ROSA
DANIEL MAY SIMÕES
DANIEL VASCONCELOS CUNHA MARTINS
DANIELA NERY
DARCY CARNEIRO MURITIBA JÚNIOR
DAVID ARAÚJO VEIGA ROSÁRIO
DAYANNE COSTA FONSECA
DIEGO JOSÉ LEÃO DE OLIVEIRA
DIEGO TEIXEIRA NASCIMENTO
DIOGO RADOMILLE DE SANTANA
ELIANA DALTRO PANÃO
ELTON LIMA MACEDO
EMÍLIA NUNES DE MELO
ERIC SILVA DE MORAIS
ÉRICA PEREZ IGLESIAS
EVARISTO OLIVEIRA NETO
FABIANO AMARAL
FÁBIO OLIVEIRA LIMA
FÁBIO VIEIRA DE BULHÕES
FELIPE OLIVEIRA
FERNANDA AZEVEDO JESUÍNO
FERNANDA CORREIA
FERNANDA T. SPÍNOLA
FERNANDO CÉSAR CARVALHO DE
FIGUEREDO
FERNANDO NEVES FORTUNA
FILIPE SOBRAL DE CARVALHO
FLÁVIA DE CASTRO RIBEIRO
FRANKLIN COSTA MÔNACO FILHO
FRANCISCO SAMUEL MAGALHÃES LIMA
GARDÊNIA S. LOBO
GABRIEL ALBUQUERQUE
GEORGE VITURINO NEVES SILVA
GISELE AMORIM
GRAZIELLE CERQUEIRA DE CARVALHO
GRAZIELI CERQUEIRA
GUILHERME FONTELES RITT
GUSTAVO CARNEIRO GOMES LEAL
HELOISA SOUZA
HELTON ARAÚJO MAGALHÃES
HILLANE RODRIGUES PEREIRA
ISADORA MEYER
ÍSIS DE CERQUEIRA FIGUEIREDO
IVAN BARBOSA
JAMILE ALMEIDA-SILVA
JAMILE CAVALCANTI SEIXAS*
JAN LOPES
JANAINA LEITE JABUR
JANAÍNA MESQUITA
JORGE AUGUSTO PEDREIRA SILVA
JOSÉ CRUZ DE ANDRADE
JULIA MONTEIRO DE BARROS PEREIRA
JULIANA FONSECA SANTANA
JULIANA RAPOSO
JULIANO ALVES
JULIANNE LOPES FERRAZ DE AVELAR
JÚLIO CÉSAR DE OLIVEIRA LEAL
JÚLIO LEONARDO BARBOSA PEREIRA*
KIELY MIDORI NASCIMENTO KATAOKA
LARISSA DA TRINDADE QUINTELA
LARISSA SIQUEIRA SANTOS
LAURO REIS SANTANA
LÁZARO NEVES MARTINS
LEANDRA CHAVES SILVA BARROS
LEANDRO SILVA
LEONARDO BRITO DE ALMEIDA
LETICE SILVA OLIVEIRA SILVA
LÍLIAN SOUZA ARAÚJO
LÍVIA LEAL MONTEIRO
LÍVIO LIMA SANTOS
LORENA OLIVEIRA
LUA SÁ DULTRA
LUANA EMANUELLE LEITE LIMA
LUANNE LISLE DOS SANTOS SILVA
LUCAS ARGOLO
LUCAS NASCIMENTO LAGO
LUCIANA BARBERINO
LUCIANA CAMPOS LOPES
LUCIANA MELO GARCIA
LUDMILA FREITAS DA ALMEIDA
LUIZ COSTA-JUNIOR
MANUELA DE SOUZA BONFIM
MANUELA OLIVEIRA CARDOSO
MANUELA SANTANA ARAÚJO
MARCELA CRISTINA PITA
MARCELO DE JESUS MARTINS
MARCELO LOULA NOVAES DE PAULA
MÁRCIA SANTOS DA SILVA
MARCOS RODRIGO CARVALHO
MARIA ALMEIDA DIAS
MARIA CARDOSO GUERREIRO COSTA
MARIA CLARA MANSUR
MARIA FERNANDA SIMAS SOUZA
MARIANA FREIRE RODAMILANS
MARILIA MERCÊS OLIVEIRA
MARINA CUMMING FARANI
MATEUS BOAVENTURA DE OLIVEIRA
MATEUS FREIRE DE LIMA E SOUZA
MATHEUS DANTAS VEROTTI
MAURÍCIO FERNANDO LIMA SANTOS
MAURÍCIO LAVIGNE MOTA
MAURÍCIO VALVERDE LIBERATO
MAYANA LOPES DE BRITO
MILENA CERQUEIRA DE SANTANA
MILENA MENDONÇA
MILENA NOBRE MAIA
MOEMA MACHADO
MONIQUE SIMÕES
PABLO TARCEU NUNES MELO
PALOMA CHEAB
PATRÍCIA MINEIRO OLIVEIRA
PAULA ANDRADE DE ANDRADE
PAULA DANTAS
PEDRO MELO
PHILLIPE PAULO ARAÚJO MANSUR
GOMES
PRISCILA PEREIRA MEDRADO
PRISCILA SOARES BRAGA
PRISCILLA CARNEIRO RIOS CORDEIRO
RENATA DIAS ARAÚJO
RENATA FONSECA BARBOSA GOMES
RENATA TAVARES
RISVALDO VARJÃO OLIVEIRA JUNIOR
ROBERTA BORGES GOMES
RODOLFO GODINHO SOUZA DOURADO LIMA
RODRIGO DE SOUSA MOTA
RODRIGO SANTOS MATOS
SÂMIA PIMENTA VEIGA
SARAH DE QUEIROZ SILVA
SAVIO OLIVEIRA PASTOR
SIDINÉIA ROCHA
SOFIA FLORES MATA VIRGEM
TALITA GONZAGA COSTA
TAMARA CARVALHO DOS SANTOS
TÁSSIA CARVALHO LOPES
TÉRCIA VILASBOAS REIS
THAISA CONCEIÇÃO SILVA DE SOUZA
THIAGO CARNEIRO MARQUES
THIAGO GONÇALVES FUKUDA*
THIAGO PEREIRA CAVALCANTI
THOMAZ TOURINHO DE MENEZES
TIAGO ARAÚJO OLIVEIRA DE SALES
TIAGO SOUZA DE ALMEIDA
TICHECO JÚNIOR S. S. TICHECO
UBENÍCIO SILVEIRA DIAS JUNIOR
VALDIR CERQUEIRA DE SANT’ANA
FILHO
VANESSA DORTAS MARTINS DE JESUS
VANESSA CERQUEIRA LISBOA
VANESSA SILVA MUNIZ
VERÔNICA DE FÁTIMA PORTO
VINICIO RODRIGUES DE BRITTO NETO
VINÍCIUS PEDREIRA DE ALMEIDA
SANTOS
VINÍCIUS S. NUNES
VITOR NASCIMENTO LIMA
VIVIANE OLIVEIRA
WASHINGTON LUIZ DE OLIVEIRA
YGOR GOMES DE SOUZA
ZENILTON LIMA DA SILVA SOBRINHO
(*) Membro da Liga Acadêmica de Neurologia (Endereço eletrônico:
[email protected]).
ESTUDANTES
FACULDADE DE FILOSOFIA E
CIÊNCIAS HUMANAS (FFCH)
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
(UFBA)
ANDRÉA PATO VIEIRA CAMPOS
ALLANN DA CUNHA CARNEIRO
LIANA SANTOS ALVES PEIXOTO
ESTUDANTES
ESCOLA DE NUTRIÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
(UFBA)
ANA PAULA DA SILVA CRUZ
ISADORA CONTREIRAS CARNEIRO
RENATA BARROS DOS SANTOS
ROBERTA BARONE LEITE
ESTUDANTE
CURSO DE MEDICINA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA
CRUZ (UESC)
MARIA GIOVANA OLIVEIRA FARIAS
ESTUDANTES
CURSO DE ENFERMAGEM
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA
DE SANTANA
(UEFS)
IVNA DUTRA CAVALCANTE
ESTUDANTES
CURSO DE NUTRIÇÃO
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA
(UNEB)
PATRÍCIA BARROS DOS SANTOS
ESTUDANTES
ESCOLA BAIANA DE MEDICINA E
SAÚDE PÚBLICA
Curso de Medicina
ALINE COSTA SILVA
ALISSON MAGALHÃES CAMPOS DO VALE
AMANDA CANÁRIO ANDRADE
CLARISSA RODRIGUES CORDEIRO
GONÇALVES
FERNANDA SALES PEREIRA MELO
JAQUISSON DE DEUS GUIMARÃES FILHO
LEONARDO PIRES NOVAIS DIAS
MARINA SOARES BLANCO
NILO JORGE LEÃO BARRETTO
PATRÍCIA OLIVEIRA GUIMARÃES
PAULA NUNES GUIMARÃES DE SÁ
BARRETO
RAÍSSA GOMES MADEIRA
SABRINE VILÁN DIAS
VANESSA PORTO SOUZA
Curso de Odontologia
RAFAEL GUIMARÃES LIMA
ESTUDANTES
FACULDADES DE TECNONOLOGIA E
CIÊNCIAS (FTC)
DOCENTES DA FACULDADE DE
MEDICINA DA BAHIA (FAMEB)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
(UFBA)
Curso de Medicina
GUSTAVO ADOLFO GARZEDIM LEITÃO
GUERRA
INSTITUIÇÕES DA CIDADE DO
SALVADOR - BAHIA
DIOGO MEDEIROS BAHIA, Médico-residente de
Anestesiologia do Hospital São Rafael
EUGENIA MARIA TEIXEIRA DE ARAÚJO,
Médica do Hospital São Rafael
FABIO DE CASTRO CRUZ, médico-residente de
Ginecologia-obstetrícia do Instituto de Perinatologia da
Bahia (IPERBA) da Secretaria de Estado da Saúde
LUCIANA PEREZ, Médica-estagiária do Setor de
Pneumologia Pediátrica do Centro Pediátrico Prof.
Hosannah de Oliveira do Complexo Hospitalar Universitário
Prof. Edgard Santos da UFBA
MARIA FERNANDA NOVAES DE CASTRO
FERREIRA , Médica-residente do Programa de
Radiologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor
Edgard Santos (COMHUPES).
PAULA MÁRCIA GOMES DO AMARAL ,
Médica do Hospital São Rafael
PAULO BENIGNO PENA BATISTA, Chefe do
serviço de Nefrologia do Hospital São Rafael. Doutor em
Nefrologia
RODRIGO JOSÉ BARATA PASSOS, médicoresidente do Instituto de Perinatologia da Bahia (IPERBA)
da Secretaria de Estado da Saúde
DOCENTES DE UNIDADES ENSINO
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA
BAHIA (UFBA)
JAMARY OLIVEIRA-FILHO, médico, Professor
do Instituto de Ciências da Saúde. Doutor em Neurologia.
Membro da Liga Acadêmica de Neurologia
PEDRO ANTONIO PEREIRA DE JESUS,
médico, Professor do Instituto de Ciências da Saúde.
Especialista em Neurologia. Mestre em Medicina Interna.
Membro da Liga Acadêmica de Neurologia
ÁLVARO A. CRUZ , Médico, Professor do
Departamento de Medicina. Doutor em Medicina Interna
ANDRÉ NEY MENEZES FREIRE, Médico,
Professor do Departamento de Cirurgia. Especialista em
Cirurgia Geral. Doutor e Livre-docente em Técnica
Operatória e Cirurgia Experimental
AQUILES CAMELIER, médico, Professor-substituto
do Departamento de Medicina. Doutor em Penumologia
ARGEMIRO D’OLIVEIRA JUNIOR, Médico,
Professor do Departamento de Medicina. Doutor em
Medicina Interna
BRUNO SILVA MATIAS , Médico, Professorsubstituto do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e
Reprodução Humana
CRISTIANA NASCIMENTO-CARVALHO,
Médica, Professora do Departamento de Pediatria. Doutor
em Medicina,
JACY ANDRADE , Médico, Professor do
Departamento de Medicina. Doutor em Medicina Interna
MARGARIDA DUTRA , Médica, Professora do
Departamento de Medicina. Doutor em Medicina Interna
RONALDO RIBEIRO JACOBINA, Médico,
Professor do Departamento de Medicina Preventiva. Doutor
em Saúde Pública.
SUMÁRIO
Apresentação ............................................................................................................................................ 1
Prefácio ..................................................................................................................................................... 5
I. PROCEDIMENTOS ESSENCIAIS ................................................................................................... 9
I.1. Suporte básico de vida e uso do desfibrilador externo automático ...............................................11
I.2. Declaração de óbito: a importância do adequado preenchimento ................................................ 21
II. EDUCAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA ............................................................................................... 29
II.1. Um exercício para o docente na perspectiva da transformação curricular do curso médico ...... 31
II.2. Tabagismo: do prazer à dor ......................................................................................................... 35
II.3. A relevância dos conhecimentos sobre contracepção no programa de saúde da família ............ 44
II.4. Identificação do comportamento de risco em adolescentes ........................................................ 51
II.5. Tópicos relevantes sobre infecções sexualmente transmissíveis ................................................ 63
II.6. Doença de Chagas: cosmopolita ou rural? .................................................................................. 81
II.7. A osteoporose como problema de saúde pública ......................................................................... 96
II.8. Diabetes mellitus: desfazendo crenças e tabus.......................................................................... 102
III. PREVENÇÃO, PROFILAXIA E CONTROLE .......................................................................... 115
III.1. Alimentação no primeiro ano de vida ....................................................................................... 117
III.2. Cuidados aos portadores de prejuízo da inteligência originados no início da vida ................. 133
III.3. Oportunidades perdidas de vacinação na criança .................................................................... 140
III.4. Prevenção dos acidentes domésticos infantis no âmbito da assistência primária à saúde ....... 147
III.5. Fatores de risco para as doenças respiratórias em crianças ..................................................... 156
III.6. Profilaxia das hepatites virais na atenção primária .................................................................. 163
III.7. Uso e abuso de drogas: uma proposta de olhar integral .......................................................... 173
III.8. O profissional de saúde e o adolescente usuário de substâncias psicoativas ........................... 183
III.9. Saúde ocular - tópicos de prevenção ....................................................................................... 194
III.10. O valor do toque retal e do antígeno prostático específico (PSA) no
diagnóstico precoce do câncer prostático ............................................................................... 205
III.11. Modelo de triagem para infecção urinária recorrente na detecção precoce
da doença prostática ............................................................................................................... 210
III.12. Prevenção do câncer do colo uterino ..................................................................................... 220
III.13. O acompanhamento pós-alta em pacientes acometidos por pneumonia hospitalar:
informações ao médico da atenção básica .............................................................................. 232
IV. DIAGNÓSTICO ............................................................................................................................ 239
IV.1. Avaliação subjetiva global nos programas de atenção primária à saúde .................................. 241
IV.2. Risco reprodutivo: importância e rastreamento no âmbito do psf ........................................... 252
IV..3. Abordagem dos distúrbios menstruais disfuncionais .............................................................. 262
IV.4. Mastite puerperal ...................................................................................................................... 269
IV.5. Anemia ferropriva: falta ferro, mas não pode faltar a causa .................................................... 278
IV.6. Importância da avaliação da acuidade visual na primeira infância .......................................... 287
IV.7. Infecção urinária na criança: um diagnóstico que não pode ser esquecido ............................. 291
IV.8. Rinite alérgica na criança – uma doença subdiagnosticada ..................................................... 296
IV.9. Cefaléias – abordagem na atenção primária............................................................................. 305
IV.10. Transtorno de pânico: um guia compreensivo para a equipe de saúde
em serviço de atenção básica .................................................................................................. 310
IV.11. Detectação da catarata em serviços de atenção básica na saúde.
Recomendações sobre sua resolução .......................................................................................
IV.12. Trombose venosa profunda ....................................................................................................
IV.13. O exame coproparasitológico .................................................................................................
IV.14. Contribuição do estudo radiológico no diagnóstico e acompanhamento da
tuberculose torácica na atenção primária à saúde ....................................................................
IV.15. A ultra-sonografia obstétrica no acompanhamento pré-natal .................................................
V. TRATAMENTO ...............................................................................................................................
V.1. Abordagem das feridas agudas ..................................................................................................
V.2. Cuidados básicos com a ferida cirúrgica ...................................................................................
V.3. Constipação intestinal................................................................................................................
V.4. Pé diabético: recomendações básicas ........................................................................................
V.5. Ácido fólico: prevenção simples e eficaz da mielomeningocele ...............................................
V.6. Antiinflamatórios não-esteróides: usos e abusos .......................................................................
V.7. O uso de anestésicos locais no atendimento básico à saúde ......................................................
319
324
332
344
356
369
371
385
395
403
418
422
428
Índice remissivo ................................................................................................................................... 433
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
1
APRESENTAÇÃO
Antes de apresentar este livro, faz-se necessário relatar duas histórias, distantes
entre si pelo tempo de uma geração, a primeira iniciada em 1981 e a outra em 2005, quando
ambas se encontraram – a antecedente conta outra parte da história no Brasil da Medicina
de Família ou da Saúde da Família, e, a segunda, como essa encontrou o Programa de
Alunos-especiais Docentes (PAED) e o Programa Voluntário de Iniciação Científica (PVIC)
da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
Em Março de 1981, realizou-se em Recife (PE) a reunião da Comissão Nacional de
Residência Médica (CNRM) do Ministério da Educação e naquela oportunidade os seus
Membros conheceram o Programa de Residência Médica desenvolvido no município de
Vitória de Santo Antão (Projeto Vitória da Universidade Federal de Pernambuco,
coordenado pelos Profs. Amaury Coutinho e Guilherme Abath). Naquele período, a CNRM
iniciava o processo de análise e credenciamento dos programas e constatou que o programa
da UFPE era inovador, e reproduzia o modelo da Saúde da Família desenvolvido em
alguns países da América Latina, Europa, Canadá e Estados Unidos, muitos deles
conhecidos por alguns membros da CNRM(13). Durante essa mesma reunião da CNRM,
os Profs. Amaury Coutinho e Guilherme Abath distribuíram cópias do artigo de White et
al.(16), e, do mesmo modo de quando da sua publicação(7), causou grande impacto naqueles
não-conhecedores desse clássico estudo(16). Os dados para a construção atualmente do
conhecido Diagrama de White-Williams-Greenberg foi publicado em 1961(16), no
prestigiado The New England Journal of Medicine, mas recebido com vociferantes
críticas(7) pelos docentes de muitas Escolas Médicas dos Estados Unidos da América do
Norte, especialmente por parte daqueles com formação e restrita atuação em subespecialidades. Em 2001, quarenta anos após a publicação do artigo original e agora
também respaldado por resultados semelhantes de outros autores e de diferentes países,
White(15) reviu os dados e as conclusões anteriores, enfatizando ser de 1 (0,1%) em 1.000
pessoas maiores de 16 anos de idade que necessitam de cuidados médicos em centros
universitários, como mostra o diagrama abaixo.
Diagrama de White-Williams-Greenberg(7).
← 1.000 pessoas adultas, maiores de 16 anos de idade
← 750 referiram uma ou mais queixas ou doenças nos últimos 30 dias
← 250 consultaram médico uma ou mais vezes nos últimos 30 dias
← 9 pessoas foram internadas
← 5 foram referidas para outro médico
← 1 (uma) pessoa foi internada em centro médico universitário
2
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
No estudo original(16) e na revisão subseqüente(15), entre aqueles (n=750) que relataram alguma queixa ou doença nos últimos
30 dias, só um terço (n=250) consultaram médico ou necessitaram de cuidados em algum tipo de serviço primário de saúde e,
portanto, aparentemente a maioria (n=500) teve o problema de saúde resolvido espontaneamente, utilizando auto-tratamento, ou
buscando ajuda de familiares, líderes comunitários ou amigos.
Entre nós, essa mesma situação é sabidamente comum, apesar de provavelmente ser ainda maior o número de pessoas com relato de
algum padecimento nos últimos 30 dias, por conta das influências ambientais, que favorecem muitos agravos à saúde nos países em
desenvolvimento, e também, provavelmente, menor a proporção daqueles com acesso aos serviços de atenção primária à saúde, decorrente
dos conhecidos entraves na organização, na distribuição e na qualidade desses mesmos serviços ou dos seus recursos humanos.
De igual modo, aquelas proporções descritas no Diagrama de White-Williams-Greenberg evidenciavam em 1981, como ainda
agora, questionamentos sobre a praticidade, a propriedade e as vantagens para a população brasileira de manter o ensino na área
da saúde centrado em campos de prática dentro de modelo “hospitalocêntrico”, com ênfase na formação científica dos educandos
e nas práticas da tecnociência, proposto a partir do Relatório de Abraham Flexner(9), após avaliar no início do Século XX os
currículos de escolas médicas dos Estados Unidos e Canadá.
No entanto, a reforma flexneriana do ensino médico recebeu poucas críticas ao longo de quase meio século e no Brasil exerceu
marcante influência(10), sendo que seus reflexos negativos perduram até os dias atuais, e em certa medida, colaborou na inversão
das prioridades na área do ensino e na natureza dos serviços de saúde próprios, ou conveniados às Escolas Médicas do Brasil.
Nesse contexto, o trabalho de White et al.(16) foi um dos primeiros a mostrar, cientificamente, a impropriedade do modelo flexneriano
e coincidiu sua publicação, nos países desenvolvidos do hemisfério norte, com o início da valorização e melhor estruturação da
atenção primária à saúde, inclusive sustentado pela experiência inglesa do pós-guerra com a introdução no seu sistema de saúde do
profissional médico “General Practitioner” (GP). Em 1969, a Medicina de Família foi reconhecida como especialidade médica nos
Estados Unidos, sendo isso outro passo significativo contrário ao modelo predominante de formação do médico(2). Na América Latina,
entre 1975 a 1981, a Medicina de Família, sob a forma de Programa de Residência Médica, era oferecida no México, Argentina, Panamá,
Venezuela, Porto Rico e Costa Rica, além de uma iniciativa isolada na Bolívia(13, 14). Em Portugal e Espanha, os Programas de Residência
Médica (PRM) em Medicina da Família já estavam consolidados no início dos anos 80 do Século XX(14).
Esse novo esforço da classe médica teve sua maior demonstração de pujança com a participação de 7.203 médicos na Conferência
Mundial sobre Medicina de Família (1980, Nova Orleans), mas a quase totalidade de procedência norte-americana ou de países desenvolvidos
(Canadá, de países da Europa e Austrália). Nesse conclave, só 125 médicos eram de países latino-americanos, e entre esses 2 do Brasil(13).
Após aquela visita ao Programa em Vitória de Santo Antão (PE), a revisão da literatura e as subseqüentes avaliações de outros
PRMs dessa área-especialidade, fundamentaram a decisão da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), do Ministério da
Educação, de iniciar os estudos para a inclusão do PRM de Medicina de Família entre as especialidades médicas, e estabelecer os
requisitos programáticos dessa nova área. Posteriormente denominada de Medicina Geral Comunitária(4), diferenciando-a do PRM
em Medicina Preventiva Social.
Não obstante, foi forte a oposição à criação pela CNRM, de parte de setores e profissionais historicamente vinculados a
burocracia do sistema público de saúde, desse novo PRM, e também em denominá-lo de Medicina de Família ou Saúde da Família,
como era predominante chamado no mundo ocidental desenvolvido. Por sua vez, as vozes contrárias a esse novo PRM tinham
razões quase sempre pessoais, baseadas em “achismos”, nada institucionais e muitas restritas à reserva de mercado para outra
reconhecida e relevante especialidade médica. Porém, essas críticas, a juízo da maioria da CNRM, eram desprovidas de cientificidade,
lógica e até de espírito acadêmico ou profissional.
Mesmo assim e nesse contexto bastante adverso, foi criado pela CNRM o PRM em Medicina Geral Comunitária(4), e contando
à época com o forte apoio do Representante do Ministério da Previdência e Assistência Social, Dr. Milton Machado (do Hospital
de Ipanema, Rio de Janeiro), até por ser esse órgão o maior financiador de bolsas para médicos-residentes de todo o Brasil. Em 1982,
foram credenciados pela CNRM os primeiros programas em Medicina Geral Comunitária, nas cidades de Goiânia (GO), Pelotas (RS),
Petrópolis (RJ), Porto Alegre (RS), Recife (PE), São Luis (MA) e São Paulo SP).
Com a instituição do Sistema Único de Saúde, em 1988, houve o crescente aumento da demanda por profissionais formados em
Medicina de Família e assim prevaleceu a verdade, “como filha do tempo e não da autoridade” (Francis Bacon), e hoje o mercado
dia-a-dia necessita desse profissional, com formação integral e com crescentes demandas por programas de educação permanente.
Mesmo assim, só 21 anos após a supracitada resolução da CNRM(4) foi politicamente possível, sem as pueris críticas dos anos 80
do Séc. XX, a mudança daquela denominação do PRM para Medicina de Família e Comunidade(5).
Infelizmente, todo aquele movimento ao retrocesso adiou e retardou por quase um quartel de século a consolidação dos PRMs
na área de Medicina de Família e Comunidade, isso refletiu na formação de pessoal como também na organização curricular das Escolas
Médicas. Esse nocivo adiamento não foi ainda maior e pior, porque uns poucos§ sustentaram a defesa dos PRMs em Medicina de
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
3
Família, especialmente a partir da Declaração de Petrópolis(6), em 07 de Novembro de 1981, pois sem esses programas e coordenadores
precursores, o Brasil teria perdido a oportunidade de acompanhar e consolidar esse modelo de PRM, o qual nos dias atuais há ainda
em pequeno número, especialmente se for considerado o elevado número de equipes de saúde da família.
Entre lá e cá, só em 1994 foi instituído o Programa de Saúde da Família (PSF) pelo Ministério da Saúde, o qual trouxe crescentes
demonstrações da carência de profissionais especializados em Atenção Primária à Saúde, não só como agentes multiplicadores, mas
também, como promotores de melhores serviços à população. Por outro lado, a organização do Sistema Único de Saúde (SUS) e o PSF
fomentaram a necessidade de reformulação dos currículos acadêmicos para atender essa crescente demanda. Mas, no peculiar
descompasso entre realidade e necessidade, só sete anos após, em 2001, o Conselho Federal de Enfermagem (Resolução n° 260/2001,
posteriormente incorporada na Resolução n° 290/2004) reconhece a especialidade de Saúde da Família, e no ano seguinte, em 2002,
também o Conselho Federal de Medicina (Resolução n° 1.634), denominando-a como Medicina de Família e Comunidade.
No entanto e ao bem da verdade, só com a instituição do Programa de Saúde da Família no Brasil, observando o modelo preconizado
pelo Sistema Único de Saúde(12), houve condições mais propícias no mercado de trabalho, que impulsionam, mas ainda de forma tímida,
o fomento da especialidade Saúde da Família ou Medicina de Família e Comunidade. Não obstante, como de resto nos sistemas
educacional e de saúde do Brasil, ainda sobra quantidade com pouca qualidade ou, mais propriamente, sobra o uso desqualificado e
irresponsável de indicadores centrados no número “de salas de aula”, “de postos de saúde” ou “de equipes de saúde da família”, mas
como indicadores desvinculados das evidências associadas à qualidade dos serviços prestados nesses locais ou por seus profissionais.
Entretanto, esse panorama não poderia ser mesmo muito diferente. Afinal, gestores e políticos brasileiros são formados ou
atendidos dentro de sistemas distorcidos, e esses bem sabem que conta com a omissão de grande parte da população, gerada pelo
próprio sistema fomentador do também crescente analfabetismo funcional. Ou seja, o perverso círculo vicioso não é casual,
gerando inclusive nos grandes centros urbanos do País grotões e lideranças próprias da era do coronelismo brasileiro.
Nesse contexto brasileiro, as transformações curriculares nos cursos superiores têm sido mais lentas. Nos Cursos de
Medicina, apesar do notável trabalho desenvolvido pela Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico
(CINAEM)(3), a partir de 1991, só no final de 2001 foram publicadas as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em
Medicina(1), mas até sua real implantação nos currículos de muitas escolas médicas, especialmente nas mais antigas, há ainda
contínuo e permanente trabalho para a obtenção dos primeiros resultados. Mesmo porque, como ensina o conhecimento
popular, “não é fácil mudar a roda do carro com esse em movimento”.
Todavia, é necessária boa vontade, projeto de qualidade, e, principalmente, a agregação de educadores com visão de futuro,
mas pouco afeitos às picuinhas acadêmicas ou, como referiu Darcy Ribeiro, ser “exercício de vadiagem acadêmica” não responder,
primeiro, duas perguntas básicas: “Por que o Brasil não deu certo? E o quê cada um precisa fazer para o Brasil dar certo?”.
A segunda história, aquela iniciada em 2005 mas planejada desde o início de 2004, é fundamentada na transformação curricular
do curso de Medicina da UFBA e na inserção dos alunos e dos docentes em atividades próprias da Atenção Primária à Saúde.
No final de 2004, foi apresentado ao Colegiado do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde (PPgMS), e posteriormente
à Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o Programa de Alunosespeciais Docentes (PAED) voltado ou com o objetivo de estimular seus Professores sem a titulação de Doutor, que à época
correspondia ao contingente de 52% dos 202 Professores do Corpo Docente Permanente.
Mesmo reconhecendo ser necessária, e urgente, repensar a pós-graduação stricto sensu na área médica, porque, até onde o
bom senso ensina e demonstra, não é possível qualificar clínicos e cirurgiões com esse atual modelo, o qual os afasta das boas e
esperadas práticas clínicas ou cirúrgicas. Contudo, as atuais políticas públicas criaram a quase obrigatoriedade, à valorização
acadêmica e não à profissional, da titulação de Mestre e Doutor, talvez por ingenuamente esperarem que por esse modelo seja
possível qualificar um refinado cirurgião ou um bom médico com elevado tirocínio clínico.
Mesmo com esse contexto e crítica, 44 (42%) Docentes da FAMEB-UFBA aderiram à proposta do PAED, com a oferta de
disciplinas do Curso de Doutorado, na condição de alunos-especiais do PPgMS, e ministradas em horários alternativos ou finais
de semana. Em 2005, de Maio a Dezembro, foram oferecidas 2 disciplinas obrigatórias (Bioética; e Didática e Pedagogia Especial),
e também trabalhados conteúdos objetivando a exposição do Docente-aluno em atividades voltadas à discussão da nova proposta
de transformação do curso de Medicina. Em Dezembro de 2005, esses Docentes-alunos elaboraram a 3ª Versão do Projeto de
Transformação Curricular (Proposta PAED)(11) e, para isso, muitos conheceram pela primeira vez a literatura supracitada e, pela
primeira vez, alguns serviços de atenção primária à saúde.
Profs. Drs. Carlos Alberto Salgado Borges (Universidade Federal do Maranhão), Eduardo Vilhena Leite (Faculdade de Medicina de Petrópolis), Ellis
D’Arrigo Busnello (Secretaria da Saúde do Governo do Rio Grande do Sul), Fábio Zicker (Universidade Federal de Gioás), Guilherme Abath (Universidade
Federal de Pernambuco), Kurt Köetzel (Universidade Federal de Pelotas), Nelson Rudi Koehler (Secretaria da Saúde do Governo do Rio Grande do Sul)
e Roberto G. Baruzzi (Escola Paulista de Medicina).
§
4
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
No final de Outubro de 2005, duas novas atividades foram introduzidas ao PAED, como etapas preliminares ao planejamento
das respectivas disciplinas a serem oferecidas ao longo de 2006. A primeira, o Programa Voluntário de Iniciação Científica (PVIC),
destinado aos alunos de graduação sem vínculo com outros programas de Iniciação Científica (PBIC, IC-CNPq, PET, etc.), para isso
cada Docente-aluno do PAED deveria selecionar de 3 a 9 alunos de graduação, preferencialmente observando os critérios de
seleção estabelecidos em outro trabalho(8). A partir de meados de Novembro de 2005, os 189 alunos de graduação (PVIC) passaram
a ter seminários, independentes dos oferecidos ao PAED, sobre temas de Metodologia da Pesquisa e Bioética; dessa forma foi
criado o ambiente acadêmico necessário à oferta em 2006 (durante os 2 semestres), para os membros do PAED, da disciplina
“Trabalho de Supervisão de Alunos de Graduação”, na qual o Supervisor (membro do PAED) discute com os alunos de graduação
(PVIC) do seu grupo: o projeto de pesquisa (a ser executado, no futuro, como Trabalho de Tese); a revisão da literatura; e a
elaboração de subprojetos de pesquisa, individuais, com nexo direto ao projeto de pesquisa do seu Supervisor do PAED.
A segunda atividade, do final de 2005, foi a proposta deste livro como parte da disciplina “Elaboração de Trabalho Científico”,
vinculada com a primeira ao buscar estreitar o convívio dos alunos de graduação (PVIC) e os Docentes-alunos do PAED. Para
tanto, ambos os grupos (PVIC e PAED) tiveram o desafio em Dezembro de 2005 de proporem um tema da área-especialidade do
Docente-aluno e de interesse da atenção primária à saúde. Desse modo, foi possível associar ensino de graduação e de pósgraduação, transformação curricular do curso médico e a maior sensibilização dos docentes e alunos sobre aspectos peculiares da
atenção primária à saúde, e sua relevância à saúde do povo brasileiro.
Em conclusão, este livro é fruto daquele desafio iniciado em 1981, e por isso para ser anunciado houve a necessidade de expor
toda a rede tecida nessa jornada de 25 anos. Esperamos que este livro, fundamentalmente, estimule trabalhos semelhantes em
outras Escolas Médicas e incentive os vários grupos de estudo e pesquisa deste País a esforços visando o aumento da produção
intelectual e técnica, com o objetivo de aprimorar e ampliar os instrumentos de educação permanente voltados à valorização dos
profissionais das equipes de atenção primária à saúde - para esses os nossos incentivos, pois este livro foi escrito pensando em
vocês e para vocês.
JOSÉ TAVARES-NETO
Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia
Coordenador do Programa de Alunos-especiais Docentes (PAED) e Coordenador do Programa Voluntário de Iniciação
Científica (PVIC) do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde da FAMEB-UFBA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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4. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução n° 07 de 1981. Diário Oficial da União, Brasília, Seção I, de 17 de Junho de 1981.
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Program. Pan American Journal Public Health 7: 293-302, 2000.
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Argentina, Bolívia, Venezuela, Panamá, Costa Rica, México, USA (Dallas) e Porto Rico. Secretaria-executiva da Comissão nacional de
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CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
5
PREFÁCIO
A melhoria das condições de saúde é uma condição essencial para o desenvolvimento
das populações e representa atualmente um dos principais desafios enfrentados pelos
países para atingir um nível maior de bem-estar para todos seus habitantes. Nas últimas
décadas tornou-se cada vez mais evidente que superar as condições de pobreza em que
vivem e crescem milhões de pessoas em todo o planeta requer populações saudáveis que
possam produzir os bens e os serviços necessários para consegui-lo.
Embora milhões de pessoas em todo o mundo apresentem melhores condições de
saúde e aumento contínuo da expectativa de vida, outros ainda não puderam beneficiarse dos conhecimentos e tecnologias que permitiram este importante avanço. Em algumas
áreas do mundo a expectativa de vida permanece em patamares que correspondem aos
índices registrados nos países desenvolvidos há mais de um século. Este contraste
acentuado revela a falta de acesso de amplos setores da população a medidas e
intervenções básicas que podem contribuir à prevenção e tratamento de doenças e à
promoção de condições que garantam um crescimento e desenvolvimento mais saudáveis.
A persistência de problemas de saúde e doenças já superados em grande parte do
mundo representa a prova mais clara da desigualdade e distribuição assimétrica dos
benefícios que podem ser obtidos pelos conhecimentos e tecnologias disponíveis. Estes
demonstraram serem úteis para prevenir doença e morte de milhões de pessoas nos
países desenvolvidos, mas ainda não estão ao alcance de muitos países ou aéreas em
desenvolvimento ou ainda de grandes grupos populacionais marginais inclusive dos
que vivem em países desenvolvidos. Como conseqüência desta desigualdade, em muitos
países em desenvolvimento, registram-se atualmente indicadores de morbidade e
mortalidade, em alguns casos dezenas ou centenas de vezes, mais altos que os verificados
em países desenvolvidos. Mesmo nestes últimos, pode-se observar contrastes quando
se compara a situação dos grupos populacionais segundo seu nível de renda, revelando
que as condições de desigualdade e falta de eqüidade são observadas não só entre os
países mas também internamente.
Esta situação e a persistência de elevados níveis de pobreza em muitos países e
grupos populacionais constituem atualmente um obstáculo-chave para alcançar o
desenvolvimento provocou o surgimento, na última metade do século XX, de um conjunto
de iniciativas diferentes orientadas a acelerar a efetiva implementação e aplicação das
medidas básicas de prevenção e controle de doenças, especialmente nas populações
mais vulneráveis. A proposta da estratégia de atenção primária da saúde (APS) se constituiu
uma dos elementos fundamentais neste processo. Ao estabelecer a necessidade e
importância de proporcionar acesso a uma atenção integrada e progressiva dos problemas
6
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
de saúde e doenças que com maior freqüência afetavam as populações, a APS contribuiu para expandir o acesso das populações
às intervenções, incorporando não só os serviços de saúde como também a comunidade às diferentes etapas da gestão em saúde.
As metas da Cúpula Mundial para a Infância foram adotadas por mais de cem países da Organização das Nações Unidas em
1990, quando que todos os países do mundo se comprometiam a alcançar metas específicas de redução da mortalidade e morbidade
materno-infantil até o ano 2000. Este fato reforçou o compromisso da comunidade internacional, dos governos e da sociedade civil
de organizar e realizar ações de saúde que seriam avaliadas por sua contribuição ao alcançar resultados concretos em termos de
maior sobrevida e desenvolvimento infantis. Além disso, contribuíram para fortalecer os mecanismos de vigilância da situação de
saúde em nível nacional e internacional e permitiu um maior e melhor conhecimento das doenças e dos problemas que ainda afetam
a saúde de diferentes grupos populacionais.
A avaliação das Metas da Cúpula Mundial, realizada em 2000, permitiu comprovar os resultados obtidos e identificar os
desafios ainda em aberto, entre os quais se destacou a necessidade de um vínculo mais estreito entre a saúde e o desenvolvimento
como condição-chave para melhorar a situação de saúde das populações e contribuir para condições mais eqüitativas de vida.
Estes desafios ainda em aberto fizeram com que fosse reposicionada na agenda internacional a importância de continuar empenhandose por aumentar a sobrevida infantil, de complementá-la com a criação de condições adequadas para o crescimento e desenvolvimento
saudáveis e de garantir estas condições ao longo de todo o ciclo de vida.
As Metas de Desenvolvimento para o Milênio (MDM), aprovadas como um desafio para os primeiros quinze anos do século
XXI, estabelecem como prioridade internacional a erradicação da pobreza e da fome, a educação universal, a garantia dos direitos
humanos com ênfase nas populações mais vulneráveis e a melhoria da situação de saúde da população, concentrando-se
especialmente na saúde materno-infantil e na prevenção e controle de doenças que representam risco à sobrevida e o desenvolvimento
humanos. Deste modo, as MDM representam não só uma continuidade dos compromissos adotados na Cúpula Mundial para a
Infância, mas representam um avanço mais além destas ao tratar das ameaças gerais para a saúde e o desenvolvimento em geral.
O cumprimento das MDM porá à prova nos próximos anos a capacidade dos países do empenho na busca por melhores
condições de saúde da sua população, ademais de estabelecer uma maior exigência para que tais resultados sejam alcançados com
maior eqüidade a fim de reduzir a atual distribuição injusta dos benefícios de intervenções básicas e de baixo custo que podem
prevenir e controlar um grande número de doenças e problemas de saúde. Esta exigência é expressa tanto em termos da redução da
disparidade entre os países nos indicadores de saúde, como no enfoque das MDM para a prevenção e controle de doenças que
afetam principalmente os países e grupos populacionais em situação de maior pobreza e vulnerabilidade.
O avanço para o cumprimento das MDM implica também no desafio aos países de realizá-las no contexto de um perfil
epidemiológico diversificado, que combina a emergência de novas doenças e problemas de saúde associados ao desenvolvimento
com a persistência de doenças associadas aos níveis mais baixos de desenvolvimento, reemergentes em áreas geográficas ou
grupos populacionais antes não afetados ou com novas variantes associadas à capacidade de adaptação de muitos agentes
etiológicos de origem infecciosa. Além disso, contribuem para esta situação novas ameaças à saúde associadas ao crescente peso
do ambiente como determinantes da saúde e ao efeito que este tem como desencadeante de catástrofes naturais ou na disseminação
de agentes etiológicos.
Este novo perfil epidemiológico requer uma maior quantidade de informação sobre a etiologia e os principais determinantes das
doenças, sobre as intervenções disponíveis para sua prevenção e controle e sobre as estratégias que podem ser empregadas para
que estas sejam disponíveis para toda a população. Mas também requer que esta informação chegue a todos os principais
envolvidos no processo de conversão de conhecimentos em ações que possam resultar na prevenção de doenças e problemas de
saúde, tratamento precoce e adequado das doenças e adoção de hábitos de vida que promovam o crescimento e desenvolvimento
saudáveis. Apenas por meio deste processo é que será possível comprovar o êxito das intervenções nas condições práticas
habituais em que vivem as populações mais vulneráveis, que devem ser os beneficiários prioritários da sua aplicação.
Este processo de democratização do conhecimento deverá sustentar-se tanto dos possuidores dos conteúdos básicos de cada
disciplina e campo da ciência e dos que deverão contribuir para sintetizá-los em intervenções factíveis de ser aplicadas na
população, como dos que terão como responsabilidade sua aplicação para a obtenção dos resultados esperados. Neste contexto,
o papel dos especialistas é essencial pois estes constituem, por um lado, a referência primária para a atenção dos problemas e das
doenças de sua área específica e, por outro lado, podem contribuir para sistematizar os conteúdos básicos que pode ser posto à
disposição tanto do pessoal de saúde não especializado como das próprias comunidades. Estes conteúdos básicos contribuirão
para melhorar a qualidade da atenção das doenças e dos problemas de saúde na atenção primária e também promover a adoção de
condutas e hábitos de vida que contribuam para a prevenção e controle destes problemas em casa e na comunidade.
A sistematização desta informação constitui uma tarefa de grande importância e requer a seleção cuidadosa dos tópicos mais
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
7
relevantes em termos do perfil epidemiológico das comunidades e considerar tanto as doenças e problemas de saúde que costumam
afetar as pessoas como aqueles que, embora com menor freqüência, possam representar um risco considerável para a sobrevida e
crescimento e desenvolvimento saudáveis. Por outro lado, e dentro de cada tópico, é fundamental selecionar os conteúdos mais
relevantes para com as evidências científicas disponíveis mais atualizadas proporcionar uma sistematização didática e clara destes
com enfoque direcionado à intervenção no nível primário.
Nas páginas seguintes desta publicação são abordados ambos enfoques, proporcionando ao médico da atenção primária tanto
informações sobre os últimos avanços e conhecimentos básicos para os principais problemas de saúde e doenças que afetam a
população como a melhor abordagem para sua prevenção e controle por meio de ações e intervenções factíveis de ser aplicadas na
atenção primária.
Este livro é o produto de uma visão inovadora por parte da Faculdade de Medicina da Bahia – UFBA, que recebeu contribuição
de 45 docentes desta Faculdade, tendo vários estudantes de medicina como seus colaboradores.
Os capítulos são bastante relevantes para a atuação no nível de atenção primária da saúde e a maior parte de seus conteúdos
apresenta grande originalidade no enfoque e na condução da atenção.
Desta maneira, este livro representa um instrumento fundamental, contribuindo para o processo de democratização do
conhecimento científico mais atualizado a fim de melhorar a saúde da população permitindo-lhe acesso às intervenções mais
efetivas que, baseadas nas evidências científicas existentes, levarão à sobrevida infantil e ao crescimento e desenvolvimento
saudáveis ao longo de todo o ciclo de vida da população.
Felicitamos os autores e editores dos capítulos, na pessoa do Dr. José Tavares-Neto, Diretor da Faculdade de Medicina da
Bahia, pela iniciativa em elaborar esta obra de grande relevância e, em nome da Organização Pan-Americana da Saúde, desejamos
grande sucesso na sua divulgação e utilização entre o pessoal responsável pela atenção básica em saúde, o que certamente irá
contribuir para melhores condições da atenção à saúde e prevenção às doenças na pratica médica diária.
Yehuda Benguigui
Chefe da Unidade
Saúde da Criança e Adolescente
Saúde Familiar e Comunitária
OPAS/OMS
8
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
I. PROCEDIMENTOS
ESSENCIAIS
9
10
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
I.1
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
SUPORTE BÁSICO DE VIDA E USO DO
DESFIBRILADOR EXTERNO
AUTOMÁTICO
OBJETIVOS
Paulo André Jesuíno
Diego Teixeira Nascimento
Fernanda Azevedo Jesuíno
Kiely Midori Nascimento Kataoka
Maria Almeida Dias
Mayana Lopes de Brito
Maurício Valverde Liberato
Rodrigo de Sousa Mota
Tércia Vilasboas Reis
Ao final deste capítulo, você deve ser capaz de:
1. Explicar o conceito de Suporte Básico de Vida (SBV), suas etapas e a importância da
difusão do seu conhecimento para os profissionais de saúde;
2. Reconhecer a importância da implementação do Desfibrilador Externo Automático
(DEA) no sistema de saúde;
3. Associar a estrutura básica anátomo-funcional dos sistemas respiratório e
cardiovascular com as manobras do SBV;
4. Identificar as pessoas que possuem maior risco de sofrerem Parada Cardiorrespiratória
(PCR);
5. Reconhecer prontamente uma vítima de PCR e indicar corretamente o início do SBV
e o uso de DEA;
6. Referir detalhadamente as etapas do SBV; e
7. Determinar as situações especiais e as modificações do SBV necessárias.
SITUAÇÃO PROBLEMA
Você faz parte de uma equipe do Programa de Atenção Básica de Saúde. Está visitando
as famílias da sua região, quando é chamado por um morador para socorrer Dona Eugênia,
uma senhora de 56 anos, membro de uma família que você acompanha, que segundo o
interlocutor está desacordada. Ao chegar lá, você encontra a vítima deitada no chão.
INTRODUÇÃO
O suporte básico de vida (SBV) consiste em medidas não-invasivas que proporcionam
a manutenção de funções vitais, como respiração e circulação, de uma vítima de parada
cardiopulmonar. Portanto, é a primeira medida de emergência e consiste, inicialmente, no
reconhecimento da obstrução de vias aéreas e da parada cardiorrespiratória(15, 27).
O diagnóstico clínico da parada cardíaca é determinado pela cessação brusca da
atividade cardíaca, inconsciência, apnéia ou esboço da respiração, ausência de pulso
nas grandes artérias (carótidas e femorais) e aparência moribunda(7, 10). Geralmente, a
parada cardíaca fora do hospital é causada por fibrilação ventricular, sendo a desfibrilação
o tratamento eficaz. Essa eficácia, porém, diminui a cada minuto que passa(26). A
sobrevivência posterior à parada cardíaca causada por fibrilação ventricular diminui,
aproximadamente, de 7% a 10 % por cada minuto sem desfibrilação, caindo para apenas
2 a 5% depois dos 12 minutos a partir da perda da consciência(2, 8). Isso mostra a importância
vital de se educar o público leigo a reconhecer a PCR e executar o SBV antes que o
paciente possa ter acesso a recursos técnicos e terapêuticos mais avançados, que
somente são possíveis em um hospital(10).
A seqüência de SBV inclui o ABC (A: abertura das vias aéreas; B: avaliação da
respiração; C: avaliação da circulação) da ressucitação cardiopulmonar (RCP) e o “D” de
desfibrilação. Essa seqüência pode ser realizada por qualquer pessoa treinada. Portanto,
o SBV juntamente com o uso do desfibrilador externo automático (DEA) são cruciais e
podem salvar vidas.
A morte súbita é o principal problema de Saúde Pública nos Estados Unidos(28, 29).
Aproximadamente 500 mil mortes por ano que ocorrem nos EUA são atribuídas à parada
cardíaca, sendo que 47% dessas mortes ocorrem fora do ambiente hospitalar(24, 14). A
11
Palavras-chaves:
Sistema Médico de Emergência,
Ressuscitação Cardiopulmonar,
Cardioversão Elétrica, Primeiros
Socorros, Parada Cardíaca.
12
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
sobrevida dos atendimentos dessas paradas cardíacas fora do
hospital é estimada em menos de 5%, segundo dados dos EUA
e Canadá(12).
No Brasil, a mortalidade por doença cardiovascular é de 300
mil óbitos anuais. Em 1998, o total de casos de morte súbita foi
de 159.256, segundo estatísticas do Ministério da Saúde(18). Os
coeficientes de mortalidade por doença cardiovascular no Brasil
vêm aumentando, ao contrário do que vem ocorrendo nos
Estados Unidos e em alguns países da Europa(29). Dessa forma,
torna-se imprescindível a capacitação do maior número possível
de pessoas, principalmente aqueles da área de saúde, para que
ocorra mudança do quadro de sobrevida dessas vítimas.
Algumas comunidades com programas de socorristasA têm
relatado o aumento na taxa de sobrevida nas paradas cardíacas
porque foi utilizada a RCP e desfibrilação precoces com o uso
do DEA(12). Assim, a primeira “linha de defesa” contra a morte
súbita é o leigo que está próximo do paciente. O preparo desta
“linha de defesa” se baseia em instrutores altamente motivados,
simplicidade de apresentação, repetição, demonstração e prática
em manequins(15).
Esses programas mostram-nos a necessidade do
planejamento, prática e treinamento das comunidades, sendo
de crucial importância à execução desse objetivo a difusão de
conhecimentos sobre o tema entre todos os componentes do
sistema de saúde, em especial os profissionais mais diretamente
vinculados à atenção à saúde.
BREVE NOÇÃO DE ANATOMIA E FISIOLOGIA DOS
APARELHOS RESPIRATÓRIO E CARDIOVASCULAR
Para o melhor entendimento do que ocorre em uma PCR e,
mais ainda, quais são os principais alvos de uma ressucitação
cardiopulmonar, faz-se necessária uma noção básica da anatomia
e fisiologia dos aparelhos respiratório e cardiovascular. É sabido
que todas as células corporais necessitam de um fornecimento
contínuo de oxigênio para funcionar. A função do aparelho
respiratório é levar oxigênio do ar ao sangue e eliminar gás
carbônico (CO2) do organismo(23). Para realizar essa função, em
primeiro lugar é necessário que as vias aéreas estejam abertas.
O aparelho respiratório, de uma forma abrangente, divide-se em
vias aéreas superiores (nariz, boca, faringe e laringe) e inferiores
(traquéia, brônquios, bronquíolos e alvéolos)(23).
Em segundo lugar, o organismo lança mão da inspiração e
expiração. Na inspiração ocorre um processo ativo com a
utilização de diversos músculos (diafragma e intercostais em
situações normais) que expandem a caixa torácica. Já na
expiração ocorre um processo passivo com o relaxamento dos
músculos, diminuição da caixa e, conseqüentemente, expulsão
do ar. Todo esse processo nada mais é do que a ventilação. Para
que ela ocorra, é necessária uma diferença de pressão entre o
ambiente e os pulmões. Tome como exemplo uma sanfona:
quando abre, a pressão interna torna-se menor que a externa,
com isso, o ar que está no ambiente é “sugado”. Já quando ela
se fecha, ocorre o contrário: a pressão interna torna-se maior e
“expulsa” o ar. Por isso, em uma situação de parada respiratória,
a pressão externa tem que ser imposta pelo socorrista através
da respiração boca-a-boca ou utilizando a máscara com “ambú”,
já que o mecanismo da sanfona (ventilação) não está sendo
realizado pela vítima.
A
Socorrista: Não existe essa categoria profissional no Brasil. Para melhor
entendimento do texto será utilizado esse termo designando qualquer pessoa
treinada para ajudar uma vítima de parada cardíaca, independente da
categoria profissional.
A partir da respiração, é possível dizer que o oxigênio chegou
ao sangue. Entretanto, o O2 ainda não completou o seu caminho,
ou seja, ainda não chegou às células do organismo. É nesse
ponto que entra a função do aparelho cardiovascular (composto
pelo coração, artérias, veias e capilares).
Funcionando como uma bomba, o coração é um órgão
muscular oco, que se localiza no centro do tórax, sendo o maior
responsável pela circulação do sangue no organismo(11). Na
verdade, o coração é uma bomba dupla. Uma bomba (o lado
direito do coração) recebe o sangue que retornou do organismo
após fornecer oxigênio aos tecidos. O lado direito do coração
bombeia esse sangue aos pulmões, onde é liberado o CO2 e
captado o oxigênio. A segunda bomba (o lado esquerdo do
coração) recebe o sangue oxigenado dos pulmões e bombeia-o
para o resto do corpo(23). O coração nada mais é, portanto, do
que uma bomba, semelhante a uma bomba de água (hidráulica).
Mais uma vez, em uma PCR, ao fazer as compressões
torácicas, o atendente está tentando substituir a função da
bomba cardíaca visando manter um mínimo de circulação e,
conseqüentemente, oxigenação para as células do corpo,
principalmente as células cardíacas. O objetivo é que quando
o DEA chegue, o coração ainda tenha capacidade de voltar a
se contrair e bombear efetivamente o sangue para o resto do
organismo.
Com o exposto, fica claro que o objetivo maior do SBV é
manter o mínimo de oxigenação para o coração, permitindo ao
menos que o mesmo continue fibrilando até a disponibilidade
de uma desfibrilação precoce, único tratamento considerado
eficaz para essa situação.
QUEM PODE SOFRER PARADAS CARDIORRESPIRATÓRIAS?
Mais de 70% de todas as mortes súbitas ou paradas
cardiorrespiratórias (PCR) têm causa cardíaca e 80% dessas são
atribuíveis à doença arterial coronariana. Aproximadamente 70%
das PCRs ocorrem em homens. Similar ao infarto, a PCR tem
padrão circadiano com um pico primário nas horas matutinas,
após o despertar, das seis horas até o meio-dia(16).
Os fatores de risco que podem levar a uma PCR são os
mesmos que levam às doenças do coração e abrangem idade
avançada, gênero masculino, sedentarismo, obesidade,
colesterol elevado, tabagismo, hipertensão, diabetes mellitus e
história familiar(2).
As pessoas com mais de um fator de risco têm muitas chances
de apresentarem doenças vasculares do que aquelas que não
possuem nenhum. Por exemplo, a probabilidade de sofrer um
ataque cardíaco pode ser até dez vezes maior para a pessoa que
tem um nível de colesterol sérico anormal (elevado) e fuma dois
maços de cigarros por dia do que aquela com níveis de colesterol
normal e que não fuma. No entanto, os ataques cardíacos também
ocorrem na ausência de fatores de risco(23).
A principal causa de PCR é a doença isquêmica do coração
(infarto agudo do miocárdio), que é a morte do tecido cardíaco
por isquemia, pela interrupção completa do fluxo sanguíneo na
região afetada do coração, geralmente causada pela aterosclerose.
Outras causas de PCR seriam as intoxicações exógenas, que
podem ser por medicamentos ou drogas ilícitas como a cocaína;
o choque elétrico; a asfixia; os afogamentos; os traumas; entre
outras(2, 17).
As arritmias cardíacas podem ser: taquiarritmias – um ritmo
cardíaco anormalmente rápido (freqüência cardíaca FC>100 bpm)
e bradiarritmias – ritmo cardíaco lento (freqüência cardíaca FC<60
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
bpm). Essas anormalidades no batimento cardíaco fazem com
que o coração possa não conseguir bombear o sangue
corretamente, o que pode levar a uma PCR(16, 17).
As arritmias que mais estão implicadas na PCR são:
• Taquicardia Ventricular (TV): é a rápida sucessão de
batimentos ventriculares a uma FC>100 bpm. É um ritmo
que, em algumas situações, pode não permitir o bombeamento
adequado do sangue para os tecidos, culminando em PCR, à
semelhança do que ocorre com a Fibrilação Ventricular(27, 17).
• Fibrilação Ventricular (FV): é uma arritmia maligna
caracterizada pela contração incoordenada do coração
resultando na incapacidade de manter um rendimento de
volume sanguíneo adequado(27). Se não for imediatamente
interrompida, a FV resulta em PCR. A fibrilação ventricular
provoca a perda de consciência em questão de segundos.
Se não for tratado, o indivíduo geralmente apresenta crises
convulsivas e lesão cerebral irreversível após
aproximadamente cinco minutos, pois não há mais aporte de
oxigênio ao cérebro. Em seguida, sobrevém a morte. O médico
deve suspeitar do diagnóstico de fibrilação ventricular
quando o paciente apresenta um colapso súbito(16, 17).
• Assistolia: é ausência total de atividade elétrica ou mecânica
dos ventrículos(27). Assistolia acontece quando o sistema
elétrico do coração não gera uma despolarização ventricular.
Geralmente é a via final comum, quando não se consegue
reverter a TV e FV(17).
• Atividade elétrica sem pulso (AESP): é a ausência de pulso
detectável na presença de algum tipo de atividade elétrica(27).
O prognóstico dos pacientes com AESP é reservado e a
causa determinante deve ser verificada e corrigida. Dentre
as principais causas destacam-se: hipoxemia, acidose grave,
tamponamento cardíaco, hipovolemia, embolia pulmonar,
entre outros(7, 16, 17).
Identifica-se uma FV em quase 90% dos casos de PCR, se
atendidas prontamente, enquanto se identifica assistolia apenas
em 10%. Conforme o tempo passa a partir do início do evento, a
assistolia e a atividade elétrica sem pulso são identificadas em
mais de 40% das vítimas, sugerindo que estes ritmos refletem
hipoxemia prolongada. Essa hipoxemia prolongada
provavelmente explica a sobrevida menor a longo prazo (1% a
4%) nos pacientes de PCR que se apresentam com estas arritmias,
em contraste com a taxa de 34% de sobrevida até a alta hospitalar
em pacientes nos quais se constata FV após uma parada
testemunhada(16).
COMO FAZER PARA SALVAR UMA VÍTIMA DE PARADA
CÁRDIORRESPIRATÓRIA?
Ao encontrar uma vítima desacordada há grande chance
dessa estar em parada cardiorrespiratória (PCR) causada em
sua maioria por doença isquêmica do coração(23, 9). Em outras
palavras, o indivíduo em PCR tem que estar inconsciente, sem
respirar e o coração sem bater. Nesta situação a vítima não
mantém oxigenação necessária à sua sobrevivência e seu
coração não bombeia sangue para os tecidos, sendo portanto,
um risco de morte iminente. O suporte básico de vida (SBV)
consiste no reconhecimento dos sinais de PCR, no uso de
ações seqüenciais pré-estabelecidas para manter o aporte
mínimo de oxigênio até ser possível a desfibrilação com o uso
do desfibrilador externo automático (DEA) e a chegada do
suporte avançado de vida(23). Nos dias atuais, já se sabe que
os primeiros minutos após a PCR são os mais importantes à
sobrevida do paciente(6, 26), por isso é de grande relevância a
13
boa assistência no ambiente extra-hospitalar através do SBV.
Pessoas treinadas, profissionais de saúde ou leigos, podem
realizar o SBV. A responsabilidade de fornecer SBV é de todos
os presentes na comunidade que tenham capacitação para
exercer tal função, mas cabe à equipe de saúde liderar e educar
os leigos e manter o treinamento continuado.
Como o coração é a grande bomba contrátil que mantém a
circulação sangüínea, seu bom funcionamento é fundamental à
vida, pois sem ele é impossível oferecer oxigênio para as nossas
células. A fibrilação cardíaca ocorre quando o coração não
consegue mais bombear o sangue para o resto do organismo
podendo causar morte súbita. Nesta situação as contrações,
quando presentes, não são mais efetivas, pois ocorre alteração
no automatismo, ou seja, a atividade elétrica não está coordenada
para permitir que o coração contraia de maneira correta. A
desfibrilação é definida como o fim da fibrilação. De maneira
mais detalhada refere-se ao fim da fibrilação ventricular (FV) ou
taquicardia ventricular (TV) após cinco segundos da
administração de um choque elétrico. Tecnicamente consiste na
passagem de uma corrente elétrica de alta intensidade pelo
miocárdio (choque) objetivando despolarizar a massa cardíaca
e, com isso, restaurar a atividade elétrica coordenada. Entretanto,
é importante ter em mente que o alvo da desfibrilação é tentar
retomar a circulação espontânea do paciente(8).
Há algum tempo, a desfibrilação cardíaca estava restrita à
presença do médico, mas após a criação do DEA a realidade
mudou, trazendo a possibilidade de se desfibrilar o paciente
precocemente, fora do hospital e sem necessariamente exigir a
presença do médico, desde que quem esteja atendendo a vítima
de parada tenha treinamento para utilizar o DEA (9). A
possibilidade de desfibrilar as vítimas em parada mais
precocemente resultou em grande impacto na sobrevida dos
pacientes, porque a retomada de contrações cardíacas efetivas
mais rapidamente influencia diretamente na sobrevivência e nas
possíveis seqüelas(6, 26). O bom treinamento do leigo permite
que ele desempenhe um importante papel como “atuante
primário” na atenção à vítima de PCR. A popularização do DEA,
juntamente com uma política de acesso público efetiva, é
estratégia plausível para aumentar o número de
sobreviventes(13). O DEA deve estar disponível para uso em
“shoppings”, estádios de futebol, aeroportos, cassinos, centros
de convenções, hotéis e outros locais públicos(9).
Há que se ter em mente ainda um conceito extremamente
importante: a cadeia de sobrevivência. Essa refere-se a toda a
estrutura envolvida que dará assistência à vítima de PCR. São
elas: 1) acesso precoce ao sistema médico de emergência
(SAMU-192); 2) RCP precoce; 3) desfibrilação precoce; e 4)
atendimento médico avançado. Assim, para salvar a vítima de
PCR, não é apenas necessária a realização de manobras de RCP.
Faz-se necessário também lembrar de acionar o sistema médico
de emergência (SAMU-192; de boa qualidade e que chegue ao
local o mais rápido possível). Nos casos em que o DEA esteja
disponível no local e existam pessoas treinadas o mesmo deve
ser usado imediatamente. Pesquisas mostram que a desfibrilação
precoce é a intervenção simples mais importante, podendo
resultar em taxas de sobrevivência em torno de 90%(9).
Em resumo, para salvar a vítima de PCR as ações devem ser
rápidas usando o SBV, acionando o sistema de emergência e,
sempre que possível, com a desfibrilação cardíaca precoce. Por
isso, é preciso que a cadeia de sobrevivência seja estruturada e
organizada, juntamente com o bom treinamento do maior número
de pessoas, sobretudo as vinculadas à área de saúde. É essencial
a disponibilidade dos equipamentos necessários para a realização
14
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
do SBV e desfibrilação precoce, ou seja, a disponibilidade de
pelo menos uma bolsa máscara e um DEA em cada Unidade de
Atenção primária à saúde.
Se o tórax não se movimenta nem há exalação de ar, a vítima
não está respirando. Esse exame não deve levar mais de 10
segundos(3, 23, 27).
A SEQÜÊNCIA DE SBV: AVALIAR, ATIVAR O SERVIÇO DE
EMERGÊNCIA, FAZER OABCD
Como realizar respirações de resgate?
A intervenção rápida com duas respirações de resgate é
necessária tanto se o indivíduo não respira como se ele o faz
inadequadamente. A respiração só deve ser considerada
presente se ela estiver normal. Qualquer alteração deve ser
considerada como ausência de respiração. Em caso de dúvida
se as respirações são adequadas, aplique as respirações de
resgate imediatamente. Para isto, siga os passos (Figura 4):
- mantenha as vias aéreas da vítima abertas;
- aperte o nariz com o polegar e o indicador (usando a mão
colocada sobre a testa);
- faça uma respiração normal;
- coloque seus lábios ao redor da boca da vítima, cobrindo-a
completamente;
- aplique duas respirações de resgate;
- certifique-se que o tórax se expande com cada respiração;
- imediatamente inicie ciclos de 30 compressões torácicas e 2
respirações de resgate(12). Se você é médico procure por sinais
de circulação (tosse, respiração e/ou movimentação) antes de
iniciar as compressões(23).
A seqüência de SBV inclui o ABC da RCP e o “D” de
desfibrilação (Quadro 1).
Verificando consciência e acionando o serviço de emergência
(SAMU)
O socorrista deve determinar rapidamente se:
- o lugar é seguro;
- a vítima está inconsciente;
Toque ou sacuda a vítima e grite: “Você está bem?”. Se ela
não responder, mande alguém ligar imediatamente para o serviço
de emergência (SAMU-192). Se houver DEA próximo ao local,
mande buscá-lo prontamente; se não houver, mande comunicar
ao SAMU que não há DEA no local (Figura 1)* . Este ajudante
deverá saber as seguintes informações:
- local da emergência;
- telefone de onde está sendo feita a ligação;
- o que aconteceu;
- que tipo de socorro está sendo oferecido (ex: “está sendo feita
RCP” ou “estamos usando um DEA”)(23).
Em caso indiscutível de acidente por trauma, seguir conduta
descrita na seção “Situações Especiais”.
A - Avaliando as vias aéreas
Se a vítima está inconsciente, você deve analisar se esta
respira adequadamente. Para avaliar a respiração, a vítima deve
estar deitada de costas, com as vias aéreas abertas, como
mostrado adiante(23).
Como posicionar a vítima?
A vítima deve estar sobre uma superfície plana e firme, de
costas e com os braços ao lado do corpo(3, 23, 27).
Como se posicionar para ajudar a vítima?
Você deve posicionar-se ao lado da vítima, estando preparado
tanto para realizar respirações de resgate como compressões
torácicas. Prepare-se também para a chegada de outros
socorristas (com um DEA ou um desfibrilador manual)(23).
Como abrir as vias aéreas?
Você deve realizar a manobra de inclinação da cabeça (elevação
do queixo). Caso a vítima não responda ao seu chamado, abra
suas vias aéreas inclinando a cabeça para trás e elevando o queixo.
Coloque uma mão na testa e com uma firme pressão incline a
cabeça para trás. Ao mesmo tempo, coloque a ponta dos dedos
da sua outra mão na ponta do queixo da vítima e o eleve para abrir
as vias aéreas superiores (Figura 2). Cuidado para não comprimir
o pescoço, pois isto pode bloquear as vias aéreas(3, 23, 27).
B – Respiração
Avaliação: o paciente respira?
Para avaliar a respiração, coloque o seu ouvido perto da
boca e do nariz da vítima, enquanto mantém as vias aéreas
abertas. Então observe o tórax da vítima (Figura 3):
- olhe para averiguar se ele sobe e desce;
- ouça se há saída de ar durante a expiração;
- sinta o fluxo de ar.
Como utilizar o sistema Bolsa-Máscara (AMBÚ)
- aplique a máscara à face da vítima com uma mão, utilizando a
ponte nasal como guia para o correto posicionamento desta;
- com uma mão, coloque o 3°, 4° e 5° dedos ao longo da parte
óssea da mandíbula e o polegar e o indicador sobre a máscara;
- conserve a inclinação da cabeça para manter as vias aéreas
abertas e ajustar a máscara;
- aperte a bolsa com a outra mão e observe se há elevação do
tórax;
- o ritmo de compressão da bolsa deve ser de cerca de 2 em 2
segundos, sempre se certificando de que há elevação do tórax(23).
Se houver outro socorrista, peça-lhe que lhe ajude na
compressão da bolsa, enquanto você se concentra na fixação
da máscara à face da vítima.
C – Circulação
Como fazer a compressão torácica?
- posicione uma mão sobre o meio do tórax da vítima;
- coloque a segunda mão sobre a primeira;
- os dedos podem estar estendidos ou entrelaçados, mas devem
ser mantidos afastados do tórax da vítima (Figura 5);
- mantenha os braços esticados, sem dobrar os cotovelos, e
seus ombros em linha reta com suas mãos (Figura 6);
- a força deve ser direcionada diretamente para baixo;
- as compressões devem ser realizadas a uma freqüência de 100
por minuto(12);
- permita que o tórax volte a sua posição normal entre uma
compressão e outra.
A respiração de resgate e as compressões torácicas devem
combinar-se para garantir a efetividade do suporte a uma vítima
de PCR(23).
Quando parar as compressões?
Deve-se continuar com os ciclos de 30 compressões torácicas
e 2 respirações de resgate até que:
- o DEA chegue e esteja pronto para uso;
- o paciente se mova;
- o socorrista não suporte mais o cansaço.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Quadro 1. Algoritmo do Suporte Básico de Vida
VERIFICAR
CONSCIÊNCIA
VÍTIMA NÃO RESPONDE
ACIONAR O SERVIÇO
DE EMERGÊNCIA E
SOLICITAR O DEA
A
ABRIR VIAS AÉREAS
VERIFICAR
RESPIRAÇÃO
ALTERADA
NORMAL
B
DUAS RESPIRAÇÕES
DE RESGATE B
NÃO
INICIAR COMPRESSÕES
TORÁCICAS
C
A VÍTIMA SE MOVIMENTOU?
Posição de
Recuperação e
Aguardar à
Chegada do
Serviço de
Emergência
SIM
Continuar Respirações
de Resgate e
Compressões Torácicas
DEA chegou
D
LIGAR O DEA E
SEGUIR COMANDOS
A VÍTIMA SE
MOVIMENTOU?
D
Continuar Respirações de Resgate e
Compressões Torácicas Enquanto Aguarda à
Chegada do Serviço de Emergência
NÃO
15
16
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Figura 1. Verificando consciência e chamando por ajuda.
Figura 2. Manobra de inclinação da cabeça, elevação do queixo
e hiperextensão do pescoço (abertura das vias aéreas).
Figura 3. Avaliando se o paciente respira.
Figura 4. Respiração de resgate boca-a-boca.
Figura 5. Posicionando as mãos no tórax da vítima.
Figura 6. Realizando as compressões torácicas.
Se a vítima recupera a respiração e os sinais de circulação
durante ou depois da ressuscitação, continue ajudando-a a
manter suas vias aéreas abertas, até que esteja suficientemente
alerta para proteger suas vias aéreas por si mesma. Se a respiração
e os sinais de circulação continuarem sendo adequados, coloque
a vítima em posição de recuperação (Figura 7).
Siga as recomendações:
- certifique-se de que as vias aéreas permanecem desobstruídas;
- estenda ao lado do corpo da vítima o braço que está mais
Nota dos autores: todos os figurantes nas fotos 1-8 (figuras 1-8) são
autores deste capítulo, estudantes de Medicina da faculdade de Medicina da
Bahia da Universidade Federal da Bahia, e autorizaram a divulgação.
*
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Figura 7. Posição de recuperação.
17
Figura 8. Utilizando o DEA.
Quadro 2. Esquema das manobras de SBV de acordo com a idade da criança e com o número de socorristas.
Atendimento a
crianças
Número de
socorristas
Ativação do
sistema de
emergência
Ventilação
Compressões
Torácicas
Crianças até 1 ano
1 socorrista
Crianças com mais de 1 ano
2 socorristas
Um socorrista
ativa o sistema e
outro realiza a
RCP
Realiza-se a ventilação “boca a bocanariz”
Utilizar os 2
polegares, lado a
lado, no meio do
Posicionar 2 dedos
tórax, abaixo da
no meio do tórax,
linha entre os 2
abaixo da linha
mamilos. O outro
entre os 2
envolve o tórax
mamilos
apoiando as costas
com os dedos das
Freqüência 30:2
mãos
Realizar 5 ciclos
de RCP antes de
ativar o sistema
1 socorrista
2 socorristas
Um socorrista
ativa o sistema e
outro realiza a
RCP
Realiza-se a “boca a boca” semelhante a
do adulto
Realizar 5 ciclos
de RCP antes de
ativar o sistema
Posicionar 1 ou as
2 mãos no meio
do tórax, na linha
entre os 2
mamilos
Posicionar 1 ou as
2 mãos no meio
do tórax, na linha
entre os 2
mamilos
Freqüência 30:2
Freqüência 15:2
Freqüência 15:2
Uso do DEA
Não recomendado
próximo de você, ajeitando a mão sob a perna do mesmo lado;
- dobre o outro braço sobre o tórax da vítima e cruze a perna
mais afastada sobre a perna que está próxima de você;
- proteja e apoie a cabeça da vítima com uma das mãos. Com a
outra, segure com firmeza a roupa na altura do quadril e puxe a
vítima em direção a você, mantendo-a apoiada contra seu
próprio corpo;
- posicione a cabeça da vítima sobre um dos braços, em posição
de dormir. A outra mão será posicionada sob o rosto, dando
maior estabilidade ao pescoço. Flexione a perna para que a
vítima fique em uma posição mais estável, impedindo-a de virarse de costas(23).
D – DEA
O DEA deve ser usado quando a vítima está em PCR, ou seja:
- não responde (desacordada);
Realizar 5 ciclos de RCP antes do uso
do DEA. Se colapso súbito
testemunhado ou cardiopata, usar assim
que possível
- não respira;
- não se move (ausência de circulação).
Como utilizar o DEA?:(28)
- ligue o DEA em primeiro lugar (alguns aparelhos começarão a
funcionar automaticamente quando a tampa ou o estojo for
aberto);
- conecte os cabos com o DEA (esses podem estar préconectados);
- conecte os cabos do DEA com as pás auto-adesivas (essas
podem estar pré-conectadas);
- fixe as pás auto-adesivas no tórax despido da vítima (Figura
8)(23).
A partir desse momento, siga os comandos do DEA.
Inicialmente, o aparelho analisa o ritmo do coração da vítima.
Assim, aguarde até a emissão de um comando. Se o comando for
18
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
decidido por desfibrilação (choque), certifique-se de que
ninguém está em contato com a vítima e proceda ao choque.
Imediatamente após, (re) inicie as compressões. Não interrompa
as compressões torácicas para checar sinais de circulação. Isto
só deve ocorrer após o 5° ciclo de compressão torácica/respiração
de resgate ou dois minutos de PCR pós-desfibrilação(12). Aguarde
a chegada do Serviço Médico de Urgência. Enquanto isso, preste
atenção às orientações do DEA e siga-as.
Neste capítulo, veja condutas especiais do uso de DEA na
seção “Situações Especiais”.
SUGESTÃO DE CONDUTASOBRE O CASOAPRESENTADO
O primeiro passo foi checar a consciência de Dona Eugênia.
O socorrista chamou-a pelo nome, não obtendo resposta. Então,
pediu para que um dos moradores que o acompanhava ligasse
para o serviço de emergência (192) e que outro morador fosse
buscar o DEA na unidade de saúde próxima ao local. Após isso,
o socorrista seguiu a seqüência do ABC (abriu as vias aéreas;
verificou que ela não respirava, iniciou as manobras de
ventilação e compressões torácicas, sendo 2 ventilações para
cada 30 compressões). O socorrista continuou realizando as
manobras até a chegada do DEA, cerca de 3 minutos depois. O
DEA foi aplicado, seguindo as instruções do aparelho. Após o
2º choque, o DEA alertou “choque não indicado, examine sua
vítima”. O socorrista observou que Dona Eugênia estava se
movendo. A equipe de emergência chegou e transportou Dona
Eugênia ao hospital.
Hoje, 2 meses depois, o socorrista recebeu o convite para
participar do aniversário de 57 anos de Dona Eugênia.
SITUAÇÕES ESPECIAIS
A maioria das situações de emergência que necessitam de
suporte básico de vida deve ser abordada de acordo com o
algoritmo anteriormente descrito. Porém, existem algumas
situações especiais, como o atendimento a crianças, que exigem
modificações no algoritmo do suporte básico de vida.
Crianças
Ativação do Sistema de emergência (ligar para 192 ou para outro
sistema de emergência disponível)
Um socorrista: Realizar dois minutos de RCP (cinco ciclos)
antes de ativar o sistema(1).
Dois socorristas: Um socorrista ativa o sistema enquanto o
outro realiza a RCP(1).
Se a criança tiver apresentado colapso súbito testemunhado
ou for sabidamente cardiopata: primeiro ativar o sistema e depois
iniciar a RCP(1).
Ventilação
A avaliação deverá ser feita de acordo com o algoritmo.
Lembrando que devem ser gastos no máximo 10 segundos nesta
etapa(1, 19, 23).
A ventilação em crianças de até um ano deve ser feita “boca
a boca-nariz”. A boca do socorrista deve cobrir boca e nariz da
vítima. Se a criança for grande e esta manobra não for possível,
realiza-se a ventilação “boca a boca”, igual à realizada em adultos
e em crianças maiores que um ano(1, 3, 19, 20, 23).
Compressões Torácicas
Localização: Na presença de apenas um socorrista e vítima de
até 1 ano de idade, posicionar dois dedos no meio do tórax, um
pouco abaixo da linha entre os dois mamilos (Para médicos: dois
dedos no esterno, logo abaixo da linha inter-mamilar)(1, 3, 4, 19, 20, 21, 23).
Se dois socorristas, utilizar os dois polegares, um do lado do outro,
no meio do tórax, logo abaixo da linha entre os dois mamilos (Para
médicos: dois polegares lado a lado sobre o esterno, logo abaixo da
linha inter-mamilar) e envolver o tórax, apoiando as costas com os
dedos de ambas as mãos. Em crianças de um a oito anos deve-se
colocar uma ou as duas mãos no meio do tórax, na linha entre os
dois mamilos (Para médicos: posicionar uma ou duas mãos no
esterno, na linha inter-mamilar)(1, 4, 19, 20, 23). Crianças maiores de oito
anos, utilizar as mesmas recomendações do adulto(1, 3, 19, 20, 23).
Freqüência: Na presença de apenas um socorrista - 30:2
compressão-ventilação (igual para todas as vítimas). Se dois
socorristas - 15:2 compressão-ventilação(1) (Quadro 2).
Uso de DEA
Usar em crianças após cinco ciclos da RCP (de preferência o
pediátrico). Crianças que apresentaram colapso súbito
testemunhado ou que são sabidamente cardiopatas: utilizar o
DEA assim que disponível(1, 22).
O DEA não é recomendado para menores de 1 ano(1).
Submersão/afogamento
Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois
minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de
emergência(1, 23).
Manobras para extrair água dos pulmões e do estômago não
devem ser feitas(3, 25).
Quando não se conseguir ventilar a vítima adequadamente,
pensar em presença de corpo estranho em cavidade oral(25).
Porém, só deve ser realizada a manobra de tentativa de retirada
do corpo estranho se este estiver visível(4).
Trauma
Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois
minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de
emergência(23).
Médicos prestando socorro a uma vítima de trauma devem
ter atenção especial para mobilização do pescoço. As vias aéreas
devem ser abertas com a manobra de tração da mandíbula e
deve ser realizada a imobilização cervical(1).
Não médicos não devem tentar a manobra de tração da
mandíbula, mesmo na suspeita de trauma de coluna cervical. A
RCP deverá ser feita conforme as técnicas do algoritmo(1).
Choque Elétrico
Atenção para a segurança do socorrista. O suporte básico
de vida não deve ser iniciado se para isso o socorrista tenha
que correr risco de ser mais uma vítima. A vítima deve ser
afastada do local do choque elétrico ou a fonte de energia deve
ser desligada(3, 23).
Descarga de raio
Proceder algoritmo do suporte básico de vida. Se houver
mais de uma vítima, a prioridade será para àquela que está em
parada respiratória ou cardíaca(23).
Gravidez
Deve-se seguir o algoritmo padrão, porém as compressões
torácicas devem ser feitas sobre um ponto do tórax um pouco
mais alto. Se for possível realizar as compressões com a vítima
apoiada sobre seu lado esquerdo, com uma superfície rígida
atrás das costas, as compressões serão mais efetivas(1).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Asfixia/Sufocação
Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois
minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de
emergência(1, 23).
Intoxicações
Se houver apenas um socorrista, é recomendado realizar dois
minutos de RCP (cinco ciclos) antes de ativar o sistema de
emergência(1, 23).
Uso do DEA em caso de:
Marcapasso Implantado/CDI
Estes aparelhos podem ser identificados pelo socorrista. Para
isso deve-se visualizar e palpar o tórax da vítima à procura de
uma protuberância dura sob a pele coberta por uma cicatriz,
geralmente na região esquerda superior do tórax(5, 23).
Se o marcapasso implantado for identificado, a pá autoadesiva do DEA deve ser colocada, no mínimo, a 2,5cm do
dispositivo(5, 23).
Médicos: identificar quando o CDI está aplicando
choques. Os músculos da vítima contraem-se de forma similar
à observada durante a desfibrilação externa. Se o dispositivo
não estiver aplicando choque, tratar como se não houvesse
um aparelho implantado (utilizar algoritmo). Se estiver
aplicando choque, deixar passar de 30 a 60 segundos, para
que o dispositivo complete o ciclo do tratamento. Se estes
choques não forem efetivos, aplicar um imã sob o aparelho
para desativá-lo e tratar como se não houvesse CDI (utilizar
algoritmo)(5, 23, 28).
Adesivo de medicação transcutânea
Se a vítima fizer uso de adesivo de medicação transcutânea
em tórax ou abdômen, este deve ser retirado e a área deve ser
limpa antes da aplicação das pás do DEA(23).
Água
É importante que o socorrista esteja atento para a presença
de água no ambiente onde a vítima está sendo socorrida. A
vítima deve ser removida de lugares molhados para que não
fique em contato com água no momento da aplicação do choque
com o DEA. Caso seu tórax esteja molhado, deve ser enxuto
antes da aplicação das pás do DEA(23).
PRINCIPAIS DÚVIDAS
O que é mais importante durante a RCP, a compressão ou a
ventilação?
Na maioria das vezes a compressão é mais importante,
explicando a mudança da taxa compressão-ventilação de 15:2
em adultos e 5:2 em crianças no Guideline da American Heart
Association de 2000 para 30:2 em todas as vítimas, com exceção
dos recém-nascidos, em 2005(1). Isso se justifica porque o fluxo
sangüíneo pulmonar está muito menor do que o normal e então
a vítima necessita de menos ventilação do que o normal. No
entanto, quando a parada cardíaca for por hipóxia, depois de
alguns minutos de qualquer parada, a ventilação se torna
igualmente importante. A parada cardíaca por hipóxia ocorre na
maioria das crianças e em vítimas de afogamento, overdose por
drogas ou trauma(12).
Após um choque como se deve proceder (uso do DEA)?
Depois do choque, iniciar RCP imediatamente, antes mesmo
do DEA verificar novamente o ritmo. O próprio aparelho fará a
19
verificação do ritmo cardíaco novamente em 5 ciclos de RCP
(cerca de 2 minutos)(12).
Quando e como o uso do DEA é recomendado para crianças?
Como proceder?
O uso de DEA é recomendado para crianças com um ano de
idade ou mais. Quando a parada cardíaca é testemunhada, o
DEA deve ser usado assim que esteja disponível. Em paradas
cardíacas não-testemunhadas e que ocorrem em ambiente nãohospitalar o DEA deve ser usado após 5 ciclos de RCP (dois
minutos). Atualmente, os DEAs são equipados para fornecer
doses menores de energia através de pás menores ou uma chave
ou outras formas de reduzir a dose de energia. Se o DEA que
estiver sendo utilizado não tiver pás menores ou outra forma de
fornecer menores doses de energia, usar as pás regulares de
adultos. É importante destacar que as pás menores nunca devem
ser utilizadas em adultos(12).
Quais são as situações em que se deve iniciar RCP antes de
procurar auxílio (se estiver sozinho)?
Em crianças ou bebês não responsivos (5 ciclos): como a
parada por hipóxia é o tipo mais comum em crianças, a RCP
inicial fornece oxigênio para o coração, cérebro e órgãos vitais.
Também em casos de afogamentos, trauma, asfixia/sufocamento
e intoxicação devem ser realizados primeiro os 5 ciclos e depois
chamada a assistência(12).
Como proceder se a respiração de resgate não for efetiva ?
Uma respiração de resgate é dita efetiva quando faz o tórax
da vítima se elevar. Caso isso não ocorra, o socorrista deve
realizar novamente a manobra de elevação do queixo e inclinação
da cabeça para abrir as vias aéreas tentativa de desobstruí-las
uma vez que a sua obstrução é a principal causa de respiração
de resgate não-efetiva. Caso a respiração seguinte também não
seja efetiva, o socorrista deve partir para uma nova série de
compressões e tentar efetivar as respirações de resgate no ciclo
seguinte. Se a respiração seguinte for efetiva, o socorrista deve
completar o ciclo de duas respirações de resgate e partir para a
série de compressões. O socorrista não deve tentar mais de
duas vezes fornecer respiração de resgate porque isso atrasa as
compressões(12).
É importante frisar que as respirações de resgate não devem
ser muito prolongadas e nem muito forçadas e o socorrista deve
realizar uma respiração normal (e não profunda) antes desta.
Isso se justifica porque a hiperventilação (muitas respirações
de resgate ou respirações de resgate muito forçadas) podem ser
danosas pois aumentam a pressão do tórax, reduzindo o retorno
do sangue ao coração e, portanto, quando for iniciado o próximo
ciclo de compressões o fluxo sanguíneo será ainda menor(12).
Qual manobra de desobstrução das vias aéreas deve ser
utilizada?
A manobra de inclinação da cabeça/elevação do queixo deve
ser realizada em todas as vítimas não responsivas, mesmo
naquelas com traumas (com exceção de médicos especificamente
treinados para atendimento de vítimas de trauma)(12).
Como deve ser feita a verificação da respiração em crianças,
adultos e bebês?
Em adultos, observa-se se há ritmo normal da respiração
antes de fornecer as duas respirações de resgate. Em crianças e
bebês, se há respiração ou não e então fornecer as duas
respirações de resgate. Isso se justifica porque é comum os
20
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
adultos que sofrem PCR ficarem ofegando, situação esta que
pode ser confundida com uma respiração normal (porém é nãoefetiva). Isso não acontece com freqüência em crianças(12).
Até quando a pessoa que está socorrendo deve realizar RCP?
A pessoa que está socorrendo deve continuar a RCP até o
DEA chegar, a vítima começar a se mover, a chegada do suporte
avançado de vida ou esgotamento físico(12).
Onde devem ser realizadas as compressões em crianças?
Em crianças, as compressões devem ser realizadas no esterno
ao longo da linha intermamilar usando 1-2 mãos. Em bebês, os
socorristas devem pressionar o esterno abaixo da linha
intermamilar, usando 2 dedos(12).
Como saber que o paciente está em parada? É preciso ter certeza
para iniciar a RCP?
É concluído que a vítima está em PCR quando está
inconsciente, sem respirar e o coração sem bater. A seqüência
de RCP permite agir em todas essas etapas, à medida que são
verificadas as essas situações. Nesses casos, é melhor “pecar
por excesso do que por falta”. Assim na dúvida, inicie a RCP(23).
CONCLUSÃO
Esses procedimentos serão potencializados e com maior
probabilidade de acerto se cada equipe de Saúde da Família
organizar com o SAMU local ou profissional de saúde experiente
uma oficina de treinamento e, após isso e de forma regular (1 vez
por mês por exemplo), voltar a treinar toda equipe e socorristas
da comunidade, sob a condução de um dos membros da equipe,
usando modelos hipotéticos para o treinamento.
11.
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13.
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I.2
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
DECLARAÇÃO DE ÓBITO: A
IMPORTÂNCIA DO ADEQUADO
PREENCHIMENTO
21
Raul Coelho Barreto Filho
Ygor Gomes de Souza
Darcy Carneiro Muritiba Júnior
Luanne Lisle dos Santos Silva
Clara Maia Bastos
INTRODUÇÃO
O fornecimento da declaração de óbito é, em princípio, dever do médico. É um
documento que tem como objetivos confirmar a morte, definir a causa mortis e permitir
a computação de estatísticas médico-sanitárias. Por meio desse instrumento, é possível
legitimar o óbito e estabelecer a etiologia da morte, se natural ou violenta. Além disso, é
possível conhecer as causas de morte de determinada população, contribuindo para o
estabelecimento de políticas públicas direcionadas à prevenção das mesmas4.
Destacam-se os seguintes propósitos da declaração de óbito: monitorar índices de
morbidade e mortalidade da população; planejar políticas de saúde; implementar e
monitorar estratégias de saúde pública; fornecer a base de mudanças legislativas; priorizar
despesas com a saúde e fornecer dados para pesquisas científicas e de gestão.
Dados do Serviço de Informações sobre Mortalidade (SIM) indicam que a mortalidade
proporcional por causas maldefinidas é elevada, chegando a atingir a taxa de 30% na
região Nordeste3. Esse fato também indica a insuficiência das informações registradas,
o que prejudica a análise da distribuição das causas de óbito no Brasil.
LEGISLAÇÃO
A declaração de óbito, que muitas vezes é considerada como um simples ato
corriqueiro do profissional médico, é de suma importância, devendo ser emitido de
maneira adequada para alcançar seu fim social e evitar futuros transtornos de ordem
ética e penal. A Resolução nº1.601 de 2000 do Conselho Federal de Medicina (CFM)
regulamenta a responsabilidade médica no fornecimento da declaração de óbito5.
Resolução CFM nº 1.601 de 2000
Essa resolução do Conselho Federal de Medicina foi fundamentada na Lei nº 3.268,
de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958,
e nos artigos são destacados os temas de interesse deste capítulo.
“Art. 14 - O médico deve empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões
dos serviços médicos e assumir sua parcela de responsabilidade em relação à saúde
pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde”.
É vedado ao Médico:
“Art. 39 - Receitar ou atestar de forma secreta ou ilegível, assim como assinar folhas em
branco de receituários, laudos, atestados ou quaisquer outros documentos médicos”.
Comentário: A lenda de o médico escrever ilegível é antiga. Além de ser antiético, dificulta
a interpretação do que se pretende dizer, seja na receita, seja na declaração de óbito. Não
existem dados nacionais precisos sobre a dimensão de tal questão. Mas há um consenso,
não só entre os profissionais de saúde, mas também nos órgãos governamentais, de
que é um problema muito grave, o uso da letra de fôrma, por exemplo, é o melhor modo
de amenizá-lo.
“Art. 44 - Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação
vigente”. Comentário: Em caso de morte por fatores externos, o médico não pode
preencher a declaração. Nesse caso, deve encaminhar o corpo para o IML (Instituto
Médico Legal) para que seja feita a necropsia. Nessas situações, é o médico legista
Palavras-chaves:
Declaração de óbito, Políticas de
saúde, Legislação, Conselho
Federal de Medicina,
Preenchimento.
22
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
quem faz o atestado de óbito. Há fatos verídicos de médicos
preencherem uma declaração de óbito dando como causa da
morte uma infecção mas, o paciente tinha sinais de trauma. Assim,
o profissional pode ser processado pelo Ministério Público por
não haver registro das lesões.
“Art. 110 - Fornecer atestado sem ter praticado o ato profissional
que o justifique, ou que não corresponda à verdade”. Comentário:
O atestado médico é um documento freqüentemente solicitado
ao médico, seja em consultas de rotina ou de urgência. O atestado
médico é um direito do paciente, não podendo ser negado. No
entanto, o conteúdo desse documento é de inteira
responsabilidade do médico, devendo refletir estritamente seu
parecer técnico. Além disso, o atestado tem fé pública, ou seja,
presunção de veracidade (é considerado verdadeiro até prova em
contrário). O médico é obrigado a atestar, mas atestar a verdade,
caso contrário estará contrariando normas ético-profissionais.
“Art. 112 - Deixar de atestar atos executados no exercício
profissional, quando solicitado pelo paciente ou seu responsável
legal”. Comentário: A responsabilidade civil é o instituto jurídico
que enseja o dever de alguém em reparar algo que tenha causado
a outrem, quer através de uma ação ou omissão. Ao longo de um
processo judicial de responsabilidade civil médica, muitas provas
podem ser produzidas, em vários momentos; é o princípio
constitucional da ampla defesa. As partes, portanto, podem lançar
mão de provas documentais, testemunhais, depoimentos da parte
contrária e da perícia. Assim, dentro deste contexto, o médico tem
o dever de fornecer relatório do paciente, caso este o solicite.
“Art. 114 - Atestar óbito quando não o tenha verificado
pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao
paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista,
médico substituto, ou em caso de necropsia e verificação médicolegal”. Comentário: A decisão sobre quem deve declarar as
causas de morte é feita com base no tipo de afecção que resultou
na morte do paciente. Geralmente são os médicos que declaram
a morte, mas, em certos casos, localidade sem médico por
exemplo, duas testemunhas podem fazê-lo. Sob certas
circunstâncias, é admissível que outros profissionais da saúde
(por exemplo, enfermeiros) constatem a morte e registrem a data
e hora do óbito. Entretanto, os não-médicos não podem
legalmente preencher a declaração de óbito. Esse mesmo artigo
indica que o médico, para fornecer declaração de óbito, deve ter
assistido ao paciente, porque tem plenas condições de
determinar a causa mortis, já que contribuiu para diagnóstico e
tratamento do mesmo. Por sua vez, este dispositivo ético prevê
a hipótese do médico plantonista atestar o óbito, mesmo se não
assistiu ao paciente. No entanto, a possibilidade do médico
plantonista atestar, isto é, preencher o documento da declaração
de óbito e determinar a causa mortis, somente ocorrerá no
impedimento do médico-assistente.
“Art. 115 - Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha
prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte
violenta”. Comentário: Preferencialmente, o óbito deve ser
atestado pelo médico que vinha prestando assistência; o médico
plantonista, na ausência do profissional responsável pelo caso,
deve atestar o óbito de paciente internado, baseando-se nas suas
observações pessoais e anotações constantes do prontuário,
quando não seja decorrente de morte violenta. Existem duas
situações: casos em que o médico-plantonista, que atesta o óbito
nos horários em que o médico-assistente do paciente não está
presente, deixa o preenchimento da declaração de óbito para o
dia seguinte e a cargo do médico que vinha assistindo o paciente;
e outra em que, por sua vez, o médico-assistente alega que o
preenchimento da referida declaração deveria ficar a cargo do
médico-plantonista o qual teria atestado a morte do paciente. Há
uma explícita dubiedade de interpretação sobre a definição de
atestar o óbito e constatar ou verificar a realidade da morte. Quem
atesta é o que preenche os dados da declaração de óbito, tendo
obrigatoriamente que verificar pessoalmente a realidade da morte.
Quem constata o óbito, não necessariamente terá que atestar
preenchendo a declaração de óbito.
Nessa mesma resolução do CFM, considerando “que a
declaração de óbito é parte integrante da assistência médica; a
declaração de óbito como fonte imprescindível de dados
epidemiológicos; que morte natural tem como causa a doença
ou lesão que iniciou a sucessão de eventos mórbidos que levou
diretamente à morte; que morte não natural é aquela que sobrevém
em decorrência de causas externas violentas; e a necessidade
de regulamentar a responsabilidade médica no fornecimento da
declaração de óbito”, ficaram estabelecidas as seguintes
determinações:
“Art. 1º - O preenchimento dos dados constantes na declaração
de óbito é da responsabilidade do médico que a atestou.
Art. 2º - Os médicos no preenchimento da declaração de óbito
obedecerão as seguintes normas:
1) Morte Natural:
I- Morte sem assistência médica
a) Nas localidades com Serviço de Verificação de Óbitos (SVO)
A Declaração de Óbito deverá ser fornecida pelos médicos
do SVO.
b) Nas localidades sem SVO
A Declaração de Óbito deverá ser fornecida pelos médicos
do serviço público de saúde mais próximo do local onde ocorreu
o evento e, na sua ausência, qualquer médico da localidade.
II- Morte com assistência médica
a) A declaração de óbito deverá ser fornecida sempre que
possível pelo médico que vinha prestando assistência.
b) A declaração de óbito do paciente internado sob regime
hospitalar deverá ser fornecida pelo médico assistente e, na
sua falta, pelo médico substituto pertencente à instituição.
c) A declaração de óbito do paciente em tratamento sob regime
ambulatorial deverá ser fornecida por médico designado pela
instituição que prestava assistência ou pelo SVO.
2) Morte Fetal:
Em caso de morte fetal, os médicos que prestaram assistência à
mãe ficam obrigados a fornecer a declaração de óbito do feto,
quando a gestação tiver duração igual ou superior a 20 semanas
ou o feto tiver peso corporal igual ou superior a 500 (quinhentos)
gramas e/ou estatura igual ou superior a 25 cm.
3) Mortes Violentas ou Não Naturais:
A declaração de óbito deverá obrigatoriamente ser fornecida
pelos serviços médico-legais.
Parágrafo único. Na localidade onde existir apenas 01 (um)
médico, este é o responsável pelo fornecimento da declaração
de óbito”.
DÚVIDAS FREQÜENTES
Algumas dúvidas quanto ao preenchimento da declaração
de óbito podem ser esclarecidas por questões publicadas em
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
um parecer do Conselho Federal de Medicina1, sendo estas as
seguintes:
1) Pode um médico não-legista atestar a morte de pessoa
falecida por pneumonia ou embolia gordurosa, sendo estas
complicações de uma cirurgia corretiva de fratura após
queda? Resposta: Não, devido ao fato de se caracterizar morte
violenta em conseqüência de queda. O acidente deve ser
considerado como causa básica da morte, pois as lesões
decorrentes do acidente iniciaram a sucessão de eventos
mórbidos que levaram à morte, caracterizando morte por causa
externa. Causa externa é aquela que sobrevém em
conseqüência de um evento lesivo - acidental ou intencional
- e que causa uma lesão que vem a provocar a morte. É
importante considerar o nexo de causalidade entre a queda
que provocou a lesão e a morte.
2) Óbito imediato ocorrido após aspiração de corpo estranho
(alimento, vômito) deve juridicamente ser considerado morte
natural ou deve ser considerado decorrente de causa externa?
Houve acidente? Houve negligência de quem tinha o dever de
assistência? Resposta: Nos casos de aspiração de corpo
estranho, quando houver suspeita de culpa ou dolo, o corpo
deverá ser encaminhado ao IML obedecendo-se as exigências
de anexar um relatório médico consubstanciado e da requisição
de exame necroscópico assinado pela autoridade competente
para sua elucidação. A causa jurídica da morte deverá ser
estabelecida posteriormente, após a coleta de todos os dados
necessários e análise do resultado dos exames realizados. Não
cabe ao médico legista julgar o ato médico. O Conselho Regional
de Medicina é o órgão competente para julgar se houve ou não,
imperícia, imprudência e negligência médica.
3) Óbito decorrente de picada de animal peçonhento (picada de
cobra, de abelha, de escorpião, por exemplo) deve ser
considerado morte natural ou acidental? Resposta: Trata-se de
morte de causa externa, ou seja, morte violenta, devendo ser
atestada por médico legista.
4) Óbito ocorrido durante indução anestésica ou mesmo após o
encerramento da cirurgia é juridicamente uma morte natural ou
deve ser atestado por médico legista? Resposta: Quando houver
suspeita de dolo ou culpa, o corpo deverá ser encaminhado ao
IML acompanhado de relatório médico consubstanciado e
requisição de exame necroscópico assinado pela autoridade
competente.
PREENCHIMENTO DA DECLARAÇÃO DE ÓBITO
Na prática, nota-se freqüente falta de precisão no
preenchimento dos dados da declaração de óbito. Com isso, a
coleta de informações necessárias para levantamento
epidemiológico e direcionamento de políticas públicas torna-se
prejudicada. Destaca-se a relevância do melhor preparo técnico
e conscientização dos médicos a respeito do tema. As
orientações para um adequado preenchimento da declaração de
óbito são as seguintes2:
Bloco I – Cartório (Figura 1)
Bloco destinado à coleta de informações sobre o Cartório
do Registro Civil onde foi registrado o falecimento. Deverá
ser preenchido pelo Cartório de registro civil e não pelo
médico.
23
Bloco II – Identificação (Figura 2)
Bloco destinado à coleta de informações do falecido e dos
pais, em caso de óbito fetal. Aborda as seguintes questões: tipo
de morte (fetal ou não), data e hora da morte, registro de
identificação civil (RIC), naturalidade, nome completo do falecido
e/ou dos pais em caso de óbito fetal ou de menor de 1 ano, data
de nascimento, idade, sexo, raça/cor, estado civil, escolaridade
e ocupação ou ramo de atividade. O médico deve ter à sua
disposição documento de identidade do falecido e/ou dos pais
e preencher os nomes de forma completa, ou seja, sem
abreviaturas. Nos locais aonde o RIC não tiver sido
implementado, deve-se passar um traço no campo
correspondente.
Bloco III – Residência (Figura 3)
Deve ser preenchido pelo médico e trata do local de residência
do falecido: endereço completo com número, complemento,
código de endereçamento postal (CEP), bairro ou distrito,
município e unidade da federação (UF). Em caso de falecimento
fetal, considerar o município de residência da mãe. Os códigos
correspondentes serão posteriormente preenchidos no setor
responsável pelo processamento dos dados.
Bloco IV – Ocorrência (Figura 4)
Deve ser preenchido pelo médico e trata do local de
ocorrência do óbito (hospital, outro estabelecimento de saúde,
domicílio, via pública, outro ou ignorado), nome do
estabelecimento (preencher apenas se o óbito tiver ocorrido em
hospital ou outro estabelecimento de saúde), endereço da
ocorrência (preencher apenas se o óbito tiver ocorrido em via
pública ou outro), CEP, bairro ou distrito, município e UF da
ocorrência. Os códigos correspondentes serão posteriormente
preenchidos no setor responsável pelo processamento dos
dados.
Bloco V - Óbito fetal ou menor que 1 ano (Figura 5)
Deve ser preenchido, obrigatoriamente, se o óbito for fetal
ou de menor de um ano de vida. Destina-se a colher
informações sobre a mãe do falecido, entre as quais: idade,
escolaridade, ocupação habita e ramo de atividade, número
de filhos, duração da gestação (em semanas), tipo de gravidez,
tipo de parto, morte em relação ao parto (antes, durante ou
depois), peso ao nascer e número da declaração de nascidos
vivos.
Bloco VI - Condições e causas do óbito (Figura 6)
Bloco destinado para qualificar as condições e causas que
provocaram o óbito. O preenchimento deste bloco é da
responsabilidade exclusiva do médico e dever ser preenchido
para qualquer tipo de óbito, fetal ou não-fetal.
Os campos de números 43 e 44 tratam dos óbitos de mulheres
em idade fértil e devem ser assinalados em todas as declarações
de óbito de mulheres com idade entre 10 e 54 anos. Questionam
se a morte ocorreu durante gravidez, parto ou aborto e se a
morte ocorreu durante o puerpério.
Os campos 45 a 48 devem trazer informações complementares
sobre a morte: se o falecido recebe assistência médica durante a
doença que ocasionou a morte e se o diagnóstico foi confirmado
por exame complementar, cirurgia ou necrópsia.
O campo 49 trata das causas da morte e seu preenchimento,
feito de forma clara e integral, é de extrema importância para a
construção do perfil epidemiológico da população, juntamente
com os demais dados.
24
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Figura 1. Bloco I da declaração de óbito.
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
Figura 2. Bloco II da declaração de óbito.
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
Figura 3. Bloco III da declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
Figura 4. Bloco IV da declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
Figura 5. Bloco V da declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
25
Figura 6. Bloco VI da declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
Figura 7. Bloco VII da declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
Figura 8. Bloco VIII da declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
Figura 9. Bloco IX da declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
26
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Figura 10. Declaração de óbito
Fonte: Manual de Instruções do Ministério da Saúde2.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
A causa básica a ser declarada é definida como a doença ou
lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que
levaram à morte ou as circunstâncias do acidente ou violência
que produziram a lesão fatal. A causa básica deve ser declarada
na última linha da parte I enquanto as causas conseqüências
devem ser declaradas nas linhas anteriores.
Na parte II, devem ser registradas outras doenças ou lesões
que tenham contribuído para a morte, ainda que não a tenha
determinado diretamente. O tempo aproximado entre o início da
doença e a morte, também deve ser anotado, quando possível.
Exemplos de preenchimento do campo 49 – Causas da morte
1)Paciente tabagista de longa data passou a cursar com
emagrecimento intenso e dor abdominal. Realizada investigação
tomográfica, foi revelada a presença de tumor pancreático.
Evoluiu com sintomas colestáticos (icterícia, prurido e acolia
fecal) e disfunção hepática, vindo a falecer após 3 meses do
início do quadro.
Parte I
a)Insuficiência hepática
b)Obstrução de vias biliares
c)Carcinoma de pâncreas
Parte II
Tabagismo
2)Adolescente portador de febre reumática vinha cursando com
dispnéia aos mínimos esforços e em repouso, associada a sopro
cardíaco. Foi internado e estudo ecocardiográfico evidenciou
estenose mitral grave. Evoluiu com edema agudo de pulmão e
faleceu após tentativa de compensação clínica.
Parte I
a)Insuficiência cardíaca congestiva
b)Estenose mitral
c)Febre reumática
Parte II
Neste caso, deve ser deixada em branco, pois não há outras
doenças ou lesões que possam ter contribuído para a morte.
Bloco VII – Médico (Figura 7)
Bloco destinado à identificação do médico que atestou a
morte, devendo constar, de forma legível, o nome do médico,
CRM, se o médico que assina atendeu o falecido ou não
(neste caso, substituto, IML, SVO ou outros), meio de contato
(telefone, fax ou email), data do atestado e assinatura do
médico.
Bloco VIII - Causas externas (Figura 8)
Bloco referente às causas externas de óbito, devendo ser
preenchido pelo médico legista. Referem-se às seguintes
questões: tipo (acidente, suicídio, homicídio ou outros), se
acidente de trabalho ou não, fonte de informação (boletim de
ocorrência, hospital, família ou outra), descrição sumária do
evento, incluindo o tipo de loca de ocorrência, e logradouro (se
a ocorrência for em via pública).
Bloco IX - Localidade sem Médico (Figura 9)
Bloco destinado aos óbitos ocorridos em localidades onde
não exista médico. O preenchimento da declaração de óbito
será realizado pelo Cartório de Registro Civil devendo constar
a assinatura do declarante. Duas testemunhas que tenham
presenciado ou verificado a morte, devem também assinar a
declaração, com registro dos números dos seus respectivos
documentos.
27
CONCLUSÕES
A declaração de óbito é um documento de extrema
importância para fins médico, jurídico e social. No Brasil, destacase uma insuficiência das informações registradas nas declarações
de óbito. Com isso, dentre outras implicações, fica prejudicado
o conhecimento das causas de óbito do país e a adoção de
políticas públicas destinadas à prevenção da morte. O médico,
enquanto responsável pelo preenchimento da declaração de
óbito, tem o dever de sabê-lo fazer corretamente, para evitar o
surgimento de falhas neste sistema. Por este motivo, deve
conhecer a legislação que vigora no Conselho Federal de
Medicina sobre a responsabilidade médica no fornecimento da
declaração de óbito e ser preciso e correto no preenchimento
dos dados da mesma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Conselho Federal de Medicina. Processo-Consulta CFM nº 3.684/
2005 – Parecer CFM nº 39/2005. Extraído de http://
www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/2005/39_2005.htm,
acesso em 23 de fevereiro de 2006.
2. Ministério da Saúde do Brasil, Fundação Nacional de Saúde. Manual
de Instruções para o Preenchimento da Declaração de Óbito.
Extraído de http://dtr2001.saude.gov.br/svs/pub/pdfs/
declaracao_obitos%20.pdf, acesso em 23 de fevereiro de 2006.
3. Ministério da Saúde do Brasil. Indicadores de mortalidade. Extraído
de http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2004/CapituloC.pdf ,
acesso em 23 de fevereiro de 2006.
4. Pereira MG. Epidemiologia- Teoria e Prática. Guanabara Koogan:
Rio de Janeiro, 2000.
5. Resolução 1.601/00. Conselho Federal de Medicina. Extraído de
h t t p : / / p o r t a l . s a u d e . g o v. b r / p o r t a l / a r q u i v o s / p d f /
resolucao_1601_cfm.pdf, acesso em 23 de fevereiro de 2006.
28
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
II. EDUCAÇÃO E
EPIDEMIOLOGIA
29
30
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
II.1
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
UM EXERCÍCIO PARA O DOCENTE NA
PERSPECTIVA DA TRANSFORMAÇÃO
CURRICULAR DO CURSO MÉDICO
31
Lorene Louise Silva Pinto
Júlio Leonardo Barbosa Pereira
A FORMAÇÃO MÉDICA E AS DEMANDAS E NECESSIDADES DO SISTEMA DE
SAÚDE E DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
O exercício pleno do direito à saúde pelos cidadãos brasileiros depende, dentre
outras coisas, de transformações nas condições de vida, mudanças no modelo de atenção
à saúde onde os princípios da saúde como direito social sejam efetivamente assumidos
e a formação de profissionais como sujeitos sociais que tenham compromisso com a
construção deste direito.
A formação tradicional em saúde, baseada na organização disciplinar e nas
especialidades, tem conduzido ao estudo fragmentado dos problemas de saúde das
pessoas e das sociedades, levando à formação de especialistas que não conseguem
mais lidar com as totalidades ou com realidades complexas. Formam-se profissionais
que dominam diversos tipos de tecnologias, porém cada vez mais incapazes de lidar com
a subjetividade e a diversidade moral, social e cultural das pessoas; também, têm sido
incapazes de lidar com questões complexas como a dificuldade de adesão ao tratamento,
a autonomia no cuidado, a educação em saúde, o sofrimento e a dor, o enfrentamento
das perdas e da morte, o direito das pessoas à saúde e à informação ou a necessidade de
ampliar a autonomia das pessoas.
Ainda hoje nos modelos tradicionais de curso, o papel do professor é o de estabelecer
tudo que o aluno deve aprender, transmitir as informações consideradas relevantes e avaliar
a capacidade dos estudantes de reter e reproduzir as informações apresentadas. A teoria é
abordada antes da prática no intuito de preparar os estudantes para a aplicação dos conteúdos
nos campos de estágio e, futuramente, na sua vida profissional. Essa abordagem pedagógica
vem sofrendo fortes críticas pela excessiva valorização do conteúdo, pela baixa eficácia dos
conteúdos distantes da realidade e das necessidades de aprendizagem que levam ao
desperdício de tempo, de esforços e à necessidade de requalificação( 6,17 ).
Nos últimos anos, nota-se que as várias formas de inserção do estudante de medicina
nos serviços de saúde, sejam públicos ou privados, e a sua aproximação com o real
perfil epidemiológico da população, são realizadas sem ter como referência um projeto
de curso que faça sentido como construção do aprendizado. Conseguir campos de
prática nos serviços públicos de saúde passou a ser uma alternativa para as carências
dos hospitais e ambulatórios universitários, assim como nos serviços privados por
comodidade para os docentes que neles atuam. A insuficiente articulação entre as
definições políticas dos Ministérios da Saúde e da Educação também contribuem para o
distanciamento entre formação e necessidades. Por sua vez, os esforços de integração
do ensino com a rede de serviços sempre tiveram baixa sustentabilidade, na medida em
que dependem de atitude ou adesão idealista de docentes e estudantes e, mesmo
institucionalizadas, são sempre vulneráveis às conjunturas locais(5) .
Considerar os principais elementos tanto na organização dos serviços de saúde
quanto em relação ao perfil epidemiológico é extremamente relevante para formar o
trabalhador médico para as necessidades de saúde, qualquer que seja o local a ser
ocupado pelo mesmo no sistema de saúde. As características mais recentes do sistema
público de saúde, com a ampliação da atenção básica, organização de uma “rede” de
cuidados progressivos à saúde, participação dos usuários nas instâncias colegiadas de
controle social do Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo de formas diversas nos vários
municípios do país, têm evidenciado o despreparo do médico em lidar com esta realidade,
quaisquer que sejam as questões ou influências ideológicas, éticas, técnicas, políticas,
entre outras que determinem o seu exercício.
Palavras-chaves:
Cuidados primários em saúde,
Especialidades médicas,
Capacitação em serviço, Recursos
humanos em saúde, Educação
médica.
32
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Os diferentes riscos de adoecer e morrer, presentes na realidade
brasileira, não devem ser objeto de estudos apenas para se
aprender como diagnosticá-los ou prescrever esquemas
terapêuticos. O poder técnico dos profissionais de saúde,
vinculado ao saber, e que orienta a sua prática, deve ser construído
de forma a inserir o profissional, como sujeito social, na perspectiva
da construção de um modelo de atenção voltado à melhoria da
qualidade de vida das pessoas, onde o diagnosticar e tratar não
são dispensáveis, mas revestidos de outros sentidos(22) .
As várias experiências dos projetos da Rede UNIDA, de
construção de modelos inovadores de ensino-aprendizagem e a
utilização de metodologias ativas na formação dos profissionais
de saúde, em particular, mostraram que o propósito das
transformações curriculares não deve se restringir à aplicação
de novas metodologias. “O trabalho vivo em saúde se materializa
através do processo de produção de relações entre cuidadores
e o usuário que com suas necessidades particulares de saúde,
dá aos profissionais a oportunidade de tornar públicas suas
distintas intencionalidades no cuidado à saúde e os torna
responsáveis pelos resultados da ação cuidadora”. Um elemento
considerado importante para pensar o processo de formação de
profissionais de saúde é a incorporação efetiva, pelas escolas,
dos conhecimentos disponíveis para a educação de adultos,
onde a pedagogia interativa é sua essência. Isto significa que
as atividades práticas e reais cumprem um papel disparador do
processo de busca e construção do conhecimento(14) .
A busca por iniciar processos que produzam fatos sociais
importantes e acumulem poder, tanto nas instituições de ensino
quanto nos serviços de saúde, podem esses promover
conjunturas favoráveis para as mudanças necessárias, ainda
que para as universidades públicas, o momento atual diz respeito
à sua sobrevivência, suas relações com a sociedade, ao seu
papel de produção e consumo de conhecimentos e também ao
perfil dos profissionais que forma.
Como um dos movimentos importantes visando a
sensibilização de docentes e discentes para a construção de um
novo currículo, são aqui apresentadas algumas reflexões sobre a
atenção primária à saúde e a formação médica, as possibilidades
e dificuldades das contribuições dos docentes especialistas para
a consolidação das equipes do Programa de Saúde da Família
(PSF) como estratégia de organizar o cuidado e para o processo
de transformação curricular no curso médico, em particular, da
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
AATENÇÃO PRIMÁRIAÀ SAÚDE NAFORMAÇÃO MÉDICA
O desenvolvimento científico, as grandes descobertas em
ciência e tecnologia, a evolução da pesquisa biomédica durante
o Século XX, impulsionaram um mercado extremamente
especializado, fazendo do setor saúde um grande campo de
absorção, negócios e conflitos. Muitos benefícios são
identificados, mas a determinação que isto imprimiu na lógica
da organização dos serviços, na estrutura dos cursos da área de
saúde em particular os de medicina e, conseqüentemente na
formação dos profissionais e na organização do trabalho, trouxe
também prejuízos pouco calculados, porém percebidos. O ensino
concentrado nos hospitais, sob o foco dos procedimentos
diagnósticos e terapêuticos superespecializados e da
produtividade moderna marcou muito a formação em saúde, com
influências diretas na relação entre os indivíduos e entre esses
e as diversas tecnologias (1,16). De acordo com Campos e
Belisário(10) neste contexto, no que tange à educação médica, a
avassaladora dupla progresso técnico/segmentação teve, ao
lado de efeitos benéficos, efeitos colaterais, que se podem citar
como enorme lacuna entre as instituições acadêmicas do primeiro
mundo e as demais e um alongamento temporal da formação
médica, causado pela própria divisão do mercado especializado.
Com isso, o foco do processo formativo deslocou-se,
paulatinamente, da graduação para a pós-graduação.
Na década de 60, com objetivo de se opor à lógica de que a
“superespecialização” levaria a uma melhor atenção à saúde da
população, surgiram movimentos internacionais como o Relatório
Lalonde, a Reunião de Alma Ata, a proposta de Saúde para
Todos nos anos 70, o movimento de Promoção da Saúde nos
anos 80, organizados no sentido de se contrapor àquela
tendência, seja para fazer a atenção à saúde acessível a todos,
seja para humanizar a prática médica, restabelecendo, assim, o
antigo elo de confiança, alicerce da prática médica.
Os reflexos daqueles movimentos internacionais levaram à
proposta de desenvolvimento do “novo” médico-generalista,
conhecido como médico da família e comunidade (MFC). A
tendência ocorreu principalmente no Canadá, Reino Unido,
Austrália, Holanda e Estados Unidos da América. Sendo assim,
a medicina da família surgiu como uma nova especialidade médica
que tem por objetivo dar uma atenção integral à saúde
contextualizada na realidade social e com o corpo próprio de
conhecimentos(2,9) .
O espaço da atuação do médico de família e comunidade,
reconhecido mundialmente, é a atenção primária à saúde (APS),
organizada de diferentes formas em contextos distintos(9). A APS
é definida como o primeiro contato, contínuo compreensivo,
organizado, universal e não diferenciado por sexo, idade, doença
ou órgão afetado. Seria o primeiro nível de atenção à saúde, mas
que necessita de uma atuação conjunta e articulada com os
níveis secundário, terciário e serviços de emergência (24) .
A APS é um espaço necessário a todos os sistemas de serviços
de saúde, mesmo que conformado sob diferentes modelos de
atenção à saúde que priorizam diferentemente esse nível de
atenção. No Canadá, a proporção de médicos com formação e
atuando em atenção primária é de 50% e no Reino Unido é de 70%
( 8, 24)
. Atualmente, assume-se para a maioria dos países, que entre
75% a 85% das pessoas na população geral conseguem resolver
os problemas de saúde referidos nos serviços da APS, 10% a 12%
na atenção secundária e 5% a 10% na atenção terciária (25).
Evidências indicam que um sistema de saúde baseado em
APS tem melhores indicadores de qualidade de serviço,
indicadores de custo/beneficio e de satisfação, se comparados
aos mesmos indicadores de sistemas de saúde baseados apenas
no cuidado do especialista(12,23,24) . Apesar dessas evidências,
alguns trabalhos demonstraram que a população acredita que a
auto-seleção do especialista é mais eficiente e eficaz ( 26 ) .
O distanciamento da medicina em relação aos reais
problemas de saúde da população retornou ao centro dos
debates durante a histórica Conferência da Organização Mundial
de Saúde em Alma-Ata (antiga URSS), em setembro de 1978.
Essa conferência, com tema central “Saúde para todos no ano
2000”, recomendou que todos os países membros revisassem
seus sistemas de saúde, priorizando a atenção primária como
porta de acesso ao sistema de saúde e responsável por resolver
parte dos problemas apresentados (27) .
Um grande dilema indicado nesse período, e que sem dúvida
permanece, diz respeito a desproporção entre o desenvolvimento
cientifico do setor da saúde e a grande parcela da população que
permanece a margem dos benefícios desse desenvolvimento.
Outro debate necessário é sobre a formação profissional. A
medicina liberal propõe que o fator orientador e organizador do
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
sistema de saúde seja a lógica de mercado, indo de encontro a
organização do sistema de saúde voltado às reais necessidades
de saúde da população. Esse modelo liberal da saúde é bem
difundido e orientador da formação atual dos profissionais de
saúde em geral, em especial, nos paises subdesenvolvidos. Não
obstante, todos os fatores apontados nesse panorama levam a
crer que as escolas médicas se encontram diante de uma decisiva
encruzilhada. A prevalecer esse modelo, podem essas unidades
de ensino se diferenciar em formar pesquisadores, outras em
formar especialistas e outras médicos gerais. Nesse novo contexto,
em alguns países latinoamericanos já se assiste à abertura de
escolas médicas para atender a demandas especiais da elite, de
confissões religiosas e de segmentos étnicos determinados(10) .
No Brasil, durante o processo de redemocratização da
sociedade, surgiu o movimento de reforma sanitária, um marco
histórico na saúde brasileira, trazendo uma reformulação no
pensamento brasileiro sobre saúde, seus determinantes e o papel
do Estado(20) . O movimento sanitário brasileiro conseguiu avanços
que foram incluídos na Constituição Brasileira de 1988, levando a
uma reestruturação na saúde, e ao início da construção do Sistema
Único de Saúde (SUS) com princípios e diretrizes que avançam na
garantia da saúde mais igualitária para toda a população(3) .
A partir da institucionalização do SUS, tem sido enfatizada a
necessidade da mudança do modelo de atenção à saúde, com
destaque para a Atenção Primária como prioridade a ser organizada
através do Programa de Saúde da Família (PSF) e do Programa de
Agentes Comunitários (PACS). O objetivo do PSF, segundo Merhy
& Franco (21), é: “a reorganização da pratica assistencial em novas
bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de
assistência, orientado para cura de doenças no hospital. A atenção
está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu
ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes uma
compreensão ampliada do processo saúde/doença e da
necessidade de intervenções que vão além de praticas curativas”.
Os autores destacam ainda como princípios básicos do PSF o
caráter substitutivo ao modelo anterior, a integralidade e
hierarquização do cuidado, a territorialização e adscrição de
clientela, e equipe multiprofissional (21).
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil(7 ) desde sua criação,
o crescimento do PSF foi significativo registrando-se 328 equipes
em 1994 e 24.600 equipes em 2005, abrangendo 4.986 municípios
do país. Desta forma o programa dá acompanhamento a 78,6
milhões de pessoas (44,4% da população brasileira). Assim o PSF
é na atualidade um relevante espaço de organização do cuidado,
bem como de atuação profissional (7) .
A medicina de família possui campo de atuação que para
exercê-la de forma satisfatória são necessárias algumas
habilidades e saberes específicos para o modo de agir. O
profissional, para atuar nessa especialidade e nesse nível de
atenção, tem uma responsabilidade no processo saúde-doença
de forma bastante ampliada. Para que possa cumprir essa função
de forma satisfatória é indispensável que tenha uma formação
que assegure estas aquisições (9) .
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
medicina, publicadas em 2001 descrevem que: “O Curso de
Graduação em Medicina tem como perfil do formando egresso/
profissional o médico, com formação generalista, humanista, crítica
e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no
processo de saúde-doença, em seus diferentes níveis de atenção,
com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à
saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso
de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como
promotor da saúde integral do ser humano”(4) .
33
A leitura atenta sobre esse trecho das diretrizes curriculares
confrontando-o com a realidade da formação que a grande
maioria dos cursos médicos oferece no país, permite listar uma
série de questões relevantes para reflexão sobre os caminhos
que devem ser percorridos em busca do profissional esperado.
Da forma como as escolas médicas estão organizadas, que
movimentos são necessários iniciar para conseguir alcançar esta
formação? Que significa ser professor no ensino superior na
área de saúde? Como os médicos se tornam docentes? (11) . A
formação atual dos docentes em exercício nas escolas médicas
facilita a reflexão sobre as necessidades de mudanças nos cursos?
As diretrizes curriculares são efetivamente assumidas por
docentes e discentes como referencial para a estruturação dos
cursos? Como as práticas especializadas desses influenciam na
sua função docente e na trajetória profissional dos alunos?
Os docentes conhecem e atuam nos vários níveis de atenção
à saúde contemplando saberes e práticas necessários à formação
de novos profissionais?
E a atenção primária à saúde? Estamos todos falando do
mesmo objeto? Que concepções permeiam o conceito de atenção
primária adotado nas várias escolas? Teremos que formar
médicos para o Programa de Saúde da Família? O generalista a
ser formado estará apto a atuar em todos os níveis de atenção
ou só na atenção primária? Que outros conhecimentos,
competências e habilidades serão necessários? A especialização
nesta área será sempre necessária?
De modo geral, o preparo do professor de medicina quanto
aos aspectos pedagógicos também não tem merecido a devida
atenção. É relevante pensar na dimensão pedagógica do
trabalho do professor, o que significa também repensar os
compromissos da escola médica (11,13) .
As instituições de ensino da área de saúde no Brasil têm
sido demandadas pelos vários setores e segundo Marsiglia (18)
estas demandas podem ser vistas de acordo com suas origens e
exigências que estabelecem, como de quatro naturezas: relativas
à formação dos profissionais oferecidos à sociedade; relativas
à produção e divulgação do conhecimento; relativas às
necessidades de recursos humanos para o sistema de saúde em
desenvolvimento no país e relativas aos interesses do mercado
de trabalho e das indústrias de produção de medicamentos e
equipamentos. A mesma autora refere ainda que bem antes das
Diretrizes Curriculares de 2001, a Conferência de Edimburgo, na
Escócia em 1988, já recomendava vários dos princípios e
diretrizes preconizadas hoje pelas diretrizes e também sobre as
responsabilidades das escolas médicas.
Considerando o contexto onde se inserem as escolas, as
demandas sinalizadas, as exigências do sistema de saúde e os
desafios para o exercício da docência, que forças impulsionarão
as mudanças tão esperadas por alguns e por outros nem tanto?
A partir dos anos 90 do século passado tem havido uma intensa
mobilização das escolas da área de saúde e em particular as
médicas, no que se refere a buscas por mudanças nos cursos, em
parte motivadas e ou provocadas pelos movimentos para
organização do Sistema Único de Saúde. O SUS também tem sido
um incentivador de mudanças através dos programas, a exemplo
do PROMED e PRÓ-SAÚDE, com financiamento para os projetos
de transformação curricular das escolas da área de saúde(5) .
Um dos aspectos desafiantes para reflexão no momento atual
é o quanto de mudança as escolas médicas vão conseguir
promover na formação e quais serão suas contribuições para
consolidação do SUS, considerando que são identificados na
desigual sociedade brasileira, projetos distintos e em conflito
tanto para as escolas médicas quanto para o sistema de saúde.
34
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
POSSIBILIDADES E DIFICULDADES PARA A
CONTRIBUIÇÃO DO MÉDICO ESPECIALISTA PARA A
ATENÇÃO PRIMÁRIAÀ SAÚDE
Ainda que os desafios ideológicos, econômicos, políticos e
sociais sejam imensos e considerando as demandas sinalizadas
para as instituições formadoras, como poderemos no curso desse
processo transformador, identificar contribuições das escolas
através do seu corpo discente e docente para os profissionais
hoje atuando na atenção primária à saúde sob a forma de PSF?
O fato dos docentes em atuação nas escolas médicas terem sido
formados pela hegemonia do pensamento cartesiano, disciplinar,
autoritário nas relações sociais dentro e fora das instituições de
ensino e serviço, com os ideais do exercício liberal da profissão,
poderia permitir a aproximação com o espaço da atenção primária
e da formação do médico generalista nas bases previstas pela
legislação em vigor? As especialidades discutem o que são
práticas generalistas ou compartilhadas e /ou exclusivas dos
especialistas? (18)
Poderia se constituir em uma contribuição relevante a
inserção dos docentes num processo ensino-aprendizagem em
serviços de saúde, com uma maior aproximação do mundo do
estudo ao mundo do trabalho e que apresenta aspectos muito
diferenciados daquele efetuado em salas de aula. Garcia(15) nos
leva a refletir sobre o que este compromisso nos remete: à
lembrança dos limites presentes nas estruturas de ensino e de
assistência, a situações e contextos que determinam condições
nem sempre favoráveis ao cumprimento das finalidades dos
projetos das instituições, mas que, por sua vez, trazem novos
desafios a ambos e a necessidade da construção de projetos
compartilhados. Esse poderá ser um caminho pois, segundo a
autora, a aproximação ao cotidiano pode permitir tornar a
educação significativa. Melo(19) sinaliza que neste agir-pensar
coletivo se aplica a questão: ‘Quem educa quem?’ Professores
educam alunos, profissionais e usuários; alunos educam
usuários; usuários educam alunos; profissionais e equipes
educam alunos e as situações educam a todos.
Assim, nesse processo, ao educador ou ao profissional de
saúde não basta saber; é preciso também querer; e não adianta
saber e querer, se não se tem a percepção do dever e não se tem
poder para acionar os mecanismos de transformação nos rumos
da instituição.
Desse modo concordamos com a colocação de Garcia(15)
quando diz que os projetos pedagógicos que visem transformar
o atual modelo de ensino devem “ levar em consideração as
questões que envolvem o processo ensino-aprendizagem, como
os conteúdos e as estratégias didáticas, e aquelas relacionadas
ao modelo tecnoassistencial, como conhecimentos, práticas e
relações, que implicam num modo de intervir em saúde”.
Valorizar as possibilidades de promoção de exercícios para
os docentes e discentes que também poderão beneficiar os
movimentos pela mudança no interior da escola, talvez seja um
caminho possível para promover reflexões. Um exemplo de
exercício é a tentativa de cada um conhecer o espaço da atenção
primária à saúde e suas formas de organização e prestação do
cuidado desnudando-se de preconceitos; esse tipo de exercício
se impõem no momento atual, tanto para os que atuam nos
sistemas de saúde, quanto para os docentes das escolas médicas.
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II.2
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
TABAGISMO: DO PRAZER À DOR
INTRODUÇÃO
Dados recentemente publicados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
sobre as diretrizes para cessação do tabagismo, descrevem que um terço da população
mundial adulta é tabagista, implicando em aproximadamente cinco milhões de mortes
anuais, o que equivale dizer que a cada segundo morrem seis pessoas por doença
tabaco-associado. No Brasil, algumas peculiaridades devem ser ressaltadas: a mortalidade
anual por doenças conseqüentes do cigarro, é de duzentas mil pessoas; além disto, a
prevalência de tabagismo entre os homens vem reduzindo, porém com um incremento
do vício entre mulheres e adolescentes e estas características são desanimadoras em
relação às descritas em 1964, marco inicial das evidências do efeito nocivo do cigarro
nos seres humanos9.
A Organização Mundial de Saúde, desde 1999, reconhece o tabagismo como o principal
fator de risco isolado de morbidade e mortalidade, pois é responsável por cerca de vinte
e cinco doenças e quatro milhões de mortes anuais no mundo9, 36, das quais mais de
oitenta mil ocorrem no Brasil29. A OMS também estima que a cada dez segundos, alguém
morre por problemas relacionados ao tabagismo. Por isto o tabagismo é considerado
hoje o maior vício adquirido pela humanidade ao longo de sua história, apenas competindo
com o álcool, embora a mortalidade atribuída ao tabaco seja oito vezes maior que pelo
álcool9, 33.
O cigarro como problema de saúde pública
Durante muitos séculos, o tabaco foi considerado como uma erva de propriedades
curativas, capaz de resolver ou curar casos de bronquite crônica e asma, mas esta
suposta propriedade inicial pode ter induzido ao progressivo consumo do tabaco,
gerando o significante crescimento da indústria fumageira e o interesse do poder
econômico-financeiro de perpetuar e estimular a propagação do fumo em todo o mundo.
O tabaco, inicialmente usado pelos índios no século XV, que o cheiravam e mascavam
sob a forma de folhas e pasta, só apartir do século XlX passou a ser usado como
charuto, cachimbo e depois cigarro, artesanal ou industrializado, sendo o de palha o
maior representante desse artesanal e cuja toxicidade é muito maior que o industrializado,
ao contrário do que se difundiu por vários anos 9. O cigarro de palha inclusive pode ser
mais tóxico pelo maior conteúdo de nicotina e alcatrão, mas também pela menor porosidade
da palha com a qual é feito, e assim a fumaça tragada é mais concentrada. Por isto estimase que seis cigarros de palha correspondem a 20 cigarros industrializados. O charuto e
o cachimbo têm maiores risco de causar problemas na boca que no pulmão, pois são
preparados em meio alcalino, facilitando a absorção da nicotina pela mucosa oral logo
no início da tragada; já em meio ácido, como ocorre no cigarro industrializado, a nicotina
é absorvida pelo alvéolo. Da tentativa de bloquear a inalação do alcatrão, surge o
cigarro industrializado com filtro, que sugere este bloqueio, reduzindo incidência do
câncer de pulmão, mas aumentando mortalidade cardiovascular pelo maior conteúdo de
monóxido de carbono. Mais recentemente surge o cigarro de baixo teor e maior preço,
com a proposta de conter menos nicotina, alcatrão e monóxido de carbono e lógico mais
caro. Porém com menor conteúdo de nicotina do que o requerido pelos seus
neurorreceptores, há maior indução ao consumo de cigarros e com isto maior inalação
de monóxido de carbono. Finalmente, é lançado o cigarro de tipo “King Size” ou mais
longos, novamente com falsas vantagens de menor risco, porém na verdade mais caro33.
Os países de maior cultivo do tabaco são: China, Estados Unidos, Índia e Brasil, mas
a China e Índia consomem quase toda a produção. No Brasil, cujos maiores produtores
são: Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a situação é mais grave, pelo baixo custo do
cigarro, contribuindo para a ampliação do vício em todo o mundo, pois é o maior exportador
e o quarto maior produtor de cigarro do mundo 36 Na Alemanha, Ruff e colaboradores,
35
Margarida Costa Neves
Janaína Leite Jabur
Patrícia Mineiro Oliveira
George Viturino Neves Silva
Jorge Augusto Pedreira Silva
Francisco Samuel Magalhães Lima
Alisson Magalhães C. do Vale
Aquiles Camelier
Álvaro A. Cruz
Palavras-chaves:
Tabagismo, Nicotina; Efeitos
adversos, Comorbidade, Tabaco,
Atenção primária a saúde,
Transtorno por uso de tabaco,
Nicotina.
36
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
em 2000 publicaram valiosos dados sobre as diversas doenças
tabaco-dependentes e sua elevada morbi-mortalidade no mundo,
ressaltando o impacto econômico negativo destas condições,
com gastos diretos, atribuídos a consultas, internamentos,
emergências, reabilitação pulmonar e terapêutica de manutenção;
além dos gastos indiretos, como absenteísmo profissional,
aposentadoria e óbito precoces34. Dados semelhantes foram
publicados na Suécia em 2002, concluindo-se que o custo com a
DPOC é maior em estágios mais graves da doença, mesmo
considerando este o subgrupo de menor número de doentes17.
Visando a expansão do consumo do cigarro, já na década de
50, com o advento de recursos de “marketing”, a indústria
fumageira associa o fumo às grandes conquistas do homem,
ultrapassando suas barreiras e limites. De modo agressivo,
através de propagandas de esportes radicais e com personagens
de influência na sociedade, geralmente belos e saudáveis,
passou-se a relacionar o hábito de fumar com a conquista dos
grandes desafios humanos, cujos heróis são fisicamente
atrativos e de notoriedade, com o objetivo de formarem opinião
e convencer a população dos “benefícios” do cigarro. Em 2001,
avaliando se as cenas de tabagismo em filmes tinham influência
sobre o início deste vício entre adolescentes, demonstrou-se
que o tabagismo nesse grupo, aumentou à medida que as cenas
com fumantes eram maiores, os quais assistiram em média, a
dezessete dos cinqüenta filmes apresentados. No mesmo estudo,
ficou evidenciado que a relação entre assistir aos filmes e fumar
foi maior que o fato de o adolescente ter pais e irmãos fumantes.
Estes dados ratificam a necessidade da regulação de
propagandas por parte das autoridades em todo o mundo,
medidas iniciadas há duas décadas, mas ainda com falhas 35,25.
Desse modo, o hábito de fumar, passou a ter uma representação
social “positiva”, desde quando é associado com saúde, poder,
beleza e riqueza, tendo como resultado a lamentável constatação
de aproximadamente de 1,1 bilhão de fumantes e de 4 milhões de
mortes anuais no mundo, por doenças tabaco-associadas34.
As evidências científicas sobre os malefícios do tabaco são
evidentes, pois com o tempo surgiram os resultados da longa
exposição á nicotina e com isto campanhas anti-tabagistas são
lançadas em todo o mundo desde 1996, mas o poder econômico,
utiliza de várias estratégias para minimizar sua propagação e
dificultando a divulgação dos malefícios do cigarro (INCA, 1998).
Pode-se mensurar que o tabagismo esteja relacionado com 45%
das mortes por câncer no mundo, entre eles pulmão, laringe e
boca, bexiga, estômago, pâncreas etc., sendo 90% só por câncer
de pulmão, 75% dos casos de Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica (DPOC ou mais conhecido na população como
enfizema), 35% com doenças cardiovasculares e 20% com as
vasculares, além da associação entre tabaco e doença péptica.
Atualmente estima-se que o cigarro seja responsável por 15%
do total de mortes em países desenvolvidos34.
Atualmente, define-se o tabagismo, como a dependência
química à nicotina, presente nos derivados do tabaco,
dificultando a cessação do vício, o que torna imprescindível a
ajuda de profissionais de saúde no difícil processo de interrupção
do fumo8. A exemplo de outras dependências químicas, o
tabagismo passou a constar no Código Internacional de
Doenças (CID), classificada com CID 10 F17. A despeito das
manifestações da doença surgirem em pessoas adultas, o
problema começa na infância, com a precocidade do tabagismo,
tornando maior a chance de o indivíduo se manter fumante
quando adultos. Esses dados impõem atenção especial às
crianças e adolescentes em todo o mundo, pois como
demonstrado, o homem nasce sem ou com mínima quantidade
de receptores cerebrais de nicotina, que desenvolvem e
multiplicam exageradamente quanto mais precoce consumo da
nicotina, e é responsável pela dependência física da nicotina,
fator responsável pela dificuldade na cessação do tabagismo29.
O estímulo ao tabagismo pela indústria é bastante direcionado
ao jovem, e essa estratégia crucial se justifica principalmente
por que a nicotina é a segunda droga com maior poder de
dependência, superada apenas pela cocaína (US-DHHS, 1988).
Ratificando o poder da indústria tabageira sobre o jovem,
Menezes em 2004, em estudo de base populacional, verificou
elevada prevalência de fumantes entre estudantes do curso de
medicina do Rio Grande do Sul, população com maior consciência
dos riscos do tabaco24, 1.
O efeito da nicotina no homem é variável, em geral
diretamente proporcional ao tempo e intensidade da exposição
a droga, seja como fumante ativo ou passivo. Vale salientar o
papel do tabagismo passivo, definido como o efeito coletivo da
fumaça do cigarro sobre as pessoas que circundam o fumante,
especialmente em ambientes sem circulação de ar e sua
quantificação é estimada pela concentração sérica de carboxihemoglobina em fumantes passivos. Baseado nesta dosagem
pode-se inferir que os passivos “fumam” aproximadamente um
terço da quantidade de cigarros do fumante ativo e sua
suscetibilidade aos efeitos nocivos da nicotina lhe confere maior
risco de desenvolver enfermidades tabaco-dependentes33 . Estes
dados ratificam a necessidade de não apenas evitar ou cessar o
tabagismo ativo, mas principalmente controlar o passivo, pois
ao lado do ativo pode haver vários passivos, agravando os
problemas relacionados ao fumo no mundo, e desde 1990 a OMS
já sugere que metade dos fumantes morre por doenças tabacodependentes e poucas agressões ao homem têm este potencial
de letalidade33. A relação do tabagismo com a deterioração da
função pulmonar é amplamente conhecida, e em 2002,
consolidando estas informações, foi publicado um estudo de 11
anos de seguimento, mostrando o impacto da cessação do
cigarro sobre a evolução funcional do pulmão. Neste trabalho
os autores demonstraram melhora significativa da função
pulmonar no grupo de ex-fumantes, comparado com o de
fumantes 2 .
Vale ressaltar, que mesmo antes do diagnóstico das doenças
tabaco-dependentes, observa-se redução da qualidade de vida
dos tabagistas, parte pela superposição com outras doenças
próprias da faixa etária, documentado em vários estudos. Em
2004, um importante e pioneiro estudo científico foi publicado,
mostrando que a queda da qualidade de vida, mensurada pelo
questionário e qualidade de vida, o SF-36, ocorre em pessoas
com tabagismo de qualquer grau e tempo de fumo,
principalmente no que diz respeito à vitalidade, atividade sexual,
aspectos emocionais, saúde mental, atividade física e percepção
geral de saúde23.
A hiperreatividade brônquica, mecanismo comum a várias
doenças respiratórias como asma e DPOC, é descrita também no
tabagismo passivo, pelo relato de sintomas respiratórios e perda
de função pulmonar em filhos de pais fumantes17 Do mesmo
modo, estudo multicêntrico sobre tabagismo passivo em adultos,
a exemplo do que se observa com crianças abordando-se adultos
de várias cidades de três países, avaliaram os efeitos do
tabagismo passivo sobre os sintomas respiratórios, função
pulmonar e níveis séricos de IgE. Os resultados deste estudo
foram surpreendentes, especialmente pela grave evidência de
fumantes passivos em metade da população estudada, sendo
que na Espanha isto ocorreu em 75% da população e sua relação
foi diretamente proporcional a sintomas pulmonares e
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
hiperreatividade brônquica, fato pouco evidente em asma, rinite,
elevação de IgE ou alterações na espirometria 17. Estes dados
reforçam a necessidade de medidas para reduzir a exposição de
pessoas não fumantes à fumaça do cigarro, ao tempo em que se
desenvolvem as campanhas para cessação o tabagismo.
Em 1999, durante a 52ª Assembléia da ONU, foi oficializada a
luta contra o tabagismo, com a definição de importantes medidas,
entre elas a criação de vários centros para cessação do tabagismo
e maior rigor na proibição de propagandas da indústria fumageira,
com o objetivo de preservar as gerações atuais e futuras, dos
efeitos agressivos da nicotina, tendo como principal aliado nesta
luta, o pneumologista. O tabagismo é definido como a principal
causa de morte evitável no homem9 e se o atual cenário não se
modificar, estima-se que em 2025, o número de mortes anuais no
mundo, possa atingir aproximadamente dez milhões. Nos países
desenvolvidos, o cigarro mata mais que a soma de todas as
outras mortes por causas evitáveis, com a cocaína, heroína,
álcool, incêndios, suicídios e a Síndrome da Imunodeficiência
Humana (SIDA); já em países menos desenvolvidos, que abriga
2/3 da população mundial, o cigarro compete com a fome e a
desnutrição. A letalidade causada pelo tabaco ainda é maior no
sexo masculino em relação ao feminino, numa proporção de 2:1,
acompanhando a maioria absoluta de fumantes do sexo
masculino que é de aproximadamente 1,3 bilhões de fumantes
no mundo, dos quais um bilhão corresponde ao sexo masculino;
embora com um aumento crescente, do tabagismo no sexo
feminino.
No Brasil, aproximadamente um terço da população é
tabagista, o que corresponde a 16,7 milhões de homens e 11,2
de mulheres, e informações do Instituto Nacional do Câncer
(INCA) registram cerca de 200.000 mortes anuais no país,
decorrentes das doenças relacionadas ao tabaco. Em alguns
estados brasileiros, o problema do tabagismo entre jovens é
mais pronunciado: Em São Paulo, a prevalência é de 24% ; já no
Rio Grande do Sul, a situação é mais grave, pois algumas
características facilitam a adição ao tabaco, entre elas: Menor
idade, convivência com irmãos mais velhos e amigos fumantes,
baixa escolaridade e questiona-se o papel do pai ou da mãe
fumante21 , dado este ratificado por Machado na Bahia20 .
Dificuldades na implantação de campanhas mundiais de
combate ao fumo e a necessidade de um longo período de
exposição ao tabaco até o surgimento de doenças, permitem
uma estimativa de 10 milhões de mortes no mundo em 2020. Em
alguns países desenvolvidos, os resultados dessas campanhas
já sinalizam para a redução do tabagismo; em contrapartida, nos
países em desenvolvimento, responsáveis por cerca de metade
dessas mortes, a indústria fumageira investe mais no estímulo
ao vício, agravando problemas de saúde já existentes nesses
países, como desnutrição, saneamento básico deficiente e
elevada incidência de doenças infecto-contagiosas. Na década
de 70, início do movimento anti-tabagista, a estrutura não era
eficiente, realizado por entidades religiosas, associações médicas
e atitudes individuais, sem vínculos com grupos relevantes e só
depois de ratificadas as evidências científicas sobre os malefícios
da nicotina no homem, o movimento foi assumido pelo governo,
ganhando maior força e cobertura populacional. Nos anos 80, o
Instituto Nacional do Câncer (INCA) assume o controle do então
denominado Programa Nacional de Controle do tabagismo
(PNCT), tornando públicos os danos causados pelo cigarro e
fumar deixa de ser uma atitude relacionada a poder e sucesso,
passando a denotar um comportamento desagradável.
A dificuldade no manejo do tabagismo é verificada mesmo
em classes de maior nível sócio-cultural, como observado por15.
37
Estes autores acompanharam um grupo de médicos ingleses
tabagistas durante cinqüenta anos, observando que metade
deles morreu por doenças tabaco-associadas. Estes dados foram
recentemente ratificados no Brasil entre estudantes de Medicina
de Pelotas-RS e Brasília-DF, observando-se elevada prevalência
de fumantes nesta população, levando-se inclusive a pensar na
reavaliação do currículo médico no país. Esses resultados
paradoxais surgem no momento em que se mostra uma redução
do número de cigarros fumados ao ano no Brasil na população
geral (Menezes et al., 2004).
O INCA inicia seu programa com estratégia à criança e
adolescente e depois o amplia para adultos, na tentativa de
estimular a interrupção do tabagismo. Apesar desse movimento,
a dificuldade na cessação do tabagismo é grande, parte pela
dependência física a nicotina, apartir a resposta dos receptores
cerebrais, que na falta desta substância, manifesta sintomas
físicos de agitação, taquicardia, sudorese, hipertensão, insônia
e etc; o segundo fator que dificulta a cessação do tabagismo é
a falta de profissionais qualificados ao suporte clínico não
farmacológico dessas pessoas. Estes dados ficam evidentes em
estudos publicados em 1988, quando o INCA divulga dados
sobre a Pesquisa Nacional sobre Estilo de Vida, realizada pelo
Ministério da Saúde, onde havia 30,6 milhões de fumantes, 78%
destes conheciam os malefícios do cigarro e desejavam parar de
fumar, dos quais apenas 3% ao ano cessam o tabagismo e
surpreendentemente 80% desses o fazem sem usar medicações,
ratificando a importância da abordagem clínica comportamental,
que dispensa o uso de drogas, geralmente de custo elevado e
efeitos colaterais significativos. Estas observações tornam
necessária a preparação de profissionais comprometidos nessa
abordagem, que não deve ser de responsabilidade única do
médico e sim de todos os envolvidos na área de saúde, como
mencionado, mas com a total integração da família. (Cinciprini et
al., 1997).
As medidas do INCA na divulgação do PNCT têm
impulsionado a procura de serviços especializados,
particularmente de pneumologia, por fumantes carentes de
suporte para ajudá-los na difícil batalha de interromper o
tabagismo. Ao mesmo tempo, o médico também busca suporte
para atender estes pacientes. O INCA tem difundido suas
orientações para profissionais do País, através de conferências,
jornadas e simpósios, além de estabelecer datas de impacto na
mídia, como dia nacional sem tabaco e da Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica (DPOC), mais comum e grave dano pulmonar
pelo cigarro.
Sabe-se que a cessação do tabagismo requer o máximo
empenho de toda a equipe, composta do paciente e médico,
além de todos os envolvidos no processo, como enfermeiro,
assistente social, psicólogo, nutricionista e principalmente a
família. Além disto, o programa requer uma abordagem inicial,
com avaliação e aconselhamento, mas sem a preparação e o
acompanhamento, todo o esforço é inútil. Para tanto, necessitase qualificar profissionais comprometidos, oferecendo-lhes
estratégias e material técnico de apoio, aumentando a eficácia
do programa. O passo inicial foi a publicação do livro “Ajudando
seu paciente a parar de fumar”, sensibilizando os órgãos
governamentais para a necessidade de encarar o tabagismo com
uma doença, igual a tantas outras como hipertensão arterial,
diabetes etc. 29.
Dependência à nicotina
Dependência á nicotina é o estado de solicitação orgânica
ou psíquica ao consumo desta droga, geralmente em doses
38
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
progressivamente maiores, sendo a nicotina o principal
componente psicoativo do tabaco, do mesmo modo que o
benzopireno, também constituinte do cigarro, é a principal
substância associada ao câncer de pulmão. Sabe-se que a
nicotina interage com o consumidor, com o seu ambiente e
suas reações biológicas. Em 1988, o Ministério da Saúde
americano descreve o tabagismo como fonte específica de
dependência, determinando que o ato de fumar seja uma
doença que leva à dependência, devendo-se preveni-lo e tratar
a dependência para interrompê-lo. O estado de dependência
decorre freqüentemente da elevada concentração de nicotina
liberada ao cérebro pela fumaça do cigarro, e se caracteriza
pela escolha do indivíduo ao seu consumo, tentando
compensar determinadas frustrações e doses
progressivamente maiores são necessárias para manter a
sensação de bem estar14.
A adição é descrita como um estado mais evoluído da
dependência, envolvendo o contexto ambiental, histórico e
psicológico, muito variável de um indivíduo para outro, pois
não depende apenas de uma dose da substância em questão,
mas de múltiplos fatores. Entre todas as drogas responsáveis
por este fenômeno, destaca-se a nicotina, pela rápida indução
à tolerância e poucas semanas são necessárias para se
consolidar a dependência. Apesar desses dados, a quantidade
de cigarros diários necessários para ocorrer a dependência,
depende de fatores ambientais, comportamentais, da
predisposição individual e da freqüência com que ocorrem os
“gatilhos”, situações associadas ao hábito de fumar, como o
estresse, emoções, alegria e tristeza, consumo de álcool e
cafeína, atividade sexual entre outras. O reconhecimento destas
características próprias de cada pessoa, é um ponto crucial no
doloroso processo de cessação do tabagismo9 . Outros autores
descrevem que a nicotina é droga com grande potencial para
modificar a biologia e fisiologia do cérebro, forte indutora de
dependência, principalmente associada a fatores individuais,
genéticos, ambientais e sociais, cuja abordagem no programa
de cessação do tabagismo é de extrema importância,
principalmente para evitar as freqüentes recaídas (National
Institute on Drug Abuse, 1997).
A dependência geralmente é maior em indivíduos vulneráveis,
principalmente os jovens, cuja maioria, ao redor e 75%, é
provadora de cigarro, destes, 60% passam ao consumo regular
do tabaco e 20 a 30% se tornam dependentes. Inicialmente pode
ocorrer rejeição voluntária ao cigarro, pois o consumo precoce
provoca efeitos desagradáveis, como tonturas, náuseas e
tremores; depois bem tolerados, seguidos de sensação de bem
estar originada em uma região do cérebro, chamada de sistema
mesolímbico, descrita no anexo 2. Esta conturbada vivência
inicial, geralmente decorre da necessidade de auto-afirmação
diante do grupo, necessária à inclusão social e própria da faixa
etária, às vezes em busca da identificação com ídolos; outras
vezes por rebeldia e desafio à autoridade familiar. Assim, podese resumir em cinco, os motivos relevantes que levam o
adolescente a fumar:
- Autoconhecimento
- Desafio de autoridade
- Necessidade de ser reconhecido no grupo
- Necessidade de copiar ídolos (Pais, atores, cantores etc...)
- Busca de desafios
No difícil processo de cessação do tabagismo, a observação
do indivíduo como um todo é de fundamental importância e,
mundialmente reconhecidos, Prochaska e Di Clemente
publicaram os cinco estágios de mudança cognitivo-
comportamentais a seguir descritos e o anexo 3 ilustra critérios
de dependência de nicotina:
1. Fase pré-contemplativa: Há ciência dos riscos, mas não há
intenção de parar de fumar.
2. Fase contemplativa: Há intenção de parar em seis meses,
apesar de insegurança e medo.
3. Preparação para a ação: Tentativa real para parar de fumar e
solicita ajuda para isto
4. Ação: O paciente enfrenta tudo e pára de fumar em de 4-6
semanas
5. Manutenção: A difícil arte de se manter abstêmio com
exposição aos apelos. É o momento de evitar confronto com
os gatilhos, situações vividas que desencadeiam a vontade
de fumar, como café, álcool, jogo, etc.
Para mensurar o grau de dependência à nicotina, um valioso
instrumento validado e amplamente utilizado em todo o mundo
é o questionário ou Teste de Fagerstrom (Anexo 4), artifício de
fácil e rápida aplicação, de baixo custo e portanto valioso para
aplicação em países de baixa renda. Os resultados obtidos neste
questionário têm boa associação com a dosagem da cotinina
sérica, urinária ou salivar, porém a medida objetiva e acurada
deste metabólito da nicotina exige equipamento sofisticado, de
custo elevado e de difícil acesso para países em
desenvolvimento9.
Habitualmente, 85% dos fumantes voltam a fumar na
primeira tentativa, só cessando de fato por volta da terceira
tentativa. O conhecimento dessas informações é fundamental
ao profissional de saúde, que no momento oportuno deve
esclarecer com segurança ao dependente, suas chances e
possibilidades de recair, alertando-o do processo e recaída,
sem reduzir a autoestima e subestimar a capacidade de vencer
dos indivíduos. Denegrir o espírito de mudança não ajuda
inclusive à luz dos conhecimentos sobre a dependência à
nicotina; ao contrário, deve-se parabenizá-lo e louvar sua
capacidade de solicitar ajuda e tentar vencer, sabendo do difícil
caminho a seguir, comemorando com o fumante, cada dia longe
do cigarro. Postula-se ainda uma sexta fase, a de finalização,
onde se concluem as mudanças comportamentais propostas
na fase contemplativa, desaparecendo o problema A
formalização destas etapas com o paciente é fundamental na
medida em que se estabelecem metas e condutas terapêuticas
a cada fase e tornam os procedimentos menos heterogêneos
no mundo. Nas duas primeiras fases, deve-se apenas educar e
conscientizar, como mostrado no Anexo 1, postergando a
indicação de drogas para as fases posteriores.
Doenças associadas ao Tabagismo
A elevada morbi-mortalidade associada ao tabagismo,
decorre das diversas doenças relacionadas ao tabaco,
principalmente as cardíacas e respiratórias. Em 1991, Rigatto
descreveu alguns mecanismos através dos quais essas
enfermidades, que depois serão descritas mais detalhadamente33.
A) Dificuldades nas trocas gasosas. Déficit na captação,
transporte e utilização do oxigênio;
B) Alteração na reprodução celular: Mais evidente em másformações congênitas e câncer;
C) Déficit imunológico celular: Por redução da barreira
mucociliar e fagocitose;
D) Déficit da imunidade humoral: Alteração do muco e déficit
de imunoglobulina A;
D) Alteração do metabolismo: Aumento do trabalho
respiratório, de catecolaminas e elevação da pressão arterial
e taquicardia.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
DOENÇAS PULMONARES
O tabagismo é o principal responsável pelas doenças mais
freqüentes e graves tratadas pelo pneumologista, tanto do ponto
de vista ambulatorial quanto hospitalar. As principais alterações
pulmonares relacionadas ao tabagismo podem ser resumidas assim:
- Bronquite
- Enfermidades mutagênicas ou carcinogênicas
- Inflamação local – Em consequência disto, decorre a morte
celular com destruição tecidual.
- Alteração da barreira mucociliar: Por modificação das
características do muco
- Hiperplasia de células mucosas com aumento da produção de
muco
- Aumento de risco para Infecção do Trato Respiratório
- Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): Bronquite e
enfisema
- Maior risco de desenvolver doenças intersticiais pulmonares
Alguns autores descrevem um risco de 20 vezes maior de
morte entre fumantes, quando comparado com a população não
fumante, com evidências de maior deterioração da função
pulmonar em fumantes do sexo feminino, em relação ao
masculino; embora o homem esteja mais exposto a substâncias
relacionadas às atividades profissionais, como sílica e asbesto,
que além de também afetarem o pulmão, potencializam os efeitos
do tabaco3.
A DPOC, geralmente definida como a associação de
bronquite crônica e enfizema, é considerada problema de saúde
pública da atualidade e se destaca como uma das principais
causas de morbi-mortalidade no mundo, com a perspectiva de
se manter assim, inclusive piorar até 2020, caso medidas
drásticas para reduzir o tabagismo não forem adotadas no
mundo. Trata-se de doença grave e progressiva, limitando muito
a qualidade de vida dos pacientes, de custo financeiro elevado,
com limitada opção de tratamento e que em 90% é relacionada
ao tabagismo; ou seja, sem o cigarro a enfermidade só ocorreria
10% dos casos.31
As alterações pulmonares decorrem de distúrbios cardíacos,
vasculares e por alteração na propriedade da hemoglobina,
dificultando as trocas gasosas; por sua vez, a lesão do leito
vascular pulmonar reduz a produção de prostaciclina (PGE2) e
prostaglandina responsável pela estabilidade plaquetária. A
DPOC, maior e mais grave conseqüência pulmonar do tabagismo,
é definida atualmente como doença inflamatória brônquica,
resultando em perda acelerada da função pulmonar, precária
qualidade de vida e custo financeiro elevado. É entendida como
patologia de evolução progressiva e sistêmica, de elevada
prevalência, de difícil tratamento e sem perspectivas de redução
na próxima década 31.
NEOPLASIAS TABACO-ASSOCIADAS
Entre as neoplasias malignas (Câncer) conhecidas, muitas
se destacam pela exposição ao tabaco, entre elas, as pulmonares
e de laringe são as importantes, mas outras como de boca (lábio
e língua), esôfago, bexiga, rim, pâncreas, bexiga, estômago, mama,
cólon, reto e colo de útero também se associam ao tabagismo.
Vale ressaltar que o tempo de exposição para o aparecimento da
neoplasia pulmonar é longo e o diagnóstico geralmente é tardio,
pois os sintomas do tumor se confundem com os de bronquite
crônica, por isto a chance de cura do câncer de pulmão é tão
difícil. Pela elevada incidência de neoplasia pulmonar em
fumantes, foi desenvolvido estudo para rastreamento
39
precocemente desse tumor na população de risco, mas os
resultados não mostraram o impacto esperado e os custos para
o diagnóstico precoce não justificam manter o rastreamento
como medida de rotina, principalmente em países de baixa renda.
Além disso, embora a neoplasia seja a doença de desfecho fatal
em curto prazo, há doenças, de freqüência e morbi-mortalidade
mais relevantes e o investimento para diagnóstico precoce de
câncer deve ser desviado para expandir os programas de
cessação do tabagismo em todo o mundo, como principal medida
para controle das doenças tabaco-associadas39.
Outra neoplasia maligna associada ao tabaco é a de bexiga,
com risco estimado de 2 a 3 vezes maior de seu surgimento em
fumantes. Trata-se do câncer mais freqüente do trato urinário e
com maior incidência no sexo masculino 7.
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
As doenças cardiovasculares relacionadas à exposição ao
tabaco, geralmente decorrem do envelhecimento precoce da
parede vascular; diferente do observado na aterosclerose de
outra etiologia, cujo processo é lento e tardio. Em fumantes, há
ligação estável do monóxido de carbono com a hemoglobina,
dificultando a ligação desta ao oxigênio e o transporte aos
tecidos, mecanismo este denominado de metabolismo anaeróbio
com baixo teor de oxigênio tecidual e dano celular por liberação
de radicais livres, oxidantes, perpetuadores da inflamação, com
morte celular. Além deste mecanismo, a nicotina é potente
vasoconstrictor, acentuando a hipóxia tecidual, com aumento
da resistência vascular, elevação da pressão arterial e risco de
arritmias, Acidente Vascular Cerebral (AVC), angina, Infarto
Agudo do Miocárdio (IAM) e morte. 36, 22.
As principais doenças cardiovasculares são: Doença
isquêmica do coração (infarto do coração), AVC, aneurismas de
aorta, vasculopatias periféricas, principalmente arterial e
trombose venosa profunda com embolia pulmonar, também
relacionada a DPOC, e risco de morte súbita. Há ainda lesão
vascular em retina com limitação visual e perda visual. As
alterações cardiovasculares do tabagismo ocorrem por inalação
de nicotina e monóxido de carbono, com efeitos deletérios sobre
o miocárdio. A nicotina induz à elevação de substâncias, como
a serotonina, favorecendo a vasoconstricção e a agregação
plaquetária; enquanto o monóxido de carbono lesa diretamente
a camada vascular e forma a carboxi-hemoglobina, dificultando
a adequada troca gasosa33, 22. Avalia de outro modo 33
A doença vascular periférica mais freqüente é a
tromboangeite obliterante (Doença de Burger), responsável por
amputação de membros inferiores. Estudos mostram que a
interrupção do tabagismo resulta na redução de 95% destas
amputações. Há redução da qualidade de vida por dor,
claudicação e até amputação, com marcado dano psicológico.
Também relacionado com o tabagismo, o AVC é considerado
a terceira causa de morte no mundo, inclusive no Brasil, com
seqüelas neurológicas irreversíveis e três vezes mias freqüente
em fumantes e descreve-se que após cinco anos sem fumar, o
risco é semelhante ao do não fumante. Doll e colaboradores,
acompanhando médicos fumantes por 50 anos, ratificaram estes
achados com a verificação desta patologia na amostra estudada11.
DOENÇAS NEUROLÓGICAS TABACO-ASSOCIADAS
Além do AVC já descrito, observam-se no fumante, maior
risco para surgimento de outras doenças, como doença de
Alzheimer, demência vascular e morte súbita.
40
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
DOENÇAS GENITO-URINÁRIAS TABACO-ASSOCIADAS
Observa-se ainda que o tabagismo é um fator de risco para a
disfunção erétil, dificuldade na fertilidade humana com redução
da em torno de 40%, precocidade da menopausa e complicações
gestacionais, como abortamentos, nati-mortalidade, com baixo
peso e menor estatura ao nascer, além de maior morbi-mortalidade
destas crianças na primeira infância, menor desempenho
intelectual das mesmas. Estes dados são ratificados por
evidência de maior dependência e sensibilidade da mulher aos
danos do tabaco. Vale ressaltar o papel do tabaco e maior risco
de doenças cardiovasculares com uso concomitante de
anticoncepcionais orais ou presença de fatores de risco para
essas doenças, tornado fundamental a redução das taxas de
tabagismo no sexo feminino33 .
OUTRAS DOENÇAS RELACIONADAS AO TABAGISMO
Pesquisas mostram que a nicotina tem efeito antiestrogênico,
aumentado o risco para osteoporose e fraturas após a
menopausa, também relacionado à existência de DPOC, que a
princípio os estudos não associam com o uso crônico de
corticóide e outras doenças pulmonares crônicas não apresentam
risco aumentado para osteoporose, sugerindo realmente a
relação entre o tabaco e risco desta doença óssea.
As alterações digestivas no fumante, por ativação de
gânglios parassimpáticos, mais freqüentes são: Diarréia,
náuseas, vômitos e maior risco para úlcera péptica,
principalmente a duodenal, neste caso dificuldade de cicatrização
da mesma4.
Outras complicações do tabagismo são os acidentes
automobilísticos relacionados à prática de fumar na direção de
veículos, além de incêndios, na zona rural, a causa mais
importante; e na cidade a segunda causa, superado pelos curtoscircuitos elétricos33. Dados da OMS sugerem que a cada dez
segundos, alguém morre precocemente em conseqüência dos
efeitos do tabagismo e o INCA descreve que o fumante, em
relação ao não fumante, tem risco de doze a vinte vezes maior
para desenvolver câncer de pulmão, dez vezes para DPOC e de
dois a cinco vezes para AVC.
As conseqüências do tabagismo anteriormente descritas e
relacionadas com perda acelerada da função pulmonar, redução
da qualidade de vida, surgimento e/ou agravamento de sintomas
respiratórios põem ocorrer especialmente em crianças fumante
passivas, e maior o risco quando a mãe é a fumante, por ficar
mais tempo com a criança, expondo-a a fumaça do cigarro.
Descreve-se ainda queda de cabelo, catarata, perda da audição,
descoloração dentária e destruição do esmalte dentário,
envelhecimento precoce da pele, osteoporose, psoríase, úlcera
péptica e coloração amarela nos dedos e unhas. Além dos
problemas citados, acrescenta-se a irritabilidade pela
consciência da necessidade de interromper o tabagismo e a
frustração de não consegui-lo, além das conseqüências
sistêmicas da DPOC, como caquexia, osteoporose, arritmias,
atrofia muscular, doença cardiovascular e cerebral. Há evidências
de que o tabagismo favorece à hipercolesterolemia com redução
da lipoproteína de alta densidade (HDL) e elevação da baixa
(LDL), aumentando o risco de aterosclerose.
A elevada taxa de carboxi-hemoglobina ou hemoglobina
inutilizada no fumante, o torna mais vulnerável às situações de
estresse e maior consumo de oxigênio. Assim, o fumante deve
ser avaliado antes de procedimentos cirúrgicos, com interrupção
do cigarro pelo menos 24 às 48h antes do ato, para redução do
nível de carboxi-hemoglobina, pois sua vida média é pequena.
Isto facilita a cirurgia por reduzir complicações no intra e pósoperatório, freqüentes nos fumantes em relação a não fumantes,
principalmente em cirurgias de médio e grande porte e cirurgias
abdominais altas, por maior limitação da ventilação33.
Vale ressaltar os aspectos inerentes às neoplasias em geral,
em particular ao câncer de pulmão, cuja ocorrência entre
tabagistas é elevada e decorre da exposição ao benzopireno,
presente na fumaça do cigarro, considerado o maior
carcinogênico conhecido. Além do benzopireno, a fumaça do
cigarro contém substâncias co-carcinogênicas que atuam
indiretamente, facilitando a ação do benzopireno, especialmente
se há predisposição individual para a doença Estudos sugerem
que a interrupção do tabagismo, reduziria a incidência de todos
os tipos de neoplasias para 30%; enquanto que a cessação do
alcoolismo e controle de peso resultaria respectivamente em 3%
e 1%. Impacto também mais baixo foi observado adotando-se
medidas preventivas para outras neoplasias como colo uterino
e exposição a raios-X, ratificando-se o papel do tabaco como
potente indutor de neoplasia e a necessidade de medidas
urgentes para interromper seu consumo9.
Abordagem Geral do Tabagista
Conforme relatado por diversos autores, o processo de cessação
do tabagismo é muito difícil, pela inexistência de programas efetivos
e extensivos à população exposta e baixa qualificação médica em
geral, para tratar desta dependência química grave, de difícil e restrito
tratamento. Além disto, a diferença no grau de dependência e
resposta ao tratamento, ao transtorno psicológico e sócio-cultural
associado e a falta de orientação prévia do fumante com relação à
fase de abstinência, bem como o tempo de duração previsto, são
alguns dos fatores que limitam o sucesso dos programas de cessação
do tabagismo no mundo 15.
Na abordagem geral para agregar dependentes da nicotina
ao programa de cessação do tabagismo, alguns subgrupos
merecem atenção especial.
Idosos
Segundo dados do IBGE de 2002, a população de idosos no
Brasil cresceu de 7,9 para 9,3% e o aumento da expectativa de
vida no País, originou distúrbios na saúde, seja pela degeneração
orgânica fisiológica, acrescidos aos efeitos do tabagismo nessa
população, habitualmente com limitação ao uso de drogas para
tratamento de abstinência. Outros problemas são sociais,
profissionais, culturais, financeiros e emocionais, próprios da
faixa etária. Assim uma abordagem cautelosa destes pacientes
é imprescindível e geralmente requer equipe multiprofissional
capacitada7.
Crianças e adolescentes
Este grupo, facilmente seduzido pela mídia e apelos sociais
próprios da idade, se destaca pela necessidade urgente de reduzir
a exposição ao tabaco, cujos efeitos em longo prazo são
deletérios. Apesar disto, mundialmente se observa persistência
e aumento de doenças tabaco-dependentes na próxima década,
principalmente pela prevalência elevada do tabagismo, tendo o
jovem papel relevante neste contexto, de modo que a redução
do consumo de tabaco neste grupo é investimento prioritário
do programa de cessação do tabagismo. A participação de equipe
multidisciplinar qualificada é fundamental, aliada ao relevante
apoio familiar e escolar, orientando dos riscos e como resistir
aos apelos da mídia, não manter o exemplo em casa e monitorar
para detectar início do consumo cigarro20.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Gestante
Entre as conseqüências da exposição à fumaça do cigarro, já
foram referidos os problemas que vão da dificuldade de
fertilização, ao aborto e prematuridade, com transtornos ao
nascer, além do maior risco de morte no primeiro ano de vida.
Nesta população, vale apelar para o sentimento que há de mais
profundo entre os seres humanos a relação mãe-filho. Esta
abordagem gestante, além de evitar complicações na mulher e
na criança, pode ser o início a cessação definitiva do tabagismo6.
Tabagismo como doença
De comportamento social aceitável e difundido no mundo,
no final do século XX, passou a ser abordado como doença e,
portanto incluído no código internacional de doenças, com
conseqüências corporais graves, impondo-se a necessidade e
esforço mundial de estabelecer programas efetivos de cessação
do consumo do tabaco, com as etapas descritas a seguir:
- Conscientização da classe médica e outros profissionais de
saúde sobre a dependência química à nicotina, como quantificala e abordagem, observando a variação individual de
dependência. Saber abordar o fumante e ampará-lo nos
momentos de fraqueza, elevando sua auto-estima e incentiválo nas recaídas, é um aprendizado fundamental.
- Conscientizar o paciente fumante de que é doença e se não
tratada, poderá ter conseqüências irreversíveis e graves.
Orientar sobre dependência, abstinência e manutenção,
estimulando-o a conhecer a dinâmica, o que o leva a fumar e
gatilhos devem ser bem explorados. O estímulo a outros
prazeres deve ser estimulado e falar das dificuldades da
abstinência certamente a fará menos sofrida, como se conhecer
o inimigo antes, torne menos difícil a batalha. Lembrar que os
sintomas da abstinência cessam; já a conseqüência da
exposição crônica à nicotina é irreversível. Determinar o
momento ideal para iniciar o processo e torná-lo o marco do
início da luta, é um ponto fundamental e deve ser definido pelo
fumante.
- Conscientização da família e amigos, abordando os aspectos
anteriormente descritos para o dependente, esclarecendo a
importância da participação de todos nesta difícil, mas não
impossível, batalha, onde todos nos seremos vencedores.
Ao iniciar o programa de cessação de tabagismo, o fumante
deve submeter-se às estratégias ou estágios de abordagem
comportamental, estabelecidas por Prochaska e Diclemente32,
baseadas nos aspectos cognitivo e motivacional do fumante,
mas é fundamental conhecer o grau de motivação que os
pacientes apresentam na consulta. Neste momento
esclarecimento dos riscos e conseqüências do consumo do
tabaco deve se feito de modo tranqüilo e seguro, de modo a
fazê-lo pensar e decidir, pelo menos iniciar o estágio de
contemplação. Os estágios de mudança podem ser resumidos
como se segue:
1) Pré-contemplação: O Fumante não pensa em parar de fumar.
2) Contemplação: O fumante reconhece que precisa para de
fumar.
3) Pronto para a ação: O fumante considera seriamente que
precisa parar e fumar
4) Ação: O fumante pára de fumar.
5) Manutenção: O fumante parou de fumar, mas deve ficar atento
para não voltar.
6) Recaída: O fumante voltou a fumar.
Para estabelecer estes estágios, cinco passos devem ser
seguidos pela equipe e saúde diante do dependente de nicotina
e tem a sigla conhecida por PAAPA:
41
• Perguntar: Avaliar tempo e cigarros ao dia, intenção de parar
e se já tentou antes.
• Avaliar: Avaliar grau de dependência e dificuldade do
processo
• Aconselhar: Informar ao paciente, sem a intenção de
condenar ou punir.
• Preparar: Avaliar o momento ideal para começar, geralmente
de menos turbulência na vida.
• Acompanhar: Importantíssimo e equipe deve estar preparada
para ampará-los nas recaída
Os estágios de manutenção e recaída são de extrema
importância e a maturidade da equipe de suporte, de saúde,
família e amigos, é o suporte para amparar o fumante nestes
momentos, como resultado de perfeito entendimento da
dependência química à nicotina, reconhecendo a fragilidade do
dependente nesta luta. Ainda que coordenado por um médico,
vários membros da sociedade desempenham atividade relevante
no programa de cessação do tabagismo e os agentes
comunitários de saúde são os melhores exemplos desses aliados.
Preparar o fumante significa estabelecer com ele as estratégias
para o processo de interrupção do tabagismo: escolher o
momento ideal, lembrar que estresse é adverso ao inicio, pois
ele tem no ato de fumar, momentos de prazer, que retirados na
sobrecarga emocional, certamente o levará a ter lapsos ou
episódios isolados de consumo; ou recaída, o retorno ao
consumo regular do cigarro. A tentativa frustrada, por parte do
fumante, certamente causará sensação de derrota e fraqueza,
ainda que previamente orientado destas dificuldades. Neste
caso, tranqüiliza-lo de que novas tentativas não serão
necessariamente semelhantes, desde que observadas e
corrigidas as falhas anteriores.
Deve-se conversar com o fumante, oferecendo-lo apoio e
estímulo, aumentando sua autoestima ao lhe lembrar que atos
semelhantes são de coragem e ele é o principal protagonista da
vitória. A interrupção o tabagismo com a abordagem cognitivocomportamental, sem uso de drogas, é o primeiro passo
recomendado pelo INCA e deve ser tentada em todas as pessoas
dispostas, pois com uma equipe multiprofissional qualificada
no processo, o sucesso é possível. Vale salientar que as drogas
utilizadas para auxiliar na interrupção do fumo, têm custo
financeiro elevado e efeitos colaterais que limitam o seu uso em
larga escala e que apesar tudo programado, geralmente são
necessárias duas ou mais tentativas para que haja cessação o
tabagismo, aspectos que devem ser sinalizados ao fumante
desde início, pois só ajudam.
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CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
43
Anexo 1. Questionário para avaliar estádios de mudança comportamental
12345678910-
Você já fumou diariamente ao menos um cigarro ao dia por pelo menos seis meses?
Você fuma atualmente?
Qual o seu consumo de cigarros por dia?
Parou-se de fumar, há quanto tempo você parou?
Se ainda fuma: há quanto tempo pensa em para de fumar?
Nos últimos meses, quantas vezes tentaram e conseguiram ficar pelo menos 24h sem fumar?
Fez alguma tentativa séria de parar de fumar nos últimos 12 meses?
Atualmente, pretende parar totalmente de fumar e para sempre nos próximos 30 dias?
Atualmente, pretende parar totalmente de fumar e para sempre nos próximos meses?
Atualmente, não pretende parar totalmente de fumar e para sempre nos próximos 6 meses?
Anexo 2. Neurotransmissores liberados no SNC por ação da nicotina.
-Dopamina: Prazer, redução do apetite e adição.
- Norepinefrina: Alerta e redução do apetite
-Acetilcolina: Alerta e melhora da cognição
- Vasopressina: Melhora da memória
- Serotonina: Melhora de humor, reduz apetite e alívio da síndrome da abstinência.
- Glutamato: Melhora da memória
- GABA: Redução da ansiedade e tensão
- Betaendorfina: Reduz ansiedade e tensão
Anexo 3. Diretrizes diagnósticas do CID-10 para dependência pela nicotina.
É necessária a presença de três ou mais itens para o diagnóstico
A. Um forte desejo ou compulsão para consumir a substância
B. Dificuldade em controlar o desejo de consumir a substância em termos de seu início, término e níveis de consumo.
C. Estado de abstinência fisiológico quando o uso a substância cessou ou foi reduzido ou pelo uso da mesma substância com
intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência
D. Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos
antes produzidos com doses mais baixas.
E. Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da sustância psicoativa, aumento da quantidade
de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos.
F. Persistência do uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas.
Anexo 4. Questionário de Fagerstrom.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Quanto tempo depois de acordar você fuma o primeiro cigarro?
a) Após 60 min= 0 ponto
b) Entre 31-60 min= 1 ponto
c) Entre 6-30 min= 2 pontos
c) Nos primeiros 5 min= 3 pontos
Você encontra dificuldades em evitar fumar em lugares proibidos, como igrejas, trabalho, cinemas, shopping, etc.?
a) Não= 1 ponto
b) Sim= 1 ponto
Qual o cigarro mais difícil de largar ou de não fumar?
a) Qualquer um= 0 ponto
b) O primeiro da manhã= 1 ponto
Quantos cigarros você fuma por dia?
a) Menos de 10= 0 ponto
b) Entre 11-20= 1 ponto
b) Entre 21-30= 2 pontos
c) Mais de 31= 3 pontos
Você fuma mais nas primeiras horas do dia do que no resto do dia?
a) Não= 0 ponto
b) Sim=1 ponto
Você fuma mesmo estando doente a ponto de ficar acamado a maior parte do dia?
a) Não= 0 ponto
b) Sim= 1 ponto
Pontuação: 0-4: Dependência leve
5-7: Dependência moderada
8-10: Dependência grave
44
II.3
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Hugo Maia Filho
Daniel Vasconcelos Cunha Martins
Diego José Leão de Oliveira
Thiago Pereira Cavalcanti
Zenilton Lima da Silva Sobrinho
A RELEVÂNCIA DOS CONHECIMENTOS
SOBRE CONTRACEPÇÃO NO
PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
INTRODUÇÃO
Palavras-chaves:
Contracepção, Planejamento
familiar, Anticoncepcionais orais,
Implante hormonal, Anel vaginal;
DIU de cobre, DIU medicado,
Condom.
A gravidez não planejada constitui um grave problema à saúde pública em países
como o Brasil. Por serem uma importante causa de mortalidade e de morbidade maternoinfantil, os problemas vinculados à gestação merecem grande atenção dos profissionais
ligados à área de saúde. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 19 milhões
de mulheres sofrem aborto não-seguro por ano, sendo que desses, 18,5 milhões ocorrem
em países em desenvolvimento: 4,2 milhões na África, 10,5 milhões na Ásia e 3,8 milhões
na América Latina. Em conseqüência de complicações nesses abortos não-seguros, 68
mil mulheres grávidas morrem, a cada ano, em todo o mundo (WHO, 2006).
O número de gravidezes entre as adolescentes brasileiras tem crescido de forma
preocupante. Segundo os dados do Ministério da Saúde, 14% das mulheres entre 15 e 19
anos tinham pelo menos um filho. Além de contribuir para aumentar o número de abortos
não-seguros, a gravidez na adolescência cria um problema social. São raras as adolescentes
que têm condições de cuidar e educar seus filhos, até porque a maioria dessas gravidezes
ocorre entre parcelas menos favorecidas da população brasileira (Ministério da Saúde,
2006).
Além disso, a falta de planejamento familiar contribui para agravar os problemas
sociais dos países em desenvolvimento. Muitos governos não têm condição de lidar
com grandes aumentos populacionais, e acabam oferecendo más condições de assistência
médica e de educação.
Com o intuito de reduzir esses problemas, a implementação do planejamento familiar
através de contraceptivos seguros representa uma das práticas mais bem documentadas
e eficientes. Desde os anos 60, os programas de planejamento familiar têm ajudado as
mulheres em todo o mundo a evitar aproximadamente 400 milhões de gestações
indesejadas (Hatcher, 2001). Como conseqüência, muitas mulheres têm sido poupadas
de gestações de alto risco e de abortos não-seguros. Além disso, nos países em que foi
feito um rigoroso controle das taxas de natalidade através do planejamento familiar, a
melhora das condições sócio-econômicas foi notável.
Considerando que milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, em
condições inadequadas de higiene e baixo nível de escolaridade, ter muitos filhos
representa dificuldades tanto para a família quanto para o Estado. Entretanto, sem a
contracepção assistida, a mulher e o seu companheiro não são capazes de escolher
quando ou quantos filhos eles querem ter (Baird, 2000).
No Brasil, existe a necessidade cada vez mais freqüente da atuação dos profissionais
da saúde para orientar a contracepção no atendimento primário. Alguns métodos
contraceptivos são tão simples que os próprios agentes comunitários de saúde, se bem
treinados, podem orientar a população. Existem casos, entretanto, em que a participação
do médico é fundamental para avaliar as condições dos pacientes e indicar o método
mais adequado.
Os métodos contraceptivos incluem: o uso de hormônios esteróides com a finalidade
de bloquear a ovulação, métodos de barreira capazes de impedir a ascensão de
espermatozóides, e o uso de dispositivos intra-uterinos medicados e não-medicados. Os
métodos hormonais vão desde a pílula anticoncepcional aos anéis vaginais, implantes
subcutâneos e aos adesivos transdérmicos. Já os métodos de barreira incluem o
diafragma, associado a agentes espermicidas, e o “condon” ou “camisinha” (masculina
e feminina). Com relação aos dispositivos intra-uterinos (DIU), existem os não-medicados
e os medicados com hormônios. Além do seu efeito contraceptivo, vários trabalhos
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
científicos têm mostrado que os anticoncepcionais hormonais
trazem outros benefícios para a saúde da mulher, tendo efeito
sobre algumas patologias como a endometriose, a adenomiose
e os pólipos endometriais (Burkman, 2004).
A ESCOLHA DO MÉTODO CONTRACEPTIVO
A escolha de um determinado método anticoncepcional é
um processo que tem que envolver uma interação harmônica
entre o conhecimento médico dos métodos contraceptivos e os
aspectos éticos envolvidos na reprodução humana. Por causa
disto torna-se importante para o médico de família ter o
conhecimento dos direitos reprodutivos do ser humano, que
incluem entre estes o livre acesso aos diversos métodos de
contracepção existentes na atualidade. O médico de família que
trabalha na atenção básica da saúde tem o dever social de orientar
o seu paciente na escolha de um método contraceptivo que não
fira nem as convicções pessoais deste nem lhe traga riscos
desnecessários. Para isso é importante que este tenha uma
sensibilidade especial para lidar com as questões ligadas à
reprodução e sexualidade humana, sempre lembrando que o
planejamento familiar tem que ser uma opção livre e nunca
coercitiva do casal.
Contraceptivos orais
Os contraceptivos orais têm a capacidade de combinar uma
contracepção eficaz e segura e ao mesmo tempo trazer vantagens
para a saúde feminina. Nos últimos anos se tornou evidente que
a mudança do padrão reprodutivo da mulher moderna levou ao
aumento significativo no número de menstruações durante a
sua vida reprodutiva. Este aumento no número foi responsável
também pelo aumento na incidência de inúmeras patologias,
entre elas a endometriose, mioma uterino e o câncer de
endométrio. O uso do anticoncepcional oral por períodos além
dos clássicos 21 dias, constitui o que se chama de regime
estendido. O uso do anticoncepcional oral em regime estendido
está associado a maiores benefícios para a saúde feminina que
o esquema tradicional. Na verdade, a escolha deste regime de
21 dias de medicação ativa, seguido de 7 dias de pausa, reflete o
pensamento equivocado de 50 anos atrás, de que era necessário
dar a mulher usando anticoncepcionais a ilusão de que a mesma
estava tendo menstruações regulares, a fim de que esta tivesse
a certeza de que não estava grávida.
Por sua vez, há meio século atrás, a menstruação era
considerada erroneamente um processo salutar e inócuo para a
saúde feminina. Naquela ocasião não se dispunha dos
conhecimentos atuais de que a menstruação é um processo que
envolve a ativação endometrial de citocinas inflamatórias e que
a sua repetição incessante todo mês, fato que não era previsto
ocorrer na natureza, pode aumentar o risco de se desenvolver
patologias ginecológicas em mulheres susceptíveis (Coutinho,
1999). Os mecanismos pelos quais a repetição dos ciclos
menstruais poderia levar ao aumento de risco para o
desenvolvimento de patologias ginecológicas é complexo e
envolve não somente os hormônios esteróides como também
as prostaglandinas e outros mediadores inflamatórios.
A menstruação pode ser definida como a descamação da
camada funcional de um endométrio previamente estimulado
pelos estrogênios, provocada pela queda da produção de
progesterona. Os mecanismos que regulam o sangramento
menstrual no endométrio incluem desde os hormônios esteróides
produzidos no ovário até varias citocinas e fatores de
crescimento celular que são produzidos localmente na glândula
45
e no estroma endometrial. Esses fatores inflamatórios locais são
responsáveis tanto pela destruição como pela reparação da
camada funcional do endométrio durante a menstruação, num
processo que também envolve a ativação de enzimas como as
metaloproteinases (Salamonsen e col 1997). O processo da
menstruação é regulado por mecanismos ligados à inflamação e
destruição de tecidos nos quais as prostaglandinas e outros
mediadores inflamatórios têm um papel importante, inclusive na
fase de reparação e angiogênese.
Hoje se sabe que a menstruação, além de ser totalmente
inútil do ponto de vista fisiológico, pode ser iatrogênica, embora
muitas mulheres não estejam cientes dos riscos associados a
essas menstruações incessantes (Coutinho, 1999). Um dado
importante é que ainda hoje, mesmo em países desenvolvidos
como os Estados Unidos, quase 80% das mulheres
desconheciam que é possível suprimir a menstruação com o
uso estendido de anticoncepcionais orais (Andrist, 2004);
entretanto 59% dessas mulheres entrevistadas não queriam ter
mais sangramentos mensais com os anticoncepcionais, optando
por ciclos longos, sendo que 30% destas desejavam a
amenorréia. Por sua vez, 81% dos ginecologistas americanos
que freqüentavam congressos médicos já utilizavam
anticoncepcionais orais hormonais em regime estendido na sua
pratica diária, mas somente 12% destes ginecologistas
acreditavam que os ciclos de 21/7 eram os mais adequados e
benéficos para as suas pacientes (Sulak, 2006). Na Alemanha,
somente 30% das usuárias de anticoncepcionais hormonais orais
querem ter sangramentos mensais, sendo que a grande maioria
destas gostaria de usá-los de maneira estendida para ter menos
episódios de sangramento durante o ano. Uma percentagem
elevada (37 a 46%) de usuárias optou pelo uso ininterrupto da
pílula anticoncepcional com a finalidade de obter amenorréia
(Wiegratz e col, 2004). As pacientes que optaram por ter
sangramentos mensais, por outro lado, apresentavam como
razões para esta conduta o medo da gravidez, a possibilidade de
desenvolver infertilidade após o uso estendido da pílula e a
idéia de que a menstruação poderia trazer benefícios para sua
saúde feminina. Como nenhum desses temores é verdadeiro do
ponto de vista cientifico, fica claro que o grau de informação e
de instrução da paciente sobre esses assuntos é de extrema
relevância para a sua opção em utilizar o anticoncepcional oral
em regime estendido.
Isso ficou evidente em um estudo realizado no Brasil que
mostrava que a aceitação dos ciclos estendidos era muito maior
entre as médicas do que entre as pacientes de um ambulatório
de ginecologia, denotando assim a importância do nível de
cultura e informação no processo de escolha (Machado e col.,
2001). O temor por parte da usuária, e de certos médicos, de que
os ciclos estendidos poderiam trazer maiores riscos para a saúde
da mulher não foi comprovado em uma meta-análise recente
publicada pelo Cochrane (Edelman, 2005). Nessa análise, foram
comparados 5 ensaios clínicos utilizando anticoncepcionais
hormonais orais em regimes estendidos com o regime tradicional
de 21/7 e não foi encontrada nenhuma evidência de risco
aumentado nas usuárias de ciclos estendidos. Por outro lado,
ficou demonstrado que os sintomas adversos ligados à
menstruação eram melhores tratados com o ciclo estendido,
resultados esses que têm se repetido em outros estudos. Entre
esses cinco ensaios clínicos incluídos na meta-análise feita pelo
Cochrane, havia um único da América Latina, feito pelo grupo
do Professor Elsimar Coutinho na Bahia e publicado há mais de
20 anos atrás utilizando pílulas contendo levonorgestrel por via
vaginal (Edelman, 2005). Um recente estudo europeu (Foidart,
46
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
2006) feito com uso da associação etinilestradiol 30mcg/
drospirenona 3mg não mostrou nenhuma evidência de aumento
de risco com o uso desta associação quando utilizada em regime
estendido, mesmo quando usada por períodos de 126 dias sem
interrupção. O que foi observado nesse estudo foi a maior
ocorrência de sangramento irregular, que geralmente ocorreu
após 90 dias de uso ininterrupto da drospirenona/etinilestradiol.
Por outro lado, quando se estuda o impacto sobre a qualidade
de vida da mulher, obtido com o uso do ciclo estendido
comparado com o ciclo tradicional de 21/7 dias, o que se observa
é que a melhora da qualidade de vida é significativamente maior
nas usuárias de ciclo estendido a despeito da maior incidência
de sangramento irregular nos primeiros meses de uso (Sulak et
al, 2002, Edelman, 2005, Foidart et al, 2006). Isso se deve ao fato
de que os sintomas ligados à menstruação ou à pausa do
contraceptivo diminuem de intensidade ou mesmo
desaparecerem quando se estende o uso anticoncepcional por
mais de 28 dias. Isto também foi observado no Brasil em um
estudo recente utilizando a associação gestodeno 75mcg/
etinilestradiol 30mcg por ciclos de 56 dias (Machado RB, 2004).
Sintomas ligados à retenção de liquido, como edema, mastalgia
e a sensação de inchaço abdominal, assim com a dismenorréia
também diminuíram significativamente de intensidade com o uso
estendido de anticoncepcionais hormonais orais contendo a
associação etinilestradiol 30mcg/drospirenona 3mg (Sillem et
al, 2003). Isto se deve à melhora na ação terapêutica da
drospirenona quando utilizada por períodos mais prolongados
que os habituais 21 dias com pausa de 7.
Do ponto de vista clínico, a diminuição da dismenorréia é
maior quando os anticoncepcionais orais são usados em regime
estendido, do que quando o regime de 21/7 é utilizado, e isto se
deve à maior supressão no endométrio da Cox-2, levando assim
à amenorréia e à redução da dor pélvica (Maia, 2005, Maia, 2006).
Durante a menstruação, devido à queda de progesterona, ocorre
significativo aumento da expressão da Cox-2 na glândula
endometrial que coincide com o inicio do sangramento menstrual
(Maia 2005). Tanto a progesterona durante a fase lútea tardia
como os anticoncepcionais contendo gestodeno usados de
maneira estendida, são potentes inibidores da expressão de Cox2 no endométrio, sugerindo assim que a ativação do receptor de
progesterona reduz a expressão da Cox-2, e dessa forma, contribui
à diminuição do sangramento e das cólicas menstruais (Maia,
2005). A parada do anticoncepcional oral, por outro lado, leva
também à ativação da Cox-2 no endométrio de maneira semelhante
ao que ocorre no ciclo menstrual com a queda de progesterona
(Maia, 2006). O aumento da expressão da Cox-2 durante a
menstruação leva ao aumento da produção de prostaglandinas
pelo endométrio, causando assim dismenorréia, uma vez que as
prostaglandinas são agentes pró-inflamatórios responsáveis não
só pela exacerbação da dor durante este período, mas também
pela quantidade de sangue menstrual perdido (Morrison et al,
1999). Isso explica porque as pacientes que têm dismenorréia se
beneficiam com o uso estendido de anticoncepcionais hormonais
orais, pois como esses diminuem a expressão da Cox-2 no
endométrio, levando à redução da produção de prostaglandinas
e, portanto, da dor associada com a menstruação (Morrison e
col, 1999, Sulak e col., 2002, Sillem e col., 2003, Maia e col., 2005,
Maia e col. 2006). Quanto maior for o período de uso de
anticoncepcional oral maior será a diminuição da dismenorréia
(Sillem et al, 2003), sendo que nos casos associados com
endometriose, esse deve ser utilizado de maneira ininterrupta a
fim de se evitar a recorrência da doença e da sua sintomatologia
dolorosa (Wiegratz 2004 et al, Maia et al, 2004).
A experiência clínica com o uso dos ciclos estendidos foi
inicialmente concentrada em situações clínicas especiais como
endometriose, hipermenorragia, miomas e ovários policísticos,
porque nessas os efeitos benéficos da supressão da menstruação
se mostravam mais evidentes (Wiegratz 2004). Na verdade, 60%
das pacientes que estavam usando anticoncepcionais de maneira
estendida nos Estados Unidos o faziam não por razões
unicamente de contracepção, mas principalmente para tratar
sintomas ligados à menstruação, como a tensão pré-menstrual
(45%), a dismenorréia/dor pélvica (40%), o intenso sangramento
menstrual (36%), a cefaléia (35%), a acne ou por motivo de
conveniência pessoal (13%) (Sulak, 2004). Não existem dúvidas
para o ginecologista de que se uma paciente tem sintomas
ligados à menstruação que persistem após a pausa dos 21 dias
de uso do anticoncepcional oral, esta deva utilizá-lo em regime
estendido. Isso porque este esquema de administração está
associado a uma melhora clínica mais significativa desses
sintomas do que o esquema 21/7 (Sulak et al, 2002, Sillem et al,
2003).
O conceito de que se deveria reduzir o número de
sangramentos menstruais em uma mulher normal com a finalidade
de prevenir o aparecimento de patologias ginecológicas foi mais
difícil de se aceitar inicialmente, por causa do conceito arraigado
de que o esquema 21/7 seria o mais seguro e o melhor para a
usuária (Coutinho 1999, Sulak 2004). Seria oportuno lembrar que
o esquema 21/7 foi aceito pela classe médica durante quase 50
anos sem ser questionado e sem que houvesse estudos clínicos
comparativos com o regime estendido para se concluir, baseado
em evidências científicas, que o regime de 21 dias seria melhor
ou mais seguro que o estendido (Coutinho 1999). Na verdade,
quando se faz uma revisão da história do desenvolvimento dos
anticoncepcionais hormonais orais, fica evidente que o uso do
esquema 21/7 foi baseado mais em uma decisão de mercado,
indústria farmacêutica na década de 50, do que em ensaios
clínicos que mostrassem a sua melhor eficácia e segurança clínica
(Gladwell, 2000).
Há 50 anos atrás, foi conclusão da indústria farmacêutica
que qualquer método que alterasse o padrão menstrual de 28
dias não seria aceito pelas usuárias e, portanto, fadado a um
fracasso de vendas (Gladwell, 2000, Coutinho, 1999). Entretanto
o mundo mudou muito em meio século, inclusive a percepção
de que a repetição freqüente das menstruações não era tão
inócua como se supunha e poderia estar ligado ao aparecimento
de sintomas e patologias ginecológicas que influenciavam
negativamente a qualidade de vida das mulheres (Coutinho,
1999, Sulak, 2002).
Em 2001 o Brasil foi o primeiro país a registrar um
anticoncepcional contendo a associação de gestodeno 75mcg/
etinilestradiol 30mcg para uso contínuo. Em 2003, um
anticoncepcional contendo a associação levonornorgestrel/
etinilestradiol foi aprovado pelo órgão americano “Food and
Drug Administration” (FDA) para ser usado no mercado
americano utilizando ciclos estendidos de três meses.
De uma maneira geral é possível enquadrar as usuárias dos
anticoncepcionais orais de ciclos estendidos em três grupos
distintos baseado nas indicações clínicas do seu uso. O primeiro
grupo, constituídos pelas mulheres sem sintomas ligados à
menstruação, porém que gostariam por uma opção pessoal
reduzir os números de episódios de sangramento durante o ano;
o segundo grupo, de pacientes com sintomas adversos
vinculados à menstruação, e nessas o espaçamento dos
sangramentos através do uso dos anticoncepcionais em regime
estendido, por períodos de até seis meses, estaria associado
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
com redução da intensidade desses sintomas. Por último, o
terceiro grupo teria pacientes com patologias, como
endometriose, e nessas o uso do anticoncepcional deve ser de
modo ininterrupto.
Em resumo, as vantagens do anticoncepcional oral são
inúmeras. Em primeiro lugar, ao prover contracepção segura,
faz-se a prevenção da gravidez não-planejada e
consequentemente diminui-se a incidência do abortamento nãoseguro, que no Brasil é a terceira causa de mortalidade materna
(Hatcher, 2001). Ao contrário dos países desenvolvidos, no
Brasil a legislação do aborto ainda é muito restritiva, penalizando
assim principalmente as mulheres mais pobres da população.
Entre as vantagens não-contraceptivas dos anticoncepcionais
orais, algumas são mais evidentes, como a diminuição da
incidência de patologias associadas ao ciclo menstrual (por
exemplo, miomatose uterina, endometriose, sangramento uterino
excessivo, dismenorréia, doença inflamatória pélvica, cistos
funcionais de ovário e câncer de endométrio). Esses benefícios
são maiores caso os anticoncepcionais sejam utilizados de forma
estendida.
Entre as desvantagens do uso do anticoncepcional oral, há
o pequeno aumento do risco relativo de desenvolver
tromboflebite (Edelman 2005). Entretanto, este risco é muito maior
com no estado gravídico e em números absolutos é pequeno,
principalmente em mulheres jovens não fumantes. Por outro
lado, vale ressaltar nos programas de educação, que os
anticoncepcionais não protegem contra infecções sexualmente
transmissíveis (ISTs), e portanto a população jovem deve ser
alertada em relação a pratica de sexo seguro.
Entre as contra-indicações para o uso de anticoncepcionais
orais, algumas estão razoavelmente estabelecidas na literatura,
como: trombose, neoplasia genital, fumantes acima de 35 anos,
diabetes mellitus não-controlada, hipertensão arterial sistêmica,
doença hepática ativa e infarto do miocárdio (Kaunitz 2001).
Pacientes em período de amamentação devem ser orientadas a
utilizar anticoncepcionais que não tenham estrogênios, pois
esses últimos diminuem a quantidade e a qualidade do leite.
O Uso dos Anticoncepcionais Orais na Perimenopausa
A perimenopausa é uma importante fase de transição na
vida reprodutiva da mulher, que pode durar até cinco anos, e ela
compreende um período de grandes flutuações hormonais, que
culmina com a cessação completa da função ovariana, geralmente
por volta dos 50 anos. Por ser um período de grandes
transformações do ponto de vista hormonal, os mais variados
sintomas clínicos podem ocorrer durante esta fase da vida
reprodutiva da mulher, cujas soluções muitas vezes podem
requerer enfoques terapêuticos diferentes. Durante esta fase,
embora muitas mulheres ainda precisem de uma contracepção
eficaz, outros problemas clínicos passam a adquirir uma maior
importância durante este período, e eles incluem as alterações
menstruais, a diminuição da massa óssea, a redução da libido, a
tensão pré-menstrual e o aparecimento de sintomas vasomotores,
para citar alguns destes (Kaunitz, 2001). O manejo clínico destes
sintomas é complexo, pois algumas formas de terapia podem
tratar algumas condições, porem não outras. O ideal seria um
tratamento de baixo custo, eficaz, seguro e que trate o mais
variado leque possível de sintomas e condições clínicas. A
terapia de reposição hormonal cíclica, por exemplo, não poderia
ser a primeira linha de tratamento por que esta forma de
tratamento não suprime a ovulação, nem preveni as
irregularidades menstruais. Na verdade, em muitas
circunstâncias o uso da TRH pode agravar o sangramento
47
menstrual. Outra modalidade de tratamento hormonal que se
mostrou eficaz para o tratamento dos diversos sintomas clínicos
presentes na perimenopausa seria o uso de anticoncepcionais
orais de baixa dose (Sulak, 2003). Durante muitos anos, o uso
de anticoncepcionais orais por mulheres acima de 35 anos não
foi uma pratica clínica muito difundida, em parte por causa de
temores com relação a sua segurança, principalmente com
relação ao aparelho cardiovascular. Entretanto, evidências mais
recentes mostram que o uso de anticoncepcionais orais por
parte de pacientes saudáveis e não fumantes não só é seguro
com relação ao aparelho cardiovascular, mas também se mostrou
eficaz para tratar inúmeros sintomas e condições clínicas que
afligem as mulheres durante esta fase da sua vida reprodutiva,
trazendo assim inúmeras vantagens não contraceptivas (Kaunitz,
2001). Recentes estudos mostraram também que inúmeras
patologias uterinas que afetam as mulheres na perimenopausa
estão associadas com uma expressão anômala da enzima
aromatase no endométrio e que os anticoncepcionais orais
contendo gestodeno são capazes de inibir a expressão desta
enzima a nível endometrial, explicando assim os efeitos benéficos
que estes têm sobre estas patologias (Maia e col. 2006, Maia e
col. 2006).
Implantes
Só existe no mercado brasileiro um único implante aprovado
para o uso, a base de etonorgestrel (68 mg). Este age
primariamente através do bloqueio da ovulação, embora ele tenha
efeito sobre o muco cervical e o endométrio. Esse implante
consiste em um tubo de 2 mm de diâmetro, inserido embaixo da
pele, através de um trocar descartável que acompanha o implante.
O etonorgestrel é o metabólito ativo do desogestrel, e no implante
comercial está disperso em uma matriz de etileno-vinil-acetato
(EVA) e coberto por uma membrana de 0,06 mm feito do mesmo
material. A duração dele é de três anos e a falha do método é
praticamente zero (Huber, 1998). O implante deve ser inserido
nos primeiros dias do ciclo menstrual, a fim de reduzir o risco de
inserção em paciente com uma gestação inicial. Em pacientes no
puerpério, o implante deve ser inserido no 21º dia após o parto,
desde que ele não interfere na lactação. Em pacientes que tiveram
abortamento, pode ser inserido imediatamente ou nos primeiros
sete dias após a curetagem.
A principal indicação desse implante é a contracepção, já
que é bastante eficaz, ocorrendo 0,1 gravidezes por 100 mulheres
no primeiro ano de uso (Hatcher, 2001). Além disso, às vezes, ele
é utilizado para o tratamento da dismenorréia e endometriose. O
implante como fabricado no Brasil está contra-indicado em
pacientes com história de alergia ao progestogênio, em casos
de adenoma hepático, câncer de mama, na porfiria aguda, em
pacientes com doença trofoblástica antes do beta-HCG ficar
negativo, nos casos de sangramento genital não-esclarecido
(Brache et al, 2002), e obviamente se houver suspeita de gravidez.
Anel Vaginal
A mucosa vaginal é uma excelente via de acesso para os
esteróides hormonais, pois além de permitir uma rápida absorção,
tem ainda a vantagem de evitar a primeira passagem hepática,
impedindo que o medicamento seja metabolizado pelo fígado
antes de alcançar a circulação sistêmica. A via vaginal é indicada
principalmente em pacientes com intolerância ao uso de
anticoncepcionais por via oral. A mucosa vaginal pode ser
utilizada também como via para administração da pílula
anticoncepcional em pacientes com intolerância gástrica e outros
sintomas adversos associados ao trato gastrintestinal (Coutinho
48
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
et al., 1980), existindo inclusive no mercado comercial brasileiro
uma pílula contendo levonorgestrel e etinilestradiol. Além da
pílula vaginal, nos últimos anos foram desenvolvidos inúmeros
anéis vaginais contendo hormônios esteróides com a finalidade
de bloquear a ovulação. No Brasil, existe apenas um único anel
vaginal aprovado para uso que libera aproximadamente 15mcg
de etinilestradiol e 120mcg de etonorgestrel diariamente de forma
contínua. No anel vaginal, o hormônio está dissolvido numa
matriz feita com o etileno-vinil-acetato (EVA).
O anel vaginal é de fácil uso (a própria paciente pode
colocar). Ele deve ser inserido durante os primeiros dois dias da
menstruação e deve ser trocado a cada 3 semanas, sendo o
novo anel inserido uma semana após a retirada do anterior, a fim
de que ocorra o sangramento por privação durante esse curto
período. Caso a paciente deseje a amenorréia ou tenha sintomas
durante a pausa de uma semana, o anel vaginal deve ser trocado
a cada quatro semanas, evitando assim a semana de pausa. Com
o uso do anel vaginal, os níveis sangüíneos dos hormônios
atingem um valor máximo entre 3 a 7 dias e permanecem estáveis
até o 35º dia de uso, permitindo assim que as pacientes que
desejam não menstruar possam trocar o anel a cada quatro
semanas sem que haja risco de ocorrer gravidez. O mecanismo
de ação do anel vaginal é semelhante ao da pílula
anticoncepcional e envolve o bloqueio da ovulação.
Os anéis vaginais são bem tolerados e têm elevada eficácia
contraceptiva, ocorrendo 0,65 gravidezes por 100 mulheres num
ano (Roumen, 2001). A incidência de sangramento menstrual
irregular é em torno de 6% sendo inferior à observada com o uso
de anticoncepcionais orais de baixa dose (Mulders e col., 2001).
Outros efeitos colaterais já relatados são náuseas, dores de cabeça,
alteração de peso corpóreo, desconforto vaginal e vaginite.
DIU de cobre
O dispositivo intra-uterino (DIU) é um objeto em forma de T,
feito de plástico com um revestimento de cobre. Seu mecanismo
de ação envolve uma resposta inflamatória na mucosa endometrial,
pela presença do cobre. Essa inflamação impede o encontro dos
espermatozóides com o óvulo, evitando a fecundação. O uso de
DIU é um método de eficácia elevada, ocorrendo 3 gravidezes a
cada 100 mulheres no primeiro ano de uso (Hatcher, 2001). Ele
apresenta a vantagem de proporcionar uma anticoncepção eficaz
e duradoura, não interferir nas relações sexuais, não apresentar
os efeitos colaterais do uso de hormônios e ser imediatamente
reversível (Sivin I, 1981). Como desvantagens, o DIU aumenta a
incidência de doença inflamatória pélvica, aumenta o risco de
anemia ferropriva devido ao aumento do fluxo menstrual, aumenta
a dismenorréia, aumenta o risco de desenvolver endometriose e
por ultimo é necessário um procedimento médico e um exame
pélvico para sua inserção, a remoção também requer a atuação de
um profissional especializado.
O DIU deve ser inserido por um profissional especializado a
qualquer momento durante o ciclo menstrual, após o parto ou
abortamento espontâneo ou induzido. É necessária a realização
do exame pélvico antes da inserção do DIU, assim como se deve
ter o resultado de uma citologia vaginal recente. Em casos de
dúvida, é recomendável a realização de um exame de ultrasonografia vaginal com a finalidade de avaliar o tamanho e
posição do útero assim como para excluir a existência de
patologia anexial. Caso haja dúvida de que a paciente esteja
grávida, deve ser solicitado também um exame de beta-HCG
urinário ou sanguíneo. A inserção durante a menstruação tem a
vantagem de ser mais fácil, ter menos risco de inserir o
dispositivo numa mulher grávida, porém tem o risco maior de
deflagrar uma doença inflamatória aguda, caso a paciente tenha
alguma infecção genital baixa não-diagnosticada no momento
da inserção. Alguns estudos sugerem o uso profilático da
doxiciclina com a finalidade de diminuir o risco de infecção.
Entretanto três estudos duplo-cegos randomizados não
confirmaram esses achados iniciais com a doxiciclina (Kronmal
e col. 1991). O uso de antibióticos de vida-média mais
prolongada, por outro lado, como a azitromicina, revelou-se eficaz
para a profilaxia contra infecção pélvica provocada pela inserção
do DIU, sugerindo assim que a questão da profilaxia é muito
ligada ao tempo de exposição ao antibiótico e ao grau de risco
da paciente. Em grupos de baixo risco para infecção, o uso de
antibióticos após a inserção do DIU não traz vantagens
adicionais e, portanto, não deve ser utilizado. O dispositivo é
colocado através do canal cervical, e deve ser posicionado alto
na cavidade uterina, próximo ao fundo uterino a fim de diminuir
o risco de expulsão espontânea. A mulher deve ser informada
que haverá aumento da intensidade da cólica e do sangramento
menstrual nos meses subseqüentes à inserção do dispositivo.
Esses incômodos se devem a maior produção de prostaglandinas
pelo endométrio, e ele pode ser tratado de maneira eficaz através
do uso de medicações antiinflamatórias não-esteróides (Tatum,
1983). A principal restrição ao uso do DIU é a existência de
doenças inflamatórias pélvicas.
DIU medicado
Até agora, só existe um DIU medicado com hormônios no
mercado brasileiro, o Mirena®. Esse DIU tem a forma de um T e
contém na sua haste vertical a presença de levonorgestrel
disperso em polidimetilsiloxano. Esse DIU libera
aproximadamente 20mcg de levonorgestrel ao dia e foi aprovado
para ser usado por cinco anos, embora seja possível usá-lo
ainda por mais tempo sem que isto afete a sua eficácia.
O dispositivo inibe a proliferação endometrial e induz a
apoptose, sendo por isso utilizado para reduzir o fluxo e a cólica
menstrual em pacientes com menorragia e dismenorréia. Existe
uma dramática redução na quantidade e duração do sangramento
menstrual após os primeiros meses do seu uso, e por este motivo
deve ser o método de escolha nas pacientes com menorragia e
anemia ferropriva (Faundes, 1993). Em alguns estudos clínicos,
esse dispositivo teve uma eficácia semelhante à da ablação
endometrial para reduzir o sangramento menstrual (Fedele et al,
1997). Além disso, pode ser aplicado após ablação endometrial
por via histeroscópica, principalmente em pacientes com
adenomiose (Maia 2003). Nesse caso o índice de amenorréia é
próximo de 100%, sendo, portanto maior do que aquele
observado quando é utilizado isoladamente. Além disso, é eficaz
em pacientes com suspeita clínica de endometriose para
controlar a dor associada com esta patologia.
O mecanismo de ação do DIU medicado é basicamente no
endométrio, provocando intensa atrofia glandular com reação
decidual do estroma. A presença do dispositivo na cavidade
uterina também provoca alterações no muco cervical que são
em grau suficiente para impedir a migração do espermatozóide.
A função ovariana não é bloqueada na maior parte das pacientes,
sendo que a ocorrência de ovulações é relativamente freqüente
e aumenta com o tempo de uso do dispositivo, alcançando a
percentagem de 85% após o primeiro ano de uso. Entretanto,
apesar da ocorrência de ovulações, a eficácia é elevada, sendo
a falha acumulada em sete anos muito baixa, menor que 1,1 por
100 mulheres por ano (Faundes 1993).
Devido aos níveis sangüíneos de levonorgestrel serem
metade daqueles observados nos casos de uso de
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
anticoncepcionais orais contendo levonorgestrel, os efeitos
sistêmicos são menores nas usuárias desse tipo de dispositivo,
embora em alguns casos esses possam ser de intensidade
suficiente para causar a sua remoção. As reações adversas que
podem ocorrer com o uso desse são semelhantes àquelas que
ocorrem com qualquer dispositivo intra-uterino, inclusive a
expulsão e o risco de perfuração uterina.
Um outro problema associado ao uso desse dispositivo intrauterino é a alta incidência de sangramento irregular durante os
primeiros meses após a sua inserção, que embora seja de
intensidade pequena, pode provocar inconveniências à usuária
e ser um fator de risco para a sua remoção. Este sangramento
irregular é causado pelo aumento local da produção de
prostaglandinas causada pela ativação da Cox-2, de maneira
semelhante ao que ocorre durante o uso dos anticoncepcionais
orais de baixa dose. O uso de antiinflamatórios tem se mostrado
eficaz para o controle deste sangramento. Com o passar dos
meses, esse sangramento tende a cessar e a maior parte das
mulheres passa a ter amenorréia. Alguns efeitos sistêmicos são
também relatados pelas pacientes e incluem depressão, acne e
sensação de inchaço. Entretanto esses efeitos adversos tendem
a diminuir após o segundo mês de uso, em paralelo com a redução
dos níveis sangüíneos do levonorgestrel que geralmente estão
elevados nos primeiros meses após a inserção. Devido ao
bloqueio não-completo da função ovariana nas usuárias, é
possível ter a ocorrência de cistos ovarianos de caráter funcional.
A maior parte desses cistos é assintomática, porém quando
dolorosos devem ser monitorizados através da ultra-sonografia
transvaginal, embora a maior parte resolva espontaneamente
em 2 ou 3 semanas (Barbosa, 1995). O uso de antiinflamatórios
não-esteróides está também indicado para o controle da dor. O
retorno à fertilidade após a retirada do dispositivo é rápido. Ao
contrário do DIU de cobre, o DIU medicado pode reduzir a
incidência de doença inflamatória pélvica (DIP), principalmente
no grupo de mulheres mais jovens, que são aquelas que têm
maior risco.
Em resumo, é um contraceptivo muito efetivo, reversível e
de longa duração, tendo poucos efeitos hormonais secundários
e podendo ser utilizado para seus efeitos benéficos nãocontraceptivos, principalmente em pacientes com sangramento
e dor pélvica. Entre as desvantagens, pode provocar alguns
sintomas sistêmicos, de origem hormonal, assim como há maior
incidência de sangramento irregular nos primeiros meses de uso.
O dispositivo deve ser inserido através do canal cervical por um
profissional especializado, após a realização de exame
ginecológico completo, bem como após a assepsia vaginal e do
colo do útero.
Esse dispositivo é contra-indicado para mulheres em pósparto imediato, portadoras de doenças hepáticas e em casos de
câncer de mama.
Condom
Popularmente conhecidos como “camisinhas”, os condons
são métodos contraceptivos largamente difundidos pelos meios
de comunicações. A utilização dos condons é uma estratégia
para dois grandes problemas de saúde pública: as gravidezes
não-planejadas e o crescimento das infecções sexualmente
transmissíveis (por exemplo, AIDS, sífilis, gonorréia, herpes,
hepatite), (Hatcher, 2001). Por isso, os condons são muito
utilizado pelo governo brasileiro em campanhas educativas para
prevenção de ISTs.
Os condons se encaixam no grupo de métodos
anticoncepcionais coletivamente denominados métodos de
49
barreira, desde que constituem um obstáculo físico que impede
o contato do esperma com a vagina. Atualmente existem no
mercado dois modelos de condons, o masculino e o feminino. O
condon masculino é um envoltório de látex, que apesar de fino,
resiste bem ao atrito entre pênis e vagina, durante a penetração.
Ele é feito para recobrir e se ajustar ao pênis ereto durante o
coito. O condom feminino é uma espécie de sacola plástica, que
a mulher deve introduzir na vagina, antes da relação sexual.
A grande vantagem dos condons sobre os outros métodos
contraceptivos é proteger conta as ISTs, desde que impedem o
contato direto entre pênis e vagina. Além disso, o uso de condom
não causa efeitos colaterais como os métodos hormonais. Como
método contraceptivo, também é eficaz, com índice de gravidez
de 3 em cada 100 usuárias por ano, quando usados corretamente
(Hatcher, 2001).
Ao indicar o condom como método contraceptivo, o
profissional da saúde deve orientar os indivíduos sobre como
colocar o condom no pênis. Além disso, deve esclarecer os
seguintes aspectos: os homens devem colocar a “camisinha”
somente quando o pênis estiver ereto; não se deve usar vaselina
ou outro lubrificante à base de derivados do petróleo, pois eles
causam rachaduras no látex (caso deseje usar lubrificante, o
indivíduo deve utilizar aqueles feitos à base de água); após a
utilização do condom, ele deve ser jogado no lixo; jamais o condom
deve ser reutilizado. Embora o condom seja eficaz tanto na
prevenção das ISTs como da gravidez , o seu uso entre casais
monogâmicos que têm um relacionamento estável não é muito
popular, sendo neste caso preferidos os métodos que não
interferem diretamente com a relação sexual.
CONCLUSÃO
É de extrema importância para o profissional envolvido nos
programas de saúde da família saber orientar a escolha dos
métodos anticoncepcionais a serem utilizados. Durante anos, o
Brasil não valorizou a importância do planejamento familiar e esta
omissão junto com outros fatores é uma das razões para os graves
problemas sociais que enfrentamos hoje. Graças aos avanços da
medicina reprodutiva nos últimos anos, já se dispõem de métodos
seguros, reversíveis e altamente eficazes para reduzir o número
de gestações não planejadas, contribuindo assim para reduzir a
mortalidade materna no Brasil. É fundamental lembrar que as
complicações ligadas à gestação são as mais prevalentes causas
de mortalidade materna no Brasil e é triste lembrar que no nosso
meio as complicações relacionadas ao aborto não-seguro
constituem a terceira causa de óbito materno. O Brasil, ao contrário
das nações desenvolvidas e de muitas em desenvolvimento em
que o aborto é legal, tem uma legislação restritiva, semelhante
àquela dos países mais atrasados ou daqueles nos quais os direitos
reprodutivos da mulher não são respeitados. Isto torna cada vez
mais importante a atribuição do médico de orientar o planejamento
familiar, a fim de reduzir a mortalidade materna e permitir assim que
os casais tenham o direito de escolher o número de filhos que
possam ter e educar. A introdução do planejamento familiar nos
programas sociais foi uma prática adotada por quase a totalidade
das nações deste planeta, desde a conferencia da ONU sobre
população na década de 70 (Djerassi, 1981), e de todas as nações
do mundo presentes na conferencia, somente duas não assinaram
o documento, e uma delas foi o Brasil. Por certo, questões
históricas, morais, éticas e teológicas não podem ser esquecidas
ou menosprezadas, mas a autonomia do profissional de saúde
não pode ser superior a da mulher, inclusive para decidir, com
informação, qual o número de sua prole.
50
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
AGRADECIMENTOS
Queremos agradecer ao Professor Elsimar Coutinho,
Presidente do CEPARH, por sua luta de mais de quarenta anos
em prol do planejamento familiar no Brasil.
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II.4
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
IDENTIFICAÇÃO DO
COMPORTAMENTO DE RISCO EM
ADOLESCENTES
51
Isabel Carmen Fonseca Freitas
Agnaldo Viana Pereira Neto
Ana Bárbara Cavalcante
Ana Júlia Santiago Marinho
Lucas Argolo
Maria Fernanda Simas Souza
Marina Farani
Milena Mendonça
ADOLESCÊNCIA NORMAL
Conceito, mitos e tabus
A adolescência é uma fase da vida, única e exclusiva da espécie humana, marcada
por profundas transformações físicas e psico-sociais, que conferem à faixa etária dos 10
aos 19 anos, características especiais, que necessitam ser conhecidas pelos diversos
profissionais de saúde, visando à detecção precoce de problemas e a resolução adequada
dos mesmos (11, 25).
A puberdade é a responsável pelas mudanças corporais e comportamentais desse
período da vida, e inicia-se habitualmente nas meninas aos oito anos, com o surgimento
do broto mamário, seguido do aparecimento dos pêlos pubianos e da primeira
menstruação (11, 25, 42).
Nos meninos, o primeiro sinal pubertário ocorre, a partir dos nove anos, com o
aumento do volume testicular, seguido do surgimento dos pêlos pubianos, crescimento
do pênis, aparecimento da primeira ejaculação (espermarca), e posteriormente dos pêlos
faciais (11, 25, 42). No entanto, há uma ampla variação entre a idade do aparecimento das
características sexuais secundárias, o que deve ser levado em consideração pelo
profissional de saúde que atende o adolescente. A seqüência dos eventos puberais, em
ambos os sexos foi sistematizada por Tanner (42), que a classificou em 5 etapas. A avaliação
destes parâmetros é fundamental e indispensável na avaliação do crescimento dos
adolescentes.
O crescimento na adolescência apresenta três períodos: latência, aceleração e
desaceleração, e sofre a influência direta da maturação sexual, sendo diferente no sexo
masculino e feminino. O sexo feminino apresenta a aceleração do crescimento (estirão)
durante o período que antecede a menarca. Após a mesma, a jovem entra no processo de
desaceleração, crescendo em média 5 a 7 cm, até o fechamento dos núcleos de ossificação
(Tanner, 1962). O sexo masculino apresenta o estirão mais tardiamente, porém mais
longo (Tanner, 1962). Este fato associa-se à fase onde ocorre o crescimento peniano (42).
De acordo com a maturação sexual e as etapas de crescimento, divide-se a adolescência
em 3 fases: inicial (10-14 anos), média (14-17 anos) e tardia ou final (17-19 anos). Cada
fase apresenta comportamentos diversos em relação ao exercício da sexualidade (11).
A adolescência inicial distingue-se pelo surgimento das características sexuais,
curiosidade a respeito dessas mudanças, o que pode levar a ambivalência pela perda do
corpo infantil e gerar sentimentos de inferioridade, perda de confiança e baixa autoestima. Nessa fase são característicos: o aumento do pudor, e uso de roupas como
disfarces, para esconder as transformações corporais. Quando as mudanças agradam
aos adolescentes, os mesmos adotam uma postura de maior exibição corporal. O processo
de autoconhecimento é vivenciado pela prática da manipulação dos órgãos genitais
(masturbação) e pelos jogos sexuais (11).
Ao longo dos anos, a masturbação tem sofrido uma série de recriminações morais e
religiosas, o que deve ser evitado (11). A garantia da privacidade, que deve ser respeitada
pelos familiares, e as orientações por parte dos profissionais, podem assegurar o preparo
para o relacionamento sexual futuro.
Os jogos sexuais representam uma forma de satisfação das curiosidades pessoais e
favorecem o conhecimento mútuo. Geralmente envolve adolescentes do mesmo sexo, o
que pode levar a interpretação de homossexualidade por parte dos adultos (25). As
experiências homossexuais, bem como com animais, podem fazer parte de um contexto
evolutivo, sem que isto signifique uma orientação permanente. A possibilidade de danos
Palavras-chaves:
Adolescente, Fatores de risco,
Comportamento de risco,
Vulnerabilidade, Comportamento
de redução do risco.
52
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
só ocorre quando existem grandes diferenças entre as fases de
desenvolvimento dos participantes, como a participação de
pessoas adultas, ou envolvimento com possíveis situações de
violência (29).
Na adolescência média completa-se a maturação sexual. O
comportamento sexual torna-se mais exploratório. Ocorre maior
interesse no contacto físico, o que leva ao “ficar”, definido na
linguagem dos jovens como permanecer juntos, sem
compromisso; e o início da atividade sexual, na qual, as relações
costumam ser casuais, e não planejadas, com negação das
conseqüências da atividade sexual, sentimento de
invulnerabilidade, o que pode favorecer complicações como a
gravidez e as infecções sexualmente transmissíveis (11).
A adolescência tardia é marcada por um comportamento mais
expressivo e menos explorador, na qual a atividade sexual exibe
relações mais íntimas e com maior capacidade de troca. Nessa
fase, o indivíduo demonstra um maior amadurecimento para
assumir-se no seu papel de adulto, na busca da sua identidade
e da formação profissional (11).
Diversos aspectos precisam ser lembrados quando se discute
a sexualidade na adolescência: idade do início das características
sexuais, características sócio-econômicas, a dinâmica familiar, o
papel da escola, pressão dos grupos e a influência da mídia. A
orientação sexual deve ser oferecida em todo atendimento do
adolescente, sendo necessário evitar julgamentos e juízo de
valores. A escuta e o respeito aos princípios éticos representam
estratégias seguras para a aproximação com os jovens.
A influência da mídia
Alguns estudos têm evidenciado a capacidade dos meios
de comunicação de transmitir informações e de moldar atitudes
entre os jovens (32, 35). Os referidos meios são instrumentos
manipulados por adultos, sofrem pressões da sociedade e dos
valores da cultura vigente. A televisão (TV) é considerada o
meio de comunicação de maior capacidade de influência sobre
os adolescentes, não só pela sua popularidade, como também
pelo tempo que os jovens despendem junto aos aparelhos de TV
(32)
. O pensamento mágico do adolescente facilita a identificação
com alguns dos personagens e o final dos conflitos surge como
“contos de fadas”, nos quais, os prejuízos inexistem e as soluções
são oferecidas por terceiros (32, 35). Os comportamentos
estereotipados, o excesso de imagens de violência e as
informações incorretas sobre sexualidade podem favorecer a
incorporação de hábitos de vida não saudáveis, que pode
contribuir para o adoecimento futuro dos adolescentes (32, 35).
Nas duas últimas décadas os “games” e computadores
começam a dividir com a televisão, o tempo lúdico dos
adolescentes, em particular, nas classes sócio-econômicas mais
favorecidas. Os “games” podem contribuir para a banalização
da violência, e na maioria das vezes, não oferecem opções
conciliadoras, o que pode favorecer o comportamento agressivo
em alguns indivíduos (32).
Quanto à Internet, os adolescentes representam os seus
mais freqüentes usuários (5, 32). Na questão da sexualidade, os
jovens se identificam com o sexo virtual e às vezes são
envolvidos com redes de prostituição (32). A relação do
adolescente, com a tela do computador, permite ao mesmo, a
idealização e a liberação das fantasias sexuais, sem a
satisfação das necessidades primárias, como o contacto
físico, etapa importante do desenvolvimento da sexualidade
nesta fase da vida (32, 35). A imaturidade e o sentimento de
invulnerabilidade, não permitem a alguns jovens, identificar
situações de perigo (11).
Os meios de comunicação, no entanto, não representam a
única variável na adoção do comportamento entre os
adolescentes. A omissão da sociedade, das famílias, dos
educadores, e dos profissionais de saúde, exercem efeitos, tão
negativos, quanto à presença da TV e da Internet (32). A discussão
das imagens veiculadas por estes meios, com os jovens, podem
representar uma forma de estímulo ao senso crítico dos mesmos,
permitindo a disposição de outras fontes, mais confiáveis e
efetivas de orientação e formação, e a utilização do tempo do
lazer e entretenimento com outras experiências necessárias ao
desenvolvimento humano.
O adolescente como protagonista e agente de transformação
As vivências na adolescência estão muito ligadas a cada
cultura. A cultura age sobre os adolescentes, e eles a ela reagem,
para a elaboração de novas propostas de modelos de identidade
que se vinculam a um projeto de vida e de realização pessoal e
profissional (44).
Na sociedade capitalista, o adolescente é visto por alguns
profissionais como imaturo, irresponsável, promíscuo, erotizado
e sonhador (11). O desconhecimento das transformações psicosociais favorece a incorporação destes rótulos, e contribui para
o afastamento dos adolescentes das unidades de saúde ou dos
seus profissionais.
Na adolescência, a busca da independência é marcada por
mudanças nas relações familiares. Os pais anteriormente
idealizados e supervalorizados passam a ser alvos de críticas e
questionamentos (11, 44). A assimilação dos valores familiares
passa a ser enriquecida com novos valores trazidos pelos grupos
e pelos meios de comunicação. A separação progressiva dos
pais denota a procura pelo caminho da individualidade, da
identificação do adolescente como pessoa (39).
Os grupos (turmas ou gangues) surgem como facilitadores
da passagem do adolescente para a vida adulta (11, 43, 44). A
incorporação dos valores grupais, obediência às regras
estabelecidas pelos próprios jovens, favorece a exploração e as
novas experimentações.
Algumas mudanças flutuantes do humor dos adolescentes
caracterizam reações às experiências vividas, algumas
expressando a frustração e a rejeição, e outras, os sentimentos de
aprovação de triunfos alcançados (11, 44). A solidão pode permear
esta fase da vida, em alguns momentos. As contradições
sucessivas podem sugerir que a conduta do adolescente é guiada
pela ação, e a instabilidade inicial é necessária para a condução
do seu processo evolutivo (11). O tempo é medido de forma diversa
para os adolescentes (44). A desorientação temporal pode se
expressar para alguns, na dificuldade do cumprimento de horários
fixos, e na distribuição das suas atividades ao longo do dia.
Os questionamentos tornam-se necessários para a
construção da identidade do jovem e dos seus planos para o
futuro. Os adolescentes representam um contigente-chave para
qualquer processo de transformação social (7). Há necessidade
da sociedade acreditar mais nos vínculos dos jovens com a
ação, o compromisso e a capacidade da realização dos seus
sonhos. Esta crença não deve ser confundida com paternalismo,
no qual, o adolescente pode realizar qualquer coisa com os seus
próprios meios (39).
O estabelecimento e discussão dos limites são necessários
para a educação dos adolescentes (44). Esse processo educativo
envolve o respeito à autonomia do jovem, o estímulo às reflexões,
compromisso e realização dos seus deveres, e senso de
responsabilidade consigo mesmo e com o outro, ou seja,
representa o processo de construção de cidadania de um
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
indivíduo, e não apenas a transmissão de informações e
orientações.
A inclusão dos adolescentes na resolução dos problemas
familiares e sociais favorece a sua auto-estima, a capacidade de
tomada de decisões e escolhas. Contribui no amadurecimento
dos jovens, e proporciona a construção de um projeto de vida,
que geralmente é realizado a médio e longo prazo, e que
representará o significado da vida para aquele indivíduo, tendo
o direito de aceitar os valores vigentes ou se rebelar, em busca
de melhores valores.
A CONSULTA DOADOLESCENTE
Aspectos éticos
Todo ato humano de cuidado deve ser um ato ético e positivo.
Os aspectos éticos no atendimento aos adolescentes foram
normatizados pelo Departamento de Adolescência e de Bioética
da Sociedade Brasileira de Pediatria (39) por meio das seguintes
recomendações:
I. O médico deve reconhecer o adolescente como indivíduo
progressivamente capaz e atendê-lo de forma diferenciada;
II. O médico deve respeitar a individualidade de cada
adolescente, mantendo uma postura de acolhimento,
centrada em valores de saúde e bem-estar do jovem;
III. O adolescente, desde que identificado como capaz de avaliar
seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para
solucioná-lo, tem o direito de ser atendido sem a presença
dos pais ou responsáveis no ambiente da consulta,
garantindo-se a confidencialidade e a execução dos
processos diagnósticos e terapêuticos necessários. Dessa
forma, o jovem tem o direito de fazer opções, assumindo
integralmente seu tratamento. Os pais ou responsáveis
somente serão informados sobre o conteúdo das consultas
como, por exemplo, nas questões relacionadas à sexualidade
e a prescrição de métodos contraceptivos com o expresso
consentimento do adolescente;
IV. A participação da família no processo de atendimento do
adolescente é altamente desejável. Os limites deste
envolvimento devem ficar claros para a família e o jovem. O
adolescente deve ser incentivado a envolver a família no
acompanhamento de seus problemas.
Desta forma cumpre-se o respeito aos princípios éticos já
consagrados no atendimento do adolescente: autonomia,
privacidade, condidencialidade e sigilo. A quebra do sigilo está
indicada nas situações de risco de vida para o adolescente ou
terceiros, e sempre deve ser informada ao adolescente (39).
Onde e como atender?
Em serviço ambulatorial, o atendimento do adolescente exige
absoluta privacidade, devendo o profissional de saúde evitar
interrupções, como o uso freqüente de telefone celular, que podem
prejudicar o relacionamento médico-paciente. O respeito ao pudor
do adolescente exige tato e delicadeza durante a realização do
exame físico, devendo-se usar aventais e lençóis, pois a avaliação
da genitália não deve ser dispensada, considerando-se que ela é
de fundamental importância na avaliação do processo de
crescimento e desenvolvimento dos jovens (11).
Segundo o Código de Ética Médica, recomenda-se a
presença de um acompanhante durante o exame nos pacientes
menores de 18 anos, em particular, quando há diferenças de
gênero entre o adolescente e o profissional (39). No entanto,
este fato pode ser uma causa de inibição para o adolescente, e
pode ser modificado, desde que, haja a concordância do jovem
53
e da família. Para evitar a ansiedade do adolescente e aliviar
tensões é importante informar ao adolescente sobre tudo que
está sendo realizado e os dados obtidos.
Recomenda-se facilitar o acesso do jovem à unidade de saúde
e que os adolescentes não sejam mesclados às crianças, motivo
de constrangimento e afastamento dos adolescentes das
consultas.
A consulta envolve a entrevista com a família, o adolescente
a sós, se possível, e o seu exame físico, com posterior conversa
com o adolescente e a família.
A entrevista com a família envolve os antecedentes
patológicos (doenças, cirurgias, acidentes) do adolescente, sua
situação vacinal, e antecedentes familiares (relação e estrutura
familiar, doenças).
A entrevista a sós com o adolescente requer habilidade e
flexibilidade. A franqueza, sem autoritarismo, é necessária para
o estabelecimento do vínculo entre o profissional e o paciente.
Este é o momento para a abordagem sobre os grupos (amizades),
hábitos alimentares, educação (ciclo, adaptação e interesses,
atividades dentro e fora da escola), sono, lazer (esportes, fins
de semana, noites), trabalho (carga horária, condições, realização
pessoal), puberdade e sexualidade (“ficar”, namorar, atividade
sexual, número de parceiros, uso de preservativo, conhecimento
e uso de outros métodos anticoncepcionais, infecções
sexualmente transmissíveis), drogas (percepção, uso de drogas
lícitas ou ilícitas), projeto de vida (motivação, planos para o
futuro), referências e valores.
A linguagem não-verbal precisa ser observada pelo
profissional, porque determinadas atitudes podem ser mais
verdadeiras do que as respostas verbais fornecidas pelos jovens.
Queixas vagas podem refletir problemas mais graves na esfera
psicossocial do indivíduo e não devem ser desvalorizadas ou
negligenciadas.
Quais são os principais motivos de consulta do adolescente?
As queixas orgânicas mais freqüentes são relacionadas
a problemas ginecológicos ou urológicos, patologias
respiratórias, problemas de crescimento, afecções cutâneas,
problemas gastrointestinais, doenças infecciosas e
acidentes (11).
As queixas psicossociais são geralmente referidas pela família
e associadas à má adaptação escolar, uso de drogas,
envolvimento com situações de violência, depressão,
dificuldades de relacionamento, timidez e ansiedade (44).
As queixas relacionadas a somatização mais comuns são:
cansaço, cefaléia, apatia, sonolência, tonturas, dor abdominal e
palpitações (25).
Quem deve atender o adolescente?
Um serviço de atenção integral deve ter as seguintes
características: acesso universal, cobertura efetiva, ênfase na
promoção e prevenção, fornecer informações adequadas para
os problemas mais comuns da população assistida, ter facilidade
de encaminhamento a outros serviços e articulação com os
diversos setores da comunidade. A participação dos jovens no
processo de avaliação é de fundamental importância para a
continuidade das ações (11).
As características dos profissionais que trabalham com
adolescentes englobam: interesse pela faixa etária, sensibilidade
para reconhecer a singularidade do adolescente, facilidade de
comunicação e capacitação adequada.
O planejamento das atividades da equipe deverá incluir
atendimentos em nível individual e em grupos (adolescentes e
54
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familiares). As ações devem ser continuadas e reavaliadas
periodicamente, pela própria equipe e pela clientela assistida. O
sucesso da equipe depende em grande parte do desempenho
individual.
COMPORTAMENTO DE RISCO
Conceito de risco, resiliência e comportamento de risco
O risco é conceituado como a probabilidade de um evento
ocorrer mediante a exposição a determinado agente ou situação
(7, 14, 15)
. Na adolescência a busca da independência favorece as
novas experiências, algumas delas envolvendo situações de
risco. Desde que estas situações possam ser controladas, o
risco pode ser minimizado e desta forma favorecer o
amadurecimento do jovem (7).
Resiliência é um termo utilizado na física para descrever a
propriedade de alguns metais se manterem, sem deformar-se,
após a exposição a elevadas temperaturas (7, 15). Na sociologia,
este termo é usado para definir a capacidade ou habilidade que
alguns indivíduos apresentam de permanecerem estáveis mesmo
após exposição a situações difíceis ou muito estressantes (15).
O comportamento de risco representa a adoção de hábitos
ou condutas que podem prejudicar a saúde do adolescente (14,
15)
. O sentimento de invulnerabilidade contribui para a
assimilação deste padrão comportamental, que se persistente,
poderá ser incorporado de forma definitiva na vida adulta (15). A
intervenção precoce pode evitar a continuidade e agravamento
do problema (14). Para cada oportunidade de avaliação de um
adolescente é necessário compreender a importância de
identificar-se condutas de risco e preveni-las.
Fatores de proteção
A resiliência representa a capacidade ou habilidade do
indivíduo reagir positivamente à adversidade (23) . São
características a ela relacionadas: senso de humor, flexibilidade,
sensibilidade, habilidade para a comunicação, altruísmo e
comportamento pró-social, capacidade de resolver problemas,
autonomia e autocontrole, firmeza, persistência, determinação,
ter expectativas saudáveis e senso de decisão (15).
Na adolescência o estímulo para o desenvolvimento da
resiliência torna-se necessário a fim de minimizar e evitar a adoção
de comportamentos de risco (41).
Fatores de risco
Os riscos podem ser biológicos ou psicossociais. Durante
muitos anos a noção de risco esteve associada a resultados
negativos, e indesejáveis, no desenvolvimento dos indivíduos.
As transformações sociais no entanto geraram novas reflexões
sobre este conceito, e a exposição ao risco aparece como uma
etapa do processo de amadurecimento do ser humano,
analisando-se assim o impacto dos mesmos sobre a vida dos
adolescentes, e os mecanismos responsáveis pelas
conseqüências negativas (15).
RISCOS BIOLÓGICOS
Risco nutricional
A adolescência, fase de construção e desenvolvimento, cria
espaços para novas referências, modelos e sonhos. Nessa fase
da vida, há necessidade de um grande aporte energético (2). O
desequilíbrio entre a ingestão de nutrientes e a atividade física
pode favorecer a desnutrição ou a obesidade (12). A família, os
grupos e a mídia contribuem na aquisição dos hábitos alimentares
pelos adolescentes (5). A condição sócio-econômica dos jovens
é um fator modulador desse processo.
A redução do número de refeições ou substituição das
refeições principais por lanches representa um fator de risco
para os distúrbios nutricionais nesse período da vida (5). A
desnutrição manifesta-se por atraso do crescimento pônderoestatural ou perda ponderal. Uma coleta de informações
detalhada sobre a dieta do adolescente pode ajudar na
elaboração da reeducação alimentar, respeitando-se as
preferências, e estimulando a aquisição de hábitos alimentares
mais saudáveis.
As proteínas de origem animal e vegetal são usadas no
processo de crescimento. A dieta de arroz e feijão deve ser
complementada com uma fonte de proteína animal visando
garantir os aminoácidos essenciais (12). A dieta vegetariana
estrita, carece da proteína de origem animal, favorece o
surgimento de anemia, e por isso, compromete o crescimento do
adolescente, devendo ser evitada nesta faixa etária (11). Caso
seja uma opção do jovem recomenda-se nestes casos a
suplementação de aminoácidos e ferro.
A deficiência de cálcio na dieta dos adolescentes está
associada à baixa ingestão de leite e prejudica a incorporação
de massa óssea favorecendo a osteoporose na vida adulta (2). O
consumo de outras fontes de cálcio (iogurte, queijo, requeijão,
feijão, folhas) deve ser incentivado nestes casos.
A carência de ferro reflete-se na elevada prevalência de
anemia na adolescência (6). São fontes de ferro: carnes, grãos,
ovos e vegetais. A ingestão destes alimentos junto com outros,,
ricos em vitamina C, promove maior absorção de ferro (12). Nas
adolescentes portadoras de anemia, recomenda-se investigar
distúrbios menstruais (aumento do fluxo ou encurtamento dos
intervalos entre os ciclos) que podem contribuir para o aumento
das perdas de ferro (11).
O baixo consumo de vitaminas pode se manifestar pela
presença de sangramentos gengivais, lesões de pele, queda de
cabelos, alterações do crescimento e da maturação sexual (2). A
suplementação das mesmas está recomendada nestas situações,
afastando-se outros problemas de saúde. O estímulo ao maior
consumo de frutas e verduras deve ser sempre recomendado.
A ingestão excessiva de gorduras saturadas favorece o
surgimento de dislipidemias e sobrepeso, em particular, quando
existe história familiar (31). A seleção das gorduras representa
uma estratégia de prevenção de doença cardiovascular, desde
que, o processo aterosclerótico inicia-se na infância e
adolescência, e a dieta representa um dos fatores ambientais
mais importantes, relacionados ao nível sérico de lipídios neste
grupo de indivíduos. As dietas de “fast-food” são habitualmente
ricas em colesterol, não devendo fazer parte do hábito diário do
adolescente (5).
O sobrepeso na adolescência representa um fator de risco
para a obesidade na vida adulta e geralmente está associada à
co-morbidades como o diabetes mellitus tipo 2, hipertensão
arterial e dislipidemias Uma dieta balanceada e em pequenas
porções, e a prática de atividade física representam as principais
estratégias de prevenção desse importante problema de saúde
pública O diagnóstico e a intervenção precoce podem minimizar
os prejuízos a curto e longo prazo, em particular, na visão
psicológica, evitando o isolacionismo social e a depressão, que
agravam o problema e dificultam o tratamento (6).
A imagem corporal é muito importante para o (a) adolescente.
Na busca do “corpo perfeito” o mesmo pode se deparar com
situações de risco. Dietas de restrição, uso de substâncias
psicoativas e prática inadequada de atividade física, podem estar
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
associadas ao surgimento de doenças conhecidas como
transtornos alimentares (18). Esse grupo de patologias é mais
comum no sexo feminino, mas, a literatura registra o aumento da
prevalência desses distúrbios no sexo masculino (12).
A anorexia nervosa se caracteriza classicamente pela
distorção da imagem corporal: a adolescente olha-se no espelho
e se acha gorda, mas, na realidade está magra. Outros sinais e
sintomas da doença são: a perda ponderal, ausência de
menstruação, constipação intestinal e adoção de um caráter de
restrição do consumo de alimentos ou ainda a atitude de
provocar vômitos, consumir laxantes e diuréticos ou praticar
atividade física em excesso (18).
O diagnóstico precoce da anorexia exige o encaminhamento
imediato para serviços de tratamento multidisciplinar (psiquiatra,
psicólogo, nutricionista) e a investigação de outras patologias
psiquiátricas que podem estar associadas, como a depressão
ou o transtorno obsessivo compulsivo (18).
Riscos na prática da atividade física
A preocupação com a aparência física representa uma
situação comum no cotidiano dos adolescentes. A atividade e o
condicionamento físico estão diretamente relacionados à
redução nas taxas de mortalidade por doenças cardio-vasculares
em adultos (31). O grande problema para quem trabalha com
adolescentes é dosar estas atividades. A procura pelo corpo
ideal pode favorecer a execução de programas de treinamento
físico extremamente pesado e sem a supervisão adequada (38).
Alguns itens são relevantes para a orientação da atividade
física: avaliação médica prévia, com o objetivo de identificar
patologias que contra-indiquem a prática da atividade ou
justifiquem orientações especiais; tempo de atividade; escolha
da prática da atividade e presença de supervisão capacitada
para identificar o momento de transformação do adolescente (9).
Este momento está condicionado ao seu estadiamento de
maturação sexual (5).
Os adolescentes do sexo masculino apresentam ganho de
massa muscular mais tardio em relação às adolescentes, o que
ocorre no pico da velocidade de crescimento, por volta do estágio
IV de Tanner (42). O ganho de força muscular é ainda mais
tardio, o que justifica a liberação médica para a prática da
musculação a partir da menarca nas meninas e após o estirão de
crescimento nos meninos (4). As recomendações são portanto
individualizadas e não apenas baseada na idade cronológica.
O tempo de realização da atividade física depende da intensidade
do exercício, do condicionamento físico do adolescente, do
objetivo do exercício e do tipo. Os exercícios anaeróbicos
solicitam um tempo menor em relação aos aeróbicos (21).
A escolha do tipo de exercício passa pelo respeito às
preferências do adolescente e as orientações adequadas em
relação ao seu momento de condicionamento físico. Os esportes
de grupo devem ser incentivados visto que esta prática associase com sociabilidade, responsabilidade, capacidade de troca e
lidar com as frustrações e derrotas (21).
Os esportes radicais conferem situações de risco e desde
que a sua prática seja uma opção do adolescente, requerem
orientações especiais e vigilância, visto que o sentimento de
invulnerabilidade do adolescente e a prática da atividade
favorecem situações de perigo (21).
A vigorexia é um problema de saúde, mais comum no sexo
masculino, e está associado a distorção da imagem corporal : o
adolescente se vê muito magro, sem que realmente esteja e almeja
sempre o ganho de massa muscular (21). A identificação precoce
deste grupo de pacientes torna-se cada vez mais necessária, e a
55
intervenção adequada pode minimizar o risco de uso de
esteróides anabolizantes (4). É recomendável nesses casos, o
encaminhamento do adolescente para serviços
multidisciplinares.
O uso de suplementos energéticos (aminoácidos, L-carnitina,
creatina e altas doses de vitaminas), deve ser desencorajado
pelos profissionais de saúde, visto que, estes produtos
representam a porta de entrada para o consumo dos esteróides
anabolizantes, e podem causar lesão renal e hipertensão arterial
(21)
. O uso está indicado em situações especiais, devendo ser
prescrito por médicos ou nutricionistas.
Risco vacinal
Vacinas não estão indicadas apenas para crianças. Para
alguns autores (11) os adolescentes representam o grupo etário
mais difícil de se sensibilizar a respeito da importância da
vacinação e de risco para as doenças infecto-contagiosas,
especialmente as de transmissão respiratória, considerando-se
a sua característica de viver em grupos. A presença do
sentimento de invulnerabilidade e imortalidade dificulta a
aceitação de um programa vacinal.
Além dos fatores relacionados aos usuários, deve-se prestar
atenção às dificuldades e problemas apresentados pelos
próprios serviços de saúde. O atraso no agendamento das
consultas, falta de consultas noturnas ou nos finais de semana,
filas, tempo de espera, dificultam bastante as vacinações nessa
fase da vida. É inadmissível que a equipe não aproveite a vinda
do adolescente à unidade de saúde para investigar a situação
vacinal do indivíduo e colocá-la em dia, quando necessário.
O desconhecimento ou desinteresse de alguns profissionais
em relação a estes fatos justifica-se na formulação de perguntas
mal elaboradas, que não esclarecem a real situação vacinal do
adolescente. A cobrança do cartão de vacinação representa a
melhor estratégia de rastreamento. Diante de dúvidas ou
incertezas recomenda-se a vacinação, pois a realização de testes
laboratoriais implica em custo adicional, muitas vezes superior
ao da própria vacina.
As vacinas recomendadas para os adolescentes são: dupla
tipo adulto (difteria e tétano) ou tríplice acelular tipo adulto,
BCG (para os que não fizeram uso), tríplice viral (SCR) e contra
a hepatite B (11). Recomenda-se ainda o uso da vacina contra a
hepatite A e contra a varicela, para os que não tiveram estas
doenças..
Algumas vacinas podem ser recomendadas em situações
especiais: antipneumocócica (cardiopatias, pneumopatias
crônicas, diabetes mellitus, hepatopatias crônicas,
imunodeprimidos) contra meningococo tipo C (asplênicos
funcionais ou anatômicos, deficiência de complemento) contra
Haemophilus influenzae tipo B (asplênicos funcionais ou
anatômicos, imunodeprimidos) e contra influenzae (cardiopatas,
pneumopatas crônicos, imunodeficientes, hemoglobinopatas,
portadores de diabetes mellitus) (11). Esses adolescentes devem
ser encaminhados para os Centros de Referência de
Imunobiológicos Especiais (CRIES). A vacina contra febre
amarela está indicada para os jovens que vivem ou viajam para
áreas de risco.
As gestantes adolescentes devem receber a vacina dupla
tipo adulto ou toxóide tetânico, exceto se a vacinação tiver
ocorrido há menos de 10 anos (11).
Comportamento sexual de risco
As vivências da sexualidade trazem novas experiências, mas,
também a possibilidade de riscos como a gravidez não planejada,
56
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
aborto e infecções sexualmente transmissíveis, que podem
comprometer o projeto de vida a algumas vezes a própria vida (1).
Na abordagem do adolescente recomenda-se sempre a
abertura de discussões sobre a sexualidade humana e a
possibilidade de trocas e orientações, visando concretizar
comportamentos adequados que permitam aos jovens diminuir
riscos (2). Para que a educação sexual não fique apenas na idéia,
mas, possa operacionalizar mudanças é necessário rever o
conceito de sexualidade, que não é descrita como sinônimo de
sexo ou relação sexual, mas sim, compreendida como etapa
inerente ao processo de desenvolvimento da personalidade (36).
Para Acquavella & Braverman (1) “a sexualidade se evidencia
não só pelo que fazemos, mas, principalmente, pelo que somos.”
Outra noção importante é a visão temporal da sexualidade.
O comportamento sexual está inserido no contexto de ordem
moral, ética, sócio-econômica e portanto subordinado a valores
e instituições que evoluem de forma dinâmica ao longo dos
anos (36).
Na atualidade a sexualidade humana é construída em um
processo que envolve o indivíduo, a família, a escola e a
sociedade (36). O modelo familiar trabalha a afetividade, na qual
deve estar presente o amor, compromisso, respeito e diálogo. A
família discute limites, que devem ser colocados com autoridade,
mas, sem autoritarismo, nos quais o maior ensinamento seja o
uso da liberdade vinculado a responsabilidade. A ausência de
afeto familiar pode favorecer a iniciação sexual precoce e
irresponsável.
A escola representa uma instituição formativa e este espaço
pedagógico pode fornecer informações corretas sobre o corpo
humano, suas características e funções; discutindo sobre
comportamentos e estilos de vida. A literatura mostra que alunos
que receberam aulas sobre sexualidade usaram preservativos
em maior escala, apesar dos jovens relatarem que as aulas não
influenciaram na sua decisão de iniciar a vida sexua l (17).
Os profissionais de saúde precisam conhecer as
características da sexualidade na adolescência, para que possam
de fato fazer prevenção na área da saúde reprodutiva. Nessa
fase da vida vale o momento vivido e nem sempre planejado. A
relação com o outro pode ser temporária e apenas exploratória;
todos estes fatores, e a busca constante do prazer podem
favorecer a iniciação sexual, bem como a pressão dos grupos, a
falta de diálogo familiar e de projeto de vida(17).
O conceito de proteção está sempre vinculado ao cuidar-se
e cuidar do outro, mas, isto só é possível quando existe
informação e planos para o futuro. Dessa forma, a orientação
sexual não deve ser apenas informativa, mas, acima de tudo
formativa e atrelada ao processo de construção de cidadania
dos jovens (35).
Não existe uma idade para se definir qual o melhor momento
de iniciação sexual. A orientação que permanece é que o momento
ideal é aquele no qual o adolescente possa assimilar informações
sobre anticoncepção e prevenção de Infecções Sexualmente
Transmissíveis (IST), e esteja apto para usá-las, assumindo com
responsabilidade os seus atos (1) . Alguns fatores são
sinalizadores do comportamento sexual de risco: idade de início
da atividade sexual, ausência de informações, evasão escolar,
mau rendimento escolar, baixa escolaridade dos pais, baixo nível
sócio-econômico, alterações na dinâmica familiar, ausência de
opções de lazer, uso de drogas, ausência de disponibilidade de
métodos anticoncepcionais, falta de projeto de vida,
envolvimento com situações de violência (11).
A iniciação sexual precoce pode traduzir um momento de
dissociação entre a estrutura corporal e psico-emocional do
adolescente (35). Os estudos mais recentes mostram que a
iniciação sexual está ocorrendo cada vez mais precoce, em
particular em adolescentes com menor taxa de escolaridade (20,
35)
. Segundo os referidos autores, os adolescentes com menos
de 5 anos de escolaridade e que vivem em comunidades de
baixa renda, apresentam maior risco de coitarca precoce, o que
predispõe ao maior número de parceiros e dificulta a adesão ao
uso de métodos anticoncepcionais.
A ausência de informações ou a indisponibilidade de
informações corretas são ainda comuns, em particular nas classes
econômicas menos favorecidas, com baixa escolaridade dos
pais. Em geral, pais e educadores fornecem informações restritas
que precisam ser complementadas pelos profissionais de saúde
(31)
. Conseqüentemente, os meios de comunicação têm um papel
de destaque na educação sexual dos jovens (32).
A TV encaminha mensagens de prevenção a IST de maneira
pontual e desprovida de um enredo necessário para se atingir a
população adolescente, que por sua vez se acha invulnerável e
indestrutível (32).
Até o momento, não se vincula nenhuma associação entre a
música e o comportamento sexual de risco, apesar da música
contribuir para a socialização, identificação com o grupo e poder
ser utilizada pelo jovem como um símbolo para a rebeldia. Alguns
vídeos de música, entretanto, exibem com freqüência cenas de
sexo, violência e em alguns, as mulheres são apresentadas como
objetos sexuais (32).
O cinema também pode contribuir para moldar atitudes a
depender do tipo de mensagem encaminhada. A repetição de
imagens que veiculam a atividade sexual enfoca muitas vezes a
ação, e não a expressão da afetividade humana (32). Estes filmes
e todas as outras imagens negativas, no entanto, podem ser
apresentados aos adolescentes com o objetivo de estimular
discussões e reflexões sobre a sexualidade humana.
A omissão do diálogo familiar é tão importante quanto o
papel da mídia no que se refere à educação sexual. A família
representa a pedra angular na educação sexual da criança e do
adolescente. A forma como a família vive influencia no
comportamento dos jovens e na identificação do seu papel
sexual. Assim, pais adolescentes tendem a ter filhos que se
tornarão pais adolescentes (20).
A falta de políticas públicas voltadas para o adolescente
também favorece o afastamento dos adolescentes das unidades
de saúde e conseqüentemente do acesso a novas informações
ou aquisição de métodos contraceptivos. A idade não pode ser
um fator limitante para estas ações, desde que a gravidez na
adolescência incide desde a tenra idade (3).
Em algumas regiões do País, as políticas estão mais
organizadas o que favorece, por exemplo, que um adolescente
da região Sudeste tenha duas vezes mais chances de usar o
preservativo na sua primeira relação do que na região Nordeste.
No entanto, as falhas nos programas são muitas, desde que o
uso contínuo do preservativo representa uma prática incomum,
em particular, com as parceiras fixas, e o risco de gravidez não
planejada e IST é semelhante nas duas regiões (20).
O uso de algumas drogas altera o juízo de realidade e a
percepção do adolescente em relação ao uso de uma prática
contraceptiva, além de favorecer a promiscuidade (22). O consumo
de álcool guarda uma relação direta com o aumento das taxas de
gravidez e IST na adolescência, considerando-se que o álcool é
a droga mais consumida (26).
A falta de um projeto de vida permite que o adolescente não
assimile o conceito de proteção e desta forma despreze as
informações veiculadas. Estimular o projeto de vida passa a ser
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
uma estratégia importante na prevenção de gravidez, IST,
violência e uso de drogas.
Gravidez na adolescência
A gravidez na adolescência constitui-se um problema de
saúde pública tanto em países desenvolvidos, quanto em
desenvolvimento (2). É descrita desde a Antiguidade, mas,
passou a ser vista como um prejuízo à saúde, considerando-se
o novo papel da mulher, inserida no contexto do mercado de
trabalho e é de elevado risco, sobretudo quando a idade
ginecológica é inferior a dois anos (32).
Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), 27% dos
partos que ocorrem no Brasil, estão relacionados a mães
adolescentes O estado do Acre e os da região Nordeste,
apresentam as mais altas taxas de prevalência de gravidez nesta
faixa etária, com o aumento crescente da prevalência de gravidez
em meninas entre 10 a 14 anos (28).
A gravidez na adolescência apresenta conseqüências
biológicas e psico-socais que se entrelaçam de modo
indissociável. Do diagnóstico precoce depende o
encaminhamento para serviços de Pré-Natal, que idealmente
devem ser específicos e voltados para as gestantes
adolescentes, a fim de minimizar os riscos. A qualidade da
assistência Pré-Natal está vinculada a menor morbi-mortalidade
materna e perinatal, com redução nos índices de prematuridade
e melhor peso dos bebês ao nascimento (3, 17).
Apesar da redução dos problemas biológicos, as
conseqüências psicológicas e sociais da gravidez na
adolescência são significativas. A mesma contribui para a evasão
escolar, abandono do projeto de vida e manutenção do ciclo da
pobreza. Os filhos de mães adolescentes tendem a ser mais
negligenciados, menos imunizados e sofrem mais violência
doméstica (3). O apoio familiar e do parceiro ajudam a minimizar
estes conflitos, e contribuem para a redução da recorrência de
gravidez (11).
A suspeição de gravidez deve ser feita em adolescentes com
história de náuseas, ganho ponderal rápido, dor abdominal,
alterações menstruais e urinárias, e sempre que a adolescente
for submetida à exposição a agentes teratogênicos (fármacos,
radiação). Diante de um resultado negativo inicia-se a
sensibilização e educação da adolescente para a anticoncepção,
com orientações voltadas para a construção de um projeto de
vida e escolha de um método contraceptivo, desde que 60% das
adolescentes nesta situação engravidam dentro de um período
de 18 meses (28, 33).
Aborto
Segundo dados do Ministério da Saúde, aproximadamente
40% dos abortos realizados no Brasil ocorrem em menores de 20
anos O coeficiente de mortalidade é 2,5 vezes maior nessa faixa
etária e em cerca de 86% das adolescentes, os mesmos foram
provocados (28). A questão legal e a falta de recursos adequados,
propiciam as adolescentes, sobretudo de baixa renda, um
elevado risco de complicações, como infecções e infertilidade.
As conseqüências psico-sociais favorecem a marginalização
social, os conflitos com a família e consigo própria. A jovem,
muitas vezes, diante de uma gravidez não planejada vê-se
dividida e às vezes obrigada por algumas famílias a optar entre
o aborto ou um casamento. Sente-se então abandonada pelos
seus familiares e pelo parceiro.
Segundo Von Smigay apud Maakaroun et al. (25) “se
começarmos a entender os desajustes psicológicos que cercam
a vivência de um aborto, muito mais ocasionado por razões
57
sociais e ideológicas do que pela sua prática mesmo, temos uma
questão de relevância, tanto do ponto de vista científico quanto
político. Se a problemática do aborto não é formulada no terreno
da individualidade e não é permeada por atitudes valorativas do
tipo bom ou mau, homicídio ou não, prática natural ou antinatural,
possibilitamos o deslocamento para outra questão de
fundamental importância: como podemos transformar as
condições que conduzem a sua ocorrência?”
Uma rediscussão do fato com a adolescente, o apoio
emocional, a avaliação das complicações biológicas e psicosociais, a recomendação precoce da contracepção, visam evitar
uma nova gravidez e representam medidas que podem ajudar a
minimizar os prejuízos da adolescente.
Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)
As razões pelas quais os jovens são mais predispostos as
IST são inversamente proporcionais a sua maturação psicosexual, desenvolvimento cognitivo, conhecimentos acerca do
assunto e renda sócio-econômica (33). O início sexual precoce, a
presença de múltiplos parceiros, abuso sexual, ausência de uso
do preservativo, prática de sexo oral e anal, uso de drogas e
prostituição, representam algumas destas razões, que são
comuns ao risco de gravidez, e que justifica sempre o conceito
de dupla proteção na orientação sexual dos adolescentes (11).
Incentivo deve ser dado para que o adolescente dissemine
ativamente esta informação entre seus pares, amigos e parceiros.
A diversidade das manifestações clínicas justifica a suspeição e
oferta de rastreamento em jovens com comportamento sexual
de risco. A presença de disúria, secreção vaginal e uretral,
prurido genital, lesões no pênis ou na vulva, devem alertar o
profissional de saúde em relação ao diagnóstico de IST. A
abordagem baseia-se na síndrome clínica e deve envolver o
adolescente e parceiro (a). É fundamental lembrar que a presença
de uma IST aumenta a chance de aquisição de outra (33).
O tratamento das IST passa por alguns princípios básicos:
escolha da droga eficaz; uso preferencial da via oral, período
breve e dose única para a administração; custo acessível ou
melhor ainda, disponibilidade para a distribuição da droga na
rede pública e prevenção.
Segundo o Ministério da Saúde (2005) (27). A prevenção das
IST envolve três etapas: 1) Primária, o estímulo ao uso do
preservativo e imunização contra hepatite B; 2) Secundária,
detecção precoce dos casos e contactantes de risco, evitandose a cadeia de transmissão. A convocação do parceiro poderá
ser feita pelo próprio adolescente ou ainda através do envio de
carta ou da busca ativa realizada pelo Serviço Social. As cartas
devem conter as seguintes informações: código da doença, texto
solicitando e enfatizando o comparecimento por interesse
pessoal, lista de locais para a apresentação, identificação do
profissional solicitante, serviço a que pertence; 3) Terciária,
tratamento oportuno, evitando as complicações (infertilidade,
disfunção sexual) e aconselhamento psicológico, a fim de evitar
novas infecções. Este aconselhamento segundo o Ministério
da Saúde (27) “é um processo de escuta ativa, centrado no cliente
e pressupõe a capacidade de se estabelecer uma relação de
confiança entre os interlocutores, visando o resgate dos
recursos internos do adolescente, para que ele mesmo tenha a
possibilidade de se reconhecer como sujeito de sua própria
saúde.”
Acidentes
O adolescente é um ser em transformação e em processo de
adaptação à sociedade. A curiosidade, impetuosidade, a busca
58
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
do novo e do desconhecido, a invulnerabilidade, o idealismo,
próprios desse período da vida, favorecem os acidentes ( 11, 46).
Estatísticas nacionais mostram que 50% dos atendimentos
realizados com adolescentes em unidades de emergência estão
relacionadas a esses problemas (46). Algumas dessas situações
não devem ser consideradas como acidentes, mas, lesões
associadas a situações de violência (ferimentos por arma branca
ou de fogo, agressões) ou tentativas de suicídio (16).
Os acidentes automobilísticos e as quedas representam os
acidentes mais freqüentes. O sexo masculino, na fase de
adolescência média, representa o grupo mais afetado (45). A
prevenção representa a melhor forma de tratamento. A
sensibilização do adolescente para conhecer e respeitar as leis
de trânsito, o atravessar na faixa de segurança, nas passarelas,
uso de cinto de segurança, capacetes ao andar de bicicleta ou
moto, deve ser feita em todo atendimento ao adolescente, desde
que os acidentes representam a principal causa de mortalidade
nesta faixa etária e podem causar seqüelas irreversíveis (13).
O consumo de drogas, em particular do álcool pode estar
relacionado aos acidentes, sobretudo quando os mesmos
costumam ser graves ou repetidos (26). Essa abordagem requer
um elevado índice de suspeição para que se possa minimizar ou
reduzir danos.
Depressão e Suicídio
Cerca de 60% dos adolescentes que freqüentam consultórios
médicos apresentam algum sintoma depressivo As queixas são
mais comuns no sexo feminino e em indivíduos com história
familiar da doença (11).
A depressão deve ser suspeitada quando 5 ou mais sintomas
dentre os relatados a seguir estão presentes por duas ou mais
semanas: sentimento de tristeza e vazio; alterações do apetite;
distúrbios do sono; agitação ou isolacionismo; redução da
atenção e concentração; cansaço ou fadiga intensos;
sentimentos de culpa, inadequação ou inutilidade; ideação ou
tentativa de suicídio (11).
Diante de um adolescente com essa suspeita o mesmo deve
ser encaminhado ao profissional da saúde mental (psiquiatra)
para avaliação diagnóstica, e conduta terapêutica. O tratamento
requer a intervenção medicamentosa, em alguns casos e
psicoterapia (11). O tempo de uso dos antidepressivos está
associado à gravidade do quadro e resposta individual.
As tentativas de suicídio necessitam de uma abordagem
cuidadosa, na qual se deve sempre valorizar os motivos que
levaram ao ocorrido e oferecer a ajuda adequada. A desvalorização
do problema ou a falta de orientações pode levar a recorrência
dos fatos com o uso de técnicas mais agressivas e letais.
RISCOS PSICO-SOCIAIS
Saúde escolar
O desempenho escolar abrange o mundo interno do
adolescente, e sua realidade externa, representada pela família,
escola e ambiente social. O fracasso escolar é produto de
múltiplos fatores convergentes incluindo-se as deficiências
subjacentes do indivíduo, alterações emocionais, respostas às
pressões extrínsecas e aos estilos aprendidos para enfrentar as
dificuldades cotidianas. Alguns fatores são relacionados à
escola (características físicas, pedagógicas, qualificação do
professor), outros são relacionados à família (escolaridade dos
pais, interação dos pais com a escola, harmonia familiar). A
influência dos grupos é marcante na adoção de um modelo de
desempenho escolar (11, 24).
Problemas oftalmológicos e audiológicos devem ser
rastreados em adolescentes com distúrbio do aprendizado. As
alterações do desenvolvimento psico-motor podem sinalizar a
falta de integridade cognitiva. A anemia carencial compromete o
potencial cognitivo e deve ser sempre valorizada. Transtornos
com a leitura (dislexia), que podem ser precedidos por alterações
da linguagem na infância, e matemática (discalculia) requerem
apoio pedagógico especial, assim como o transtorno do déficit
de atenção com hipertatividade (11, 24).
O exame físico deve ser minucioso e incluir a triagem auditiva
e oftalmológica, avaliação neurológica com ênfase na
coordenação motora, equilíbrio, atenção, presença de
hipercinesias. O adolescente deve ser estimulado a escrever as
suas dificuldades. Declínio no desempenho escolar, inibição e
devaneios podem representar manifestações depressivas, o que
deve ser levado em questão na investigação de alterações do
aprendizado.
A evasão escolar é comum na adolescência e traz sentimentos
negativos para o jovem favorecendo sentimentos de
incapacidade, baixa auto-estima, marginalização social (11). A
desestruturação da escola e as precárias condições de vida de
uma parcela da população favorecem o abandono escolar e a
inserção precoce e despreparada no mercado de trabalho, o que
proporciona um comportamento de risco e manutenção da
pobreza.
Todo adolescente que apresenta dificuldade escolar, deve
ser investigado em relação aos possíveis fatores causais. O
profissional de saúde precisa aliviar a estigmatização e a rejeição,
estimulando a busca de ajuda e a permanência na escola. Algumas
vezes a repetição escolar pode ser um ponto de partida para o
crescimento pessoal e amadurecimento do jovem, desde que
haja a orientação adequada.
A avaliação deve ser ampla e os casos detectados de
alterações comportamentais devem ser monitorados,
considerando-se que o grupo de indivíduos que apresenta
comprometimento da saúde escolar é de alto risco para a
delinqüência, comportamento sexual de risco, uso de drogas e
conduta anti-social.
Trabalho
A adolescência representa um momento de escolhas dentre
as quais, a profissionalização. A busca da identidade passa por
um processo de amadurecimento e envolve a decisão
profissional.
Estima-se que 80% dos jovens norte-americanos com menos
de 18 anos trabalham ou já trabalharam alguma vez. O maior
empregador de adolescentes nos EUA é o setor de varejo:
restaurantes, “fast-foods” e lojas (7).
O Brasil considerou a idade mínima de 14 anos para a
admissão ao trabalho, estabelecendo a garantia de direitos
previdenciários e acesso do adolescente à escola. O trabalho
noturno, insalubre ou perigoso foi proibido para os menores de
18 anos. Em 1998, a Emenda Constitucional nº 20 aumentou a
idade mínima ao trabalho para 16 anos, admitindo a aprendizagem
a partir dos 14 anos O aprendiz é empregado com direitos
trabalhistas e previdenciários, devendo ter direito à metade do
salário mínimo na primeira metade da aprendizagem, e 2/3 do
referido salário na segunda metade, e freqüentar cursos de
formação profissional. O Ministério do Trabalho determina que
as empresas de grande e médio porte tenham 5% de aprendizes
entre os seus funcionários (11).
Existe uma correlação positiva entre trabalho e aspectos
positivos na formação do jovem, como por exemplo:
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
responsabilidade, pontualidade, relacionamento interpessoal,
aprender a lidar com o dinheiro, ganho de auto-estima,
independência e novas habilidades (25).
Trabalho de maior intensidade, conceituado como mais de
20 horas semanais, poderá estar associado a comportamento de
risco: piora do desempenho ou evasão escolar, uso de drogas
lícitas e ilícitas, distúrbios do sono, gravidez e IST, piora das
relações familiares e envolvimento com acidentes de trabalho
(11)
.
Nas classes menos favorecidas, nas quais o trabalho do
adolescente contribui para a renda familiar, o trabalho acaba
muitas vezes por prejudicar a adolescente, e a mesma lei que o
deveria proteger o desprotege, considerando-se que a elevação
da idade favorece a ida do adolescente para o subemprego,
provocando a exploração do menor e a ausência dos direitos
trabalhistas.
Ao abordar o adolescente que trabalha, o profissional de
saúde deve estar atento para avaliar as vantagens e
desvantagens do trabalho e informar aos jovens sobre os seus
direitos. A vigilância sobre o tipo e carga horária de trabalho, a
nutrição, desempenho escolar, orientação vacinal e sexual e as
questões psico-sociais, são de fundamental importância na
prevenção de problemas.
A realidade nacional mostra que os nossos jovens devem
ser estimulados a sua profissionalização, em todas as classes
sociais, respeitando-se e conhecendo a individualidade de cada
um. As políticas públicas precisam contemplar esta necessidade
e oferecer opções aos jovens, o que de certa forma contribui
para evitar a ociosidade, promove o sentimento de ser útil e
reduz a violência.
Violência
A violência envolve o adolescente em três situações
diversas. A primeira, quando é o vitimizado, na segunda quando
é o agressor e na terceira, a mais comum, quando ele é a vítima e
também o agressor. Constitui-se na atualidade em um problema
de saúde pública crescente em todo o mundo. Os adolescentes
aparecem nas estatísticas como os que mais morrem e os que
mais matam (37). Quanto mais jovem o indivíduo for vitimizado
mais grave as seqüelas físicas, psíquicas e morais (37).
As situações de abuso físico contra crianças e adolescentes,
revestem-se de características que necessitam ser conhecidas
pelos profissionais de saúde. Ocorrem geralmente no lar ou
ambientes conhecidos e geralmente são camufladas pelos
familiares; as agressões tendem a ser repetidas; o diagnóstico é
eminentemente clínico e requer a experiência, sagacidade e visão
humanista do profissional (30). Diante da suspeita, a notificação
torna-se obrigatória e deve ser dirigida ao Conselho Tutelar ou
a Vara de Infância e Juventude, de acordo com o Artigo 277 da
Constituição Federal (34). Um relatório detalhado envolvendo a
história médica e social e o exame físico minucioso, deve ser
anexado a notificação, visando auxiliar na condução do caso. A
omissão da notificação implica em uma contravenção penal. O
acompanhamento multidiscplinar do adolescente deve ser
indicado em todos os casos.
A violência pode ser classificada em 4 tipos: abuso físico,
abuso sexual, abuso emocional e negligência. Os adolescentes
agressores não devem receber punições corporais, mas, medidas
educativas e disciplinares.
Na abordagem do adolescente traumatizado sempre se deve
investigar a associação com situações de violência. A conduta
anti-social, instabilidade afetiva, comportamento suicida e
autodestrutivo podem representar algumas das seqüelas
59
psíquicas e morais da violência (30). O comportamento violento
do adolescente pode representar uma manifestação de abuso
anterior e pode resultar na transmissão da violência, perpetuando
o ciclo da “violência”. No entanto, nem todos os indivíduos
vitimizados tornam-se violentos, o que sugere a presença de
alguns fatores de proteção, que conferem ao indivíduo, a
capacidade de reagir positivamente à adversidade, a qual é
chamada de resiliência (23).
A resiliência explica porque alguns indivíduos vitimizados
tornam-se agressores, depressivos ou suicidas, enquanto
outros têm vida social e emocional normais, apesar das
dificuldades vivenciadas (41).
Os fatores econômicos, sociais e culturais, aspectos do
temperamento do indivíduo, ociosidade, exposição excessiva a
“games” e TV, envolvimento com grupos negativos, uso de
drogas são outros fatores de risco associados ao envolvimento
dos jovens com situações de violência (14).
Além da violência doméstica, uma das formas mais visíveis
de violência na sociedade é a juvenil, que acomete os
adolescentes e tende a perpetuar-se na vida adulta. Um dos
locais mais acometidos por este tipo de violência é a escola.
A violência escolar (“bullyng”) envolve o comportamento
agressivo, destruição de patrimônio e pode chegar a atos
criminosos (8). Esse problema é universal e tem uma relação direta
com conseqüências negativas para os agressores, vitimizados
e observadores. Compreende todas as atitudes agressivas onde
há uma relação desigual de poder que envolve diferenças de
idade, tamanho, força física e desenvolvimento emocional (24).
Geralmente, esse problema passa ignorado ou não é valorizado
pelos educadores e pais.
A violência urbana pode ser identificada como a maior
preocupação indicada pela sociedade e vem sendo alvo de
inúmeros debates no âmbito público e privado (30). O processo
de urbanização que envolve a marginalização de grupos de
indivíduos, aglomerados desenfreados e sem estrutura, as
relações interpessoais e fugazes, o tempo escasso, o excesso
de estímulos sonoros e visuais, a falta de oportunidade para
todos contribuem para ansiedades, competição, imediatismo,
atitudes que podem favorecer o comportamento violento. A
desestruturação das famílias, o excesso de tolerância ou
permissividade, exposição a maus tratos, hiperatividade,
impulsividade, déficit de atenção, baixo desempenho escolar
são fatores que contribuem na adoção de comportamentos
violentos (45).
O uso de drogas tem uma relação diretamente proporcional
ao envolvimento com situações de violência, aumentando a
excitabilidade, alterando os processos significativos e expondo
os jovens a desfechos deletérios a saúde do adolescente (26).
Os homicídios guardam uma relação com os indicadores sociais.
No entanto, não se pode afirmar que haja uma relação direta
entre pobreza e criminalidade. A desigualdade social, a injustiça
e a exclusão parecem ser mais importantes nessa associação (37).
A disponibilidade da arma de fogo, aliada ao seu uso
indiscriminado atua como fator de risco para a violência urbana,
porém o desarmamento não deve ser entendido como uma
proposta apenas de entrega de armas, mas, como uma chamada
de atenção para o desarmamento das relações individuais e
preconceituosas (45).
A exposição à violência urbana pode gerar o transtorno do
estresse pós-traumático caracterizado por um estado de
hipervigilância, ansiedade, recordações do momento da violência
e perpetuação dos sentimentos negativos vivenciados. A
retração social, adoção de comportamentos diferentes pode ser
60
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
uma outra manifestação (30). A intervenção precoce pode
minimizar o impacto do prejuízo.
As instituições de saúde e educação e as famílias devem
estar aptas para o diagnóstico e a prevenção deste problema,
oferecendo apoio a todos os envolvidos, e estimulando a
reconstrução de uma escola, e de uma sociedade mais segura e
saudável. Este desafio não é simples, mas é necessário, na atual
perspectiva social.
A prevenção da violência é uma responsabilidade dos
profissionais de saúde, da família, das escolas e do poder
público e consiste de três etapas:1) Primária, dirigida à
população em geral e que consiste na promoção de saúde dos
indivíduos; 2) Secundária, dirigida a grupos de risco; 3)
Terciária, dirigida à população vitimizada. Envolve a equipe
multiprofissional e interdisciplinar e o poder judiciário (11).
Abuso sexual
Estudos internacionais enacionai mostram que cerca de 7%
a 36% das meninas e 3% a 29% dos meninos já sofreram abuso
sexual (19, 27). O diagnóstico de abuso sexual e a sua conseqüente
prevenção dependem da suspeição. O maior problema
enfrentado pelos profissionais de saúde é o pacto de silêncio
firmado entre as famílias, os agressores e as vítimas. Os
adolescentes com retardo mental são de maior risco para este
fenômeno (29).
O profissional de saúde, especialmente das unidades de
saúde da família, deve estar sempre atento a este diagnóstico
diante de qualquer mudança comportamental do adolescente e
o exame minucioso e freqüente da genitália pode oferecer pistas.
A anamnese deve ser cautelosa, devendo se poupar à vítima de
estar repetindo a sua história, que é colhida em momentos
diferentes com outras pessoas envolvidas, procurando se
observar contradições e incoerências.
A possibilidade de abuso sexual deve ser investigada na
presença de lesões na região genital, gravidez, trauma genital,
sangramento vaginal em pré-púberes, IST e aborto. A escuta
do adolescente, livre de preconceitos e sem interrupções é o
primeiro passo para o acolhimento da vítima. Nos casos
agudos, que ocorreram há menos de 72 horas, as medidas
legais devem ser acompanhadas das medidas assistenciais.
É necessário que ocorra a denúncia e a identificação do
agressor. Na recusa dos responsáveis em fazer a denúncia à
hipótese de conivência deve ser aventada, e é necessária a
presença do Conselho Tutelar para assumir a guarda do
adolescente. Nos casos de abuso crônico ou repetitivo, o
adolescente apresenta-se fragilizado ou com comportamento
agressivo ou autodestrutivo. Todos os casos de abuso sexual
devem ser encaminhados para centros de referência que
devem disponibilizar o atendimento e fornecer os
medicamentos (27).
Diante da suspeita diagnóstica, a avaliação laboratorial deve
envolver a coleta de líquido vaginal para pesquisa de
espermatozóides e patógenos, dosagem de fosfatase ácida e se
possível exame do DNA. Pesquisa de gonococo no ânus e
orofaringe, sorologias para sífilis, HIV e outra IST.
Dentre as medidas assistenciais recomenda-se à imunização
contra hepatite B, contracepção de emergência (até 72 horas da
relação sexual), quimioprofilaxia antiretroviral e rastreamento e
tratamento empírico das IST. O uso do secnidazol (30 mg/Kg/
dia) associado a azitromicina (10 mg/Kg/dia) visa a prevenção
da tricomoníase e de outras IST. A assistência psicológica é
muito importante e deve-se considerar sempre o risco potencial
de suicídio (27).
Outras formas de abuso sexual devem ser lembradas como a
pornografia, pedofilia e a prostituição. Esta última, envolve
milhares de crianças e adolescentes, sobretudo de baixa
condição sócio-econômica e do sexo feminino, e algumas
vendidas pelas próprias famílias. É comum que estas jovens
tenham sido vítimas de abuso sexual por seus pais ou padrastos.
Em algumas regiões o turismo sexual representa uma das formas
de incentivo a estas práticas (29). Em qualquer relação sexual
que envolva adolescente menor de 14 anos, deve sempre ser
afastada a possibilidade de violência, considerando-se as
questões legais vigentes no Brasil (34).
Drogas
Na atualidade, o adolescente sente cada vez mais
necessidade de obter múltiplos objetos de satisfação e segundo
Tavares (43) encontra cada vez mais dificuldade de se localizar na
sociedade, pela ausência de recursos simbólicos que propiciem
a passagem da infância à vida adulta. O consumo de drogas é
uma realidade na sociedade vigente.
No passado, os ritos de passagem cumpriam a função de
inserir o jovem em um conjunto de símbolos que davam um
sentido as transformações vivenciadas. Hoje, o jovem caminha
cada vez mais solitário nessa fase de sua vida (43).
O uso de drogas aparece para alguns adolescentes como
uma marca para esta travessia. As drogas permitem o
estabelecimento de novos laços sociais, asseguram o lugar do
jovem no mundo, preenchem vazios e acaba algumas vezes se
transformando na própria essência da vida do indivíduo.
Geralmente quem procura o atendimento são os pais, porque
segundo Tiba (44) são esses os sofredores e, portanto, os que
pedem ajuda. Os usuários são levados aos serviços pelos
responsáveis. A descoberta dos pais é precedida por mudanças
comportamentais dos jovens, nas quais se destacam o
comportamento agressivo e a queda do desempenho escolar. O
momento da descoberta é crucial para a busca de ajuda. Saber
perguntar é importante, mas, a escuta é fundamental. Por sua
vez a família deve ser orientada que não deve discriminar o
jovem.
Nem sempre é possível saber o que leva o jovem a usar a
droga: experimentação, pressão dos grupos, solução para
conflitos, comportamento autodestrutivo. Cada adolescente tem
sua história individualizada. O início do uso raramente é revelado
e à medida que os pais aumentam a vigilância o uso da droga é
reduzido, mesmo que temporariamente (11).
A esperança dos pais é sempre encontrar o fornecedor da
droga, mas, esta informação geralmente é sonegada, o que
agrava o conflito familiar, pois os pais sentem-se traídos pelo (a)
filho (a). Esse sentimento gera um comportamento depressivo
ou punitivo por parte dos pais. Alguns cortam as mesadas, o
lazer, afastam os amigos e até mudam de endereço.
Diante de tudo isto, cabe ao profissional de saúde lembrar
que cada caso é único, nenhum usuário tem prognóstico
definitivo, há necessidade de se conhecer a droga usada, o seu
mecanismo de ação, sinais e sintomas, seu uso, onde, quando e
como, onde e com quem.
A classificação da situação clínica do drogadito é de
fundamental importância para a intervenção. Os indivíduos são
classificados em usuário recreativo, portadores do hábito ou
dependentes da droga.
O usuário recreativo faz uso experimental da droga, não a
guarda, usa geralmente com amigos e em pouca quantidade,
fora de casa, e sente a necessidade de aumentar o prazer.
Apresenta um relacionamento agressivo com a mãe (40, 44).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
O hábito de usar a droga é expresso pela compra da droga
pelo usuário; o adolescente a guarda e a usa sozinho ou em
companhia de outros; estabelece ritmo de uso; compromete a
qualidade de vida, cultua a droga, afasta-se dos pais e dos
companheiros que não usam a droga (40, 44).
A dependência química é manifesta através da compra de
maior quantidade da droga, o jovem não se preocupa onde
guardar a droga e a mesma é achada com facilidade, usa sozinho
e várias vezes no dia, conhece todos os meios de uso da droga,
muda as relações sociais e passa a conviver apenas com outros
usuários, intensifica os conflitos familiares e passa a ser
controlado pela droga (40, 44).
Nem toda experimentação de droga requer tratamento, mas,
sempre vigilância em relação aos aspectos psico-sociais. O uso
precoce de drogas é um fator de risco para a perpetuação do
hábito e progressão para a dependência, que pode ser física ou
psíquica, a depender da droga usada. Segundo Tiba(44), um
indicador da ligação do indivíduo com a droga, está na resposta
a seguinte pergunta: “o que você sentiria se eu jogasse a droga
fora”? A preocupação com o desperdício, significa que existe
uma ligação forte entre o indivíduo e a droga, o que predispõe a
manutenção do hábito.
Algumas drogas apresentam características próprias que
favorecem a adoção do hábito mais rapidamente. O álcool
representa uma droga muito consumida pelos jovens e apresenta
a possibilidade de abertura para uso de outras drogas mais
pesadas, além de favorecer acidentes, gravidez, IST e
comportamento violento (40).
O tabaco é altamente viciante, causa forte dependência
psíquica e moderada dependência física. Os filhos de fumantes
e consumidores de álcool têm uma maior chance de usarem estas
drogas (43).
Algumas drogas como o “crack”, heroína e a cocaína causam
forte dependência e estão associadas a envolvimento com o
tráfico e violência. O uso parenteral das drogas favorece a
infecção pelo vírus HIV, HTLV-I, da hepatite B e C (40).
Na atualidade, algumas drogas surgem para promover a
excitabilidade e passam a ser consumidas nas festas sob a forma
de comprimidos. O “ectasy” é uma delas e é conhecida como “a
droga do amor”, porque favorece a desinibição sexual (40).
Nas populações de baixa renda, em particular, entre os
moradores de ruas é elevado o consumo de solventes, algumas
vezes inalados para disfarçar a fome (40, 44). Na última década, os
esteróides anabolizantes, estão entre as drogas mais consumidas
pelos adolescentes, visando o ganho rápido de massa muscular
(21)
. Apesar desta afirmação, não existem estudos que comprovem
que estas drogas podem melhorar a capacidade cardiovascular,
agilidade, destreza ou desempenho físico. No mundo esportivo
essas drogas estão banidas, considerando-se a gravidade dos
seus efeitos colaterais.
ABORDAGEM DO ADOLESCENTE COM COMPORTAMENTO DE RISCO
Prevenção
A prevenção representa a principal estratégia para a resolução
do problema. Em geral, as medidas preventivas visam controlar
o risco, redirecionar o impacto do mesmo, estimular a resiliência,
transformar as novas experiências em atitudes positivas
baseadas nos princípios éticos de respeito e solidariedade
humana (41).
Para isso há necessidade que as famílias exerçam o seu papel
de construção de valores e referências; trabalhem o respeito
61
aos limites. A permissividade excessiva, assim como a falta de
tolerância, e o autoritarismo, podem predispor a perda de valores
e referências pelos adolescentes, e assimilação de um
comportamento de risco.
As escolas representam locais de formação de indivíduos e
de preparação dos mesmos para o exercício da cidadania. O
espaço pedagógico, desde que bem utilizado permite as reflexões
e discussões, bem como a elaboração de propostas de forma
grupal e ainda pode oferecer opções de lazer e cultura.
A sociedade precisa acreditar mais nos jovens, permitir novas
experiências, entendendo que destes desafios, depende o
processo de crescimento do indivíduo. A valorização do ser
adolescente é importante para a melhora da sua auto-estima e
fortalecimento da sua resiliência.
A mídia deve veicular informações corretas, e não apenas
estimular o culto corporal, e o padrão de consumo, desde que o
adolescente representa o seu principal público-alvo (32). Por outro
lado, os profissionais de saúde e de educação precisam investir
na capacitação para a abordagem do adolescente, desfazendo
mitos, e abandonando o juízo de valores, visando assim a maior
aproximação com estes indivíduos.
As políticas públicas precisam proporcionar aos jovens mais
espaços para a congregação dos mesmos, opções de lazer,
cultura e profissionalização. As ações governamentais devem
estar de acordo com estas propostas.
Quando indicar tratamento?
Os adolescentes com comportamento de risco devem ser
diagnosticados o mais precocemente possível, e idealmente,
encaminhados para centros de referência com equipe
multidisciplinar. O tratamento varia desde orientações gerais
(nutricional, vacinal, atividade física, contracepção e prevenção
de IST, profissionalização) a apoio psicológico (individual, de
grupo, familiar), psico-pedagógico, terapia ocupacional, a
depender de cada situação. O apoio da família, dos pares, da
escola, das políticas públicas, dos profissionais de saúde e do
próprio adolescente é de fundamental importância para o êxito
do tratamento. Ao jovem com comportamento de risco devem
ser oferecidas novas oportunidades de acesso ao convívio
social.
Dessas atitudes da coletividade depende a segurança,
estabilidade e felicidade da sociedade contemporânea, pois os
adolescentes de hoje serão os adultos do amanhã, responsáveis
pelos novos destinos do mundo. O desafio não está em vencer
a utopia, mas, em transformar os sonhos em ações, e permitir
que os mesmos se transformem em realidade.
CONCLUSÕES
A adolescência representa uma fase da vida marcada por
inúmeras transformações e busca da identidade. Nesse
processo, o indivíduo torna-se vulnerável, submete-se às novas
experiências, algumas delas, possíveis situações de risco. O
risco é necessário ao desenvolvimento humano, desde que
controlado e orientado. Os riscos podem ser biológicos ou psicosociais. As características individuais, o papel da escola, da
família, dos pares e da sociedade, são fatores fundamentais na
promoção da saúde do jovem, e podem minimizar o impacto dos
riscos. O comportamento de risco representa o desequilíbrio
entre a proteção e o risco, o que culmina na adoção de atitudes
que podem prejudicar a saúde do adolescente. O atendimento
integral ao adolescente e a detecção de fatores de risco
individuais e ambientais, representam as principais estratégias
62
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
na prevenção do comportamento de risco. A intervenção precoce
pode minimizar as complicações e favorecer a assimilação de um
estilo de vida saudável.
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II.5
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
TÓPICOS RELEVANTES SOBRE
INFECÇÕES SEXUALMENTE
TRANSMISSÍVEIS
Romário Teixeira Braga Filho
André Luis Bastos Sousa
Anna Paula Mota Duque
Vinicio Rodrigues de Britto Neto
Larissa Siqueira Santos
INTRODUÇÃO
As Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), anteriormente denominadas Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST), determinam freqüentemente doenças agudas,
infertilidade, incapacidade de longa duração e morte, levando ao surgimento de
conseqüências graves, desde os aspectos médicos aos psicológicos, para milhões de
homens, mulheres e crianças, em todo o mundo. Também, algumas das Infecções
Sexualmente Transmissíveis foram identificadas como fatores facilitadores da
disseminação do HIV. (11, 21, 40,75)
No ano de 1990, a Organização Mundial de Saúde estimava que cerca de 250 milhões
de novos casos de IST ocorreram em todo o globo naquele período. No ano de 1995, o
número de novos casos de IST foi estimado em cerca de 333 milhões. Em 1999, a
Organização Mundial da Saúde estimava que cerca de 340 milhões de novos casos de
sífilis, gonorréia, infecções por clamídia e tricomoníase ocorreram em todo o mundo,
afetando homens e mulheres entre as idades de 15 a 49 anos. (11, 21,40,68,75)
Considerando as características epidemiológicas de uma dada doença numa
população específica, a disseminação de uma IST depende do número de novos casos
de infecção gerados por cada pessoa infectada. Isto pode ser descrito em termos de taxa
de reprodução do caso, que para uma determinada IST depende da eficiência da
transmissão, da freqüência média de mudança de parceiros sexuais, e da duração média
da infectividade. (66,75)
Torna-se evidente o importante papel da atenção primária em saúde na prevenção,
diagnóstico precoce, tratamento adequado, e quando for o caso, encaminhamento dos
pacientes a serviços de cuidados especializados. Este capítulo tem como objetivo
principal fornecer uma revisão atualizada e sistematizada sobre as principais infecções
sexualmente transmissíveis que ocorrem na população; propõe-se assim a facilitar ao
generalista que atua na atenção básica, e especialmente nos Programas de Saúde da
Família, o acesso aos principais tópicos de interesse relativamente ao tema em foco, que
possam colaborar direta e objetivamente na sua prática profissional diuturna.
A educação em saúde, com ênfase na prevenção, diagnóstico precoce e tratamento
adequado, constitui-se em ferramenta fundamental para o controle da disseminação das
infecções sexualmente transmissíveis, e redução eficaz dos danos físicos e morais que
as mesmas produzem na população, principalmente na faixa etária mais jovem.
Serão a seguir apresentadas reflexões sobre os aspectos epidemiológicocomportamentais relativamente às infecções sexualmente transmissíveis. Na seqüência,
serão abordadas entidades nosológicas específicas, pela sua freqüência e importância
epidemiológica e clínica, como:
-Sindrome da imunodeficiência humana adquirida (SIDA);
-Infecções gonocócicas;
- Infecções sexualmente transmissíveis causadas por clamídia, micoplasma e ureaplasma;
- Linfogranuloma venéreo;
-Cancróide;
-Sífilis;
-Infecções pelo HTLV;
-Infecções pelo Vírus do Herpes Simples Humano (HSV).
Apesar das hepatites B e C terem suas formas de infecção e transmissão também por
via sexual, sendo portanto consideradas infecções sexualmente transmissíveis, sua
discussão não será abordada nesse capítulo, já que o tema específico sobre as hepatites
63
Palavras-chaves:
Infecções Sexualmente Transmissíveis, Etiologia,
Epidemiologia, Diagnóstico,
Manifestações Clí-nicas,
Tratamento.
64
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
encontra-se elaborado de forma ampla no capítulo escrito pelo
Prof. André Vila Serra e cols.
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICO-COMPORTAMENTAIS.
Os dados dos estudos epidemiológicos demonstram que
dentro do mesmo país, e entre países da mesma região, a
prevalência e a incidência das IST podem variar amplamente
entre as populações urbana e rural, e mesmo dentro de subgrupos populacionais de características semelhantes. Essas
diferenças refletem a grande variedade de fatores econômicos,
sociais e culturais, assim como diferentes condições de acesso
ao tratamento apropriado. Em geral, a prevalência das IST tende
a ser maior em moradores em áreas urbanas, indivíduos solteiros,
e adultos jovens, porém ocorre em uma idade mais precoce em
mulheres do que em homens.(52, 62, 66, 75)
Estudo realizado como parte de um projeto de Cooperação
Técnica entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Exército,
integrando ações para o conhecimento e prevenção da infecção
pelo HIV e outras IST entre os militares e na população de
conscritos do Exército Brasileiro, teve o objetivo de monitorar
comportamentos de risco à infecção pelo HIV em adolescentes
do sexo masculino. Como ilustrativa dessa série de pesquisas, a
abordagem realizada em 1998 com cerca de 30.318 conscritos,
permitiu, entre outras, as seguintes conclusões:
- Os conscritos com maior nível de instrução são justamente os
que apresentam menor taxa de atividade sexual, iniciando vida
sexual mais tardiamente e relatando menor número de parceiros
sexuais;
- O número de parceiros fixos é maior entre aqueles que detém
maior escolaridade;
- O percentual de uso do preservativo em todas as relações
sexuais, no último ano apresentou baixo índice, alcançando
cerca de 30% no estrato da região Norte/Centro Oeste, e 42%
nos estratos das Regiões Sul e Rio de Janeiro/São Paulo;
- O percentual de uso do preservativo cresce com o nível de
escolaridade; e
- Ocorrência de problemas relacionados às IST foi relativamente
elevado em todos os três estratos geográficos, superior a 10%,
atingindo valor maior que 20% no estrato da Região Norte/
Centro Oeste.
Como conclusão, apresentou-se então o nível de
escolaridade como uma das variáveis explicativas do
comportamento de risco para as IST e AIDS. Os níveis mais
baixos de escolaridade foram associados com o início mais
precoce da atividade sexual, taxa mais elevada de atividade
sexual, número maior de parceiros casuais e menores freqüências
de uso de preservativos.(11,14,21,30,68)
Também no Brasil, foi realizada uma pesquisa com a
população sexualmente ativa nos últimos seis meses, e com 14
anos de idade ou mais, pelo IBOPE, em 2003, quando foram
coletadas informações sobre: conhecimento sobre transmissão
do HIV e outras IST; prevenção e controle de IST; práticas
sexuais; e testagem do HIV. Informações relevantes obtidas nos
resultados podem ser observadas, como: 2,4% dos homens
sexualmente ativos declararam ter tido corrimento no canal da
urina nos últimos seis meses; 40,0% das pessoas sexualmente
ativas haviam apresentado sinais e sintomas compatíveis com
IST alguma vez na vida, ou seja, corrimento no canal da uretra,
dor ao urinar, feridas ou verrugas nos órgãos genitais para
homens; e dor ao urinar, dor na relação sexual, corrimento
vaginal, feridas ou verrugas nos órgãos genitais para as
mulheres (para cada homem que relatou ter tido algum sinal ou
sintoma compatível com IST, três mulheres o fizeram: a proporção
foi de 20,7% entre os homens e 61,6% entre as mulheres).(30,52, 68)
Os últimos estudos concluem também pelo aspecto de
pauperização da AIDS; essa mesma configuração, aliada à
possibilidade de que integrantes de determinado segmento
social tendem a interagir sexualmente com indivíduos do mesmo
grupo, sem exclusão da possibilidade de interação também com
integrantes dos demais segmentos sociais, determina a maior
probabilidade da disseminação da epidemia de AIDS, e da
ocorrência de outras IST nos segmentos sociais mais
desfavorecidos. Tal situação acarreta conseqüências para a
comunidade como um todo e tem uma evolução imprevisível.(52,
62, 66, 75)
Essas observações conduzem a reflexões sobre as formas
de comunicação empregadas nas campanhas de prevenção de
IST/AIDS entre os adolescentes, devendo haver uma adequação
da linguagem às características econômico-sociais e de
escolaridade, levando em consideração ainda os fatores
culturais, comportamentos sexuais, crenças e mitos peculiares
aos distintos segmentos populacionais. (8, 9, 14, 21)
Também no Brasil foram realizadas pesquisas com
adolescentes, sendo demonstrado que apenas 9,5% desses
indivíduos, entre 15 e 19 anos, ignoram qualquer forma de evitarse a transmissão do HIV (variando entre 36% para os sem
instrução até 0,1% para aqueles com 12 ou mais anos de
escolaridade).(8,9,21, 25)
Estudo realizado na Unidade Especial de Tratamento de
Doenças Infecciosas do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (USP), objetivando estimar a
prevalência de co-infecção pelo vírus B em indivíduos infectados
pelo HIV, concluiu que: a população em estudo era
majoritariamente masculina (64,8%), com idades entre 25 e 44
anos (75,6%), e com 65,1% referindo escolaridade entre 2 e 8
anos. O marcador sorológico anti-AgHBc esteve presente em
39,7% dos casos, o AgHBs em 8,5%, e o anti-AgHBs em 5,5%,
havendo a presença de pelo menos um marcador em cerca de
40,9% dos casos examinados. Ainda nesse estudo, a análise
univariada inicial demonstrou haver uma distribuição bi-modal
da prevalência de marcadores de hepatite B, com valores mais
elevados entre aqueles indivíduos com menos de 2 anos de
freqüência à escola (47,8%), e entre os que alcançaram o nível
superior (64,3%). Essa distribuição bi-modal para a freqüência de
infecção pelo VHB (que tem praticamente as mesmas formas de
transmissão que o HIV), chama a atenção para a necessidade de
compreensão dos fatores comportamentais envolvidos na
exposição de uma camada da população que tem acesso ao terceiro
grau de escolaridade, e que não teria apenas os fatores comumente
relacionados com as faixas de baixa escolaridade (condições
socioeconômicas mais difíceis, baixo nível de higiene,
promiscuidade, e acesso mais restrito aos serviços de saúde). (28, 32)
SINDROME DAIMUNODEFICIÊNCIAHUMANAADQUIRIDA
– SIDA (AIDS)
Etiologia
O vírus da imunodeficiência Humana(HIV) é um retrovírus
não-oncogênico da família Retroviridae (retrovírus) e subfamília
Lentivirinae. Apresenta-se com genoma de RNA e necessita de
uma enzima denominada transcriptase reversa para sua
multiplicação. Até o momento foram isoladas duas formas virais
geneticamente diferentes em pacientes infectados, chamadas
HIV-1 e HIV-2 que, embora distintas, compartilham alguns
antígenos. Destes, o mais prontamente detectável é a proteína
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
p24, que é utilizada para diagnostico de infecção pelo HIV por
ensaio de imunoabsorção ligado a enzima (ELISA). O HIV é
bastante lábil no meio externo, sendo inativado pelo calor,
hipoclorito de sódio, glutaraldeído, e outros agentes físicos ou
químicos. (57)
Aspectos epidemiológicos
Existem no mundo aproximadamente 40 milhões de pessoas
vivendo com HIV/SIDA. A África Subsaariana é a região mais
afetada, com aproximadamente dois terços do total mundial. Na
América Latina, o Brasil é o país mais afetado pela epidemia de
infecção pelo HIV, em números absolutos. Desde a identificação
do primeiro caso de SIDA no Brasil, em 1980, até junho de 2005,
já foram notificados cerca de 371 mil casos da doença. A partir
daí a infecção disseminou–se, principalmente nas regiões
Sudeste e Sul, chegando a alcançar, em 1998, uma taxa de
incidência de cerca de 18 casos de SIDA por 100 mil habitantes.
A despeito de deter a mais alta taxa de incidência, a região
Sudeste é a única que mostra uma tendência de queda
consistente, embora lenta, desde1998, sendo boa parte atribuída
à eficácia da terapia anti-retroviral. (16)
Aproximadamente 60% dos casos notificados no Brasil são
associados a alguma forma de contato sexual, sendo que quase
a metade destes, (42,9%), decorrem de relações sexuais
desprotegidas entre homens homossexuais/bissexuais. Este
sub-grupo populacional concentrou a maior parte dos casos
nos primeiros anos da epidemia. Em seguida, a infecção
disseminou-se entre usuários de drogas injetáveis e aqueles
que receberam transfusão de sangue e/ou de
hemoderivados(hemácias, plasma, plaquetas, etc.)
contaminados, em especial os portadores de hemofilia. A partir
de meados dos anos 90, a epidemia se disseminou entre
heterossexuais, que constitui atualmente a subcategoria de
exposição sexual com o maior número de casos notificados da
doença em todo mundo. Como uma das conseqüências, a
incidência de SIDA aumentou rapidamente entre as mulheres e
a razão de casos homem/mulher decresceu de 18,9:1, em 1984,
para 1,5:1, em 2004, chegando a 0,9:1 na faixa de 13 a 19 anos.(58)
Por sua vez, o crescimento de casos de infecção entre mulheres
teve, como conseqüência, o aumento da transmissão vertical da
infecção pelo HIV, com crescimento do número de casos de
SIDA em crianças, em todo o mundo. No Brasil, cerca de 84%
dos casos de SIDA em crianças com até 13 anos de idade é
decorrente de transmissão vertical. (18)
A transmissão de mãe para filho ocorre em três situações: no
útero, por contágio transplacentário; através do canal de parto
infectado; e após o nascimento, por ingestão de leite materno.
Até dezembro de 2004 tinham sido registrados no Brasil 172 mil
óbitos devido a SIDA. A taxa de mortalidade por SIDA
apresentou-se crescente até meados da década de 90,
estabilizando-se a partir de 1998 em 11 mil óbitos anuais, e
decrescendo após o desenvolvimento do Programa Nacional
do DST e AIDS(PN-DST/Aids). Não só a introdução da terapia
anti-retroviral de alta potência, mas também as ações de
prevenção e controle da infecção pelo HIV e outras doenças
sexualmente transmissíveis contribuíram para a mudança do perfil
da epidemia no Brasil. (29)
Observou-se também, um crescimento persistente na
proporção de óbitos em negros, em segmentos da sociedade
com menor nível de escolaridade e pior condição
socioeconômica Tal situação parece refletir a desigualdade de
gênero, social e racial no Brasil que dificulta o acesso a serviços
de saúde a populações menos favorecidas. (31)
65
A partir de 1990, portanto, constatou-se uma transição do
perfil epidemiológico na epidemia da SIDA, resultando em sua
heterossexualização, feminização e pauperização, que continua
a se acentuar com o decorrer do tempo. (68) A SIDA no Brasil, na
verdade, se apresenta como sendo uma pandemia multifacetada,
não possuindo um perfil epidemiológico único em todo o
território brasileiro, mas constituindo-se em um mosaico de subepidemias regionais que são motivadas pelas desigualdades
socioeconômicas. (17)
A transmissão do HIV ocorre sob condições que facilitam o
contato com o sangue ou fluidos corporais contendo o vírus,
ou a célula infectada pelo vírus. Assim, as principais formas de
infecção são: o contato sexual, a inoculação parenteral, e a
passagem do vírus das mães infectadas para os seus recémnascidos. Em relação ao contato sexual, vale ressaltar que todas
as formas de transmissão por HIV são potencializadas pela
coexistência de outras doenças sexualmente transmissíveis,
principalmente aquelas associadas a ulcerações genitais. Nesse
contexto, sífilis, cancróide e infecção pelo Vírus do Herpes
Simples Humano (HSV) são particularmente importantes. (75).
A transmissão do HIV por transfusão de sangue ou
hemoderivados foi praticamente eliminada. Tal fato resulta
principalmente da triagem do sangue e plasma para anticorpos
contra HIV, critérios de pureza absoluta para preparações de
fator VIII, e screening de doadores com base em seus históricos.
Contudo, um risco extremamente pequeno de contrair SIDA por
meio de uma transfusão de sangue soronegativo persiste, porque
um indivíduo recentemente infectado pode não ter anticorpos
detectáveis laboratorialmente (janela imunológica). Alguns
estudos demonstraram que instituições que seguem rigorosa
conduta de controle de qualidade do sangue e derivados
apresentam risco de infectividade de 1 por 2 milhões de unidades
de sangue transfundido.(36)
A infecção acidental pelo vírus HIV entre trabalhadores da
área de saúde, apresenta-se como situação de risco extremamente
pequeno, mas que impõe a necessidade de adoção de medidas
preventivas e de pronta intervenção, quando da exposição a
agentes possivelmente contaminados. (20)
Patogênese
O mecanismo de entrada do HIV nas células hospedeiras
envolve a ligação entre glicoproteínas do vírus e a molécula de
CD4 (presente nos linfócitos T CD4+, mas também em monócitos/
macrófagos e células dendríticas), além de co-receptores. Seguese a entrada do genoma viral no citoplasma da célula hospedeira,
onde ocorre síntese do DNA pró-viral mediada pela transcriptase
reversa. O HIV também pode infectar as células T quando
transportado pelas células dendríticas da mucosa, ou mesmo
através de outras células T. (55)
Quando as células T se dividem, o DNA viral entra no núcleo
e se integra ao genoma, podendo ficar latente ou ser transcrito
e gerar novas partículas virais, que brotam da membrana da
célula. A infecção e a replicação viral nas células infectadas são
o principal mecanismo de lise das células CD4+. Há também uma
perda seletiva do grupo de células T CD4+ de memória, levando
o organismo a uma maior susceptibilidade a infecções comuns
recorrentes. Além disso, existe também um déficit funcional
(qualitativo) das células T CD4+, o que deprime ainda mais a
imunidade celular, e aumenta a possibilidade de infecções por
microrganismos intracelulares.
A infecção dos macrófagos e, em menor extensão, dos
monócitos sanguíneos, é extremamente importante na
patogênese da infecção pelo HIV, principalmente por que tais
66
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células se constituem em reservatórios de replicação viral, e
também em veículos para a migração do HIV para outros tecidos,
incluindo o sistema nervoso.
Além da infecção dos linfócitos T CD4+, macrófagos, e
células dendríticas, os linfócitos B também tem sua
funcionalidade comprometida. Tais células são policlonalmente
ativadas pelo estímulo de outras infecções, pelo próprio HIV,
ou por citocinas dos macrófagos infectados. Apesar da
presença de hipergamaglobulinemia e imunocomplexos
circulantes, os anticorpos dos pacientes com SIDA não são
plenamente eficientes. Isso prejudica a imunidade humoral, e
aumenta a susceptibilidade a infecções por bactérias
capsuladas, como, por exemplo, o S. pneumoniae e o H.
influenzae.
Além do sistema linfóide, o sistema nervoso é fortemente
afetado pela infecção por HIV, com comprometimento
principalmente das células microgliais e macrófagos. (1)
Manifestações clínicas
Três fases abrangem a história natural da infecção por HIV :
a síndrome retroviral aguda, uma fase intermediária crônica, e a
SIDA. O quadro de infecção aguda pelo HIV-1, que aparece 3 a
6 semanas após a infecção, apresenta-se na maioria das vezes
apenas com sintomas transitórios, semelhantes ao resfriado
comum, como dor de garganta, febre, perda de peso, fadiga e
mialgias. Também pode ocorrer exantema, adenopatia cervical,
diarréia e vômitos. Nessa fase, habitualmente não há anticorpos
específicos anti-HIV-1 detectáveis. O diagnóstico, portanto, é
baseado nos sintomas clínicos, na história da exposição, e em
testes de laboratório confirmatórios específicos (detecção do
RNA do HIV-1 ou do antígeno p24). (2)
Geralmente, a partir do segundo mês após a infecção, uma
resposta imune se estabelece, contém a carga viral e aumenta os
níveis de T CD4+ para números próximos dos normais,
sinalizando o término da fase aguda inicial.
A maioria dos indivíduos infectados por HIV cursa com um
longo período de latência (fase crônica da infecção), antes do
aparecimento da SIDA. Nesse período, a maioria dos pacientes
é assintomática ou apresenta linfadenopatia generalizada,
podendo também apresentar infecções, (como herpes-zóster,
candidíase), e trombocitopenia. Porém, a latência clínica não
corresponde a um período de latência biológica viral. Há uma
replicação viral contínua com contenção do vírus pelo sistema
imune do hospedeiro. Tal fato reforça a importância dos
marcadores de progressão da doença (a contagem de linfócitos
TCD4+ no sangue) para a aplicação precoce da terapia antiretroviral. (71)
Na fase final, o paciente apresenta tipicamente febre com
duração maior que um mês, fadiga, perda de peso, diarréia, e
após um período variável aparecem graves infecções
oportunistas, neoplasmas secundários ou doenças neurológicas
clínicas, caracterizando, então, o quadro franco de SIDA. A maior
parte do número de óbitos em pacientes com SIDA é devido às
infecções oportunistas. (1)
O surgimento de terapias mais eficazes – inibidores de
protease, terapia combinada – para o tratamento de indivíduos
infectados pelo HIV, além de profilaxias primárias e secundárias
para infecções associadas à imunodeficiência, tem reduzido de
forma expressiva o surgimento das graves condições clínicas
associadas à SIDA, assim como sua mortalidade específica em
diversos países, como o Brasil. (37)
São doenças indicativas de SIDA (Ministério da Saúde,
2003):
1.
2.
3.
4.
Câncer cervical invasivo;
Candidose de esôgfago;
Candidose de traquéia, brônquios ou pulmões;
Citomegalovirose em qualquer outro local que não sejam
fígado, baço e linfonodos; como a retinite por
citomegalovírus;
5. Criptococose extrapulmonar;
6. Criptosporidiose intestinal crônica (período superior a um
mês);
7. Herpes simplex mucocutâneo (período superior a um mês);
8. Histoplasmose disseminada (localizada em quaisquer órgãos
que não exclusivamente em pulmão ou linfonodos cervicais/
hilares);
9. Isosporidiose intestinal crônica (período superior a um mês);
10. Leucoencefalopatia multifocal progressiva (vírus JC, um
poliomavírus);
11. Linfoma não-Hodgkin de células B (fenótipo imunológico
desconhecido) e outros linfomas dos seguintes tipos
histológicos: linfoma maligno de células grandes ou
pequenas não clivadas (tipo Burkitt ou não-Burkitt) e linfoma
maligno imunoblástico sem outra especificação (termos
equivalentes: sarcoma imunoblástico, linfoma maligno de
células grandes ou linfoma imunoblástico);
12. Linfoma primário do cérebro;
13. Pneumonia por Pneumocystis carinii;
14. Qualquer micobacteriose disseminada em órgãos outros que
não sejam o pulmão, pele ou linfonodos cervicais/hilares
(exceto tuberculose ou hanseníase);
15. Reativação de doença de Chagas (meningoencefalite e/ou
miocardite);
16. Sepse recorrente por bactérias do gênero Salmonella (não
tifóide);
17. Toxoplasma cerebral.
Diagnóstico
O diagnóstico precoce da infecção pelo HIV é feito a partir
de testes sorológicos, regulamentados por meio da Portaria de
Nº 59/GM/MS, de 28 de janeiro de 2003. (12)
O tempo mínimo para a detecção de anticorpos anti-HIV na
amostra de sangue do paciente, ou seja, o período
correspondente ao término da janela imunológica, dura 3 a 12
semanas a partir da infecção. O principal teste diagnóstico
sorológico da infecção pelo HIV é o ELISA, utilizado
amplamente como teste inicial, devido a sua alta sensibilidade.
Quando o resultado for negativo ou inconclusivo, é necessário
existir um segundo imunoensaio, com princípio metodológico
e antígenos distintos. Os testes de imunofluorescência e
Western Blot são confirmatórios da infecção, realizados após
o imunoensaio. Existem, portanto, três etapas na triagem
sorológica (Anexo 1).
A pesquisa da soroconversão é feita com a coleta de uma
segunda amostra, 30 dias após a emissão do resultado da
primeira, e a repetição de todos os procedimentos descritos.
Além disso, sempre que houver discordância entre o resultado
da primeira e segunda amostra, deverá ser considerada a
possibilidade de ter havido troca de material examinado, ou
algum erro de procedimento. Crianças menores de 2 anos com o
resultado do teste para detecção de anticorpos para HIV
positivo, devem passar por testes complementares para a
confirmação do diagnóstico, desde quando os anticorpos podem
ter sido adquiridos através da mãe. (13)
O diagnóstico de SIDA, em atenção básica, para indivíduos
com mais de 13 anos, é feito com base em critérios, sendo o mais
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
conhecido o critério CDC (Center for Diseases Control, Estados
Unidos) adaptado, que implica na existência de 2 testes de
triagem reagentes, ou 1 teste confirmatório para detecção de
anticorpos anti-HIV, somado ao diagnóstico de pelo menos uma
doença indicativa de Aids, e/ou contagem de linfócitos T CD4+
inferior a 350 células/mm³.
São testes de triagem: várias gerações de ensaio por
imunoabsorbância ligado à enzima -Enzyme Linked
Immunosorbent Assay- ELISA; ensaio imunoenzimático -Enzyme
Immuno Assay- EIA; ensaio imunoenzimático com
micropartículas -Microparticle Enzyme Immuno Assay- MEIA;
e ensaio imunoenzimático com quimioluminiscência.
São testes confirmatórios: imunofluorescência indireta;
imunoblot; Western Blot; teste de amplificação de ácidos
nucléicos como, por exemplo, a reação em cadeia da polimerase
-Polimerase Chain Reaction-PCR; e a amplificação seqüencial
de ácidos nucléicos -Nucleic Acid Sequence Based
Amplification- NASBA.
Em crianças menores de 13 anos, o critério CDC adaptado
exige evidência laboratorial da infecção pelo HIV, somado ao
diagnóstico de pelo menos 2 doenças indicativas de SIDA de
caráter leve, e/ou diagnóstico de pelo menos 1 doença indicativa
de SIDA de caráter grave, e/ou contagem de linfócitos T CD4+
menor do que o esperado para a idade atual Brasil. (13)
O quadro apresentado no anexo-2 demonstra a escala com a
pontuação para cada sinal ou sintoma da doença.
Tratamento
O tratamento farmacológico atual para os portadores de SIDA
consiste na terapia anti-retroviral (TAR) cujos objetivos visam,
através da inibição da replicação viral, retardar a progressão da
imunodeficiência, e restaurar, tanto quanto possível, a imunidade,
aumentando o tempo e a qualidade de vida da pessoa que vive
com HIV ou SIDA.
O início da terapia é recomendado para pacientes com
manifestações clínicas associadas à infecção pelo HIV,
independentemente da contagem de linfócitos T-CD4+ e da carga
viral plasmática, e para aqueles com contagem de linfócitos TCD4+ abaixo de 200/mm3, independentemente da presença de
sintomas ou da magnitude da carga viral. (15)
Existem, até o momento, duas classes de drogas liberadas
para o tratamento anti-HIV:
Inibidores da transcriptase reversa
São drogas que inibem a replicação do HIV por bloquear a
ação da enzima transcriptase reversa que age convertendo o
RNA viral em DNA:
• Zidovudina (AZT) cápsulas 100 mg, ou injetável, frascoampola de 200 mg;
• Zidovudina (AZT) solução oral, frasco de 2.000 mg/200 ml;
• Lamivudina (3TC) comprimidos 150mg;
• Estavudina (d4T) cápsula 30 e 40mg.
Inibidores da protease
Estas drogas agem no último estágio da formação do HIV,
impedindo a ação da enzima protease que é fundamental para a
clivagem das cadeias protéicas produzidas pelas células
infectadas:
• Indinavir cápsulas 400 mg;
• Ritonavir cápsulas 100mg;
• Saquinavir cápsulas 200mg;
• Nelfinavir cápsulas de 250 mg;
• Amprenavir cápsulas de 150 mg.
67
A terapia anti-retroviral é uma questão complexa, sujeita a
constantes mudanças. Inúmeros estudos surgem a todo o
momento, visando instituir guias práticos de tratamento para os
pacientes infectados pelo HIV. (6)
É recomendável que o paciente seja encaminhado a serviços
de referencia para o tratamento da infecção pelo HIV/SIDA a fim
de obter-se um atendimento especializado e multidisciplinar
permanentemente atualizado.
Também se deve estar atento para as especificidades que
envolvem a profilaxia de eventos agravantes nos pacientes que
convivem com o HIV e SIDA. Inúmeros estudos revelam fortes
associações de SIDA com outras doenças que são passíveis de
prevenção pelo uso das vacinas atualmente disponíveis. A idade,
os riscos ocupacionais, o quadro clínico e outros fatores, devem
ser levados em conta no momento da vacinação a fim de atender
às necessidades específicas dos indivíduos infectados pelo HIV.
INFECÇÕES GONOCÓCICAS
Etiologia
A infecção pela bactéria Neisseria gonorrhoeae é chamada
blenorragia ou gonorréia. Caracteriza-se pelo comprometimento
inflamatório no revestimento interno da uretra, podendo também
envolver o cérvice uterino, o reto, a garganta, olhos, articulações,
etc.. A infecção pode evoluir com bacteriemia, envolvendo
articulações ou outros órgãos, através de disseminações
metastáticas. (48, 53)
O agente infeccioso, o diplococo N. gonorrhoea, bactéria
intracelular, é habitualmente isolada em secreções a partir dos
órgãos envolvidos, visualizado microscopicamente como
bactérias gram-negativas, em disposição aos pares, ou
aglomerados. (53)
Epidemiologia
A doença conhecida como blenorragia ou gonorréia é
caracteristicamente disseminada através do contato sexual. As
mulheres são habitualmente portadoras da infecção
assintomática durante semanas ou meses, sendo detectadas
geralmente quando os contatos sexuais são roteados. Nesse
contexto, a bactéria é isolada comumente na orofaringe e no
reto de homens homossexuais, e eventualmente na uretra de
homens heterossexuais . (53)
Manifestações Clínicas.
O período de incubação nos homens geralmente dura entre
2 a 14 dias. O início dos sintomas comumente se dá com
desconforto uretral, que se segue em algumas horas com disúria
e corrimento purulento. Os sintomas agravam-se com o
envolvimento crescente da uretra em sua extensão, exibindo um
corrimento amarelo esverdeado espesso, e meato uretral com
edema e hiperemia. (48)
Já nas mulheres o período de incubação costuma durar entre
7 e 21 dias. Os sintomas geralmente são mais discretos, mas o
envolvimento pode ser intenso, com disúria, polaciúria, e
corrimento vaginal; o cérvice uterino e os órgãos do sistema
reprodutivo interno podem ser acometidos. São manifestações
comuns: o envolvimento das glândulas de Bartholin com
formação de abcessos, e a ocorrência de salpingite (53)
É comum o envolvimento do reto em mulheres e homens
homossexuais, (como conseqüência da exposição através do
coito anal), manifestando-se com dor retal ao defecar ou durante
a prática sexual, e com corrimento retal purulento. Também o
sexo orogenital pode resultar em envolvimento da orofaringe,
68
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cursando a infecção de forma assintomática, ou com
manifestações inflamatórias e dor à deglutição. (48,53)
Diagnóstico
Em aproximadamente 90% dos homens afetados pela doença,
o diagnóstico pode ser rapidamente obtido pelo exame da
secreção uretral com a coloração pelo Gram. Tal método tem
sensibilidade de apenas 60% nos exames dos cérvices uterinos
de mulheres doentes.
Em ambos os sexos, a investigação de manifestações retais
ou de orofaringe pode requerer cultura de secreções em meios
seletivos contendo antimicrobianos como o meio de ThayerMartin, quando em sua maioria as colônias se torna visíveis
entre 24 a 48 horas; isso porque, nesses casos, a simples
coloração pelo Método de Gram de material purulento pode ser
considerada pouco sensível e específica, devido à abundante
microbiota endógena dos sítios de infecção. (53)
Na investigação diagnóstica de pacientes com uretrites e
cervicites, devem ser realizados testes genéticos para o RNA do
gonococo, ao tempo em que se investiga a presença de clamídia,
buscando a caracterização da possível infecção por ambos os
agentes, já que essa co-morbidade é freqüente. Também nesse
contexto, deve ser realizado de imediato e após três meses da
abordagem diagnóstica inicial, o teste sorológico para sífilis,
além do exame extensivo para a busca de outras infecções
sexualmente transmissíveis. (10, 53)
Como complicações do quadro infeccioso inicial, os homens
podem desenvolver quadro de uretrite pós-gonocógica, que é
geralmente conseqüência de uma infecção concomitante por
clamídia. Esse último agente infeccioso apresenta habitualmente
um período de incubação mais prolongado, e produz um quadro
de corrimento uretral mais discreto e menos espesso, entre 7 a
14 dias após o término do tratamento da gonorréia com a
administração de penicilinas ou cefalosporinas. Os homens
podem desenvolver mais raramente quadros de epididimite,
envolvimento infeccioso das vesículas seminais, prostatite, e
mais raramente ainda, estreitamento uretral pós-inflamatório; nas
mulheres, a salpingite é a complicação mais comum do
envolvimento dos órgãos sexuais. (33,53)
Ainda como complicações do envolvimento dos órgãos
sexuais externos, pode haver disseminação bacteriana (mais
comum em mulheres com infecções genitais que podem passar
desapercebidas clinicamente, mas serem passíveis de
comprovação com a realização de culturas). Tal situação pode
resultar em envolvimento das articulações e alterações na pele.
Mais raramente pode surgir quadro de pericardite, endocardite,
meningite e perihepatite. (33,53)
Tratamento
Os casos de infecção uretral, do cérvice uterino, do reto e da
faringe, são geralmente de fácil tratamento, sendo recomendado
a dose única de 125 mg de Ceftriaxone por via intramuscular.
São consideradas alternativas satisfatórias, todas em dose
única, por via oral: -ciprofloxacino – 500mg; ofloxacino – 400mg;
cefixime – 400mg; ampicilina – 3g.
Se os pacientes têm problemas de alergias, gravidez ou
outros, pode ser considerada a alternativa de uso de
spectinomicina, em dose única de 2g por via intramuscular. (48, 49,
53)
Sendo considerada a possibilidade de infecção concomitante
por clamídia, pode ser acrescentada à terapêutica, por via oral:
azitromicina – 1g por em dose única; doxiclina – 100mg duas
vezes ao dia por 7 dias; eritromicina – 500mg quatro vezes ao
dia, por 7 dias, (esta última alternativa considerada especialmente
em caso de mulheres grávidas; evitar a forma de estolato).
Em casos de infecções gonocócicas disseminadas, e em
artrites gonocócicas, o tratamento é realizado preferencialmente
com os pacientes internados em nível hospitalar, com
antibióticos por via parenteral. Nesses casos, busca-se também
tratar possível infecção concomitante por clamídia. (48, 49, 53)
INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS CAUSADAS
POR CLAMÍDIA, MICOPLASMA E UREAPLASMA
Definições e Etiologia
Os termos anteriormente usados para descrever os quadros
infecciosos uretrais nos homens, nos cérvices uterinos, e na
orofaringe e reto em ambos os sexos, de etiologia diferente da
Neisseria gonorrhoeae, tais como uretrites não-gonocócicas,
uretrites inespecíficas, infecções genitais inespecíficas, e
cervicite mucopurulenta, mostraram-se inadequados, pois na
maior parte das vezes os agentes etiológicos são identificados.
(33)
Estas entidades clinicas constituem o grupo de Infecções
Sexualmente Transmissíveis mais freqüente nos Estados Unidos.
Chlamydia trachomatis está envolvida como agente causal na
maioria dos casos de uretrites e cervicites não-gonocócicas,
seguida pelos microrganismos Mycoplasma genitalium e
Ureaplasma urealyticum. Ainda assim, em alguns casos
examinados, a etiologia permanece incerta, e isso é decorrente
da baixa sensibilidade do método laboratorial utilizado. (33)
Manifestações Clínicas
Os homens geralmente desenvolvem a doença cerca de 7 a
28 dias depois da infecção. Os sintomas geralmente são
desconforto urinário, e descarga uretral clara ou discretamente
mucopurulenta. Mais raramente, o quadro clínico é mais
explosivo, com disúria e corrimento uretral purulento e
abundante, mimetizando um quadro de gonorréia. (10,33)
Ainda quando o quadro de desconforto uretral é brando,
costuma ser mais acentuado pela manhã, com disúria associada
à estase de secreção no canal uretral. Pode haver edema e
hiperemia no meato uretral. (10,33)
Da mesma forma que na gonorréia, pode haver quadro de
faringite e proctite, secundariamente ao contato sexual por via
oral ou retal.
As mulheres são habitualmente assintomáticas, porém
podem apresentar disúria, corrimento vaginal, dor pélvica,
dispareunia, polaciúria. Pode haver cervicite com exsudato
purulento amarelado e ectopia cervical. (10)
Diagnóstico
Em homens infectados, o exame do esfregaço da secreção
uretral, corado pelo Gram, costuma evidenciar muitos leucócitos
polimorfonucleares, porém nenhuma bactéria patogênica. Em
casos tão discretos que não exibam secreção uretral, pode ser
útil o exame sumário de urina, que nesses casos geralmente
evidencia elevação no número de leucócitos na análise do
sedimento. Ou ainda, pode ser tentado o “swab” da secreção
uretral pela manhã, quando há mais secreção em estase no canal
uretral, para a pesquisa de inclusões desses agentes infecciosos.
Em mulheres com secreção cervical purulenta, o exame do
esfregaço demonstra muitos leucócitos polimorfonucleares,
porém nenhum dos agentes desse tipo de infecção.
Atualmente se busca o diagnóstico de infecção por clamídia
através do exame de exsudatos por cultura, imunoensaio para
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
antígenos, ou provas genéticas. A detecção de micoplasma e
ureaplasma se demonstra impraticável na atualidade. Deve ser
rotina na investigação clínica a pesquisa de infecção
concomitante por N. gonorrhoeae. (10,33)
Podem ocorrer complicações crônicas no homem, como
epididimite e Síndrome de Reiter (artrite com acometimentos nos
olhos e pele, e uretrite recorrente não-infecciosa). Na mulher,
pode haver artrite reativa, e a Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, em
que a infecção do peritôneo peri-hepático por C. trachomatis
ou mais raramente N. gonorrhoeae pode simular colecistite.
Também a salpingite causada por C. trachomatis pode produzir
dor pélvica crônica, gravidez ectópica e infertilidade. (10,33)
Quando as infecções por clamídia não são adequadamente
tratadas, os sintomas permanecem por até 4 semanas, em cerca
de 60% a 70% dos pacientes.
Tratamento
As infecções não complicadas podem ser tratadas com
azitromicina (1g em dose única por via oral), ou ainda os
antibióticos seguintes, administrados durante 7 dias: ofloxacina,
300mg, duas vezes ao dia; tetraciclina, 500mg, quatro vezes ao
dia; doxiclina, 100mg, duas vezes ao dia.
Em pacientes cuja doença recrudesce após melhora clínica
parcial, está indicado o tratamento prolongado, por até 21 a 28
dias.
Em mulheres grávidas o esquema com tetraciclina pode ser
substituído por eritromicina, 500mg quatro vezes ao dia, por
pelo menos 07 dias (evitar a forma de estolato, devido a
possibilidade de desencadeamento de colestase).
Todos os pacientes devem ser aconselhados à abstinência
sexual até que seus parceiros sejam examinados e
adequadamente tratados. Os pacientes tratados devem ser
reexaminados após 8 a 12 semanas, para que seja verificada a
persistência ou recorrência de infecção. (33, 49)
LINFOGRANULOMA VENÉREO
Etiologia
O Linfogranuloma venéreo (LGV) é causado pelas variantes
sorológicas L1, L2 e L3 da C. trachomatis, que é uma bactéria
obrigatoriamente intracelular. Essas variantes infectam
predominantemente os monócitos e macrófagos, atravessam a
superfície epitelial até os linfonodos regionais, e podem causar
infecções disseminadas. (45)
Epidemiologia
O linfogranuloma venéreo é entidade clínica rara em países
industrializados, porém é endêmica em partes da África, Ásia,
América do Sul e Caribe. Sua epidemiologia é pouco definida,
desde quando muitas vezes não pode ser distinguida com outras
causas de ulceração genital com formação de bubões. Na
atualidade tem sido observado o aumento da incidência de LGV.
(21, 45)
Aspectos Clínicos
A evolução clínica do linfogranuloma venéreo pode ser
dividida em três estágios: o estágio primário envolve o local de
inoculação; o secundário envolve os linfonodos regionais e
algumas vezes a região ano-retal; o estágio terciário, tardio,
envolve as seqüelas, e comprometem os genitais e/ou o reto. (45)
O estágio primário é observado após um período de incubação
de 3 a 30 dias, e corresponde a uma pápula pequena e indolor,
que pode ulcerar, surge no sítio de inoculação, geralmente o
69
prepúcio ou glande no homem, ou na vulva, parede vaginal, e
ocasionalmente na cérvix feminina. Essa lesão é aulo-limitada,
pode não ocorrer, ou passar desapercebida pelo paciente. (21, 45)
O estágio secundário ocorre algumas semanas após a lesão
primária, principalmente envolvendo os linfonodos inguinais,
ou o ânus e reto. As formas inguinais são mais comuns no
homem, pois a drenagem linfática da vagina e cérvix ocorrem
mais freqüentemente para os linfonodos retroperitoniais do que
para os inguinais. A proctite devido ao linfogranuloma venéreo
é mais comum na mulher e em homens que praticam o coito anal
receptivo, o que é atribuído à inoculação direta (10, 45, 49)
A manifestação clínica mais proeminente é linfadenomegalia
dolorosa, inguinal ou femoral, que é geralmente unilateral. Os
linfonodos aumentados são habitualmente firmes, e a biópsia
costuma revelar pequenas áreas de necrose envolvidas por
células endoteliais e epitelióides. Estas áreas de necrose podem
aumentar e formar os abscessos estrelados, os quais podem
coalescer e romper para formar canais de descarga. (10, 45, 49)
Se ocorre inoculação extragenital, pode surgir linfadenopatia
fora da região inguinal, como na região cervical após inoculação
secundária à prática do sexo oral.
Muitos dos pacientes afetados apresentam mal-estar
sistêmico, com febre, mialgias, e cefaléia.
O envolvimento ano-retal, predominando em mulheres e
homens homossexuais que praticam o coito anal receptivo, pode
apresentar-se com uma proctite hemorrágica. Os pacientes
podem cursar com dor retal e sangramento, freqüentemente
associados a calafrios, febre e perda de peso (10, 45, 49)
No estágio terciário, as lesões inflamatórias crônicas podem
causar cicatrizações, obstruções linfáticas, elefantíase da
genitália em ambos os sexos, e envolvimento retal com estenoses
e fístulas. Essas lesões são mais comuns nas mulheres, podendo
levar a destruições amplas da genitália externa (10, 45, 49)
Diagnóstico
A apresentação clínica é fundamental, podendo apresentarse como uma úlcera genital, ou como uma linfadenopatia inguinal
geralmente dolorosa, sem evidência de ulceração genital. O
diagnóstico diferencial deve ser feito com a infecção pelo vírus
do herpes simples humano, sífilis, cancróide, e donovanose (10,
45, 49)
O teste de Fixação do Complemento tem sido usado por
muitos anos para diagnosticar a Infecção por clamídia. Outros
métodos em estudo utilizando imunofluorescência e ensaios de
amplificação de DNA, ainda não foram suficientemente avaliados
para a detecção do linfogranuloma venéreo, portanto o
diagnóstico do LGV é basicamente clínico. (10, 45, 49)
Tratamento
O tratamento recomendado para as formas bubônicas e anogenital é o uso de tetraciclina (500mg quatro vezes ao dia,
diariamente, por 14 dias), ou doxiclina (100mg duas vezes ao dia,
diariamente, por 14 dias). Em mulheres grávidas, em que o uso
de tetraciclina é contra-indicado, pode ser usada eritromicina
na dosagem de 500mg, quatro vezes ao dia, por 14 dias (evitar a
forma de estolato, durante a gravidez e em portadores de
hepatopatias)(10, 45, 49).
CANCRÓIDE
Aspectos etiológicos e epidemiologicos
O Haemophilus ducreyi, bactéria gram-negativa, é o agente
etiológico do cancróide, doença sexualmente transmissível
70
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ulcerante que aumenta o risco de transmissão do Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV). (43, 60)
H. ducreyi é um microrganismo biologicamente vulnerável;
hábitos de higiene simples, aliados à circuncisão masculina
desempenha papel importante na redução da infecção, ao tempo
em que várias classes de antibióticos (alguns desses
administrados mesmo em dose única), propicia cura rápida.. (43,
60)
H. ducreyi depende de elevada freqüência de mudança de
parceiros sexuais para sua sobrevivência, prevalecendo em
ambientes caracterizados por elevada mobilidade populacional
e intensa atividade de comércio sexual. (43, 60, 67)
Manifestações clínicas
Acredita-se que o processo infeccioso produzido pelo H
ducreyi é iniciado no interior da pele da região genital, devido à
formação de micro-abrasões durante o ato sexual. Após
aproximadamente 4 a 7 dias, surge uma pápula eritematosa que
alguns dias após evolui para o estágio pustular. As pústulas
freqüentemente se rompem após 2 a 3 dias, formando lesões
ulceradas dolorosas com base granulomatosa e exsudato
purulento. As bordas da úlcera são geralmente irregulares e sua
base é escavada. Na ausência da antibioticoterapia, a evolução
natural da úlcera pode durar várias semanas até a plena
resolução. Cancróide é mais freqüente em homens que em
mulheres. As lesões ocorrem mais freqüentemente no prepúcio
e frênulo nos homens, e na vulva, cérvice, e área perianal nas
mulheres. As localizações extra-genitais são raras, ocorrendo
na região interna das coxas, seios, e dedos. A linfadenopatia
inguinal amolecida e dolorosa tipicamente ocorre em cerca de
50% dos casos, e os linfonodos aumentados podem evoluir
para a forma de bubões. Geralmente a linfadenopatia é unilateral,
sendo mais freqüente nos homens. Se não sofrem intervenção,
os bubões podem flutuar e apresentar drenagem espontânea.
(43, 60, 67)
Diagnóstico
No passado, o diagnóstico clínico e a cultura em laboratório
foram utilizados como “padrão ouro” para o diagnóstico de
cancróide. Com a evolução da tecnologia, os testes de
amplificação de DNA demonstraram que ambos são medições
imprecisas da verdadeira prevalência de H. ducreyi entre
pacientes com doença genital ulcerada. Os achados de exame
físico têm uma sensibilidade e especificidade baixa para
diagnosticar a sífilis primária, cancróide e o herpes genital, mesmo
em áreas onde essas doenças são comuns, e os médicos são
experientes no diagnóstico de doenças genitais com úlceras. A
sensibilidade da cultura do H. ducreyi comparativamente a
reação à cadeia de polimerase múltipla (M-PCR), é de
aproximadamente 75%. A coloração pelo Gram do material da
úlcera não deve ser considerada como um meio importante de
diagnóstico do cancróide, devido à pobre sensibilidade e
especificidade desse exame.
Com o avanço da tecnologia, a técnica de PCR se tornou o
método mais sensível para o diagnóstico de cancróide (em torno
de 100%). (43, 60, 67)
Tratamento
O tratamento pode ser feito com: eritromicina, 500mg por via
oral, quatro vezes ao dia, durante sete dias; azitromicina, 1g por
via oral, em dose única; ceftriaxona, 250mg em injeção
intramuscular, dose única; ou ciprofloxacina, 500mg duas vezes
ao dia, por via oral, durante 3 dias.
A Organização Mundial da Saúde recomenda uma dose única
de ciprofloxacina – 500mg, por via oral, enquanto o CDC (Center
for Diseases Control and Prevention, nos Estados Unidos)
recomenda 500mg duas vezes ao dia, por 3 dias. Em mulheres
grávidas, esse antibiótico deve ser substituído por eritromicina
ou ceftriaxona.
O tratamento específico dos bubões deve ser considerado,
com incisão ou drenagem, para aliviar o sofrimento dos pacientes,
evitando sua drenagem espontânea. (43, 60, 67)
SÍFILIS
Etiologia
Dentro da ordem Spirochaetales, família Spirochaetaceae, e
gênero Treponema, que inclui quatro patógenos humanos,
encontra-se o microrganismo causador da Sífilis, o Treponema
pallidum, que foi denominado Treponema (devido ao seu
aspecto de filamento retorcido) e pallidum devido à sua
coloração pálida. (34, 63)
Epidemiologia
A forma mais essencial de transmissão da doença é através
do contato sexual, seguida da transmissão vertical de mãe a
filho, por via placentária.
A maioria dos neonatos com sífilis congênita é infectada
ainda no útero, porém o recém-nascido pode também ser
infectado através do contato com lesões genitais ativas no
momento do parto. (34, 63)
O risco de transmissão através do sangue é hoje desprezível,
devido a seleção de doadores, padronização de testes
sorológicos, e preferência de uso dos componentes do sangue
refrigerado ao invés do sangue fresco. Entretanto a transfusão
de sangue ou hemoderivados contaminados é teoricamente
possível, desde quando os microrganismos podem sobreviver
cerca de 5 dias no sangue refrigerado. (63)
A mais recente epidemia foi relatada em 1990, nos Estados
Unidos, com casos de sífilis primária e secundária relatados em
cerca de 20 por 100.000 pessoas, um aumento de 59% desde 1985.
Embora nenhum fator individual possa explicar essa tendência,
um fator contributório importante pode ter sido o uso de cocaína
e o comércio de drogas ilícitas para o sexo.(54, 63, 73)
Nos Estados Unidos, existem diferenças relatadas quanto a
raça, sendo que indivíduos afro-americanos e hispânicos têm
maiores prevalências de sororreatividade para sífilis. Fatores de
risco identificados para esses grupos podem ser a idade mais
precoce, instabilidade geográfica, e pobreza, além de acesso
deficiente aos serviços de saúde. (63)
Quanto à diferença entre gêneros, a relação de maior
freqüência entre homens do que mulheres, que ocorria no
passado, modificou-se tanto que nos dias de hoje essa
proporção é de aproximadamente 1:1. Alguns estudos têm
demonstrado que os homens têm uma freqüência maior de sífilis
primária, enquanto mulheres têm com maior freqüência a sífilis
secundária. Possivelmente, tal situação deve-se ao fato de que
as mulheres se apercebem menos freqüentemente das lesões
primárias, por serem internas, enquanto os homens têm menores
taxas de sífilis secundária devido aos altos índices de diagnóstico
e tratamento dos casos primários. (34, 63)
A Organização Mundial da Saúde estimou que em 1995 havia
12 milhões de novos casos de sífilis em adultos em todo o mundo.
O maior número de casos foi atribuído ao Sul e Sudeste da Ásia,
com 5,8 milhões de casos, e 3,5 milhões de casos na África SubSaariana.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Patogênese e Patologia
O T. pallidum penetra através de pequenas lesões na pele.
Estudos em animais têm demonstrado que os microrganismos
aparecem dentro de minutos nos linfonodos e disseminam-se
dentro de horas. A invasividade parece ser um aspecto crítico
para a virulência do T. pallidum, como é demonstrado pela sua
habilidade em penetrar as células endoteliais de monocamadas
e as membranas intactas.
Os achados patológicos de todos os estágios da sífilis são
caracterizados por envolvimento vascular, com endarterite e
periarterite, e no estado gomatoso por inflamação
granulomatosa. A superfície da úlcera é recoberta por um
exsudato consistindo em fibrina, fragmentos de tecidos
necróticos, e leucócitos polimorfonucleares. A coloração pela
prata invariavelmente demonstra a presença de espiroquetas,
principalmente na junção derme-epiderme na área perivascular.
Nas lesões secundárias, o infiltrado pode se tornar
granulomatoso. Nos aneurismas sifilíticos demonstra-se invasão
da aorta por espiroquetas. Um exsudato inflamatório de linfócitos
e células plasmáticas se formam ao redor do vasa vasorum da
adventícia, e é seguido por endarterite obliterativa dos vasos
nutridores. Em casos mais tardios, ocorre a formação de gomas
e cicatrizes teciduais. (34, 63)
Manifestações Clínicas
Estudos demonstraram que cerca de 15% a 40% dos pacientes
não-tratados desenvolvem complicações tardias da doença, tais
como alterações cardiovasculares e neurosífilis. Se a infecção
materna ocorre precocemente durante a gravidez, a incidência
de natimortalidade é em torno de 25%, a de morte neonatal em
cerca de 14%, recém-nascidos infectados em torno de 41%, e
não-infectados cerca de 20%. Esses últimos dados estão em
contraste com os apresentados quando a infecção materna
ocorre tardiamente durante a gravidez: 12% de natimortalidade,
8% de morte neonatal, 2% de recém-nascidos infectados, e 77%
de não infectados. (34, 63)
As diversas manifestações clínicas da sífilis podem ser
divididas em estágios, com características temporais e de
envolvimento orgânico diferentes.
Sífilis primária
O período de incubação varia de 3 a 90 dias. A lesão clássica
dessa fase da doença é uma úlcera indurada, única, indolor, com
uma base limpa. Essa apresentação clássica, entretanto, tem
manifestações variadas, com uma sensibilidade de cerca de 31%
(tornando o diagnóstico clínico não totalmente confiável), porém
uma especificidade de 98%. O tamanho da úlcera varia de 0,3 a
3,0cm; as bordas geralmente são bem delimitadas.
O cancro duro ocorre no sítio de inoculação. Nos homens, o
local mais afetado é o pênis, no sulco coronal, ou na glande. Os
cancros anorretais são comuns em homens homossexuais. Em
mulheres, as localizações mais comuns, em ordem decrescente
de freqüência, são: grandes lábios, pequenos lábios, fúrcula, e
períneo.
Lesões extragenitais ocorrem infreqüentemente, e quando
presentes, em cerca de 70% das ocorrências envolve a boca, e
aproximadamente 20% destas lesões são localizados nos
lábios(63).
Sífilis secundária
Não existe uma demarcação nítida entre a sífilis primária e a
forma clínica secundária. Cerca de 1/3 dos pacientes ainda se
apresentam com o cancro duro no período de manifestação da
71
sífilis secundária. Ou então, a lesão primária pode desaparecer
cerca de 8 semanas antes do surgimento de sinais constitucionais
ou cutâneos. Porém, vale ressaltar, aproximadamente 60% dos
pacientes não se recordam de lesão de qualquer tipo. As lesões
secundárias costumam ser sutis e podem passar desapercebidas
ou ainda confundidas com outras doenças dermatológicas. As
lesões variam entre máculas, máculo-pápulas, ou pústulas. Têm
distribuição universal e as regiões palmares e plantares costumam
ser freqüentemente envolvidas. O prurido pode estar presente,
embora seja manifestação incomum. Mesmo em pacientes nãotratados, as lesões costumam resolver-se em algumas semanas,
com cicatrizações residuais, hiper ou hipopigmentação, embora
a maioria não desenvolva a formação de cicatrizes. As membranas
mucosas podem ser envolvidas, principalmente a língua, mucosa
bucal e lábios. As lesões variam entre 5 e 10mm e são usualmente
pouco elevadas e indolores com uma erosão central coberta por
uma fina membrana. Lesões mucosas genitais são mais
freqüentes em mulheres, variando entre máculas, pápulas,
ulcerações, e condilomas. Ainda que as lesões sejam
evanescentes e desapareçam dentro de horas a alguns dias,
costumam durar 2 a 3 semanas. ( 34, 63)
Os sintomas sistêmicos, geralmente discretos, podem ser
mal-estar e prostração, cefaléia, febre baixa, náusea, anorexia,
vômitos. Em cerca de 70% a 85% dos pacientes ocorre
linfadenopatia indolor, habitualmente nas regiões suboccipital,
cervical, auricular posterior, e epitrocleares. Ainda que pouco
freqüente, podem ocorrer manifestações de envolvimento
inflamatório ocular, estomacal, hepático. O envolvimento renal,
embora raro, é bem descrito, variando desde proteinúria,
síndrome nefrótica, síndrome nefrítica aguda, glomerulonefrite
rapidamente progressiva, e insuficiência renal.
Sífilis latente (ou assintomática)
Corresponde ao período que transcorre entre o
desaparecimento das manifestações secundárias, até a
ocorrência da cura terapêutica ou o surgimento das lesões
terciárias. ( 34, 63)
Sífilis terciária
A sífilis cardiovascular hoje é considerada manifestação rara
da doença. A aortite sifilítica é a manifestação mais comum dessa
entidade, envolvendo a aorta ascendente. A complicação mais
comum desse envolvimento é a insuficiência aórtica; em 20%
desses pacientes, ocorre estenose do óstio coronariano, sendo
angina do peito uma manifestação comum. A formação de
aneurisma é a complicação menos comum da aortite, sendo
sintomática em 5 a 10% dos pacientes. (63)
A neurosífilis assintomática é definida como a presença de
alterações no líquido cérebro-espinhal na ausência de sinais ou
sintomas neurológicos. Precocemente, podem ocorrer sintomas
de meningite asséptica, dentro dos primeiros 6 meses da infecção,
ou à época das manifestações cutâneas. Os sinais clínicos
compreendem: cefaléia, confusão mental, náuseas e vômitos, e
rigidez de nuca, sem febre. Os nervos cranianos mais envolvidos
são o facial e auditivo.
Cerca de 10% dos pacientes com neurosífilis cursam com
sífilis meningovascular, com o pico de ocorrência entre 4 a 7
anos da infecção primária. A síndrome é de uma encefalite difusa,
com pródromos de cefaléia, alterações de personalidade,
labilidade emocional, evoluindo até convulsões, alteração do
nível de consciência, e achados de localização neurológica a
depender do sítio envolvido. A tabes dorsalis é manifestação
de envolvimento das estruturas pupilomotoras e raízes dorsais
72
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medulares e da coluna, cursando com parestesias, alterações
pupilares, arreflexia, evoluindo com ataxia sensorial e quadro
álgico envolvendo as extremidades inferiores. (63)
Sífilis congênita
A sífilis não tratada pode comprometer profundamente a
evolução da gravidez, resultando em aborto espontâneo,
natimortalidade, parto prematuro, ou morte perinatal. Os
neonatos infectados podem ser assintomáticos, ou terem
achados sutis de envolvimento sistêmico de múltiplos órgãos.
Pode haver evolução ao longo do tempo com rinite e descarga
purulenta com rajas de sangue, hepatomegalia com ou sem
esplenomegalia, linfadenopatia generalizada, alterações do
líquido cérebro-espinhal, osteocondrite e osteomielite, surdez,
retardo mental, hidrocefalia. (63, 74)
Diagnóstico
Baseia-se nos achados clínicos e laboratoriais. Na fase
primária, o principal esteio do diagnóstico laboratorial é a
microscopia em campo escuro, ou o teste direto de anticorpo
fluorescente para T. Pallidum, falhando entretanto esses
métodos em distinguir esse agente de outras espécies
patogênicas de Treponema. (63)
Os testes sorológicos permanecem como o principal suporte
do diagnóstico laboratorial para as fases secundária, latente e
terciária da sífilis. Os testes sorológicos são divididos em nãotreponêmicos e treponêmicos, sendo que nenhum desses é por
si suficiente para o estabelecimento do diagnóstico. Os testes
não-treponêmicos são mais úteis para o “screening”, e os
treponêmicos para a confirmação do diagnóstico.
Os testes não-treponêmicos incluem o “Venereal Disease
Research Laboratory” (VDRL), e o “Rapid Plasma Reagin” (RPR)
“test card”, ambos modificações da Reação de Wassermann
original. Embora esses testes sejam amplamente disponíveis e
relativamente baratos, são limitados pela falta de sensibilidade
em estágios precoces e tardios da sífilis, e por reações falsopositivas. Essas reações falso-positivas são associadas com a
idade avançada, gravidez, droga-adição, doenças malignas,
doenças auto-imunes, e doenças virais (particularmente Vírus
Epstein-Barr e Vírus da Hepatite), infecções por protozoários e
por micoplasma. (24, 63)
Os testes treponêmicos incluem o Teste de Absorção de
Anticorpos Treponêmicos Fluorescentes (FTA-abs), e o teste
de Microhemaglutinação para T. Pallidum (MHA-TP). Esses
testes tem maior sensibilidade e especificidade que os testes
não-trepônemicos, e são usados como confirmatórios para Sífilis
após um teste não-trepônemico reativo ter sido relatado, e para
afastar a falso-positividade em teste não-treponêmico.
Resultados falso-positivos em FTA-abs e MHA-TP são raros,
mas tem sido encontrados em associação com doença mista do
tecido conjuntivo e doenças auto-imunes, infecções virais e
gravidez. (24, 63)
Tratamento
Na sífilis primária, secundária e latente precoce (menos de 1
ano após a manifestação primária), o tratamento de escolha é
penicilina benzatina G, 2,4 milhões de unidades, em injeção
intramuscular, em uma única dose. Em crianças, a dose de
penicilina benzatina G é de 50.000U/Kg, em injeção intramuscular,
não ultrapassando o máximo de 2,4 milhões de unidades. (10, 63)
As alternativas para os pacientes alérgicos às penicilinas
são: doxiclina, 100mg por via oral, duas vezes ao dia, por 14
dias; ou tetraciclina, 500mg por via oral, quatro vezes ao dia, por
14 dias; ou eritromicina, 40mg/Kg/dia (máximo de 500mg/dose),
por via oral, em doses divididas, por 14 dias; ou ainda
Ceftriaxone, 1grama, em injeção intramuscular, diariamente por 8
a 10 dias.
Na sífilis latente tardia (mais do que 1 ano após a manifestação
primária), ou sífilis latente de duração indeterminada, o tratamento
de escolha é penicilina benzatina G, 7,2 milhões de unidades por
via intramuscular, administradas em 3 doses de 2,4 milhões de
unidades cada, com intervalos de 1 semana. Crianças tem a
dosagem de 150.000 U/Kg, por via intramuscular, até o máximo
de 7,2 milhões de unidades, divididas e administradas em 3 doses
iguais com intervalos de 1 semana. Pacientes alérgicos a
penicilina podem receber: doxiclina, 100mg por via oral, duas
vezes ao dia, por 4 semanas, ou tetraciclina, 500mg por via oral,
quatro vezes ao dia, por quatro semanas. (63)
Na sífilis tardia (goma, ou sífilis cardiovascular, sem afecção
neurológica), o tratamento de escolha é também a penicilina
benzatina G, 7,2 milhões de unidades por via intramuscular,
administradas como 3 doses de 2,4 milhões de unidades cada,
com intervalos de 1 semana. Pacientes alérgicos a penicilina,
podem receber doxiclina, 100mg por via oral, duas vezes ao dia,
por 4 semanas, ou tetraciclina, 500mg por vias oral, quatro vezes
ao dia, por 4 semanas.
Na neurosífilis, incluindo doença sifilítica ocular, o
tratamento de escolha é: penicilina cristalina g aquosa, 18 a 24
milhões de unidades diariamente, administradas como 3 a 4
milhões de unidades iv a cada 4 horas por 10 a 14 dias. (63)
Na sífilis congênita (crianças menores do que 1 mês) a
medicação de escolha é penicilina cristalina G aquosa, 100.000 a
150.000 U/Kg/dia, administrada como doses de 50.000U/Kg/dose
intravenosamente, cada 12 horas durante os primeiros 7 dias de
vida e a cada 8 horas a partir de então, por um total de 10 dias.
Na sífilis congênita (crianças maiores do que 1 mês), a medicação
de escolha é penicilina cristalina G aquosa, 200.000 a 300.000
Unidades/Kg/dia, administrada intravenosamente como 50.000
U/Kg a cada 4 a 6 horas, durante 10 dias. (63, 74)
INFECÇÕES PELO HTLV
Definições e Etiologia
O vírus linfotrópico das células T humanas (HTLV) pertence
à família Retroviridae e a subfamília Oncovirinae. Existem
basicamente dois tipos de HTLV, HTLV-I e HTLV-II, que
compartilham aproximadamente 60% de semelhança. (59)
Existem duas doenças que estão claramente associadas com
a soropositividade para o HTLV-I, quais sejam: a leucemia de
células T (ATL), e uma doença neurológica, mielopatia cronica
progressiva desmielinizante e inflamatoria, conhecida como
paraparesia espástica tropical ou mielopatia associada ao HTLVI (HAM/TSP); manifestações dermatológicas são comuns em
ambas as doenças. Outras doenças têm sido associadas com o
HTLV-I, por exemplo: a polimiosite, a poliartrite, a uveíte, e
condições dermatológicas. De um modo geral, ser portador de
HTLV-I implica em um risco de cerca de 2% a 5% de
desenvolvimento de doença ao longo da vida. (23, 35)
O HTLV-II, porém, não tem sido associado etiologicamente
com clareza com qualquer doença, sendo provavelmente incerta
sua participação em doenças linfoproliferativas e
neurológicas.(23, 27, 35, 76)
Aspectos Epidemiológicos
Em todo o mundo, o HTLV infecta cerca de 15 a 20 milhões
de pessoas, seja através da transmissão por via sexual, vertical
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
(mulher/criança), e parenteral (uso de drogas injetáveis e
transfusão de sangue e seus derivados). (27)
A infecção pelo HTLV é endêmica no sudoeste do Japão,
na Bacia Caribenha, Melanésia, e em algumas partes da África.
Em alguns locais em que a infecção pelo HTLV-I é endêmica, a
prevalência de soropositividade chega a 15% da população
geral. As taxas de soro-prevalências aumentam com a idade,
sendo mais elevadas entre as mulheres. (35)
Nos Estados Unidos a taxa média de soroprevalência para
HTLV-I/II entre doadores de sangue voluntários é em torno de
0,016%. No Brasil, a maior freqüência de soropositividade foi
encontrada em Salvador, com uma taxa cerca de quatro vezes
maior que a encontrada na cidade de São Paulo. (59)
A transmissão do HTLV se dá através da comunicação
vertical da mãe para o filho (principalmente através da
amamentação), pela relação sexual, através da transfusão do
sangue contaminado, e pelo compartilhamento de agulhas
contaminadas (usuários de drogas injetáveis). (56)
A transmissão por via sexual parece ser mais eficiente
do homem para a mulher do que da mulher para o homem.
Nos Estados Unidos, aproximadamente 25% a 30% dos
parceiros sexuais de doadores soro-positivos são também
soro-positivos. A transmissão de HTLV pela transfusão de
sangue e seus produtos acontece com a transfusão de
produtos celulares (sangue total, concentrado de hemácias,
e plaquetas), mas não com o plasma ou derivados de plasma
de doador infectado pelo HTLV-I. A probabilidade de
infecção através da transfusão de sangue total ou células
vermelhas estocadas parece diminuir com a duração do
armazenamento do produto, possivelmente associado à
depleção de linfócitos T. (23)
Devido ao elevado risco de transmissão através da
transfusão de sangue, os Estados Unidos iniciaram a triagem de
doadores para HTLV-I em 1988, e para HTLV-II em 1997, através
de ensaios imunoenzimáticos (EIA). Esses ensaios tem alta
especificidade e sensibilidade para HTLV-I/II, e tem alta
efetividade em prevenir a transmissão de HTLV través do sangue
e seus componentes. Embora o teste de “screening”,
imunoensaio enzimático (EIA) seja mandatório, o Ministério da
Saúde do Brasil não requer testes confirmatórios para os
hemocentros. (23)
Existe uma recomendação de que doadores soro-positivos
de acordo com o Imunoensaio Enzimático sejam encaminhados
para os serviços de referências, onde possam ser realizados
testes confirmatórios, e, caso se aplique, aconselhamento. Ainda
no Brasil, não há comunicação compulsória de doenças
associadas ao HTLV-I/II; conseqüentemente não existem dados
nacionais sobre suas ocorrências, a serem, utilizados pelos
profissionais de saúde e serviços de vigilância
epidemiológica.(23)
Conforme dados relativos a doações de sangue, e em estudos
baseados em população no Estado da Bahia (Região Nordeste),
existe uma estimativa de que o Brasil pode ter o maior número
absoluto de indivíduos soropositivos no mundo,
aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. (23)
No ano de 2000, o Capítulo de HTLV da Sociedade Brasileira
de Virologia (SBV), recomendou um estudo descritivo amplo
nacional sobre a soro-prevalência de HTLV-I/II entre
indivíduos doadores de sangue em uma rede de hemocentros
públicos no país. Esta rede, conhecida como Rede Pública de
Hemocentros, tem serviços nos 26 Estados e no Distrito
Federal. Esse estudo mostrou que a soro-prevalência variou
amplamente como 0,4:1000 em Florianópolis, Estado de Santa
73
Catarina, até uma freqüência 25 vezes maior, como 10:1000, em
São Luis, Estado do Maranhão. As taxas de soro-positividade
foram menores nas capitais dos Estados da Região Sul,
tendendo a aumentar em direção às Regiões Nordeste e Norte,
sendo que as causas dessa heterogeneidade podem ser
múltiplas, necessitando maiores estudos para seu
esclarecimento. (23)
Manifestações Clínicas
O quadro de ATL (leucemia de células T), corresponde a
uma condição de malignidade de linfócitos T CD4+ infectados
pelo HTLV-I. Um amplo espectro de apresentações compreende
desde a fase aguda, crônica, linfomatosa e leve. A fase aguda
corresponde a infiltração de linfonodos, vísceras e pele com
células malignas, que resulta em uma variedade de características
clinicas. Pode ocorrer hipercalcemia, lesões líticas nos ossos, e
alterações das enzimas hepáticas. Nesses casos, a sobrevida
média é de 11 meses a partir do diagnóstico. A ATL costuma
afetar cerca de 2% a 4% das pessoas soro-positivas para HTLVI em regiões endêmicas, especialmente indivíduos entre 50 e 60
anos de idade, sugerindo um período de latência de algumas
décadas. (45, 47, 69, 70)
O quadro de HAM/TSP (paraparesia espástica tropical), é
caracterizado por fraqueza progressiva dos membros inferiores,
hiperreflexia, hiperreatividade, incontinência urinaria, e
alterações sensoriais. Como diagnóstico diferencial com a
esclerose múltipla, verifica-se que na HAM/TSP, o quadro
neurológico é evolutivamente progressivo, e não há alteração
cognitiva, nem envolvimento dos nervos cranianos. Geralmente
são encontrados anticorpos anti HTLV-I no líquido
cerebroespinhal. O quadro de HAM/TSP desenvolve-se em
cerca de 1% das pessoas que são soro-reativas para o HTLV-I.
As mulheres são mais afetadas que os homens. Parece haver
benefício com o uso de um andrógeno sintético, corticosteróide,
e mais recentemente do interferon-2-alfa. O período de latência
para HAM/TSP parece ser mais curto que para o quadro de
ATL; quando associados a transfusão de sangue, é geralmente
em média de 3,3 anos após o uso do produto contaminado. (38)
Diagnóstico
O diagnóstico da doença neurológica baseia-se no quadro
clínico característico, e nos exames laboratoriais. A contagem
de células no líquido cérebro-espinhal está anormal em menos
da metade dos casos, porém a dosagem de proteínas e
especificamente das imunoglobulinas está freqüentemente
alterada. O teste sorológico deve comprovar a presença de
anticorpos anti-HTLV-I. O diagnóstico deve ser confirmado
pela reação da cadeia de polimerase para HTLV-I. (50)
A suspeita de leucemia de células T deve sugerir ao clínico
geral o encaminhamento imediato ao Hematologista/
Oncologista, para a abordagem especializada essencial.
Tratamento
O quadro de paraparesia espástica tem tratamento
sintomático. Tem sido tentada a toxina botulínica para o alívio
da espasticidade, com pouco sucesso. Também tem sido
experimentado o uso de corticosteróide e danazol, porém há
necessidade de realização de estudos controlados para
confirmação do seu benefício.
O quadro de leucemia de células T deve ter o estadiamento
clínico e planejamento terapêutico estabelecido pelas
especialidades de Hematologia/Oncologia, o que escapa aos
objetivos desse capítulo.
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FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
INFECÇÕES PELO VÍRUS DO HERPES SIMPLES HUMANO
A infecção pelo Vírus do Herpes Simples Humano é
duradoura, acompanha o paciente usualmente durante toda a
sua vida, com episódios recorrentes, e não é passível de cura. O
preditor mais forte de infecção para uma determinada pessoa é o
número de parceiros sexuais ao longo da sua vida. (4,7)
Etiologia
O Vírus do Herpes Simples Humano (HSV) é um DNA Vírus
cujos únicos hospedeiros conhecidos são os seres humanos.
Existem dois tipos de HSV, HSV-1 e HSV-2, que são distinguidos
através das diferenças antigênicas em seus envelopes protéicos.
O HSV-1 é geralmente associado com infecções orais, enquanto
o HSV-2 é geralmente causador de infecções genitais, ainda que
cada um deles pode infectar um determinado indivíduo em
qualquer lugar da pele. (4,7)
Epidemiologia
Nos Estados Unidos existem pelo menos 50 milhões de
pessoas infectadas pelo HSV, e é estimada a incidência de
aproximadamente 500 mil a 700 mil novos casos de infecções
genitais sintomáticas pelo HSV a cada ano. Há uma preocupante
associação entre o Vírus da Inunodeficiência Humana (HIV) e o
Vírus do Herpes Simples Humano, desde quando uma interação
entre o HSV-2 e o HIV-1 pode resultar numa transmissão mais
eficiente do HIV-1, e em um aumento na taxa de replicação do
HIV durante o surto de reativação da infecção pelo HSV. (3, 5, 7, 19,
51)
O Vírus do Herpes Simples Humano tipo 2 – (HSV-2) é a
causa mais comum de úlceras genitais nos países
industrializados. Inquéritos sorológicos para anticorpos tipoespecíficos têm demonstrado o aumento de cerca de 30% na
prevalência de infecções por HSV-2 ao longo das últimas duas
décadas. Atualmente, a prevalência de HSV-2 é maior que 20%
entre adultos nos Estados Unidos. O recente trabalho National
Health and Nutrition Study (NHANES III), entre pessoas
brancas, demonstrou que 15% dos homens e 20% das mulheres
foram HSV-2 soro-positivos. Nesse mesmo estudo, entre pessoas
negras, 35% dos homens e 55% das mulheres foram HSV-2 soropositivos. A soro-prevalência para HSV-2 pode ser tão elevada
como 50% entre mulheres que recorrem a clínicas para IST, tanto
nos Estados Unidos, Reino Unido ou Austrália. Entre 60 e 90%
das mulheres profissionais do sexo em todo o mundo tem
anticorpos para o HSV-2. (3, 5, 7, 19)
Existem preocupantes mudanças recentes na incidência do
HSV-2. Enquanto estudos de incidêndia de HSV-2 sugerem que
a maioria das infecções são adquiridas na terceira década de
vida, estudos de soro-prevalência recentes indicam o
preocupante deslocamento em direção à aquisição mais precoce
do HSV-2. Por exemplo, entre adolescentes, a prevalência de
HSV-2 é em torno de 5% (4,5% entre os brancos e 9% entre os
negros). Inquéritos sorológicos de amostras de indivíduos
jovens, colegiais, revelam uma prevalência semelhante de HSV2 (1 a 9%), com elevada taxa de soroconversão anual. Mais
preocupante, a prevalência de HSV-2 tem quintuplicado em
adolescentes brancos, e tem dobrado entre adultos jovens por
volta da segunda década de vida ao longo das últimas duas
décadas. (4,7,19)
A maioria dos surtos de herpes genital recorrente é causada
por HSV-2. Entretanto, é importante registrar a crescente
proporção de primeiros episódios são causados por HSV-1. Em
Seattle (EUA) e áreas do Reino Unido, esta proporção é 30% ou
maior. Enquanto infecções genitais primárias por HSV-1 são
clinicamente indistinguíveis dos episódios primários causados
por HSV-2, a taxa de recorrência de infecções por HSV-1 parece
ser menor. (4, 5, 7, 19, 42, 61)
Manifestações Clínicas.
O Vírus do Herpes Simples Humano infecta a pessoa
atravessando a pele ou membrana mucosa, através de contato
sexual direto com as secreções ou superfícies mucosas de uma
pessoa infectada. O vírus se multiplica na camada epitelial e
então ascende ao longo das raízes nervosas sensoriais até os
gânglios das raízes dorsais, onde permanece em estado latente.
Com as reativações, o vírus retorna a partir das raízes dos
gânglios dorsais até as raízes nervosas, criando um surto
cutâneo-mucoso, ou podendo não produzir qualquer sintoma
detectável. (7, 19)
A eliminação viral subclínica tem sido documentada em mais
do que 80% das pessoas soro-positovas para o HSV-2 e
assintomáticas. Apenas cerca de 10 a 25% das pessoas que são
soro-positivas para o HSV-2 relata uma história clínica de herpes
genital, o que sugere que a maioria das pessoas infectadas são
assintomáticas ou tem sintomas que não são reconhecidos.
Entretanto, uma vez que os pacientes são esclarecidos do seu
estado de soro-positividade, mais do que 50% identificam
clinicamente episódios de recorrência sintomática que eram
previamente atribuídos a outras situações. Acredita-se que a
eliminação viral em pessoas que desconhecem que são
infectadas é responsável por pelo menos 70% da transmissão
do HSV.
A história natural da infecção pelo vírus do herpes simples
humano envolve um episódio inicial agudo ou sub-clínico de
infecção cutâneo-mucosa, a partir do qual se estabelece uma
latência viral, e episódios de reativação subseqüentes, ao longo
de toda a vida. (7, 19)
As manifestações clássicas iniciais da infecção primária pelo
vírus do herpes simples humano constituem-se em um quadro
prodrômico que dura 2 a 24 horas e é caracterizado por dor local
ou regional, sensação de picadas ou queimação. Os pacientes
também podem apresentar mal-estar geral, dor de cabeça, febre,
linfadenopatia inguinal e anorexia. Ao longo do evolução da
doença, surgem pápulas, vesículas sobre uma base eritematosas,
e erosões, a partir de algumas horas até alguns dias. Os
comportamentos das infecções pelo HSV-1 e pelo HSV-2 parecem
idênticos; as vesículas são de tamanho uniforme, e o centro
mais tensionado costuma umbilicar para formar uma depressão
central. As lesões costumam formar crosta e então re-epitelizam
e curam sem formação de cicatrizes. Nas mulheres, as úlceras
costumam surgir no intróito, meato uretral, genitália externa, e
períneo; e nos homens, essas lesões atingem o prepúcio ou a
glande do pênis. Em homens e mulheres, as lesões podem surgir
na área perianal, coxas, ou nádegas. (7, 19)
Aproximadamente 80% das pessoas que desenvolvem a
infecção primária (sendo portanto previamente soro-negativos),
desenvolverão sintomas constitucionais; nesses casos as
vesículas costumam ser mais numerosas, e formarem feridas. As
lesões habitualmente duram entre 2 a 6 semanas, são geralmente
bastante dolorosas, e contem quantidades abundantes de partículas
virais. As vesículas aparecem aproximadamente 6 dias após a
exposição sexual. A eliminação viral tem maior duração nos episódios
primários, cerca de 15 a 16 dias, e novas lesões continuam surgindo
por cerca de 10 dias após a infecção inicial. (7, 19)
As mulheres geralmente têm doença mais grave, com mais
sintomas constitucionais e complicações do que os homens.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Lesões ulcerativas cervicais são comuns, e podem apresentarse com sangramento intermitente e corrimento vaginal. As
pacientes podem apresentar disúria e síndromes de retenção
urinária a partir de lesões uretrais e o contato da urina com
lesões vulvares. Aproximadamente 25% das mulheres podem
desenvolver meningite asséptica.
Os homens raramente têm complicações sistêmicas, ainda
que um padrão de retenção urinária possa ocorrer em casos de
doenças mais graves, especialmente em pacientes não
circuncidados. Em homens homossexuais, podem surgir infecção
perianal e proctite. (7, 19)
Os episódios recorrentes de infecção pelo vírus do herpes
simples humano geralmente são mais discretas que os episódios
iniciais; as lesões são tipicamente em grupamentos menores, e a
eliminação viral ocorre em uma concentração menor e por
duração temporal mais curta, cerca de 3 dias. São comuns
manifestações atípicas, e se não houver formação de vesículas,
condição pode ser diagnosticada como sendo uma outra doença.
(7, 19)
Quando os pacientes são previamente soro-positivos para
o HSV-1 e tornam-se recentemente infectados pelo HSV-2,
provavelmente não apresentarão os sinais e sintomas clássicos
da doença. Nesse caso, parece que anticorpos para um tipo de
HSV fornece proteção contra o outro sorotipo, de tal forma que
mulheres soro-positivas para o HSV-1 tem uma taxa de
soroconversão anual para o HSV-2 cerca de 5% a 20% menor do
que mulheres soronegativas.
A taxa de recorrência para HSV-2 varia enormemente, por
uma média de 4 recorrências por ano, sendo o tempo médio para
a primeira recorrência de 50 dias. Os homens apresentam mais
recorrências do que as mulheres. Ainda que o HSV-1 cause cerca
de 33% dos episódios iniciais, as infecções por HSV-2 apresenta
cerca de 6 vezes mais recorrências. (7, 19)
Surtos de recorrência ocorrem em cerca de 50% dos
pacientes portadores de infecção por HSV-1, e o tempo médio
para o surgimento da primeira recorrência é de cerca de 1 ano
após o episódio inicial. As recorrências são espontâneas, porém
vários fatores tais como: febre; lesão tissular ou nervosa;
estresse físico ou emocional; exposição ao calor, frio, ou luz
ultravioleta; infecção concorrente; fadiga; e relações sexuais,
têm sido relacionadas com as recorrências. (7, 19)
Diagnóstico
A cultura do vírus pode ser realizada a partir de material
colhido por “swab” em úlceras genitais. A base da lesão deve
ser esfregada vigorosamente, pois o vírus está associado à
estrutura celular. No laboratório, os espécimes são inoculados
em culturas de células, e monitorados microscopicamente por 5
a 7 dias para obter o máximo de sensibilidade (BRUGHA et al.,
1997; CUSINI & GHISLANZONI, 2001). 21,28
A reação à cadeia de polimerase (PCR) para o DNA do HSV
tem uma maior sensibilidade que a tradicional cultura viral
(superior a 95%, quando comparada com 75% da cultura). Seu
papel no diagnostico da infecção pelo HSV não é ainda bem
estabelecido, muito provavelmente devido ao seu elevado custo.
Porém a PCR-HSV é usada no diagnostico da encefalite pelo
HSV, pois o resultado é mais rápido do que a cultura viral. (19, 26)
Os anticorpos contra o HSV são formados durante as
primeiras semanas após a infecção e permanecem
indefinidamente. Cerca de 50% a 90% dos indivíduos adultos
tem anticorpos contra o HSV, porém apenas cerca de 30% tem
anticorpos específicos contra o HSV-2. Estudos sorológicos
tipos-específicos podem ser usados para confirmar a infecção
75
pelo HSV em pessoas que têm infecções subclínicas ou não
reconhecidas. Desde quando a infecção pelo HSV-2 é quase
exclusivamente adquirida através do contato sexual, os
anticorpos contra o HSV-2 são relacionados com uma infecção
anogenital. Já os anticorpos contra o HSV-1 podem estar presentes
em lesões orolabiais ou anogenitais; portanto, não podem ser
usados para estabelecer diagnósticos diferenciais entre estas
formas de infecção. Se os anticorpos contra o HSV estão
presentes, devem ser realizados outros testes para outras causas
de úlceras genitais, como sífilis ou cancróide, principalmente em
populações com maior risco de exposição. (19, 26)
Tratamento
Existem medicamentos anti-virais que oferecem benefícios
clínicos, porém não curam a doença. Podem ser usados para o
tratamento do episódio infeccioso, ou terapia supressiva de
longo prazo. A droga mais conhecida é o acyclovir, um análogo
da guanosina que inibe a síntese do DNA viral; tem pobre
biodisponibilidade e meia-vida curta, que necessita freqüente
dosagem. Derivados mais recentes como o valacyclovir e o
famcyclovir têm aprimoradas as biodisponibilidades , embora
compartilhem com o acyclovir os efeitos colaterais semelhantes:
náusea, vômito, cefaléia e diarréia. (19, 41, 64)
Em relação ao primeiro episódio, as drogas estudadas
diminuem a duração de sintomas constitucionais e locais,
aceleram a formação de crostas e cura das lesões em até seis
dias, além de encurtarem o período de eliminação viral. Contudo,
pacientes que apresentam mais que 6 episódios de recorrência
por ano podem ser elegíveis para terapia supressiva. Esta pode
reduzir as recorrências em cerca de 70% a 80%. (19, 41, 64)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo desse capítulo foi contribuir para que o
profissional que exerce suas atividades na atenção primária à
saúde da população possa dispor de uma revisão sistematizada
para uma compreensão dos principais aspectos relativos às
infecções sexualmente transmissíveis. O tema aqui abordado é
muito relevante para a prática do generalista, desde quando
apesar das mudanças nos hábitos e nos conceitos sobre
comportamentos, muito ainda deixa de ser falado sobre questões
relativas aos relacionamentos interpessoais, principalmente
quando esses são ligados à esfera da intimidade do ser humano.
E enquanto pouco se fala sobre o assunto, as infecções
sexualmente transmissíveis se alastram em todo o mundo,
afetando principalmente pessoas jovens, que muitas vezes são
atingidos por condições incapacitantes, quando não fatais. O
generalista deve estar atento para o interrogatório sistematizado,
e o exame clínico cuidadoso dos pacientes sob seus cuidados,
buscando o diagnóstico precoce e o tratamento adequado de
condições que, se não adequadamente tratadas, muitas vezes
podem conduzir a prejuízos físicos, emocionais e sociais de
gravidade variável.
As infecções sexualmente transmissíveis são passíveis de
prevenção em grande escala, principalmente com a adoção de
comportamentos de proteção da saúde individual e da pessoa
com quem o indivíduo se relaciona intimamente. O papel do
profissional de saúde é então, sumamente importante na tarefa
de educar para comportamentos saudáveis, exortando os
pacientes ao cuidado respeitoso para com o seu corpo e com a
sua individualidade, e para com as pessoas com quem se
relaciona, alimentando a auto-estima, o equilíbrio e a convivência
harmoniosa e equilibrada.
76
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
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CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Anexo 2.
79
Anexo 1. Fluxograma para detecção de anticorpos anti-HIV em pessoas acima de 2 anos.
80
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Critérios de definição de casos de AIDS em
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II.6
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
DOENÇA DE CHAGAS:
COSMOPOLITA OU RURAL?
81
Gilson Godinho
Carlos Vinícius Espírito Santo
Cláudia Patrícia Silva Alves
Flávia de Castro Ribeiro
INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA
A doença de Chagas é uma enfermidade crônica debilitante e incapacitante.
Atualmente acredita-se que nas Américas existam 15 milhões de infectados(25). Em 1995,
estimava-se que a prevalência de infectados pelo Trypanossoma cruzi no Brasil estava
em torno de 1,91 milhões de pessoas, das quais 191 mil seriam cardiopatas e 19.100,
cardiopatas graves(35). No entanto, desde 1984, a prevalência geral de soropositividade
no País caiu de 4% para menos de 0,5%(25). Segundo a Organização Mundial de Saúde,
após a implementação de programas de controle da transmissão vetorial em torno de
1975, houve grandes avanços: a incidência de zero a quatro anos de idade teve uma
queda de 95% entre 1983 e 2000 (Tabela 1), e a prevalência de soropositividade em
bancos de sangue e em Serviços de Hemoterapia caiu em 90% entre 1980 e 1998(45).
Não obstante, como ocorre com outras enfermidades, existe um sub-registro
importante da doença de Chagas como causa de morte. De acordo com o Ministério da
Saúde, a doença de Chagas é a segunda principal causa de morte entre as doenças
infecto-parasitárias, perdendo apenas para tuberculose. Em 2003, foram registradas 5.016
mortes por Chagas (Tabela 2). Possivelmente esse número não corresponde à realidade,
haja vista a ocorrência de mortes não notificadas, e a existência de óbitos devidos à
doença de Chagas que são identificados como sendo de outras causas.
Na América Latina, essa doença produziu o maior ônus de enfermidade entre as
denominadas doenças tropicais. A malária, esquistossomose mansônica, leishmanioses
e a hanseníase produzem, conjuntamente, um ônus de enfermidades de quase a quarta
parte do produzido pela doença de Chagas. O mal de Chagas na América Latina é
basicamente uma infecção em pessoas de baixa condição socioeconômica vivendo em
habitações precárias.
Na Colômbia, por exemplo, existem vinte e três espécies de triatomídeos. Na Bolívia,
apesar de terem sido encontradas três espécies, as quais não estavam infectadas, foram
detectados óbitos em jovens em Monfós e Talaigua Nuevo com sorologia positiva para
o T. cruzi(10).
Na Argentina, foi realizado notável trabalho que procurou capacitar os adolescentes
na idade escolar e da zona rural (Castro Barros e Rio Seco das províncias de La Rioja e
Cordoba, respectivamente) com ferramentas capazes de vigiar e determinar a presença
de fatores de risco em suas casas através de planilhas. Os dados fornecidos pelos
estudantes foram adicionados aos do pessoal técnico, permitindo aos professores
caracterizar as residências como de muito risco (34 a 85 pontos), de risco (13 a 33
pontos) e sem risco (até 13 pontos), através da somatória dos pontos referentes a
cada característica avaliada (Tabela 3)(12). Semelhantes informações podem ser
importantes instrumentos de trabalho nas mãos dos profissionais da Atenção Básica
a Saúde.
Quando é realizada uma análise do perfil desta patologia no Estado da Bahia, que
apresenta elevada prevalência da infecção e da doença e notáveis disparidades entre os
índices de desenvolvimento humano de suas diferentes sub-regiões, não é surpreendente
que só no 1º semestre do ano de 1998 foram registrados 400 óbitos com diagnóstico de
tripanossomíase. Em concordância com este quadro de condições precárias de
habitabilidade, dados anteriores (1996) mostravam que 88% dos domicílios rurais não
dispunham de qualquer tipo de instalação sanitária, 46,4% não apresentavam
esgotamento sanitário e 51,6% não possuíam canalização interna para abastecimento de
água. Enquanto outros estados nordestinos, (e.g. Paraíba, Pernambuco e Piauí) exibem
indicadores mais positivos de controle da transmissão vetorial da doença, o nosso
Estado da Bahia ainda convive com presença do vetor e sua ativa transmissibilidade(9).
Palavras-chaves:
Doença de Chagas, transmissão,
forma aguda, forma indeterminada,
forma crônica, prevenção,
diagnóstico, tratamento, célulastronco, aspectos psicossociais.
82
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
A infecção
A Tripanossomíase Americana é causada pela infecção do
protozoário Tripanosoma cruzi, transmitidos pelos insetos
hematófagos reduviídeos, conhecidos popularmente como
barbeiros. Normalmente, o ciclo do parasito é silvestre, ou seja,
ocorre em animais silvestres e em seus insetos vetores. Um
ciclo peridomiciliar ocorre quando animais infectados, como
gambás e ratos, vivem próximos a habitações humanas.
A infecção humana teve início e se agravou com a invasão
do ciclo silvestre natural pelo homem e a construção de moradias,
que favoreceram a modificação do ciclo, que antes era
estritamente silvestre, em domiciliar. O barbeiro, ao ser ameaçado
em seu hábitat natural, voa para o abrigo mais próximo, isto é, a
cafua, galinheiros e chiqueiros(19). A doença transformou-se,
então, numa zoonose típica da vida rural. As dificuldades
econômicas estimularam a emigração às zonas urbanas, e, embora
o êxodo tenha diminuído a população exposta à infecção rural,
esse levou aos grandes centros os portadores do parasito e
também, os próprios vetores.
Na zona urbana, precárias condições de moradia criaram
condições microambientais favoráveis à transmissão.
Rachaduras e buracos em casebres de barro ou em paredes de
madeira crua, telhados de sapê ou pedras, dentro de casa, servem
de abrigo e ninho para os insetos que, durante a noite, transmite
a doença de pessoa para pessoa. A infecção se tornou, então,
um problema de saúde pública também no meio urbano. Além
disso, a infecção sangüínea e a placentária também são
mantedoras do aumento da taxa nas grandes cidades.
RETROSPECTIVA DO CONTROLE DA DOENÇA NO
BRASIL
O controle da transmissão vetorial da doença de Chagas no
País, institucionalizado em 1950 pelo Serviço Nacional de Malária,
foi sistematizado e estruturado no modelo campanhista de
alcance nacional apenas a partir de 1975, apesar da comprovada
eficácia do uso de inseticidas de ação residual, então o
hexaclorociclohexano a 6,5% na profilaxia da doença. Até os
anos 70, apenas o Estado de São Paulo mantinha ações regulares
de controle, em paralelo com trabalhos pioneiros de investigação
em Minas Gerais(44).
Os recursos aplicados no controle da transmissão vetorial
da doença de Chagas foram de início aqueles disponibilizados
pelo programa de malária, erradicada de extensas áreas do
Sudeste e Nordeste. Isso, de certa maneira, impediu o
planejamento das ações de controle com base em critérios
estritamente epidemiológicos, a partir da informação produzida
pelos inquéritos entomológico e de soroprevalência da doença
de Chagas.
Repetidas epidemias de dengue no país a partir de 1986
exigiram políticas de saúde do governo específicas para
erradicação dessa doença. Apesar da atenção desviada para o
controle da dengue, houve eliminação da principal espécie vetora
no país, Triatoma infestans, dos domicílios.
Permaneceram, no entanto, alguns focos do vetor, no
nordeste do Estado de Goiás e sul de Tocantins, na região do
Além São Francisco, na Bahia, no norte do estado Rio Grande
do Sul e no sudeste do Piauí. Existem mais de 42 espécies de
triatomíneos catalogados no Brasil. Dentre elas, trinta pertencem
ao ambiente domiciliar, mas apenas cinco destas tem participação
direta na transmissão domiciliar da doença: T.infestans,
T.brasiliensis, T.pseudomaculata, T.sordida e Panstrongylus
megistus.
O número de municípios com T.infestans caiu de 711, em
1983, para apenas 102 em 1998 (dados provisórios). A participação
relativa de T.infestans no total de capturas, consideradas todas
as espécies, em 1983, era da ordem de 13,54% (84.334/622.822) e,
em 1998, foi de 0,20% (360/176.810). As taxas de infecção natural
de T. infestans foram reduzidas de 8,4% (1983) a 2,9% em 1997(44).
As outras quatro espécies não tiveram os mesmos resultados,
no entanto, foram mantidas em níveis de infestação e de
colonização intradomiciliar incompatíveis com a transmissão.
Sendo necessário, para tanto, um trabalho de vigilância de caráter
contínuo, com pronta intervenção, uma vez haja evidência de
constituição de colônias na habitação.
TRANSMISSÃO
Transmissão vetorial
A transmissão pelo vetor é a forma que tem maior importância
epidemiológica (80% a 90%)(14), ocorrendo pela penetração da
forma infectante do protozoário (presentes nas fezes do inseto
vetor, durante o hematofagismo) em solução de continuidade
da pele ou mucosa íntegra.
Transmissão transfusional
Esse constitui o segundo mecanismo de importância
epidemiológica (5% a 20%)(14). Especialmente é maior nas grandes
cidades. A transmissão sangüínea foi crescente a partir da década
de 40 do século XX, principalmente por causa do aumento no
número de transfusões realizadas no Brasil e que coincidiram
também com uma época de grande êxodo rural, que favoreceu a
maior freqüência de pessoas com a infecção chagásica como
doadores de sangue. Mecanismos de controle transfusional
somente começaram a ser implementados a partir dos anos 60.
Transmissão vertical
A transmissão congênita corresponde a 0,5% a 8% das formas
de transmissão(14). Pode ocorrer desde o terceiro mês de
gestação, incidindo especialmente do terceiro ao quinto mês.
Pode ocorrer também a infecção da criança através aleitamento,
pois o T.cruzi já foi encontrado no leite materno na fase aguda
de infecção(19). Entretanto, segundo Bittencourt et al.(3), a
amamentação de mães portadoras da doença crônica não deve
ser proibida, já que não foi comprovada essa rota de infecção.
Transmissão oral
Nessa forma de transmissão, a pessoa ingere o próprio vetor
infectado ou alimento contaminado com fezes dos vetores. Essa
forma de infecção foi subestimada durante muitos anos, e nem
sempre é lembrada, mas teve a sua relevância posta em evidência
no primeiro semestre de 2005 no Brasil, com o diagnóstico de
casos agudos de doença de Chagas no Estado de Santa Catarina
através de caldo de cana contaminado (vinte e cinco pessoas,
das quais cinco morreram) e no Amapá (vinte e seis pessoas)
por meio de suco de açaí contendo parasitos. Até 2001 já havia
148 casos informados na Amazônia brasileira, com cinco
mortes(17). Todavia, anteriormente, casos agudos foram descritos
em Pernambuco e Minas Gerais.
Transmissão por transplante de órgãos.
Ocorre quando o receptor recebe um órgão de um doador
infectado, especialmente se for rim e coração. Esse mecanismo
pode desencadear uma manifestação aguda grave da doença
devido à terapia imunossupressora a que são submetidos
pacientes transplantados.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
83
Tabela 1. Infecção humana por T.cruzi e a redução na incidência de doenças de Chagas em países da América do Sul, 1983-2000.
País
Faixa de idade (anos)
Argentina
Brasil
Chile
Paraguai
Uruguai
18
0-4
0-10
18
6 - 12
Infecção em 1983
(taxa x 100)
5,8
5,0
5,4
9,3
2,5
Infecção em 2000
(taxa x 100)
1,2
0,28
0,38
3,9
0,06
Redução na incidência (%)
Referência
80,0
95,0
94,0
60,0
99,0
74,75
76,77
78,79
75,8
81,82
Fonte:WHO- Technical Report Series(45).
Tabela 2. Número de mortes por alguns grupos de causa no Brasil (1997-2003) segundo a classificação internacional de doença
(CID) versão 10.
Capítulo CID-10
Doenças do aparelho circulatório
Neoplasias
(tumores)
Doenças do aparelho respiratório
Tuberculose
Doença de Chagas
Hepatite viral
Leptospirose
Malária
Leishmaniose
Dengue
Esquistossomose
1997
249.638
1998
256.511
1999
257.179
Ano
2000
260.603
2001
263.417
2002
267.496
2003
274.068
106.991
110.799
115.679
120.517
125.348
129.923
134.691
84.083
91.983
89.084
88.370
90.288
94.754
97.656
5.881
5.410
1.031
389
151
117
15
505
6.031
5.356
1.059
396
170
138
15
479
5.940
5.001
1.308
330
203
226
9
446
5.533
5.134
1.529
378
243
276
7
484
5.425
4.889
1.741
388
142
220
13
583
5.162
4.891
1.740
378
93
222
58
568
4.987
5.016
1.878
341
103
247
24
464
Fonte: Ministério da Saúde(22).
Transmissão acidental
Ocorre em hospitais e laboratórios, entre pesquisadores e
técnicos da área de saúde que trabalham com o material
contaminado pelo T.cruzi como: sangue de animais, em pessoas
infectadas, meios de cultura, material contaminado, no vetor. É
necessário manejo adequado de todo o material, treinamento de
pessoal e trabalhar com todas as condições de segurança.
Transmissão sexual
A transmissão por via sexual não está bem estabelecida,
havendo apenas relatos de suspeitos na Argentina (quatro
casos)(14), que teriam ocorrido em homens com passado de
relação sexual íntima com mulheres chagásicas que estavam em
período menstrual. Já foram isolados parasitos no líquido
menstrual de mulheres(19,14), mas essa forma de transmissão não
foi confirmada.
FORMAAGUDA
A fase aguda da doença de Chagas compreende os
fenômenos clínicos que se estabelecem nos primeiros meses de
infecção (dois a quatro meses) e do ponto de vista laboratorial,
delimita-se mais ou menos imprecisamente, pela demonstração
do parasito no sangue por meio de exame direto(30). Esta fase
pode ser sintomática ou assintomática (mais freqüente). Há
predomínio da forma aguda sintomática na primeira infância,
levando a morte cerca de 10% dos casos(19). Segundo Carlos
Chagas(8), tal ocorrência seria devida ao fato de que crianças,
desde a mais tenra idade, estão expostas aos triatomíneos. Outros
fatores como sono profundo e mais prolongado nas crianças –
a facilitar a ação dos insetos – bem como pele mais delgada
destas – a favorecer penetração do parasito – foram indicados
como fatores associados à infecção.
A fase aguda inicia-se quando o T. cruzi penetra na
conjuntiva (sinal de Romaña) ou na pele (chagoma de
inoculação), que aparecem em 50% dos casos dentro de quatro
a dez dias após a picada do barbeiro, regredindo em um a dois
meses. As manifestações gerais são: febre, cefaléia, exantemas
transitórios, astenia, edema localizado e generalizado, poliadenia,
hepatomegalia, esplenomegalia, podendo ser acompanhados por
insuficiência cardíaca e perturbações neurológicas. A
linfadenomegalia regional pode persistir por várias semanas(25).
As manifestações de envolvimento cardíaco são as de uma
miocardite difusa, associado à taquicardia e alterações
inespecíficas do ECG(25), pode ser acompanhada de pericardite
serosa e às vezes endocardite. Nos casos agudos fatais há
invariavelmente miocardite com cardiomegalia (25) . As
perturbações neurológicas são em conseqüência da
meningoencefalite, destacando-se as convulsões generalizadas
(Quadro1).
FORMA INDETERMINADA (FASE CRÔNICA ASSINTOMÁTICA)
Após a fase aguda ou a infecção assintomática, os indivíduos
infectados passam por um longo período assintomático (de dez
a trinta anos)(14,19,21,25,35). Essa forma latente é caracterizada por
exames sorológicos e/ou parasitológicos positivos e presença
constante de anticorpos líticos, bem como ausência de sinais e
sintomas da doença, com ECG convencional normal. O coração,
84
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Tabela 3. Fatores dos riscos incluídos nos cadastros dos estudantes: categorias e valores atribuídos a cada para um obter um grau
de risco de suas moradias.
FATORES DE RISCO
Tipo de moradia
Teto
Palha e barro
Palha e bambu
Palha e placas
Placa única
Outros Materiais
Paredes
Barro
Tijolo sem reboque
Pedras
Tijolo com reboque
Otro material
Gretas nas paredes
Sim
Não
Caixas/roupas/coisas amontoadas
no interior da casa (desordem)
Sim
Distância entre a casa e o galinheiro
(em pés)
<20
20 || 39
40 || 60
>60
Distância do curral à casa
(em pés)
<20
20 | 39
40 || 60
>60
Distância do déposito à casa
(em pés)
<20
20 || 39
40 || 60
>60
VALORATRIBUÍDO
14
12
10
5
1
14
10
8
3
0
4
0
8
12
10
8
3
9
7
5
2
4
2
2
0
Fonte: Vigilância de la enfermedad de Chagas por escolares (12).
Tabela 4. Óbitos por ano causados por Doença de Chagas segundo região do Brasil.
Região
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
TOTAL
1997
52
788
3.054
344
1.172
5.410
Fonte: Ministério da Saúde(22).
1998
49
771
2.999
345
1.192
5.356
1999
57
799
2.745
323
1.077
5.001
2000
51
834
2.728
326
1.195
5.134
2001
63
807
2.622
264
1.133
4.889
2002
67
843
2.524
293
1.164
4.891
2003
74
850
2.620
324
1.148
5.016
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
o esôfago e os cólons apresentam-se radiologicamente normais.
Cerca de 50% dos pacientes chagásicos que tiveram a fase aguda
apresentam essa forma da doença. O estado latente pode ser
ativado a um estágio de doença aguda em indivíduos
imunossuprimidos graves. Em estudos longitudinais realizados,
foi relatado o aparecimento de alterações eletrocardiográficas
em 10,4% a 33% dos pacientes em cinco anos de segmento e em
10% a 48% após dez anos(39).
FORMA CRÔNICA SINTOMÁTICA
Alguns chagásicos assintomáticos podem, após vários anos
(dez a trinta anos), apresentar sintomatologia relacionada com o
sistema cardiovascular, digestivo e/ou nervoso. Observa-se
reativação intensa do processo inflamatório, com dano de vários
órgãos, nem sempre relacionado com o parasito, o qual se
encontra escasso nessa fase da doença(19).
Forma cardíaca
A expressão clínica da doença cardíaca atinge cerca de 20%
a 40% dos pacientes(19) e normalmente se inicia com fadiga aos
esforços, palpitação, tonturas, dispnéia e síncopes(20,25). Essas
alterações refletem uma série de arritmias, como extra-sístoles
ventriculares, acessos de taquicardia e vários graus de bloqueio
cardíaco (nodos sinoatrial e atrioventricular e os ramos direito e
anterior esquerdo do feixe de His)(19,25). Não é incomum a morte
súbita de pacientes sem nenhuma outra morbidade; o tamanho
do coração desses pacientes pode ser normal ou apenas
moderadamente aumentado. Outros pacientes com
miocardiopatia têm cardiomegalia e morrem de insuficiência
cardíaca refratária, os quais têm os corações hipertrofiados, com
adelgaçamento da parede, especialmente no ápice (aneurisma
de ponta característico), freqüentes trombos murais com
subseqüente embolização dos pulmões e órgãos periféricos. As
coronárias são geralmente normais.
As alterações reveladas no exame físico nem sempre guardam
boa correlação com a intensidade dos sintomas. Pode haver
pulso irregular, bulhas hipofonéticas e talvez um ritmo em galope.
Em fases mais avançadas da doença, devido à cardiomegalia,
podem ser auscultados sopros de regurgitação mitral e
tricúspide, com desvio lateral e caudal do ictus cordis. São
comuns todas as manifestações congestivas como
hepatomegalia, edema periférico, turgência venosa jugular, ascite
e derrame pleural (exclusiva ou predominantemente à direita)(20).
Forma digestiva
As alterações que ocorrem no trato gastrointestinal são
devidas à destruição irreversível das células nervosas do sistema
nervoso entérico e estão presentes em 7% a 11% dos casos(19).
Tendo este a função de integrar e coordenar as diferentes funções
viscerais, a desnervação intrínseca repercute necessariamente
na fisiologia dos órgãos atingidos. A inervação se processa de
maneira irregular e imprevisível, acometendo diferentes
segmentos do tubo digestivo, mas principalmente esôfago e
cólon, podendo ocorrer também no estômago, duodeno e
intestino delgado(31).
Sob muitos aspectos a esofagopatia chagásica se assemelha
ao megaesôfago idiopático (acalásia). A principal diferença está
na associação do megaesôfago com megacólon e a cardiopatia.
Os principais sintomas são disfagia, odinofagia, dor
retroesternal, regurgitação, pirose, soluços, tosse e sialose. A
pneumonia aspirativa é uma complicação comum em casos
avançados, assim como a perda ponderal e a caquexia(25). O
85
megaesôfago aparece mais no sexo masculino e é mais freqüente
na zona rural endêmica(19).
O megacólon é mais freqüente no adulto entre trinta e
sessenta anos e mais no sexo masculino(2,12). Aparece muito
associado ao megaesôfago e esse fato agrava bastante o estado
nutricional do paciente. Os pacientes sofrem de constipação
crônica e dor abdominal. Podem acontecer volvo, obstrução
com formação de fecalomas e perfuração intestinal, levando à
peritonite. Os pacientes, na maioria das vezes, só procuram o
serviço especializado quando o quadro já é muito grave ou então
na vigência de alguma complicação(31).
Forma nervosa
O mecanismo patogênico básico nessa forma clínica seria a
denervação, contestada por alguns autores por consistir em
agregados de células gliais e linfóides sem o encontro do
parasito(19). Por outro lado, admite-se também que a perda ou
diminuição dos neurônios seja em conseqüência da isquemia
devida à ICC e às arritmias cardíacas, assim como processos
auto-imunes. As manifestações neurológicas incluem alterações
psicológicas, comportamentais e perda de memória.
Forma congênita
A característica patológica importante da doença de Chagas
congênita é a placentite crônica, com alterações inflamatórias e
necrose focal nas vilosidades coriônicas. Está associada a
abortos, natimortos ou doença aguda no feto(25). Na maioria das
vezes apresenta-se assintomática ou associada à febre
persistente
do
recém-nato,
prematuridade
e
hepatoesplenomegalia. A doença de Chagas congênita é curável,
desde que detectada precocemente. O diagnóstico diferencial
deve ser realizado com as formas congênitas de toxoplasmose,
rubéola, citomegalovírus e herpesvírus (TORCH).
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da infecção pelo T.cruzi deve ser apoiado
pela clínica e pela epidemiologia, e confirmado pelo diagnóstico
laboratorial. Esse pode ser buscado através do encontro do
parasito ou de anticorpos dirigidos contra o mesmo na pessoa
infectada.
Métodos parasitológicos diretos
O exame parasitológico direto deve ser priorizado quando o
paciente estiver sob suspeita de fase aguda da doença de
Chagas, que é caracterizada pela presença do parasito no sangue,
ou de reativação da doença por causa de alguma condição clínica
imunossupressora. Exames diretos são realizados em poucas
horas, mas exigem pessoas bem treinadas para reconhecer os
parasitos. Não requerem material muito especializado, podendo
ser realizados em laboratórios clínicos.
O exame a fresco é o mais utilizado por ter elevado índice de
resultados satisfatórios. Busca-se o parasito numa gota de
sangue periférico colocado em lâmina. Deve-se examinar 200
campos microscópicos por lâmina para ter certeza de
negatividade. Rassi et al.(29) demonstraram uma sensibilidade
de 78% neste exame.
A técnica de Strout é utilizada para obter uma amostra
concentrada de parasitos: o sangue coletado é levado à
centrifugação, sendo o seu sedimento examinado. Alguns estudos
atestam uma sensibilidade de até 90% para este método(28).
Os exames parasitológicos diretos podem apresentar
resultados falso-negativos especialmente nos primeiros dez dias
86
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Quadro 1. Principais sinais e sintomas na Doença de Chagas Aguda em casos aparentes.
Principais sintomas e sinais da Doença de Chagas Aguda em casos aparentes.
Sinal ou sintoma Características gerais básicas
Sinal de porta de
entrada
(chagomas de
inoculação).
Chagoma de
Romana.
Outros tipos de
“chagomas”.
Febre.
Adenopatia.
Hepato e
esplenomegalia.
Edema
generalizado.
Edema local.
Lesões dermatológicas eritemato-induradas, não purulentas,
com descamação esfoliativa ao final da evolução. Faltam
em muitos casos. Indolores ou pouco dolorosas, cor
violácea. Geralmente membros ou face. Adenopatia satélite
freqüente.Defervescência em lise.
Edema bipalpebral unilateral, com adenopatia satélite e
adenite. Diminuição da fenda palpebral. Podem ocorrer
prurido, lacrimejamento e dor local leve. Referido em mais
de 50% dos casos descritos., deve corresponder a 10% ou
menos dos casos agudos ocorridos.
O mais chamativo é o “sinal
de Romaña”. À biópsia
encontram-se formas
amastigotas de T.cruzi
intracelulares.
Diagnóstico diferencial:
picada de inseto, miíase,
conjuntivites e ordéolos,
traumatismo, celulite
orbitária, edema
angioneurótico e trombose do
seio cavernoso.
Mais raros: metastáticos (à distância de uma inoculação
primária, geralmente via hematógena ou linfática) e
lipogenianos (na bochecha).
Geralmente moderada (+38ºC) contínua, durando entre 7 e
30 dias. Pode ter picos de ascensão vespertinos. Mesmo nos
casos “inaparentes” está presente, em duração e
temperaturas menores.
Geralmente pequenos e múltiplos linfonodos, em vários
plexos, endurecidos, não coalescentes e não supurados,
também presentes à jusante dos chagomas de inoculação.
Relativamente mais descritos
na Argentina.
Cerca de 20 a 40% dos casos, idades mais baixas,
geralmente com pequeno aumento de volume, vísceras
endurecidas e pouco dolorosas à palpação. Concomitância
de congestão passiva e degeneração.
Endurecido, elástico, difuso e frio. Bastante precoce. Mais
visível no rosto, extremidades e bolsa escrotal.
No ponto de penetração do parasito. Acompanhado de
coloração avermelhada ou vermelho-violácea, com
enduração e dor discreta.
Estado geral.
Comprometido.
Sinais de
miocardite aguda.
Detecção variável entre 5 e 50% dos casos, em
média.Taquicardia muito freqüente, independente da curva
térmica. Pulso rápido, fino e rítmico. Ausculta pode mostrar
bulhas Abafadas e eventualmente sopro sistólico de ponta,
por lesão oro-valvular ou conseqüente à dilatação de anéis
valvulares. O ECG na DCA apresenta-se alterado em 30%
ou mais dos casos referidos na literatura sugestivo de
miocardite aguda (alteração de T e aumento PR). Eventual
presença de ICC (mau prognóstico): cansaço fácil,
ortopnéia, ritmo de galope e aumento da pressão venosa. Ao
RX, caracteristicamente cardiomegalia global (entre 15 e
60% dos casos descritos) com campos pulmonares
geralmente claros. Pode haver derrame pericárdico nos
casos mais graves
Principalmente em crianças menores de 2 anos (1 – 10%),
geralmente associada com cardiopatia manifesta. Líquor
claro, com parasitos. Opistótono, rigidez de nuca e outros
sinais tradicionais de meningismo. Como sintomatologia:
vômitos freqüentes e repetidos (sem estado nauseoso),
cefaléia, agitação, estrabismo, obinubilação, prostração,
convulsões, etc.
Sinais de
meningoencefalit
e
Observações práticas
Fonte: Ministério da Saúde(23).
Geralmente não melhora com
antitérmicos usuais.
À biópsia podem estar
parasitados. Geralmente
existe hiperplasia linfocitária.
Pode persistir por meses após
a fase aguda
Fazer diagnóstico diferencial
com a hepatomegalia de
outras entidades febris em
nosso meio.
Pode superpor-se um edema
por insuficiência cardíaca.
Natureza inflamatória. Faz
parte do chagoma de
inoculação ou de chagomas
metastáticos.
Astenia, adinamia, palidez,
choro continuado, fáscies de
sofrimento. Principalmente
em crianças menores.
Diferenciar com outras
miocardites agudas
(reumática, toxoplasmótica,
diftérica, tóxica, sifilítica,
etc) e com endocardites.
Histologicamente:
Inflamação linfo-monocitária
geralmente difusa e
predominantemente
subendocárdica, com
miocitólise e edema
intercelular sendo o parasito
facilmente encontrável nas
miocélulas cardíacas.
Péssimo prognóstico,
geralmente encontrando-se, à
necropsia, graves alterações
inflamatórias no encéfalo e
meninges.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
após a infecção, nesse período ainda não houve tempo para
multiplicação dos parasitos. Após trinta dias de início das
manifestações agudas, a parasitemia tende a cair, devendo-se
atentar para este fato.
Devem-se considerar alguns aspectos relacionados a alguns
tipos de transmissão e os resultados desses exames: a
transmissão congênita, por exemplo, é mais comum que seja
perinatal, sendo o parasito só encontrado dias após a infecção;
ou seja, um exame negativo nos primeiros dias de vida não exclui
o diagnóstico de infecção. Já se tem notícia de exames negativos
até seis meses após o nascimento mesmo estando-se diante de
um quadro de transmissão vertical(24).
É possível fazer esses exames com outros materiais além de
sangue periférico, como líquor (principalmente em suspeitas de
reativação da doença em HIV-positivos), na medula óssea e em
outros líquidos biológicos ou tecidos.
Os exames a fresco são rápidos, baratos e eficientes. Em
caso de resultados negativos, deve-se utilizar uma técnica de
concentração (Strout) e, em caso de persistência de negatividade,
pesquisar anticorpos IgM ou realizar xenodiagnóstico.
Métodos parasitológicos indiretos
Vários são os métodos parasitológicos indiretos, mas estes
são mais demorados e não podem ser realizados com tanta
facilidade técnica como os diretos. Também estão indicados na
fase aguda da doença, desde que os exames diretos tenham
sido negativos, ou na fase crônica, quando os resultados
sorológicos forem duvidosos. O emprego dos métodos indiretos
é dificultado pelo custo mais elevado e pela necessidade de
mais destreza do pessoal de laboratório.
O xenodiagnóstico é feito pela alimentação de triatomíneos com
o sangue do paciente. Se este for infectado, o parasito se multiplicará
no triatomíneo, que será pesquisado após trinta ou sessenta dias.
Devem ser utilizadas 40 ninfas, e o método pode ser natural,
quando as ninfas são colocadas na pele do paciente, ou artificial,
quando são alimentadas com o sangue extraído dos mesmos.
A hemocultura apresenta bons resultados, mas a opinião entre
os autores varia enormemente quanto à sua sensibilidade (43,7%
a 97,4%)(28). A metodologia empregada hoje indica o uso de
heparina como anticoagulante e separação imediata do plasma
do sangue colhido, pois este contém anticorpos contra o parasito.
O sangue deve ser semeado em, no mínimo seis tubos, e examinado
mensalmente, durante quatro meses no mínimo.
O método de inoculação em animais tem sido pouco
empregado por fatores técnicos limitantes, como a necessidade
de um biotério apropriado, com animais isogênicos. É mais
utilizado em laboratórios de pesquisa.
A Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é um método de
sensibilidade muito elevada, podendo ser aplicado em amostras de
sangue ou de fezes de triatomíneos. Existem diversas técnicas de
realização, com o uso de diferentes sondas para detecção de DNA
exclusivos do parasito e de amplificação. É muito sensível, mas
também menos econômico e exige laboratório bastante especializado.
Para a obtenção de bons resultados com os métodos
indiretos, é necessário que haja repetição dos exames em
diferentes momentos (na fase mais crônica da doença, a
parasitemia normalmente é baixa), e que sejam colhidas amostras
ideais de sangue.
Métodos sorológicos
Para facilitar o diagnóstico, são utilizados os métodos
sorológicos, especialmente nos pacientes que estão em fase
crônica, que cursa com parasitemia baixa e inconstante. A
87
sorologia também é indicada em casos agudos que deram testes
parasitológicos negativos (neste caso busca-se IgM). A
ausência temporária dos parasitos na circulação sangüínea não
impossibilita a detecção de anticorpos contra o mesmo durante
vários meses. Apesar dessa qualidade, a sorologia apresenta
algumas limitações: a resposta imune deficiente de pessoas com
doenças imunossupressoras pode expressar um resultado falsonegativo, e reações cruzadas pelo estímulo antigênico de outros
parasitos podem conferir um falso-positivo. Recomenda-se a
combinação de mais de uma técnica para aumentar a
sensibilidade dos testes, que assim pode chegar a 97%(28).
As reações sorológicas envolvem a detecção de anticorpos
por meio da visualização de fenômenos que ocorrem em
conseqüência da presença de anticorpos, como hemaglutinação
(a olho nu), imunofluoresncência (ao microscópio) e ensaio
imunoenzimático (espectrofotômetro).
Pessoas não infectadas podem reagir nesses sistemas, por
isso o soro pesquisado deve ser diluído várias vezes, até uma
concentração na qual a existência de anticorpos ocorra somente
em pessoas infectadas.
Existem ainda exames laboratoriais de auxílio para o
diagnóstico da doença de fase aguda, e estes devem ser
considerados (Quadros 2 e 3).
TRATAMENTO
Devido à relativa pouca importância da Doença de Chagas
como pandemia, persistindo atualmente quase que exclusivamente
em países subdesenvolvidos da América Latina, pouco se investe
internacionalmente em pesquisas de medicamentos específicos e
em terapêuticas alternativas para essa patologia. Ainda que a
incidência da doença esteja em queda, nota-se, uma inquietação
por parte dos profissionais que trabalham com este tipo de
doentes, sejam eles cardiologistas, imunologistas, infectologistas
etc., em busca de novos dados epidemiológicos, novas opções
terapêuticas e melhores resultados quanto à cura ou prognóstico
desta entidade nosológica. Vem do Brasil, especialmente da Bahia,
o retrato desta histórica falta de investimentos na Doença de
Chagas concorrendo com as atuais pesquisas envolvendo a
terapia celular (células-tronco)B , onde, de um lado, vê-se o uso
do Benzonidazol, medicamento revelado como ativo para a doença
em 1967 e que ainda não tem suas indicações totalmente
difundidas, e de medicamentos usados na cardiopatia chagásica,
em analogia ao tratamento de outras formas de insuficiência
cardíaca mais bem estudada, e, do outro lado, observa-se o
crescimento dos experimentos com transplante de células-tronco
em humanos, sendo a publicação do primeiro paciente
transplantado, com sucesso, em 2004(43).
Para falar do tratamento desta enfermidade, é necessário
investigar e detectar a forma clínica em que o paciente se
encontra, o que irá, definitivamente, nortear o tratamento
etiológico. Por isso, devem-se reportar algumas das
características das diversas formas da doença.
Diante da maior prevalência da forma cardíaca e para fins
práticos, este segmento da Doença de Chagas será abordado
quando durante a descrição do tratamento das formas crônicas
tardias da moléstia, citando as bases do tratamento da
esofagopatia chagásica, também de importância no atual
contexto epidemiológico.
B
NOTA DO EDITOR: No Brasil, as pesquisas em humanos com célulastronco são ainda experimentais e após autorização expressa da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) da Comissão Nacional de Saúde
do Ministério da Saúde.
88
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Quadro 2. Exames laboratoriais auxiliares no diagnóstico e manejo de casos de Doença de Chagas aguda.
Ministério da Saúde-Secretaria Nacional de Vigilância em Saúde
Tratamento para a forma aguda
A forma aguda da Doença de Chagas é caracterizada por
manifestações clínicas como febre, moderada e continua
prolongada, e chagomas de inoculação que são descritos em
mais de 50% dos casos(23). Caracteriza-se pela presença de T.
cruzi no sangue seja através do Xenodiagnóstico ou da
Hemocultura. Esta fase dura até cerca de dois meses (entre três
e oito semanas e compreende, juntamente com as formas
congênita, acidental e crônica recente (na prática, toda criança
com infecção), indicação formal para o tratamento etiológico
específico(4) . Dados do ano de 2004 do Ministério da Saúde
sugerem que, apenas o tratamento etiológico das formas aguda
e congênita é indicados pela unanimidade dos especialistas na
área.
A terapêutica etiológica, no Brasil, é realizada com o
Benzonidazol, única droga disponível no mercado brasileiro e
que tem o nome comercial de RochaganÒ. Tem como
apresentação comprimidos de 100mg, para administração em
duas ou três tomadas diárias na dose de 5mg/kg/dia para adultos
e 10mg/kg/dia para crianças, durante um período de sessenta
dias. Para crianças, pode-se triturar o medicamento e administrálo com água, leite ou mel. É consenso atual que o tratamento
seja o mais precoce possível. Esse medicamento deve
acompanhar a abstinência do uso de substâncias alcoólicas e
tem como principais contra-indicações: gravidez no primeiro
trimestre, leucopenia severa e disfunções hepática e renal graves.
A droga é bem tolerada em crianças, estando entre as reações
adversas do medicamento, que acometem 10% a 30% dos adultos
(23)
.
tratados: dermatite semelhante à doença do soro, mal-estar
generalizado; polineuropatia periférica, bastante dolorosa e dose
dependente, que se resolve espontaneamente após o término
do tratamento; e depressão medular. Náusea e vômitos também
têm sido relatados (Quadro 4). O ideal é fazer acompanhamento
com hemograma a cada 7 a 15 dias para identificar uma possível
leucopenia causada pelo medicamento(6,26).
Quando específica e adequadamente tratada, se obtém com o
uso de benzonidazol índices de cura que variam de 30% a 90%,
nas casuísticas mais conhecidas(6,11,13). O tratamento específico
consegue abreviar o tempo de evolução da doença às vezes de
forma dramática, reduzindo rapidamente a parasitemia e fazendo
cessar a febre e a taquicardia. Nos poucos pacientes que persistem
com alterações eletrocardiográficas pós-tratamento etiológico
específico como alargamento do intervalo PR e alterações na
repolarização ventricular, notou-se uma tendência à evolução para
a forma crônica cardíaca. Outros indícios de mau prognóstico da
forma aguda são: manifestações de comprometimento do sistema
nervoso central SNC, as grandes cardiomegalias e o ECG
evidenciando arritmias extrassistólicas, bloqueios
intraventriculares e baixa voltagem do QRS. Não somente devido
a essa notável vulnerabilidade ao tratamento etiológico precoce
e à possibilidade de cura sem maiores complicações, mas também
para propiciar ao Sistema de Saúde dados que facilitem a vigilância
à tripanossomíase, são de grande interesse e importância a
detecção e notificação da doença de Chagas aguda.
É fundamental lembrar que a introdução do tratamento
etiológico deve ser precedida de uma avaliação clínica completa,
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
89
Quadro 3. Esquema prático do procedimento diagnóstico frente a um caso suspeito de Doença de Chagas aguda, em serviços da
rede básica de saúde.
1. Pensar em DCA frente a situações clínicas e epidemiológicas sugestivas, tais como febre prolongada de etiologia obscura,
sinais de porta de entrada (Romaña e outros), sinais de comprometimento miocárdico, recém nascido febril com hepatoesplenomegalia (filho de mãe chagásica), antecedente de vivenda infestada por triatomíneos e/ou transfusão de sangue
recente, etc.;
2. Realizar exame a fresco imediato, repetindo três a quatro vezes ao dia durante alguns dias face aos resultados anteriores
negativos;
3. Procurar enriquecer a pesquisa direta realizando concomitantemente a técnica de micro-hematócrito;
4. Se não se dispuser de microscopia no local, pode-se colher gota espessa para exame em município vizinho, num esquema
similar ao do exame a fresco (item 1, acima);
5. Colher sangue venoso (ou capilar, em papel de filtro) para realizar imediatamente a pesquisa usual de anticorpos da classe
IgG por técnicas convencionais (como imunofluorescência (TIFi), hemaglutinação (HAi) e ELISA), repetindo este exame
três semanas após: uma “viragem” do resultado indicará doença aguda. Se o primeiro exame for positivo, pode tratar-se de
um momento tardio de fase aguda ou de um paciente já com doença de Chagas crônica, uma dúvida que eventualmente
pode ser dirimida através da clínica, da epidemiologia e de outros exames de laboratório (especialmente parasitológicos
diretos);
6. Se possível, tentar pesquisa de AC anti T. cruzi da classe IgM. Se positivo, o resultado será bastante sugestivo de DCA,
especialmente quando a clínica e a epidemiologia forem compatíveis;
7. Sempre subsidiar o estudo do caso com ECG e hemograma completo, idealmente semanais;
8. Realizar outros exames específicos para afastar outras etiologias em face de doenças agudas com febre prolongada
(diagnóstico diferencial).
Fonte: Ministério da Saúde(23).
Quadro 4. Principais reações colaterais observadas no tratamento específico da doença de Chagas.
Sintoma / sinal
Anorexia
Cefaléia
Dermatopatia
Excitação psíquica
Gastralgia
Insônia
Náuseas
Perda de peso
Polineuropatia
Vômitos
Benzonidazol
++
+
+++
+
+
++
+
+
++
Nifurtimox
+++
++
+
+++
+++
++
+++
+++
++
+++
Fonte: Ministério da Saúde(23).
Gráfico 1. Redução da fibrose e inflamação no miocárdio chagásico crônico após o transplante de medula óssea.
Fonte: Santos (34)*.
(*) Grupos de camundongos BALB/c com infecção crônica (18meses de infecção), não tratados ou transplantados com células de medula óssea
singênicas (2x107 células por camundongo) foram sacrificados após 30 ou 60 dias de transplante. Secções do coração foram preparadas para avaliação
histopatológica com coloração por hematoxilina/eosina para análise do infiltrado inflamatório (a) ou por tricrômio de Masson para quantificação da
fibrose intersticial (b). Barras verticais representam os desvios padrões da media de 3-8 camundongos.
90
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
que inclui anamnese e exame físico completo, realização de duas
provas sorológicas quantitativas, pesquisa do T.cruzi
eletrocardiograma de repouso e radiografias de tórax em perfil,
póstero-anterior e com esôfago contrastado, assim como o
seguimento a posteriori. Este seguimento deve ser feito a cada
seis meses, durante cinco anos, exceto nos casos de tratamento
instituído na forma crônica tardia que merece um
acompanhamento mais prolongado, já que o principal critério
de cura é a negativação da sorologia e da parasitemia.
Uma outra opção terapêutica voltada para a tripanossomíase
aguda, porém não disponível no Brasil, é o Nifurtimox, que tem
como nome comercial, LampitÒ. Deve ser administrado também
por um período de sessenta dias, numa dose de 8-12 mg/kg/dia
divididos em duas ou três tomadas. Os efeitos colaterais
relatados com uso desta droga também encontram-se listados
no Quadro 4.
Tratamento para a forma crônica recente
Esta forma corresponde ao período inicial da moléstia, depois
que cessa a fase aguda da doença (no mínimo cinco anos de
infecção). Na prática, como já citado anteriormente, considerase a classificação nesta forma da doença a toda criança ou
adolescente com comprovação sorológica da infecção. Esta é
outra indicação para o uso do Benzonidazol, com resultados
razoáveis de cura.
Tratamento para a forma crônica indeterminada
Essa forma clínica da patologia chagásica abrange a maior
parte dos doentes. Caracteriza-se pela persistente latência da
infecção, em pessoas assintomáticas e após exame clínico
detalhado, radiografias de tórax, eletrocardiograma de repouso
e ecocardiograma sem alterações identificadas. Portanto, nessa
fase o paciente encontra-se assintomático, ainda que com exames
sorológicos positivos. Para esses casos, além do
acompanhamento ambulatorial regular, alguns especialistas
afirmam a importância do tratamento etiológico para casos
selecionados, como quando em caráter de investigação clínica
ou teste terapêutico individualizado.
Tratamento para a forma crônica tardia
Apesar da baixa percentagem de cura com o medicamento
específico nesse grupo, aceita-se que, no caso do fácil acesso
do paciente ao remédio esse deva ser tratado independente da
forma da doença em que se encontre. Outra formal indicação é
como agente supressivo em pacientes recém-transplantados.
As formas crônicas tardias envolvem principalmente arritmias
e/ou insuficiência cardíaca congestiva (miocardiopatia
chagásica) ou esofagopatia (megaesôfago chagásico) ou
colopatia (megacólon chagásico) ou a associação das mesmas.
Devido à semelhança da fisiopatologia dessas anormalidades
da Doença de Chagas com a de outras formas de acometimento
do coração e aparelho digestivo e à ausência de terapêutica
específica, que não o Benzonidazol, notar-se-á,
conseqüentemente, o uso, por analogia, de medidas terapêuticas
empregadas em outras enfermidades com bons resultados,
também na tripanossomíase.
Tratamento das arritmias
Apesar da clássica associação da Doença de Chagas com
bloqueio completo de ramo direito e bloqueio divisional ânterosuperior, muitas outras arritmias cardíacas fazem parte da forma
cardíaca da Doença de Chagas. O tratamento vai depender do
tipo de arritmia. Nas bradiarritmias sintomáticas por causas não
reversíveis como, bloqueio atrioventricular (BAV) ou disfunção
do nodo sinusal, assim como no BAV assintomático, mas de
localização baixa no feixe de His (BAV de 2ºgrau Mobitz tipo II e
BAVT) o implante do marcapasso é o tratamento de escolha.
Para essa indicação terapêutica o eletrocardiograma de repouso
e o Holter de 24 horas são suficientes. Um estudo
eletrofisiológico pode ser necessário para algumas arritmias.
Nas taquiarritmias ventriculares, o objetivo principal é a
resolução dos seus sintomas inerentes e a prevenção da morte
súbita, que ocorre com moderada freqüência entre os chagásicos,
não havendo condutas consensualmente aceitas. A conduta
mais aceitável atualmente é a de não tratar primariamente arritmias
ventriculares em pacientes assintomáticos com cardiopatia
chagásica crônica. No caso de uma taquicardia ventricular
sustentada (TVS), do tipo recorrente, e com a função ventricular
preservada, a ablação do circuito da arritmia representa uma
boa opção terapêutica. Se a função ventricular já estiver
deprimida, deve-se cogitar a possibilidade do implante de um
cardiodesfibrilador (CDI), após a tentativa de controle da arritmia
com a Amiodarona. Nos sobreviventes de uma parada cardíaca
e nos que toleram mal a TVS, o CDI seria a primeira escolha.
Estudos mais recentes com uma arritmia também muito freqüente
entre os chagásicos, a fibrilação atrial (FA), sugerem a ablação
circunferencial da veia pulmonar como medida suficiente para
restabelecimento do ritmo sinusal independentemente do uso
de medicamentos anti-arrítmicos ou cardioversão(26).
Tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca congestiva
secundária à miocardiopatia chagásica
A descompensação circulatória desencadeada pela Doença
de Chagas é devida ao intenso processo inflamatório multifocal,
mediado por células mononucleares, da musculatura cardíaca,
com evolução para fibrose irreversível e falência miocárdica.
Como dito anteriormente, devido às semelhanças
fisiopatológicas, a insuficiência cardíaca (IC) desta enfermidade
vem sendo tratada como as outras formas de falência cardíaca:
restrição salina, diuréticos, vasodilatadores (nitrato, hidralazina,
inibidores da ECA e antagonistas do receptor da angiotensina
II), digitálicos e beta-bloqueadores. Porém, devido a elevada
prevalência da patologia, ainda necessita-se de grandes estudos
clínicos avaliando o uso destas medicações especialmente nessa
população de doentes. Um exemplo de medida terapêutica que
vem sendo bem estudada neste grupo e que já apresenta boa
delimitação das aplicações é o uso de anticoagulantes orais,
especialmente em pacientes que parecem apresentar relação com
acidentes vasculares cerebrais (AVCs) embólicos,
independentemente da presença de trombo intracavitário e/ou
fibrilação atrial documentada.(11). As atuais recomendações de
anticoagulação incluem: Fibrilação atrial, trombo mural
evidenciado ao ecocardiograma, história de tromboembolismo
ou acidentes vasculares cerebrais (AVCs) prévios, etc.
Dentre as intervenções cirúrgicas, apenas serão abordados
a ressincronização cardíaca, a cardiomioplastia dinâmica, a
ventriculectomia reducional. O transplante cardíaco, também se
aplica aos casos de IC refratária ao tratamento farmacológico
clínico, porém tem duas importantes limitações: a primeira diz
respeito à disponibilidade de órgãos para transplante no Brasil,
onde a política de transplante de órgãos encontra-se incipiente,
e a segunda é a iminente possibilidade de reativação infecciosa
ocasionada pela terapia imunossupressora. Um exemplo disso é
o reaparecimento de lesões ricas de parasitos
(meningoencefalite, miocardite) em pacientes portadores da
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), o que o levou
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
ao patamar de condição definidora da doença em portadores do
vírus HIV, por parte do Ministério da Saúde(27). Mais adiante
será comentada sobre a terapia celular, como nova alternativa
aos cardiopatas chagásicos crônicos com refratariedade ao
tratamento farmacológico.
Tratamento da esofagopatia chagásica
Como descrito anteriormente, o acometimento do esôfago
na Doença de Chagas é resultado da destruição dos plexos
nervosos pelo processo inflamatório desencadeado pelo
parasito. Ocorre, então, a incoordenação nos movimentos
responsáveis pela propulsão dos alimentos (aperistaltismo),
associado ao quadro de acalasia (aumento do tônus do cárdia).
Diante da obstrução distal o esôfago sofre dilatações cada vez
maiores configurando o chamado megaesôfago chagásico.
Tendo em vista a impossibilidade de restituir a motilidade
normal do esôfago, o tratamento do megaesôfago visa, tão logo,
facilitar o trânsito do bolo alimentar, reduzindo a resistência
oferecida pelo cárdia. A conduta adotada atualmente preconiza
o tratamento cirúrgico como a primeira opção. Caso se opte pelo
tratamento clínico (principalmente nos quadros iniciais), devese orientar o paciente a alimentar-se preferencialmente com dietas
pastosas, evitar a ingestão de alimentos e medicamentos à noite,
assim como bebidas geladas. No entanto, recomenda-se o uso
de bebidas gaseificadas e alcalinas com a finalidade de facilitar
a promoção da limpeza esofágica, antes de deitar-se. Além disso,
a utilização de vasodilatadores como o Dinitrato de Isossorbida
5mg, sublingual, cerca de quinze minutos antes das refeições
ou Nifedipina 10mg, sublingual, cerca 35 a 40 minutos antes da
alimentação, reduzem significativamente a pressão basal do
esfíncter inferior do esôfago (EIE), porém têm efeito apenas
paliativo.
A dilatação por sonda ou balão, antigamente muito efetuada,
atualmente, cedeu lugar ao tratamento cirúrgico que combina
técnicas de facilitação do trânsito alimentar com técnicas antirefluxo. Hoje em dia, a cirurgia mais utilizada é a de Heller-Pinoti
(Cardiomiotomia extra-mucosa com fundoplicatura anterior), que
tem suas indicações mais formais em pacientes com dilatações
situadas nos Grupos radiológicos II e III, mas que também se
presta à cirurgia precoce de alguns pacientes do grupo
radiológico I.
Nos casos mais avançados, de dolicomegaesôfago (Grupo
IV), devido aos resultados insatisfatórios com a cirurgia de Heller
e a dilatação, a conduta mais aceita é esofagectomia, seja com a
interposição do cólon ou intestino ou anastomose direta com o
estômago (mais utilizada). O prognóstico pós-cirúrgico destes
pacientes ainda permanece reservado(4)(Gráfico 1).
Experimentos mais recentes evidenciam a possibilidade de
tratamento das formas iniciais da doença com a toxina botulínica
(Botox), apresentando bons resultados iniciais no que tange ao
relaxamento do cárdia e a melhora dos sintomas de disfagia.
Porém essa medicação, que não é tóxica e permite uma abordagem
inicial menos invasiva, tem o inconveniente de com o uso
repetido induzir a produção de anticorpos e a conseqüente
inativação da toxina em administrações posteriores da droga(42).
Novas tendências terapêuticas
Como lembrado anteriormente, existem apenas duas
medicações para o tratamento etiológico (cura) da
tripanossomíase, o Benzonidazol e o Nifurtimox, sendo que
apenas o primeiro deles é comercializado no Brasil e que ambos
estão no mercado há mais de 25 anos sem o aparecimento de
novas drogas com menores efeitos colaterais ou melhores
91
resultados no tratamento da cardiopatia chagásica crônica.
Enquanto a população de indivíduos portadores de Doença de
Chagas ainda aguarda o desenvolvimento de novos
quimioterápicos mais eficientes, especialmente para as formas
crônicas dessa patologia, e com menor grau de toxicidade, uma
nova estratégia terapêutica surgiu e vem sendo cada vez mais
estudada na tentativa de atenuar ou reparar os danos causados
pelo longo período de exposição do tecido miocárdio do
chagásico ao processo inflamatório característico desta doença:
a Terapia CelularC .
Por Terapia Celular, entende-se como a utilização de células,
fatores de proliferação e biomateriais com a finalidade de reparar
ou reconstituir tecidos e órgãos lesados. A unidade base para
este processo de regeneração tissular é uma célula indiferenciada
e dotada de grande poder de proliferação, a célula-tronco(34).
Com base nos primeiros estudos utilizando células-tronco
de medula óssea de camundongo com a finalidade de regenerar
tecido muscular esquelético, que datam de 1998 e que obtiveram
sucesso, e fazendo analogia aos estudos, inicialmente com
modelos animais e posteriormente com humanos portadores de
cardiopatia isqûemica, que mostravam redução da área de fibrose,
formação de novos cardiomiócitos e neovascularização, foi
realizado o primeiro transplante de células-tronco do mundo em
paciente portador de cardiopatia chagásica crônica(34,38). Tratavase de um paciente de 52 anos, em classe funcional III pela
NYHAD , com terapêutica padrão otimizada (inibidor da enzima
conversora da angiotensina, beta-bloqueador, espironolactona,
digitálico e diurético de alça em doses máximas e submáximas) e
que em 30 dias após o procedimento apresentou melhora da
capacidade funcional, dos índices dos exames radiológicos
(ecocardiograma e ventriculografia radioisotópica) e dos escores
subjetivos que avaliam a qualidade de vida(1,22). Na verdade,
pouca informação pode ser tirada a partir de um caso isolado,
porém ficou demonstrado a exeqüibilidade do procedimento,
ainda que um número maior de pacientes precise ser abordados
para a melhor avaliação dos dados.
Até novembro de 2005, 35 pacientes portadores de
cardiopatia chagásica crônica que estavam nas classes
funcionais II e IV haviam sido submetidos ao transplante de
células-tronco de medula óssea, com sucesso. Essa experiência
prévia motivou a ampliação das pesquisas na área e, atualmente,
também em Salvador, vem sendo testado o uso da terapia celular
para o tratamento da cirrose hepática, além da programação da
ampliação dos estudos para o nível nacional, com perspectivas
de alcançar um número de 300 pacientes em diversos centros(36).
É de extrema importância notar que, ainda que tenha havido a
possível redução da fibrose, redução do processo inflamatório
e aumento da massa miocárdica nos transplantados, não foi
evidenciada a redução na carga parasitária tissular após a terapia
celular. Ou seja, a terapia com células da medula óssea nem de
longe representa a cura da doença. Isto nos sugere que os
quimioterápicos antiparasitários persistirão como parte
integrante do tratamento da Doença de Chagas e nos remete ao
fato de existir uma carência no mercado de drogas que atuem
efetivamente nas formas crônicas desta enfermidade. Mais
estudos a respeito da terapêutica com células-tronco,
definitivamente, precisam ser realizados e em relação aos que já
estão em curso cabe-nos o seguimento, porém esse pode ser
uma das alternativas aos casos clínicos refratários ao tratamento
C
NOTA DO EDITOR: é ainda um tratamento experimental, e após
expressa autorização da Comissão nacional de Ética em Pesquisa.
D
New York Heart Association. A Classe Funcional III pela NYHA é definida
por: Marcada limitação por dispnéia/fadiga durante atividade física ordinária.
92
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
otimizado, que não o transplante cardíaco, que traz consigo
inúmeros e grandiosos obstáculos para sua realização.
PREVENÇÃO
A profilaxia da doença de Chagas é feita a partir de medidas
específicas, como eliminação dos vetores e controle da qualidade
do sangue e hemoderivados, e também de medidas inespecíficas,
como melhoria da qualidade de vida da população em geral e
modificação do hábito de destruição da fauna e da flora.
O combate ao vetor promove a eliminação da principal via
de transmissão através da utilização de inseticidas de ação
residual borrifados na área peridomiciliar das regiões de risco e
também no interior das residências. Alguns autores atestam
extrema diminuição de casos agudos após práticas de eliminação
do vetor, como no exemplo da cidade de Montalvânia, em Minas
Gerais(29) .
Desde 1991 existe um programa especial para o controle
transfusional da doença de Chagas nos países do Cone Sul,
com legislação específica sobre a qualidade da hemoterapia e
da implementação de laboratórios nacionais, tudo em paralelo
com o controle vetorial. Observou-se a progressiva diminuição
na prevalência da infecção chagásica entre os candidatos à
doação de sangue e também um gradual deslocamento de
doadores infectados para grupos etários mais elevados, como
resultado desse controle.(15)
O controle da transmissão congênita ainda não tem uma boa
estratégia na rotina médica, pelo fato das informações ainda
serem débeis em relação a essa forma de infecção. O que se faz
hoje é a pesquisa sorológica em recém-nascidos de mães
chagásicas, e imediata terapêutica para os casos diagnosticados.
Uma das principais formas de controle da infecção pelo T.cruzi
permeia aspectos políticos e econômicos em que vive a
população exposta. Referem-se aqui as condições de moradia
dessa população, sua educação, seus hábitos e seu nível de
instrução. A melhoria habitacional é a medida que mais
rapidamente tem impacto sobre a transmissão, porque existe
uma relação direta da infestação domiciliar por triatomíneos e
estado físico da casa. Não é considerada aqui apenas a falta de
alvenaria, mas também a higiene interna do domicílio, como o
acúmulo de objetos, por serem bons esconderijos para o vetor,
e a área anexa à moradia, como galinheiros, paióis, currais, etc. O
problema da moradia afeta não somente as populações rurais,
mas também as populações urbanas mais desenvolvidas, apesar
de haver maior relação com o padrão econômico das pessoas
do que com a região em que moram.
O entendimento pelas pessoas do risco que representa a
doença de Chagas é difícil, devido o caráter crônico da doença
e sintomas relativamente inespecíficos da fase aguda, que muitas
vezes são menosprezados pelos pacientes e a comunidade.
Vê-se, portanto, que a profilaxia da doença de Chagas deve
ser feita integrando-se vários métodos: combate ao triatomíneo,
identificação e seleção de doadores de sangue e melhoria da
habitação, com adequada higiene e limpeza da mesma.
ASPECTOS PSICOSOCIAIS E COGNITIVOS DA DOENÇA
DE CHAGAS
Desde os primórdios, os estudiosos já manifestavam a crença
de que os estados emocionais estavam relacionados ao
surgimento, manutenção e agravamento de muitas doenças.
Passando do conhecimento cartesiano à psicanálise, hoje,
não se tem dúvidas de que fatores emocionais podem determinar
diferentes evoluções no quadro orgânico, em função da condição
cognitiva e psicossocial do paciente.
Apesar do número de estudos relacionados aos
comprometimentos psicológicos nos pacientes chagásicos
serem restritos, Storino(40) destaca que o paciente, ao saber da
doença e tomando conhecimento do seu curso, “desenvolve
uma sintomatologia reativa que vai desde uma depressão leve,
de uma simples ansiedade, até à síndrome de alexitimia”. Este
processo seria desencadeado pelo “temor oculto da evolução
maligna e pela impossibilidade de deter a doença.”(16).
A constatação de que o medo da morte é inerente a todo ser
humano, independentemente de sexo, religião, cultura, é
conhecida e validada por uma série de pesquisas e estudos.
Sabe-se também que, para lidar com este processo, o paciente
terá que buscar mecanismos internos, mais precisamente,
mecanismos de defesa. Quanto mais preservado tiver sido o
seu desenvolvimento psicoafetivo, maior a possibilidade de
adaptação, existindo maior probabilidade de o paciente lidar
com o curso evolutivo da doença e seus desdobramentos.
O portador da doença de Chagas, em geral, origina-se de um
ambiente socioeconômico e cultural restrito, ou seja, vive em
um meio familiar desestruturado, experimentando marginalização
social, carência de condições básicas e poucas oportunidades
de desenvolvimento intelectual(40). Conseqüentemente, seus
mecanismos de defesas são primitivos e pouco adaptativos.
A forma como um paciente de doença terminal evolui a partir
do conhecimento da mesma é descrita em alguns estudos, sendo
cinco os estágios constatados por Elisabeth Kubler-Ross(2)
como sendo: a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a
depressão e a aceitação.
Negação e isolamento
No primeiro estágio, os mecanismos de defesa utilizados
seriam formas de enfrentar a dor psíquica diante da possibilidade
da morte. A duração e a intensidade desses mecanismos
dependeriam de como a pessoa que sofre e as outras ao seu
redor são capazes de lidar com essa dor. No caso dos chagásicos,
como já foi descrita, a condição de vida é em geral extremamente
desfavorável, o que ocasiona o consumo abusivo do álcool
como um meio de facilitar a negação da doença e de o afetado
provar a si mesmo e aos outros que está saudável.
Raiva
O segundo estágio seria a raiva. Nesta fase, o ambiente é
hostilizado pela revolta de quem sabe que vai morrer. Junto com
a raiva, também surgem sentimentos de revolta, inveja e
ressentimento.
A dor psíquica do enfrentamento da morte manifesta-se por
atitudes agressivas e de revolta que podem ser exacerbadas
pelo consumo do álcool.
A compreensão das pessoas próximas é necessária, pois a
angústia transformada em raiva na pessoa que tem suas
atividades interrompidas pela doença ou pela morte será
proporcional às respostas de acolhimento e compreensão
advindas do meio social bem como da estrutura psíquica do
portador.
Barganha
O terceiro estágio descrito é a barganha. A maioria dessas
barganhas é feita com Deus e, normalmente, mantida em segredo.
A barganha, na realidade, é uma tentativa de adiamento; neste
intuito, o indivíduo compromete-se a ser dedicado ao próximo e
coloca-se a serviço de Deus objetivando a cura. Nessa fase, o
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
paciente mantém-se dócil, reflexivo e sereno. Afinal, não se pode
barganhar com Deus, ao mesmo tempo em que o agride e o
hostiliza.
Depressão
A depressão seria o quarto estágio e surge quando o paciente
toma consciência de sua debilidade física, quando já não
consegue negar suas condições de doente e as perspectivas da
morte são claramente sentidas. Neste momento a depressão
assume um quadro clínico típico e característico: desinteresse,
desânimo, tristeza, apatia, choro, etc.
Aceitação
O período da aceitação é descrito como último estágio, mas
nem sempre os pacientes passam por todas as etapas,
especialmente esta.
Kovács et al.(18) fez um estudo que constata o medo da morte
como um aspecto inerente a todo ser humano,
independentemente de sexo, religião, cultura. Segundo a autora,
a ansiedade e o medo estão associados, sendo o primeiro um
sentimento ligado a uma causa difusa, e o segundo, ao real. A
relação então que se estabelece será de quanto maior a
ansiedade, maior o medo da morte.
Variáveis como o tempo, espaço, probabilidade, gênero,
manifestação, patologia, diferenças individuais, devem ser
estudadas para maior compreensão sobre o medo da morte e a
repercussão na vida do portador de uma doença incurável.
Escalas e questionários são instrumentos valiosos, segundo a
autora, para se avaliar a intensidade do medo das pessoas em
relação à morte. Algumas conclusões são bastante significativas,
destacando-se:
O medo da morte diminui nas pessoas mais religiosas, o
mesmo acontecendo com os ateus convictos.
Não há diferenças significativas entre as pessoas normais,
neuróticas e psicóticas em relação ao medo da morte.
O contato direto com a morte influencia sobre o modo
consciente de se pensar na morte.
A experiência de vida e os traços de personalidade são
variáveis relevantes para se determinar o grau de medo em
relação à morte.
Aparentemente, não há correlação entre o medo da morte e
a escolha profissional.
Crianças que tiveram experiências negativas apresentam
maior angústia acerca da morte.
O medo da morte está diretamente relacionado a variáveis
próprias da vivência no decorrer do desenvolvimento.
A partir desse estudo, pode-se inferir que a maturidade
psicológica do indivíduo é um fator importante no sentido de
conter o medo da morte, tendo esta como inevitável, porém com
investimento continuado na vida. Desta forma, é importante
que haja uma conscientização sobre a necessidade de dar aos
pacientes portadores de doença de Chagas um suporte
emocional, incentivá-los a buscar grupos de apoio no decorrer
de toda a evolução da doença, tanto para a família quanto para
o portador.
Características cognitivas dos portadores de Chagas
Hueb et al(16) apresentaram, em 2005, um trabalho de revisão
que expunha indícios significativos da relação entre a doença
de Chagas e determinadas características, sugerindo a
necessidade de serem ampliadas as pesquisas que investiguem
de forma mais detalhada o impacto da doença sobre o portador.
Foram registrados alguns aspectos que relacionam alterações
93
comportamentais associadas à baixa capacidade mnemônica e
cognitiva identificadas na doença de Chagas crônica,
independentemente da identificação da forma nervosa. Esse
trabalho também apresentou uma análise de cinco artigos que
pesquisaram prioritariamente a inteligência em seus aspectos
gerais e áreas específicas, tais como: a atenção, a memória, a
percepção e a psicomotricidade, particularmente no aspecto da
organização percepto-viso-motora, todos eles trabalhando com
a hipótese de que a doença de Chagas afeta o funcionamento
cognitivo dos portadores. Nos cinco artigos revistos foram
utilizadas amostras de conveniência, grupos de comparação e
instrumentos padronizados, explicitando critérios bem-definidos
de inclusão e exclusão dos participantes. Estas foram as
principais conclusões:
Quatro artigos confirmaram a hipótese de prejuízo cognitivo
associado à doença de Chagas, sendo que o único que não
identificou tal associação (Moncada, Romero, Espinoza & Leal,
1987) utilizou um instrumento não padronizado para a população
avaliada, a qual habitava a zona rural.
Nos quatro artigos que indicam prejuízos cognitivos (Jörg
& cols., 1972; Mangone & cols., 1994a; Mangone e cols., 1994b;
Pereyra, Mangone, Segura, Genovese & Sica, 1992) verificouse tanto comprometimento da inteligência geral quanto prejuízo
da inteligência específica, no que tange aos processos
mnemônicos, sendo que dois deles (Jörg & cols., 1972; Mangone
e cols., 1994a) verificaram também sinais de déficit atencional.
O estudo de Jörg e cols.(1972), além dos prejuízos assinalados,
detectou deficiências quanto ao desempenho da coordenação
visomotora, leitura, escrita e capacidade de compreensão.
Como conseqüência desses prejuízos, foram verificadas outras
dificuldades tais como: pobres ajustes ao senso comum, baixa
tolerância à frustração, além de restritas habilidades nas
realizações da vida diária.
A análise final dos trabalhos valida a associação de prejuízo
cognitivo à doença de Chagas e demonstra que o impacto tanto
é verificado na área intelectiva quanto nas funções cognitivas
específicas.
Ainda no trabalho de Hueb et al.(16), são encontrados alguns
estudos que analisam a doença de Chagas em relação à dimensão
psicossocial, esta como sendo o nível de educação e informação
dos portadores em relação à doença, sua ação sobre os hábitos
de higiene, condições de vida e expectativas em relação à doença.
A compreensão sobre a doença, segundo os pesquisadores,
deveria ultrapassar o entendimento dos aspectos biológicos e
atingir a dimensão sociocultural relacionada ao contexto político,
econômico, tendo a pobreza como o lugar comum. Destacam-se
algumas inferências retiradas dos artigos estudados:
Os pacientes revelam ser portadores de medos, com baixa
auto-estima e estigma frente à doença, e apresentam prejuízos
na qualidade de vida e na convivência familiar e social.
Há uma melhora na qualidade de vida do transplantado
cardíaco.
Existe grande preconceito contra o portador trabalhador,
determinando para esse uma pior condição de vida e prejuízos
sociais.
A doença de Chagas é geradora de estigma e preconceitos.
A análise desses indicadores é um alerta para o nível de pobreza
do povo, para dificuldades que envolvem o desenvolvimento
de hábitos de saúde, particularmente para a população mais
carente e que vive na zona rural. A ação preventiva eficaz e as
medidas adequadas carecem de estudos, pesquisas que
contemplem variáveis amplas e combinadas, objetivando uma
ação mais efetiva.
94
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
PERSPECTIVAS
O custo social da doença torna-se aparente quando se considera
o elevado número de pessoas acometidas e o número de óbitos da
doença (Tabela 4). A infecção chagásica ocorre predominantemente
nos primeiros anos de vida. As pessoas infectadas que
sobrevivem à sua fase aguda permanecem infectadas pelo resto
da vida, pela inexistência de tratamento efetivo. Desses, mais da
metade apresentará comprometimento cardíaco, geralmente nas
idades mais produtivas, muitas vezes fatal.
A transmissão da infecção pelo barbeiro se dá
predominantemente nas áreas rurais de baixa densidade
populacional. A endemia rural, entretanto, vem sendo
transformada em verdadeira endemia urbano-rural devido a
intensidade dos movimentos migratórios. Em alguns dos centros
metropolitanos, a percentagem de trabalhadores acometidos pela
doença chega a níveis de 4% e até 7%(44).
Nas áreas em que os inseticidas foram adequadamente
aplicados houve uma drástica redução da população de vetores
e conseqüentemente da transmissão. Essa redução da
transmissão vetorial sempre resulta também na diminuição, a
médio prazo, de doadores de sangue e de gestantes infectados,
o que reduz os riscos de transmissão transfusional e congênita.
A persistência da endemia se deve à irregularidade com que as
campanhas têm sido conduzidas, por motivos de ordem
administrativa e, principalmente, orçamentária. Na raiz dessa
descontinuidade encontra-se a falta de uma definição clara sobre
a prioridade que o combate a esta endemia deve merecer. Essa
opção é hoje mais uma questão de política governamental do
que técnica.
RECOMENDAÇÕES
De posse desses conhecimentos, o agente de saúde da família
passa a ter condições de identificar e ajudar na prevenção e
tratamento da doença de chagas na comunidade em que trabalha
e reside. Utilizando os sindicatos, os estudantes do primeiro e
segundo grau, as comunidades religiosas e todos os movimentos
comunitários existentes no seu universo de trabalho, o agente de
saúde deve desenvolver atividades visando o controle da doença:
fazer campanha de controle do vetor através de pesticidas,
pesquisar a qualidade das habitações com formulários e/ou
questionários, e encaminhar os portadores de doença sintomática
grave (insuficiência cardíaca, arritmia, manifestações digestivas
por megacólo e megaesôfago) para os hospitais terciários. O
trabalho do agente deve visar à adoção de tratamento específico,
o qual deve abranger desde a terapêutica mais simples (e.g. digital
e diurético), a cardioestimuladores e desfibiladores internos, e até
o uso de células-tronco, num futuro próximo.
Numa suspeita forte de Doença de Chagas, deve-se confirmar
o diagnóstico, o qual é alcançado através de uma anamnese
perfeita, sempre pesquisando os órgãos que podem ser
acometidos: cérebro (meningoencefalite), esôfago
(megaesôfago), colo (megacolo) e coração (cardiomiopatia
chagásica aguda ou crônica). Esta última existe sempre que uma
das partes do coração está comprometida: o sistema de condução
elétrico ou o músculo cardíaco.
Os seguintes exames devem ser considerados quando existe
a suspeita de comprometimento dos órgãos.
→ Cérebro - Tomografia computadorizada
→ Esôfago - Raio X de torax com esofago contrastado e
endoscopia digestiva alta.
→ Colo - Enema baritado do colo e colonoscopia.
→ Coração - ECG, Raio X de tórax.
Todos os outros exames que se fizerem nescessários para
uma avaliação mais acurada devem ser de responsabilidade do
especialista, numa etapa de atendimento terciário.
CONCLUSÃO
Concluindo, pode-se responder à pergunta: a doença de
chagas é uma doença cosmopolita ou rural? Atualmente, no
Brasil, e principalmente no Estado da Bahia, a doença é prevalente
nos dois ambientes.
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96
II.7
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Luis Schiper
Andréa Pato Vieira Campos
Carolina Oliveira Santos
David Araújo Veiga Rosário
Ludmila Freitas da Almeida
Ubenício Silveira Dias Junior
André Ney Menezes Freire
A OSTEOPOROSE COMO PROBLEMA
DE SAÚDE PÚBLICA
INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população é um fato observado em todo mundo e tem sido,
freqüentemente, acompanhado pela osteoporose, patologia que se caracteriza pelo
enfraquecimento das estruturas ósseas. seu aparecimento está relacionado ao aumento
do risco de fraturas do esqueleto, principalmente do quadril (90% dos casos), na faixa
etária acima de 65 anos de idade e em indivíduos do sexo feminino (75% dos casos
identificados na população geriátrica).
Nesse contexto supracitado, ratifica-se a necessidade de direcionar mais atenção a
essa questão de saúde pública, buscando melhoria na qualidade de vida da população
idosa.
A prevenção da osteoporose é uma medida que reduz os custos empregados com o
tratamento das fraturas e de suas seqüelas, podendo ser incorporada através de ações
simples e eficazes, ao Programa de Saúde da Família (PSF) e, se implementada, contribuirá,
efetivamente, com os cuidados que o SUS já destina aos idosos do País.
Este trabalho tem como objetivo definir tais ações e orientar a equipe do PSF na execução
adequada das medidas.
A SITUAÇÃO DO PROBLEMA
Palavras-chaves:
Osteoporose, Colo do fêmur,
Menopausa, Programa da Saúde
da Família, Envelhecimento
populacional.
Em todo o mundo, inclusive no Brasil, o envelhecimento da população tem sido um
evento comumente observado. No final do século XX, a expectativa de vida da população
brasileira já se aproximava dos 70,5 anos de idade. Entre 1980 e 2003, a expectativa de vida
dos brasileiros elevou-se em 8,8 anos – mais 7,9 anos para os homens e mais 9,5 anos
para as mulheres – sendo que, em 2003, a estimativa ao nascer, para ambos os sexos
passou a ser 71,3 anos. De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde
(OMS), até 2025, o Brasil será o sexto país do mundo com maior número de pessoas
idosas 21.
Esse envelhecimento promove mudanças sócio-econômicas na população, e os
governantes passam a ter preocupações com o seguimento de faixa etária mais elevada e suas
características peculiares. Os idosos são capazes de aumentar a renda e a produção ativa de
uma região, bem como trazer-lhe alto custo social, caso patologias inerentes à sua idade não
sejam enfocadas com a devida seriedade, elevando os gastos da previdência social10.
A osteoporose é um dos problemas que surge com o envelhecimento físico e biológico
da população. A estrutura óssea apresenta-se enfraquecida, aumentando o risco de
fratura do esqueleto. Em cerca de 90% dos casos secundários de fratura, a osteoporose
localiza-se no quadril, ocorre em indivíduos acima de 65 anos de idade e, preferencialmente,
em mulheres, com 75% dos eventos observados na faixa etária referida 2 4.
A OMS considera a osteoporose uma doença negligenciada, mal diagnosticada e que
afeta, aproximadamente, 200 milhões de mulheres no mundo, afligindo cerca de um terço das
mulheres entre 60 e 70 anos de idade e dois terços das mulheres com 80 anos ou mais 31.
No Brasil, estima-se que existam 4,5 milhões de brasileiras com osteoporose, e um
risco de 140.000 fraturas de colo de fêmur ao ano 20. Estatisticamente, 50% das mulheres
que sobrevivem às fraturas de colo de fêmur permanecem incapazes de caminhar sem
assistência, 25% acabam confinadas a cuidados familiares e, entre 12% e 20%, morrem
nos primeiros seis meses após correção cirúrgica 24.
Esses dados confirmam a urgência em se dar prioridade as ações que minimizem os
impactos sócio-econômicos conseqüentes desse grave problema de saúde pública,
buscando-se uma melhoria na qualidade de vida da população idosa, principalmente, no
que se refere ao seguimento das mulheres 5 .
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Nos EUA, a ocorrência anual de fraturas no quadril é de
aproximadamente 250.000 casos com perspectiva de duplicação
desse valor em 2040 17.
No Brasil, estudo na cidade de Marília (SP) mostrou taxa de
incidência bruta de fraturas do quadril de 4,46/10.000 habitantes/
ano em 1994, e 5,551/10.000 habitantes/ano em 1995 16.
Estas fraturas são, em geral, tratadas cirurgicamente. Por
acometer a população mais idosa são freqüentes as comorbidades, como: hipertensão arterial, diabetes melitus,
cardiopatias, entre outras doenças crônicas. Essas co-morbidades
elevam a taxa de mortalidade, sendo 20% maior que a esperada
para uma população na mesma faixa etária sem fratura 11.
Com o aumento da expectativa de vida, as Unidades Básicas
de Saúde devem preparar-se para atender a demanda de doenças
crônico-degenerativas que antes eram atendidas,
principalmente, pelos médicos-especialistas 27.
A Atenção Básica constitui-se no primeiro nível da atenção
à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), compreendendo um
conjunto de ações de caráter individual e coletivo, que engloba
a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento, a
reabilitação e a manutenção da saúde.
O Programa da Saúde da Família (PSF) insere-se no Nível de
Atenção Básica à Saúde, como um modelo importante de
aproximação da população com o SUS.
A Saúde da Família, estratégia priorizada pelo Ministério da
Saúde para organizar a Atenção Básica, tem como principal desafio
promover a reorientação das práticas e ações de saúde de forma
integral e contínua, levando-as para mais perto da família e, com
isso, melhorando a qualidade de vida dos brasileiros.
O atendimento é prestado pelos profissionais das equipes
de saúde da família (Médicos, Enfermeiros, Técnicos de
Enfermagem, Agentes Comunitários de Saúde, Dentistas e
Auxiliares de Consultório Dentário) na unidade de saúde ou
nos domicílios. Essa equipe e a população, acompanhadas, criam
vínculos de co-responsabilidade o que facilita a identificação, o
atendimento e o acompanhamento dos agravos à saúde dos
indivíduos e famílias na comunidade.
Alguns dos aspectos mais importantes do PSF são a
promoção da saúde e a prevenção de doenças, não existindo
outro modo de viabilizar tais metas se não for através do
planejamento, de forma a se preverem as dificuldades
enfrentadas e preparar o município, os profissionais e as
comunidades para essa tarefa.
OSTEOPOROSE
Diagnóstico
A Osteoporose é o tipo mais comum de doença metabólica
óssea, caracterizada pela redução de sua massa e
deteriorização da micro arquitetura do osso. Desse modo, o
osso diminui em quantidade, mas continua apresentando a
composição orgânica normal. Essa situação leva a uma maior
fragilidade estrutural e conseqüente aumento do risco de
fraturas devido a pequenos traumas 13.
Entre a adolescência e os 35 anos de idade, é atingido o pico
de massa óssea. A partir de então, ocorre normalmente, à medida
que as pessoas envelhecem, uma redução progressiva da massa
óssea devido à maior velocidade de reabsorção óssea se
comparado à de formação do osso 6 .
O diagnóstico da Osteoporose pode ser feito através de um
estudo radiográfico que evidencie fratura por fragilidade óssea
ao nível do colo femoral, punho, ombro e corpos vertebrais ou
através da medida de densidade óssea (BMD) 19.
97
Existem várias técnicas para a mensuração da densidade
mineral óssea, dentre elas, a Densitometria Óssea é hoje o exame
de referência para o diagnóstico da Osteoporose devido à sua
grande precisão, baixa dose de radiação, duração rápida do exame
e baixo custo.
Esse exame é realizado por técnica de DEXA-absorciometria
por Raios-X. O diagnóstico da Osteoporose é realizado pela
avaliação da coluna lombar, em incidência antero-posterior (AP)
e do fêmur proximal, colo femoral e/ou fêmur total e antebraço,
segundo os critérios propostos pela OMS. 19.
O maior valor preditivo para fratura, contudo, dá-se
quando se mede o próprio local de interesse. Por exemplo, o
melhor local para se avaliar risco de fratura da coluna é a
própria coluna 18.
Como a Densidometria Óssea tem custo elevado, há os
seguintes indicadores para reforçar, ou não, essa solicitação
pelo médico assistente:
→ Idade superior a 65 anos;
→ Diagnóstico prévio de osteoporose;
→ Sexo feminino da raça branca;
→ História de fraturas anteriores em qualquer osso;
→ Pacientes em uso de corticoterapia crônica;
→ Pacientes com hiperparatiroidismo primário;
→ Pacientes em tratamento da osteoporose, para controle da
eficácia da terapêutica9.
É considerado como Osteoporose quando a densidade
mineral óssea (BMD), ou massa óssea, está 2,5 pontos abaixo
do padrão normal para mulheres com 25 anos, estabelecido pela
Organização Mundial de Saúde.
Nessa fase, o risco de fraturas espontâneas ou não
traumáticas é elevado. Esse tipo de trauma pode acontecer,
quando a pessoa cai da sua própria altura, ou mesmo, quando
esbarra em algum objeto.
Se a densidade estiver entre 1,5 e 2,5 pontos de desvio
padrão-normal para mulheres, caracteriza-se a osteopenia, que
é uma situação pré-osteoporótica 28.
A doença instala-se de forma silenciosa, pois não há
sintomas claros que revelem o enfraquecimento do esqueleto.
Podem ser observadas perda de altura progressiva e
deformidades vertebrais, principalmente cifose dorsal.
Infelizmente, a maioria dos pacientes só descobre o problema
depois de fraturar algum osso. Algumas dessas fraturas podem
deixar seqüelas para o resto da vida do paciente, como:
dificuldade para caminhar, realizar as atividades habituais e, até
mesmo, prejuízo à respiração22.
As fraturas mais comuns na osteoporose são do corpo
vertebral, punho e quadril e, eventualmente, também em arcos
costais, bacia e ombro 29.
A osteoporose pode ser classificada como primária, ou seja,
aquela que não é gerada por alguma outra doença prévia, ou
secundária, decorrente de uma anormalidade endócrina ou
neoplásica, como: hiperparatireoidismo, diabetes mellitus,
corticoterapia prolongada, menopausa cirúrgica, tumores de
medula óssea e mieloma múltiplo 13.
A osteoporose primária pode ser dividida em pós-menopausa
(Tipo I), que ocorre devido à redução nos níveis do hormônio
estrogênio, e senil (Tipo II), que ocorre em ambos os sexos,
geralmente a partir dos 65 anos de idade 14.
A osteoporose, a exemplo de outras doenças crônicas, tem
etiologia multifatorial. Fatores genéticos contribuem com cerca
de 46% a 62% de densidade mineral óssea (DMO) e, portanto,
38% a 54% podem ser afetados por fatores relacionados ao
estilo de vida, tais como a nutrição 13.
98
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Os principais fatores de risco para osteoporose são passíveis
de controle, podendo ser classificados em genéticos, biológicos,
comportamentais e ambientais 13. Dos fatores genéticos e
biológicos, as pessoas brancas e as de origem oriental
apresentam maior risco de fraturas do que populações afrodescendentes, assim como mulheres de qualquer grupo racial
em relação aos homens.
Desse modo, o antecedente familiar, particularmente materno,
de fraturas osteoporóticas é uma indicação para o exame. É
também importante observar presença de escoliose, osteogênese
imperfeita e menopausa precoce.
O risco de fraturas também esta associado ao maior risco de
quedas, principalmente em pessoas com déficit visual, de força
muscular no quadríceps e/ou cognitivo, alterações de marcha e
disfunções neurológicas que afetem o equilíbrio 13.
Dos fatores comportamentais e ambientais, os mais
prevalentes são: alcoolismo, tabagismo, consumo excessivo de
café, falta de atividade física regular, longos períodos de
imobilização, má nutrição, baixa ingesta de cálcio, amenorréia
induzida por excesso de exercícios, dieta com alta ingesta de
fibras, fosfatos e proteínas.
O risco de fraturas osteoporóticas em usuários de
corticosteróide, por mais de seis meses, é de cerca de 30% a
50% superior aos indivíduos que não usam essa droga.
Drogas que provoquem hipotensão postural ou alterações
do equilíbrio, como anti-hipertensivos, barbitúricos,
benzodiazepínicos e diuréticos, podem também aumentar o risco
de quedas 18.
Ao se encontrar um paciente com queixas que levem à suspeita
de Osteoporose ou, ao se reavaliar um paciente cujo diagnóstico
já esteja confirmado, os principais aspectos a serem investigados
no exame físico são: estatura, peso corporal, hipercifose dorsal,
abdômen protuso, outras deformidades esqueléticas e sinais
físicos de doenças associadas à osteoporose 13.
Poderão ser solicitados exames complementares, como os
testes laboratoriais, chamados neste caso de marcadores
bioquímicos de formação e reabsorção óssea, pois identificam
mudanças na remodelação óssea em curtos intervalos de tempo.
Seu emprego é bem definido na monitorização do tratamento.
A osteocalcina e a fosfatase alcalina são indicadores de
formação óssea, enquanto a piridinolina, a deoxipiridinolina e
os telopeptídeos do colágeno tipo 0 são da reabsorção óssea 12.
Os exames radiológicos são indicados para o diagnóstico das
fraturas; porém, esta técnica não deve ser utilizada para
diagnosticar Osteoporose, visto que sinais de descalcificação
só se tornam evidentes quando a perda de massa óssea é
superior a 30%, achado tardio e já sem a devida importância
nessa patologia 29.
Os pacientes que apresentam redução inesperada da estatura
ou quadro doloroso vertebral devem realizar radiografias da
colunas dorsal e lombar para investigar possível imagem de
fratura do corpo vertebral.
Os exames radiográficos, assim como os testes laboratoriais,
são úteis para o diagnóstico diferencial de outras doenças que
possam acometer o osso 13.
Tratamento
O tratamento da Osteoporose engloba abordagem
multicêntrica, sendo as medidas profiláticas vistas como fatores
de sucesso no desfecho da melhora da patologia.
Uma boa nutrição, consistindo de dieta balanceada, com
quantidade de calorias satisfatória e suplementação de cálcio e
vitamina D, quando necessários, dará ao indivíduo uma massa
óssea adequada. O nutriente mais importante para o osso é o
cálcio; sua suplementação na alimentação pode ser usada,
também, como prevenção e tratamento da osteoporose. Suas
principais fontes são o leite e seus derivados, mas pode ser
encontrado em diversos tipos de alimentos 8 , como mostrado
no quadro 1.
Os suplementos de Cálcio são disponíveis em vários tipos de
sal. Alguns deles são: carbonato, citrato, lactato e o gluconato 25.
A Vitamina D é produzida na pele depois de adequada
exposição solar. Embora considerado, atualmente, um hormônio,
permanece sendo chamada de vitamina, pois se acreditava ser
sua maior fonte de origem, a dietética. Sabe-se hoje que a
vitamina D pode ser sintetizada pela pele sob a catalisação dos
raios solares, mais especificamente os raios ultravioletas de
comprimento de onda entre 230 a 313 nm, no horário das 7:00 às
9:00 horas da manhã. 3 .
A vitamina D é uma substância fundamental para a
manutenção de um esqueleto de boa qualidade, ou seja, para a
manutenção de uma boa densidade óssea.
Nos idosos, a síntese cutânea de vitamina D equivale a um
terço da produção do indivíduo jovem, quando submetidos a
uma mesma quantidade de irradiação de luz solar. Além disso,
geralmente, os idosos costumam permanecer a maior parte do
tempo em ambientes fechados e utilizar roupas que cobrem mais
a pele quando estão fora de casa.
Os idosos, portanto, são uma população de risco para
deficiência de vitamina D, principalmente aqueles residentes em
asilos ou confinados ao espaço de sua residência 7 .
A atividade física é importante para prevenção e tratamento
da osteoporose. Os exercícios físicos ativos de contração
muscular, estimulam a formação e o fortalecimento da massa
óssea, reduzindo o risco de osteoporose.
Em indivíduos idosos, atividades com carga, como a marcha,
têm mais efeitos vantajosos sobre os ossos do que as que não
recebem carga, como a natação ou atividades aeróbicas;
portanto, a atividade física com carga aumenta a massa muscular
e, conseqüentemente, a massa óssea, promovendo uma melhor
qualidade de vida ao paciente.
A atividade física deve ser feita pelo menos três vezes por
semana, em dias alternados, durante no mínimo 30 minutos.
Atividades físicas leves podem ser realizadas diariamente, enquanto
as atividades que exigem mais da musculatura e dos ossos devem
ser realizadas com intervalos de 48 horas, em média 20.
Como precaução para evitar quedas é fundamental rever o
conceito da “Casa Segura”¹ que é um programa preventivo,
estimulado pela Sociedade Brasileira de OrtopediaE , que visa a
desenvolver medidas de segurança na residência e nos trajetos
das pessoas. São valorizados a luminosidade, a redução de
esforços e cargas, a funcionalidade, a praticidade, a
acessibilidade, a higiene, a acústica, a integração com outros
cômodos, a ergonomia, a estética e o conforto.
Sugestões para atingir esses objetivos seriam utilizar pisos
antiderrapantes em escadas, banheiros e cozinha, evitar
obstáculos ou objetos soltos nos trajetos da casa, manter uma
altura confortável e segura de móveis e armários e uma iluminação
noturna nas paredes.
Muitos pacientes com desconforto relacionado a fraturas
osteoporóticas ou deformidades beneficiam-se de um programa
de fisioterapia, onde são realizados sessões com aparelhos de
ultra-som, tensys, ondas curtas, com o objetivo analgésico e
antiinflamatório.
E
Texto completo disponível em www.sbot.org.br.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
99
Quadro 1. Alimentos “Amigos”* dos Ossos: quantidade (mg) de Cálcio em 100g dos alimentos.
:
Abóbora (folhas)447
Açaí 118
Açafrão em pó 250
Aipim (folhas) 303
Açaí (suco) 110
Alfafa 525
Alcaparra 122
Aveia (grão cru) 281
Amêndoa 254
Avelã 287
Aveia (preparo instantâneo) 392
Badejo Cru 181
Azeitona Verde 122
Brócolis (folhas cruas) 400
Bolo Trigo 217
Café Solúvel 179
Brócolis (folhas) 513
Camarão em conserva 145
Camarão cru congelado 145
Castanha do Pará 172
Camarão Cozido 96
Coalhada 490
Chocolate + leite açucarado 213
Doce de Leite 176
Couve Manteiga 330
Farinha Láctea 260
Enchova cozida 173
Farinha de soja (262 se com
alto conteúdo de gordura; ou 324
se baixo conteúdo de gordura)
Farinha de peixe 4610
Feijão vermelho 100
Feijão branco miúdo 476
Flocos de cereais 550
Figo dessecado 223
Gergelim (sementes) 417
Gema de ovo de galinha (cozido) 123
Iogurte 120
Hortelã (folhas) 194
Leite de vaca integral 123
Leite de cabra 200
Melado de cana 591
Manjuba salgada 530
Mostarda 333
Mexilhão cozido 127
Namorado cozido 66
Namorado cru 252
Ovo de Galinha (inteiro, cru) 73
Ovo de codorna 62
Pão de Cevada 60
Ovo de galinha (inteiro, cozido) 54
Peixe de água doce (frito) 124
Pão de milho 110
Queijo de minas 635
Sardinha em conserva (azeite) 402
Queijo gorgonzola italiano 340
Queijo Ementhal suíço 1100
Queijo provolone italiano 925
Queijo prato 1023
Soja (Farinha industrializada) 263
Soja cozida 90
Soja (Leite em pó) 275
Soja (Farinha industrializada) 263
Traíra (peixe) 645
Sorvete de Creme 150
Tremoço (amarelo cozido 211; e cru 1.087)
(*)O Organismo não fabrica cálcio, que é encontrado nos alimentos. Na melhor idade o organismo utiliza cerca de 1500mg/dia.
Fonte: Franco, 1997.
O tratamento farmacológico para a osteoporose é feito à
base de drogas classificadas como anti-reabsortivas ou
estimuladoras da formação óssea. Como drogas anti-absortivas
temos: estrógeno, calcitonina, bifosfonato e alendronato e, como
formadoras de osso, temos o hormônio da paratireóide (PTH),
usado na dosagem de 20 mcg/dia 1.
O raloxifeno é um medicamento da classe dos moduladores
seletivos de receptores de estrogênio, que previne a perda de
massa óssea e diminui o risco de fraturas vertebrais em 40% a
50%, em pacientes com osteoporose. Utiliza-se, como esquema
posológico, dose de 60 mg/dia por via oral.
Os bifosfonados e os alendronatos são agentes anti-reabsortivos
que aumentam a massa óssea na coluna e no fêmur e reduzem o
risco de fraturas vertebrais em 30% a 50%. O esquema posológico
para os bifosfonados é de 5 mg/dia e dos alendronatos 10 mg/
dia ou 70 mg/semanal via oral. 1.
A calcitonina do salmão reduz o risco de fraturas vertebrais
em 33% a 36% na dose de 200 ui/dia por via nasal. Se uma causa
secundária da Osteoporose estiver presente, o tratamento
específico deverá ser direcionado para essa patologia. É
importante, notar, no entanto, que cada indivíduo possui um
metabolismo diferenciado e cabe somente ao médico indicar o
tratamento adequado para cada paciente 26.
O PLANEJAMENTO DA SAÚDE FAMILIAR (PSF) E A
OSTEOPOROSE
Baseando-se na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, em seu capítulo ll, no artigo 6º, está assegurado
o direito de saúde aos cidadãos brasileiros.
Para dar acesso aos meios necessários para se ter esse direito
assegurado, introduziu-se o conceito de Atenção Básica à Saúde
que seria o conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo,
situado no 1º nível de atenção dos sistemas de saúde, voltado
para a promoção de saúde, da prevenção de agravos, o
tratamento e a reabilitação. No sentido de ampliar as ações do
PSF, propõe-se a inclusão das medidas preventivas da
Osteoporose no contexto das atividades desenvolvidas em uma
Unidade de Saúde da Família pelo Médico Clínico, pela
Enfermeira, pelo Técnico de Enfermagem e pelo Agente
Comunitário de Saúde. Esse projeto não teria custo adicional
para o sistema e traria repercussões sociais de grande
abrangência.
Em 1999, nos EUA, as despesas gerais com o tratamento da
osteoporose atingiram US$ 21 bilhões, valor que inviabiliza
qualquer programa de assistência médica para os países em
desenvolvimento 15.
100
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
A magnitude monetária obtida nos dados do IBGE em
2002, em que 27,6% das mulheres brasileiras encontram-se
acima de 40 anos, justifica-se a busca incessante por
metodologias com compromisso social para serem aplicadas
a partir do menacme15.
As fraturas proximais do fêmur são associadas com maior
número de mortes, incapacidade física e custo médico maior
do que as outras fraturas osteoporóticas juntas (vértebras e
rádio distal), demonstrando a importância das medidas
preventivas, como fator de diminuição do custo da previdência
social 23.
A Osteoporose representa um problema de saúde importante,
que acomete um número cada vez maior de pessoas,
principalmente as mais idosas. De acordo com dados fornecidos
pelo Programa “Casa Segura” (www.sbot.com.br), os idosos
chegarão a 17 milhões de pessoas em 2020, isto é, 1, em cada 13
brasileiros, será idoso.
Nessa mesma fonte, é possível constatar que as lesões
traumáticas nos idosos são responsáveis por um terço dos
atendimentos do SUS. Dessa forma, a atenção especial a esse
problema, como parte da atenção básica à saúde, pode ser o
passo inicial para diminuir o surgimento de novos casos e uma
importante estratégia para acompanhar casos já existentes de
forma mais contínua e eficaz.
Nesse sentido, para se inserir a Osteoporose e suas
complicações no Programa de Atenção Básica a Saúde, faz-se
necessário criar normas e rotinas que facilitem a adesão e
inclusão no programa da população considerada de risco.
O planejamento com base nos critérios epidemiológicos e
sociais é a base para o desenvolvimento das ações na Saúde da
Família.
Os estudos disponíveis sobre o efeito da tecnologia da
densitometria óssea foram revisados, e análises de custoefetividade e alternativas de intervenção frente à assistência
tradicional são apresentadas, considerando mulheres na
perimenopausa e com 65 anos de idade.
O custo incremental por fratura evitada foi elevado: acima
de R$ 10.000,00 para quaisquer das alternativas de intervenção
examinadas, sendo o custo médio estimado das fraturas assistida
dentro da alternativa tradicional inferior a R$ 2.000,00 o que
indica que a implementação no SUS de qualquer uma das
alternativas em pauta seria questionável segundo critérios de
eficiência no uso de recursos e de eqüidade 27.
Para efetivar o processo de inclusão da prevenção da
osteoporose no PSF, a equipe deverá manter todas as suas
atividades anteriores, acrescentando as seguintes rotinas:
1) Conhecer a realidade das famílias responsáveis, com ênfase
nas suas características sociais, econômicas, culturais,
demográficas, epidemiológicas e de moradia;
2) Identificar os problemas de saúde e situações de risco mais
comuns na população com 50 ou mais anos de idade, com
hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, cardiopatias,
uso de corticosteróide, menopausa cirúrgica, alcoolismo,
fumo, má nutrição e fraturas antigas.
3) Elaborar, com a participação da comunidade, um plano local
de melhoria das condições de moradia pessoal, coletiva e
conscientização dos riscos da osteoporose;
4) Realizar visitas domiciliares de acordo com o planejamento,
para identificar, equacionar e estimular os conceitos de casa
e ambiente seguro, além da melhoria dos hábitos alimentares;
5) Fomentar a participação popular, discutindo com a
comunidade conceitos da cidadania, direito à saúde e
moradia;
6) Promover ações intersetoriais e parcerias com organizações
formais e informais para o enfrentamento conjunto dos
problemas de moradia segura e saudável.
Caberá ao Médico
1) Realizar consultas clínicas em mulheres de 50 ou mais anos
de idade;
2) Visitar o domicílio no sentido de orientar hábitos alimentares
com produtos ricos em cálcio, verificar as condições de
moradia na área externa e interna do domicílio e discutir com
os moradores os conceitos de casa e ambiente seguro;
3) Aliar a atuação clínica à prática de saúde coletiva,
incentivando a exposição solar das 7:00 às 9:00 horas da
manhã e estimular a atividade física regular;
4) Fomentar a criação de grupos de patologias específicas, como
hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, saúde mental
e osteoporose;
5) Realizar o pronto atendimento médico em casos de fraturas;
6) Encaminhar aos serviços de maior complexidade, quando
for necessário;
7) Solicitar exames laboratoriais de rotina, acrescentando os
de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina;
8) Prescrever medicações profiláticas, como a Suplementação
do Cálcio e a Vitamina D.
Caberá ao Enfermeiro
1) Realizar cuidados de enfermagem nas fraturas, fazendo
indicação para continuidade da assistência prestada;
2) Realizar consultas de enfermagem, transcrever e prescrever
medicações e orientações conforme protocolos estabelecidos
e competências legais;
3) Realizar palestras educativas sobre osteoporose, risco de
fraturas, alimentação adequada rica em Cálcio, atividade
física regular e a conceituação de casa e ambiente seguro;
4) Realizar ações de saúde em diferentes ambientes, na Unidade
de Saúde da Família e no domicílio;
5) Organizar e coordenar a criação de grupo de patologias
(hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, saúde
mental e osteoporose);
6) Organizar campanhas contra o uso do álcool e do fumo;
7) Organizar eventos voltados para a atividade física regular.
Caberá ao Técnico de Enfermagem
1) Realizar procedimento de enfermagem dentro das
competências técnicas legais;
2) Realizar procedimentos de enfermagem nos diferentes
ambientes, Unidades de Saúde da Família e nos domicílios,
dentro do planejamento de ações traçadas pela equipe no
que se refere aos cuidados preventivos da osteoporose;
3) Realizar uma busca ativa da população de risco para a
osteoporose;
4) Realizar ações de educação higiênica e alimentar
5) Estimular medidas para transformação do ambiente domiciliar
e peri domiciliar em lugar seguro.
Caberá ao Agente Comunitário de Saúde
1) Realizar mapeamento da sua área;
2) Cadastrar a população de risco e atualizar sempre o cadastro;
3) Identificar moradias em situações de risco;
4) Identificar área de risco;
5) Realizar visitas domiciliares, mensalmente, para acompanhamento do processo de prevenção da osteoporose e suas
conseqüências;
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
6) Identificar parceiros e recursos existentes na comunidade
que possam ser potencializados pela equipe no sentido de
estimular medidas alimentares adequadas, atividade física
regular e adequação do ambiente e da casa segura.
CONCLUSÕES
O PSF é um Programa de Saúde Básica para a população
brasileira, que tem contribuído de maneira significativa para
melhoria das suas condições de vida.
Acrescentar ao programa, a prevenção da osteoporose,
diminuição dos riscos de queda e melhoria das condições de
moradia, contribuiria para uma melhor atenção a um grupo da
população que cresce, anualmente, em larga escala.
Essa mudança demográfica leva à transição epidemiológica,
caracterizada pela queda da mortalidade infantil, redução das
doenças infecciosas e aumento das doenças crônicodegenerativas, como a osteoporose 27.
O aumento da morbimortalidade pela osteoporose está
associado a custos econômicos significativos, relacionados à
hospitalização, cuidados ambulatoriais, institucionalização,
incapacidades e mortes prematuras.
As intervenções profiláticas, baseadas na tecnologia da
Densitometria Óssea, demonstraram alto custo no final do
tratamento, inviabilizando a sua realização.
É preciso que o governo, profissionais da área de saúde e a
população entendam o desafio, que é a identificação precoce
dos fatores de risco para a osteoporose e se mobilizem para um
programa de educação e intervenção contínua, prática que ainda
fica muito a desejar no Brasil.
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102
II.8
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Alcina Maria Vinhaes Bittencourt
Catarina de Andrade Regis
Catarina Tâmara Ribeiro
Cristina Brasileiro Silva
Fernando C. C. de Figueredo
Maria Almeida Dias
Maria Cardoso Guerreiro Costa
Rodolfo Godinho S. Dourado Lima
Palavras-chaves:
Diabetes Mellitus, Prevenção,
Complicações 4.Educação, Tabus,
Programa de Saúde da Família,
Tratamento.
DIABETES MELLITUS: DESFAZENDO
CRENÇAS E TABUS
INTRODUÇÃO
Diabetes Mellitus (DM) é uma condição crônica na qual há concentração aumentada
de glicose sangüínea, causada pela falta absoluta ou relativa da insulina secretada pelo
pâncreas. Ou seja, quando a insulina não estiver sendo produzida ou quando houver
insuficiência de ação da mesma em relação às necessidades do organismo.
O Diabetes tem sido conhecido como uma doença desde a antiguidade. A palavra
“Diabetes” vem do grego, significando “passar por” e foi utilizada pela primeira vez por
Arataeus de Cappadocia no segundo século d.C., que forneceu uma descrição clínica da
doença, mencionando o fluxo urinário aumentado, sede e perda de peso, características
que são ainda hoje importantes para o diagnóstico.(3) O sabor doce da urina semelhante
ao do mel, em pessoas poliúricas, foi valorizado durante o quinto e sexto século d.C. por
médicos indianos. A produção de conhecimentos em Diabetes Mellitus tem ocorrido em
progressão geométrica e a todo momento ocorrem constantes mudanças nos conceitos
e parâmetros de diagnóstico e tratamento do Diabetes.
Diabetes Mellitus atinge proporções epidêmicas em todo o mundo, particularmente
no mundo desenvolvido. Projeções do DM DATA BASE e da Organização Mundial de
Saúde (OMS) sugerem que existem 180 milhões de indivíduos diabéticos em todo o
mundo. No Brasil, a prevalência foi de 7,8% em uma amostra probabilística da população
de 22.069.905 de indivíduos rastreados pelo Ministério da Saúde em 2001 e atendidos
pelo Serviço Único de Saúde.
Como problema de saúde pública em rápida expansão, o Diabetes Mellitus requer
uma ação coletiva na prevenção primária e secundária e melhoramento da disponibilidade
e da eficácia da atenção às pessoas portadoras. A educação à saúde para os seus
portadores de como conviver com a sua condição é a chave para se conseguir o objetivo
preventivo das complicações do DM a longo prazo, e depende de esforços constantes
da comunidade, dos portadores de diabetes, de suas famílias, das equipes
multidisciplinares, da comunidade científica e técnica e dos gestores.
O diabetes é uma condição de custo elevado para o serviço público e para a
comunidade. O clínico, na prática, por muitas vezes é difícil por causa da escassez de
pessoal especializado em cuidados com a saúde, de drogas e de equipamentos para
monitorização.
Conscientes da necessidade de tomar medidas para melhorar a qualidade da atenção
médica das pessoas com diabetes nas Américas, em 04 de agosto de 1996, na cidade de
San Juan de Puerto Rico, a Federação Internacional de Diabetes (FID), a Organização
Panamericana de Saúde (OPAS), junto com as Associações Nacionais de Diabetes e seus
governos na América do Norte, Central e do Sul, se posicionaram de acordo sobre um
plano estratégico de prevenção e tratamento do diabetes e redigiram um documento
denominado de “A declaração das Américas”:
Milhões de portadores de diabetes não são diagnosticados, milhões não são tratados
adequadamente. Para transformar este quadro alarmante é necessário um plano estratégico
de ação e compromisso, para aqueles que sofrem de diabetes reconhecendo-o como um
problema de saúde pública grave, e implementando um programa de atenção nos postos de
saúde da rede básica nas capitais e no interior com equipes multidisciplinares que visasse:
→ Assegurar a disponibilidade de medicamentos e insumos para um bom controle, com
distribuição regular.
→ Inclusão do diabetes no programa de medicamentos de alto custo e de novos
medicamentos.
→ Incentivar a aprovação de leis que visam assegurar o direito constitucional dos
portadores de diabetes, ao seu melhor tratamento.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
103
→ Cooperação com as Secretarias de Saúde estaduais e
municipais e Ministério da Saúde, para que todos esses
benefícios sejam implementados.
→ Conscientização pública e dos gestores de saúde sobre a
importância de ações globais em diabetes.
O objetivo maior é de promover a aderência ao tratamento, e
a consciência do autocuidado, orientando continuamente o
diabético, desfazendo mitos, crenças e tabus, sensibilizando-os
a reajustar sempre seus estilos de vida.
Ocorre principalmente em gestantes com idade superior a 25
anos, e com aumento de peso excessivo durante a
gestação(6).Parece representar um estágio do DM tipo 2, uma
vez que costuma mais adiante reaparecer como tal.
CLASSIFICAÇÃO DO DIABETES MELLITUS (DM)
Tolerância diminuída a glicose
São os casos em que os pacientes não apresentam os sinais
e sintomas típicos de DM, porém apresentam uma intolerância à
glicose detectada pelo teste de tolerância a glicose oral. Desses
pacientes, cerca de 2 a 5% progridem para o DM propriamente
dito a cada ano, enquanto muitos revertem resultados normais
em testes subseqüentes(6).
Muitas já foram as tentativas de estabelecer uma
classificação para o Diabetes Mellitus (DM) globalmente aceita,
de fácil aplicação prática e entendimento(3). Diversos critérios
foram utilizados para isso, sem no entanto alcançar a clareza e
objetividade necessárias quanto aos aspectos clínicos e
epidemiológicos, dada a complexidade e heterogeneidade desta
patologia8.Para citar exemplos:
- Quanto à idade: DM da infância e adolescência x DM da
maturidade;
- Quanto ao peso: DM magro x DM obeso;
- Quanto ao uso de insulina: DM insulino-dependente x DM
não insulino-dependente;
- Quanto a cetose: DM com tendência a cetose x DM sem
tendência à cetose.;
- Quanto à etiologia: DM genético x DM secundário.
Nenhum desses critérios conseguiu ser suficiente nem
satisfatório à criação de classificação amplamente aceita (3).A
atual proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1999)
é uma revisão da classificação apresentada pela Associação
Americana de Diabetes (ADA, 1997) e se baseia em critérios de
etiopatogenia do DM (6).
DM tipo 1
É uma condição hiperglicêmica por conta da produção
deficiente de insulina decorrente da destruição das células beta
pancreáticas, decorrente de doença autoimune ou de causas
desconhecidas. Seus portadores têm maior tendência a
cetoacidose e corresponde a 5% a 10% do total de casos3.Existe
uma forma clínica com progressão rápida, que geralmente
apresenta sintomatologia logo na infância ou adolescência e
outra forma de progressão lenta, cuja sintomatologia surge na
idade adulta, sendo referida como diabetes auto-imune latente
no adulto (LADA) (6).
DM tipo 2
É uma condição resultante de diversos graus de resistência
periférica à ação da insulina associada também deficiência relativa
da secreção de insulina(6).Acomete principalmente pacientes
acima dos 40 anos, os obesos, e dentre esses, preferencialmente
aqueles com distribuição abdominal da gordura e os
sedentários(6). São pacientes menos propensos a situações de
cetoacidose, e esta, quando ocorre, geralmente é precipitada
por infecção, muitas vezes assintomática. Corresponde a 85% a
90 % do total dos casos(6). Atualmente, sua incidência vem
aumentando bastante devido ao crescente aumento dos casos
de obesidade.
DM gestacional
É a diminuição da tolerância à glicose, em vários graus de
intensidade, que tem diagnóstico pela primeira vez durante a
gravidez, geralmente desaparecendo após o parto ou não(6).
DM secundário
Aqueles casos nos quais o DM surge como conseqüência
da existência de outros fatores conhecidos e confirmados,
apresentados no quadro 1.
SINAIS E SINTOMAS DO DM
Embora o início do Diabetes possa ser totalmente
assintomático, especialmente no DM tipo 2, os sinais e sintomas
mais comuns são:
- Fome (polifagia) e sede (polidipsia) exageradas;
- Urinar muitas vezes ao dia (polaciúria) ou em grande quantidade
(poliúria);
- Rápida alteração do peso corporal(ganho ou perda);
- Infecções de pele ou prurido vaginal;
- Dificuldade de cicatrização;
- Desânimo, cansaço;
- Suor frio;
- Disfunção eréctil;
- Pressão arterial elevada;
- Palpitações;
- Cãimbras, tremores;
- Alterações visuais;
- Hipotensão postural;
- Diminuição da sensibilidade (tatil, térmica e dolorosa).
FATORES DE RISCO AO DM
Diversos fatores ambientais afetam a incidência de DM tipo
2, como exemplo daqueles que aumentam bastante o risco temos:
a obesidade, ganho de peso e a inatividade física, sendo que a
última atua independentemente da obesidade. O uso de cigarro
acrescenta um pequeno aumento enquanto um consumo
moderado de álcool associa-se a uma diminuição do risco.
Adicionalmente, a dieta pobre em fibras e rica em alimentos
capazes de elevar a glicemia aumentam o risco de Diabetes tipo
2 e certos ácidos graxos na dieta podem afetar diferentemente a
resistência à insulina e o risco de DM (12).
A Síndrome Metabólica, que é um conjunto de fatores de
risco cardiovasculares que comumente se associam (obesidade,
dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica e intolerância a glicose)
é considerada como predisponente do DM tipo 2, embora nem
todos os portadores dessa síndrome desenvolvam Diabetes(23).
O componente genético também é relevante fator associado
ao desenvolvimento do DM tipo 2. Isso fica demonstrado pelo
fato de um paciente com história familiar ter possibilidade cinco a
dez vezes maior de desenvolver a doença em relação à população
geral, havendo concordância de 90% em gêmeos univitelinos(17).
Outros fatores de risco para o desenvolvimento de DM tipo
2 são idade acima de 45 anos, evidência de tolerância à glicose
comprometida, diabetes gestacional, e hipertensão arterial(23).
104
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Quadro 1. Etiologias do diabetes mellitus secundário.
Etiologia do DM secundário
Pancreatopatia
Disfunções hormonais
Uso de medicamentos
Síndromes genéticas
Infecções
No diabetes tipo 1, os fatores de risco são: doença autoimune, predisposição genética e fatores ambientais(23).
Fatores ambientais, como obesidade e sedentarismo, têm
grande interação com a suscetibilidade genética, colaborando
com aumento da resistência à insulina e maior risco de
desenvolvimento do diabetes. Também, o sedentarismo favorece
a obesidade, que por si só, é um importante fator de risco para o
diabetes tipo 2. Com o aumento das taxas de obesidade, maior a
probabilidade de mais casos do diabetes tipo 2. Assim, a
atividade física e a perda de peso poderão contribuir para reduzir
o risco de desenvolver esse tipo de diabetes(17).
A depressão também aparece como importante fator de risco
para o desencadeamento da diabetes, principalmente no caso
da diabetes tipo 2, sugerindo que o estado depressivo provoca
alguma alteração hormonal capaz de precipitar o aparecimento
da hiperglicemia(18). Além disso o uso de antipisicóticos recentes
tem favorecido o aparecimento de DM tipo 2.
SITUAÇÕES ESPECIAIS
Idosos
Diabetes é uma condição comum em pessoas idosas,
acometendo pelo menos 20% das pessoas com idade superior a
65 anos.(2) Com o aumento da expectativa de vida em todo o
mundo e o conseqüente envelhecimento da população, cada
vez mais há indivíduos com diabetes diagnosticado mais
tardiamente e também indivíduos, já diabéticos, que atingem
idades mais avançadas.(19)
Dentro desse contexto, há necessidade de estabelecer
estratégias para lidar com a heterogeneidade clínica e funcional,
muito presente nesta faixa etária, de forma a conseguir o melhor
controle metabólico nos indivíduos diabéticos.(19)
Exemplos
Pancreatite crônica calcificada ou litiásica
Pancreatite alcoólica
Exérese do pâncreas
Hemocromatose
Fibrose cística
Carcinoma
Síndrome de Cushing (aumento de glicocorticoides)
Acromegalia (excesso de hormônio do crescimento)
Feocromocitomas
Hipertireoidismo
Glucagonoma
Aldosteronismo primário
Corticóides
Anticoncepcionais orais
Diuréticos tiazídicos
Imunossupressores (ex: azatioprina)
Colchicina
Síndrome de Down
Síndrome de Turner
Rubéola congênita
Citomegalovírus
Caxumba
Hepatite (vírus B e C)
Coxsackie do grupo B
Sarampo
Mononucleose
O tratamento do diabetes em pessoas idosas deve seguir os
mesmos princípios e objetivos recomendados aos menores de
65 anos, priorizando o atendimento multidisciplinar e,
preferencialmente, sempre com a mesma equipe de profissionais,
de maneira a criar melhor relação equipe-paciente, o que tem
direto nexo com a maior adesão ao tratamento.(5,19) Por se tratar
de um grupo bastante heterogêneo, como previamente citado,
deve ser individualizado o tratamento de acordo com a idade
biológica, presença de co-morbidades (relacionadas ou não com
o diabetes), aspectos psicossociais e limitação de funções físicas
ou cognitivas (alteração visual e auditiva, perda de memória,
incapacidade motora, dentre outras).(19)
A educação em diabetes se faz especialmente necessária
nessa faixa etária, devendo ser exercida por um profissional
treinado para lidar com este tipo de paciente e suas
peculiaridades. Deve se dar ênfase ao reconhecimento de
hipoglicemia e hiperglicemia (e como tratar) ao uso de outras
medicações e à monitorização.(2,19)
A dieta deve ser valorizada em diabéticos de todas as faixas
etárias, sendo tratamento de eleição em pessoas idosas,
objetivando garantir conteúdo calórico adequado e
fornecimento de nutrientes, sofrendo adequação para cada caso
em particular. Não devem ser impostas mudanças radicais na
dieta para que não ocorra a rejeição.(19)
Em pacientes obesos, deve ser explicada a importância da
redução do peso para a melhora do controle metabólico, assim
como para a redução da resistência a insulina. Com a redução
do peso, também há melhora do sistema cardiovascular e do
osteoarticular, freqüentemente comprometidos nos idosos. Como
em todos os passos do tratamento do diabetes em idosos, não
se pode desconsiderar a presença potencial ou real de comorbidades , fazendo sempre as adaptações necessárias.(19)
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
A atividade física é fundamental sobretudo para o alcance
da redução de peso. Mas devem ser sempre consideradas as
incapacidades que surgem nos idosos, sobretudo aquelas dos
sistemas osteoarticular e cardiovascular. A “caminhada” deve
ser estimulada tendo a duração inicial de 20-30 minutos, podendo
chegar até uma hora diária. Exercícios de alongamento também
devem ser realizados, para aumentar a elasticidade. Se houver
dor ou qualquer desconforto, o exercício deve ser
descontinuado. A avaliação cardiovascular periódica se faz
necessária sempre; ressalta-se a importância desta avaliação,
uma vez que diabéticos do tipo 2 podem apresentar infarto do
miocárdio sem dor. (19)
Diabetes na Gravidez
Mulheres com diabetes pré-existente que engravidam são
de controle glicêmico mais difícil. Isto ocorre porque os
hormônios da placenta secretados durante a gravidez, como a
progesterona, são responsáveis por um aporte maior de glicose
ao sangue materno, uma vez que têm ação contrária à insulina.
(30)
O risco de má-formação congênita nos fetos dessas mulheres
está diretamente relacionado ao grau de hiperglicemia que a
mãe apresenta, principalmente nas primeiras oito semanas de
gestação. (2,30) Nas pacientes mal controladas neste período, a
taxa de casos com má-formação pode atingir até 30 %, enquanto
em mulheres não-diabéticas esta taxa é de 1-2%.(2,30) Esse risco
é maior se houver elevada concentração de hemoglobina glicada
no primeiro trimestre. (2)
O crescimento acelerado e inadequado do feto (macrossomia)
também pode ocorrer nessas situações, decorrente do aumento
da liberação da glicose e de outros nutrientes da mãe para o
feto, sendo isto um estímulo às ilhotas pancreáticas que ao
produzirem muita insulina (hormônio anabólico), levam ao
acúmulo de gordura abdominal, organomegalia e crescimento
esquelético acelerado. (4,30)
Além disso, a taxa de natimortalidade é quatro vezes maior
nessas mulheres quando comparada à observada nas mulheres
não-diabéticas. (30) Fica evidenciado dessa forma que o diabetes
materno influencia em vários aspectos a gravidez e o concepto
e, portanto, merece especial atenção .
As mulheres diabéticas que estão em idade fértil devem ser
orientadas quanto às complicações e riscos da gravidez e também
sobre as exigências para uma gravidez bem sucedida. Os
profissionais de saúde devem ser treinados para estimular a
gravidez planejada nessas mulheres, com o objetivo de reduzir
o número de complicações e para que façam um controle
glicêmico mais adequado. (2,22,30) A contracepção efetiva é
indicada em todos os momentos, exceto quando a paciente estiver
em bom controle metabólico e com desejo de engravidar. (2)
Portanto, a mulher diabética que planeja engravidar deve
ser orientada quanto aos cuidados pré-concepção, dentre os
quais se destacam: atingir níveis de hemoglobina glicada próximo
do normal sem hipoglicemia excessiva; continuação de uso de
contracepção efetiva até que se consiga o controle glicêmico
adequado; identificar, avaliar e tratar as complicações tardias
do diabetes, como retinopatia, nefropatia, doença coronariana
crônica, hipertensão arterial sistêmica e neuropatia. (2,15)
Crianças e adolescentes
O diabetes mellitus nessa faixa etária apresenta certas
particularidades, que devem sempre ser lembradas. A criança é
insulino-dependente na maioria das vezes, pois o seu pâncreas
é praticamente incapaz de produzir a insulina para atender às
105
suas necessidades fisiológicas e, por isto, não responde ao
tratamento com medicações orais. (9)
Outra particularidade da criança com diabetes é a facilidade
do descontrole glicêmico, chamado de diabetes lábil por
apresentar ora hiperglicemia e/ou coma, ora hipoglicemia. Essa
instabilidade torna difícil avaliar o grau de controle, sendo muitas
vezes agravada pelas condições sócio-econômicas e pelo grau
de instrução da criança, dos pais, dos professores e da
comunidade onde vive a criança, como também pelo
desconhecimento sobre diabetes.
Os adolescentes diabéticos podem sofrer outras
interferências, sobretudo no relacionamento social, e muitos
deles não revelam aos seus amigos e namorados (as) a existência
do diabetes, com receio ou medo de rejeição ou de despertar
sentimentos próximos à compaixão. Nas adolescentes é um
momento de angústia e indagações principalmente com relação
aos efeitos de uma futura gestação sobre os bebês.(9)
Para que a criança diabética tenha o direito à medicação e
aos instrumentos de aplicação da insulina (seringas ou canetas)
ela deve ser encaminhada à Procuradoria de Assistência
Judiciária do Ministério Público do Estado, pois alguns
municípios já apresentam legislação estadual própria, como o
Rio de Janeiro e São Paulo.
Esses diabéticos especiais devem ser encaminhados aos
serviços especializados no tratamento de crianças diabéticas
para que recebam assistência adequada, orientação e também,
para as colônias de férias, acampamentos ou grupos sociais,
para que, junto com os seus pares, conheçam melhor como
conviver com o seu diabetes, em especial nos momentos de
descontrole glicêmico, como na hiperglicemia e hipoglicemia.
Os profissionais de saúde devem aprender com pessoas
especializadas em diabetes infanto-juvenil, pois muitas vezes
um contato por telefone pode resolver a situação-problema
desses diabéticos tão especiais. (7)
COMPLICAÇÕES
O DM tipo 2 é uma doença comum e grave, a qual imprime
pesado ônus ao sistema de serviços de saúde, decorrente do
tratamento e de suas complicações, bem como aos portadores e
às suas famílias. É estimado que 50% dos pacientes diabéticos
permanecem não detectados. Isso explica porque, no momento
do diagnóstico, muitos pacientes diabéticos têm sinais de
complicações micro e macrovasculares.
No Quadro 2, foram listadas as principais manifestações
observadas quando há hipoglicemia ou hiperglicemia no
indivíduo com diabetes mellitus.
Níveis elevados e contínuos de glicose no sangue podem
provocar alterações nos nervos e nos grandes e pequenos vasos
sangüíneos. O diabetes também pode diminuir a resistência do
sistema imune no combate às infecções. O controle inadequado
da glicemia aumenta o risco de ocorrência de dislipidemias,
doenças oculares (retinopatia), doença renal, complicações
cardíacas (infartos), acidente vascular cerebral, pressão arterial
elevada, comprometimento da micro e macrocirculação,
neuropatia periférica, impotência sexual, infecções e
amputações(especialmente as devidas ao pé diabético). Em vista
disso, o bom controle do diabetes pode ajudar a evitar esses
freqüentes problemas.
Hipoglicemia
É a alteração metabólica e clínica caracterizada pela queda
dos níveis de glicemia abaixo de 70mg/dL e que se manifesta
106
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
com variada sintomatologia (quadro 2), de acordo com a sua
duração e gravidade.
É classificada em três tipos: leve (glicemia de 70 a 50mg/dL),
moderada (glicemia de 50 a 30 mg/dL) e intensa (glicemia abaixo
de 30 mg/dL ou quando é necessário o socorro médico).
O estado de hipoglicemia pode ser causado por: doses de
hipoglicemiantes superiores às necessárias; omissão ou
diminuição da refeição, mantendo a mesma dose da medicação
antidiabética; realização de exercícios não-previstos e vômitos
ou diarréias.
Dentre as ações imediatas a serem adotadas em caso de
hipoglicemia, se incluem: tomar um refrigerante não-dietético
ou um copo de água com açúcar ou mel; aguardar 15 min e
realizar o teste da glicemia. Em caso de perda da consciência,
colocar um pouco de açúcar sobre os lábios do paciente, não
fornecer insulina, não administrar outras medicações sem
orientação médica e encaminhar para o serviço médico mais
próximo.
Hiperglicemia
É a elevação dos níveis de glicose no sangue, geralmente
acima de 160 mg/dL, e que ocorre, principalmente, quando o
tratamento medicamentoso se torna insuficiente para a
alimentação e atividades diárias da pessoa portadora de diabetes
mellitus.
A hiperglicemia pode ser causada por: dose de medicação
inferior à necessária; medicação não-indicada para determinado
caso; abusos alimentares; na ocorrência de infecções em geral e
estresse emocional.
Nesses casos, estão indicadas as seguintes medidas
imediatas: se o paciente puder engolir, fornecer-lhe líquidos sem
açúcar e conduzi-lo a um pronto atendimento médico.
Quadro 2. Complicações agudas decorrentes da hiperglicemia
ou da hipoglicemia.
Complicações
Hipoglicemia
Hiperglicemia
Sintomas
Sensação de fraqueza ou fome
Tonturas
Dores de cabeça, irritabilidade
Tremores, palpitações, palidez
Sudorese, pele fria e úmida
Visão turva ou dupla
Convulsões
Sonolência ou desorientação
Perda de consciência, coma
Sede intensa, desidratação
Volume urinário excessivo
Fraqueza e tonturas
Perda de apetite, náuseas e vômitos
Respiração acelerada
Face avermelhada (rubra)
Dor abdominal
COMPLICAÇÕES CRÔNICAS
São clinicamente relevantes e ocasionam elevada morbimortalidade em comparação com a população não-diabética. No
Quadro 3, foram listadas as principais complicações crônicas.
O impacto do efeito das complicações crônicas é dimensionado
pelos seguintes indicadores: o diabetes é a principal causa de
cegueira adquirida e amputações de membros inferiores no
mundo; contribui de forma significativa (30% a 50%) para outras
causas como cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca,
colecistopatias, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial;
e cerca de 26% dos pacientes que ingressam em programas de
diálise são diabéticos (6).
A doença cardiovascular é a principal responsável pela
redução da sobrevida de pacientes diabéticos, sendo a causa
mais freqüente de mortalidade. A dislipidemia é um dos principais
fatores de risco para doença cardiovascular em pacientes
diabéticos, cuja influência é maior que os demais(6).
Quadro 3. Complicações crônicas em portadores de diabetes
mellitus.
Complicação
Microangiopatia
Efeito e Situações Associadas
Comprometimento dos capilares
Nefropatia: presença de albuminúria
persistente: excreção de albumina>
300mg/dL, na ausência de outro
distúrbio renal.
Retinopatia: pontos flutuantes;
dificuldade de enxergar de dia; pressão
ou dor nos olhos; hipersensibilidade à
luz e relato de anéis ou halos coloridos
Macroangiopatia Comprometimento dos vasos arteriais:
deficiência circulatória do cérebro,
coração e membros inferiores
Neuropatia
Parestesias em membros
Impotência sexual
Alterações digestivas, urinárias e
circulatórias
Ressecamento da pele
Lesões ulcerosas de pernas e pés
PREVENÇÃO DAS COMPLICAÇÕES CRÔNICAS
Medidas de prevenção do DM são eficazes em reduzir o
impacto desfavorável sobre a morbimortalidade destes
pacientes, principalmente em razão de se poder evitar as
complicações cardiovasculares. Adquirem especial importância
a adoção de um estilo de vida saudável, com dieta balanceada e
exercícios físicos regulares. A restrição energética moderada,
baseada no controle de gorduras saturadas, acompanhada de
atividade física leve, como caminhar trinta minutos cinco vezes
por semana, pode reduzir a incidência de diabetes tipo 2 em 58%
das pessoas com risco elevado para o desenvolvimento desta
afecção(6).
A maior freqüência de complicações do DM tipo 2, tais como
riscos cardiovasculares, hipertensão arterial e dislipidemia, se
instala em uma fase inicial da doença, quando o indivíduo ainda
não sabe que é diabético. Isso dificulta sobremodo a prevenção,
inclusive das complicações mais tardias (neuropatias,
nefropatias e retinopatias). Em vista disso, o diagnóstico e
tratamento precoces, já nas fases iniciais da doença, tornam-se
tão importantes para reduzir as complicações e proporcionar
melhor qualidade de vida melhor ao portador de diabetes mellitus.
Pé diabético
O inadequado controle do diabetes, a longo prazo, pode
levar a dois acontecimentos aos pés do paciente: à diminuição
na sua capacidade de sentir dor (neuropatia sensorial), e à
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
diminuição na sua capacidade de receber mais sangue quando é
necessário (arteriosclerose). Nessas condições, os pés se tornam
extremamente delicados, sujeitos a lesões graves até por
acontecimentos banais (ex: sapatos apertados, banho quente,
corte pequeno, etc.).
Avaliações regulares, bem como educação dos portadores e
família a respeito de cuidados com os pés e tratamento imediato
de qualquer lesão, são de responsabilidade da equipe de
atendimento do diabetes. As responsabilidades dos pacientes
e de seus familiares incluem: higiene regular e inspeção diária
dos pés e, se presentes a neuropatia ou a arteriosclerose, a
procura de auxílio profissional especializado.
Acidentes cardiovasculares
Arteriosclerose está associada ao envelhecimento das
artérias, originando infarto do miocárdio ou AVC (hemorragia e/
ou isquemia), sendo sua evolução prevenida pelo controle do
diabetes. Outros fatores de risco cardiovascular, como
hipertensão arterial, obesidade, sedentarismo, tabagismo e
elevados níveis de colesterol sanguíneo, também devem ser
tratados.
Retinopatia
A prevenção de lesões oculares é também alcançada com
bom controle do diabetes e, se houver concomitantemente
hipertensão arterial, é fundamental a normalização dos níveis da
pressão arterial. O envolvimento da parte sensitiva do sistema
ocular pode não causar distúrbios visuais até que isto se torne
muito grave; dessa maneira, a avaliação oftalmológica regular é
necessária para diagnosticar lesões precoces. Isto é
especialmente relevante, uma vez que as lesões podem ser
facilmente controladas com o tratamento a laser, o qual interrompe
a progressão da doença retiniana.
Nefropatia
A lesão renal também pode ser prevenida pela normalização
da glicemia e da pressão arterial. A pesquisa regular de albumina
na urina (albuminúria), se presente, pode revelar lesão renal
inicial antes que se torne clinicamente aparente.
107
Educar é um processo de mudanças que ocorre entre equipediabético-família-comunidade, tornando-se necessária uma
aliança contínua de mútua confiança, indispensável à melhor
relação destas pessoas, visando o esclarecimento de muitas
dúvidas que por certo surgirão, bem como amainando a quase
sempre presente ansiedade do conviver toda a sua vida com o
pesadelo das expressões “NÃO PODE”, “NÃO DEVE”, “NÃO
FAÇA”, “NÃO COMA”, “NÃO BEBA”, “NÃO”, bloqueando
sua liberdade mental e tornando-no um incapaz para uma vida
normal, assomado por um sentimento de culpa, quando na
verdade o grande “vilão” é o próprio diabetes.
Os profissionais de saúde não devem dar ordens ou exigir
obediência por parte do diabético, evitando o fantasma das
complicações, valorizando a vida e a saúde como o mais precioso
desejo do ser humano, usando a magia da sua presença nesta
desafiante doçura.
DESFAZENDO CRENÇAS E TABUS NO DIABETES
MELLITUS
O objetivo do tratamento do diabetes é prevenir complicações
agudas e crônicas. Assim, é necessário que o diabético tenha
consciência de sua condição para se autocuidar. A não
adaptação ao tratamento pode ser observada na esfera pessoal
e social. Alguns se negam a cumprir aspectos do tratamento e
outros apresentam dificuldades de conciliar a sua condição com
as exigências do local onde desenvolvem suas atividades
laborativas. A equipe de saúde tem a obrigação de sempre
reorientar o diabético, partindo de novas metas, desfazendo
mitos, crenças e tabus, sensibilizando-o para a necessidade de
fazer reajustes em sua vida visando adotar um estilo de vida
saudável, continuando a ser uma pessoa útil produtiva e
realizada socialmente.
Na convivências com pacientes diabéticos, ouvimos
comumente comentários e desabafos que permitem a observação
de tabus e crendices que serão esclarecidos a seguir.
A ingestão excessiva de açúcar pode causar diabetes?
NÃO! O consumo de açúcar pode causar hiperglicemia
apenas em pacientes predispostos
EDUCAÇÃO DO DIABÉTICO
O diabetes é uma condição crônica ímpar que requer uma
aliança entre profissionais de saúde e portadores. A educação é
o pilar fundamental da terapêutica do diabético, que dura toda a
vida, através de um processo de mudança contínua de
comportamento, em relação a como conviver com seu diabetes.
A equipe de saúde na ação educativa deve: mudar
conhecimentos, atitudes, ações e desfazer os mitos, crenças e
tabus bem estabelecidos e cultivados de família para família. O
diabético deve ser considerado não meramente como portador
de uma “doença” que tenha na hiperglicemia o seu achado
principal, mas sim como uma síndrome multissistêmica, com
facetas evolutivas polimórficas, em que a hiperglicemia é um
epifenômeno, considerado o agente lesivo da micro e da macro
circulação, que surgiram a médio e a longo prazo.
É de suma importância que na entrevista inicial o profissional
de saúde procure fazer um inventário clínico apurado e, mediante
as informações colhidas, explique, com palavras acessíveis, a
natureza de sua doença, os cuidados indispensáveis quanto à
forma ideal do tratamento, o controle, bem como os meios
práticos para um convívio harmonioso e responsável com o
diabetes.
É possível adquirir diabetes após uma transfusão sanguínea?
NÃO! O diabetes não é uma doença infecto-contagiosa.
O mel pode ser usado em substituição ao açúcar?
NÃO! O mel também contém sacarose, além de outros tipos
de açúcar(frutose e glicose), sendo desaconselhável o seu uso
como substituto do açúcar. Em excesso, o mel também
descompensa o diabetes. O açúcar mascavo e o cristal têm
composição muito semelhante à do açúcar refinado e também
são contra-indicados.
O pão de glúten, centeio, integral, bolachas “de água e sal” e
torradas podem ser usados à vontade?
NÃO! Como qualquer outro tipo de massa, contêm amido, e
esse se transformará em açúcar, não podendo ser usados à
vontade. Podem ser consumidos de maneira moderada, assim
como o pão comum.
O azeite de oliva pode ser utilizado pelo diabético?
SIM! O óleo de oliva pode e deve fazer parte da dieta do
portador de diabetes, uma vez que ele é rico em ácidos graxos
monoinsaturados, elementos protetores contra as doenças
108
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
coronarianas, pois aumentam os níveis de HDL colesterol e
reduzem os níveis de LDL colesterol. Deve-se preferir o azeite
de oliva extravirgem, por este ser prensado a frio. Recomendase intercalar seu uso com outros óleos, já que não possui ácidos
graxos essenciais.
O diabético pode comer macarrão (massas em geral) ou pão
fresco?
SIM! Esses alimentos têm composição semelhante à do arroz
e da batata, portanto podem ser consumidos desde que em
quantidades não excessivas, em refeições balanceadas
complementadas com alimentos ricos em fibras, tais como
verduras, legumes e frutas.
Os produtos dietéticos podem ser usados à vontade?
NÃO! Os produtos dietéticos (que não contêm açúcar)
podem ser muito calóricos, como por exemplo, o chocolate
dietético, que mesmo sem conter açúcar, é desaconselhado em
razão da sua grande quantidade de gordura. Por isso é importante
ler sempre os rótulos dos produtos para verificar a sua
composição.
As frutas que têm sabor doce são proibidas para as pessoas
com diabetes?
NÃO! As frutas contêm açúcar natural (frutose) e podem ser
usadas nas quantidades indicadas (até três porções de frutas
ao dia, com casca e bagaço, sempre uma de cada vez e variando
os tipos).
As carnes e os ovos podem ser utilizados à vontade?
NÃO! Carnes e ovos não contêm açúcar, mas contêm
gorduras e proteínas que, em excesso, também alteram a glicemia,
sobrecarregam os rins e o sistema cardiovascular. Sua utilização
deve ser moderada.
Feijão faz bem para quem tem diabetes?
SIM! O feijão é um alimento rico em proteína vegetal, amido
e fibras. É recomendável usar a mistura de uma parte de feijão
para duas partes de arroz. O excesso de feijão, assim como de
qualquer outro alimento, deve ser evitado.
Os óleos vegetais (milho, soja, girassol, etc.) por serem isentos
de colesterol, podem ser usados à vontade?
NÃO! Os óleos devem ser utilizados com moderação, mesmo
sendo vegetais e sem colesterol. Seu excesso também
compromete o controle do diabetes, bem como o nível sanguíneo
de triglicérides.
Por que é necessário controlar o peso corporal para contribuir
no tratamento do diabetes?
A redução do peso ajuda no controle da glicemia, além de
reduzir outros riscos à saúde associados ao excesso de peso
tais como a hipertensão arterial, doenças cardíacas, e alterações
dos lipídios no sangue.
Pessoas que consomem muito açúcar apresentam maior risco
de desenvolverem diabetes?
NÃO! O desenvolvimento do diabetes ocorre por causas
variadas, como: obesidade, história familiar, estilo de vida
inadequado ou falência na produção de insulina.
O diabetes pode ser provocado por motivos emocionais?
NÃO! O que é observado é o aumento dos níveis glicêmicos,
em resposta ao estresse emocional em indivíduos já diabéticos
ou propensos à doença. Nessa situação, são liberados alguns
hormônios capazes de elevar a glicemia.
Plantas em forma de chá são eficazes no tratamento do diabetes?
NÃO! O tratamento do diabetes é eficaz quando são seguidas
as recomendações (medicamentosas ou não), alimentares e
atividade física. Embora alguns chás possam contribuir para a
redução da glicemia, sua eficácia no tratamento do diabetes não
é comprovada cientificamente.
Bebidas amargas, como a água tônica, podem ser utilizadas por
diabéticos?
SIM! Desde que seja a versão “diet”. Embora a água tônica
seja amarga, apresenta açúcar em sua composição, podendo
ocasionar aumento da glicose sanguínea.
É verdade que tudo que nasce embaixo da terra (cenoura,
beterraba, batata, aipim, inhame) aumenta a glicemia?
NÃO! Essas raízes contêm amido que se transforma em açúcar
(glicose), mas isso não quer dizer que não possam ser usadas
por diabéticos. A batata, o aipim, o inhame e a mandioquinha
podem ser usadas como substitutos do arroz ou macarrão. Já a
beterraba e a cenoura podem ser consumidas como legumes.
A maioria dos diabéticos terá complicações crônicas?
NÃO! Estudos comprovaram que se o diabetes é bem
controlado retarda o aparecimento das complicações em 75%
dos casos.
Mulheres diabéticas podem ter filhos?
SIM! Desde que haja planejamento e bom controle glicêmico
antes, durante e após a gestação.
A insulina pode ser usada em comprimido?
NÃO! A insulina precisa ser aplicada por via subcutânea,
intramuscular ou endovenosa, pois se usada por via oral, além
de ter um cheiro desagradável, o estômago a digeriria, não sendo
absorvida.
A insulina pode criar dependência?
NÃO! Porque o diabético tem deficiência de insulina e o seu
uso serve para compensar esse déficit.
Depois de iniciado o tratamento com insulina, o paciente deve
utilizá-la pelo resto da vida?
NÃO! A terapia com insulina pode ser associada aos
hipoglicemiantes orais e poderá ou não ser utilizada sempre.
TRATAMENTO EACOMPANHAMENTO DO DIABÉTICO
Quando se pensa em diabetes, imediatamente vem à memória
o uso de insulina no tratamento desses pacientes. Entretanto, o
cuidado com o diabético vai muito além da utilização de
medicamentos. Uma terapêutica eficaz exige o acompanhamento
multidisciplinar e a co-participação do paciente, da sua família e
do seu núcleo social, a qual se constrói com uma permanente
estratégia de educação e estimulação do diabético na adesão ao
tratamento. Vai desde a observação diária dos pés e cuidado
dos dentes pelo próprio paciente, o controle rigoroso da sua
dieta, a prática de atividades físicas regulares, as consultas
periódicas com o médico-assistente e com especialistas
(oftalmologista, nefrologista, cardiologista, dentista, etc.), até o
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
uso de drogas hipoglicemiantes como a insulina. O tratamento
deve ser sempre individualizado.
O auto-cuidado
O sucesso do tratamento do DM começa com o
envolvimento do diabético nesse processo, o que demanda
empenho da equipe de saúde em persuadi-lo a se inserir no
contexto de sua própria doença, tornando-o sujeito ativo na
promoção da sua melhora clínica. Um bom controle do diabetes
demanda motivação pessoal e disciplina por parte do paciente,
uma vez que exige dele sacrifícios como o uso de injeções e
outros medicamentos diariamente, refeições com restrições tanto
de variedade quanto de quantidade e em horários pré-definidos
e a prática regular de exercícios físicos. Nesse contexto, a
educação em diabetes é um instrumento valioso e não se limita
apenas à distribuição maciça de cartilhas ou à apresentação de
palestras sobre o tema de forma pontual, já que envolve um
processo interativo de aprendizado.
O auto-exame dos pés
Esse item é ressaltado com ênfase especial uma vez que a
negligência de algo aparentemente simples pode até levar à
amputação de um membro no diabético. O cuidado com os pés
faz parte da profilaxia das complicações do diabetes, uma vez
que esta é uma doença que altera o funcionamento da circulação
sangüínea e a sensibilidade tátil. Disso resulta a maior
predisposição de ferimentos leves passarem despercebidos e,
devido ao distúrbio circulatório associado, haver
comprometimento da cicatrização que, em último grau, pode
acarretar a remoção de um membro. Portanto, deve-se orientá-lo
a usar calçados que ao mesmo tempo protejam os pés e os
deixem confortáveis, a fim de se evitar lesões, assim como instruílo a examinar os próprios pés com o objetivo de detectar
precocemente lesões porventura existentes. O cuidado com a
higiene da unhas também deve ser enfatizado.
Uma forma de executar o auto-exame, na impossibilidade de o
próprio paciente fazê-lo diretamente (devido à redução da
acuidade visual ou limitação articular, por exemplo), é utilizando
o auxílio de um espelho ou de uma lente de aumento.
A auto-monitorização dos níveis glicêmicos(6, 9,31)
A medida freqüente da glicemia é uma das melhores
estratégias para se avaliar a efetividade do tratamento do DM,
ou seja, se os níveis glicêmicos estão sendo mantidos próximos
dos níveis desejados, permitindo o ajuste fino do tratamento
conforme a variação diária da glicemia.
Recomenda-se que o paciente realize, em casa, medidas
repetidas da sua glicemia, usando aparelhos de manuseio
relativamente simples que dosam a glicose em amostras de
sangue da ponta dos dedos (glicosímetros). Deve-se alertá-lo
que os testes devem ser realizados em diferentes horários durante
todo o dia; não basta medir apenas de vez em quando, pois a
glicemia pode estar controlada pela manhã e fora dos níveis
aceitáveis à tarde, por exemplo. É importante também orientá-lo
a anotar as medidas da glicemia para relatá-las nas consultas
com o médico.
Esse controle glicêmico mais rigoroso ajuda a prevenir as
flutuações excessivas nos níveis glicêmicos (hiper ou
hipoglicemia), as complicações tardias do DM e a progressão
de complicações já existentes.
A pesar de ser uma ferramenta importante no controle do
diabetes, é dificultada por questões de ordem psicológica. Nesse
ponto, a equipe que o assiste deve estar atenta para esclarecer
109
suas dúvidas e preparada para dissuadi-lo de seus temores.
Além disso, dada a realidade econômica do país, o glicosímetro
ainda não é um instrumento acessível para a maioria dos
diabéticos, os quais ainda acabam por fazer um exame de
glicemia somente a cada seis meses, quando visitam o médico
para sua avaliação periódica, o que resulta numa informação
de pouco valor porque pouco diz sobre o estado real de controle
glicêmico.
O teste de glicosúria, embora mais barato, não se constitui
uma boa alternativa, visto que, quando negativo, não denota
controle glicêmico, sendo uma avaliação indireta e pouco
confiável dos níveis de glicemia.
Modificações no estilo de vida
Estimular o diabético a adotar hábitos de vida saudáveis
(manutenção do peso adequado, alimentação apropriada, prática
regular de exercícios físicos, abstenção do fumo e baixo consumo
de bebidas alcoólicas) é uma tarefa difícil, mas imprescindível
para a obtenção de um resultado terapêutico plenamente
satisfatório.
Hábitos alimentares saudáveis e controle do peso(6, 9,31)
Um dos nós críticos do tratamento é a alimentação do
diabético. A partir do diagnóstico da doença, o paciente se vê
“condenado” a uma dieta severa, onde muito se restringe e
pouco é permitido, o que se torna um obstáculo à adesão ao
tratamento, já que, muitas vezes, a refeição é um dos seus poucos
momentos de lazer e integração social. Ademais, esse tema é
envolto por crenças e tabus que precisam ser cuidadosamente
desfeitos.
Nesse contexto, o plano alimentar deve ser personalizado
de acordo com idade, sexo, prática de atividade física,
comorbidades, situação econômica e, principalmente, hábitos
culturais e alimentares da região. Orientação dietética
individualizada pode ser desenvolvida a partir de um breve
recordatório alimentar; com base nessas informações, podemse fazer sugestões específicas para mudanças que tanto o
paciente quanto o responsável pelo tratamento considerem
pertinentes e realizáveis.
Uma alimentação adequada favorece melhor controle
metabólico e do peso corporal. Em linhas gerais, deve-se orientar
uma dieta com pouca quantidade de sal e gordura, desestimular
o consumo de frituras e de carboidratos simples (açúcar, mel,
garapa, melado, rapadura e doces em geral), e incentivar o uso
de fibras alimentares (frutas, legumes, verduras e alimentos
integrais). Também é necessário traçar no plano alimentar o
número e a quantidade de refeições e preestabelecer os horários
das mesmas.
O uso de adoçantes e alimentos dietéticos permite uma
melhor qualidade de vida, amenizando um pouco o sentimento
de “isolamento” e até “impotência” que o diabético experimenta.
Entretanto, o custo desses produtos afasta uma parcela
significativa desses pacientes.
A dieta para crianças e adolescentes deve ser ajustada
freqüentemente a fim de se prover calorias suficientes para o
crescimento e desenvolvimento, dentro do esperado para a
idade.
Como existe uma associação freqüente entre diabetes e
obesidade, é essencial o tratamento paralelo dessa comorbidade,
visando à melhora dos índices de controle metabólico e dos
níveis pressóricos. O tratamento para a redução de peso pode
envolver, além de medidas dietéticas e prática de exercícios
físicos, o uso de medicamentos antiobesidade.
110
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
INCREMENTO NAATIVIDADE FÍSICA(1, 6,9,31)
Isoladamente, a prática de exercícios físicos talvez seja a
intervenção no estilo de vida mais importante no caso do
diabetes, uma vez que está associada à melhora dos níveis
glicêmicos, sensibilidade periférica à insulina, performance
cardiovascular e remodelagem. O objetivo é fazer com que
pessoas sedentárias se tornem ativas e que as pouco ativas se
tornem regularmente ativas.
Para os diabéticos em geral, recomendam-se
preferencialmente exercícios aeróbicos como caminhar e andar
de bicicleta, com duração de no mínimo 30 minutos, em intervalos
de pelo menos 48 horas. Sua prática deve ser regular e continuada
para que os benefícios se tornem evidentes. Conforme a
tolerância do paciente, pode-se aumentar gradativamente a
duração e a freqüência dos exercícios para que se evitem lesões
por esforço excessivo.
O principal papel do médico é fazer a triagem dos pacientes
com complicações e buscar alternativas seguras para esses se
exercitarem, pois exercícios físicos na presença de diabetes
descompensado, neuropatia, nefropatia, retinopatia e doença
cardiovascular podem acarretar muito mais danos do que
benefícios.
Os pacientes com idade superior a 35 anos devem fazer
acompanhamento cardiológico, pois têm maior propensão a
eventos coronarianos assintomáticos devido à neuropatia
autonômica do diabético. Deve-se orientar os pacientes em uso
de insulina a não praticar atividade física em jejum e a levar
consigo fonte de carboidratos rapidamente absorvíveis como
tabletes de glicose ou sucos com açúcar, por causa do risco de
hipoglicemia. Recomenda-se ainda que se evite a aplicação da
insulina nos locais ou membros mais requisitados durante essas
atividades. Devem ser enfatizados também o uso de calçados
apropriados e confortáveis e a ingestão de líquidos em
quantidade suficiente antes, durante e depois do exercício.
Abstenção do fumo e baixo consumo de bebidas alcoólicas(6, 9,31)
O tabagismo é um dos principais fatores de risco para
doenças do coração e dos vasos sangüíneos, os quais já têm
maior propensão a sofrer distúrbios nos diabéticos pelos próprios
mecanismos da doença, o que potencializa esse perigo. Portanto,
ainda que não seja fácil, dado o poder de causar dependência
da nicotina, esse hábito deve ser abolido. Nesse sentido, é
importante a colaboração da família e do núcleo social do paciente.
Recomenda-se que se retirem cigarros de casa e do local de
trabalho para se evitar fumar nesses locais. A abstenção total é
essencial ao tratamento.
Não é recomendado o uso habitual de bebidas alcoólicas.
Para redução do risco de hipoglicemia, devem ser consumidas
sempre com alimentos. Deve-se desestimular o uso de bebidas
alcoólicas nos pacientes em terapia insulínica ou com
sulfoniluréias, dado o risco de hipoglicemia, pacientes com
controle glicêmico inadequado, obesos, com neuropatia, e
pancreatite ou dislipidemia associadas.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO(27,28)
Estudos mostraram que os riscos de complicações crônicas
são significativamente reduzidos quando se mantém a glicemia
semelhante à de pessoas não diabéticas, refutando o
pensamento até pouco tempo vigente de que níveis um pouco
elevados de glicose no sangue não representariam problema.
Assim sendo, a opção adotada pelo médico deve contemplar o
objetivo principal do tratamento do diabetes, isto é, a manutenção
dos níveis glicêmicos o mais próximo possível dos limites
normais.
Diabetes tipo 1(6, 9,31)
A base do tratamento para o DM tipo 1 é a insulinoterapia.
Nesses pacientes, a produção de insulina é praticamente nula, o
que torna mandatória a sua reposição exógena, a qual deve
tentar reproduzir a resposta fisiológica.
Há vários tipos de insulina disponíveis no mercado, as quais
se dividem de acordo com o tempo de ação do efeito
hipoglicemiante. A insulina regular (R), de ação rápida, tem
aspecto cristalino, e o seu perfil médio de ação está descrito na
Quadro 4. A insulina NPH (do inglês, Neutral Protamine of
Hagedorn), de ação intermediária, que visa reproduzir a liberação
basal de insulina pelo pâncreas, tem aspecto leitoso. Existem
ainda, novos tipos de insulina, com ações ultra-rápida ou mais
prolongadas, não disponíveis, até o momento, pelo Ministério
da Saúde para distribuição gratuita.
A dose inicial deve estar entre 0,2-0,4 U/Kg/dia, aplicada por
via subcutânea (SC). Para um paciente adulto, a média adequada
está entre 0,5-1,0 U/Kg/dia. No Quadro 5 são citados os esquemas
de insulinoterapia mais utilizados.
Dianetes Tipo 2
Antidiabéticos orais(6, 9, 27, 28, 31).
Os antidiabéticos orais são medicamentos que, administrados
por via oral, têm ação hipoglicemiante, ou seja, que diminuem os
níveis de glicose previamente elevados, ou anti-hiperglicemiante,
que agem impedindo a elevação da glicemia após uma refeição. O
tratamento via oral está indicado apenas para o diabético tipo 2,
pois este paciente ainda produz insulina.
Esses medicamentos estão descritos no Quadro 6.
O tratamento farmacológico com antidiabéticos orais deve
ser empregado quando as intervenções dietéticas e exercícios
físicos não se mostrarem suficientes para se alcançar os níveis
glicêmicos desejados e, na maioria dos casos, inicia-se com
monoterapia.
A escolha do medicamento é baseada no perfil individual do
paciente. A acarbose pode ser indicada, por exemplo, para o
paciente cuja elevação dos níveis glicêmicos após as refeições
é significativa, pois esse medicamento permite uma absorção
mais lenta dos carboidratos e, conseqüentemente, uma elevação
gradual da glicemia, melhorando a atuação da insulina endógena.
Como não são descritas interações medicamentosas com
medicamentos habitualmente usados por idosos, é uma opção
terapêutica segura para esse grupo de pacientes.
Um paciente obeso se beneficia mais com o uso de
metformina, uma vez que essa droga promove a redução do
peso, pelo seu efeito anorexígeno (um dos efeitos colaterais) e
por não agir aumentando a secreção de insulina. A metformina é
o medicamento de escolha na presença de resistência à insulina,
evidenciada pela presença de obesidade, hipertrigliceridemia,
HDL-colesterol baixo e hipertensão arterial, entre outros sinais
observados na síndrome metabólica.
A perda de peso associada aos sintomas do diabetes (polis)
com glicemia entre 140mg/dl e 270mg/dl indica secreção
deficiente de insulina, e, neste caso, uma sulfoniluréia seria a
melhor indicação.
Conforme a evolução do DM, torna-se necessário, ao longo
do tratamento, o ajuste das doses e a combinação de agentes
com diferentes mecanismos de ação. Um algoritmo para o
tratamento do DM tipo 2 está exposto na Figura 1.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
111
Quadro 4. Perfil médio de ação dos tipos de insulina.
Tempo de ação
Ultra-rápida
Rápida
Intermediária
Longa
Tipo de insulina
Lispro (Humulog)
Aspart
Regular
NPH/lenta
Ultralenta
Glargina (Lantus)
Início de ação
5-15 min
10-20 min
0,5-1h
2-4h
6-10h
1-2h
Pico de ação
1-1,5h
1-3h
1-3h
4-10h
10-15h
sem picos
Duração
3-4h
3-5h
4-6h
10-16h
18-20h
22-24h
Vias de administração
SC, IM, IV
SC, IM, IV
SC
SC
Quadro 5. Esquemas de insulinoterapia.
Esquema
Duas aplicações diárias
Três aplicações diárias
Modo de administração da insulina
2/3 da dose diária pela manhã, na proporção NPH/ R de 70%/ 30%;
1/3 da dose diária à noite, na proporção NPH/ R de 50%/50%.
2/3 da dose total pela manhã, na proporção NPH/ R de 70%/ 30%,
1/3 restante dividido 50%/ 50%:
uma aplicação de regular antes do jantar
uma aplicação de NPH antes de dormir.
Quadro 6. Antidiabéticos orais: mecanismos de ação e efeitos clínicos.
Medicamento
Sulfoniluréias
(glibenclamida)
Repaglinida*
Nateglinida*
Metformina
Glitazonas
Acarbose*
Mecanismo de ação
Redução da glicemia
de jejum (mg/dl)
Redução da
HbA1c (%)
Efeito sobre
o peso corporal
Aumento da secreção de insulina pelo pâncreas
Aumento da secreção de insulina pelo pâncreas
Aumento da secreção de insulina pelo pâncreas
Aumento da sensibilidade à insulina
predominantemente no fígado
Aumento da sensibilidade à insulina no músculo
Retardo da absorção pós-prandial de carboidratos
60-70
60-70
20-30
60-70
1,5-2
1,5-2
0,7-1
1,5-2
Aumento
Aumento
Aumento
Diminuição
35-40
20-30
1-1,5
0,7-1
Aumento
Sem efeito
*Atua predominantemente na redução da glicemia pós-prandial. Pode reduzir a glicemia de jejum a médio e longo prazos.
Insulinoterapia no DM tipo 2(6,20)
Alguns diabéticos tipo 2 necessitarão de terapia insulínica
logo após o diagnóstico; outros, ao longo da evolução do
diabetes. Uma vez constatada uma resposta inadequada ao uso
de antidiabéticos orais, o tratamento com insulina deve ser iniciado,
podendo-se associar esses dois grupos de medicamentos.
Um dos esquemas mais utilizados é a combinação de
antidiabéticos orais durante o dia e insulina de ação intermediária
ou lenta ao deitar. Assim, busca-se corrigir as hiperglicemias
pós-prandiais com o uso de hipoglicemiantes de ação curta antes
das refeições, e corrigir as hiperglicemias de jejum com a insulina
ao deitar.
A insulinização plena é indicada quando não se consegue o
controle da glicemia com a terapia combinada de insulina e
antidiabéticos orais.
As principais indicações da insulinoterapia são: 1. ao
diagnóstico, quando os níveis de glicemia estiverem acima de
270 mg/dl, especialmente se acompanhados de perda de peso,
cetonúria e cetonemia. Alguns desses pacientes provavelmente
não são do tipo 2, mas do tipo 1 de início tardio e, portanto,
dependentes de insulina; 2. durante a gravidez, quando não
houver normalização dos níveis glicêmicos com dieta; 3. quando
os medicamentos orais não conseguirem manter os níveis
glicêmicos dentro dos limites desejáveis; 4. quando, durante o
tratamento com antidiabéticos orais, surgirem intercorrências
(cirurgias, infecções, acidente vascular encefálico, etc.),
acompanhadas de níveis glicêmicos elevados e que podem piorar
o prognóstico; 5. em pacientes com infarto agudo do miocárdio
e com níveis glicêmicos superiores a 200 mg/dl, recomenda-se a
utilização de insulina por via intravenosa contínua e solução de
glicose a 5% com cloreto de potássio (o emprego destas medidas
pode reduzir em 30% a mortalidade por causa cardiovascular).
Dentre as complicações da insulinoterapia, são mais freqüentes
a hipoglicemia, o ganho de peso excessivo, o edema insulínico
e a resistência insulínica.
A hipoglicemia é a principal complicação da insulinoterapia.
Várias condições clínicas (por exemplo, insuficiência suprarrenal,
tireoidiana, hipofisária, renal, hepática e abuso de álcool) podem
predispor os indivíduos em uso de insulina a apresentarem
hipoglicemia. Desse modo, essas condições devem ser
monitorizadas nesses tipos de pacientes. O uso de doses
incorretas de insulina, a aplicação intramuscular e a omissão de
refeições também levam à hipoglicemia em uma porcentagem
não desprezível de pacientes.
O edema insulínico pode ocorrer em pacientes cronicamente
descompensados, sendo rapidamente revertido a partir de um
bom controle glicêmico com a insulinoterapia. O edema, cuja
causa exata não é bem conhecida, pode ser generalizado ou
localizado em mãos e pés. Em alguns casos, faz-se necessário o
uso de diurético, por dois ou três dias.
A resistência insulínica é definida como a necessidade pelo
paciente adulto de mais de 200 UI/dia, ou, se criança, de mais do
112
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Figura 1. Algoritmo terapêutico para o DM tipo 2.
Quadro 7. Avaliação inicial do paciente diabético.
Exame clínico
Peso, altura, IMC, TA
Circunferência abdominal
Fundo de olho
Palpação das artérias
Avaliar macroangiopatia
Avaliar neuropatias
Exame cuidadoso dos pés
(pele, unhas, região interdigital, pulsos)
Exame buco-dentário
Exames complementares
Equipe multidisciplinar
Sumário de urina
Iniciar o programa de aprendizagem
Hemograma
Consulta com a nutrição
Glicemia
Consulta com enfermagem
Colesterol, triglicérides
Consulta com serviço social
HDL, LDL
Avaliação psicossocial
Creatinina, uréia, K+
Medidas educacionais
Hemoglobina glicada (HbA1c) ou
frutosamina (podem ser normais em diabetes recente)
RX de tórax,
ECG
Urocultura (se necessário)
Quadro 8. Revisão anual do paciente diabético.
Exame clínico
No exame físico, atentar para:
Palpação das artérias (Doppler se necessário)
Exame cuidadoso dos pés e das unhas
Investigar microangiopatias, neuropatias,
hipotensão ortostática
Fundo de olho
Avaliação buco-dentária
Avaliação complementar
Sumário de urina, urocultura
HbA1c ou frutosamina
Creatinina, uréia, eletrólitos
Colesterol, triglicerídeos, HDL, LDL
Microalbuminúria e/ou proteinúria de 24h
Depuração da creatinina
RX do tórax
que 2,5 UI/ Kg de peso/ dia. No DM tipo 2, está associada com
uma série de condições clínicas, tais como cirurgia, infecções,
cetoacidose, doenças de excesso de hormônios contrareguladores (hipercortisolismo, hipertireoidismo,
hipersomatotropismo, feocromocitoma, hiperaldosteronismo),
síndromes genéticas e elevados títulos de anticorpos
antiinsulina. Tratar tais condições pode diminuir a resistência à
insulina.
Está previsto para breve o lançamento no mercado da insulina
inalável, o que vai abrir novas perspectivas no tratamento do
diabetes.
Reconsiderar a terapêutica
Solicitar consultas especializadas
para os centros de referência (com
oftalmologista, dentista, neurologista)
se necessário
Revisão com a nutricionista,
enfermeira e assistente social
SEGUIMENTO CLÍNICO E LABORATORIAL DO
DIABÉTICO(6)
Após a primeira consulta do paciente diabético, este e a
equipe de saúde que o assiste devem manter o vínculo
fundamental para o seguimento desta doença, através de visitas
periódicas e do compromisso mútuo de participação do processo
que, a partir do diagnóstico, deve-se iniciar.
A avaliação inicial do diabético requer uma atenção
pormenorizada do médico a fim de se estadiar a doença por meio
da avaliação multidisciplinar, do exame clínico e de exames
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
complementares, os quais devem estar sistematizados na rotina
da equipe de saúde (vide quadro 7).
O período entre a primeira visita será determinado de acordo
com o estado metabólico e clínico de cada diabético (15 a 30 dias,
em média). Na segunda visita, deve-se prosseguir com o programa
educativo, pesquisar sinais e sintomas de hipoglicemia, analisar
os resultados dos exames solicitados na visita anterior, verificar o
peso, TA e glicemia capilar neste momento.
Na terceira visita, que acontece dentro de um intervalo de três
meses, prossegue-se com o programa educativo de grupo, já
avaliando a educação recebida anteriormente, faz-se um cuidadoso
exame dos pés e verifica-se HbA1c, lipídios séricos (se estiverem
elevados), glicemia pós-prandial e sumário de urina. Esse é o
momento de reconsiderar a terapêutica se não houver uma resposta
adequada às medidas instituídas. A avaliação deverá ser mantida
a cada 3 a 4 meses no paciente que esteja bem controlado.
Faz parte do seguimento também uma avaliação periódica
anual, cujos principais objetivos são listados no quadro 8.
CONCLUSÃO
Nenhuma pessoa pode fornecer tudo que é necessário para
a assistência ao diabético e o bom controle de sua condição
atualmente necessita da integração destes à associações de
portadores, suas famílias, amigos, companheiros e organizações
além da elaboração de políticas de saúde e da interação com as
equipes de saúde multidiciplinares.
Os diabéticos devem ser treinados para compreender e lidar
com suas demandas diárias através de métodos eficazes de
educação para leigos, individuais ou de grupo, e do trabalho
constante de equipes de saúde integradas para que estas
incentivem o autocuidado e estejam aptas a responder os seus
questionamentos.
Conceitos errados, sem fundamentos científicos em relação
ao diabetes necessitam de melhor esclarecimento popular, pois
podem atrapalhar o tratamento por sempre estarem relacionados
à idéia de sacrifício. E é neste contexto que surgem os grandes
tabus e crenças. Freqüentemente os diabéticos perguntam se
existem chás ou medicamentos caseiros úteis. Compreendemos
que métodos alternativos podem ser utilizados como tratamento
pois podem ajudar a amenizar a angústia gerando expectativas
positivas frente ao convívio com o diabetes. Assim, sugerimos
que no processo educativo, os diabéticos sejam sempre
orientados sobre sua condição considerando, avaliando e
trabalhando suas crenças, mitos e tabus, de forma que as
equipes possam utilizá-las como aliados ao tratamento,
compreendendo sua dinâmica na vida de cada um.
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114
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
III. PREVENÇÃO,
PROFILAXIA
E CONTROLE
115
116
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
III.1
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
ALIMENTAÇÃO NO PRIMEIRO
ANO DE VIDA
INTRODUÇÃO
O crescimento e o desenvolvimento dos seres vivos ocorrem devido ao aporte
energético e nutricional encontrado nos alimentos, o que torna a alimentação um dos
aspectos mais importantes para a vida. Nas crianças, as necessidades calóricas por kg
de peso corporal são duas a três vezes maiores que no adulto. No primeiro ano de vida,
40% dessas calorias são usadas para suprir as demandas do processo de crescimento e
desenvolvimento. A criança pequena, devido à velocidade de seu crescimento,
constitui um dos grupos mais vulneráveis aos erros e deficiências de alimentação,
sobretudo durante o período do desmame e na vigência de processos infecciosos.
Nesse sentido, é importante enfatizar o aleitamento materno, por representar o
alimento ideal, praticamente insubstituível, para o início da vida da criança. Da
mesma forma, no início da alimentação compl
ementar, a criança deve receber
alimentos adequados, particularmente para as populações menos favorecidas
socioeconomicamente; a essas crianças deve-se procurar oferecer, sempre, alimentos
de baixo custo, de fácil aquisição e preparo, de maior disponibilidade local e já de
uso habitual em suas comunidades(61, 80).
Nadya Maria Bustani Carneiro
André Macedo Serafim da Silva
Carlos Augusto Amorim,
Carolina M. Alves Cavalheiro
Diogo Radomille de Santana
Emília Nunes de Melo
Érica Perez Iglesias,
Grazieli Cerqueira
Marina Soares Blanco
Mateus Boaventura de Oliveira
Renata Tavares, Sidinéia Rocha
Vanessa Porto Souza
ALEITAMENTO MATERNO
O leite materno é o alimento mais nutritivo para as crianças no primeiro ano de vida
pois, além de promover o crescimento, previne infecções e promove uma relação afetiva
entre o lactente e a mãe. A Organização Mundial de Saúde(88) recomenda que o leite
materno seja oferecido ao lactente, exclusivamente, sem uso de chás e água, durante os
seis primeiros meses de vida. A partir do sexto mês deve-se oferecer alimentação
complementar, mas o leite materno deve ser continuado até a criança completar dois
anos ou mais.
Composição do leite materno
A composição bioquímica do leite de todos os mamíferos é altamente específica para
cada espécie, refletindo a adaptação fisiológica espécie-específica, assegurando o
crescimento e desenvolvimento nas primeiras fases da vida.
O leite materno passa por três fases distintas: colostro, leite de transição e leite
maduro. O colostro é um líquido amarelado, mais grosso e de pequeno volume que
preenche as células alveolares durante o último trimestre de gestação e é geralmente
secretado até o terceiro dia, podendo ir até o sétimo dia após o parto(53). O leite materno
apresenta menor teor de gordura e de calorias, alta concentração de proteínas e minerais,
além de taxas mais elevadas de zinco, vitaminas A e E(14,47); fornece 67kcal/dl, é rico em
lactoferrina e imunoglobulinas, em especial a IgA(28) e leucócitos; facilita o crescimento
do Lactobacilus bifidus e a eliminação do mecônio(53), apresentando assim um perfil
tanto imunonólogico protetor quanto nutricional.
A fase transicional do leite materno dura do sétimo ao décimo dia, podendo ir até
duas semanas pós-parto. O leite materno vai então demonstrando um decréscimo de
imunoglobulinas e proteínas e um aumento nos níveis de lactose e gordura, até chegar
à fase de leite maduro(53); nessa fase, o leite apresenta 7g/dl de lactose, 0,8% de
oligossacarídeos, que na presença de peptídeos, vão formar o fator bífido(14,47).
O leite do início da mamada chamado leite anterior, parece acinzentado e aguado. Ele
é rico em proteína, lactose, vitaminas, minerais e água. Já o leite posterior contém mais
gordura; portanto, é preciso que a criança esvazie completamente a mama para que ela
possa receber todos os nutrientes necessários ao seu crescimento(14,47).
117
Palavras-chaves:
Lactente, Aleitamento Materno,
Nutrição, Alimentação
Complementar, Alimentação
Artificial.
118
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
O leite materno contém 88% de água e tem osmolaridade similar
à do plasma (53) . Por isso, a criança que é amamentada
exclusivamente ao peito, não necessita de água. No leite humano
predominam as proteínas do soro, na proporção de 60%-70%,
enquanto no leite de vaca, a proteína predominante é a caseína
(80%) de mais difícil digestão(57). As principais proteínas séricas
do leite incluem a alfa-lactoalbumina, importante para a síntese de
lactose, além dos fatores protetores como lactoferrina, lisozima e
imunoglobulinas(28). O leite materno apresenta uma concentração
baixa de tirosina e fenilalanina, sendo este dado fundamental,
pois o recém-nascido tem baixa capacidade de metabolização
desses aminoácidos aromáticos, que podem causar letargia(53).
O leite humano contém, também, diferentemente do leite de
vaca, maiores concentrações de aminoácidos essenciais de alto
valor biológico (cistina e taurina), que são fundamentais para o
crescimento do sistema nervoso central. Isso é particularmente
importante para a criança prematura, que não consegue sintetizálos a partir de outros aminoácidos, por deficiência enzimática.
Além disso, o leite humano contém carnitina, que é vital para a
degradação de ácidos graxos de cadeia longa, pois o recémnascido tem capacidade reduzida de sintetizar essa substância(86).
A quantidade de gordura no leite materno é de 3,5g/dl e não
sofre influência da dieta materna(14,47). Os lipídios presentes no
leite materno são responsáveis por 50% a 60% da carga energética
do leite oferecido ao recém-nascido, aproximadamente 70 kcal/
dl(37). Existem no leite humano, basicamente, 3 tipos de lipídios:
triacilgliceróis, fosfolipídios e colesterol. O colesterol presente
no leite humano é benéfico nessa fase da vida, pois ajuda no
desenvolvimento do cérebro, e posteriormente, na fase adulta,
a manter os níveis de colesterol baixos (53). O leite materno é rico
em ácidos graxos insaturados de cadeia muito longa (LCPUFA):
decohexaenóico e ácido aracdônico, importantes para o
desenvolvimento e mielinização do cérebro e o desenvolvimento
visual(28,12). O ácido aracdônico, o ácido linoleico e as gorduras
poliinsaturadas existem em maiores concentrações no leite
humano do que no leite de vaca, e todos são importantes para a
síntese de prostaglandinas. Os triglicerídeos, maior fonte de
calorias para a criança, sob ação da lipase, dão origem aos ácidos
graxos livres e glicerol. Os ácidos graxos parecem ser os únicos
componentes que sofrem alterações pela manipulação dietética
da mãe(37), mas, de modo geral, o leite materno tem quantidades
significativas de todos os ácidos graxos essenciais(14,47).
O principal carboidrato do leite materno é a lactose, a ser
metabolizado em galactose e glicose, sendo a galactose o recurso
primário para a substância branca do cérebro em crescimento. A
lactose favorece a absorção de cálcio, a presença de uma flora
intestinal protetora contra bactérias patogênicas e propicia a
formação de fezes de consistência adequada(53,86).
Apesar de as quantidades de minerais serem menores no
leite materno do que no leite de outros mamíferos, essas
quantidades atendem às necessidades do lactente e, juntamente
com uma baixa carga de proteínas, não sobrecarregam os rins
imaturos do recém-nascido(53). Estão presentes no leite humano:
sódio, potássio, cloro, cálcio, magnésio e fósforo, além de traços
de ferro, flúor, zinco, cobre, manganês, selênio e iodo. Apesar
da pequena quantidade de cálcio, ele é bem absorvido e atende
às necessidades do recém-nascido a termo, com uma taxa cálcio/
fósforo de 2:1(31,35). O conteúdo de sódio declina durante o curso
da lactação e a quantidade reduzida desse soluto com a grande
quantidade de potássio parece ser benéfica para o lactente a
termo. A grande biodisponibilidade do zinco compensa sua baixa
concentração no leite materno. A deficiência de ferro é rara porém
o recém-nascido tem uma boa reserva deste mineral, a qual pode
durar até o sexto mês. Além disso, a pequena quantidade de
ferro no leite materno está ligada à lactoferrina e apresenta maior
biodisponibilidade; sua absorção é facilitada pela presença de
lactose e de vitamina C, assim como pela baixa presença de
proteínas e fósforo.
Todas as vitaminas solúveis são encontradas em
quantidades adequadas no leite materno. As vitaminas
lipossolúveis também existem em boa quantidade no leite
materno, mas a vitamina K deve ser administrada ao recémnascido, pois as bactérias intestinais endógenas produtoras
desta vitamina só começam a produzi-la alguns dias após o
nascimento. A vitamina D só precisa ser administrada em
lactentes que não têm exposição freqüente ao sol(53,86).
Em relação à composição imunológica, o leite humano possui
inúmeros fatores imunológicos, específicos e não-específicos,
que conferem proteção ativa e passiva para as crianças
amamentadas. As células imunocompetentes predominantes no
leite humano são os macrófagos (40% a 50%), seguidos por
linfócitos e granulócitos neutrófilos, que têm capacidade
fagocítica, além de exercer funções bactericidas e fungicidas(35,53).
Os leucócitos estão presentes em concentrações maiores no
colostro e vão diminuindo durante a lactação. Os macrófagos
sintetizam os componentes C3 e C4 do complemento, a lisozima
e a lactoferrina, que representam um veículo e estoque de
imunoglobulinas(53).
Os linfócitos são 5% a 10% das células brancas e a maioria
destes são linfócitos T (80%), que exercem uma ação citotóxica
nos microorganismos e estimulam o sistema imune do lactente(67).
O sistema enterobroncomamário garante que qualquer patógeno
que estimule a produção de anticorpos na mãe, permita a
passagem dessas imunoglobulinas para o leite materno(53). As
imunoglobulinas são proteínas presentes no leite materno
durante todo o período de amamentação do bebê, mas
principalmente no colostro, podendo constituir até 90% do teor
protéico durante o primeiro dia de lactação(8,61).
A IgA é a principal imunoglobulina (Ig) do leite materno e se
apresenta principalmente na forma dimérica (secretória),
constituindo 90% das Igs(14,47), com a função de evitar a adesão
de microorganismos à mucosa intestinal e, além disso, age contra
Escherichia coli, Vibrio cholerae, Shigella sp., Salmonella
sp., Clostridium difficile, Giardia lamblia e Campylobacter
sp(53). A especificidade dos anticorpos IgA no leite humano é
um reflexo dos antígenos entéricos e respiratórios da mãe, o que
proporciona proteção à criança contra os patógenos prevalentes
no meio ambiente no qual ela está inserida.
As imunoglobulinas IgM e IgG aparecem em concentrações
menores no leite materno. As IgE, junto com os antígenos do
lúmen intestinal, liberam mediadores químicos que aumentam a
permeabilidade vascular, facilitando a liberação de IgG, que
realizam atividade opsnonizante. As IgM são encontradas em
valores muito próximos aos da concentração no soro de adultos
normais(8) e são fundamentais para a proteção contra as infecções
maternas(53) e contra as enterobactérias na criança(8,67).
A lactoferrina é uma enzima quelante do ferro que possui
uma ação bacteriostática, principalmente sobre a E. coli.
Apresenta concentração elevada no colostro (600mg/dl),
diminuindo progressivamente no leite maduro (180mg/dl)(14,47).
A lisozima apresenta ação bactericida sobre a maioria das
bactérias Gram-positivas e atinge sua maior concentração no
leite maduro, entre 14 a 39 mg/dl(86).
As proteínas ligadoras de vitamina B12 previnem a
incorporação desta vitamina pela E. coli e os bacterióides, assim
inibindo o crescimento destes microrganismos(53).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
A presença de ácidos graxos livres e monoglicerídeos,
liberados pela hidrólise de triglicerídeos no leite materno, faz
mediação da lise de bactérias, vírus e protozoários(53).
Os oligossacarídeos promovem o desenvolvimento de uma
flora bífida, que através da diminuição do pH, inibe a
multiplicação de enterobactérias como Shigella, Salmonella e
E. coli, inibindo ainda a adesão de bactérias do gênero
Pneumococcus à mucosa(53).
Alguns dos fatores de proteção do leite materno são total
ou parcialmente inativados pelo calor, razão pela qual o leite
humano pasteurizado não tem o mesmo valor biológico do leite
natural.
Técnica da amamentação
Amamentar é mais que uma técnica. É um sentimento
particular e único entre cada mãe e seu filho, criando um vínculo
afetivo importante para ambos. A amamentação exclusiva deve
ser estimulada por pelo menos seis meses, e a mãe deve estar
segura e informada adequadamente de que o aleitamento materno
é a forma natural de alimentar seu bebê, confiar em sua
capacidade de amamentar e sentir-se apoiada pelos profissionais
de saúde. O êxito do aleitamento materno depende também da
técnica correta de amamentação, visto que uma elevada
percentagem de problemas precoces ocorre ao colocar de modo
incorreto o bebê ao peito, na maioria das vezes por falta de
orientação(84). Quando o posicionamento não é adequado, a
mãe sente dor, há tendência de ocorrerem traumas mamilares e a
mandíbula e a língua do bebê podem ser incapazes de extrair o
leite. Deve-se respeitar as posturas escolhidas pela mãe que,
com freqüência, são diferentes nos primeiros dias, em função de
dor no abdome ou no períneo. É importante que o profissional
de saúde saiba avaliar se a técnica da amamentação está correta
e seja capaz de orientar detalhadamente, explicando toda a
técnica e problemas freqüentes que possam ocorrer(55,75).
A mãe deve estar em posição confortável, relaxada. O bebê
deve estar com o seu corpo próximo ao da mãe, de forma a tocálo, barriga com barriga. O corpo e a cabeça do bebê devem estar
alinhados; o bebê deve estar com o braço inferior posicionado
ao redor da cintura da mãe. O corpo do bebê deve estar fletido
sobre a mãe, com as nádegas apoiadas. A mãe deve segurar a
mama com a mão em forma de “C”, deixando a aréola livre. O
bebê deve estar abocanhando o mamilo e parte da aréola (2 cm
além do mamilo) com os lábios extrovertidos. A criança que não
abocanha uma porção adequada da aréola tende a causar trauma
nos mamilos e pode não ganhar peso adequadamente, apesar
de permanecer longo tempo no peito. Dificuldades relacionadas
à “pega” da mama podem também contribuir para o aparecimento
de fissuras e mastite nas mães(72,77).
Fisiologia da lactação
Reflexos da mãe
O desenvolvimento das glândulas mamárias que as capacita
para a secreção de leite ocorre em duas fases: a primeira acontece
aproximadamente no meio da gravidez, quando as glândulas se
tornam competentes para secretar o leite que, nessa fase, é
produzido em pequenas quantidades e observa-se a presença
de lactose no sangue e na urina da mãe; a segunda fase ocorre
durante os primeiros 4 dias após o parto, sendo que o maior
aumento na produção acontece aproximadamente após as
primeiras 40 horas. Essas fases de desenvolvimento e maturação
das glândulas mamárias ocorrem em resposta aos hormônios da
gravidez – progesterona, prolactina e o hormônio lactogênico
placentário(54).
119
Quando a criança suga o peito ou, até mesmo, chora, isto faz
com que um hormônio chamado ocitocina seja liberado pela
glândula hipófise. Esse hormônio na corrente sangüínea leva à
contração das células mioepiteliais da mama e à conseqüente
ejeção do leite(75). Sem esse hormônio, somente a sucção do
leite não seria eficaz para a retirada do mesmo. Além disso, a
ocitocina também ajuda na expulsão da placenta, na contração
do volume uterino e no controle do sangramento pós-parto. Por
estes motivos muitos especialistas recomendam que a primeira
mamada ocorra ainda na sala de parto. O reflexo de liberação da
ocitocina pode ser inibido por estresse, cansaço excessivo, dor
ou fissuras.
A prolactina é liberada pelo estímulo da sucção, agindo nas
células secretoras dos alvéolos da glândula mamária e
estimulando a produção de leite. Esse hormônio é liberado depois
da ocitocina e tem secreção máxima à noite, por isto recomendase que a criança também seja amamentada nos horários
noturnos, quando ocorre maior produção de leite(31,54).
A prolactina também tem um efeito sobre os ovários, inibindo a
ovulação, aumentando então o período de amenorréia e
espaçando as gestações. Mais uma vantagem da amamentação
para as mães lactantes(61).
Estudos indicam que o volume de secreção do leite na mulher
é regulado pela demanda da criança, de modo que, quanto mais
a criança suga o leite e esvazia a mama, mais aumenta a secreção
de leite; portanto, a amamentação deve ocorrer sempre que a
criança quiser, inclusive à noite e deve-se esvaziar por completo
as mamas. Mesmo as mulheres magras e até as desnutridas são
capazes de produzir leite suficiente para a completa nutrição
dos filhos(54).
O leite é produzido nos alvéolos, em células epiteliais
altamente diferenciadas. A produção de leite materno nos cinco
dias pós-parto é variável, porém a secreção de leite aumenta de
50ml em média no segundo dia pós-parto para 500ml no quarto
dia. O volume de leite produzido na lactação já estabelecida
varia de acordo com a demanda da criança. A média de produção
de leite durante os primeiros 4 a 6 meses é de 750ml + / - 130ml/
dia para as crianças exclusivamente amamentadas(28,33).
Reflexos do bebê
Ao nascer, a criança está preparada para receber alimentos
líquidos, estando presentes os reflexos de busca, de extrusão
da língua, de preensão reflexa e de deglutição que a auxiliam na
amamentação(54).
No reflexo de busca, a criança gira a cabeça na direção do
estímulo tátil aplicado na região perioral. Já o reflexo de extrusão
da língua possibilita o posicionamento correto do complexo
aréolopapilar para a estimulação da sucção, com esta começando
quando a mama toca a junção entre o palato duro e o mole(1).
O reflexo de extrusão da língua, presente nos primeiros quatro
meses de vida da criança, leva à expulsão dos alimentos semisólidos oferecidos à mesma. A partir do quarto ao sexto mês,
este reflexo desaparece, correspondendo ao período de
introdução da alimentação complementar, não-láctea. Também
corresponde ao período em que o lactente é capaz de sustentar
a cabeça sobre o tronco(1,54).
Digestão do leite materno
Nos primeiros quatro meses de vida, o trato gastrointestinal
(TGI) da criança é imaturo e está preparado somente para a
digestão do leite materno, não sendo capaz de digerir alimentos
complexos, como aqueles presentes na alimentação do adulto.
Nesta fase, a absorção de proteínas pelo organismo é elevada,
120
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
para proporcionar incorporação efetiva das proteínas do leite
materno pelo TGI. Entretanto, as proteínas presentes em outros
alimentos, como no leite de vaca, devem ser evitadas, pois
também são absorvidas podendo desencadear quadros de
alergia da criança a esses alimentos(12,54). A baixa concentração
de caseína no leite humano resulta na formação de coalho
gástrico mais leve, com flóculos de mais fácil digestão e com
reduzido tempo de esvaziamento gástrico. Além do mais, a
digestão do leite materno possibilita a criação de um pH intestinal
favorável ao desenvolvimento da flora residente e evita a
implantação de anaeróbios e coliformes, diminuindo a morbidade
pelas doenças diarréicas(1).
Os rins da criança nos primeiros meses de vida têm muito
baixa capacidade de filtração glomerular e de concentração
urinária. Por isso, a oferta de alimentos complexos, ricos em
proteínas estranhas ao organismo causa sobrecarga do rim pela
incapacidade de excretá-los, causando distúrbios metabólicos
graves na criança.
Devido às próprias características fisiológicas, a criança deve
ser amamentada exclusivamente, sem o uso de água ou chás,
até o sexto mês de vida quando será introduzida a alimentação
complementar não-láctea de modo progressivo(27).
BENEFÍCIOS PARA MÃE E FILHO
Por causa de suas propriedades antiinfecciosas,
antiinflamatórias e imunomodulatórias, o aleitamento oferece
proteção contra diversas patologias. O leite materno permite
uma proteção contra infecções respiratórias e gastrointestinais:
uma criança que não foi amamentada tem o risco 17 vezes maior
de ser internada por uma pneumonia; 14,2 vezes maior de morrer
por diarréia e 3,6 vezes maior de morrer por infecções respiratórias.
Isso quando comparadas às crianças amamentadas
exclusivamente com leite materno(53). No Brasil, em um estudo
realizado por Victora et al.(81), foi demonstrado que as crianças
que não eram amamentadas apresentavam um risco, duas a três
vezes maior, de morrer por pneumonia e diarréia, quando
comparadas com as que eram amamentadas. O aleitamento
artificial do bebê também está relacionado ao risco aumentado
do surgimento de otite média, infecção do trato urinário,
meningite por Haemophilus influenzae, asma, vômitos e
resfriados prolongados(76). O aleitamento materno reduz a
incidência das doenças alérgicas (asma, bebê chiador, eczemas,
dermatite atópica e alergias alimentares)(28,67).
Devido a suas ações no sistema imunológico, a criança
alimentada exclusivamente ao seio tem prevalência menor de
certas doenças auto-imunes tais como doença celíaca, Diabetes
mellitus tipo 1, doença de Crohn, colite ulcerativa e linfomas
infantis e leucemias(28,42); apresenta também maior produção de
anticorpos após vacinação contra pólio, tétano e difteria(42).
A amamentação também melhora o desenvolvimento da
cavidade oral; o alinhamento dentário reduz a incidência de
apnéia do sono e a presença de cáries, além de diminuir a
necessidade de uso de aparelhos ortodônticos(62). Um estudo
recente demonstrou 50% menos de risco de morte súbita infantil
nos bebês amamentados exclusivamente, do que naqueles com
aleitamento artificial, porém ainda não se sabe as razões desse
achado(48). Alguns estudos que relacionaram aleitamento e
obesidade mostraram que as crianças que receberam apenas
leite materno têm o risco de 2,8% de se tornarem obesas,
enquanto que aquelas com aleitamento artificial tiveram esse
risco de 4,5%. Além dessas contribuições, o ato de amamentar
também aproxima a mãe do seu filho, estreitando os vínculos
afetivos(87); traz benefícios psicológicos para a criança e para a
mãe, gerando sentimentos de segurança e de proteção na criança
e de auto-confiança e realização na mulher. Ainda não existe
consenso quanto à associação entre aleitamento materno e
desenvolvimento cognitivo. No entanto há fortes indícios na
literatura de que crianças amamentadas apresentam vantagem
sob o ponto de vista cognitivo, quando comparadas com as
não amamentadas. Alguns defendem a presença de substâncias
no leite materno que otimizariam o desenvolvimento cerebral.
Porém ainda não se conhece a magnitude e a importância desse
fato(28).
A literatura é restrita acerca dos benefícios do aleitamento
para a saúde da mãe, porém já é sabida a relação positiva entre
amamentar e apresentar menos doenças como câncer de
mama(11), câncer de ovário(73), fraturas ósseas (especialmente
coxofemoral), osteoporose (44), menos mortes por artrite
reumatóide precoce, aumento do período de amenorréia pósparto(41), rapidez do retorno ao peso pré-gestacional, menor
sangramento uterino acelerando a involução uterina, menos
ocorrência de anemia e favorecimento da dequitação
placentária(41).
O impacto do aleitamento materno na qualidade de vida é
difícil de ser quantificado. Crianças que recebem leite materno
adoecem menos, necessitando de menos atendimento médico,
menos hospitalizações e medicamentos. Além disso, amamentar
uma criança ao seio é mais econômico do que com alimentação
artificial. Essa vantagem não deve ser desconsiderada,
sobretudo em famílias de baixo poder aquisitivo(40).
Contra-indicações da amamentação
O aleitamento materno é a forma mais nutritiva e completa
para a alimentação da criança. Por esse motivo, os profissionais
da área de saúde devem estar cientes das contra-indicações e
da interrupção errônea do aleitamento e devem tomar todos os
cuidados para impedir a transmissão de alguma patologia à
criança.
O tempo decorrido entre a exposição da mãe ao patógeno e
o início dos sintomas, geralmente faz com que haja exposição
do lactente ao patógeno e, dessa forma, a orientação geral é
manter o aleitamento materno(2,28). Além disso, se a amamentação
é suspensa quando surgem os sintomas na mãe, a proteção
diminui, pois a criança deixará de receber anticorpos específicos,
assim como outros fatores de proteção do leite(45).
As contra-indicações absolutas da amamentação são raras
e algumas das recomendações variam de opinião a depender do
autor. Por parte da criança, a galactosemia é uma dessas
restrições, pois a deficiência de uma enzima do metabolismo da
galactose faz com que ocorram aumentos dos níveis de galactose
e seus metabólitos podendo causar lesões nos rins, fígado,
cérebro e olhos ou até mesmo a morte em casos mais graves(16).
A transmissão do HIV pelo leite materno já foi comprovada por
diversos estudos(3,6,13,68). A maior parte da transmissão vertical
do HIV é feita durante o trabalho de parto e no parto, mas cerca
de 35% da transmissão ocorre nas últimas semanas de gestação
e durante o aleitamento materno. A transmissão pode ocorrer
em qualquer período da amamentação e a taxa de infecção
aumenta com tempo de lactação. Alguns fatores interferem no
risco de transmissão: condições da mama (abscesso e mastite),
úlceras orais na criança e estado imunológico da mãe(79). Com o
advento da terapia retroviral, diminuíram os casos de transmissão
vertical durante a gestação(64.70). No Brasil, o Ministério da Saúde
preconiza que a amamentação seja contra-indicação absoluta
em pacientes portadoras do HIV. Contudo, a Organização
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef) recomendam que, em países pobres, onde
doenças como diarréia, pneumonia e desnutrição contribuem
para elevadas taxas de morbi-mortalidade infantil, o benefício
do aleitamento materno deve ser considerado em relação ao
risco de transmissão do HIV(43,45).
Outro retrovírus, o HTLV-1, também pode ser transmitido pelo
aleitamento materno(38), sendo esta via de transmissão vertical
considerada predominante(45). Esse retrovírus é causa de
paraparesia espástica tropical(58) associada ao desenvolvimento
de neoplasias malignas (leucemia/linfoma de células T do
adulto)(25). Como para essas patologias graves não se dispõem
de terapêutica ou vacinas eficazes, alguns autores contra-indicam
a amamentação por mãe soropositiva para HTLV-1(45).
O leite materno não é contra-indicado nos casos em que a
mãe seja portadora do vírus B da hepatite. O maior risco de
transmissão da hepatite B para a criança ocorre durante o parto.
Por isso, recomenda-se para filhos de mães portadoras do vírus
da hepatite B, que logo após o nascimento, nas primeiras seis a
doze horas de vida, sejam aplicadas a primeira dose da vacina
contra o vírus da hepatite B e uma dose da imunoglobulina
hiperimune da hepatite B(5), tendo eficácia de 95%(5).
Apesar de relatos recentes mostrando a presença do vírus
da hepatite C (VHC) em outras secreções (leite, saliva, urina e
esperma), a quantidade do vírus parece ser pequena demais
para causar infecção e a grande maioria dos estudos não indicam
transmissão pelo leite materno(50,56). Recomenda-se que seja
informado às mães que existe um risco teórico não confirmado
de transmissão pelo aleitamento materno, e a decisão de
amamentar deve ser individulizada(5,25,66). Até o momento o
Ministério da Saúde ainda não contraindica o aleitamento para
recém-nascidos de mães portadoras do vírus C da hepatite.
O citomegalovírus (CMV) pode ser excretado na saliva, urina,
leite humano, sêmen, secreções cervicais e fezes por vários
anos após primoinfecção e na ocorrência de reativação de suas
formas latentes(45,90). A maioria das crianças é infectada durante
ou após o parto, mas mantém-se assintomáticas, embora algumas
possam apresentar pneumonia intersticial, hepatite, anemia,
linfocitose atípica ou escasso ganho de peso(46,63). Porém, alguns
autores sugerem a continuidade da amamentação porque durante
a gestação e o aleitamento materno há passagem de
imunoglobulinas, e assim a criança estaria de certa forma
protegida; sendo assim, o risco de doença assintomática no
lactente é menor do que num período posterior(25,32,45,63).
O risco de transmissão de vírus herpes simples pelo leite
materno é muito baixo. Por isso, o aleitamento está indicado
neste caso. Quando as lesões herpéticas estiverem presentes
em uma das mamas, evita-se o contato do lactente com esta
mama, mas não é contra-indicada a amamentação na outra mama
sadia(45,84). Cuidados adicionais devem ser adotados com
vesículas em outras localizações: cobrir as lesões, lavar
rigorosamente as mãos, usar máscaras em lesões nasolabiais,
usar luvas em lesões nos dedos, evitar contato íntimo prolongado
até que as lesões estejam secas(74).
A varicela em neonatos tem graves repercussões, podendo
causar a morte em muitos casos(25). Na vigência de infecção
materna com o vírus do varicela-zoster até cinco dias antes ou
dois dias após o parto, a mãe pode transmitir a doença na sua
forma mais grave ao lactente, e este deve receber o mais precoce
possível a imunoglobulina específica contra varicela (VZIG).
Além disso, está indicado o isolamento da mãe na fase
contagiante das lesões até a fase de crosta, que varia geralmente
de 6 a 10 dias após o “rash”(45). Não obstante, são escassas as
121
evidências de que o vírus da varicela possa vir a ser encontrado
no leite materno; sendo assim a mãe pode ordenhar o leite para
que seja oferecido ao seu filho(25).
O bacilo de Koch não é excretado pelo leite materno. O recémnascido não deve ser separado da mãe em tratamento para
tuberculose, a menos que esta tenha uma forma grave da doença.
Mesmo assim deverão ser ponderados os seguintes aspectos:
vacinação com BCG, suspeita de tuberculose congênita,
instituição de quimioprofilaxia e continuação da amamentação.
Nos casos em que a mãe é bacilífera ou infectante (não-tratada
ou com tratamento iniciado há menos de três semanas do
nascimento da criança), a Organização Mundial de Saúde (OMS)
orienta que se deve diminuir o contato íntimo mãe-filho,
amamentar com máscara ou similar e rastrear os comunicantes,
especificamente os domiciliares, além de administrar hidrazida à
criança na dose de 10mg/kg peso, uma vez ao dia, durante três
meses(45). Após a quimioprofilaxia, deve-se vacinar a criança
com BCG - ID(6,45). Já a Academia Americana de Pediatria orienta
a separação da mãe, mas alimentando a criança com leite humano
ordenhado(45). Se a mãe for não-infectante ou abacilífera (com
tratamento iniciado há mais de três semanas do nascimento da
criança), não se deve suspender a amamentação; e pode-se
vacinar com BCG-ID. A administração de drogas
tuberculostáticas à mãe e a tuberculose extrapulmonar não
contra-indicam a amamentação(45).
O bacilo de Hansen pode ser excretado pelo leite materno
nos casos de hanseníase de forma virchowiana, não-tratada ou
tratada há menos de três meses com sulfona (diapsona) ou três
semanas com a rifampicina. Nesse caso, deve-se evitar contato
mãe-filho, exceto para amamentar, usar máscara ou similar, lavar
cuidadosamente as mãos antes de manipular a criança e fazer a
desinfecção de secreções nasais e lenços. Se a mãe for nãoinfectante ou abacilífera, mantém-se a amamentação com esses
cuidados(46).
O Trypanosoma cruzi pode ser transmitido via leite materno
tanto na forma aguda quanto na crônica. Nesta última, o
aleitamento materno não é contra indicado, exceto se houver
sangramento e fissura no mamilo. Na forma aguda, a mãe não
deve amamentar a criança(21,22).
Também está contra-indicada a amamentação em mães com
limitações temporárias, emocionais ou físicas, como casos graves
de psicose, eclâmpsia ou choque séptico.
A Academia Americana de Pediatria admite que as evidências
atuais não são suficientes fortes para contra-indicar a
amamentação por mulheres com implante de silicone(4).
O uso ou dependência de drogas ilícitas por parte da mãe
(opióides, cocaína, anfetaminas, barbitúricos e alucinógenos) é
uma contra-indicação ao aleitamento materno(19,84), pois criam
dependência na criança e causam alterações orgânicas(4).
Uso de medicamentos durante a lactação
Muitas doenças são autolimitadas e não requerem nenhum
tipo de tratamento medicamentoso, apenas medidas gerais, como
repouso, aumento da ingesta hídrica e alimentação adequada.
Quando se faz necessária a utilização de algum fármaco, o médico
deverá prescrever um medicamento seguro para a mãe e o bebê,
que não afete a amamentação e que não seja contra-indicado
nesse período. Deve-se verificar sempre se existe uma opção
mais segura(36).
A escolha e o uso de medicamentos durante a lactação têm
fundamental importância por dois motivos. Primeiro, nem todas
as drogas que são seguras para a gravidez são seguras para o
período de lactação, sendo necessário cautela nas prescrições
122
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
desses medicamentos(78). Segundo, apesar da cautela na escolha,
o conselho de interrupção da lactação não é sempre correto,
embora seja comum entre os médicos e enfermeiros (que são
pouco orientados sobre o assunto), além de ser a opção
“preferida” pelas mães ansiosas, que também por falta de
informação temem o uso do medicamento(7).
A passagem de drogas para o leite materno é freqüente,
porém existem poucas contra-indicações absolutas e raras
necessidades de suspensão da amamentação(69). Essa passagem
do medicamento para o leite é influenciada por fatores
relacionados ao leite materno, à mãe, ao lactente e à droga(15,36).
O leite materno sofre alterações na sua composição conforme
a fase de lactação (colostro versus leite maduro) ou conforme a
fase da mamada (leite anterior versus leite posterior). Durante a
fase de colostro, o espaço intercelular é largo, o que faz com que
os medicamentos, as drogas ilícitas, os linfócitos, as
imunoglobulinas e as proteínas transfiram-se facilmente para o
leite materno. Porém, o volume de leite ingerido pelo bebê nessa
fase é considerado pequeno(15).
Em relação aos medicamentos, devem ser considerados: a
concentração no soro materno influenciada pela sua meia-vida
(quanto maior a meia-vida da droga, maior é a sua permanência
no sangue); o peso molecular; sua capacidade de ligação às
proteínas; e se é lipossolúvel. Medicamentos com grande peso
molecular, elevada ligação a proteínas e pobremente
lipossolúveis dificilmente entram na composição do leite
materno, de modo significativo(78).
Deve-se dar uma atenção especial às mães com patologias
hepáticas ou renais, visto que podem estar com incapacidade
de metabolizar ou excretar adequadamente o medicamento,
fazendo com que ocorram níveis sangüíneos mais elevados e
maior tempo na circulação materna dessas substâncias.
A Academia Americana de Pediatria(4) sumariou em 2001,
quatro considerações básicas antes da prescrição de drogas para
a mulher em lactação: 1 – a terapia farmacológica é realmente
necessária? Se o medicamento é requerido, deve haver
comunicação entre o pediatra e o médico da mãe para melhor
determinar as opções de escolha; 2 – o medicamento mais seguro
deve ser escolhido; 3 – se há possibilidade de o medicamento
apresentar riscos ao lactente, sua concentração no sangue deste
deve ser medida e avaliada; 4 – o lactente pode ser menos exposto
ao medicamento, se a mãe ingeri-lo imediatamente após a
amamentação ou antes de um longo período de sono da criança(4).
O Quadro 1 apresenta a compatibilidade de alguns
medicamentos com a amamentação, mas a não inclusão de alguns
fármacos não significa que são seguros ou não, e sim que não
se dispõe de informações suficientes sobre os mesmos. Deve
ser considerado que nos neonatos os efeitos dos medicamentos
são maiores, devido a menor eficácia das funções renais e
hepáticas. A classificação desses fármacos é feita pela Academia
Americana de Pediatria, revisada pela última vez em 2001(4,15).
São necessárias contínuas pesquisas, com o acompanhamento
das atualizações pelos médicos, principalmente por causa do
surgimento de novas drogas no mercado.
Problemas mais freqüentes na amamentação
Como foi dito anteriormente, é primordial que a mãe saiba
amamentar corretamente o seu filho, pois o esvaziamento
mamário inadequado é uma das causas básicas da maior parte
dos problemas relacionados à lactação.
Ingurgitamento mamário
A retenção de leite nos alvéolos causa distensão dos mesmos
e compressão dos ductos, com conseqüente obstrução do fluxo,
agravando a retenção inicial. Secundariamente há edema devido
à estase vascular e linfática, interrompendo a produção de leite.
O aumento da pressão faz o leite acumulado tornar-se mais
viscoso (o chamado leite empedrado). Existe um ingurgitamento
fisiológico que é discreto e não requer qualquer tipo de
intervenção. No ingurgitamento patológico, há grande
desconforto para a mulher, podendo ser acompanhado de febre
e mal estar; a mama apresenta-se aumentada, hiperemiada,
dolorosa, tensa, com áreas avermelhadas, e os mamilos
achatados, dificultando a mamada. Geralmente ocorre 2 a 5 dias
após o parto, porém pode surgir em qualquer época durante o
aleitamento(26,29). A prevenção do ingurgitamento se faz iniciando
mais cedo a amamentação e também através da técnica correta
da amamentação em livre demanda e da não utilização de
suplementos(82).
Uma vez instalado o ingurgitamento os seguintes
procedimentos são recomendados: que se faça a ordenha manual
antes da mamada para facilitar a pega, massagens delicadas
para diminuir a viscosidade do leite e estimular sua ejeção; início
da mamada pelo seio mais túrgido, pois a sucção é mais forte;
em algumas situações a administração de analgésicos
sistêmicos/antiinflamatórios (ibuprofeno, paracetamol); o uso
de compressas mornas para ajudar na descida do leite e de
compressas frias nos intervalos das mamadas, para diminuir o
edema e a dor. O sutiã utilizado deve ter alças largas e sustentar
bem os seios. Caso o bebê não sugue, a mama deve ser
esvaziada com ordenha manual ou bomba de sucção,
principalmente para a prevenção de mastite(29,82).
Dor e trauma mamilar
É normal a mulher sentir uma dor discreta no início das
mamadas. Mamilos muito dolorosos podem significar trauma
subjacente por posicionamento ou pega inadequados; mamilos
curtos, planos ou invertidos; por disfunções orais da criança;
por uso impróprio de bombas de extração de leite, reações
alérgicas a óleos e cremes utilizados nos mamilos, entre outros.
Os tipos de traumas mais comuns sofridos pelos mamilos são:
eritema, edema, fissuras, bolhas, marcas (brancas, escuras ou
amarelas) e equimoses. É de grande relevância a prevenção da
dor e dos traumas, pois esses são freqüentes causas de
desmame. Para isso deve-se amamentar utilizando a técnica
correta, manter os mamilos secos, não utilizar produtos que
retirem a proteção natural do mamilo, amamentar sob livre
demanda, ordenhar a aréola ingurgitada, entre outros. Quando
instalados os traumas, deve-se fazer o máximo para prevenir as
infecções secundárias e evitar mais dor. De início devem-se
reduzir os estímulos dolorosos, iniciando a mamada pela mama
menos afetada; deve-se ordenhar um pouco de leite antes da
mamada para estimular a ejeção de leite, alternar posições de
mamadas e, se necessário, usar analgésicos sistêmicos via oral(29).
Para estimular e acelerar a cicatrização dos traumas mamilares
existem dois tipos de tratamento, o seco e o úmido. O tratamento
seco, muito popular e que consiste em banhos de luz e de sol e
uso de secador de cabelo, não é muito recomendado atualmente.
O mais correto é o tratamento úmido, utilizando o próprio leite
materno, cremes e óleos apropriados, formando uma camada
protetora que evita a desidratação das camadas mais profundas.
Recomenda-se o uso de produtos com vitaminas A e D, lanolina
anidra modificada e cremes ou pomadas com corticóide
(mometasona 0,1% e propionato de halobetasol), no caso de
fissuras mais graves e uma vez afastadas as infecções. O uso de
chás, cascas de banana ou mamão não é comprovadamente
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Quadro 1. Lista de fármacos compatíveis e incompatíveis com a amamentação.
Estrógenos
Levodopa
Testosterona
Nicotina
Ciclofosfamida
Ciclosporina
Doxoribicina
Acetominofeno
Acetazolamida
Acitretin
Ácido flufenâmico
Ácido iopanóico
Ácido mefenâmico
Ácido nalidíxico
Aciclovir
Álcool
Alopurinol
Amoxicilina
Antimônio
Apazone
Atropina
Aztreonam
Baclofeno
toprim
Barbitúricos
Bendroflumetiazide
Bromide
Butorfanol
Cafeína
Captropril
Carbamazepina
Carbetocina
Carbimazole
Cáscara
Cefadroxil
Cefazolin
Cefotaxime
Cefoxitin
Cefprozil
Ceftazidime
Cetoconazol
Cetorolac
Cisplatina
Clindamicina
Clogestone
Clorofórmio
Cloroquina
Clorotiazida
Fármacos que podem suprimir a lactação
Lisurida
Bupropiona
Diuréticos
Cabergolide
Ergotamina
Álcool
Ergometrina
Pseudo-efedrina
Drogas incompatíveis com a amamentação
Anfetamina
Cocaína
Metrotexate
Heroína
Fenciclidina
Marijuana
Drogas usualmente compatíveis com a amamentação
Clortalidona
Iodine (Povidine)
Cicloserina
Ioexol
Cimetidina
Isoniazida
Ciprofloxacin
Ivermectina
Codeína
Kanamicina
Colchicina
Labetolol
Contraceptivos
com estrógeno/progesterona
Levonorgestrel
Dantron
Levotiroxina
Dapsone
Lidocaína
Dexbromfeniramina
Loperamida
Diatrizoate
Loratadina
Dicumarol
Medroxiprogesterona
Difilina
Meperidina
Digoxina
Metadona
Diltiazen
Metimazol
Dipirona
Metildopa
Quinidina
Quinina
Riboflavina
Rifampicina
Sais de ouro
Secobarbital
Senna
Sotalol
Sulbactam
Sulfametoxazol/Trime-
Disopiramida
Domperidona
Enalapril
Espironolactona
Estreptomicina
Etambutol
Etanol
Fenilbutazona
Fenitoína
Fexofenadina
Flecainide
Fleroxacin
Fluconazol
Fluoresceína
Gadolinium
Halotano
Hidralazina
Hidrato de cloral
Hidroclorotiazida
Hidrocloroquina
Ibuprofeno
Indometacina
Interferon
Iodo
Sulfapiridina
Sulfisoxazol
Sulfato magnésio
Sumatriptan
Suprofen
Terbutalina
Terfenadina
Tetraciclina
Teofilina
Ticarcilina
Timolol
Tiopental
Tiouracil
Tolbutamida
Tolmetin
Triprolidina
Valproato
Vitamina B1
Vitamina B6
Vitamina B12
Vitamina D
Vitamina K
Warfarin
Zolpiden
Fonte: Chaves RG et. al. (2001).
Metiprilon
Metoprolol
Metoexital
Metrizamida
Metrizoato
Mexiletine
Minoxidil
Morfina
Moxalactam
Nadolol
Naproxeno
Nefopam
Nifedipina
Nitrofurantoína
Noretinodrel
Norsteróide
Noscapina
Ofloxacin
Oxprenolol
Piridostigmina
Pirimetamina
Piroxicam
Prednisolona
Prednisona
Bromocriptina
Procainamida
Progesterona
Propoxifeno
Propranolol
Propiltiouracil
Pseudo-efedrina
123
124
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
benéfico para as fissuras mamilares: ao contrário, alguns
trabalhos mostram que esses procedimentos podem ser
irritantes(29,72).
Infecção mamilar
A infecção é bastante comum no mamilo
lesado, principalmente por Staphylococcus aureus. Nos casos
confirmados, deve ser realizado o tratamento tópico com
mupirocina a 2% e sistêmico com antibióticos (considerado mais
efetivo). Se não tratada, a infecção mamilar pode evoluir para
mastite em 25% das mulheres(29).
Bloqueio dos ductos lactíferos
Este bloqueio ocorre quando o leite produzido numa
determinada área da mama não é drenado adequadamente.
Acontece freqüentemente quando a mama não está sendo
esvaziada corretamente, quando a amamentação é infreqüente,
quando a criança apresenta sucção ineficaz, na presença de
pressão local em uma área ou como conseqüência do uso de
cremes nos mamilos. Há o surgimento de nódulos sensíveis e
dolorosos, podendo haver também dor, calor e eritema. Para
prevenir o bloqueio, deve-se realizar o esvaziamento completo
da mama, realizando mamadas freqüentes e utilizando as técnicas
corretas. Quando há bloqueio de ducto, faz-se necessário
amamentar com mais freqüência, aplicar calor local e realizar
massagens na região atingida, em direção ao mamilo, e fazer a
ordenha, caso o bebê não esteja conseguindo esvaziar as mamas
completamente(29).
Mastite
A mastite é um processo inflamatório resultante do bloqueio
dos ductos associado à infecção. Durante a lactação, é
denominada de mastite lactacional ou puerperal sendo uma
importante causa de desmame. Geralmente, o seu aparecimento
ocorre em torno da segunda e terceira semana após o parto,
tornando-se menos freqüente após a 12a semana(82).
Inicialmente, a estase do leite provoca aumento da pressão
intraductal, resultando no achatamento das células alveolares e
na formação de espaços entre as células. Esse espaço permite a
passagem de alguns componentes do plasma para o leite e do
leite para o espaço intersticial. Esses componentes poderão
induzir resposta inflamatória.
Os eventos que favorecem a estagnação do leite materno
são considerados fatores predisponentes ao desenvolvimento
da mastite. São eles: uso de chupetas, mamadeiras, trabalho
materno fora do lar, primiparidade, fadiga materna, episódios
prévios de mastite, fissuras de mamilos e freio lingual curto da
criança. Além desses fatores, outros eventos também podem
ser correlacionados ao desenvolvimento da mastite, tais como
a produção excessiva de leite, o esvaziamento incompleto da
mama, a redução do número de mamadas, horários regulares
para amamentar, sucção débil da criança e os longos períodos
de sono do bebê(72).
O diagnóstico é geralmente clínico, ou seja, baseado em
sinais e sintomas indicativos de inflamação local apresentados
pela mãe. É comum, portanto, o relato de dor, edema, calor e
vermelhidão. Sintomas sistêmicos, semelhantes à síndrome
gripal, também podem estar presentes tais como mal-estar, febre,
calafrios, mialgias e cefaléia. Com menos freqüência, a paciente
pode apresentar também náuseas e vômitos. Várias espécies de
microorganismos têm sido associadas à mastite lactacional e ao
abscesso mamário, destacando-se o Staphylococccus aureus
como o agente mais comum da mastite lactacional infecciosa(82).
No Brasil, em um estudo descritivo realizado em setenta mulheres
com mastite, 84% evoluiu para abscesso, sendo a bactéria
isolada Staphylococus aureus em 55% dos casos(72). Em fases
mais avançadas da doença, observa-se a presença de abscessos
superficiais, fístulas lácteas, úlceras ou perda de tecidos
mamários nas formas necrotizantes(29,82).
Os pontos mais efetivos no tratamento da mastite são:
remoção do leite, antibioticoterapia sistêmica e tratamento
sintomático. O esvaziamento completo da mama deve ser
realizado através do aleitamento, que deve ser mantido, e da
ordenha. O uso da antibioticoterapia é indicado quando a
contagem de células e de colônias e a cultura no leite forem
indicativas de infecção. O tratamento sintomático é feito com
analgésicos (com fármacos compatíveis com a amamentação),
capazes de aliviar a dor e contribuir na redução do processo
inflamatório. Outras medidas como a utilização de compressas
quentes antes das mamadas, ajudam na drenagem do leite; e de
compressas frias após as mamadas ou nos intervalos, podem
aliviar os sintomas(72,82).
A prevenção consiste na utilização de técnicas adequadas
de amamentação e ordenha. Além do acompanhamento médico,
para que possam ser diagnosticados e tratados precocemente
os problemas como a fissura mamilar e ingurgitamento
mamário(72,82).
Abscesso mamário
O abscesso mamário com grande freqüência ocorre
secundariamente a uma mastite. A interrupção da amamentação
ou o não esvaziamento adequado da mama afetada pela mastite,
representa um fator de risco para o desenvolvimento de
abscesso. Do mesmo modo que na mastite o agente etiológico
mais freqüente é o Staphylococus aureus(82). Seu diagnóstico
clínico é realizado pela sensação de flutuação à palpação. Para a
confirmação do diagnóstico pode-se realizar uma punção ou
uma ultra-sonografia(72,82). Com a confirmação do diagnóstico,
deve-se seguir rapidamente o tratamento no sentido de tentar
evitar necroses teciduais extensas. O tratamento se baseia no
esvaziamento do abscesso a partir de drenagem cirúrgica ou
aspiração(47,82). Em caso de abscesso muito grande ou muito
profundo, pode-se fazer necessário realizar ressecções externas,
não se excluindo a possibilidade de deformações na mama e
comprometimento funcional. Apesar de se verificar a presença
de bactérias no leite materno nessas circunstâncias, é indicado
o prosseguimento do aleitamento, pois essa condição não
constitui risco para a criança. Quando a localização do abscesso
impedir a amamentação na mama afetada, é indicada a ordenha
na mesma e a manutenção da amamentação na mama sadia(29).
Baixa produção de leite
Apesar de a maior parte das mães terem condições de
produzir quantidade suficiente de leite para seu bebê, o “leite
fraco” ou “pouco leite” é a desculpa mais utilizada pelas
mulheres para deixarem de amamentar ou iniciarem a
complementação na alimentação da criança. Muitas vezes por
pura falta de informação quanto ao comportamento normal do
bebê. Quando o leite está insuficiente, a criança não fica saciada
após as mamadas, chora muito, quer mamar com freqüência, faz
mamadas muito longas e não ganha peso adequadamente (menos
de 20g de ganho por dia). Nesta situação também o número de
micções por dia cai (menos que seis a oito) e as evacuações se
tornam infreqüentes, com fezes em pequena quantidade, secas
e duras, sendo indicativos indiretos de pouco volume de leite
ingerido(29).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Outras situações podem estar associadas a essa baixa
produção de leite, como pega inadequada, uso do bico de
borracha, menor freqüência e curta duração de mamadas, além
do uso de chás e água. Quando a criança passar a apresentar
prejuízo em seu crescimento, deve-se usar um complemento
lácteo ou de outra natureza, a depender da idade, para aumentar
a oferta calórica(47).
Quando há queixa pela mãe de insuficiência na produção de
leite, deve-se investigar todas as possíveis causas através de
uma anamnese e exame físico completos e da observação da
amamentação (posicionamento e pega). Para aumentar a
produção de leite, as seguintes medidas são úteis: melhorar a
pega do bebê, se necessário; aumentar a freqüência das
mamadas; oferecer as duas mamas em cada mamada; dar tempo
para o bebê esvaziar bem as mamas; trocar de seio várias vezes
numa mamada se a criança estiver sonolenta ou se não sugar
vigorosamente; evitar o uso de mamadeiras, chupetas e
protetores (intermediários) de mamilos; consumir dieta
balanceada; ingerir líquidos em quantidade suficiente e
repousar(23). Se essas medidas não funcionam pode-se prescrever
para as mães medicamentos como domperidona e
metoclopramida, que aumentam os níveis de prolactina, sendo a
primeira mais segura. No entanto, essas drogas aparentemente
não estimulam a secreção láctea quando os níveis de prolactina
já estão suficientemente altos ou quando há insuficiência de
tecido glandular(29).
NECESSIDADES ENERGÉTICAS E NUTRICIONAIS
As necessidades nutricionais correspondem às quantidades
calóricas e de nutrientes que asseguram a integridade e o bom
funcionamento orgânico. Tais necessidades são determinadas
por diversos fatores, como: idade, sexo, tamanho, composição
corpórea e dotação genética.
Relativamente ao peso corpóreo, as necessidades de todos
os nutrientes para a criança são maiores do que para o adulto.
Isso porque um ser em crescimento e desenvolvimento requer
nutrientes para o aumento da massa corpórea, e também para a
manutenção das funções orgânicas(24,89).
Durante os primeiros seis meses de vida, o alimento ideal para
suprir tais necessidades energéticas é representado pelo leite
materno exclusivo. A excelência do aleitamento materno deve ser
sempre enfatizada, visto ser este capaz de fornecer toda a demanda
energética de que a criança necessita nessa fase de sua vida.
A necessidade calórica diária é de 100 a 116kcal/kg/dia para
crianças até 12 meses de idade (Quadro 2). Durante os seis
primeiros meses, essa densidade calórica é plenamente fornecida
pelo aleitamento materno exclusivo. As mães devem ser
orientadas a fornecerem mamadas freqüentes, de pelo menos
sete vezes ao dia durante os 3 primeiros meses, a fim de obter
uma ingesta habitual de 150 a 200ml/kg/dia e uma oferta
satisfatória de calorias(52).
Quadro 2. Necessidades Calóricas Diárias de Lactentes.
Idade (meses)
0+ 3 meses
3+ 6 meses
6+ 9 meses
9+ 12 meses
Média 1º ano
Fonte: FAO/OMS, 1998.
Energia (Kcal/Kg)
116
99
95
101
103
125
O ganho ponderal médio estimado deve ser de 20 a 30g/dia,
nos 3 meses iniciais. Ao final do primeiro ano de vida, o lactente
deve triplicar de peso e aumentar em 50% o seu comprimento.
Do ponto de vista nutricional, o leite humano dispõe de níveis
ótimos de macro e micronutrientes, ideais para o crescimento
saudável da criança nessa fase(12).
No entanto, crianças que permanecem em aleitamento
materno exclusivo após os seis meses de vida estão sob risco
de desnutrição(24). Nesse período, a oferta calórica do leite
materno torna-se insuficiente para suprir o metabolismo da
criança. Deve-se, portanto, orientar as mães sobre a necessidade
da introdução de outros alimentos no cardápio de seu filho. A
densidade energética ideal deve ser obtida através de uma
alimentação complementar adequada, associada à ingestão
habitual de leite materno.
Os novos alimentos introduzidos na dieta devem ser ricos
em energia e micronutrientes (particularmente ferro, zinco, cálcio,
vitamina A, vitamina C e folatos), de fácil consumo e boa aceitação
pela criança.
A criança pequena possui um mecanismo muito eficiente de
auto-regulação da ingesta diária de energia. Assim, tende a comer
quantidades menores de alimentos mais energéticos. O pequeno
volume do estômago da criança pequena (30-40 ml/kg de peso)
pode impedi-la de alcançar suas necessidades energéticas, se a
dieta for de baixa densidade energética. Por outro lado, se a
criança recebe grande quantidade de energia dos alimentos
complementares, poderá reduzir a ingestão de leite materno, o
que não é aconselhável, principalmente nas crianças menores(
51 )
.
O aporte adequado dos diversos nutrientes deve ser
instituído a fim de se obter o balanço energético necessário
para a criança. As estimativas de requerimentos totais de energia
e as proporções entre os diversos elementos da dieta têm sido
feitas em bases teóricas e possuem diversas limitações
metodológicas. Dessa forma, revisões sucessivas têm sido feitas
na literatura para o estabelecimento de critérios mais bem
definidos. O atual requerimento de energia estimado para
crianças amamentadas é de 615cal/dia dos 6 aos 8 meses de
idade, 686cal/dia dos 9 aos 11meses e 894cal/dia dos 12 aos 23
meses(34).
Atualmente, a Organização Mundial de Saúde determina que
para crianças menores de 2 anos em países em desenvolvimento,
com uma ingesta média de leite materno, os alimentos
complementares devem suprir aproximadamente 200kcal por dia
dos 6 aos 8 meses de idade, 300kcal dos 9 aos 11 meses e 550kcal
dos 12 aos 23 meses(52). Essa ingesta ótima deverá ser obtida
através do fracionamento e variabilidade adequada da dieta
ofertada à criança. A proporção ideal entre os componentes da
dieta deve ser de: 40% a 50% de hidratos de carbono, 30% a
40% de lipídios e 10% a 20% de proteínas. A ingesta diária de
alimentos deve ser balanceada, a fim de proporcionar um
consumo equilibrado de todos os macronutrientes em
quantidades satisfatórias(89).
Portanto, a importância dos diversos macronutrientes da
dieta (proteínas, gorduras e carboidratos) é um outro quesito
que merece atenção. Seguem abaixo as informações sobre a
proporção adequada desses nutrientes na dieta da criança no
primeiro ano de vida.
Conteúdo de proteínas
As necessidades protéicas de um indivíduo são definidas
como a dose mais baixa de proteínas ingeridas na dieta. Essa
quantidade de proteína deverá compensar as perdas orgânicas
126
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
e manter o balanço de energia em níveis moderados de atividade
física.
O lactente, o pré-escolar e o escolar apresentam necessidades
protéicas por quilo de peso maiores que as do adulto, uma vez
que necessitam manter as taxas de crescimento.
A concentração de proteínas do leite humano é a mais baixa
dentre todos os mamíferos. A concentração habitualmente
relatada é de 1,1g%(17). Contudo, o leite humano é capaz de
fornecer a ingesta protéica necessária ao crescimento normal da
criança durante os seis primeiros meses de vida e provoca baixa
carga de excreção renal de solutos(60).
É imprescindível que os profissionais de saúde estejam
atentos e desencorajem o hábito adotado por algumas famílias
de substituição do leite humano por farináceos, estes últimos
com quantidade insuficiente de proteínas. Esta prática
inadequada eleva os índices de desnutrição infantil(24).
De maneira semelhante, a alimentação complementar deve
fornecer quantidades satisfatórias de proteína. É importante para
a criança receber proteínas de alto valor biológico e de melhor
digestibilidade, presentes nos produtos de origem animal. A
densidade protéica (gramas de proteínas por 100kcal de
alimento) recomendada para os alimentos complementares é de
0,7g/100 kcal, dos 5 aos 24 meses de vida(52).
A digestão de proteínas, nos primeiros meses de vida, ocorre
normalmente já que a secreção de pepsina e ácido clorídrico
encontra-se em níveis normais, da mesma forma que ocorre com
a atividade proteolítica do intestino.
Conteúdo de gorduras
A Academia Americana de Pediatria recomenda que o
lactente receba uma oferta de lipídios de 30% a 40% da energia
total fornecida através da dieta. Essa quantidade é considerada
suficiente para fornecer a ingestão adequada de ácidos graxos
essenciais (linoléico, linolênico e araquidônico), boa densidade
de energia e absorção de vitaminas lipossolúveis(24).
A gordura adicionada à dieta afeta a densidade geral de
nutrientes e, se excessiva, pode exacerbar a má nutrição de
micronutrientes em populações vulneráveis. Evidências
limitadas sugerem que a ingestão de gordura em excesso
favorece a obesidade na infância e futura doença cardiovascular.
Uma vez que as funções hepáticas e pancreáticas no recémnascido não se encontram totalmente desenvolvidas, a digestão
de gorduras depende de lipases específicas do leite humano e
da lipase lingual.
Conteúdo de carboidratos
A função principal dos carboidratos é energética e, em relação
às gorduras e proteínas, eles são mais importantes quanto à
eficiência em proporcionar energia para o trabalho celular.
Recomenda-se que a ingestão de carboidrato seja em torno
de 40% a 50% da oferta energética total da dieta. As crianças
com mais de 6 meses de idade devem ser incentivadas a ingerirem
outros mono e dissacarídeos por meio de frutas e produtos
lácteos, alimentos importantes como fontes de vitaminas,
minerais e oligoelementos(34).
A incapacidade do sistema digestivo, entretanto, está,
sobretudo, relacionada à limitada síntese de algumas enzimas.
Apesar de algumas enzimas como as dissacaridades estarem
presentes em níveis satisfatórios no recém-nascido e, por
essa razão, a ingestão de lactose ocorrer normalmente, outras
enzimas mostram-se deficientes nessa idade. A amilase é um
exemplo. Embora presente na saliva dos bebês, não há
digestão de amido na boca ou esôfago nos primeiros meses.
Já a amilase pancreática não é secretada até o terceiro mês de
vida e, até o sexto mês, seus níveis são insatisfatórios ou
ausentes.
Alimentos ricos em vitaminas e ferro
Para orientar as mães e os cuidadores em geral na escolha
dos alimentos complementares, o profissional de saúde deve
conhecer o conteúdo nutricional dos alimentos locais e sua
utilização para a alimentação infantil. Quando necessário, deve
consultar tabelas locais de composição de alimentos e também
estar familiarizado com a sua disponibilidade de acordo com a
área geográfica e o custo.
A alimentação complementar destinada à criança deve ser
rica em vitaminas, antes fornecida pelo aleitamento materno. As
vitaminas são indispensáveis para o metabolismo celular normal,
sendo que entre as principais vitaminas requeridas na
alimentação complementar estão as vitaminas A, D e C(83).
Os principais alimentos fontes de vitamina A são fígado,
gema de ovo, produtos lácteos, folhas verde-escuras e vegetais
e frutas de cor laranja (cenoura, abóbora, pimentão vermelho ou
amarelo, manga, maracujá, mamão). Se a mãe tem uma dieta
adequada em vitamina A, a oferta de alimentos complementares
ricos nessa vitamina facilmente supre as necessidades do bebê
amamentado. Todavia, há regiões onde se constata a deficiência
na alimentação desta vitamina. Nessas regiões, a vitamina A é
fornecida sob a forma de cápsulas de 100.000 UI (para crianças
de 6 a 11 meses de idade) e de 200.000 UI (para crianças de 12 a
59 meses), que são administradas a intervalos de 4 a 6 meses
durante as campanhas de imunização, na rotina dos serviços de
saúde ou pelos agentes comunitários de saúde(52).
A complementação de vitamina D é desnecessária nos
primeiros meses de aleitamento materno de lactentes brancos,
mas é necessária para lactentes negros e lactentes não expostos
à luz solar. As crianças com pigmentação escura da pele podem
requerer três a seis vezes mais a exposição ao sol, em relação a
bebês de pigmentação clara para produzir a mesma quantidade
de vitamina D. O leite humano é pobre em vitamina D, enquanto
o leite de vaca não constitui fonte desta vitamina(20). Alguns
fatores de risco podem levar à deficiência de vitamina D, como
alimentação inadequada da mãe durante o aleitamento,
confinamento durante as horas de luz diurna, pele escura,
alimentação pobre em cálcio ou baixa absorção deste mineral(18).
A vitamina C pode ser oferecida à criança sob a forma de sucos
de laranja e de outras frutas cítricas.
Quanto ao ferro, recomenda-se que a sua densidade nos
alimentos complementares varie de acordo com a faixa etária,
sendo de 4mg/100kcal dos 6 aos 8 meses indo para 0,8 mg/
100kcal dos 12 aos 24 meses. Em países em desenvolvimento,
devido às baixas densidade e biodisponibilidade do ferro nas
dietas (apenas cerca de 11% a 18% de absorção), as
necessidades com freqüência não são totalmente supridas(18).
Essa situação se agrava devido ao alto custo dos alimentos
ricos em ferro, que, portanto, não podem ser consumidos por
lactentes de famílias de baixa renda. O acesso a alimentos
fortificados com ferro é maior em países industrializados do que
em países em desenvolvimento. Por conseguinte, essa é uma
das razões pelas quais, no Brasil, a anemia por deficiência de
ferro é muito freqüente em menores de 2 anos(85).
Os alimentos de origem animal apresentam uma melhor
biodisponibilidade de ferro (até 22% de absorção) do que os de
origem vegetal (1% a 6%). As carnes (principalmente as
vermelhas) e alguns órgãos (sobretudo o fígado) levam vantagem
sobre o leite e seus derivados quanto à densidade e
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
biodisponibilidade do ferro (71). Alguns alimentos contêm
quantidades razoáveis de ferro, porém com baixa
biodisponibilidade. É o caso da gema de ovo, do feijão, da
lentilha, da soja e dos vegetais verde-escuros (acelga, couve,
brócolis, espinafre, mostarda, almeirão). A absorção de ferro
dos alimentos de origem vegetal pode ser incrementada se forem
consumidos na mesma refeição alguns alimentos como carnes,
peixes, frutose e ácido ascórbico (laranja, goiaba, limão, caju,
acerola, manga, mamão, melão, banana, maracujá, pêssego,
tomate, pimentão, folhas verdes, repolho, brócolis, couve-flor).
Neste caso, deve-se dar preferência aos alimentos crus e frescos,
já que parte da vitamina C é destruída no cozimento. Por outro
lado, ovos, leite, chá mate ou café dificultam a absorção de
ferro, por formarem precipitados insolúveis com o mesmo(59). Os
cereais (arroz, milho, trigo) exercem um efeito inibitório na
absorção do ferro; isso se deve à presença de fitatos, e não de
fibras, que, por si só, não possuem efeito inibidor. Já o leite inibe
a absorção do ferro heme e não-heme pelo seu conteúdo de
cálcio e, provavelmente, pela presença de fosfoproteínas(59). O
elevado consumo de leite de vaca é um dos fatores que
contribuem para o aumento da prevalência de anemia na infância.
Certamente, a introdução de alimentos ricos em ferro é de extrema
importância quando se inicia a alimentação complementar, sua
absorção fica facilitada em presença de ácidos. Portanto, a dieta
para reposição de ferro deve conter alimentos ricos em ferro e
outros que facilitem a sua absorção(85).
127
acostumada ao leite não estranhe muito a mudança;
posteriormente o sal e temperos em pequena quantidade podem
ser colocados de acordo com a preferência da criança. Os
alimentos precisam estar sempre bem cozidos e amassados. Para
que estes supram adequadamente as necessidades nutricionais
do lactente, recomenda-se que a refeição de sal contenha os
alimentos contidos no Quadro 3. As refeições salgadas devem
ser iniciadas com 2 a 3 colheradas das de chá, aumentando a
quantidade de acordo com a aceitação da criança. Num período
de cada 3 a 4 dias, deve-se acrescentar um novo alimento e
observar as reações da criança.
A gema de ovo cozida pode ser introduzida na segunda
semana após iniciada a sopa. Inicialmente deve ser acrescido 1/
Quadro 3. Sopa ou papa salgada do lactente.
Alimentos necessários para a refeição de sal
Grupo 1: uma fonte protéica: carne magra de frango ou boi,
miúdos, gema de ovo
Grupo 2: uma fonte de cereal: arroz ou milho
Grupo 3: 2 a 3 tipos de verduras, legumes ou tubérculos:
quiabo, beterraba, couve-flor, brócolis, couve, repolho,
abóbora, abobrinha, batata, chuchu, banana da terra, batata
doce, aipim, inhame, etc.
Grupo 4: uma fonte de leguminosa: feijão, lentilha, grão de
bico, feijão verde, andu, ervilha
Grupo 5: óleo: milho, canola, girassol ou azeite doce
ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR
Alimentação ideal no primeiro ano de vida
Segundo as recomendações da Organização Mundial de
Saúde(88), o aleitamento materno exclusivo deve ser mantido até
os seis meses de idade. A partir desse período deve ser introduzida
a alimentação complementar, com alimentos apropriados, seguros
e nutricionalmente adequados às necessidades da criança sem,
contudo haver o abandono do aleitamento materno que deverá
ser mantido até dois anos de idade ou mais.
Os alimentos complementares anteriormente designados
“alimentos de desmame” podem ser chamados de transicionais,
pois são preparados de modo especial para a criança pequena
até que ela possa consumir a dieta da família em torno de um ano
de idade(10,49).
Introdução de novos alimentos
Os primeiros alimentos que devem ser oferecidos durante a
alimentação complementar são os sucos e/ou as papinhas de
frutas. Recomenda-se que sejam oferecidos à criança pela manhã
no intervalo de duas mamadas. O ideal é começar com uma fruta
de cada vez para que possíveis reações aos alimentos possam ser
observadas. Deve-se iniciar com 10 a 20g por dia, aumentando
gradativamente a quantidade até chegar a 100 ou 150g.
Logo após a introdução do suco, deve-se introduzir as papas
de frutas amassadas sob a forma de purê ou raspadas com a
colher. As frutas utilizadas na papa ou no suco devem ser frutas
da estação, doces, que não necessitem da adição de açúcar e
observando-se a disponibilidade da região. Assim como
recomendado com o suco, as frutas devem ser introduzidas uma
de cada vez, observando-se as reações.
Posteriormente à aceitação da papinha de frutas e dos sucos,
devem ser introduzidas as sopas ou papas salgadas na hora do
almoço. Estas devem ser preparadas inicialmente sem sal ou
temperos, colocando-se um alimento mais doce como: banana
da terra, batata doce ou abóbora para que a criança que está
4 de gema cozida e aos poucos essa quantidade deve aumentar
até chegar a uma gema. Pode ser oferecida no almoço ou no
jantar, em dias alternados, e sempre bem cozida para evitar a
contaminação por bactérias do gênero Salmonella. Aos 7 meses,
na hora do jantar deve ser introduzida a segunda sopinha de
sal. Aos 10 meses podem ser introduzidos a clara do ovo e
sobremesas de doces de frutas caseiros sem adição de açúcar,
que deve ser evitado durante todo o primeiro ano de vida.
Deve-se iniciar a sopa com arroz, frango e duas ou três
verduras, além do óleo, observando a aceitação e tolerância da
criança. Na segunda semana, acrescentar a gema de ovo,
iniciando com ¼ e ir aumentando até oferecê-la inteira, sempre
bem cozida, dia sim, dia não. Na terceira semana, deve-se
acrescentar o feijão ou outra leguminosa. Pode-se variar os
ingredientes de acordo com as recomendações acima, porém
mantendo sempre um de cada grupo e 2 a 3 do grupo 3 (ver
Quadro 3). Inicialmente os alimentos devem ser cozidos e em
seguida bem amassados e podem ser passados na peneira se
necessário. O óleo, de preferência, deve ser usado cru, após o
cozimento dos alimentos, na quantidade de 5 a 10ml (uma colher
de sobremesa) para cada refeição. A sopinha deve ser oferecida
em prato com colher à criança, nenhum outro alimento idealmente
deve ser administrado com mamadeira se a criança ainda faz
alguma refeição com leite materno, pois com esta prática a criança
abandona a amamentação mais cedo.
O suco ou a papinha de frutas não substitui uma refeição de
sal ou o leite materno, pois não tem o mesmo valor calórico.
Deve-se orientar a mãe para que evite deixar a criança maior
de 6 meses mamar fora de horário, a todo momento no peito,
pois pode inibir o apetite para as demais refeições, fazendo com
que não haja o aporte calórico necessário ao seu
desenvolvimento pondero-estatural.
De forma geral, não há restrições quanto à introdução aos
alimentos que devem ser oferecidos. Até o primeiro ano de vida,
entretanto, deve-se evitar os alimentos mais contaminados por
128
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
agrotóxicos (morango e tomate) e os que oferecem maior risco de
contaminação (enlatados, embutidos e mel). Os alimentos oferecidos
devem ser frescos, de fonte confiável, as verduras, legumes e frutas
devem ser bem lavados e o único enlatado no primeiro ano de vida
deve ser o óleo. Os cuidados com a higiene são fundamentais na
aquisição, armazenamento, preparo e oferecimento dos alimentos
para evitar a contaminação e o desencadeamento de doenças. Devese evitar alimentos industrializados e também potencialmente
alergênicos (como leite de vaca, amendoim, mariscos, chocolate)
sobretudo se há história familiar de alergia. Deve-se também retardar
a introdução de trigo, aveia, cevada e centeio na dieta, evitando
assim o aparecimento precoce da Doença Celíaca.
Aproximadamente aos doze meses, a criança poderá receber
refeição semelhante à dieta habitual da família, porém modificada
em relação à consistência, temperos e condimentos.
Esquema: Alimentação ideal no primeiro ano de vida
Leite materno exclusivo até o 6º mês de vida. A partir do sexto mês:
• Ao acordar: Leite Materno
• Merenda da manhã: suco de frutas ou papinhas de frutas
com frutas da estação, sem adição de açúcar
• Almoço: sopinha
• Merenda da tarde: Leite Materno
• Jantar: sopinha
• Antes de dormir: Leite Materno
É fundamental que não se alimente a criança dormindo nem
se a desperte para ser alimentada. Deve-se transformar as
refeições em momentos agradáveis, respeitando-se o apetite e o
gosto da criança e observando os períodos de erupção dentária
e de infecções que podem alterar a disposição para a alimentação.
ALIMENTAÇÃOARTIFICIAL
Há diversos fatores, desde psicológicos, fisiológicos e
socioeconômicos, que impedem a amamentação; para esses
devem ser usadas alternativas alimentares(20), mas sempre após
esgotarem-se todas as possibilidades de manutenção do
aleitamento materno.
Na impossibilidade de se proporcionar aleitamento materno
exclusivo nos primeiros meses de vida, a complementação da
nutrição do lactente será realizada pela administração do leite
de vaca, ou de fórmulas dele derivadas, que é o substituto do
leite materno habitualmente mais utiilizado no Brasil.
São indicações para o uso de fórmulas lácteas: substituição
no caso de mães que não querem ou não podem amamentar;
suplementação no caso de mães que não podem oferecer
amamentações ocasionais e complementação quando a
produção de leite é comprovadamente insuficiente.
Os alimentos artificiais recomendados, na impossibilidade do
aleitamento materno, são as fórmulas lácteas industrializadas, que
mais se assemelham, em sua composição, ao leite humano e que
são enriquecidas e modificadas para melhor suprirem as
necessidades dos lactentes. Muitas vezes no nosso contexto
socioeconômico, não é viável o uso dessas fórmulas lácteas
modificadas para uma significativa parcela da população em virtude
do custo, principalmente relacionado à indisponibilidade financeira
e também educativa e geográfica, sobretudo na zona rural.
Apesar do grande uso do leite de vaca, esse alimento não é
adequado, pois não supre todas as necessidades que são requeridas
para a nutrição adequada do lactente. O leite de vaca tem três vezes
mais a quantidade de proteínas que a recomendada, 50% mais sódio
do que o limite dito de segurança, 2/3 da ingesta recomendada de
ferro e metade do ácido linoléico. No Quadro 4(65) são descritos os
problemas causados pelo uso do leite de vaca. Para a utilização do
leite de vaca, é preciso reconhecer as diferenças entre os leites
disponíveis no mercado. O leite de vaca integral pode ser encontrado
“in natura”, isto é, na forma líquida como sai da vaca sem sofrer
alterações ou em pó, pela extração da água.
As fórmulas lácteas modificadas podem ser um substituto
na falta do leite materno, sendo derivadas, principalmente do
leite de vaca modificado e suplementado industrialmente, de
acordo com o Quadro 5(39), seguindo os padrões do Codex
Alimentarius, para satisfazer as exigências nutricionais dos
lactentes. Ao contrário do leite humano, o leite artificial possui
uma composição constante, determinada por normas e não pelas
necessidades individuais da criança. Considerando as
necessidades básicas do lactente, são fundamentais certas
modificações do leite de vaca para equiparação ao leite humano.
As principais alterações consistem na retirada parcial da gordura
saturada do leite, com acréscimo de óleo vegetal, prevalecendo
a gordura poliinsaturada, e conseqüentemente os ácidos graxos
essenciais. É feita a redução da concentração protéica e
diminuição de metabólitos (como o fósforo e sódio) para reduzir
a osmolaridade e a carga renal excretada. Deve-se acrescentar
taurina, composto nitrogenado não-protéico, necessária à
proliferação celular, absorção de lipídeos, proteção das
membranas celulares atenuando compostos tóxicos e
desenvolvimento do Sistema Nervoso Central; ferro e vitaminas
evitando suas carências; carboidratos, complementando as
necessidades calóricas. A relação proteína/gordura deve ser
próxima à do leite materno.
Para a alimentação do lactente, quando só o leite artificial for
disponível, o ideal é que se utilize sempre o leite em pó, pois o
risco de infecção é menor.
Em relação à contra-indicação, não é aconselhável o uso,
pelos lactentes, do leite desnatado, devido à baixa concentração
calórica e à deficiência de ácidos graxos essenciais e vitaminas.
Não se deve utilizar também achocolatados, evitando assim o
comprometimento da absorção de proteínas e cálcio.
Além do leite de vaca, na Região Nordeste do Brasil, o leite
de cabra é bastante utilizado pela crença de ser melhor que o
leite de vaca e desenvolver menos complicações alérgicas, porém
esta crença não tem embasamento científico. Sua composição
possui uma maior osmolaridade, que favorece o risco ainda maior
de desidratação; maior teor de gordura; e quantidade de ferro
semelhante, porém com menor concentração de ácido fólico,
propiciando mais chance de anemia megaloblástica. Observar
que tanto o leite de vaca quanto o leite de cabra podem
desencadear quadros de alergia alimentar.
Considerando a restrição financeira e a falta de informação
das famílias de baixa renda, que são impossibilitadas de adquirir
as fórmulas artificiais modificadas, optando pela utilização do
leite de vaca integral, de menor custo, a seguir é apresentada a
melhor conduta diante da única alternativa para essas famílias.
Entretanto, é preciso enfatizar que os benefícios das fórmulas
infantis em relação ao leite de vaca integral são imensamente
superiores, sendo necessária a viabilização de ações educativas
e socioeconômicas para utilização destas fórmulas por todas as
camadas sociais.
O leite de vaca integral em pó quando empregado, deve ser
usado diluído a 10% nos dois primeiros meses de vida ou diluído
a 2/3 quando utilizado “in natura” e a partir desta idade deve ser
usado integral a 15%. Sempre que for usado, o leite de vaca
integral deve ter complementação calórica sob a forma de frutas
ou farinhas de arroz ou de milho, pois a relação proteína/caloria
do leite não é a ideal.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
129
Quadro 4. Problemas decorrentes do uso do leite de vaca no lactente.
Problema
Anemia ferropriva
Comentário
deficiência que ocorre não só pelo baixo teor de ferro do leite de vaca, como também pela má
absorção do ferro nos lactentes, diminuindo sua biodisponibilidade. Apenas 10% do ferro do
leite de vaca é absorvido, quando comparado com 49% da absorção do ferro no leite materno
Risco aumentado de alergia
devido a proteínas específicas desse leite, e seu uso precoce podem facilitar a aquisição de
hipersensibilidade a outros alimentos
Sobrecarga renal
causada pela alta concentração de solutos resultante do aumento da carga metabólica
Deficiência de ácidos graxos
deficiência de ácidos graxos essenciais, que ocorre devido à baixa concentração destes no
essenciais
leite de vaca, além da diluição na hora do preparo. Isso pode acarretar retardo no crescimento,
lesões na pele, aumento na fragilidade e na permeabilidade da membrana, além de
comprometimento neurológico. Implica também em um déficit de ácidos graxos poliinsaturados
de cadeia longa (LCPUFAs), que são sintetizados a partir dos ácidos graxos essenciais,
porém não são ainda disponibilizados pelo sistema enzimático do bebê. Os LCPUFAs são
imprescindíveis para o desenvolvimento visual e cognitivo do lactente, pois influenciam em
propriedades da membrana, processo de sinalização, expressão de genes e síntese de
eicosanóides.
Infecções gastrointestinais
infecções gastrointestinais. Considerando que o sistema imunológico da criança não está
completamente desenvolvido, o contato do lactente com a água utilizada na diluição, com a
mamadeira e com o leite contaminado pode gerar infecções gastrointestinais, uma das
principais causas de mortalidade infantil
Menor aproveitamento de cálcio devido a uma maior quantidade de fósforo, sendo a relação cálcio/fósforo baixa
Fonte: Ribeiro Jr et al., 2000.
Quadro 5. Informação nutricional.
Informação Nutricional
or 100kcal
Proteínas, g
Ac. linoléico, g
Cálcio, mg
Ferro, mg
Sódio, mg
Potássio, mg
Cloreto, mg
Fósforo, mg
Magnésio, mg
Iodo, mcg
Cobre, mg
Zinco, mg
Manganês, mcg
Vitamina A, UI
Vitamina D, UI
Vitamina E, UI
Vitamina K1, mcg
Vitamina C, mg
Tiamina (B1), mg
Riboflavina (B2), mg
Niacina (PP), mg
Vitamina (B6), mg
Ácido Fólico, mcg
Ac. Pantotênico, mg
Vitamina (B12), mcg
Biotina, mcg
Colina, mg
CODEXALIMENTARIUS
(0 A 6 MESES)
mínimo
máximo
1,8
4
0,3
NE
50
NE
1
2
20
60
80
200
55
150
25
NE
6,0
NE
5
NE
0,006
NE
0,5
NE
5
NE
250
500
40,0
100
0,7
NE
4,0
NE
8
NE
0,04
NE
0,06
NE
0,25
NE
0,035
NE
4
NE
0,3
NE
0,15
NE
1,5
NE
7
NE
(*) a composição do leite de vaca integral é variável.
Leite de vaca
integral
5,9
0,1
197
0,08
82
246
173
164
20
13
0,015
0,6
5
205
4,1
0,14
9,5
1,5
0,06
0,28
0,13
0,07
0,47
0,54
0,65
5,7
20
CODEXALIMENTARIUS
(6 A 12 MESES)
mínimo
máximo
3
5,5
0,3
NE
90
NE
1
2
20
85
80
NE
55
NE
60
NE
6,0
NE
5
NE
NE
NE
0,5
NE
NE
NE
250
750
40,0
120
0,7
NE
4,0
NE
8
NE
0,04
NE
0,06
NE
0,25
NE
0,045
NE
4
NE
0,3
NE
0,15
NE
1,5
NE
NE
NE
130
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
As fórmulas lácteas modificadas podem ser utilizadas a 15%
desde o nascimento e não necessitam acréscimo de caloria, pois
apresentam uma adequada relação caloria/proteína. A maioria
dos leites em pó e fórmulas lácteas modificadas, encontradas
no mercado, é diluída a 15% (3 medidas de 5 g para 100 ml de
água). A quantidade de leite oferecida ao bebê deve ser calculada
com base nas necessidades calóricas específicas para cada faixa
etária (ver Quadro 2) respeitando sempre a capacidade gástrica
que na criança varia de 20 a 40 ml/kg/hora. Os leites em pó são
extremamente seguros quanto a contaminações microbiológicas,
as latas devem ser lavadas antes de abertas; e quando abertas
os cuidados devem ser rigorosos, mais do que para os leites
líquidos. Atenção para o fato de que as fórmulas lácteas artificiais
modificadas não devem sofrer fervura.
Cuidados a serem adotados na utilização de alimentos artificiais
A atenção deve-se voltar principalmente para a diluição do
leite artificial e para a contaminação da água e dos utensílios.
No caso do leite “in natura” deve-se ter claro que até o terceiro
mês a mamadeira tem que ser preparada com duas partes de leite
e uma de água; após esse período, o lactente já pode tomar o
leite integral. Toda água a ser utlizada para o preparo do leite
deve ser bem fervida antes.
Algumas recomendações devem ser seguidas no preparo
da mamadeira para evitar a contaminação da mesma. A água
tem que estar fervida, o leite deve estar descontaminado, as
mamadeiras devem estar esterilizadas e isoladas do ambiente e
o manipulador deve ter lavado bem as mãos e o antebraço,
cortado as unhas e prendido os cabelos; tudo para que a
mamadeira se encontre livre de bactérias e outros agentes(14).
Em caso de pessoas, principalmente da zona rural, que só
disponibilizam do leite “in natura” para a alimentação do
lactente, cuidados mais rigorosos têm que ser adotados.
Primeiro, deve-se ter a certeza da boa saúde do animal, para
não haver transmissão de doenças. Segundo, o manipulador
tem que ter uma higienização pessoal de modo a não contaminar
o leite, os utensílios utilizados também devem estar
corretamente limpos e, logo após a retirada do leite, o recipiente
tem que ser tampado para isolamento do ambiente. Terceiro,
antes do uso do leite pelo lactente, esse deve ser coado e
fervido por três minutos. Assim evita-se a contaminação por
diversas bactérias.
Para uma boa higienização dos utensílios e mamadeiras
devem-se seguir esses passos(47):
• Lavar todos os utensílios com água corrente e com
detergente (sabão em barra não deve ser usado). Utilizar a
escova para retirar quaisquer resíduos acumulados em
reentrâncias e locais de difícil limpeza. Ter atenção para lavar
o bico dos dois lados e não esquecer de lavar a tampa e
também a rosca.
• Enxaguar bem para tirar todo o detergente. Depois colocar
tudo em uma panela com água e ferver por 10 minutos. Tomar
cuidado com os utensílios que não podem ser fervidos por
muito tempo; só por 3 minutos como os bicos e as roscas
das mamadeiras.
• Escorrer a água da panela, retirar os objetos com uma pinça
para evitar o contato com as mãos. Guardá-los em um
recipiente limpo e com tampa. Atenção, as peças não devem
ser secadas.
Algumas recomendações são feitas para o uso do alimento
artificial. A mamadeira deve ser preparada imediatamente antes
de dar para a criança. Se a mamadeira for preparada antes,
conservar no máximo na geladeira até 4 horas; depois disso, ela
não deve mais ser utilizada. Sempre deixar no refrigerador, nunca
em temperatura ambiente e não reutilizar sobras do leite.
A mamadeira deve ser dada de modo a simular a situação de
uma amamentação; então, a pequenos detalhes tem-se que dar
a devida atenção. A criança deve ser segurada no colo com a
cabeça apoiada no braço, tomando cuidado para não tocar no
bico. A mamadeira deve ser mantida sempre inclinada, evitando
o acúmulo de ar no bico e futuros incômodos para o bebê. O
furo do bico da mamadeira deve ter um tamanho suficiente para
que o leite goteje e de certa forma permita que o lactente faça um
esforço para adquiri-lo, estimulando a sucção. Antes de ser
servido, deve-se perceber se o leite se encontra numa
temperatura agradável para o bebê; de preferência, o leite deve
estar em temperatura ambiente. Após a mamada, deve-se colocar
a criança na posição vertical, para permitir a eructação. A
mamadeira noturna não é indicada, pois está relacionada com a
formação de cáries e maior chance de refluxo(14).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os benefícios conferidos pelo leite materno são máximos nas
populações de menor nível econômico e o efeito mais evidente é
visto na redução da mortalidade infantil. Há estudos
demonstrando que entre todas as medidas preventivas – vacinas,
saneamento, nutrição adequada – é o aleitamento a medida de
maior impacto contra a morbidade e mortalidade infantis(40,82).
A recomendação internacional quanto à duração da
amamentação não estabelece o período máximo (dois anos ou
mais). Cabe à mãe a decisão de manter a amamentação até que a
criança a abandone espontaneamente ou de interrompê-la, em
um determinado momento nesse período. Muitos são os fatores
envolvidos nessa decisão: psicológicos, sociais, econômicos e
culturais(30). Observar que há períodos de licença maternidade
diferentes nos diversos países; no Brasil este período é de três
meses e em 2005 foi iniciado um projeto da Sociedade Brasileira
de Pediatria para que esta licença seja estendida a um ano em
vista dos benefícios para a amamentação e para o futuro das
crianças brasileiras.
O Ministério da Saúde do Brasil, em conjunto com a
Organização Pan-Americana da Saúde, contratou um grupo de
especialistas para elaborar o “Guia Alimentar para Crianças
Brasileiras Menores de Dois Anos”, que foi publicado em 2002(9).
As normas gerais atuais para a alimentação infantil são as
propostas no Guia Alimentar para uma Alimentação
Saudável(10,85), são elas:
1. Dar somente leite materno até os seis meses, sem oferecer
água, chás ou qualquer outro alimento;
2. A partir dos seis meses, introduzir, de forma lenta e gradual,
outros alimentos, mantendo o leite materno até dois anos
de idade ou mais;
3. Após seis meses, dar alimentos complementares (cereais,
tubérculos, carnes, leguminosas, frutas e legumes) de duas
a três vezes ao dia, se a criança receber leite materno;
4. A alimentação complementar deve ser oferecida sem que a
rigidez de horários prejudique a sua ingestão;
5. A alimentação complementar deve ser espessa desde o início
e oferecida de colher; começar com consistência pastosa
(papas/purês) e, gradativamente, aumentar a consistência
até chegar à alimentação da família;
6. Oferecer à criança diferentes alimentos ao dia (uma
alimentação variada é uma alimentação colorida);
7. Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes
nas refeições;
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
8. Evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas,
salgadinhos e outras guloseimas nos primeiros anos de vida
e usar sal com moderação;
9. Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos,
garantindo o armazenamento e conservação adequados;
10. Estimular a criança doente e convalescente a alimentar-se,
oferecendo seus alimentos preferidos, respeitando a sua
aceitação.
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III.2
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
CUIDADOS AOS PORTADORES DE
PREJUÍZO DA INTELIGÊNCIA
ORIGINADOS NO INÍCIO DA VIDA
133
Roberto Miguel Correia da Silva
Sâmia Pimenta Veiga
Thaisa Conceição Silva de Souza
Márcia Santos da Silva
Mateus Freire de Lima e Souza
INTRODUÇÃO
Estima-se uma elevada prevalência de retardo mental entre as pessoas acompanhadas
pelas equipes de atenção primária à saúde. Os cuidados aos portadores de prejuízos da
inteligência originados no início da vida ficam restritos a crianças e pré-adolescentes,
relegando a segundo plano a assistência aos adultos portadores de retardo mental que
poderiam ser beneficiados com programas de reabilitação psicossocial, fomentando a
melhor qualidade de vida e facilitando sua inserção na comunidade. Este capítulo
abordará especificidades nosológicas, epidemiológicas e de cuidados em saúde
comunitária aos portadores de retardo mental, facilitando a atuação das equipes
multiprofissionais no exercício da sua importante tarefa em saúde comunitária.
A terminologia da deficiência
As pessoas portadoras de níveis de inteligência abaixo da média são freqüentemente
discriminadas e estigmatizadas; expressões médicas assumem uma conotação
depreciativa exprimindo desvalor social. Com freqüência é ouvido alguém ser taxado de
imbecil, idiota, cretino, oligofrênico, débil mental, debilóide ou “burro”. Na zona rural do
estado da Bahia – Brasil os portadores de transtorno de inteligência são chamados com
aparente conotação afetiva de “rudes”. Novas denominações têm sido usadas em saúde
comunitária. Foram propostos os termos excepcionais, pessoas necessitadas de
cuidados especiais. Atualmente, a terminologia proposta é “pessoa portadora de
prejuízos da inteligência originados no início da vida”. Considerando o recomendado
pela Organização Mundial da Saúde, em sua Classificação Internacional de Doenças,
décima revisão (CID 10) e o estipulado no Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV), será empregada neste capítulo a denominação retardo
mental para os portadores de estados deficitários das funções cognitivas. Uma tendência
atual é incentivar os membros da comunidade, que sofrem discriminação, ao uso
ostensivo dos termos desqualificantes, objetivando diminuir seu poder de
estigmatização. Recentemente, ao ser discutida a implantação do sistema de cotas na
Universidade Federal da Bahia (UFBA) usou-se oficialmente a expressão afrodescendentes. Foi grande a surpresa dos membros da UFBA frente ao cartaz colocado
na fachada da Reitoria pelos ditos afro-descendentes com os dizeres “A UFBA É NEGRA”.
Outro exemplo é a anedótica resposta de um homossexual, gay ou melhor, homem que
faz sexo com outro homem ao ser chamado de “bicha”. Respondeu ao seu interlocutor:
isto todo mundo já sabe, vamos ao que interessa.
O conceito de inteligência
O termo inteligência tomado como substantivo dá a falsa impressão de uma atividade
específica, de uma função psicológica; na realidade, há pensamentos e comportamentos
inteligentes resultantes da interação do raciocínio lógico, pensamento abstrato, memória,
atenção e afetividade. A expressão vem do latim com referência a intus legere, conhecer
os fenômenos em profundidade. Karl Jaspers 12 a define como “conjunto de todas as
capacidades, de todos os instrumentos que, em quaisquer realizações, são utilizáveis
para a adaptação às tarefas vitais e que podem empregar-se com fim determinado”. Kurt
Schneider17 a define como “capacidade de resolver tarefas práticas e teóricas”. Ser
inteligente é estar mais bem instrumentado para uma adaptação na comunidade. Embora
seja de grande valor o pensamento convergente (a melhor maneira de executar uma
tarefa), atualmente se estimula o pensamento divergente (as maneiras de executar essa
Palavras-chaves:
Retardo mental, medicina do
comportamento, cuidados integrais
de saúde, continuidade da
assistência ao paciente.
134
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
tarefa), a criatividade. Existe um fator geral de inteligência (fator
G) lingüístico e lógico-matemático e fatores especiais (aptidões).
Assim, é possível falar em inteligência lógico-matemática, social,
musical, espacial, corporal-cinestésica, pictórica. Em pessoas
com um fator G deficitário é recomendável incentivar a
valorização de seus fatores especiais. Existem excelentes
cozinheiras que não conseguiram alfabetizar-se, músicos
geniais incapazes de aprender a leitura de uma partitura musical,
entre muitos exemplos conhecidos, como o de um grande
ídolo do futebol brasileiro com um fator G muito abaixo da
média e atuação esportiva considerada genial. Na década
passada deu-se ênfase à denominada “inteligência emocional”;
na verdade sempre se soube que o pensamento inteligente
pode ser facilitado ou dificultado pelo estado afetivo das
pessoas. Alonzo enfatiza a colocação de Piaget1 sobre tal
aspecto da inteligência: “Sem afeto não haveria interesse, nem
necessidade, nem motivação; e conseqüentemente, perguntas
ou problemas nunca seriam colocados e não haveria
inteligência”. Atualmente existe um vasto campo de pesquisa
da “inteligência artificial”, utilização de modelos cibernéticos
e informática para entender as capacidades cognitivas. O bom
funcionamento da inteligência depende 60% de fatores
biológicos, herdados, nutricionais, da integridade das células
do cérebro. A estimulação psicossocial é responsável em 40%
da completude de inteligência, ficando patente a importância
dos processos de reabilitação psicossocial em portadores de
inteligência abaixo do normal esperado para sua idade por
lesões ou disfunções do sistema nervoso central14.
Avaliação da inteligência
Idade mental - medida por meio de testes psicológicos
padronizados, avaliando as capacidades verbais e não-verbais.
Quociente de inteligência (QI) - divisão da idade mental avaliada
por meio de testes psicológicos, pela idade cronológica
multiplicada por 100. Os escores de QI teriam uma distribuição
normal seguindo a Curva de Gauss sendo conhecida esta
distribuição como “curva do sino”. Quocientes acima de 140
indicariam pessoas superdotadas de inteligência e abaixo de 85
estariam os portadores de retardo mental. Para avaliar este
quociente existe a necessidade de testes e tabelas psicométricas
oficialmente só aplicáveis por psicólogos, sendo apenas de
utilidade recreativa os “testes de inteligência” encontrados na
Internet e em revistas populares.. Atualmente, entretanto, é
questionada a validade da avaliação do Q.I. em adultos. No
anedotário popular, em uma época que cargos públicos eram
preenchidos por indicação de pessoas importantes e não por
concurso, dizia-se que determinada pessoa assumira o cargo
por ter alto Q.I. – “Quem Indicou”.
Portanto, a maneira mais prática para avaliar a inteligência
continua centrada em entrevistas, investigando a atuação da
pessoa na comunidade, seu nível de adaptação, sua curva de
vida.
O conceito de retardo mental (Oligofrenia, deficiência mental)
O DSM-IV conceitua retardo mental como: “Funcionamento
intelectual significantemente inferior à média (Critério A),
acompanhado de limitações significativas no funcionamento
adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de
habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica,
habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários,
auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde
e segurança (Critério B) e o início do retardo mental ocorre
antes dos 18 anos”.
Na CID – 10 o retardo mental é definido como sendo “uma
condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto da
mente a qual é especialmente caracterizada por
comprometimentos de habilidades manifestadas durante o
período de desenvolvimento, as quais contribuem para o nível
global de inteligência, isto é, aptidões cognitivas, de
linguagem, motoras e sociais”.
Segundo essas definições, o retardo mental em seus diversos
níveis de comprometimento da inteligência implica, sempre, em
uma lentificação e parada do desenvolvimento psíquico antes
dos 18 anos de idade e compromete, sempre, a interação do
sujeito na comunidade. Não representa uma enfermidade em si,
mas um conjunto de sinais e sintomas que decorrem de
disfunções ou lesões do cérebro demandando cuidados
específicos das equipes de saúde, tratando-se de um
comprometimento “orgânico”; organicidade em Psiquiatria faz
referência ao cerebral lesional ou disfuncional. Nos
comprometimentos extra sistema nervoso central, utiliza-se a
terminologia “somático”. Como veremos no caso do cretinismo,
uma alteração somática (hipofunção tireoideana) resulta em um
comprometimento orgânico e retardo mental.
Classificação
Não existe uma concordância entre os autores e
classificações quanto aos limites de Q.I. para cada tipo de retardo
mental. Por isso, apesar de questionados, neste capítulo serão
usados os critérios adotados pela CID -10.
Retardo mental leve
Antigamente denominado debilidade mental, (educáveis).
F70 (CID X), 317 (DSM IV). Q.I. entre 50 e 69. Nesse caso, a
idade mental varia de 9 a 11 anos. Esses indivíduos apresentam
algumas dificuldades de aprendizado que podem ocasionar
repetência no final do ensino fundamental ou abandono dos
estudos. Na idade adulta conseguem integrar-se social e
profissionalmente podendo atuar em atividade laborativa
remunerada.
Retardo mental moderado
Denominados anteriormente oligofrênicos leves
(semieducáveis). F71 (CID X), 318.0 (DSM IV). Q.I. entre 35 e 49
. Na vida adulta adquirem um desempenho equivalente ao de
uma criança na faixa dos 6 aos 8 anos Precisam de assistência
para viver e trabalhar em comunidade. Geralmente apresentam
atrasos acentuados do desenvolvimento na infância, mas podem
adquirir habilidades de comunicação nesse período. Beneficiamse de treinamento profissional e, com moderada supervisão,
podem manter práticas sociais e ocupacionais. No entanto,
dificilmente progredirão além do nível de segunda série do ensino
fundamental. Durante a adolescência, a dificuldade no
reconhecimento de convenções sociais pode interferir no
relacionamento com seus pares.
Retardo mental grave
No passado eram denominados imbecis (treináveis). F72
(CID X), 318.1 (DSM IV). Q.I entre 20 e 34. A idade mental,
nesse caso, equivale à de uma criança de 3 a 5 anos. Esses
pacientes têm necessidade de assistência contínua. Durante
os primeiros anos da infância, não desenvolvem a fala, que
pode ser desenvolvida no período escolar, bem como os
cuidados elementares e com a higiene. O aprendizado escolar
tem benefício limitado, limitando-se à familiaridade com o
alfabeto e à contagem simples. Na idade adulta, são capazes
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
de executar tarefas simples, sob supervisão. A maioria adaptase bem à vida em comunidade.
Retardo mental profundo
Os antigos idiotas (dependentes). F73 (CID 10), 318.2 (DSM
IV). Q.I. abaixo de 20. A idade mental desses indivíduos é inferior
a 3 anos. Apresentam limitações graves quanto aos cuidados
pessoais, continência, comunicação e mobilidade. A maioria das
pessoas nessa condição tem uma disfunção neurológica
identificada como responsável pelo retardo mental, além de
alterações morfológicas severas. Durante os primeiros anos da
infância, apresentam prejuízos consideráveis no funcionamento
sensório-motor. O desenvolvimento motor e as habilidades de
higiene e comunicação podem melhorar com treinamento
apropriado. Alguns desses indivíduos conseguem executar
tarefas simples, em contextos abrigados e estritamente
supervisionados.
Na CID 10 há a classificação de Retardo mental não
especificado (F79) equivalendo no DSM IV 319 ao Retardo
mental – gravidade inespecificada, aplicáveis em situações em
que existe forte suposição de retardo mental sem que seja
possível uma avaliação psicométrica.
Psicopatologia - As especificidades do funcionamento psíquico
em portadores de retardo mental.
Alguns portadores de retardo mental são passivos e
dependentes, enquanto outros podem ser agressivos e
impulsivos. Classificados como harmônicos e desarmônicos ou
tórpidos e eréticos.
Afetividade
Presença de labilidade emocional com freqüentes mudanças
dos afetos. Baixa tolerância às frustrações fomentando crises
de agressão ao próximo e a si mesmos. Atitudes raivosas e
episódios de agitação psicomotora. Freqüentemente são
obstinados e apresentam tenacidade afetiva (crises de birra,
rancores duradouros).
Pensamento
Podem apresentar prolixidade, não sabendo distinguir o axial
do acessório ao relatar eventos. Têm dificuldade de abstração
apresentando o denominado concretismo, necessitando a
contribuição de imagens para formular seu pensamento; desta
forma, “Liberdade” seria um bairro de Salvador ou uma estátua
que existe nos Estados Unidos, sendo difícil conceituá-la como
uma possibilidade de livre escolha pessoal. Tendem à fantasia
confundido os fatos da vida real, com tendência à pseudologia
(mentira patológica).
Vida voluntária
São facilmente influenciáveis, crédulos, facilitando a ação
de impostores. Impulsivos, não conseguem conter a expressão
dos seus sentimentos. Apresentam uma tendência à atuação,
uma experiência interna não é expressa por palavras e sim
transformada em ato (acting out). Diante de um fato
desagradável não expressam verbalmente seu
descontentamento e sim com condutas agressivas. São
freqüentes as alterações do apetite, ingerindo objetos ou
substâncias estranhas (alotriofagia).
Atenção
Existe uma grande distraibilidade, não conseguindo uma boa
concentração por muito tempo.
135
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de retardo mental deve ser feito o mais
precocemente possível, levando em consideração que algumas
das suas formas são melhoráveis e até mesmo curáveis quando
tratadas precocemente, e as medidas reabilitatórias são mais
eficazes se aplicadas no início da existência dos portadores deste
transtorno.
Sempre que houver disponibilidade de psicólogos na equipe
multiprofissional deverá ser realizada a avaliação psicométrica.
O diagnostico levará em conta o desempenho do sujeito
comparado ao apresentado por pessoas da sua idade e meio
cultural idêntico.
A ausência de alguns dados evolutivos poderá ser de
utilidade para avaliar a possibilidade de haver um retardo mental
segundo a idade da criança 10:
• 12 semanas – Deitada não observa os movimentos das
próprias mãos, não segue com o olhar a movimentação de
um brinquedo pendurado no teto;
• 24 semanas – Não bebe diretamente do recipiente quando
colocado junto aos seus lábios, não mostra desagrado
quando um brinquedo é removido, não sorri frente à sua
imagem no espelho;
• 40 semanas – Não engatinha puxando o corpo com as mãos,
não aponta para objetos, não puxa as roupas dos outros
para chamar a atenção, não faz “adeusinho”;
• 1 ano – Não diz palavras com algum significado, não beija a
pedido, não anda apoiada por uma das mãos;
• 18 meses – Não sobe e desce escadas, não aponta desenhos,
não obedece a duas ordens simples;
• 2 anos – Não apanha um objeto no chão sem cair, não lava e
enxuga as mãos, não vira as páginas de um livro uma a uma,
não fala pedindo água ou para ir ao banheiro, não usa “meu”,
“eu” , “você” ;
• 3 anos - Não anda de triciclo, não copia um círculo em um
cartão, não sabe algumas canções infantis, não está sempre
fazendo perguntas.
Não obstante os indicadores supracitados, por vezes o
retardo mental não é reconhecido senão na idade escolar,
havendo necessidade de uma avaliação psicométrica e o
diagnostico diferencial com algumas entidades nosológicas que
mimetizam um retardo mental.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Alguns transtornos podem ser confundidos com retardo
mental ou coexistirem como co-morbidade (duplo diagnóstico).
Atraso simples do desenvolvimento - Decorre de carência do
meio onde vive, transtorno afetivo, distúrbios de linguagem,
déficits sensoriais, insuficiência de escolarização.
Mediocridade intelectual – Decorrente da falta de estímulos em
um meio cultural massificante onde são encontrados indivíduos
simplórios e simplistas, seguindo a escravidão da moda e do
novo e não de um retardo mental.
Autismo infantil - Alteração cerebral que afeta a capacidade da
pessoa a se comunicar, com dificuldade de estabelecer
relacionamentos e de responder apropriadamente ao ambiente,
agindo como se não tomasse conhecimento do que se passa ao
seu redor, mostrando-se insensíveis aos ferimentos podendo
inclusive ferir-se intencionalmente. Algumas crianças apesar do
136
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
autismo apresentam inteligência e fala sem alterações, em outros
casos existe concomitância de autismo e retardo mental.
Transtorno de déficit da atenção e hiperatividade (TDAH) Denominado anteriormente lesão ou disfunção cerebral mínima.
Presença de desatenção, dificuldade para organizar tarefas e
atividades, freqüentemente abandona sua cadeira ou sala de
aula, dão respostas precipitadas. Os portadores de TDAH em
sua maioria têm inteligência dentro dos limites da normalidade.
Alguns portadores de retardo mental, os desarmônicos ou
eréticos são hiperativos.
Epilepsia.. A epilepsia é uma afecção crônica do Sistema
Nervoso Central, caracterizada por acessos repetidos – crises
– devidos a uma excitação neuronal anormal. O portador de
epilepsia isoladamente não apresenta retardo mental.
Freqüentemente, há a concomitância de retardo mental e
epilepsia como sintomas de uma mesma lesão e/ou disfunção
cerebral. A maior parte das alterações de comportamento
atribuídas aos portadores de epilepsia é decorrente de um
retardo mental coexistente.
Paralisia cerebral – Condição caracterizada por um deficitário
controle muscular, espasticidade, paralisia e outras alterações
neurológicas decorrentes de uma lesão cerebral que ocorre
durante a gestação, durante o nascimento ou antes dos 5 anos
de idade, podendo cursar ocasionalmente com retardo mental.
DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO – CAUSAS DE RETARDO
MENTAL
Causas genéticas
• Tendência familiar, síndrome de Down, esclerose tuberosa,
angiomatose, fenilcetonúria (uma das doenças investigadas
no teste do “pezinho”).
Pré-natais
• Infecção materna por sífilis, rubéola, toxoplasmose, vírus
HIV.
• Alcoolismo dos genitores
• Incompatibilidade materno- fetal
• Malformações – hidrocefalia, microcefalia, macrocefalia
Relacionadas ao parto
• Anoxia e traumas do parto.
Neonatais
Problemas endocrinológicos e dismetabólicos.
Pós-natais
• Desnutrição
• Traumatismos encefálicos, meningites e encefalites.
Os cuidados aos portadores de retardo mental
O retardo mental não é uma doença e sim um conjunto de
sinais e sintomas (síndrome) decorrente de lesão ou disfunção
do Sistema Nervoso Central ocorridas no início da vida. Em se
tratando de um transtorno persistente, é um hóspede que veio
para ficar em definitivo e, portanto, a principal meta dos
cuidadores é descobrir as capacidades dos sujeitos sob seus
cuidados e não identificar somente suas incapacidades. A
pergunta é: O que este portador de retardo mental é capaz de
fazer com certa autonomia?
A comunicação deve ser cordial e amistosa, levando em conta
a extrema suscetibilidade e pouca tolerância às frustrações dos
sujeitos sob cuidados. Sempre enfatizando os limites e a
necessidade de contenção social.
As tarefas solicitadas devem ser bem definidas conforme as
possibilidades psíquicas do portador de retardo mental.
Tratamento farmacológico.
(Adolescentes e adultos)
Até o momento não existe nenhuma evidência de fármaco
que possa melhorar a capacidade cognitiva dos portadores de
prejuízo da inteligência, apesar do sensacionalismo da imprensa
leiga sobre pretensas “drogas inteligentes”.
Com freqüência alguns limitados psíquicos apresentam um
comportamento psicótico com idéias que discordam de sua
realidade cultural (delírios). São as denominadas psicoses
atípicas, antigas psicoses em oligofrênicos. Estes episódios são
controláveis farmacologicamente com o emprego de
antipsicóticos:
Haloperidol – 5 a 10 mg/dia em uma ou duas tomadas sempre
associado à prometazina – 25 a 50 mg/dia, em duas tomadas,
para prevenir efeitos colaterais decorrentes da impregnação dos
núcleos de base do cérebro, (reações neurodislépticas), à qual
estes pacientes são muito sensíveis. Altas doses de haloperidol
provocam um efeito colateral denominado acatisia (síndrome
das pernas inquietas), evento que leva à necessidade do paciente
se locomover ininterruptamente; isso era freqüentemente
observado nos antigos sanatórios com grupos de pacientes
andando o tempo todo ou marchando quando em ortóstase (de
pé).
Também poderá ser prescrita clorpromazina – 25 a 100 mg em
duas tomadas ou tioridazina– 50 a 100mg em duas tomadas.
Alguns psiquiatras preferem utilizar a periciazina, 10 a 20 mg/
dia, associada à prometazina. Os atipsicóticos atípicos
(risperidona, clozapina, etc.) não têm indicação nesses eventos,
além do elevado custo, não existe evidência do melhor efeito
terapêutico nesses episódios psicóticos.
Períodos de insônia são controláveis com fenobarbital, 100
mg ao deitar ou prometazina, 25 mg ao deitar.
Em crises de agitação psicomotora poderá ser prescrito:
levomepromazina 25 mg associada a prometazina 25 mg por via
intramuscular, ou clorpromazina e prometazina na mesma dosagem.
Lembrar o axioma: “Em Medicina a via venosa é uma via extrema
para casos extremos”. Não se recomenda o uso de haloperidol
parenteral nestes eventos dada à facilidade de provocar reações
impregnação e neurodislépticas nesses pacientes.
Nos estados de ansiedade poderá ser usada a
levomepromazina ou clorpromazina por via oral, desde que os
portadores de retardo mental costumam apresentar reação
paradoxal aos diazepínicos (tranqüilizantes).
Quando existe uma conduta excessivamente agressiva poderá
ser prescrita a carbamazepina, 200 mg em duas tomadas diárias.
Reabilitação psicossocial
É de vital importância a interação das equipes de saúde com
a comunidade e associação de moradores do setor objetivando
melhor inserção social e acesso ao mercado de trabalho dos
portadores de retardo mental. Nos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) será estimulada a ampliação de oficinas
terapêuticas e de formação profissional.
A sobrecarga dos familiares de portadores de retardo mental.
Ocasionalmente se observa nos meios de comunicação
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
relatos de portadores de transtorno psiquiátrico mantidos
amarrados em cárcere privado por seus familiares, desnutridos e
em precário estado de higiene corporal. Essa espécie de “maldade”
demonstra uma forma totalmente inadequada de fazer face à
sobrecarga que representa um membro da família com incapacidade
mental. No convívio diário com o seu doente, os familiares têm
que colocar suas próprias necessidades e desejos em segundo
plano, sofrem perdas financeiras, têm tarefas cotidianas adicionais,
perturbação no relacionamento entre familiares e convivem com a
pré-espera de atitudes inadequadas e incompreensíveis por parte
do portador de transtorno mental, situação caracterizada como a
sobrecarga objetiva dos familiares. A continuidade do estresse
crônico tende a provocar sofrimento emocional e fragilização
psicológica dos familiares; é a denominada sobrecarga subjetiva.
Em seu livro sobre cuidados aos pacientes com transtorno
psiquiátrico, Rosa16 comenta que geralmente é a genitora dos
pacientes que tem que assumir estes excessivos encargos: “sobre
a mãe recai predominantemente o peso emocional e o ônus de
prestar cuidados. Não só ao paciente, mas a todo o grupo familiar,
pois é potencializadora de mediações. Essa mãe é quem está
freqüentemente adoecendo”. Portanto, existe a necessidade de
apoio a os familiares pela equipe de saúde mental.
Ações sugeridas aos membros da equipe multiprofissional
dirigidas aos familiares dos pacientes sob seus cuidados:
Informar sobre as características do transtorno mental
apresentado pelo paciente, usando palavras simples e facilmente
compreensíveis. Abrir um campo de diálogo, procurando
identificar que espécie de esclarecimento deseja o familiar. Evitar
um monólogo autoritário sobre educação continuada em saúde
como soe acontecer em programas de cuidados comunitários;
Enfatizar que toda pessoa portadora de limitação mental é capaz
de exercer certo grau de autocuidados e de desempenhar tarefas
no lar e na comunidade, dentro das suas possibilidades, sendo
seu direito à cidadania e um incentivo ao aumento de sua autoestima;
Promover grupos operativos com familiares nos quais serão
trocadas “dicas” entre eles sobre as melhores soluções para os
problemas surgidos no convívio com seus doentes; enfatizar a
importância de distribuir as responsabilidades de cuidados aos
portadores de retardo pelos membros da família, evitando o
excessivo desgaste de um único familiar com tais encargos;
informar sobre os direitos dos pacientes frente ao Estado e a
Previdência Social; orientar sobre as peculiaridades da vida
sexual do portador de retardo mental.
Aspectos legais dos portadores de retardo mental.
Capacidade Civil – Os portadores de retardo moderado a
profundo são considerados incapazes para os atos da vida civil,
sendo necessário nomear um tutor na menoridade e um curador
quando adultos.
Capacidade Penal – Ballone4, citando o Código Penal em seu
artigo 26, escreve: “É isento de pena o agente que, por doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz o caráter
criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”; defende o autor que os portadores de retardo
mental profundo ou grave seriam inimputáveis, enquanto que
os de grau leve seriam imputáveis.
Direitos previdenciários
Os portadores de retardo mental de moderado a profundo
137
em condições sócio-econômicas adversas fazem jus ao
Benefício Assistencial - LOAS 6
Amparo Assistencial ao Idoso e ao Deficiente – LOAS. Esse
amparo, no valor de um salário mínimo é pago ao idoso com 65
(sessenta e cinco) anos de idade ou mais que não exerça
atividade remunerada e ao portador de deficiência incapacitado
para a vida independente e para o trabalho, desde que:
1. Possuam renda familiar mensal per capita, inferior a ¼ do
salário mínimo;
2. Não estejam vinculados a nenhum regime de previdência
social;
3. Não recebam benefício de espécie alguma.
Para divisão da renda familiar é considerado o número de
pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendido: o
cônjuge, o(a) companheiro(a), os pais, os filhos (inclusive o
enteado e o menor tutelado) e irmãos não emancipados de
qualquer condição, menores de 21 anos ou inválidos.
O benefício pode ser pago a mais de um membro da família,
desde que comprovadas todas as condições exigidas. Neste
caso, o valor do amparo assistencial anteriormente concedido a
outro membro do mesmo grupo familiar, passa a integrar a renda
para efeito de cálculo por pessoa do novo benefício requerido.
O pagamento do benefício cessa no momento em que ocorrer
a recuperação da capacidade laborativa ou em caso de morte do
beneficiário. O benefício é intransferível, não gerando direito à
pensão a herdeiros ou a sucessores.x
O portador de retardo mental de grau moderado a profundo
fará jus a Pensão por Morte quando do falecimento de genitor,
na qualidade de menor ou maior inválido.
Sistema Único de Saúde (SUS)
Portadores de retardo mental egressos de internamento em
hospital psiquiátrico custeado pelo Sistema Único de Saúde
fazem jus a um salário mínimo mensal por 12 meses, renovável,
pelo programa “De Volta Para Casa” (CAP-SES). – Portaria nº
2.077, de 31 de outubro de 20035.
A sexualidade nos portadores de retardo mental
A sexualidade nas pessoas portadoras de retardo mental se
desenvolve de maneira diferente dos sujeitos sem tal
comprometimento da inteligência. Esses indivíduos apresentam
características psíquicas próprias como baixa auto-estima, pouco
controle dos impulsos, baixa tolerância à frustração, dificuldade
de compreensão e procura por gratificação imediata através de
sensações prazerosas. Elas têm ainda dificuldade de aprender,
por suas experiências, as normas gerais de convivência social,
de modo que não conseguem distinguir entre o certo e o errado,
entre o que é ou não aceitável pela sociedade. Não vivenciam a
adolescência de maneira usual, não se inquietam com o
aparecimento dos caracteres sexuais secundários, não
questionam sua identidade e não se redescobrem. Sua
adolescência é marcada pela falta de autocontrole e pela atuação
imediata de suas necessidades sexuais, sem qualquer controle
moral.
Mas essas particularidades podem e devem ser trabalhadas
pelos seus cuidadores, pais e educadores. Uma educação sexual
integral pode mudar o perfil dessas pessoas, principalmente se
iniciadas desde a infância. Deve-se buscar uma maneira de
ensiná-las a interagir melhor com a sociedade, através da
conscientização sobre a existência de condutas públicas e
privadas. As condutas públicas seriam aquelas que não ofendem
nem agridem as pessoas ao seu redor, enquanto as privadas
seriam aquelas permitidas somente quando se está em ambiente
138
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
privado. É claro que para ensiná-las deve-se levar em
consideração suas limitações de compreensão. As informações
devem ser passadas repetidas vezes, de forma clara, usando
palavras simples e conhecidas.
Além de educar os indivíduos portadores de retardo mental
, é importante a educação dos familiares . Sabe-se que, de maneira
geral, os membros da família atravessam algumas etapas ao
descobrirem a incapacidade dos parentes: negação, recusa, pesar
e aceitação. Os cuidadores precisam ajudar os familiares dessas
pessoas a lidar com seus sentimentos em relação aos portadores
de retardo mental ou encaminhá-los a um especialista, caso seja
necessário.
Violência sexual e portadores de prejuízo da inteligência
Apesar de a sexualidade dos portadores de retardo mental
ser uma realidade para as equipes de saúde, são muitas as
pessoas que preferem ignorar este fato, uma vez que isto suscita
complexas implicações legais, sociais, morais, éticas, religiosas
e políticas. Por esta razão não é incomum que a questão da
sexualidade nestas pessoas só seja enfrentada quando se
apresentem grávidas ou portadoras de alguma doença
sexualmente transmissível. Isto se configura como um problema
ainda maior em face ao aumento do número de casos de
exploração e abuso sexual em portadores de retardo mental,
além da pandemia da infecção pelo vírus da imunodeficiência
adquirida (HIV) em todo o mundo.
O ato sexual pressupõe o consentimento de ambas as pessoas
envolvidas; isto pode não acontecer a depender do grau de
acometimento da inteligência do indivíduo, de forma que este
não compreenda a natureza dos riscos a que irá se expor (como
no caso de se submeter a relações sem o uso de preservativo),
ou simplesmente não entenda que possui o direito de aceitar ou
recusar um ato sexual. Neste caso, a natureza do relacionamento
entre a pessoa portadora de retardo mental e outra passa a ser
de interesse das autoridades responsáveis, e pode configurar
uma violação das leis civis.
Dados da literatura e de serviços de saúde indicam que casos
de violência sexual em homens e mulheres portadores de
prejuízos da inteligência freqüentemente deixam de ser
notificados e investigados, e na maioria das vezes os
perpetradores são membros da própria família ou cuidadores
destes indivíduos19. Esta situação não só favorece a ocorrência
de novos episódios de abuso, como denota uma falha da equipe
de saúde em oferecer o apoio devido a estes indivíduos e impedir
agravos à sua saúde.
O passo mais importante que qualquer profissional de saúde
deve adotar frente a esta situação é jamais ficar em silêncio
diante uma suspeita de abuso em portadores de retardo mental.
Os serviços de saúde devem dispor de uma regulação que
estipule claramente que situações constituem violência sexual,
nunca deixando de investigar casos sob suspeita e notificar as
autoridades responsáveis ao se confirmar a situação de abuso.
Devem também ser tomadas providências por parte dos gestores
de saúde para que os programas voltados para a prevenção e
combate da violência sexual incluam os portadores de prejuízo
da inteligência, e disponham de informações específicas sobre
a abordagem destas pessoas.
O envelhecer em portadores de retardo mental
O envelhecimento em portadores de retardo mental possui
suas peculiaridades. Algumas esperadas pelos aspectos
etiológicos do transtorno e outras inerentes aos cuidados
esperados a qualquer pessoa em faixa etária correspondente.
Medidas de prevenção e promoção à saúde devem ser
estimuladas como evitar tabagismo, manter peso normal e
nutrição adequada, praticar exercícios físicos, e os cuidados
com quedas e prevenção de fraturas. Consultas e exames
médicos periódicos (glicemia, colesterol, mama, próstata,
rastreamento cardiovascular, endócrino, oftalmológico e
dermatológico) devem ser realizados a partir dos 50 anos
conforme orientados nas especialidades em cada caso 9. Quanto
às particularidades no manejo destes pacientes, ressalta-se que
a maioria não apresenta queixas somáticas de forma espontânea
ou o fazem de maneira atípica, através de mudanças no
comportamento, padrão alimentar ou de sono, predispondo a
diagnósticos tardios e tratamento de quadros mais complicado.
Assim, torna-se salutar o cuidado preventivo, com maior
vigilância e grau de suspeição por parte de cuidadores e equipe
de saúde.
O modo de envelhecer e comportamento apresentado pelo
paciente neste processo vital estão intimamente ligados às
situações e oportunidades vividas. São aspectos
condicionantes: acesso e acompanhamento em serviços de
saúde e reabilitação, prevenindo complicações comuns ao
envelhecimento ou particulares da síndrome originária da
deficiência mental (por exemplo, surdez ou problemas de visão
em síndrome de Down); possibilidade de freqüentar ambientes,
sejam domésticos ou especializados, que estimulem interesses
diversos, fomentem habilidades cognitivas, manuais, relações
interpessoais e de diversão; exercício de trabalho adaptado a
sua capacidade cognitiva, possibilitando inserção social e
acesso a dinheiro próprio9.
Além disso, o envelhecer relaciona-se com fenômenos sociais
e de época. Atualmente, muitos portadores de retardo alcançam
idade avançada apesar de que, em média, observe-se menor
expectativa de vida nesta população 13. Isso pode significar algum
avanço no modo de cuidar e lidar com o portador de retardo, mas
também sinaliza novas necessidades tendo em vista que,
biologicamente, eles estão mais expostos aos riscos e limitações
do envelhecimento de forma mais precoce e com evolução mais
rápida, particularmente ao desenvolvimento de demências, cujo
diagnóstico nesta população ainda é confuso e controverso.
CONCLUSÕES
Em seu artigo de 2002 sobre incapacitados psíquicos, Snek
tem Horn11 estima uma prevalência de 4,07 o/00 de portadores
de retardo mental na Espanha e afirma: “não digo que o melhor
seja cuidá-los em um serviço de saúde mental, necessitam de
cuidados psiquiátricos, porém no seu próprio meio social”. A
psicóloga Celi Diniz Gonçalves em comunicação pessoal informa
que dentre os 140 portadores de transtorno mental sob cuidados
em fevereiro de 2006 no CAPS Prado – Bahia – Brasil, 51 tinham
diagnóstico de retardo mental, com faixa etária entre 6 e 57 anos
de idade e média de 24 anos, estando 63,3% dos usuários entre
20 e 29 anos de idade, necessitando inclusão social e acesso à
cidadania plena. Embora a Campanha da Fraternidade de 2006
tenha priorizado a atenção nos portadores de deficiência e os
meios de comunicação anunciem que a próxima telenovela terá
um personagem com síndrome de Down, os portadores de
prejuízo da inteligência originados no início da vida necessitam
um envolvimento continuado e bastante peculiar dos
componentes das equipes de saúde comunitária . Esperamos
que o conteúdo deste capítulo possa representar um instrumento
facilitador nos cuidados aos portadores de retardo mental na
Atenção Primária à Saúde.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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139
140
III.3
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Vanda M. Miranda
Claudia Plech Garcia
Daniela Nery
Gardênia S. Lobo
Lívia Leal Monteiro
Luiz Costa-Junior, Heloisa Souza
Cristiana M. Nascimento-Carvalho
OPORTUNIDADES PERDIDAS DE
VACINAÇÃO NA CRIANÇA
INTRODUÇÃO
Ao longo de muitos séculos, as doenças infecciosas tiveram papel relevante no
quadro nosológico da população mundial.(35)
A chamada transição epidemiológica se verificou nos países que obtiveram
desenvolvimento industrial e melhoria das condições de vida da população. Nesses
países, houve a redução da mortalidade geral e da mortalidade infantil, por doenças
transmissíveis, e o crescimento da mortalidade por doenças crônico-degenerativas. Disso
resultou a elevação da expectativa de vida de muitos povos. Nos países
subdesenvolvidos, contudo, as doenças infecciosas e parasitárias permanecem como
um importante problema em saúde pública, especialmente quando se observa o
desordenado crescimento urbano e a industrialização acelerada.(35)
Além das vacinas e antibióticos, outros fatores foram determinantes na alteração do
padrão epidemiológico das doenças, contribuindo de modo relevante para a melhoria
das condições de vida dos indivíduos, como o desenvolvimento de novas tecnologias
sanitárias, a ampliação do acesso aos serviços de saúde, a criação de medidas de controle,
entre outros avanços científico-tecnológicos.(35) Entretanto, doenças infecciosas e
parasitárias ainda possuem um grande impacto na morbidade, especialmente entre aquelas
doenças para as quais ainda não se dispõe de mecanismos de imunoprevenção.(4) O uso
de vacinas está entre os fatores que influenciaram a alteração do comportamento das
doenças nas diversas regiões. Sua prática se constitui em uma das medidas mais eficazes
dentre as propostas dos Programas de Saúde Pública,(16) uma vez que assegura proteção
individual e duradoura às pessoas, contribuindo de modo relevante para a melhoria da
saúde dos indivíduos, reduzindo a morbi-mortalidade geral e infantil por doenças
transmissíveis e aumentando, conseqüentemente, a expectativa de vida da população.(4))
Do ponto de vista econômico os estudos, em todo o mundo, têm demonstrado que
os recursos gastos com programas de vacinação são bem menores que os custos com a
assistência de pacientes portadores das mesmas doenças imunopreveníveis. Se forem
levadas em conta as despesas com internações, ausência ao trabalho e despesas com as
reabilitações, os gastos com as vacinas são bem menores que os elevados custos
decorrentes do total de despesas com todo o processo de tratamento e reabilitação. (16)
CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
Palavras-chaves:
Imunização, criança, doenças
transmissíveis, programas de
imunização, imunização,
prevenção.
No Brasil na década de 30, as doenças transmissíveis respondiam por mais de um
terço dos óbitos registrados nas capitais, sendo responsabilizadas como a principal
causa de morte, nestes centros urbanos.(4)
Na última década, dados estatísticos evidenciaram queda de mortalidade e
consideráveis aumentos de cobertura vacinal, para doenças que podem ser prevenidas
com a imunização. Outros estudos, entretanto, demonstraram que em determinadas regiões
do país, especialmente as áreas rurais e as periferias das grandes cidades, com bolsões
de pobreza, tinham grupos populacionais e, especificamente, crianças menores de 6
anos, susceptíveis a essas doenças.(13 35)
As doenças infecciosas, e entre estas as imunopreveníveis, ainda ocupam um papel
marcante entre as causas de óbito no Brasil e possuindo grande impacto social. Essas
doenças também estão diretamente relacionadas às más condições de vida da população,
decorrentes de: pobreza, higiene precária, a má condição de habitação de alimentação e
de nível educacional.(13 22)
Dados da Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde, em 2004, mostravam
um comportamento bem variado das doenças infecciosas no Brasil; algumas com
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
tendência à diminuição, outras com quadro de persistência,
algumas surgindo em nosso espectro de doenças e outras,
outrora erradicadas, retornando a este. Dentro do grupo de
doenças transmissíveis com tendência à diminuição
encontravam-se a coqueluche, a difteria, o tétano acidental e a
rubéola, doenças que possuem em comum o fato de serem
imunopreveníveis.(4)
Segundo dados do Ministério da Saúde (M.S.), em 2005, são
elevados os índices de adoecimento da população por hepatite
B, coqueluche e tuberculose, apesar das vacinas para prevenir
estas infecções estarem disponíveis no calendário básico
vacinal, preconizado pelo Ministério da Saúde.(5)
O quadro da cobertura vacinal no Brasil ainda não possui a
amplitude ideal, alcançando uma cobertura, no ano de 2004,
equivalente a 77% da população-alvo, estando abaixo das metas
preconizadas pela Programação Pactuada Integrada de Vigilância
em Saúde (PPI-VS), estabelecidas pelo M.S., com deficiências
em diversos estados.(4) “Na série histórica de 2001 a 2003, a
cobertura vacinal de rotina em cada ano foi de 100%. Em 2004
esse percentual caiu para 98,1%. Nesse mesmo período, as
campanhas nacionais resultaram em cobertura vacinal acima de
99%, porém apresentando tendência declinante. Em 2004 e 2005,
as coberturas obtidas foram de 96,49% e 95,34%, na mesma
ordem. Os percentuais de municípios que apresentaram
cobertura vacinal adequada na 1ª e 2ª etapa de campanha de
2005 foram, respectivamente, de 69% e 72%. É importante ressaltar
que há estados com coberturas vacinais abaixo da meta
preconizada, tanto na rotina quanto em campanha”.(33)
No Estado da Bahia doenças infecto-contagiosas ainda
representam um dos principais problemas de saúde tendo sido
identificadas como o segundo principal grupo de causas
responsáveis por internações hospitalares, respondendo por
11% do total de hospitalizações.(5)
Dados da Vigilância em Saúde do Estado da Bahia revelaram
que, nos últimos anos, houve números significativos de
ocorrência de algumas doenças que podem ser prevenidas por
imunização. A difteria aumentou a incidência de 0,06/100.000hab
em 2001 para 0,15/100.000hab em 2002 (incremento de 61,9% no
número de casos); tétano em menores de 1ano teve incidência
de 0,001/1.000 nascidos vivos em 2001 e 0,002/1000 nascidos
vivos em 2002 com taxa de letalidade de 83,3%. Foram
confirmados 707 casos de meningites em 2002, correspondendo
a incidência de 5,3/100.000 hab e letalidade de 16,4%. Do total
dos 707 casos confirmados, 134 casos (18,9%) foram de doença
meningocócica, 12 casos (1,7%) de meningite não-especificada,
199 casos (28,1%) de meningite viral, 51 casos (7,2%) de
meningite por outras etiologias, 23 casos (3,2%) de meningite
por Haemophilus influenzae tipo b e 20 casos (2,8%) de
meningite pneumocócica. No ano de 2002, foram notificados
3.345 casos de hepatite viral com um coeficiente de incidência
de 22,6/100. 000 hab., sendo confirmados 1.056 destes (31,6%).
As taxas de infecção pelo vírus da hepatite B e pelo bacilo da
tuberculose superaram as taxas nacionais, em 2003, sugerindo a
existência de deficiências na cobertura vacinal no Estado da
Bahia.(27).
PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÃO
O Programa Nacional de Imunização (PNI) foi instituído, no
Brasil, em 1973, com o a intenção de coordenar as ações de
imunização em todo o território nacional,(28) tendo como principal
objetivo oferecer ampla cobertura vacinal, para prover a
população de adequada proteção contras as doenças
141
imunopreveníveis (3) (BrsilPNI). O PNI, visa favorecer,
especificamente, o controle ou a erradicação de doenças tais
como sarampo, tétano, difteria, coqueluche e poliomielite, além
de, indiretamente oferecer suporte a imunização contra a
tuberculose, a partir da vacinação contínua da população sob
risco de adquirir estas doenças. Esse programa gerencia o uso e
o suprimento de alguns imunobiológicos preconizados para
grupos populacionais ou situações específicas.(13)
O PNI vem se ampliando gradativamente mediante a
introdução de novas vacinas no calendário básico e da ampliação
da cobertura vacinal para grupos especiais tais como: como
imunossuprimidos, esplenectomizados, hepatopatas,
falcêmicos, dentre outros, através dos Centros de Referência de
Imunobiológicos Especiais (CRIES).(7)
De acordo com o Ministério da Saúde, para que um programa
de imunização possa assegurar os resultados aos quais se
propõe, são necessários à escolha de estratégias adequadas de
vacinação, a organização dos serviços de saúde e o
comprometimento da população local com os programas e suas
ações.(13)
As vacinas
Vacina, que em linguagem técnica recebe a denominação da
especialidade farmacêutica, é a substância que contém um ou
mais agentes capazes de tornar o individuo protegido de doenças
sob diversas formas. Podem conter vírus vivo atenuado, vírus
“inativados”, bactérias mortas e componentes de agentes
infecciosos purificados e/ou modificados quimicamente, capazes
de estimular o organismo da pessoa a produzir células e ou
anticorpos contra este(s) agente(s). Deste modo permite que o
organismo possa se defender da doença infecciosa. Assim, a
vacinação é uma maneira barata e eficaz de controle
epidemiológico de doenças que podem ser prevenidas pela
imunização, diminuindo as taxas de adoecimento e morte.(18) Além
de sua efetividade para a saúde, são ressaltados os benefícios
resultantes do uso de vacinas, os quais superam em muito os
custos decorrentes de sua fabricação, conservação e aplicação.
Por sua vez, as pesquisas sobre vacinas auxiliam e permitem
outras descobertas científicas, principalmente sobre a imunidade
e seus mecanismos, criando conhecimentos para a prevenção e
cura de várias outras doenças.(8 17)
Como agem e como protegem
A proteção conferida pelas vacinas, ou imunidade, resulta
do mecanismo pelo qual o organismo humano registra uma
substância como estranha e reage buscando absorvê-la,
neutralizá-la ou eliminá-la. As vacinas estimulam esta reação,
utilizando substâncias próprias dos germes infecciosos –
antígenos específicos - para criar uma proteção duradoura, na
medida em que a ‘”memória”, do organismo identifica o código
dos agentes infecciosos a cada vez que houver com eles um
contato. Nas vacinas, os germes utilizados são “enfraquecidos”
(atenuados) ou mortos; assim, quando os germes mais potentes,
das doenças infecto-contagiosas, invadirem o organismo os
anticorpos já os “conhecem” e lutam para destruí-los, evitando,
desse modo, que se contraia a doença. “Na criança e no adulto
estes anticorpos protetores atuam como salvaguardas contra
os agentes infecciosos, com duração longa ou permanente para
muitas doenças”.(8 17)
Vacinação associada
Ocorre quando as vacinas são misturadas no momento da
aplicação; a exemplo, de determinadas apresentações (marcas)
142
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
das vacinas contra Haemophilus influenzae do tipo b e vacina
tríplice contra difteria, tétano e coqueluche (DPT). (O uso destas
misturas só é permitido após autorização para seu emprego).(8)
Vacinação combinada
Quando dois ou mais agentes são administrados numa
mesma preparação. Citamos como exemplo, a vacina tríplice
(DTP), contra a difteria, o tétano e a coqueluche, e as vacinas
duplas, contra difteria e tétano (DT para crianças e dT para
adultos a). É o caso também da vacina oral trivalente contra a
poliomielite, que contém os três tipos de vírus atenuados da
poliomielite.(8)
Vacinação Simultânea
Ocorre quando duas ou mais vacinas são administradas por
diferentes vias num mesmo atendimento. Um exemplo comum
nas unidades de saúde é a administração simultânea das vacinas:
tríplice, por via intramuscular, contra o sarampo por via
subcutânea e contra a poliomielite por via oral.(8)
Eventos adversos após vacinações
As vacinas por terem na sua composição agentes infecciosos
inativados ou atenuados, ou alguns componentes destes,
podem, por vezes, induzir a reações indesejáveis. Algumas dessas
reações adversas são observadas com freqüência, sendo, em
sua maioria, benignas e passageiras, tais como a febre e a dor
local referidas após uso de DPT.(8)
Contra-indicações gerais para vacinação
As vacinas que contenham bactérias ou vírus vivos
atenuados, tais como a vacina contra tuberculose, (BCG), a
vacina tríplice viral contra sarampo caxumba e rubéola (SCR ou
MMR) e a vacina contra a de febre amarela, não devem ser
usadas, a princípio, em pessoas portadoras de imunodeficiência
congênita ou adquirida, em portadores de neoplasia maligna,
no curso de tratamento com corticosteróide em esquemas
imunodepressores (2mg/dia, de prednisona por mais de uma
semana, em crianças), ou submetidos a outras terapêuticas
imunossupressoras tais como quimioterapia antineoplásica e
radioterapia. São contra indicadas, também, na gravidez, pelo
risco de danos ao feto, exceto em situações de alto risco de
exposição a algumas doenças imunopreveniveis tais como febre
amarela. O uso dessas vacinas deve ser evitado, ainda, nas
doenças febris agudas.(8)
Recomendações para adiamento de vacinação(8)
• Nas doenças febris graves, para evitar que os sinais e ou
sintoma e complicações, destas doenças, sejam atribuídos
ao uso da vacina;
• Durante o uso de imunoglobulinas ou sangue e derivados,
pois os anticorpos presentes nesses produtos podem
neutralizar o vírus de vacina como sarampo, caxumba e
rubéola; no caso de vacinas contra pólio e febre amarela não
há necessidade de adiamento, pois a resposta vacinal não é
afetada pelo uso de hemoderivados e imunoglobulinas;
• Durante o tratamento com drogas em doses
imunodepressoras, recomenda-se adiar o uso de vacinas
para um mês após o término do tratamento com
corticosteróide, ou para três meses após a suspensão de
outros tratamentos que causem imunossupressão (devido
ao maior risco de complicações e da probabilidade de
resposta imune inadequada).
• Não se tem observado interferências entre as vacinas do
calendário básico do Ministério da Saúde do Brasil. A exceção
da vacina contra febre amarela, cuja recomendação é para
intervalo de duas semanas entre sua aplicação e a de outras
vacinas, quando não for possível o uso simultâneo.
Falsas contra-indicações para vacinação (8)
• Desnutrição;
• História de convulsão na família;
• Internação hospitalar;
• Tratamento com corticosteróide, em baixas doses, ou em
período inferior a duas semanas;
• Reações alérgicas localizadas, não-graves e não relacionadas
aos componentes de determinadas vacinas; história de
passado de tuberculose, sarampo varicela, rubéola, caxumba,
coqueluche, poliomielite, difteria e tétano;
• Doenças neurológicas compensadas, mesmo com presença
de seqüelas; baixo peso ao nascer (menos de 2.500 gramas)
e ou prematuridade, com exceção de BCG que pode ser
aplicada quando a criança apresentar mais de 2 kilos;
• Doenças benignas comuns na infância, como infecções de
vias aéreas superiores, diarréia leve, doenças de pele tais
como escabiose, impetigo sem gravidade; uso de vacina
contra raiva. (7 25).
Calendários vacinais para a população infantil
Os calendários de vacinas levam em conta alguns aspectos
dentre os quais se destacam: o conhecimento da resposta
imunológica que orienta quanto ao momento mais adequado
para a imunização, a situação epidemiológica das doenças
imunopreveníveis que orienta quanto à época de aplicação dos
imunobiológicos e a facilidade de compreensão e de cumprimento
do calendário e racionalização do número de visitas para
aplicação das vacinas. Assim para que seja introduzida uma
nova vacina no calendário do MS, antes deverão ser discutidas:
a situação epidemiológica da doença que se pretende prevenir,
a eficácia da vacina, seu impacto e a relação custo-benefício.(28)
As vacinas Preconizadas pelo Programa Nacional de
Imunizações do Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira
de Pediatria estão contempladas nos dois calendários
habitualmente mais usados na prática pediátrica são o calendário
básico do Ministério da Saúde (Quadro 1) e o da Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP) (Quadro 2). A inclusão de mais
vacinas no calendário da SBP, em relação às do calendário do
MS, está justificada pelos diferentes papéis que cada uma dessas
entidades se propõe a assumir frente à população. À SBP se
propõe a divulgar informações sobre a existência de novas
vacinas, para crianças, sua eficácia e segurança. O MS,
entretanto, visa assegurar o direito de que todos os cidadãos
possam ser vacinados de acordo com as vacinas preconizadas
em seu(s) calendário(s).(28) O MS, através do PNI, tem
preconizado a obrigatoriedade do uso de vacinas para 11
doenças imunopreveníveis: a tuberculose (vacina BCG), hepatite
B, paralisia infantil (vacina anti-pólio ou Sabin), a difteria/tétano/
coqueluche/Haeemophilus influenzae tipo b (vacina tetra),
sarampo/caxumba/ rubéola (vacina tríplice viral) e febre amarela.
A partir de junho de 2005, a SBP atendendo ao seu Departamento
de Infectologia, passou a recomendar a inclusão da vacina contra
o vírus da Influenza (gripe) em duas doses anuais, com intervalo
de um mês, a ser aplicada dos seis meses aos dois anos de
idade. A partir desta idade, o uso fica recomendado apenas para
grupos de maior risco; a exceção das crianças menores de nove
anos de idade que ainda não usaram esta vacina, para as quais
se recomenda duas doses com intervalo de um mês entre as
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
143
Quadro 1. Calendário Básico de Vacinação da Criança (Ministério da Saúde).
IDADE
VACINAS
BCG - ID
DOSES
DOENÇAS EVITADAS
dose única Formas graves de tuberculose
Ao nascer
Vacina contra hepatite B
(1)
1ª dose
Hepatite B
1 mês
Vacina contra hepatite B
2ª dose
Hepatite B
2 meses
VOP (vacina oral contra
pólio)
1ª dose
Poliomielite (paralisia infantil)
1ª dose
Difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo
Haemophilus influenzae tipo b
2ª dose
Poliomielite (paralisia infantil)
2ª dose
Difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo
Haemophilus influenzae tipo b
3ª dose
Poliomielite (paralisia infantil)
Vacina tetravalente (DTP +
Hib)
3ª dose
Difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo
Haemophilus influenzae tipo b
Vacina contra hepatite B
3ª dose
Hepatite B
Vacina tetravalente (DTP +
Hib) (2)
4 meses
VOP (vacina oral contra
pólio)
Vacina tetravalente (DTP +
Hib)
VOP (vacina oral contra
pólio)
6 meses
Vacina contra febre
amarela (3)
dose única Febre amarela
12 meses
SRC (tríplice viral)
dose única Sarampo, rubéola e caxumba
15 meses
VOP (vacina oral contra
pólio)
9 meses
4 - 6 anos
reforço
Poliomielite (paralisia infantil)
DTP (tríplice bacteriana)
1º reforço
Difteria, tétano e coqueluche
DTP (tríplice bacteriana
2º reforço
Difteria, tétano e coqueluche
SRC (tríplice viral)
reforço
Sarampo, rubéola e caxumba
6 a 10 anos
BCG - ID (4)
reforço
Formas graves de tuberculose
10 anos
Vacina contra febre
amarela
reforço
Febre amarela
Fonte: (60) : BCG-ID: vacina contra tuberculose – intra-dérmica; DTP: tríplice bacteriana de células inteiras- difteria, pertussis,
tétano; Hib: Haemophilus influenzae tipo b; SRC (tríplice viral): vacina contra sarampo, rubéola e caxumba.
(1) A primeira dose da vacina contra a hepatite B deve ser administrada na maternidade, nas primeiras 12 horas de vida do
recém-nascido. O esquema básico se constitui de 03 (três) doses, com intervalos de 30 dias da primeira para a segunda dose e 180
dias da primeira para a terceira dose.
(2) O esquema de vacinação atual é feito aos 2, 4 e 6 meses de idade com a vacina Tetravalente e dois reforços com a Tríplice
Bacteriana (DTP). O primeiro reforço aos 15 meses e o segundo entre 4 e 6 anos.
(3) A vacina contra febre amarela está indicada para crianças a partir dos 09 meses de idade, que residem ou que irão viajar para
área endêmica (estados: AP, TO, MA MT, MS, RO, AC, RR, AM, PA, GO e DF), área de transição (alguns municípios dos
estados: PI, BA, MG, SP, PR, SC e RS) e área de risco potencial (alguns municípios dos estados BA, ES e MG). Se viajar para áreas
de risco, vacinar contra Febre Amarela 10 (dez) dias antes da viagem.
(4) Em alguns estados, esta dose não foi implantada. Aguardando conclusão de estudos referentes a efetividade da dose de
reforço.
mesmas. Para as demais, fica a orientação de apenas uma dose
anual. Tais orientações foram baseadas em estudos
internacionais que comprovaram ter as crianças elevadas taxas
de infecção, pelo vírus Influenza, um dos mais importantes entre
os vírus causadores de infecções respiratórias, responsável
também por elevado número de hospitalização na população
infantil.(30).
OPORTUNIDADES PERDIDAS DE VACINAÇÃO (OPV)
Conceito
Segundo a Organização Mundial de Saúde, “Toda a vez que,
uma criança, adolescente ou adulto, entrar em contato com um
serviço de saúde, não importando o motivo, e não for
corretamente informado a respeito das vacinas que poderia
receber, fica caracterizada a oportunidade perdida para profilaxia
de doençasimunopreveníveis”(23) .
Um dos meios para intensificar a imunização é o
aproveitamento das oportunidades de vacinar crianças e
adultos, quando estes procurarem os serviços de saúde. Dentro
desse contexto, a ausência da imunização em condições
favoráveis, chamada de oportunidade perdida de vacinação,
pode ser conceituada como a taxa de não-imunizados
necessitando de vacinação em relação à população-alvo.(30)
Ocorrências de OPV
Em virtude da importância em aumentar a cobertura vacinal,
entre crianças, a Organização Mundial de Saúde tem orientado
diversos estudos para determinar taxas de OPV. As taxas
encontradas (número de casos de OPV sobre o total de crianças
entrevistadas) variaram de 0 a 91%, com mediana de 41%, sendo
maiores nos serviços hospitalares do que as encontradas nos
serviços de atenção primária.(24)
Resultados de investigações realizadas nos últimos quinze
anos demonstraram que crianças têm sido vítimas de OPV, tanto
nos países em vias de desenvolvimento quanto nos países
desenvolvido (Gráfico 1). Alguns destes estudos trazem
orientações sobre estratégias para reduzir as causas identificadas
como responsáveis pela ausência da vacinação e são abordadas
no item considerações gerais, deste capítulo.
144
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Quadro 2. Calendário Vacinal da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Fonte (30) : BCG-id: vacina contra tuberculose – intra-dérmica; DTP: tríplice bacteriana de células inteiras- difteria, pertussis, tétano; DTPa: tríplice
bacteriana acelular; dT: vacina dupla de adulto contra tétano e difteria; dTp a: tríplice acelular tipo adulto; Hib: Haemophilus influenzae tipo b; VOP:
vacina oral contra pólio; IPV: vacina inativada contra poliomielite; SRC: vacina contra sarampo, caxumba e rubéola.
Notas:
1) A segunda dose da vacina BCG deve obedecer a política regional de saúde (estadual ou municipal);
2) A vacina contra hepatite B, deve ser aplicada nas primeiras 12 horas de vida. Crianças com peso de nascimento igual ou inferior a 2 Kg, devem
receber o seguinte esquema vacinal: 1ª dose ao nascer; 2ª dose ao completar 2 Kg; 3ª dose 1mês após a 2ª dose; 4ª dose, 6 meses após a 2ª dose;
3) Vacinas combinadas contemplam a 2ª dose da vacina contra Hepatite B aos 2 meses de vida;
4) Vacina DTP (células inteiras) é eficaz e bem tolerada. Quando possível, aplicar a DTPa (acelular) devido a sua menor reatogenicidade;
5) Como alternativa à vacina dT, pode ser administrada a vacina dTp a (tríplice acelular tipo adulto) aos 15 anos;
6) Se usada uma vacina combinada Hib/DTPa (tríplice acelular), uma quarta dose da Hib deve ser aplicada aos 15 meses de vida;
7) Recomenda-se que todas as crianças com menos de cinco anos de idade recebam VOP nos Dias Nacionais de Vacinação. A vacina inativada contra
poliomielite (VIP) pode substitutir a vacina oral (VOP) em todas as doses, preferencialmente nas duas primeiras doses;
8) A vacina contra Influenza está indicada nos meses que antecedem o período de maior prevalência da gripe, estando disponível apenas nessa época
do ano. Está recomendada dos 6 meses aos 2 anos, e a partir desta idade, para grupos de maior risco. Nos menores de 9 anos, primovacinados, são
administradas 2 doses, com intervalo de 1 mês e, nos anos subseqüentes, apenas 1 dose. A partir dos 9 anos é administrada apenas uma dose,
anualmente;
9) A segunda dose da SCR (contra sarampo, caxumba e rubéola) pode ser aplicada dos 4 aos 6 anos de idade, ou nas campanhas de seguimento. Todas
as crianças e adolescentes devem receber ou ter recebido duas doses de SCR, com intervalo mínimo de 1 mês. Não é necessário aplicar mais de duas
doses;
10) Adolescentes não-vacinados ou os que não tiveram doença, constituem grupo prioritário para vacinação contra hepatite B e varicela;
11) A vacina contra Febre Amarela está indicada para os residentes e viajantes para as áreas endêmicas, de transição e de risco potencial;
12) Recomenda-se 2 ou 3 doses da vacina contra Meningococo C no primeiro ano de vida, de acordo com o fabricante. Após os 12 meses de vida, deve
ser aplicada em dose única.
Causas mais comuns de OPV
Algumas barreiras são identificadas como responsáveis por
esta sub-vacinação: deficiência do próprio sistema de
distribuição vacinal, recusa em tomar a vacina após exposição
dos riscos que a mesma é capaz de causar, aliado a inexistência
de um esclarecimento sobre os benefícios inquestionáveis e
sobre as oportunidades perdidas de vacinação.(15) A OPV é um
fator implicado na inadequada vacinação de muitas crianças,
permitindo o desenvolvimento de doenças infecciosas
prontamente preveniveis, implicando em custos maiores para a
sociedade ao precisar arcar com o tratamento, morbidade,
mortalidade, seqüelas e mesmo diminuição do rendimento dos
pais.
Fatores cruciais e mais diretamente implicados na OPV
• A falta de informações atualizadas de profissionais de saúde,
sobre o calendário de vacinação;(24)
• falta de preocupação desses profissionais em verificar o
cartão vacinal da criança; .(12, 14, 24)
• Anamneses incompletas;(1)
• Dependência de referência médica para que se estabeleça a
imunização;
• Um sistema de gravação de dados ineficiente para as
vacinações realizadas e para as não realizadas em um
paciente;(11)
• Falta de conhecimento, aliado a crendices e falsos-conceitos
da população sobre o calendário vacinal; (36)
• Orientações inadequadas sobre as contra-indicações à
vacinação.(10 21)
• Aliados aos fatores acima citados, a falta de conhecimento
dos próprios médicos sobre o calendário vacinal ainda é
bastante comum. Cohen et al.(9) em estudo realizado nos
Estados Unidos identificaram os pediatras como os
profissionais que estão melhores adaptados ao calendário
vacinal infantil. Os médicos da família e outros profissionais
se mostraram menos conhecedores do calendário, e assim
contribuindo com maior grau de OPV.
Um sistema de gravação de dados mais eficiente é uma
necessidade talvez mundial. Alguns autores afirmam, até, que o
cartão vacinal foi uma excelente idéia, porém já se encontra um
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
145
Gráfico 1. Percentagens de ocorrências de Oportunidades Perdidas de Vacinação, em crianças, nos últimos quinze anos.
Peru
Peru
100
%
60
56
52
40
20
Nigéria - Niamey
USA - Milwaukee
78
80
59,6
47
44
37
31,6
13
12,8
1,4
0
1
Ano
Fonte: (1 2 10 11 14 19 21 25 34 36)
tanto ultrapassado, o que torna necessário criar um sistema
mais integrado possibilitando a obtenção de dados vacinais
das pessoas, com maior facilidade. Isto evitaria não só as OPV
como, também, os gastos desnecessários com as doses de
vacinas administradas em excesso que tanto irritam familiares e
causam despesas a mais para o governo, além de serem um
motivo a mais para a falta de vacinas em certas regiões, a exemplo
de Nairobi, na África.(2)
A adoção de falsas contra-indicações ainda é bastante
comum, não só no Brasil como também em muitas outras partes
do mundo, devido à falta de preparação dos profissionais das
áreas de saúde. Situações que não constituem contra-indicações
à vacinação ainda são apontadas, corriqueiramente, como
condições que fazem esses profissionais retardarem o uso de
vacinas, apoiados em conceitos desatualizados, com
conseqüente prejuízo da cobertura vacinal. Dentre as mais
comuns estão as doenças benignas infecciosas, doenças
crônicas, resposta de hipersensibilidade de médio e pequeno
porte às vacinas, prematuridade, desnutrição, internação
hospitalar, febre e contacto com parentes imunocomprometidos(9
10 36)
CONCLUSÕES
As vantagens dos programas de vacinação são
indiscutíveis. A imunização é, comprovadamente, uma maneira
barata e eficaz de reduzir a morbi-mortalidade geral e infantil por
doenças infecciosas, aumentando a expectativa de vida da
população e diminuindo, em longo prazo, os custos da atenção
à saúde.
Enfatizar a importância da vacinação, diante de benefícios
tão incontestáveis, ainda se faz necessário, tendo em vista as
taxas significativas de OPV apresentadas pelo Brasil. Apesar
dos avanços das últimas décadas, a cobertura vacinal no país
permanece abaixo das metas preconizadas pela Programação
Pactuada Integrada de Vigilância em Saúde (PPI-VS), estabelecida
pelo Ministério da Saúde. Além disso, populações de diversas
áreas, sobretudo de áreas rurais e periferia de grandes cidades,
continuam apresentando risco elevado de morbi-mortalidade
por doenças transmissíveis que podem ser evitadas através da
imunização.
Reduzir as taxas de OPV requer mais do que melhorar o
próprio sistema de distribuição vacinal. É importante prover os
profissionais, das diversas áreas de saúde, de informações
atualizadas sobre o calendário vacinal, de cada localidade, as
3
India - Caucutá
India - Caucutá
Congo - Brazzaville
Uganda - Kiyeyi
Suiça
Kenya - Nairobi
USA - Denver
indicações para administração de vacinas em situações
específicas, efeitos adversos das vacinas e contra-indicações à
vacinação. Verificar o cartão de vacina deve ser procedimento
de rotina, realizado todas às vezes que uma criança procurar um
serviço de saúde, seja para acompanhamento em ambulatório,
assistência em pronto atendimento ou mesmo para internamento
hospitalar. Esse processo de educação e conscientização dos
trabalhadores, da área de saúde, deve ter início durante a sua
formação, e ser estendido e atualizado ao longo da vida
profissional. É fundamental a propagação desses conhecimentos
no meio acadêmico, com ênfase para os benefícios da vacinação
e prejuízos decorrentes das OPV.
O controle da vacinação deve, entretanto, transcender as
fronteiras dos serviços de atendimento à população, tornando
as visitas domiciliares, uma das grandes oportunidades para
verificação do cartão de vacinas e das orientações sobre a
importância de mantê-lo atualizado. As campanhas educativas
com esclarecimentos sobre as vacinas, seus efeitos e benefícios,
podem se transformar em uma das excelentes armas de combate
à OPV, sobretudo se apoiada pelas instituições de educação e
pelos equipamentos comunitários encarregados da mídia. A
educação dos profissionais de saúde, aliada ao esclarecimento
a população geral, é essencial para que a vacinação possa
repercutir prevenindo doenças, minimizando custos e gerando
um impacto, positivo, ainda maior na saúde da população
brasileira.
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III.4
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
PREVENÇÃO DOS ACIDENTES
DOMÉSTICOS INFANTIS NO ÂMBITO DA
ASSISTÊNCIA PRIMÁRIA À SAÚDE
INTRODUÇÃO
Acidentes são definidos como acontecimentos casuais, geralmente desagradáveis,
que independem da vontade humana e são provocados por força exterior que atua
rapidamente e que se manifesta por lesões físicas e emocionais(23).
As estatísticas mundiais demonstram que, nos últimos anos, vêm aumentando as
taxas de morbidade e mortalidade por acidentes. Segundo a OMS, violência e acidentes
ocupam o segundo lugar como causas de morte, superados apenas pelas doenças
circulatórias (8). Os acidentes constituem a primeira causa de morte em crianças maiores
de um ano no mundo(22); na Suécia constituem a 1ª causa de morte entre 0 e 15 anos de
idade, e em Cuba também é a 1ª causa de morte entre 1 e 14 anos de idade(6). Na
Inglaterra, acidentes infantis são causa de 700 óbitos por ano, 125 mil admissões em
hospitais e 2 milhões de atendimentos nos serviços de emergência(6).
Acidentes são, pois, grande problema de saúde pública mundial, tendo
conseqüências mais graves em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde há
desequilíbrio entre o estilo de vida e medidas de prevenção destinadas a evitar os
acidentes(8, 22 ).
A cada ano, os acidentes no grupo de crianças com idade abaixo de 14 anos são os
causadores de quase 6 mil mortes e mais de 140 mil admissões hospitalares, somente na
rede pública de saúde(5); ou seja, são mais de 16 mortes de crianças por dia devido a
acidentes - fatores externos como incidentes em casa ou no trânsito(11). A morte é apenas
ponta do “iceberg”, pois para cada acidente com morte são registrados outros quatro
que deixam seqüelas nas crianças, sendo muitas destas seqüelas permanentes, como
paralisia cerebral ou tetraplegia (11). O mais doloroso diante deste quadro é que há
estimativa de que pelo menos 90% dessas lesões podem ser prevenidas(5).
Entre os tipos de acidentes mais comuns e de maiores danos à saúde, figuram os
acidentes domésticos, que são aqueles ocorridos no interior de moradias ou em seus
arredores. De acordo com a OMS, 45% dos acidentes com a população mundial são
domésticos(6). Na faixa etária de 0 a 19 anos quase 1/3 dos acidentes ocorrem dentro de
casa e 10% dos casos são graves o suficiente para requerer hospitalização, sendo que
5% das vítimas morrem antes de serem hospitalizadas(2). No Canadá o percentual de
mortes infantis devido a acidentes no interior das residências chegou a 37% do total de
acidentes envolvendo crianças(21).
Os acidentes domésticos incluem queimaduras, quedas, contusões, feridas,
ingestão de produtos químicos, devidos a manipulação de utensílios, animais
domésticos, entre outros. São considerados o lado oculto dos acidentes, já que não
são divulgados nos meios de comunicação e em revistas científicas com a mesma
ênfase com que são tratados os acidentes de trânsito. Todavia, estão entre as 5
principais causas de morte em crianças de 1 a 14 anos em 20 países da América
Latina(3,23). Em todos os países os acidentes domésticos originam grandes gastos; por
exemplo, no Canadá estima-se que, apenas com as quedas na infância, sejam gastos
630 milhões de dólares por ano(17).
A demanda assistencial devido a lesões provocadas por acidentes constitui uma
proporção importante dos pacientes que consultam os serviços de emergência pediátrica.
Estima-se que, em média, os acidentes infantis causem de 10% a 30% de ocupação dos
leitos hospitalares. Dessa forma, a prevenção desses eventos resultaria na redução
tanto dos gastos hospitalares, quanto do desgaste emocional vivenciado pela criança e
pela família durante a permanência hospitalar.
147
Sumaia Boaventura André
Lauro Reis Santana
Sofia Flores Mata Virgem
Marilia Mercês Oliveira
Hillane Rodrigues Pereira
Alex Teixeira Guabiru
Ana Paula Santana Huang
Clarissa Oliveira Sacramento
Paula Andrade de Andrade
Vinícius P. de Almeida Santos
Verônica de Fátima Porto
Luana Emanuelle Leite Lima
Vanessa Silva Muniz
Palavras-chaves:
Acidentes domésticos, prevenção
de acidentes, assistência primária
em pediatria, acidentes infantis,
tipologia dos acidentes.
148
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
No Brasil, os dados epidemiológicos sobre acidentes na
infância são incompletos, predominando as estatísticas de
mortalidade e/ou casos de maior gravidade (que necessitam de
hospitalização), sendo que os dados relativos à morbidade, que
ainda permanecem escondidos no âmbito da comunidade,
demandam maiores esforços para a sua obtenção(21). Portanto, é
muito importante o registro e a ampliação do conhecimento sobre
os acidentes infantis para embasar o desenvolvimento de
medidas eficazes de prevenção. Apesar da escassez de registros
nacionais, alguns estudos trazem contribuições para uma
aproximação da realidade destas ocorrências. Em nosso país,
excetuando as afecções perinatais, as causas externas são
responsáveis pelo maior número de óbitos envolvendo a faixa
etária de 0 a 19 anos(17). No ano de 1999 os acidentes foram
responsáveis por mais de 8 mil mortes de crianças e adolescentes
até os 14 anos, representando cerca de 1/3 do total de mortes(6).
Estudos indicam que para cada óbito de menor de 15 anos, por
causa externa, estima-se que 470 são atendidos exclusivamente
em pronto-socorro e cerca de 20 são internados(13,16,21,23).
intradomiciliares e a hierarquização das moradias por potencial
de riscos identificados seguramente é de grande importância e
utilidade no planejamento e implementação de ações para a
diminuição das possibilidades de acidentes.
TIPOLOGIA DOS ACIDENTES
Queimaduras
A maioria das queimaduras ocorre no ambiente doméstico(20),
predominando a cozinha como local de ocorrência. Mais da
metade dos casos de queimaduras ocorre em crianças de 1 a 5
anos independentemente do nível sócio-econômico(21). A água
fervente foi o agente causador de 59% dos acidentes entre as
crianças abaixo de 3 anos. O álcool de uso doméstico foi
responsável por 40% dos acidentes com crianças na faixa de 7 a
11 anos(19). O álcool é considerado o principal líquido inflamável
relacionado a queimaduras (20).
Os acidentes com corrente elétrica podem ser inseridos entre
os agentes causadores de queimaduras, embora as seqüelas
dependam do tipo de evento produzido e sendo proporcional à
descarga de voltagem recebida. Os danos variam desde
queimaduras leves a graves até arritmias e morte. Em crianças
maiores de 12 anos, a maioria dos casos é causada por cabos e
extensores elétricos, e uma parte por uso incorreto da tomada.
Para crianças menores de 6 anos os acidentes podem ser por
contato da boca com o cabo eletrificado ou por introdução de
objetos nas tomadas(15).
Para a prevenção das queimaduras, recomendam-se as
medidas descritas no Quadro 2.
Os acidentes na infância representam uma importante causa
de morbi-mortalidade, principalmente a partir dos cinco anos de
idade, quando as doenças infecciosas diminuem de freqüência.
A maior acidentalidade do sexo masculino é creditada ao padrão
educacional que permite aos meninos serem mais ativos do que
as meninas. Acidentes em crianças maiores de 1 ano são
relacionados ao maior desenvolvimento neuromotor associado
a uma maior socialização. O ambiente doméstico constitui local
de alto risco, pois crianças permanecem muito tempo dentro de
casa, agravando-se a situação quando o ambiente doméstico é
pequeno, com poucos cômodos, muitas pessoas,
eletrodomésticos e animais de estimação(7).
Os locais do corpo mais atingidos são braços, pernas, e
cabeça(7). O acometimento de braços e pernas é justificado pela
exploração tátil realizada pelas crianças, bem como a utilização
destes membros como mecanismo de defesa; o acometimento
da cabeça em crianças pequenas, é justificado pelo grande peso
deste segmento em comparação ao restante do corpo, tornandose mais difícil a manutenção do equilíbrio corpóreo(7).
Um acidente geralmente não ocorre ao acaso como uma
fatalidade. Muitas vezes é resultado da atuação de um conjunto
de fatores ligados ao hóspede susceptível, ao agente lesivo e
ao ambiente inseguro, o que torna mais ou menos previsível sua
ocorrência(23).A prevenção de acidentes pode ser resumida nas
palavras antecipação, ação e responsabilidade(17), e para que
tenha eficácia, dados sobre a rotina de vida da criança devem
ser conhecidos.
A identificação dos riscos existentes no ambiente doméstico
e arredores das moradias é extremamente importante para
qualquer intervenção com o objetivo de diminuir acidentes. Os
principais riscos domésticos apontados por estudiosos desta
temática são: acesso livre à cozinha, móveis que podem ser
arrastados ou levantados, objetos pérfuro-cortantes, cozinhas
defeituosas ou mal manipuladas, fósforos e similares ao alcance
das crianças, fontes de eletricidade mal protegidas, escadas e
balcões com corrimões ou parapeitos inseguros(3). Baseados
nestas identificações as moradias podem ser categorizadas para
riscos de acidentes em baixo, médio e alto risco; as de baixo
risco teriam até 5 fatores identificados, as de médio risco, de 6 a
9 fatores, e as de alto risco, 10 ou mais fatores de risco de
acidentes identificados (3) .A identificação dos riscos
Quedas
As quedas estão entre os acidentes mais freqüentes em
crianças, principalmente no primeiro ano de vida. Entre 0 e 2
meses de idade, geralmente, as pessoas deixam as crianças
caírem; entre 3 e 11 meses, acontecem, principalmente, as quedas
de mobília e de seus próprios equipamentos, em especial do
andador e do carrinho. Quedas da mesa durante a troca de fraldas
estão associadas a maior freqüência de internação. As quedas
de janelas predominam em pacientes do gênero masculino abaixo
de 5 anos. As quedas da cama, berço e beliche acontecem,
geralmente, com crianças menores de 6 anos enquanto
dormem(17).
O Quadro 1 contém lista de medidas de prevenção das
quedas(4).
Corpo Estranho
A penetração de corpo estranho em orifício natural figura
como primeira causa de acidentes por forças inanimadas(13),
sendo freqüente em pediatria o atendimento de crianças que
introduziram caroços de feijão em narinas ou ouvido.. Aspiração
de corpo estranho também é problema freqüente entre crianças
de 6 meses a 3 anos de idade, e dentre os objetos ingeridos ou
aspirados destacam-se moedas, pilhas, caramelos, brinquedos
pequenos (peças ou pedaços), pregos, caroços ou sementes, e
alimentos (Mora, 2000). Dormir com chiclete na boca é fator de
risco que pode ocasionar morte por aspiração deste corpo
estranho(2). Suspeita ou presença de corpo estranho nas vias
aéreas, no Setor de Endoscopia Perioral de hospital do Ceará ,
identificou os objetos mais encontrados : espinha de peixe,
moedas e osso de galinha(21).
Algumas medidas de prevenção encontram-se no Quadro 3.
Intoxicações
A curiosidade faz com que a criança se exponha ao risco de
ingestão de substâncias tóxicas. A maioria absoluta (98%) dos
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
149
Quadro 1. Medidas de prevenção das quedas.
Quando trocar fraldas de um bebê mantenha uma mão segurando-o.
Nunca deixe um bebê sozinho em mesas, camas ou outros móveis, mesmo que seja por pouco tempo (Criança Segura)
As grades dos berços devem ter, no máximo, 5 centímetros entre elas.
Andador é contra-indicado para crianças, pois podem ocasionar quedas graves (Criança Segura).
Crianças menores de 6 anos não devem dormir na parte de cima de beliche; se não houver esta possibilidade, colocar
grades nas laterais da cama..
Escadas devem ter corrimão e o piso não deve ser liso. Casas com crianças pequenas necessitam de protetores e
barreiras em todos os acessos da casa qu levem à escada.
Não permitir que crianças se balancem em beliches ou outros móveis da casa, ou brinquem sob móveis..
Colocar portão de segurança no topo e em baixo da escada.
Recolher brinquedos e outros objetos do piso.
Líquidos derramados no chão devem ser secados imediatamente.
Não colocar berço ou outro móvel próximo à janela
Tanques ou lavanderias devem estar fixados / cimentados no chão (Tanques de lavar roupas podem desabar sobre
crianças que se pendurem na parte anterior, provocando esmagamento de tórax e abdômen).
Educar as crianças a não subirem em pias, lavanderias e vasos sanitários.
Brincadeiras em escadas, telhados, lajes e varandas sem telas não devem ser permitidas.
Fonte: Britton(4).
Quadro 2. Medidas de prevenção das queimaduras.
Não é seguro lidar com líquidos quentes e, ao mesmo tempo, cuidar de lactentes.
Crianças pequenas devem ser supervisionadas ao entrar na cozinha
Crianças não devem ter acesso a eletrodomésticos, fósforo e isqueiro.
Comidas e bebidas quentes devem ser deixadas fora do alcance de crianças.
Cozinhar e transportar líquidos quentes não deve ser permitido a crianças.
Deve-se preferir a utilização dos queimadores da parte posterior dos fogões .
O cabo das panelas deve estar sempre voltado para a parte de dentro e posterior da bandeja do fogão.
O botijão de gás deve ficar fora da casa, se não for possível, é recomendável fechar a válvula de segurança. As mangueiras
devem estar em bom estado de conservação.
Nunca deixar o ferro de passar roupa ligado e com o fio desenrolado , ao alcance das crianças, pois além da alta temperatura,
é perigoso por seu peso e eletricidade.
No banheiro, a água quente, no balde na bacia ou na banheira, representa risco para a criança, a qual nunca pode ficar
desacompanhada.
Deve-se conferir a temperatura da água com o cotovelo antes de dar banho em crianças.
Evitar o acesso das crianças a fios, linhas elétricas, tomadas e interruptores.
Utilizar sempre protetores nas tomadas ao alcance de crianças.
Conserto de fios desencapados e sem tomadas nas pontas deve ser realizados por adultos protegidos por luvas isolantes
e longe de crianças
Empinar pipas na rua perto de fios elétricos pode ocasionar morte por eletrocussão.
Fonte: Paes & Gaspar(17).
Quadro 3. Medidas de prevenção para acidentes com corpo estranho.
Crianças menores de 6 anos de idade devem ser especialmente vigiadas para a prevenção de ocorrência de acidentes
Não deixar ao alcance de crianças objetos pequenos como: botões, alfinetes, grampos, brincos, caroços de feijão, moedas, etc.
Não oferecer a crianças pequenas caramelos pequenos e duros, que possam ser aspirados.
Não oferecer a crianças pequenas frutas sem retirar os caroços (pinhas, tangerinas, melancias, etc), pelo risco de aspiração.
Brinquedos devem ser grandes o bastante para não serem engolidos e resistentes para não quebrarem.
Fonte: Criança Segura(5).
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FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
eventos acontecem em casa, sendo que mais da metade das
intoxicações acidentais acometem crianças na faixa etária entre
0 e 4 anos, sendo os meninos a maioria. Crianças sofrem
conseqüências mais graves quando expostas ao veneno, pois
elas são menores, têm metabolismo rápido e seus organismos
são menos capazes de lidar com toxinas químicas(5).
Medicamentos, produtos químicos industriais e os de
higiene doméstica são os maiores responsáveis por intoxicações
devido ao uso popular, já enraizado no Brasil, de vasilhames de
refrigerantes para acondicionamento de material de limpeza , e
com auto-medicação familiar, ficando estes medicamentos ao
alcance do manuseio pelas crianças(21).
As intoxicações medicamentosas são causadas em sua
maioria por analgésicos e antitérmicos, seguidas por
psicotrópicos (antidepressivos e benzodiazepínicos). O
paracetamol, por exemplo, é o medicamento que tem ocasionado
maior número de intoxicações(21).Além dos medicamentos,
também constituem típicos exemplos as intoxicações com
querosene, inseticidas e pesticidas (chumbinho utilizado como
veneno de rato), produtos de limpeza e plantas. Ao montar um
jardim, as pessoas devem estar atentas às espécies de plantas
venenosas que podem causar acidentes às crianças, dentre as
quais destacam-se: espirradeira, comigo-ninguém-pode,
graveto-do-diabo, copo-de-leite, café-de-salão, castanheira-daíndia, acônito, narciso.
Monóxido de carbono (CO) também pode ocasionar
intoxicações com morte, geralmente devido a inalação em fornos
de carvão, aquecedores de água em banheiros, ou fogão a gás
Em regiões que tem tradição de festejar com fogos de artifício as
festas juninas, o envenenamento com morte por ingestão do
Cloreto de Potássio contido nos fogos é uma possibilidade,
devendo-se evitar a manipulação e o acesso das crianças a estes
conteúdos (2). Diante da possibilidade da criança ter ingerido
substâncias tóxicas, a primeira atitude a ser adotada pelos
responsáveis é entrar em contato, por telefone, com centro de
assistência toxicológica para receberem orientação; por isto, o
número do centro deve estar sempre disponível, perto do
telefone.
No Quadro 4 indicam-se medidas de prevenção das
intoxicações., e no Anexo I encontram-se os Centros de
Informação Toxicológica de todo o Brasil.
Cortes e lacerações
Cortes e lacerações podem ser conseqüências de quedas e
do manuseio inadequado de objetos potencialmente perigosos
para adultos e crianças. No ambiente doméstico, a cozinha se
afigura como o local onde há a maior concentração de fatores de
risco de acidentes. Objetos pontiagudos ou cortantes como
garfos, facas, objetos de vidro ou louça que podem quebrar,
como copos e pratos, equipamentos de limpeza danificados como
vassouras com cabos trincados e quebrados podem ocasionar
acidentes perfurantes ou lácero-contusos. No ambiente rural,
crianças são precocemente colocadas para realizar tarefas, como
raspagem de mandioca, sem que tenham o desenvolvimento
psicomotor necessário para o manuseio de uma faca.
Dentre as medidas de prevenção, destacam-se as contidas no
Quadro 5.
Afogamento
O afogamento pode ocorrer em locais como lagoas, rios,
represas, mares, ou num simples balde de água ou banheira
plástica(13).Entre as crianças menores de 1 ano de idade, os
afogamentos são geralmente por descuido dos responsáveis.
Diferentemente dos adultos, as partes mais pesadas do corpo
da criança pequena são a cabeça os membros superiores. Por
isso elas perdem facilmente o equilíbrio ao se inclinarem para
frente e conseqüentemente podem se afogar em baldes ou
privadas (5).
Na faixa etária de 1 a 3 anos a maioria absoluta (90%) das
mortes por afogamento acontece em piscinas residenciais; a
maioria das crianças que se afogam são menores de 5 anos,
sendo que mais da metade dessas mortes ocorrem em piscinas
particulares(17).
O afogamento durante o banho de banheira ou bacia é rápido
e silencioso. Qualquer descuido pode causar um acidente. Por
exemplo, ao deixar a criança na banheira ou bacia para pegar
uma toalha, cerca de 10 segundos são suficientes para que a
criança fique submersa; se o motivo for um telefonema, apenas
2 minutos são suficientes para que a criança submersa na
banheira ou bacia perca a consciência. Outra situação é sair
para atender a porta : a criança submersa na banheira, na bacia,
no balde ou na piscina entre 4 a 6 minutos pode ficar com danos
permanentes no cérebro(5).
Vale ressaltar a ocorrência de óbitos por afogamento em
baldes e tanques(13), pois crianças pequenas podem se afogar
em apenas 2,5 centímetros de água. Portanto, baldes e bacias
devem ser mantidos virados para baixo e fora do alcance das
crianças, as caixas d’água devem ser mantidas fechadas, as
banheiras devem ser supervisionadas no momento do banho e
as piscinas cercadas e cobertas com rêde. Ao utilizar piscinas,
as crianças devem ser assistidas todo o tempo por um adulto.
Dados do Ministério da Saúde (DATASUS) mostram que em
2003, foram notificados 88 afogamentos decorrentes de quedas
ou submersão em piscinas, sendo que 51 desses afogamentos
aconteceram às crianças menores de 4 anos.(5) Estima-se que
entre 1 a 4 anos de idade 90% das mortes por afogamento
ocorrem em piscinas residenciais.(17) .
Para a prevenção de afogamentos algumas medidas foram
indicadas no Quadro 6.
Acidentes ofídicos
Os acidentes ofídicos são graves., predominando em
pacientes do sexo masculino, nos pés e pernas, seguindo-se
mãos e antebraços(12)..
Aproximadamente 90,5% destes acidentes são causados
por serpentes do gênero Bothrops (jararacas). Essas serpentes
possuem hábitos variados, podendo ser encontradas
penduradas em árvores, enterradas, entocadas, à beira dos rios
ou dentro d´água(12).
Medidas de prevenção dos acidentes ofídicos encontramse listadas no Quadro 7.
Escorpionismo
Os acidentes escorpiônicos são considerados graves,
principalmente nas crianças e, em especial, os causados pelos
Tityus serrulatus (escorpião amarelo), responsável por acidentes
de maior gravidade(12).. As picadas predominam nos membros
superiores (mãos e antebraços) e a grande maioria acontece no
meio rural, em ambiente dmiciliar; todavia, escorpiões já foram
encontrados em apartamentos de andares altos..
As medidas para prevenção dos acidentes escopiônicos são
apresentadas no Quadro 8.
Armas de fogo
Entre os 57 países pesquisados pela UNESCO, o Brasil ocupa
o segundo lugar em mortes por armas de fogo. De 1979 a 2003,
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Quadro 4. Medidas de prevenção das intoxicações
Os medicamentos sem utilidade e desnecessários devem ser descartados.
Os frascos de medicamentos devem ser fechados com a tampa de segurança após o uso
Nunca se deve falar com a criança que o medicamento é doce.
Substâncias tóxicas (álcool, querosene, gasolina, creolina, detergentes, desinfetantes, soda cáustica, inseticidas, raticidas,
formicidas, etc) devem ser mantidas em suas embalagens originais, e nunca devem ser guardadas em embalagens de
refrigerantes sem rótulos..
Verificar quais plantas dentro e ao redor da casa são venenosas, e removê-las ou deixá-las inacessíveis para crianças.
Fonte: Academia Americana de Pediatria
(16)
.
Quadro 5 – Medidas de prevenção para cortes e lacerações.
Facas, tesouras, chaves-de-fenda e outros objetos pérfuro-cortantes nunca devem ser dados às crianças. Manter tais
objetos em locais fechados onde a criança não tenha acesso.
Brinquedos devem ser grandes o bastante para não serem engolidos e resistentes para não quebrarem.
Utilizar para as crianças utensílios (copos, pratos, etc) inquebráveis.
Não usar latas semi-abertas como recipientes
Não puxar ou permitir que crianças puxem objetos de prateleiras ou lugares altos com as pontas dos dedos ou ganchos
improvisados.
Identificar e retirar pontas de pregos ou parafusos aparentes em camas, cadeiras, bancos, portas, etc.
Não fazer uso de objetos de vidro ou porcelana rachados, especialmente espelhos e vasos sanitários;
Não deixar máquinas de costura ao alcance das crianças;
Não permitir que crianças brinquem com ventilador, pois podem ter como conseqüência fratura, corte ou amputação de um
ou mais dedos.
Fonte: Criança Segura(5).
Quadro 6. Medidas de prevenção dos afogamentos.
Cisternas e fossas abertas sem proteção, constituem fatores de risco para quedas e afogamentos, devendo permanecer
tampadas.
Evitar deixar banheira, tanque ou tonel com água ao alcance de crianças
Nunca deixar a criança só na banheira, bacia ou banheiro;
Manter o vaso sanitário tampado e a porta do banheiro fechada
Cercar piscinas com grades e mantê-las sempre cobertas com capas ou redes de proteção quando não estiverem sendo
usadas.
Fonte: Criança Segura(5).
Quadro 7. Medidas de prevenção dos acidentes ofídicos.
Não manusear lixo acumulado, folhas secas e palhas, sem luvas de couro.
Nunca introduzir a mão em locais cujo interior não seja visível.
Tomar cuidado ao mexer em locais escuros, quentes e úmidos.
Ratos sinalizam a presença de cobras, devendo-se ter atenção à vista deles.
Deve-se tampar os buracos dos muros, paredes e portas.
Deve-se limpar a área em volta da casa, evitar acúmulo de entulho, lixo, madeiras, pedras, telhas e tijolos, que contribuem
para a presença de pequenos animais, que são alimentos para as cobras.
Fonte: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos(12).
Quadro 8. Medidas de prevenção dos acidentes escorpiônicos.
Conservar a área em volta da casa, e terrenos vizinhos limpos.
Aparar o mato e a grama freqüentemente. Evitar vegetações densas próximas a muros e paredes.
Examinar com cuidado as roupas e os calçados, e sacudi-los antes de usá-los. Evitar pendurar roupa em contato com as
paredes.
Tampar a soleira da porta e fechar as janelas ao entardecer. Colocar telas nos ralos do piso, das pias e tanques. Tampar os
buracos das paredes, do piso e de outros locais por onde os escorpiões possam entrar.
Não colocar camas e berços encostados na parede. Cobertores, lençóis e mosquiteiros não devem encostar no chão.
Cuidados com o lixo domiciliar: acondicioná-lo adequadamente em sacos plásticos, ou em recipientes fechados e tampados,
para evitar a exposição a insetos que são alimentos para escorpiões.
Preservar as aves de hábitos noturnos, galinhas, gansos, lagartos e sapos, porque combatem naturalmente os escorpiões.
Fonte: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos(12).
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FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
550 mil pessoas morreram no país, cerca de 100 vítimas por dia,
e boa parte delas são crianças(5).
O entendimento da conseqüência de suas ações e a distinção
entre armas reais e de brinquedo é difícil para crianças menores
de 8 anos. Crianças de três anos de idade são fortes o suficiente
para puxar o gatilho de muitos revólveres(5). Estas informações
são muito importantes para os pais e cuidadores de crianças
pois, freqüentemente não percebem a habilidade da criança em
obter acesso e disparar uma arma, ignoram sua possibilidade de
confundir objetos reais e de brinquedo, sua impossibilidade de
fazer bons julgamentos sobre segurar uma arma e
conseqüentemente, a impossibilidade de seguir as regras de
segurança(5).
Quase todos os tiros fatais não-intencionais em crianças
ocorrem em casa ou na vizinhança, sendo que a maioria dessas
mortes envolve armas guardadas carregadas e acessíveis às
mesmas(5).
Existe um denominador comum em todos os acidentes com armas
de fogo: o acesso a uma arma. A coisa mais importante que os
pais e os portadores de armas de fogo podem fazer para proteger
as crianças dos acidentes é eliminar a possibilidade de acesso à
arma.
Assim, alguns cuidados são essenciais: se há crianças em
casa, qualquer arma é um perigo em potencial; considere os
riscos; sempre guarde as armas de fogo descarregadas, travadas
e fora do alcance das crianças; guarde as munições em um lugar
separado e trancado; manter armas guardadas com chaves e
lacres de combinação escondidos em lugares separados(5).
PARTICIPAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NA
PREVENÇÃO DEACIDENTES
A consideração da “acidentalidade” tem sido discutida, pois
a grande maioria dos acidentes pode ser prevenida. A prevenção
consiste em antecipar os acontecimentos, evitando que algum
dano aconteça, mediante o exercício de cuidados físicos,
materiais, emocionais e sociais(21).A presença do adulto não
impede que o acidente aconteça, talvez por desconhecimento
de como evitá-lo, ou ainda por não estar realizando uma
supervisão direta(9).Portanto, instruções para as pessoas que
moram na mesma casa que uma criança sobre como prevenir e
lidar com os acidentes considerando as características das
distintas faixa etárias, é medida de baixo custo e grande impacto
na prevenção(10).
Para as crianças, a casa é o primeiro espaço ampliado,
constituindo um centro de aprendizagem sobre riscos. Em sua
exploração deste espaço, elas têm contato com novos ambientes
e perigos, tomando consciência sobre suas margens de
segurança por tentativa e erro. Qualquer descuido, por pequeno
que seja, nestas novas incursões e descobrimentos da criança,
pode ocasionar acidentes em locais supostamente seguros para
as mesmas. Os acidentes podem dever-se ao descuido, ao uso
inadequado de certos elementos que geralmente são usados
pelo adulto, porém ao alcance dos menores, e por falhas
relacionadas com o elemento em si mesmo(15). A atuação
preventiva requer a participação dos profissionais de saúde,
bem como de outras categorias que direta ou indiretamente lidam
com crianças e adolescentes, na elaboração e na atuação nos
programas de prevenção. O programa de prevenção deve
envolver também a família, as associações comunitárias e a
sociedade em geral(14).
Medidas simples podem ser bastante eficazes, como a
definição de fontes potenciais de perigo doméstico de acordo
com o desenvolvimento psicológico e motor das crianças; a
educação dos pais para observar riscos em volta; medidas de
segurança baseadas em regulamentações legais, e suporte
financeiro para que as famílias executem medidas que melhorem
a segurança no ambiente doméstico. Um trabalho de divulgação
de informações e conscientização da população sobre a
importância dos acidentes domésticos e o conhecimento dos
riscos desses acidentes ajudaria a reduzir significativamente o
número de fatalidades que acontecem dentro das próprias casas.
Desta forma, conhecer o perfil das ocorrências de acidentes em
uma área geográfica sob responsabilidade da equipe de saúde
da família, é fator decisivo na reorganização dos serviços de
saúde não só em nível hospitalar, mas inclusive, nos serviços
de atenção básica a saúde do município(14). A notificação
sistemática das ocorrências, o questionamento sobre ocorrência
de acidentes durante as visitas domiciliares e a continuada
anotação destes dados pode contribuir para delinear este perfil
de ocorrências e compor um sistema de informações sobre
acidentes e riscos de acidentes.
Uma segunda possibilidade é a identificação de fatores de
riscos de acidentes nas moradias da área geográfica, pelos
membros das equipes de saúde durante as visitas domiciliares.
Sabe-se que as ocorrências de acidentes são multiplicadas pela
existência de mais de cinco fatores de risco na casa(3). Por sua
vez, esta identificação casa a casa, deve ser seguida de
discussão com os moradores sobre os fatores e as formas
possíveis de atenuação ou anulação dos fatores de risco. Por
exemplo, não guardar querosene ou detergente em garrafas de
refrigerantes; evitar o acúmulo de lixo perto das casas; não deixar
cacos de vidro, latas com bordas proeminentes, pregos,
parafusos, lascas de madeira, dispersos nos arredores das
moradias e nas ruas (assegurar a coleta regular de lixo que deve
ser realizada pelos municípios é muito importante).
Uma terceira possibilidade é o esclarecimento aos pais ou
responsáveis sobre o estágio em que a criança se encontra e os
diversos perigos que são encontrados no ambiente
doméstico(21). As intervenções educativas feitas pelos pediatras
e membros das equipes do Programa de Saúde da Família,
fornecendo informações aos pais a fim de diminuir a taxa de
acidentes domésticos, têm demonstrado ser efetiva, tanto em
nível da taxa de acidentes como dos custos derivados de sua
atenção e possíveis seqüelas(15). Todavia, estas medidas não
podem estar dissociadas de ações públicas que tenham impacto
na determinação dos acidentes. Políticas governamentais que
garantam o acesso das crianças, notadamente menores de seis
anos, a creches, têm impacto positivo na diminuição destas
ocorrências, pois geralmente a supervisão das crianças e o
ambiente na creche podem proporcionar menores possibilidades
de acidentes que no ambiente doméstico.
O contexto do acidente inclui todos os níveis de prevenção,
tanto a primária, com programas educativos e medidas de
segurança; quanto a secundária, tratando eficazmente e
minimizando seqüelas físicas, emocionais e sociais, e por fim, a
terciária, reabilitando e reintegrando a criança e seus
componentes físicos e socioculturais no contexto familiar e na
sociedade(21).
CONCLUSÃO
Os dados de ocorrência de acidentes infantis com morte
devem constituir o Sistema de Informação sobre Mortalidade
(SIM) e ser utilizados em nível regional, municipal e local para o
planejamento, implementação, acompanhamento e avaliação das
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
ações e serviços de saúde. Todavia, o registro destas mortes
não é suficiente; é necessária a implantação de sistema de
identificação de fatores de riscos intra-domiciliares para a
ocorrência de acidentes infantis e na população geral , realização
de ações para a diminuição destes fatores de risco, estruturação
de ações educativas e de esclarecimento voltadas para as famílias
e para os profissionais de saúde.
A estruturação de programa de prevenção de acidentes
domésticos deve ser realizada, com ações desenvolvidas em
conjunto com as demais ações que compõem a vigilância à saúde.
Nesta perspectiva, a organização do trabalho preventivoeducativo, com o estabelecimento de prioridades (casas com
maior índice de aglomeração, e com maior número de fatores de
risco) e hierarquização das ações é fundamental. A busca ativa
de fatores de risco de acidentes dentro das moradias deve ser
incorporada como rotina pelas equipes se saúde da família. Os
agentes comunitários de saúde têm um papel importantíssimo
na realização destas ações de baixo custo.
A criação de Centros de Envenenamento de âmbito regional,
a divulgação de sua existência, a sua efetiva atuação como fonte
de informações para o público em geral e para os profissionais da
área de saúde também constitui necessidade. A capacitação dos
profissionais de saúde nos diversos níveis de assistência para
atendimento dos acidentes impõe-se na perspectiva da
implementação de ações que garantam a integralidade da atenção.
A atuação convergente e sinérgica da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária - ANVISA e do Conselho Nacional de AutoRegulamentação Publicitária - CONAR , em relação à embalagem
segura e a características químicas dos produtos, e em relação
ao conteúdo de propagandas que não incentivem a curiosidade
e o uso inadequado de produtos também podem assegurar uma
diminuição dos acidentes. Por exemplo, desinfetantes com
aromas de frutas podem aumentar o risco de ingestão deste
produto por crianças;. propagandas veiculadas pela televisão
que chamem atenção para características dos medicamentos
como sabor agradável também podem estimular a curiosidade e
a experimentação por crianças.
No âmbito das ações gerais, considerando que o Estado
deve assegurar os direitos de cidadania, o acesso a educação, a
emprego, a creches, a saneamento, a coleta regular de lixo,
incluem-se, pois as ações setoriais tem limites no seu impacto, e
a saúde e a doença são resultantes sociais.
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FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Anexo 1. Centros de referência para acidentes toxicológicos no Brasil.
.
Aracaju – Centro de Informações Toxicológicas
Anexo Hospital Governador João Alves Filho – Bairro Capucho CEP: 49.000-000 . Aracaju/Sergipe Fone/Fax: (79) 259.3645
Centro de Referência Nacional – Brasília – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
SEPN 515 Edifício Omega – Bloco B – 3º andar Brasília/DF. Telefone: (61) 448.1082/448.1099/448.1451
Belém – Centro de Informações Toxicológicas de Belém
Hospital Universitário João de Barros Barreto – Rua dos Mundurucus, 4487 – Bairro Guamá – CEP: 66.073.000 – Belém/PA Telefone:
(91) 249.6370 (tel. CIT)
Belo Horizonte – Serviço de Toxicologia de Minas Gerais
Hospital João XXIII – Avenida Professor Alfredo Balena, 400 1° andar – Stª Efigênia – CEP: 30.130-100 – Belo Horizonte/ MG.
Telefone: (31) 3239.9224/ 3239.9223 (Hospital) – (31) 3239-9308 / 3224-4000 (Tel. CIT)
Botucatu – Centro de Assistência Toxicológica de Botucatu
Instituto de Biociências – UNESP – Campos de Botucatu, Rubião Junior – Caixa Postal 510 – CEP: 18.618-000-Botucatu/SP
Telefone: (14) 3815-3048 / 3811-6017 / 3811-6034. Site: www.laser.com.br/ ceatox
Campina Grande – Centro de Assistência Toxicológica de Campina Grande
Hospital Universitário Alcides Carneiro – Rua Carlos Chagas s/nº - Bairro São José – CEP: 58.107-670 Campina Grande/PB Fone/Fax:
(83) 341-4534
Campinas – Centro de Controle de Intoxicações de Campinas
Cidade Universitária – Zeferino Vaz – Hospital das Clínicas – UNICAMP – CEP:13.083-970 – Campinas/SP Telefone: (19) 3788.7573
/ 3788.7290 (Tel. CIT)
Campo Grande – Centro de Informações Toxicológicas de Campo Grande
Av. Eng. Luthero Lopes, 36 – Aero Rancho – CEP: 79.084-180 – Campo Grande/MS. Telefone: (67) 386-8655 e 378-2558
Cuiabá – Centro de Informação Anti-Veneno de Mato Grosso
Hospital Municipal e Pronto Socorro de Cuiabá – Rua General Valle, 192 – Bairro Bandeirantes – CEP: 78.010-100 – Cuiabá / MT.
Telefone: (65) 617-1715 (Tel. CIT) . Fone/Fax: (65) 617-1700 (Tel. Hospital)
Curitiba – Centro de Informações Toxicológicas de Curitiba
H. de Clínicas – Rua General Carneiro, n°180 – Centro – CEP: 80.060-000 – Curitiba/PR. Telefone: (41) 264-8290 / 363-7820 –
Atendimentos: 0800 41 01 48
Florianópolis – Centro de Assistência Toxicológica de Santa Catarina
Universidade Federal de Santa Catarina – Hospital Universitário – Bairro Trindade – Caixa postal 5199 – CEP: 88.040-970 –
Florianópolis/SC. Telefone: (48) 331.9535 / 331.9173 (Tel. CIT) Atendimento: 0800 643 52 52
Fortaleza – Centro de Assistência Toxicológica de Fortaleza
Instituto Dr. José Frota – Rua Barão do Rio Branco,1816 – Centro – CEP: 60.016-061 – Fortaleza/CE Telefone: (85) 255.5050 / 255.5012
(Tel. CIT)
Goiânia – Centro de Informação Tóxico-farmacológicas de Goiás
Superintendência de Vigilância Sanitária – Av. Anhanguera, 519( – Setor coimbra CEP: 74.043-001 Goiania/GO. Telefone: (62)
201.4113 Fax: (62) 291-4350 Atendimento: 0800 646 43 50
João Pessoa – Centro de Assistência Toxicológica da Paraíba
Hospital Universitário Lauro Wanderley – Cidade universitária – Campus I CEP: 58.059-900 – João Pessoa/PB Telefone: (83)
216.7007 Site: www.ufpb.br / ceatox
Londrina – Centro de Controle de intoxicações de Londrina
Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná – Universidade estadual de Londrina – Av. Robert Kock, 60 – Vila Operaria –
Caixa Postal 1611, CEP: 86.038-440- Londrina/PR Telefone: (43) 3371.2244
Manaus – Centro de informação Toxicológica de Manaus
Hospital Universitário Getulio Vargas – Serviço de Farmácia do HUGV – Av. Apurinã, 4 – Praça 14- CEP: 69.020-170 – Manaus / AM
Fone/ Fax: (92) 622-1972
Maringá – Centro de Controle de Intoxicações de Maringá
Hospital Universitário Regional de Maringá – Av. Mandacaru, 1590 CEP: 87.080-000 - Maringá/PR Telefone: (44) 225.8484 R.227 (Tel.
Hospital)
Natal – Centro de Informação Toxicológica de Natal
Hospital Giselda Trigueiro – rua Cônego Montes, N°110 – Quintas CEP:59.035-000 – Natal/RN Telefone: (84) 232-7969 Fax: 232-7209
Niterói – Centro de Controle de Intoxicações de Niterói
Hospital Universitário Antonio Pedro – Avenida Marques do Paraná, 303 – Centro Prédio da emergência do HUAP – 4° andar CEP:
24.033-900 – Niterói/RJ. Telefone: (21) 2717.0521 / 2717-0148 – R. 4
Porto Alegre – Centro de Informações Toxicológicas do Rio Grande do Sul
Rua Domingos Crescêncio, 132 – 8ª andar – Santana – CEP: 90.650-090. Telefone: (51) 3217-1751 (Tel CIT) Atendimento: 0800780200
Site: www.cit.rs.gov.br
Presidente Prudente – Centro de Atendimento Toxicológico de Presidente Prudente
Hospital Estadual Odilon Antunes de Siqueira – Av. Coronel José Soares Marcondes, 3758 - Jardim Bongiovani CEP: 19.050-230 –
Presidente Prudente/SP. Telefone: (18) 229-1500 Site: www.unoeste.br/ceatox
Recife – Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco
Hospital da Restauração - 1º andar. Av agamenon magalhães s/n – Bairro Derby CEP: 52.010-040 Telefone: (81) 3421-5444 Ramal: 151
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
155
Ribeirão Preto – Centro de Controle de Intoxicações de Ribeirão Preto
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – Av. Bernardino de Campos, 1000 – Bairro Higienópolis
CEP: 14.015-130 – Ribeirão Preto/SP. Telefone: (16) 602-1000 (Tel Hospital) ; (16) 602-1190 (Tel CIT)
Rio de Janeiro Centro de Controle de Intoxicações do Rio de Janeiro
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Av. Brigadeiro Trompovski, s/n UFRJ – 8º andar, sala E- 01, Ilha do Fundão – Cidade
Universitária CEP: 21.941-590 – Rio de Janeiro/RJ Telefone: (21) 2573- 3244; (21)2290-3344 (Tel CIT)
FIOCRUZ
Av. Brasil, 4635 - Prédio Haity Moussatche – sala 218 CEP:21,045 – Rio de Janeiro/RJ. Telefone: (21) 3865-3246. Site: www.fiocruz.br/
sinitox?
São José do Rio Preto – Centro de Assistência Toxicológica de São José do Rio Preto
Fundação Faculdade Regional de Medicina (FUNFARME) – Av Brigadeiro Faria Lima, 5416 – Bairro São Pedro CEP: 15.090-000 –
São José do Rio Preto/SP. Telefone: (17) 210-5000 Ramal1380
São José dos Campos – Centro de Controle de Intoxicações de São José dos Campos
Hospital Municipal Dr. José de Carvalho Florence – Rua Saigiro Nakamura, 800 – Vila Industrial CEP: 12.220-280 – São José dos
Campos/SP. Telefone: (12) 3901-3400 Ramal: 3431/3449 (Tel Hospital)
Salvador – Centro de Informações Anti-Veneno da Bahia (CIAVE)
Hospital Geral Roberto Santos – Rua Direta do Saboeiro, Estrada velha do saboeiro, s/n Bairro Cabula CEP: 41150-000 Salvador/BA
Telefone (71)33873414 / 3387-4343; 0800 284 43 43 (Atendimento) Site: www.ciave.hpg.com.br
Santos – Centro de Controle de Intoxicações de Santos
Hospital Guilherme Álvaro – Rua Dr. Oswaldo Cruz, 197 sala 134 Bairro Boqueirão CEP:11.045-904 – Santos/SP Telefone: (13) 3222
2878
São Paulo – Centro de Controle de Intoxicações de São Paulo
Hospital Municipal Dr. Artur Ribeiro de saboya – Av. Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro, 860 Térreo 2 Bairro Jabaquara
CEP:04.330 – 020 São Paulo/SP. Telefone: (11) 5012-2399 (Tel CIT). (11)5012-5311 (Atendimento Médico) 0800 771 37 33 (Atendimento)
Taubaté – Centro de Controle de Intoxicações de Taubaté
Hospital Escola – Av. Granadeiro Guimarães, 270 Bairro Centro CEP: 12.020-130 – Taubaté/SP Telefone: (12) 232-6565
Vitória – Centro de Atendimento Toxicológico (Toxcen)
Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória – Alameda Mary Ubirajara, 205 – Santa Lúcia CEP: 29,055-120 – Vitória/ES Telefone: (27)
3137-2400 (27)3137-2406. 0800 283 99 04 (Atendimento)
Fonte: ANVISA.
156
III.5
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Maria do Socorro Heitz Fontoura
Adriana Reis Brandão Matutino
Carolina Candeias da Silva
Milena Cerqueira de Santana
Cristiana M. Nascimento-Carvalho
FATORES DE RISCO PARA AS DOENÇAS
RESPIRATÓRIAS EM CRIANÇAS
INTRODUÇÃO
Em condições de normalidade, o trato respiratório possui mecanismos de defesa
eficientes para a manutenção da integridade das vias aéreas, apesar da sua interface
direta com o meio ambiente e inalação contínua de diferentes partículas que
potencialmente podem lesar a mucosa respiratória .e favorecer a ocorrência de doenças.4
As crianças são particularmente vulneráveis a estes eventos devido a fatores individuais
de imaturidade, maior freqüência de infecções respiratórias virais nos primeiros anos de
vida e possibilidade de concomitância com fatores de risco que a expõem a maiores
complicações no curso das infecções respiratórias agudas (IRA)43. A grande maioria
dos quadros de doença respiratória aguda é de atenção em ambulatórios e serviços de
atenção primária. Apenas 10% requerem hospitalização e somente 3% podem necessitar
medidas mais intensivas em unidades de atenção secundária ou terciária5..
Neste capítulo, abordaremos os principais fatores de risco relacionados com as
doenças respiratórias em crianças, com a finalidade de contribuir para o planejamento
de ações de vigilância e atenção para identificação precoce das situações de risco.
Algumas medidas necessitam de atuação desde a fase pré-natal outras, fogem da
competência do profissional da área de saúde e exigem atuação política dos governos.
No entanto, medidas eficazes de cuidados à saúde podem ser implementadas a nível
de atenção primária visando identificar precocemente as crianças com maior risco de
adoecimento, diagnosticar e tratar precocemente os casos de acordo com a gravidade,
diminuindo assim o índice de hospitalização e mortes. Cabe chamar atenção da
freqüente superposição destes fatores tornando difícil a aplicação de intervenções
isoladas.
Palavras-chaves:
Doenças respiratórias, Epidemiologia,
Desnutrição, Fumo, Asma, Fatores
socioeconômicos, Medidas
preventivas,
Pneumonia,
Amamentação, Fator de risco.
Importância do Problema
As doenças respiratórias são muito freqüentes na criança, podem acometer qualquer
segmento do aparelho respiratório, abrangem um amplo espectro de entidades clínicas
e apresentam distintos graus de gravidade a depender da idade, do estado imunitário da
criança, do agente etiológico envolvido, bem como da presença de outras patologias
associadas.
As afecções respiratórias podem ser de etiologia infecciosa (resfriado comum,
bronquites e pneumonias, por exemplo) ou alérgica (rinites alérgicas e asma são as mais
comuns). As infecções das vias aéreas superiores são autolimitadas e de evolução
benigna.23 As doenças que acometem o trato respiratório inferior têm caráter de maior
gravidade e, se não diagnosticadas e tratadas precocemente podem colocar em risco a
vida das crianças.3,23,48,49
As infecções respiratórias agudas (IRA), de uma maneira geral, representam uma
causa importante de morbidade em crianças e adultos em todo o mundo, nos diferentes
estratos sócio econômicos.6,25.Estudos longitudinais constataram a ocorrência de 4 a 8
episódios de IRA em crianças que moram nos centros urbanos e 1 a 3 episódios em zona
rural.6,35,40.A desigualdade consiste na ocorrência de complicações bacterianas como as
pneumonias muito mais freqüentes nos países menos desenvolvidos, onde o risco de
evolução para pneumonia após episódio de infecção respiratória aguda viral chega a ser
10 vezes maior.6,40 As IRA aparecem hoje como a principal causa de hospitalizações em
crianças menores de 5 anos no Brasil, esse dado é similar nos países em
desenvolvimento.Apesar de sua distribuição global, complicações referentes a essa
patologia estão muito associadas a fatores socioeconômicos.1,6,12,14.
Calcula-se que 1 de cada 30 a 50 episódios de IRA com tosse vão evoluir para
pneumonia e, sem tratamento adequado, 10 a 20% destes pacientes morrem.5
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Dados da Organização Mundial de Saúde apontam cerca de
10 milhões de mortes prematuras, nos paises em
desenvolvimento, as IRA contribuem com 25 a 30% delas.8 A
pneumonia é responsável por 80% das mortes por IRA e
contribui com cerca de 40 a 60% das hospitalizações refletindo
particularmente as precárias condições de vida e saúde a que
estão submetidas uma grande parcela da população infantil
nestas regiões620,21,28,29
Os vírus são os principais agentes infecciosos das doenças
respiratórias na criança. As bactérias podem ocorrer como agente
primário ou secundário após infecção viral. As crianças de maior
risco encontram-se nas famílias de classe econômica menos
favorecidas, expostas a muitos fatores de risco, submetidas a
piores condições de moradia e alimentação, com menor acesso
aos serviços saúde e educação e maior risco de agravamento
das doenças, hospitalização e morte.11,12,14,23,25,29,36.
No início da década de 80, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) reconheceu as infecções respiratórias agudas como
problema de Saúde Pública, especialmente nos países em
desenvolvimento. Protocolos padronizados segundo a
gravidade do caso e grau de complexidade do serviço de saúde
vêm sendo aplicada nas regiões identificadas com o problema,
para diagnóstico precoce e tratamento das IRA.6,9. Outras
medidas foram agregadas para manejo dos principais agravos
à saúde da criança num conjunto de ações denominado:
Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI)
com boa aplicabilidade nos serviços de atenção primária,
podendo ser desenvolvidos por toda a equipe de profissionais
de saúde. Estas medidas vêm apresentando impacto na
redução da mortalidade por infecção respiratória aguda e
conseqüentemente nos índices de mortalidade infantil de uma
maneira geral.6,8,41. .
O controle das infecções respiratórias agudas é complexo,
exige atuação conjunta de todos os profissionais de saúde e
ações que extrapolam a prática de saúde, como por exemplo:
melhor estruturação da rede básica de saúde, saneamento,
educação, melhoria da qualidade do ar e de vida, a partir de
políticas econômicas e sociais que beneficiem a todos. 6,50
A asma é a doença crônica mais comum na infância, sendo a
tuberculose altamente prevalente.
Fatores relacionados com complicações no curso das IRA, nas
crianças
• Idade inferior a 5 anos (principalmente os menores de 1
ano).
•· Portadoras de viroses respiratórias.
• Baixo peso ao nascer
• Expostas ao tabagismo em ambiente doméstico.
• De famílias de baixo nível socioeconômico
• De famílias com baixo nível de instrução
• Crianças sem cobertura vacinal ou com cobertura vacinal
incompleta
• Crianças institucionalizadas (creches, orfanatos) ou
hospitalizadas muito tempo
• Residentes em casas densamente povoadas, mal ventiladas
e sem infra-estrutura sanitária
• Sem aleitamento materno ou desmamadas precocemente.
• Desnutridas ou portadoras de outras doenças que
comprometem os mecanismos de defesa respiratória ou
sistêmica: alergia respiratória, sarampo, hemoglobinopatias,
imunodeficiências congênitas ou adquiridas, fibrose cística,
refluxo gastro-esofágico, cardiopatias, neuropatias,
bronquiectasias, etc.
157
• Em uso de medicamentos que alteram os mecanismos de
defesa respiratórios ou sistêmicos, como: corticosteróide
em curso por longa duração, citostáticos e antibióticos de
amplo espectro e por tempo prolongado
• Crianças acidentadas, com alteração dos mecanismos de
defesa respiratórios: afogamentos, aspiração de corpo
estranho, traumas torácicos, ingestão de hidrocarbonetos.
FATORES DE RISCO NUTRICIONAIS
A desnutrição é a doença nutricional mais prevalente no
nosso meio bem como na maioria dos países em desenvolvimento.
As deficiências nutricionais afetam padrão de crescimento das
crianças e as expõem a maior risco de adoecimento e de
complicações no curso das enfermidades. As crianças
desnutridas apresentam maior número de infecções respiratórias,
duração mais prolongada dos episódios e maior possibilidade
de evolução para pneumonia. 8,10,11,29,36,37,40,46 Estudos
observacionais no mundo em desenvolvimento, avaliando a
importância de micro nutrientes específicos, têm indicado que,
além da desnutrição global, deficiências específicas de vitamina
A e de Zinco são fatores relacionados à pior evolução das
infecções respiratórias, embora isso ainda necessite de maiores
estudos.50O controle do crescimento e desenvolvimento das
crianças é o melhor mecanismo para manter a vigilância sobre o
estado nutricional.Os programas de suplementação de vitamina
A devem ser dirigidos a populações com carência do micro
nutriente pelo risco de complicações do uso de doses
excessivas.
A falta de aleitamento materno, baixo peso ao nascer e
desnutrição são os principais fatores nutricionais de risco para
infecções respiratórias agudas (IRA). Estes, interagem uns sobre
os outros.36,37,38,50
Falta de aleitamento materno
A amamentação exerce um papel relevante na proteção de
recém-nascidos e crianças contra infecções de uma maneira geral.
A OMS recomenda a amamentação exclusiva até os seis meses
de idade e introdução de alimentação complementar junto com
o leite materno até os dois anos , principalmente nos países em
desenvolvimento. Nestes, onde as condições ambientais e
socioeconômicas são precárias, a amamentação tem maior efeito
protetor que nos países desenvolvidos.1,37,49,52,53
Desde a década de 20 são apontados em vários estudos
epidemiológicos os benefícios do aleitamento materno na
proteção às doenças infecciosas, sendo o efeito protetor do
leite humano transferido por anticorpos maternos contra
patógenos ambientais, bem como por outras substancias como
a lisozima e a lactoferrina.2,38,50,54 Muitos estudos tem se ocupado
em demonstrar a relevância do aleitamento materno nas doenças
respiratórias da criança. Victora,1999 apontou que a criança
não amamentada tem 3,6 vezes mais chances de morrer por
pneumonia, do que aquela que foi amamentada49 .Oddy et al.,
2003 descreveu que um aumento em 40% nas taxas de
amamentação pode reduzir em até 50% as mortes causadas por
infecções respiratórias em crianças com menos de 18 meses de
idade. Broor et al., 2001 considerou a falta do aleitamento
materno, nos primeiros quatro meses de vida do bebê, fator de
risco independente para infecções respiratórias agudas baixas.11
O tempo de amamentação varia muito entre os diversos
países. Alguns fatores são relacionados a maior duração do
aleitamento: maior renda familiar, maior peso de nascimento,
número apropriado de consultas de puericultura, experiência
158
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
prévia de amamentação e intervalo de tempo entre as
mamadas.2,27,53 Estes dados apontam para uma significativa
parcela da população, advinda de classes sociais menos
favorecidas, contendo variados fatores de risco para doenças
infecciosas, que não se beneficiam portanto, do efeito protetor
do leite materno. Fatores socioeconômicos influenciam na
adesão á prática do aleitamento materno. Quanto maior a
escolaridade materna, maior importância é atribuída à
amamentação e do seu papel no desenvolvimento físico e
intelectual da criança..A promoção, proteção e apoio às práticas
de aleitamento materno são atividades essenciais dos sistemas
de saúde para preservar este recurso natural,contribuindo com
a possibilidade de uma geração de crianças mais saudáveis O
ato de amamentar não é puramente instintivo O estímulo e a
educação materna durante o pré natal, o acompanhamento das
crianças em serviços de puericultura desde o nascimento tem
demonstrado impacto na melhoria nas taxas de amamentação.
50,53.
Baixo peso ao nascer
O baixo peso ao nascer é considerado marcador de risco
para a morbimortalidade por doenças respiratórias. A literatura
estima que a chance de morrer por IRA no primeiro ano de vida
é quatro vezes maior nas crianças com peso menor que
2500grs.1,45,49. . Em um estudo de caso controle avaliando óbitos
por pneumonia em Fortaleza, crianças que nasceram com menos
de 2000g tiveram um risco relativo de 3,2 vezes quando
comparadas com bebês de peso normal ao nascimento.50 Nos
países desenvolvidos, o baixo peso está relacionado a
nascimentos prematuros (menos de 37 semanas de gestação).
As crianças prematuras são mais vulneráveis a ocorrência de
doença respiratória sibilante nos primeiros anos de vida. Vários
mecanismos já foram indicados para explicar a associação entre
a asma e o baixo peso ao nascer, como: déficit na função
pulmonar, imaturidade imunológica associada à exposição
precoce a aeroalérgenos, pulmões com dimensões reduzidas,
hiperreatividade brônquica e a maior chance de ocorrer infecções
virais em crianças de baixo peso.15,49,50 Alguns estudos revelam
associação entre o baixo peso ao nascer e asma. Essa associação
parece ser predominante até os 5 anos de idade.15 A maioria dos
estudos que comparam crianças com baixo peso ao nascer
(<2500g) e com muito baixo peso ao nascer (<1500g) revelam
que as últimas, têm quase duas vezes mais chances de
desenvolver asma.15
Estima-se que 19% dos bebês nascem abaixo do peso
(<2500g) nos países menos desenvolvidos, nestas regiões, baixo
peso ao nascer está associado a desnutrição intra-uterina, são
os considerados pequenos para a idade gestacional (PIG).49 Os
lactentes PIG são mais relevantes, pois representam a maioria
dos bebês com baixo peso ao nascer, nos países em
desenvolvimento.50 Estes bebês, na maioria das vezes vêm de
famílias pobres, têm curto período de aleitamento materno, não
superam as agressões externas e constituem grupo de risco
para adoecer e morrer em idade precoce por causa infecciosa.50,51,55
A prematuridade e o baixo peso ao nascer parecem exercer
influências diversas em relação à função pulmonar e a asma.15,50..
Achados que associam lactentes PIG com o déficit na função
pulmonar mostram a importância da nutrição intra-uterina para
o desenvolvimento pós-natal das vias aéreas e
consequentemente para função pulmonar.
Desnutrição
A desnutrição resulta, principalmente, de uma ingestão
insuficiente de calorias e nutrientes. É um problema global, afeta
uma em cada quatro crianças no mundo39. Está associada à
maior morbidade e mortalidade infantil de uma maneira
geral..Representa um risco de 53% para a mortalidade por
pneumonia entre crianças menores de 5 anos. 8,34,46,50 Em
Salvador-Ba, Nascimento-Carvalho conclui que fatores
intrínsecos de idade,desnutrição e associação com doenças
crônicas foram fatores de risco independentes associados à
hospitalização e morte.
A desnutrição predispõe a deficiência imunológica, afeta
mecanismos de defesa antígenos-específicos e não
específicos,com prejuízo particularmente da resposta imune
celular.Há redução na secreção de imunoglobulina A, importante
fator de proteção das vias aéreas. Esta situação, relaciona-se á
maior suscetibilidade das crianças desnutridas às infecções
graves.8,46,51,50,46 Os riscos da desnutrição em relação ao trato
respiratório não se restringem a debilitação do sistema imune. A
redução da massa celular corporal , com comprometimento da
força muscular dos músculos respiratórios nos desnutridos os
expõem a maior possibilidade de fadiga muscular e predisposição
a insuficiência respiratória aguda.34.
Em países em desenvolvimento, crianças abaixo do peso
para a idade têm grandes chances de estarem desnutridas.51
Indicadores antropométricos são usados como definidores do
estado de nutrição. O mais usado nos diversos estudos sobre o
tema é o de peso/idade. Como valores de referência para a
desnutrição recomenda-se o uso de pontuações do desvio
padrão (pontuações Z).50,51Considera-se a desnutrição em
estágio de moderado a severo quando a pontuação Z está abaixo
de -2 .Em estudo de caso controle no Brasil, crianças com
pontuação Z abaixo de -2 têm 4,6 mais chances de adquirir
pneumonia, em relação a crianças com pontuação Z maior que
zero.50
FATORES SOCIOECONÔMICOS
Os fatores socioeconômicos são fatores de risco de extrema
relevância para o desenvolvimento e agravamento das doenças
respiratórias. Diversos estudos têm demonstrado que a
morbimortalidade é substancialmente mais elevada entre crianças
de classe social baixa ou de menor poder aquisitivo, estabelecendo
uma relação inversa entre doença e renda familiar.7,51Victora e col.
num estudo longitudinal realizado em Pelotas na década de 80
demonstrou que a taxa de hospitalização por infecção respiratória
aguda nos primeiros anos de vida foi cinco vezes maior nas
crianças de famílias com renda familiar de até um salário mínimo.51
A desiqualdade diante da morte por doença respiratória na
população infantil também foi apontada por Guimarães em 1984,
que encontrou um risco de morte por pneumonia de 6,4 vezes
maior nas crianças residentes em favelas.24
Fontoura, 1991, destaca pneumonia como a maior causa de
óbito por infecção respiratória aguda nos menores de cinco
anos em Salvador. Os índices de maior mortalidade foram
concentrados nas regiões menos previlegiadas da cidade.Neste
mesmo estudo, foi encontrado um percentual de mortes domiciliar
por pneumonia de 33%. Este achado foi também descrito por
Benguigui no Pará e Chatkins no Rio Grande do Sul.21César et al
num estudo de coorte com 5304 crianças menores de 5 anos, em
1993 concluiu que a classe social e a escolaridade materna
foram os principais determinantes de hospitalização por
pneumonia .As crianças de famílias com renda menor que 1
salário mínimo apresentaram risco de 1,5 a 3 vezes maior de
hospitalização, enquanto as de maior renda apresentaram risco
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
20 vezes menor.14 Benício et al,2000 observou maior prevalência
de doença respiratória baixa em crianças de famílias de baixa
renda.7.
Outros determinantes de risco da doença respiratória
relacionados com o nível sócio econômico foram também
relevantes em vários estudos: A baixa escolaridade materna, por
exemplo, foi citada em estudos realizados no Brasil, os quais
demonstraram haver uma maior incidência de hospitalização e
mortalidade entre crianças cujas mães possuíam dois anos ou
menos de escolaridade, enquanto as crianças de mães com oito
anos ou mais estavam sendo menos frequentemente
vitimadas.54Multiparidade e ganho ponderal na gestação foram
condições também relacionadas a maior risco de
hospitalização.14
O nível de educação dos pais é um outro fator de risco
socioeconômico de relevância e que tem uma considerável
influência nas manifestações das IRA. Filhos de mães
adolescentes também adoeceram ou morreram por pneumonia
com maior freqüência devido à inexperiência e dificuldade no
manejo dos casos graves pelos pais.7
FATORES DE RISCO AMBIENTAIS.
Os impacto da poluição ambiental sobre os pulmões é difícil
de ser avaliada em razão das muitas variáveis envolvidas.As
condições do ambiente doméstico associadas à poluição
atmosférica, tais como umidade, ventos, temperatura, a
diversidade das partículas aéreas em suspensão podem ser
fatores associados a que as crianças estão expostas ,facilitando
o desenvolvimento e piorando a evolução das doenças
respiratórias.45.
Sabe-se que as diversas variáveis climáticas, como
temperatura, umidade relativa do ar e fenômenos climáticos, como
as ondas de calor e a inversão térmica, possuem estreita relação
com a prevalência e a gravidade das IRA.19
A exposição ao frio sempre esteve relacionada ao
desenvolvimento de infecções respiratórias, o que fica
evidenciado pelo aumento da mortalidade por pneumonia
durante o inverno.51 Isto é causado pela diminuição da qualidade
do ar, devido às mudanças climáticas bruscas, principalmente
pela retenção das partículas de poluição por massas de ar frio.9
No entanto, a relação entre as baixas temperaturas e as IRAs
não está totalmente esclarecida. Nas infecções virais, por
exemplo, não foi observado maior frequência no
desenvolvimento de infecções respiratórias virais entre os
indivíduos expostos ao frio e à umidade e aqueles expostos a
um ambiente seco e quente.51
Os fatores climáticos têm relevância maior na freqüência do
que na gravidade das Iras .No que diz respeito a gravidade os
fatores mais relevantes sâo o hospedeiro e o meio ambiente.51
O confinamento em moradias pequenas e mal ventiladas ,grande
número de pessoas vivendo no mesmo ambiente, é um problema
constante em países em desenvolvimento, principalmente em
áreas urbanas, nas quais a desigual distribuição de renda é mais
significativa, facilitando a formação de aglomerados
populacionais.12 Estes fatores, favorecem as infecções virais
ou desencadeamento de hiperreatividade das vias aéreas criando
condições locais que predispõem a complicações bacterianas,
inclusive pneumonias.
Estudos realizados no Brasil, mostram que a presença no
domicílio de 3 ou mais crianças < 5 anos ou a presença de uma
pessoa a mais dividindo o dormitório está associado com maior
taxa de hospitalização por doença respiratória.12,51
159
Cardoso et al. avaliando os fatores de risco intra domiciliares
por doença respiratória infantil na cidade de São Paulo observou
que variações extremas de temperatura e a presença de fungos
ou ácaros no dormitório da criança aumentam significativamente
a incidência de doença respiratória sibilante e de infecções das
vias aéreas inferiores.12
A who guide line recomenda a distribuição de 12 m2 de espaço
por pessoa no domicílio..A utilização de espaços menores bem
como outros adultos dividindo o dormitório com a criança são
fatores que propiciam a ocorrência de doenças
respiratórias.13..Por outro lado a aglomeração tem sido sugerida
como fator protetor para o desenvolvimento de asma na idade
adulta12
A freqüência a creches apresenta uma associação positiva
com a ocorrência de doença respiratória. Victora,1994, Fonseca
1996, Benício, 2000. referem um risco aumentado para doença
respiratória em 10,5,22 e 2,5, vezes, quando a criança freqüenta
creche.7,20,51
Este risco é maior no primeiro ano de vida . Tem sido verificado
que a criança de creche apresenta mais precocemente
colonização naso faríngea por bactéria patogênica.56
Foi demonstrado que há elevação progressiva da prevalência
de IRA, para as crianças em idade pré-escolar, quando o período
de estadia na creche aumenta, esta relação, no entanto mostrouse independente da exposição a outros fatores de risco.
Holberg aponta maior risco quando as crianças são cuidadas
fora do domicílio nos primeiros três meses de vida e que entre 4
meses e 3 anos o risco de complicações por doença respiratória
aumenta na presença de 3 ou mais crianças,não importando o
lugar.26.
Poluição atmosférica
A associação entre os níveis aumentados de poluição
atmosférica e a ocorrência de doenças respiratórias,
principalmente em crianças, estimulou o desenvolvimento de
diversos estudos. Mecanismos potenciais através dos quais os
poluentes, como o dióxido sulfúrico, o monóxido de carbono, o
dióxido de nitrogênio e o ozônio, aumentam a susceptibilidade
de infecção viral incluem: rompimento da barreira muco ciliar,
comprometimento das células imunitárias ou liberação de
mediadores da inflamação.30 Estudos realizados no Equador,
apontam que crianças com níveis de carboxihemoglobina (COHb)
acima do considerado seguro (2,5%) são 3,25 vezes mais
propensas ao desenvolvimento de IRA.19 . Outras pesquisas
avaliaram os níveis de poluentes em ambientes fechados,
concluindo que estes aumentam o risco de alergias, desordens
respiratórias agudas e crônicas e comprometimento da função
pulmonar. Estimativas mostram que 1,5 a 2 milhões de mortes
por ano, em todo o mundo, podem ser atribuídas a este tipo de
poluição, sendo que 1 milhão destes mortos são crianças de até
cinco anos de idade.53Em países em desenvolvimento, onde o
custo e a disponibilidade limitam o acesso à eletricidade e aos
combustíveis, a poluição nos domicílios é agravada pelo uso de
combustíveis orgânicos, como madeira e resíduos humanos e
agrícolas.
Fumo
A fumaça do cigarro é o principal poluente doméstico e
possui quantidades significativas de monóxido de carbono,
amoníaco, nicotina, cianureto de hidrogênio, além de diversas
partículas e carcinógenos.45. Qualquer exposição ao fumo
passivo aumenta a probabilidade de apresentação de tosse
noturna, estridor e infecções respiratórias durante os dois
160
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
primeiros anos de vida. 22 Nas áreas urbanas, as taxas de
exposição das crianças ao fumo passivo representam 38% a
40%. A incidência de infecções respiratórias em crianças com
pais fumantes está entre 1,2 e 1,6, sendo estes números maiores
para as crianças em idade pré-escolar do que para aquelas em
idade escolar.16 A incidência também é maior entre as crianças
de mãe fumante do que aquelas de pai fumante, no entanto o
fumo paterno também apresenta importância estatística nas
infecções respiratórias infantis. A associação entre o fumo
materno e as doenças respiratórias está provavelmente mais
relacionada à exposição pós-natal que à exposição pré-natal
(intra-uterina). 16 A exposição durante a gravidez está
provavelmente relacionada com alterações no controle da
respiração e desenvolvimento e crescimento das vias aéreas e a
exposição pós-natal com diminuição do calibre das vias aéreas
compatível com inflamação e edema da parede respiratória.17,44
Pais fumantes aumentam a prevalência de asma e sintomas
respiratórios entre as crianças em idade escolar e as que possuem
asma já estabelecida apresentam um quadro mais severo da
doença.15,16
Conclue-se portanto que mudanças positivas em variáveis
sócioeconômicas bem como
nas relacionadas à condição de salubridade das moradias
refletiria positivamente na morbimortalidade por doença
respiratória nas crianças
MEDIDAS PREVENTIVAS
O controle das doenças respiratórias deve fazer parte de um
conjunto de ações contempladas na estratégia AIDPI, como por
exemplo: planejamento familiar, efetividade do pré natal, promoção
do alojamento conjunto e do aleitamento materno, as imunizações,
a TRO, o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento
de práticas de educação em saúde,dentre outras.
Em uma escala mais abrangente, os órgãos de gestão de
saúde devem buscar informações epidemiológicas que
direcionem as prioridades nas intervenções de saúde pública,
formulando um planejamento eficaz de acordo com as
necessidades da população.8 As medidas ,como: vacinação,
programas educativos, e ações de atenção primária parecem ser
as mais adequadas para os países em desenvolvimento.
A vacinação constitui uma das principais medidas na
prevenção de doenças respiratórias. As vacinas do calendário
de imunizações de rotina são importantes na prevenção de
doenças respiratórias, e especialmente contra tuberculose,
difteria, coqueluche e sarampo. A imunização contra o
Haemophilus influenzae, por exemplo, tem elevada eficácia. A
vacina contra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib), adotada
no Brasil desde 1999, tem mostrado impacto na redução das
doenças invasivas causadas por este agente, tais como: como
meningite, bacteremia e epiglotite18. Em um estudo com crianças
no Chile, demonstrou-se que a vacinação reduziu os casos de
pneumonia onde não houve bacteremia em cinco vezes.18
Outras vacinas devem ser disponibilizadas em larga escala
como a heptavalente contra o Streptococus pneumoniae para
população menor de 5 anos pelo seu valor na proteção das
doenças invasivas estreptocócicas.
A vacinação contra o vírus influenzae tem sido indicada
para crianças institucionalizadas, falcêmicas, portadoras de
pneumopatias e cardiopatias crônicas.19.
Um programa de imunização efetivo tem impacto importante
na redução das doenças imunopreveníveis, o que não está
claro é se este seria capaz de reduzir a freqüência global das
pneumonias nas crianças, num país em que o fator de risco mais
importante para as pneumonias é a desnutrição. Além do apoio
ao estudo e aplicações de programas de imunização, outras
medidas preventivas em relação às doenças respiratórias podem
ser tomadas. Programas voltados à saúde da criança devem ser
estimulados, especialmente os referentes a atenção pré e
perinatal. Sugere-se atenção especial à saúde de crianças
nascidas com baixo peso e a assistência a criança com IRA,
incluindo educação em saúde da população para o
reconhecimento dos sinais de gravidade e capacitação de
recursos humanos no manejo adequado desse grupo de
doenças. E também, melhoria da cobertura e qualidade na atenção
ambulatorial, visando à redução da taxa de hospitalização e,
assim, seus efeitos deletérios sobre a criança e sua família.
Programas educativos com alvo nas famílias de baixa-renda
deveriam estar entre essas medidas, uma vez que ter uma renda
familiar menor que cinqüenta dólares/mês já foi apontado como
fator de risco associado à pneumonia.46 É óbvio que importantes
fatores socioeconômicos que predispõe as IRA, como:
aglomeração de pessoas, excesso de umidade na residência,
baixa escolaridade dos pais acabam fora do alcance dos
profissionais de saúde.12,50 Mas cabe a estes alertar a população
para os riscos a que são submetidos e identificar rapidamente
sinais de doenças respiratórias nas crianças, como: tosse, sibilo,
tiragem subcostal e taquipnéia, para que o paciente possa ser
encaminhado a um tratamento adequado. Ao adotar medidas
preventivas um alto custo com tratamento pode ser evitado.
O fumo também está diretamente relacionado à morbidade
respiratória de crianças menores de cinco anos, e isso não pode
ser ignorado. O risco como fumante passivo é enorme ainda
mais na faixa etária pediátrica. Campanhas contra o tabaco que
visem à conscientização das famílias devem ser apoiadas pelo
setor de saúde. Principalmente para evitar que as mães fumem
na presença de seus filhos, pois o contato materno é maior.
Estratégias devem ser montadas de acordo com a realidade das
pessoas onde será feito o trabalho de prevenção, enfocando
aspectos em que essa população seja mais carente.
Prevenir a desnutrição e a falta de aleitamento materno
também é importante, não só para o controle das doenças
respiratórias como para diversas infecções. E cuidados prénatais adequados podem reverter o quadro de baixo peso ao
nascimento, fator de risco que parece estar associado com a
pneumonia e com a asma. Assim deve-se prestar uma assistência
pré-natal apropriada, orientar a mãe quanto à amamentação do
bebê e quanto à alimentação complementar durante a infância e
monitorar o crescimento da criança. O conhecimento dos
profissionais de saúde sobre a amamentação é vital para que se
desenvolva um trabalho educativo com as mães. Assim esses
profissionais devem sempre estar se atualizando sobre esse e
outros assuntos relacionados.
É preciso investigar e dar maior atenção às crianças que são
submetidas a vários fatores de risco simultaneamente. Pois a
maioria das intervenções são simples e podem evitar maiores
custos com o tratamento de infecções respiratórias. A prevenção
exige conhecimento dos profissionais de saúde e sensibilidade
para tomar as medidas necessárias.
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III.6
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
PROFILAXIA DAS HEPATITES VIRAIS
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
163
André Vila Serra
Camila Nemi
Maria Clara Mansur
Monique Simões
INTRODUÇÃO
As hepatites virais representam um significativo problema de saúde pública mundial
e com elevada prevalência na população brasileira. Sua importância não se restringe à
ampla quantidade de indivíduos infectados, também abrange os tipos variados de
apresentação clínica e as conseqüências diversas das infecções a depender do tipo de
vírus, do tempo de diagnóstico e da resposta ao tratamento. Assim, o desenvolvimento
e a aplicação de medidas profiláticas devem ter grande destaque, objetivando a
organização efetiva da atenção primária à saúde e o controle da infecção.
Neste capítulo, será feita uma revisão dos vírus hepatotrópicos (A, B, C, D e E). Darse-á ênfase à descrição de estratégias preferenciais à prevenção dessas afecções,
considerando os modos de transmissão, a época de exposição (pré ou pós), os grupos
populacionais mais expostos e as formas de apresentação aguda ou crônica da doença.
Os últimos 50 anos foram de notáveis conquistas no que se refere à prevenção e ao
controle das hepatites virais. No Brasil, foi criado o programa de Hepatites Virais do
Ministério da Saúde para a identificação, prevenção e controle além de tratamento das
hepatites virais (B e C). Os mais significativos progressos foram na identificação e no
rastreamento dos indivíduos infectados e o surgimento de vacinas protetoras, usadas
universalmente nos países desenvolvidos e principalmente naqueles em fase de
desenvolvimento.
A prevenção primária das infecções pelos vírus A e B é realizada por meio da
imunização vacinal, além do controle daqueles pertencentes aos grupos mais expostos
ou de risco profissional. Em relação aos vírus da hepatite C são feitos também programas
de controle, principalmente para aqueles considerados como sujeitos a maior exposição,
através de educação continuada e permanente do Ministério da Saúde, com a finalidade
de reduzir a transmissão desses agentes.
HEPATITEA
Epidemiologia
A infecção pelo vírus da hepatite A (VHA) é universal e um problema de saúde em
todo o mundo. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de casos novos de hepatite A ocorram
a cada ano no mundo. É muito comum em áreas em que não há condições satisfatórias
de higiene e de saneamento básico. A prevalência e incidência da infecção pelo vírus da
hepatite A estão diretamente relacionadas às condições sócio-econômicas de cada região
no mundo. A infecção ocorre predominantemente em crianças e tipicamente cerca de
mais de 90% ocorre em países em desenvolvimento, sobretudo os países tropicais(35).
Nestas regiões de países em desenvolvimento, a maioria da população mostra positividade
para anticorpos contra o VHA, sendo maior a incidência da infecção na população
infantil. A exposição ao vírus antes dos 10 anos de idade é bastante elevada e a prevalência
entre adultos é de cerca de 100%(3). O coeficiente de incidência situa-se acima de 43
casos/ 100.000 habitantes/ano(27).
Uma revisão da literatura(6) sobre a prevalência de anti-VHA total em algumas cidades
brasileiras mostra padrões variáveis: elevada prevalência nas regiões Norte e CentroOeste, com padrão semelhante aos observados em regiões subdesenvolvidas; e
prevalência decrescente da região Sudeste para a região Sul, onde a prevalência na
primeira década, mesmo nas populações de mais baixa renda é menor do que a observada
na região Norte. Essas observações epidemiológicas sobre a hepatite A no Brasil têm
demonstrado que nas regiões mais desenvolvidas o número de crianças susceptíveis
está aumentando muito, não só nas classes mais privilegiadas, mas também nas classes
Palavras-chaves:
Hepatites virais, Prevenção,
Exposição, Transmissão,
Parenteral, Oro-fecal, Imunização,
Hepatite viral humana, Vacinas
contra hepatite viral.
164
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
menos favorecidas(6), fato decorrente das melhores condições
sanitárias existentes nessas regiões. Em um estudo recente em
escolares de três escolas de ensino fundamental, localizadas em
três bairros da cidade de Vila Velha (Espírito Santo), onde vivem
famílias de renda alta ou média, baixa e muito baixa, a prevalência
do anti-VHA total foi, aos 10 anos de idade, respectivamente
9%, 49,1% e 61,7%. Essa mudança no padrão epidemiológico da
hepatite A vem ocorrendo em várias outras regiões do mundo,
com aumento de adolescentes e adultos jovens susceptíveis,
com idade crescente, aumentando o número de casos da doença
nesse grupo etário, levantando a discussão da vacinação contra
a infecção nessas regiões, tendo em vista que a gravidade da
doença é maior em adultos(38, 6).
Outro estudo, realizado no Povoado de Cavunge (município
de Ipecaetá, Bahia), que dista 168 km de Salvador, capital do
Estado, mostrou uma prevalência de anticorpos anti-VHA em
83,3% da amostra estudada. As pessoas soropositivas foram
mais freqüentes entre os residentes na área urbana que na área
rural e aumentaram proporcionalmente com a idade, tendo as
segunda e terceira décadas de vida os maiores percentuais de
infecção. O significativo aumento da soroprevalência após os
10 anos de idade sugere que a poluição ambiental seja a maior
determinante dessa infecção, uma vez que é nessa faixa etária
que ocorre o maior número de contatos extradomiciliares. A área
rural apresenta maior precariedade das condições sanitárias e
mais baixos índices de desenvolvimento econômico. No entanto,
a soropositividade foi maior entre os residentes na zona urbana
do povoado, fazendo supor que, pela maior proximidade dos
domicílios na zona urbana e o maior acúmulo das deficiências
sanitárias, esses tenham sido os mecanismos facilitadores da
disseminação do VHA(3).
Transmissão e fatores de risco
A hepatite A é transmitida através da via fecal-oral por conta
da disseminação pessoa a pessoa ou através da contaminação
da água ou alimentos. O VHA (vírus da hepatite A) é excretado
nas fezes cerca de uma semana antes de começar os sintomas.
Raramente é transmitida via parenteral devido ao curto período
de viremia, embora já tenha sido detectado em usuários de
drogas(40). A transmissão via contato sexual é rara, porém, pode
ocorrer principalmente entre homossexuais masculinos(10), e
aqueles participantes de práticas sexuais oro-anais.
Podem aparecer surtos epidêmicos devido às características
da disseminação do vírus A, através de alimentos contaminados,
frutos do mar, alimentos crus, ostras cruas, manipulação de
alimentos por portadores do vírus, águas poluídas e
contaminadas. Podem aparecer surtos epidêmicos em creches,
orfanatos, instituições para deficientes mentais, acampamentos
infantis, e também em catástrofes naturais e guerras civis, devido,
principalmente, a uma elevada contaminação da água. A
transmissão em ambiente hospitalar e os profissionais na área
de saúde poderão adquirir o vírus, principalmente para aqueles
que trabalham na área de pediatria. Trabalhadores de
laboratórios que manipulam o fígado infectado pelo VHA correm
o risco de infecção. Portadores de doenças crônicas do fígado
ou distúrbios da coagulação sanguínea (e.g., hemofilia) também
fazem parte do grupo de maior exposição(22).
As hepatites não são transmitidas através do contato casual.
É permitido apertar as mãos, abraçar ou beijar alguém infectado
com hepatite viral, desde que as condições de higiene e
ambientais sejam adequadas. O controle sanitário, além do
saneamento básico, é fundamental para evitar a transmissão do
vírus. Devem ter maior cuidado para não adquirirem a infecção
viral os viajantes e as pessoas que trabalham em áreas de maior
endemicidade(22).
Patogênese e curso natural
O vírus da hepatite A é um vírus RNA da família dos
picornavírus, que tem um período de incubação de 15 a 45 dias,
com média de 28 dias, período de maior infectividade da doença.
A maioria dos indivíduos infectados desconhece terem tido
contato com vírus da hepatite, e irão eliminar conforme a sua
imunidade o vírus, mas curando-se da infecção. O VHA não
persiste por mais de 5 meses e, portanto, não cursa com forma
crônica da doença(2).
Não existe tratamento específico para hepatite A e o quadro
é agudo. O indivíduo cura-se por si próprio em poucas semanas
ou meses sem nenhum efeito mais grave. Uma vez recuperado, o
indivíduo está imune devido à presença de anticorpos IgG,
podendo conviver com a presença do VHA. É considerada a
menos ameaçadora das hepatites, pois geralmente não causa
danos no fígado, não evolui para a cronicidade e 99% dos
infectados se recuperam completamente(22, 41, 12).
Alguns casos podem apresentar forma prolongada da
doença, ou recidivar por cerca de 6 a 9 meses, sendo essa
ocorrência principalmente em pessoas adultas. O risco de
hepatite fulminante é muito raro (0,01-1%), porém aumenta com
a idade e se houver doença hepática pré-existente. Aqueles acima
de 40 anos de idade correm o risco potencial de morte em cerca
de 1%(8).
Crianças geralmente não têm sintomas. Os adultos podem
ficar doentes subitamente, apresentando icterícia, cansaço,
náuseas, vômitos, dor abdominal, urina escura, fezes claras e
febre. Uma pessoa infectada pode transmitir o vírus para outras
cerca de duas semanas antes dos sintomas aparecerem. Os
sintomas desaparecerão durante um período de 6 a 12 meses até
a completa recuperação, mas geralmente não duram mais de 30
dias(22).
O médico não pode diferenciar a hepatite A das outras
hepatites virais baseado apenas no quadro clínico. A única
maneira para diagnosticar VHA é fazer um teste sanguíneo para
pesquisar anticorpos IgM anti-VHA. Na maioria das pessoas
estes anticorpos tornam-se detectáveis 5 a 10 dias antes do
início dos sintomas e podem persistir por mais de 6 meses após
a infecção(22, 16). Os anticorpos anti-VHA do tipo IgG denunciam
infecção passada, e são úteis em inquéritos epidemiológicos.
Profilaxia
Na atenção primária à saúde, ou seja, atenção primária que
envolve equipe de saúde multidisciplinar: médico, enfermeiro,
dentista, técnicos de enfermagem e agentes de saúde, e que
vão estar diretamente ligados à população, quer seja através
do Programa de Saúde da Família, ou em domicílios, unidades
de saúde (postos e centros de saúde), unidade hospitalar,
escolas, creches, acampamentos infantis e de adultos, estes
devem estar prontos e atentos para a prevenção ou profilaxia
da hepatite A(33).
As equipes devem observar nas visitas realizadas em
domicílios, as condições sócio-econômicas e ambientais, a
situação do saneamento básico, tratamento da água, observar
locais de dejetos (fezes e urina), sanitários (vasos, torneiras,
fossas, etc.), o aspecto de higiene e limpeza do local, cuidados
na seleção, higiene e preparo dos alimentos. Observar
reservatório de água: existência de água tratada, fervida ou
filtrada. Observar controle da água de poços, rios, riachos, poças,
açudes, reservatórios em tanques e tonéis, etc(34).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Orientar a toda a população em relação aos riscos de
contaminação e disseminação do VHA, promovendo discussões
com a população, individualmente ou coletivamente,
principalmente nas populações de maior risco de prevalência da
doença, palestras em unidades de saúde, escolas, creches,
hospitais, acampamentos, principalmente no interior do território
brasileiro(16).
As equipes de saúde poderão orientar a população aos
cuidados íntimos de higiene, cuidados mínimos como a lavagem
das mãos com água e sabão freqüentemente (principalmente
após usar o banheiro), com a higiene pessoal dos adultos, idosos
e crianças, inclusive em creches, escolas e ambiente de
confinação. Devem também orientar as pessoas para que estas
evitem contato com material fecal, dejetos fecais, em esgotos,
em rios, riachos, fontes, poças, chamando a atenção para aqueles
que trabalham nessas áreas, lavadeiras, pescadores, adultos e
crianças em atividades esportivas e de lazer, população flutuante
como viajantes, turistas, etc. Em áreas de grande endemicidade
recomenda-se medidas gerais de higiene: além da lavagem de
mãos, cuidados com a água, frutas e verduras cruas e mariscos
inadequadamente cozidos(2, 22, 38, 16).
Orientar os profissionais que trabalham no preparo,
confecção e embalagem dos alimentos, em relação à higiene,
controle e qualidade dos alimentos evitando a contaminação
pelo vírus da hepatite A (o vírus é inativado pela fervura durante
20 minutos, cloração, luz ultravioleta e por formalina a 1:4000)(38).
Esses profissionais devem ter exame médico periódico, inclusive
o controle e a realização de marcadores de hepatites virais.
O Ministério da Saúde disponibiliza para as unidades
básicas de saúde a vacina contra o vírus da hepatite A. Além
disso, os casos de infecção pelo VHA devem ser notificados
pela unidade de saúde, através do profissional responsável
pelo cuidado ao paciente(30, 2).
Vacina e Imunoglobulina
A vacina, feita de partículas inativas do VHA (sintético), é
de alta eficácia na prevenção da hepatite A e é recomendada a
pessoas que apresentam risco elevado de adquirir a infecção,
de transmitir o vírus, de apresentar formas graves da doença e
no controle de surtos epidêmicos (Quadro 1). Entretanto, sua
segurança quando dada durante a gravidez não está
determinada. A dosagem e a programação recomendada varia
com a idade do paciente. A imunização de crianças e adolescentes
consiste de 2 ou 3 doses da vacina. Os adultos precisam de
adicional, de uma dose 6 a 12 meses após a dose inicial da
vacina. A vacina fornece proteção por aproximadamente 4
semanas após a primeira dose; a segunda dose protege por um
período maior, acima de 20 anos(22).
Além da infecção pelo VHA poder ser prevenida pela vacina,
os sintomas podem ser evitados pelo uso de imunoglobulina. A
imunoglobulina para hepatite A, foi desenvolvida nos Estados
Unidos a fim de oferecer imunização passiva contra a infecção.
A administração é intramuscular, e se antes da exposição, previne
85% a 95% dos casos. Se utilizada uma a duas semanas após a
exposição, pode prevenir ou atenuar a doença. Mas, após duas
semanas do contato, não apresenta eficácia(38). A dose de
imunoglobulina (IG) é baseada no peso do indivíduo, no tempo
esperado de exposição e se a profilaxia é pré ou pós-exposição
(Quadros 2 e 3)(18).
A imunização para aqueles que trabalham nas unidades básicas
de saúde é fundamental, principalmente os que residem no interior
e estarão expostos e com maior freqüência a infecção pelo vírus
A(33, 34). A imunização em massa para toda a população é inviável
165
em todo o mundo, devido ao seu elevado custo, mas devem ser
imunizados todos aqueles considerados como grupos mais
expostos aos riscos de infecção. Deve ser recomendada aos
viajantes para áreas endêmicas, homossexuais masculinos, usuários
de drogas venosas, pacientes com hepatopatia crônica e pessoas
que trabalham em ocupação de risco de adquirir infecção(23).
A profilaxia na pré-exposição se faz através de vacina que
poderá dar proteção de imunidade até 20 anos. O Brasil, conta
com as vacinas (inativadas) HAVRIX (SmithKline Beecham
Biologicals) e VAQTA (Merck e Sharp Dohme), em
apresentações para crianças e adultos, e de aplicação
intramuscular. As doses recomendadas de acordo com a idade e
o esquema a ser utilizado estão especificados no Quadro 4(18). A
potência da HAVRIX é expressa em unidades ELISA (EL.U) e da
VAQTA em unidades (U).
As duas vacinas são altamente imunogênicas e possuem
grande eficácia, induzindo soro-conversão em 90% a 98%, após
uma dose e, em 100% após duas doses. Os níveis de anticorpos
considerados protetores persistem pelo mínimo até seis anos
em adultos e, se estima que a proteção pode persistir até por 20
anos. Alguns poucos estudos demonstram que a vacina pode
ser administrada com outras vacinas (e.g., em viajantes). Efeitos
adversos graves, após a aplicação da vacina, não têm sido
descritos(19, 38).
HEPATITE B
Epidemiologia
A infecção pelo vírus B da hepatite é outro problema de
saúde mundial. Estima-se que 5 milhões de casos de hepatite B
aguda ocorram anualmente em todo o mundo. A prevalência e a
incidência da infecção pelo vírus B variam bastante entre as
diferentes áreas do planeta(20). Essa prevalência tem sido
reduzida em países onde já se implementou a vacinação, porém
ainda permanece elevada em populações com elevado risco de
exposição e em países onde não se controlou ainda a
transmissão vertical e horizontal intradomiciliar. Segundo
estimativas da Organização Mundial de Saúde, dois bilhões de
pessoas já tiveram contato com o vírus da hepatite B (VHB),
tornando 325 milhões de portadores crônicos. No Brasil,
aproximadamente dois milhões de pessoas são portadores
crônicos do vírus da hepatite B(42, 45).
Patogênese e curso natural
O vírus da hepatite B (VHB) é um vírus DNA da família dos
hepadnavírus e é capaz de causar tanto a forma aguda quanto a
forma crônica da hepatite. Além disso, está também relacionado
ao desenvolvimento do carcinoma hepatocelular, o hepatoma(24).
Seu período de incubação é prolongado, podendo variar entre
28 e 160 dias.
A infecção pelo vírus B da hepatite pode levar a um entre os
quatro cursos clínicos finais: recuperação após infecção aguda,
hepatite fulminante, hepatite B crônica ou estado de portador
sadio. A velocidade com que a doença progride é determinada
por vários fatores, associados ao sistema imunológico e às
características do vírus. Além disso, também é fator importante
a idade do hospedeiro em que ocorre a infecção(20).
Entre os adultos, 90% a 95% dos infectados previamente
saudáveis irão eliminar a infecção de forma espontânea, curandose da mesma.
Entre os indivíduos infectados, 5% a 10% são considerados
portadores-sadios, ou seja, apesar de não desenvolverem
doença, têm o poder de transmiti-la para outras pessoas.
166
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Quadro 1. Vacina – indicações na profilaxia pré-exposição.
Risco elevado de adquirir a infecção
• crianças de áreas endêmicas
• receptores de fatores de coagulação
• profissionais de creches, orfanatos e atendentes de instituições para doentes mentais
• profissionais da área da saúde
• homossexuais
• usuários de drogas
• viajantes e turistas de áreas não endêmicas
Risco elevado de transmitir a infecção
• manipuladores de alimentos (preparo, confecção e embalagem)
Risco elevado de desenvolvimento de doença grave
• portadores de doença crônica do fígado
• portadores de hepatite B e C que se submeterão à tratamento específico
Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18)
Quadro 2. IG- Profilaxia pré-exposição.
Idade
< 2 anos
Tempo de exposição
< 3 meses
3-5 meses
> 5 meses
< 3 meses
3-5 meses
> 5 meses
> 2 anos
Profilaxia recomendada
IG 0,02 ml/kg
IG 0,06 ml/kg
IG 0,06 ml/kg a cada 5 meses
Vacina ou IG 0,02 ml/kg
Vacina ou IG 0,06 ml/kg
Vacina
Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18)
Quadro 3. IG- Profilaxia pós-exposição.
Período pós-exposição
< 2 semanas
> 2 semanas
Exposição futura
Não
Sim
Não
Sim
Idade
Todos
≥ 2 anos
Todos
≥ 2 anos
Profilaxia recomendada
IG 0,02 ml/kg
IG 0,02 ml/kg e vacina
Nenhuma profilaxia
Vacina
Dose
360 EL.U
720 EL.U
1440 EL.U
25 U
50 U
Esquemas
0,1 e 6 meses
0 e 6 meses
0 e 6 meses
0 e 6 meses
0 e 6 meses
Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18).
Quadro 4. Vacinas inativadas- doses e esquemas recomendados.
Vacina
HAVRIX
Idade (anos)
2 a 18
VAQTA
> 18
2 a 18
> 18
Fonte: Condutas em Gastroenterologia(18).
Aproximadamente 70% dos adultos infectados não
apresenta sintomas.(42). Entre os 30% restantes, os principais
sintomas são fadiga e cansaço, icterícia, febre e dores musculares
e articulares. Outros sintomas menos comuns são perda de peso
e de apetite, depressão, ansiedade, irritabilidade, dores de cabeça,
distúrbios do sono, desconforto abdominal do lado direito,
coceiras, enjôos e diarréia(20).
Em 5% a 10% dos indivíduos infectados, a doença se tornará
crônica.(42). Entre os casos crônicos da doença, 20% a 50%
evoluem para a cirrose hepática e, desses, 10% evoluem para o
câncer(24). Daí a relevância da uma prevenção adequada e da
detecção precoce.
Raramente, a hepatite B pode se transformar em uma hepatite
fulminante, casos em que, além dos sintomas comuns da fase
aguda, aparecem também confusão mental e alterações de
coagulação do sangue, representada por sangramentos de
diversos tipos. São casos que necessitam de atenção imediata e
que podem, em poucos dias, levar à morte(42).
Transmissão
O vírus B da hepatite está presente em todos os líquidos
corporais fisiológicos e patológicos, com exceção das fezes. O
vírus pode se disseminar pelo sangue, líquidos corporais, além
de secreções como saliva, sêmen, suor, lágrima e leite(24). É
importante ressaltar que a hepatite B não é transmitida por
alimentos ou água, ou pelo contato casual (aperto de mão, beijo
na face, etc.).
Desta forma, as rotas de transmissão possíveis são:
• Perinatal, de uma mãe infectada para a criança durante o
parto, ou seja, transmissão vertical;
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
• Parenteral, aravés de injeções e transfusões (objetos nãoesterilizados, agulhas de tatuagens, equipamentos dentários
e outros objetos perfuro-cortantes);
• Contato sexual homo ou heterossexual sem proteção(20).
O antígeno de superfície do vírus da hepatite B (AgHBs)
tem sido detectado no leite de mulheres soropositivas, e é
possível que pequenas quantidades de sangue possam ser
ingeridas pelo recém-nascido durante a amamentação, a partir
de lesões nos mamilos, mesmo que pequenas. No entanto, não
há indicação para suspender a amamentação.(25)
Grupos expostos ao risco de infecção e profilaxia
Considerando as rotas possíveis de transmissão do vírus B
da hepatite, os grupos mais expostos à infecção são formados
por: profissionais de saúde; usuários de drogas injetáveis.
pacientes que em tratamento por hemodiálise; pacientes que
recebem transfusões de sangue ou hemoderivados; usuários
de piercing, tatuagens, acupuntura; homossexuais e
profissionais do sexo(20, 45).
Do ponto de vista prático, algumas medidas gerais podem
ser adotadas para a prevenção da infecção pelo vírus da
hepatite B, principalmente em relação ao contato pessoal
íntimo Devem ser observados os cuidados com a higiene
pessoal, principalmente com material contaminado com
sangue e saliva, como lâminas de barbear, escovas de dentes
e toalhas.
Em unidades de assistência à saúde, a prevenção da
exposição ao sangue ou a outros materiais biológicos é a
principal medida para que não ocorra contaminação por
patógenos de transmissão sangüínea. Precauções básicas
devem ser utilizadas na manipulação de artigos médicohospitalares e na assistência a todos os pacientes, independente
do diagnóstico definido ou presumido de doença infecciosa.
Recomenda-se o uso de barreiras de proteção (luvas,
capotes, óculos de proteção ou protetores faciais) quando for
previsto o contato mucocutâneo com sangue ou outros materiais
biológicos. Incluem-se ainda as precauções necessárias na
manipulação de agulhas ou outros materiais cortantes e os
cuidados necessários de desinfecção e esterilização na
reutilização de instrumentos usados em procedimentos
invasivos.
A profilaxia primária, conhecida como profilaxia préexposição, da infecção pelo vírus B da hepatite é realizada, na
prática clínica, com o uso de vacinas, recomendadas pela OMS
nos calendários de imunização básica, com vistas à erradicação
desta doença no mundo. No Brasil, a vacina está disponível nas
unidades básicas de saúde e em algumas maternidades e está
disponível em algumas situações por recomendação do
Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de
Imunizações(29). Considerando os grupos mais expostos, é
recomendado o esquema vacinal para: menores de 1 ano de
idade, a partir do nascimento, preferencialmente nas primeiras
12 horas após o parto; crianças e adolescentes entre 1 e 19 anos
de idade; doadores regulares de sangue; portadores de hepatite
C; usuários de hemodiálise; poliransfundidos; hemofílicos;
pacientes com talassemia; portadores de anemia falciforme;
profissionais de saúde; populações indígenas, em todas as faixas
etárias; comunicantes domiciliares de portadores do vírus B da
hepatite; portadores de neoplasias; pessoas reclusas (presídios,
hospitais psiquiátricos, instituições de menores, forças armadas,
etc); população de assentamentos e acampamentos; homens
que mantêm relações homossexuais ou bissexuais; usuários de
drogas injetáveis; pacientes infectados pelo HIV e profissionais
167
do sexo. São comercializadas, atualmente, com os nomes de
Engerix e Recombivax. É aplicada por via intramuscular,
sendo 1 ml em adultos e 0,5 ml em crianças, divididas em três
doses. A primeira dose é indicada ao nascer, sendo a segunda e
a terceira doses administradas, respectivamente, 1 mês e 6 meses
após a primeira, assim como para o adulto.
Quando existe a suspeita (ou a certeza) de contato com o
vírus, procede-se a profilaxia pós-exposição. Essas situações
compreendem(29, 33): recém-nascidos de mãe AgHbs+, pessoa
não vacinada, exposição sanguínea acidental (percutânea ou
de mucosa), quando o caso índice for HbsAg+ ou de alto risco,
e o profissional de saúde não imunizado contra hepatite B,
comunicantes sexuais de caso agudo de hepatite B (administrar
até 14 dias do contato) e vítimas de abuso sexual. Nestes casos,
é indicada a utilização da imunoglobulina hiperimune contra
hepatite B (HBIg), que contém altas concentrações de
anticorpos, na dose de 0,06 ml/kg. Deve ser usada dentro de
poucas horas após a exposição, associada à primeira dose da
vacina contra o vírus B. Esta associação possibilita o início
simultâneo da imunização ativa e também a produção de uma
imunidade duradoura(29, 33).
HEPATITE C
Epidemiologia
De acordo com a OMS, estima-se haver 170 milhões de
pessoas infectadas pelo vírus da hepatite C, aproximadamente
3% da população do planeta. O VHC é quase cinco vezes mais
disseminado pelo mundo que o HIV e calcula-se que de três a
quatro milhões de novos casos se infectem a cada ano. Nos
EUA, a hepatite C tornou-se a principal causa de doença hepática
crônica e a indicação mais comum de transplante hepático(13).
Esses alarmantes dados fazem da hepatite C um grande problema
de saúde pública mundial, uma pandemia. No Brasil, as melhores
informações são fornecidas pelos Serviços de Hemoterapia e
Bancos de Sangue que fazem testes de triagem em todos os
doadores. As prevalências relatadas por esses serviços estão
entre 1,4% e 2,3%. Cabe ressaltar, no entanto, que a população
analisada pelos serviços de hemoterapia não reflete a população
geral, pois a população de doadores geralmente é
predominantemente de jovens, do sexo masculino, e
presumivelmente saudáveis(15).
Em 2003, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos
de Notificação (SINAN), a prevalência de portadores da hepatite
C no Brasil foi de 7.332 casos, assim distribuída por região: Sudeste
52,7%, Sul 28,3%, Nordeste 7,4%, Centro-Oeste 7,4% e Norte
4,2%. Dos Estados com maior prevalência de casos destacam-se
São Paulo (37,9%), Rio Grande do Sul (15,5%) e Rio de Janeiro
(10,7%). O Estado da Bahia soma 2,5% dos casos, dividindo a
oitava posição com o Mato Grosso do Sul. Em relação ao gênero,
tem-se maior número de casos entre os homens (62,9%). Segundo
faixa etária, observa-se maior freqüência entre os de 40 e 59 anos
de idade (46,2%), seguida pelos adultos jovens – 20 a 39 anos
(39%) e idosos – 60 anos e mais (11,2%)(29, 34).
Patogênese e história natural
A hepatite C é uma infecção recentemente identificada e de
progressão geralmente lenta. Sua maneira de ocorrência e a
prevalência na população ainda não estão completamente
elucidadas.
A doença é causada por um vírus tipo RNA, membro da
família Flaviviridae(9). O agente causador da hepatite C foi
identificado recentemente, em 1989, dez anos depois da
168
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
descoberta do vírus da imunodeficiência humana (HIV), e infecta
cinco vezes mais pessoas que HIV(11). O VHC se apresenta na
natureza com vários genótipos diferentes: 1a, 1b, 2a, 2b até 11a.
Os genótipos 4, 5a e 6a não ocorrem no Brasil. O genótipo 1 do
vírus é mais freqüente e mais resistente ao tratamento(4). O vírus
tem também grande poder de mutação, o que torna o
desenvolvimento de uma vacina um trabalho dificultoso e
remoto.
A hepatite C aguda é assintomática em 84% dos casos, fato
que dificulta o diagnóstico. O tempo de incubação é de 14 a 160
dias com uma média de 7 semanas, mas a pessoa infectada pode
transmitir a doença antes desse período. Os sintomas mais
comuns são icterícia, mal-estar geral, febre, náuseas, vômitos e
desconforto em hipocôndrio direito, geralmente 2 a 12 semanas
após a exposição. Em muitos indivíduos, principalmente em
crianças, os sintomas são leves e passageiros, podendo passar
por uma gripe ou um distúrbio digestivo(20).
O grande fator que leva ao maior destaque da hepatite C é o
seu poder de cronicidade. Apenas 15 a 30% das pessoas
infectadas pela hepatite C curam espontaneamente, enquanto
70 a 85% desenvolvem hepatite crônica. Aproximadamente 20 a
30% dos portadores da hepatite C crônica desenvolvem cirrose
após 10 a 20 anos de infecção, e destes, 1% a 4% evoluem para
câncer de fígado(11).
Transmissão e fatores associados ao risco de infecção
A transmissão da hepatite C faz-se essencialmente por
contato com sangue e hemoderivados contaminados com o
vírus, colocando sob máximo risco os usuários de drogas
injetáveis ilícitas, os politransfundidos, os pacientes submetidos
à hemodiálise e os indivíduos que sofrem acidentes
perfurocortantes com material contaminado, especialmente os
trabalhadores da área de saúde.
A transmissão vertical ocorre se no momento do parto
houver contato do sangue da mãe com o sangue do filho,
dependendo principalmente da quantidade de vírus circulante
no momento do parto e co-infecção com HIV, estando nesses
casos a taxa de transmissão entre 4,3 a 5%. Entretanto, não há
recomendação para que a mulher portadora do VHC não
engravide, e não há restrição para a amamentação.
A possibilidade de transmissão sexual é uma questão ainda
não solucionada, mas tem sido indicada como uma possibilidade
concreta em publicações mais recentes, embora constantemente
aceita como muito menos provável do que a transmissão do
VHB, com risco mais elevado para grupos populacionais
intensamente expostos à atividade sexual com múltiplos
parceiros e naqueles com Infecções Sexualmente Transmissíveis
(ISTs)(37). Estudos mostram que o ato de cheirar cocaína ou
heroína é um fator associado à transmissão da hepatite C, já que
usuários de drogas inaladas, em geral, apresentam feridas e
sangramentos nas narinas, e o compartilhamento dos “canudos”
consegue transmitir o vírus da hepatite C (VHC). Outros grupos
mais expostos, apesar de risco menor, são de indivíduos que se
submetem à realização de “piercing”, tatuagem e acupuntura.
Profilaxia
Em decorrência da evolução silenciosa e constante da
hepatite C e na ausência de vacina contra o VHC, as medidas de
prevenção primária e secundária se tornam fundamentais para
controle da doença. A prevenção primária pode reduzir ou
eliminar o risco potencial para transmissão do VHC nas seguintes
condições: transmissão pela partilha de seringas, transmissão
por compartilhamento de instrumentos usados para cheirar
drogas, transmissão por sangue ou hemoderivados, transmissão
sexual associado à promiscuidade, transmissão por inoculação
cutânea por hábitos urbanos (tatuagem, “piercing”, etc.),
transmissão ocupacional nosocomial(14).
Uma alternativa para conter a transmissão no grupo de
usuários de drogas ilícitas é a adoção do programa de Redução
de Danos (RD). A RD é uma estratégia da saúde pública que
visa reduzir os danos à saúde em conseqüência de práticas de
risco. No caso específico do Usuário de Drogas Injetáveis (UDI),
objetiva reduzir os danos daqueles usuários que não podem,
não querem ou não conseguem parar de usar drogas injetáveis,
e, portanto, compartilham a seringa e se expõem à infecção pelo
HIV, hepatites e outras doenças de transmissão parenteral. A
Redução de Danos tem sido a política prioritária para o
desenvolvimento de ações junto a usuários de drogas e são
desenvolvidas pelas três esferas de governo e também pelas
organizações da sociedade civil. O Ministério da Saúde tem
reunido esforços para fortalecer a parceria entre os Programa de
Saúde Mental, Programa de Hepatites Virais e o Programa
Nacional de DST e Aids objetivando promover a integralidade
da atenção e a visibilidade da redução de danos como uma
política de saúde publica. A Portaria nº. 1.028 de 4 de julho de
2005 do Ministério da Saúde preconiza estabelecer diretrizes
que orientam a implantação das ações e, desta forma, subsidia
municípios e estados na manutenção ou implantação de ações
voltadas para usuários de drogas. O trabalho de redução de
danos, quando iniciado no Brasil, era focado em usuários de
drogas injetáveis e foi avançando muito, ampliando seu campo
de atuação e concebendo a redução de danos como uma política
de saúde. Atualmente é observado o aumento de transmissão
da hepatite C entre os usuários de drogas aspiradas. Acreditase que em função de campanhas de educação que mostram os
perigos de transmissão de doenças pelo uso de drogas injetáveis,
muitos usuários estão preferindo o uso de drogas aspiradas,
desta maneira é preciso implementar e ampliar de forma efetiva
as campanhas que mostrem também os perigos existentes nessa
outra pratica, já que existem perigos ao se compartilhar os
“canudos” para aspirar drogas(29).
Em Salvador (Bahia), foi iniciado um projeto junto ao
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1995,
com o objetivo de reduzir a disseminação do HIV, dos vírus das
hepatites B e C e de outros agentes de transmissão parenteral e
sexual entre usuários drogas, com ênfase para os usuários de
drogas injetáveis (UDI) e usuários de crack, com extensão para
outros segmentos da população. Atualmente, o projeto
estabeleceu parceria com o Programa de Saúde da Família (PFS)
da Secretaria de Saúde do Município do Salvador(1).
A Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti (ARDFC) constitui um Serviço de Extensão Permanente do
Departamento de Medicina da Faculdade de Medicina da Bahia
(FAMEB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que
incorpora os propósitos de cooperação técnica em prevenção,
capacitação pessoal e pesquisa relacionadas ao uso de drogas,
vírus da imunodeficiência humana (HIV) e síndrome da
imunodeficiência adquirida (AIDS), hepatites e outras ISTs,
realizando parcerias com instituições que têm promovido a
Redução de Danos na Bahia. A mudança de visão dos
atendimentos oferecidos aos usuários de drogas aproximandoos dos serviços de saúde através do programa de Redução de
Danos (RD) desenvolvido pela FAMEB é referência mundial na
minimização dos efeitos relacionados ao consumo de
substâncias lícitas e ilícitas. Com uma equipe multidisciplinar
(médicos, psicólogos, assistentes sociais), o programa vem
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
reduzindo os percentuais de contaminação por HIV e por hepatite
entre os usuários.(1).
No que se refere à transmissão por sangue e seus derivados
são necessários rastreamento em serviços de hemoterapia e
bancos de sangue, garantia de bom funcionamento dos serviços
de hemodiálise e rastreamento de doadores de órgãos(26). Os
testes para a identificação do VHC entre os doadores só foram
implantados nesses locais entre 1990 e 1993. Assim sendo,
todas as transfusões realizadas antes deste prazo levaram o
risco de transmitir o vírus C. Por esta razão é recomendado que
pessoas que receberam sangue ou derivados antes de 1993
devem procurar unidade de saúde para realizar o teste de
detecção para hepatite C. Com a introdução dos testes
obrigatórios nos serviços de hemoterapia e bancos de sangue,
a possibilidade da infecção pelo vírus C caiu drasticamente, de
cerca de 15% das transfusões realizadas antes de 1991, para
menos de 1% das realizadas após aquele ano(21). Evidentemente,
as pessoas que necessitavam de transfusões freqüentes, como
os hemofílicos, ficaram mais expostos à infecção pelo vírus C.
Para evitar a transmissão sexual em pessoas com múltiplos
parceiros, aconselha-se o uso de preservativo. Em relações
monogâmicas de longa duração, a probabilidade da transmissão
sexual da hepatite C é muito baixa, mas não é nula. O assunto e
o risco envolvido devem ser discutidos com o doente e o seu
parceiro. O uso de preservativo está recomendado quando o
casal tem atividades sexuais que podem resultar em trauma e na
presença de ISTs (20).
Durante as sessões de tatuagem e colocação de “piercings”,
há pequenos sangramentos que ocorrem com a perfuração da
pele e, se nesse sangue estiver presente o vírus da hepatite C, a
infecção poderá ocorrer. Uma vez feita a opção por colocar um
“piercing” ou fazer uma tatuagem, deverão ser adotadas algumas
medidas de segurança, como: conferir se o estúdio ou clínica tem
autorização de funcionamento expedida pela Secretaria Municipal
de Saúde e Vigilância Sanitária do Município e se o documento
está afixado no local; verificar se a pele do local escolhido para
realizar a tatuagem ou colocar o “piercing” está sadia - sem doenças
fúngicas ou bacterianas, queimaduras ou alergias; verificar se o
ambiente onde o profissional atua é higiênico; procurar saber
como é feita a limpeza e a esterilização dos instrumentos utilizados
durante o processo de tatuagem e colocação do “piercing”;
presenciar a abertura de agulhas e lâminas descartáveis e conferir
o descarte das mesmas em recipientes próprios para esse fim;
verificar se os resíduos das tintas utilizadas para a sua tatuagem
serão descartados após a conclusão do trabalho a ser realizado
no local escolhido para a tatuagem ou colocação do “piercing”;
após a colocação do “piercing” ou aplicação da tatuagem,
observar se há reações na pele, febre ou outros sintomas. Se isso
acontecer, é recomendada a consulta a um médico para avaliação
e orientação de como tratar o caso (43).
Apesar de todos os avanços em diagnóstico e tratamento, a
abordagem após acidentes com instrumentos perfurocortantes
(AIPC) deixa bastante a desejar, já que nos casos de infecção
por VHC não existe qualquer tratamento disponível no momento.
Por isso, a saída reside na profilaxia primária. Existem algumas
medidas de prevenção, chamadas Precauções Básicas, que
devem ser utilizadas em todos os casos em que a assistência ao
pacientes envolva manipulação de sangue, secreções e
excreções e contato com mucosas e pele não-íntegra. As
Precauções Básicas não dependem do diagnóstico definido ou
presumido de doença infecciosa, as quais incluem a utilização
de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como luvas,
máscaras, gorros, óculos de proteção, aventais e botas, para
169
reduzir a exposição ao sangue e outras secreções biológicas, e
também os cuidados específicos para manipulação, descarte e
expurgo de instrumentos perfurocortantes contaminados.
As medidas gerais para prevenção de AIPC incluem: máxima
atenção durante a realização de qualquer procedimento; não
utilizar os dedos como anteparos durante a realização de
procedimento que envolva material perfurocortante; não
reencapar agulhas, entortá-las, quebrá-las ou desconectá-las a
seringa; não utilizar agulhas para fixar papéis; desprezar agulhas,
scalp, lâminas de bisturi, vidrarias e qualquer material
perfurocortante em recipiente rígido; não descartar material
infectante em lixo comum; o recipiente para o descarte não deve
ser preenchido acima do limite de 2/3 de sua capacidade total;
vedar o recipiente antes do transporte para o destino final. Como
o tipo de AIPC mais comum (dedos perfurados por agulhas) não
é evitado pelos EPI, tão importante quanto disponibilizar
equipamentos de proteção é promover ações educativas
permanentes, que familiarizem os profissionais de saúde com as
precauções universais e os conscientizem da necessidade de
empregá-las adequadamente(5). No momento em que um AIPC
ocorre, é fundamental que as medidas a serem tomadas estejam
padronizadas e sejam de conhecimento de todos. Acidentes de
trabalho com sangue e outras secreções biológicas
potencialmente contaminadas devem ser tratados como casos
de emergência médica, mas é importante manter a calma e
coordenar as ações. Nos casos de exposição simples à secreção
biológica contaminante em pele íntegra, uma boa higiene com
água e sabão é o suficiente. Infelizmente, o tipo de exposição
mais comum ainda é a perfuração de dedos no ato de reencapar
agulhas. Nesses casos, o local deve ser lavado com água e
sabão e aplica-se PVP-I ou álcool a 70% por 30 segundos. Após
a conduta inicial no sítio do ferimento, devem ser colhidos os
dados sobre as condições do acidente, o acidentado e o pacientefonte. Essas informações serão importantes para a abertura de
uma CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), para o
preenchimento da ficha de notificação da CCIH (Comissão de
Controle de Infecção Hospitalar) e para o próprio
acompanhamento do acidentado, caso necessário. Se o estado
infeccioso do paciente-fonte é desconhecido, testes sorológicos
devem ser realizados imediatamente, de preferência após
obtenção de consentimento por escrito. A recusa do profissional
exposto a um AIPC para a realização de testes sorológicos ou
para o acompanhamento deve ser registrada e atestada. A
disponibilização das medidas imediatas pós-AIPC é um direito
tanto do funcionário quanto do paciente e um dever de toda
instituição de saúde, seja ela pública ou privada(7).
No convívio social as recomendações gerais são no sentido
de não partilhar escovas de dente, próteses dentárias, lâminas
de barbear, tesouras e alicates de unhas, ou outros objetos de
higiene pessoal que possam conter sangue. Os utensílios
potencialmente veiculadores de sangue devem ser de uso
exclusivo, tanto no ambiente domiciliar quanto extradomiciliar, a
exemplo de salões de beleza e barbearias, locais onde geralmente
não se pode atestar a esterilização eficiente dos materiais
compartilhados. É importante ressaltar que não existe contágio
por abraços, beijos, saliva, espirros, tosse, compartilhamento
de copos e talheres ou no contato casual.
Futuro
Um aspecto fundamental para a prevenção da hepatite C é o
desenvolvimento de uma vacina que induza imunidade mediada
por células. Atualmente, vacinas para terapia e profilaxia estão
em estágio inicial de desenvolvimento(20).
170
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
HEPATITE D
Epidemiologia
A distribuição e letalidade do vírus causador da hepatite
D é mundial, particularmente nas áreas onde há elevada
prevalência de infecção do vírus da hepatite tipo B. No Brasil,
a região Amazônica, principalmente na parte ocidental, é que
tem reportado o maior número de casos (45). Excetuando a
região Amazônica, a prevalência de infecção pelo vírus D no
Brasil é desprezível, seja em grupos expostos ou na
população geral.
No entanto, em áreas endêmicas de hepatite B a infecção
pelo VHD representa grave problema de saúde pública. A
estimativa é de que 18 milhões de pessoas encontram-se
infectadas pelo VHD, entre os portadores crônicos do VHB no
mundo. O estado de portador crônico do VHB é o principal fator
epidemiológico para a propagação do VHD(17, 45).
Patogênese e história natural
O vírus da hepatite D (VHD), também chamado de vírus
“delta” é constituído por RNA e não é um vírus hepatotrópico
autônomo, não conseguindo, por si só, infectar o fígado. O
VHD depende exclusivamente da ajuda provida pelo DNA do
vírus da hepatite B e de seu envelope de proteínas, o antígeno
de superfície do VHB (HBsAg), para completar o seu ciclo
biológico, ou seja, de replicação, transmissão e infectividade,
de penetração e replicação. Por conta disso, a duração da infecção
pelo vírus D é totalmente determinada pela duração da infecção
pelo vírus B(20).
Dependendo da situação do hospedeiro em relação ao vírus
tipo B, pode haver co-infecção ou super-infecção. A co-infecção
aguda ocorre após exposição a soro contendo VHB e VHD. A
super-infecção ocorre no portador crônico de VHB com um novo
inóculo de VHD. A doença ocorre 30 a 50 dias mais tarde, sendo
a letalidade é mais elevada na superinfecção do que na coinfecção. (24).
Na maioria dos casos, o quadro clínico da coinfecção aguda
(VHB + VHD) evolui com hepatite aguda benigna.
Excepcionalmente, a síntese do VHD torna-se intensa, soma-se
aos efeitos ocasionados pelo VHB, e leva a formas fulminantes
e crônicas de hepatite. O prognóstico da co-infecção mostra-se
benigno, ocorrendo completa recuperação e eliminação dos vírus
B e D em 95% dos casos. Na superinfecção pelo VHD em
portadores do HBsAg sintomáticos ou assintomáticos, com
sinais ou sem sinais sorológicos de replicação do VHB, o
prognóstico é bem mais grave. Na superinfecção, o índice de
cronicidade é significativamente maior (79,9%) do que na coinfecção (3%), ou na hepatite B clássica(17).
Transmissão
O modo de transmissão do vírus da hepatite D (VHB) é similar
ao do vírus da hepatite B (VHB) e ocorre, principalmente, por
via parenteral. Ou seja, exposição percutânea (transfusões,
injeções não esterilizadas, objetos perfuro-cortantes), contato
através de mucosas e contato sexual(20, 45).
Grupos pupulacionais mais expostos e profilaxia
Na co-infecção aguda VHB + VHD, são fatores de risco
relevantes(17): transfusões de sangue e hemoderivados; uso de
drogas injetáveis; tatuagens; ato cirúrgico em áreas endêmicas;
atividade de profissionais de saúde; promiscuidade sexual;
transmissão vertical (sempre relacionada a infectividade do
VHB).
Na superinfecção aguda pelo VHD em portadores do VHB,
estão mais expostos (17, 45): usuários de drogas injetáveis;
prisioneiros; hemofílicos; pacientes hemodialisados; profissionais
de Saúde; homossexuais, prostitutas; residentes em áreas
endêmicas; contatos familiares e neonatos. Nas áreas endêmicas
de VHB, com ocorrência de transmissão do VHD, especialmente
no Estado do Acre e região sul do Estado do Amazonas, os
contatos familiares parecem ter muita relevância na transmissão,
pois foram frequentes dois ou mais casos na mesma família(39).
A melhor maneira de se reduzir a taxa de infecção pelo vírus
D é a vacinação contra o vírus B da hepatite. No entanto, sua
eficácia somente é observada na co-infecção (infecção
simultânea do VHB com o VHD), entre indivíduos susceptíveis
a infecção pelo VHB. Entre indivíduos portadores crônicos do
VHB, residentes em áreas endêmicas de infecção pelo VHD, ou
pertencentes a grupos expostos à infecção, a prevenção da
superinfecção pelo VHD ainda não conta com uma medida
profilática eficaz.
HEPATITEE
Patogênese e curso natural
O vírus da hepatite E (VHE), é um vírus RNA pertencente à
família dos Calciviridae. A infecção pelo vírus é auto-limitada e
não requer nenhum tratamento. Durante a fase aguda não há
peculiaridades clínicas que permitam diagnosticar a hepatite E
sem a sorologia específica. O quadro clínico assemelha-se ao de
outras hepatites virais, principalmente A, com a ressalva da
existência de maior número de formas ictéricas, sobretudo em
adultos. Porém, as formas anictéricas predominam, dificultando
o diagnóstico da infecção na fase aguda da doença. As taxas
mais elevadas de infecção clínica acontecem em adultos jovens
(15, 36)
.
Não há necessidade de medicamentos e nem hospitalização,
exceto nos casos de mulheres grávidas ou portadores de doença
crônica do fígado. Quando não ocorre a forma fulminante, a
doença evolui para a cura espontânea. O período de incubação
é de 40 dias, podendo ter variação de 15 a 60 dias. Casos de
fatalidade e morte variam de 1% a 3%, e em mulheres grávidas
em torno de 15% a 25% (8, 2).
À semelhança da conduta adequada às outras hepatites
virais, não há espaço para crendices e tabus dietéticos ou
repouso exagerado. Deve-se permitir dieta livre de acordo com a
aceitação do paciente. Não há casos descritos de hepatite E
crônica (41). Habitualmente, a doença apresenta resolução
espontânea após 2 a 6 semanas, embora formas colestáticas
prolongadas tenham sido descritas (19).
O diagnóstico sorológico da infecção pelo VHE se faz através
da determinação do marcador anti-VHE (IgG e IgM). O anticorpo
IgM encontra-se presente apenas na fase aguda da doença,
constituindo-se no exame solorógico de escolha para o
diagnóstico da hepatite aguda E. O VHE-RNA pode ser detectado
no soro ou nas fezes dos pacientes. No primeiro caso, a detecção
se dá no início do período de estado, entretanto, o VHE-RNA
sérico desaparecerá rapidamente, pois o período virêmico é,
usualmente, curto. No segundo caso, a detecção se faz na fase
que antecede a doença propriamente dita, ou seja, fase
prodrômica. O VHE-RNA não é rotineiramente utilizado devido
ao alto custo e, ainda, pela falta de padronização do teste (36).
Epidemiologia
O vírus se desenvolve em determinadas áreas geográficas
do mundo, principalmente em países em desenvolvimento e com
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
condições sanitárias inadequadas. O reservatório do vírus E
nessas áreas é desconhecido (36).
Nas populações sadias dos Estados Unidos e Europa, e em
áreas não endêmicas de ocorrências não bem documentadas é
baixa a prevalência do VHE. A origem dessa infecção nessas
pessoas é desconhecida. É elevada a incidência da infecção
pelo VHE na Ásia, África e México. Foram reveladas epidemias
de hepatite E em áreas de clima quente, e raras em climas
temperado. Foram identificadas hepatites pelo VHE aguda no
Egito e na Índia (36, 8). Alguns estudos desenvolvidos no norte
da Índia avaliaram a prevalência de VHE em crianças e
demonstraram que a probabilidade de infecção mostra-se mais
elevada na população urbana do que na rural, e que as crianças
passam a ser susceptíveis à infecção a partir de um ano de
idade(15, 36).
No Brasil, a soroprevalência de anti-VHE é de 3,3% na
população em geral, sendo de 2,0-7,5% em candidatos à doação
de sangue em 4,5% das crianças estudadas. A co-infecção com
a hepatite A é de 25-38% na região Nordeste, de 14-18% entre as
prostitutas e de 12% entre os usuários de drogas venosas na
região Sudeste do Brasil(6).
Transmissão e fatores de risco
A transmissão do VHE é feco-oral, inclusive pela comum
contaminação fecal da água. De maneira semelhante ao VHA, o
VHE é excretado nas fezes durante a semana que precede a
manifestação clínica da doença, diminuindo significativamente
sua eliminação fecal após a primeira semana que se segue à
icterícia. A transmissão entre pessoas é mínima. Transmissão
sangüínea durante o nascimento não foi demonstrada.
Grandes epidemias foram registradas em países da Ásia,
África e no México. Adultos jovens na faixa de 20 a 40 anos são
mais infectados, mas o prognóstico é bom, e exceto nas mulheres
grávidas. Essas desenvolvem uma forma grave da doença,
principalmente as gestantes que se encontram no terceiro
trimestre de gestação. Foi observada em mulheres grávidas no
terceiro trimestre de gravidez letalidade em torno de 25%(41, 29, 34).
Não existe até o momento vacina para Hepatite E.
Prevenção
O maior e principal problema é o controle e tratamento da
água para consumo humano sendo esse o grande problema de
saúde pública em todas as áreas de elevada prevalência do VHE.
Na Atenção Básica a Saúde, observando aqueles que vão
trabalhar em áreas de risco, há necessidade de informação e
educação da população e aos indivíduos para o cuidado em não
contraírem a infecção viral.
A população será orientada a utilizar água tratada, filtrada
ou fervida, evitar contato com excrementos fecais, evitar o uso
de alimentos crus, ostras cruas. Deve ser seguida a mesma
orientação para o controle e profilaxia para Hepatite A, apesar
de não existir vacina para Hepatite E.
Uma maior atenção deve ser dada as pacientes grávidas, e
principalmente se no terceiro trimestre da gestação, juntamente
com a Equipe de Saúde da Família e o médico-obstetra (33, 34).
Melhores condições sanitárias, segurança no tratamento
adequado da água são fatores-chaves que poderão erradicar ou
diminuir a incidência de VHE em todo o mundo(20).
Pelo fato de o anticorpo anti-VHE neutralizar todos os
genótipos virais, o desenvolvimento de uma vacina de ampla
utilização parece viável. Há estudos em andamento com esse
objetivo. Essa futura vacina seria indicada aos viajantes, que se
dirigem a áreas endêmicas, e, naturalmente, para as gestantes(36).
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfrentamento das doenças transmissíveis endêmicoepidêmicas, como as hepatites virais, é um permanente desafio
para a saúde pública no Brasil.
As hepatites podem ser agrupadas de acordo com a maneira
preferencial de transmissão em fecal-oral (vírus A e E) e parenteral
(vírus B, C, D). Com o objetivo de viabilizar a diminuição da
incidência, ou mesmo a erradicação das infecções, devem ser
considerados os aspectos epidemiológicos e de prevenção,
específicos para cada tipo de hepatite viral.
A expansão da cobertura vacinal no que se refere à hepatite
B, a mais efetiva detecção do VHC por parte dos Serviços de
Hemoterapia e Bancos de Sangue e a substancial melhoria das
condições sanitárias são fatores decisivos que contribuem para
a modificação do quadro epidemiológico das hepatites virais no
nosso país. Há que se considerar, entretanto, as grandes
disparidades de acesso aos serviços de saúde e a informações,
e também as diferenças da situação de saneamento no território
nacional.
O desenvolvimento da Atenção Básica no Brasil, aliada à
crescente discussão a cerca do tema, inserem-se como pontos
chaves para a redução do risco de doenças e de outros agravos,
visando o acesso universal e igualitário às ações e serviços de
saúde. Os procedimentos de cunho preventivo e de promoção à
saúde (com busca ativa de doentes, vacinas, educação, medidas
para melhorar a qualidade de vida entre outras ações) assumem
grande importância no sentido de mudanças no modelo médicoassistencial proporcionando intervenções mais eficazes na saúde
em âmbito individual e coletivo. O programa de Hepatites Virais
do Ministério da Saúde destaca-se como uma conquista para
prevenção e controle das hepatites virais, e deve ser alvo de
constante debate e ampliação.
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III.7
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
USO E ABUSO DE DROGAS:
UMA PROPOSTA DE OLHAR INTEGRAL
173
Domingos Coutinho
Allana Silva e Pedro Melo
INTRODUÇÃO
O consumo de drogas é uma prática milenar e universal e, cujo padrão, sofre
modificações significativas de acordo com as mudanças ocorridas na convivência
humana, na sociedade e nos níveis culturais e socioeconômicos. O consumo de drogas
atinge então todas as parcelas fragilizadas do corpo social e se propaga com rapidez,
inclusive entre os menos favorecidos. Mas, apesar da modificação da dinâmica do
consumo de drogas desde a década de 60 com o movimento “hippie”, utilização de
drogas como “oportunidade de experimentar, em grupo, novas sensações e chegar-se a
novas percepções do universo, da vida, da interioridade humana”, as drogas continuam
prometendo “algo a mais” – não apenas o prazer, repudiado pelo ritmo implacável da
vida social que se contesta, mais ainda o esquecimento da solidão, do sentimento de
vazio e das recordações sombrias, além da liberação de angústia, sofrimento e depressão.
Dentro do panorama global do uso e abuso de drogas nas sociedades modernas, recorrer
a seu uso pode, dependendo do contexto socioeconômico, ter um sentido diferente
como por exemplo o de “tapar a fome” , situação esta que acontece freqüentemente com
jovens de subúrbios e favelas, menores abandonados e crianças desnutridas. O uso de
solventes, ou inalantes - fáceis de achar ou de roubar - com alto poder de “mistificação”,
de indução de uma sensação de “barato” na cabeça e no corpo, apresentam-se como um
substituto nefasto da fome e da miséria. Desta forma, o consumo de drogas, mesclado
muitas vezes com álcool, faz parte do contexto global da subnutrição, do desemprego e
da falta de infra-estrutura sanitária e habitacional.
A luta contra o abuso de drogas não pode isolar-se do combate global, de modo que
os profissionais que se dedicam ao trabalho preventivo da drogadição, tendo consciência
da amplitude do fenômeno, podem e devem elaborar estratégias de intervenção que
levem em conta as especificações de cada população-alvo.
Importante salientar as peculiaridades dos usuários, não devendo confundir uso
com abuso; pois este último termo é associado à dependência química, a qual confronta
a inserção social e profissional do usuário. A periculosidade do produto em si é relativa;
considerando tão somente a toxicidade da substância, corre-se o risco de esquecer-se
de outros fatores, também fundamentais, para a dependência como o indivíduo, sua
maior ou menor fragilidade e os seus conflitos; assim como o contexto sóciocultural e
econômico.
Em termos epidemiológicos, o álcool se destaca como a droga mais consumida e cuja
dependência acomete de 10% a 12% da população mundial (CHERPITAL, 1993) e 11,2%
dos brasileiros que vivem nas 107 maiores cidades do país (CARLIM et al., 2002). A
incidência do alcoolismo é maior entre os homens (Fillmore, 1987) e na faixa etária de 18
a 29 anos (EATON et al., 1989) Seguindo-se tabaco, inalantes e medicamentos
psicotrópicos, com variações conforme a faixa etária considerada. Além disso, os estudos
evidenciam que, ao contrário do que freqüentemente se veicula, as drogas ilícitas (em
particular maconha e cocaína) contribuem apenas discretamente para o problema de
saúde pública criado pelo abuso de substâncias psicoativas (BUCHER, 2000).
Somando-se a isto, as conseqüências do abuso de drogas psicoativas custam ao
Brasil o equivalente de, pelo menos, 7,9% do PIB por ano. Custo financeiro este, que
acarreta também enorme custo social não quantificável, sob a forma de sofrimento
pessoal, familiar, comunitário e institucional (BUCHER, 2000).
Levando-se em consideração a abrangência de papéis ocupados pela droga na
sociedade, assim como a necessidade de uma abordagem sistêmica do indivíduo usuário,
propomos, no lidar cotidiano das equipes de saúde da família, um olhar integral, que
possibilite acolher e ouvir estes indivíduos que buscam o serviço: seus medos,
Palavras-chaves:
Drogas, álcool, alcoolismo,
medicações psicotrópicas,
solventes, maconha, cocaína, uso
e abuso de drogas, acolhimento,
atenção domiciliar e comunitária,
emergências psiquiátricas.
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FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
dificuldades, relações com a família, trabalho e comunidade, suas
demandas individuais para além das demandas externas; assim
como uma busca ativa, uma observação mais aguçada da
comunidade e dos seus membros através das visitas domiciliares
que podem ser realizadas, assim como o acolhimento, por todos
os membros da equipe e não somente pelos agentes
comunitários. Considerando-se que a atenção domiciliar e
comunitária é fundamental para uma visão sistêmica destes
indivíduos, olhando-os dentro dos seus contextos de vida, tal
abordagem deverá basear-se na compreensão e respeito, de
modo que a equipe não reproduza um comportamento repressor,
policial e de julgamento. Esta nova relação entre usuário e equipe
exigirá dos profissionais uma atitude de maior responsabilização,
de modo que o indivíduo seja respeitado em sua autonomia e
que a proposta de tratamento tenha como base a negociação,
possibilitando a intervenção do usuário. O fortalecimento do
vínculo entre a equipe e o usuário, tornando este como agente
ativo no seu tratamento, possibilita uma maior adesão e
conseqüentemente resultados mais satisfatórios
ÁLCOOL
O beber é uma ação social inserida num contexto cultural no
qual há uma diversidade de modos sociais de ingestão de
bebidas alcoólicas: freqüência, característica da bebida, quem
bebe e como bebe etc. Desta forma, é importante distinguir o
significado de termos como alcoolização, embriaguez, alcoolismo,
bebedor, bêbado, embriagado, alcoólatra, alcoólico, alcoolista,
alcoólico ativo, alcoólico passivo, etc; porque esses dizem
respeito aos graus de tolerância e às atitudes de cada um destes
diferentes estados. Em várias sociedades não é o álcool que é
condenado, mas o comportamento desviante dos indivíduos
(NEVES, 2004).
O álcool é uma droga psicoativa que admite - dependendo da
dose, da freqüência e das circunstâncias - um uso sem problemas.
No entanto, a sua utilização abusiva pode acarretar graves
conseqüências, sejam elas orgânicas, psicológicas e sociais.
As motivações para o uso/abuso do álcool são diversas
pois este é capaz de reduzir a ansiedade, possibilitar efeitos
estimulantes/euforizantes ou mesmo anestésicos. Em
contrapartida, é também bastante associado à violência,
agressividade, desestruturação familiar e profissional (BUCHER,
2000). No Brasil, atribui-se ao álcool o envolvimento em cerca
de 60% dos acidentes de trânsito e aparece em 70% dos laudos
cadavéricos das mortes violentas (RIBEIRO; MARQUES, 2002a).
Na abordagem do paciente alcoolista é imprescindível diferenciar
os padrões de ingestão de bebidas alcoólicas principalmente
no que tange ao uso nocivo e à dependência. Por uso nocivo
entende-se, segundo o CID 10, um padrão uso de substância
psicoativa que está causando dano à saúde física ou metal. A
síndrome de dependência é definida, também pelo CID 10, como
um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e
cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de
substâncias alcança a prioridade muito maior para um
determinado indivíduo que outros comportamentos que antes
tinham maior valor. Tal diferenciação é feita tendo em conta que
o paciente alcoolista apresenta um espectro de problemas
clínicos e diagnósticos para o médico como o tratamento da
intoxicação aguda e suporte à abstinência, por exemplo.
A avaliação inicial deve priorizar o estabelecimento de um
relacionamento terapêutico, a avaliação das necessidades de
saúde urgentes e a formulação de um plano de ação para o
alcoolismo e os problemas relacionados (GITLOW; PEYER,
1995). Em serviços de atenção primária à saúde, recomenda-se a
aplicação de questionários de triagem para determinar a presença
de uso nocivo ou de risco, sendo o questionário CAGE (Quadro
1) o mais utilizado. Apesar de não fazer um diagnóstico de
dependência, esse indicador detecta os bebedores de risco, para
os quais se deve propor uma intervenção ((RIBEIRO;
MARQUES, 2002a).
Em casos de intoxicação aguda (uso nocivo de substâncias
em quantidade acima do tolerável para o organismo), os sinais e
sintomas caracterizam-se por níveis crescentes de depressão
do sistema nervoso central. Inicialmente, há sintomas de euforia
leve, evoluindo para tontura, ataxia e incoordenação motora,
passando para confusão e desorientação, e atingindo graus
variáveis de anestesia, do estupor ao coma. A intensidade da
sintomatologia da intoxicação tem relação direta com a alcoolemia
(Quadro 2) no entanto, também sofre interferência de outros
fatores como o desenvolvimento de tolerância, a velocidade da
ingestão, o consumo de alimentos e alguns fatores ambientais
(RIBEIRO; MARQUES, 2002a).
Na maioria dos casos, o tratamento farmacológico não é
recomendado e a intervenção deve ser feita a partir de 150 mg%
de alcoolemia. As medidas gerais de suporte à vida serão tomadas
de acordo com os sinais e sintomas apresentados pelo paciente
(RIBEIRO; MARQUES, 2002a).
A crise de abstinência é decorrente da cessação da ingestão
crônica de álcool e ocorre na maioria dos dependentes (70% a
90%) variando de intensidade. É caracterizada por tremores,
insônia, agitação e inquietação psicomotora e se dá cerca de 24
a 36 horas depois da última dose. Nos casos leves e moderados,
apenas medidas de manutenção geral dos sinais vitais são
aplicadas. Nos casos graves, que ocorre em cerca de 5% dos
dependentes, a síndrome é autolimitada, com duração média de
7 a 10 dias. A ocorrência de crises convulsivas está presente em
3% dos casos, sendo em geral autolimitadas e não requerendo
tratamento específico (RIBEIRO; MARQUES, 2002a).
O sintoma de abstinência mais comum é o tremor,
acompanhado de irritabilidade, náuseas e vômitos. A intensidade
é variável e é mais comum que aconteça no período da manhã.
Além dos tremores, são observados hiperatividade autonômica
com taquicardia, aumento da pressão arterial, sudorese,
hipotensão ortostática e febre (<38ºC).Os critérios diagnósticos
para a Síndrome de Abstinência estão apresentados no Quadro
3 (RIBEIRO; MARQUES, 2002a).
A gravidade da Síndrome de Abstinência varia e o seu
nivelamento pode fornecer subsídios para o planejamento da
intervenção imediata. Daí a importância da aplicação de um
questionário para a Avaliação da Gravidade da Síndrome de
Abstinência (Quadro 4), diferenciando quadros que variam
desde apenas alterações psíquicas, como insônia e
irritabilidades, até outros marcadamente autonômicos com
delirium e crises convulsivas. A síndrome de abstinência nível I
(leve a moderada) é marcada por sintomas como tremores,
agitação, ansiedade, alterações do humor, da sensopercepção,
do relacionamento interpessoal, do apetite, sudorese em surtos,
aumento da freqüência cardíaca, pulso e temperatura; representa
90% dos casos e se instala cerca de 24 horas após a interrupção
do consumo de álcool. A síndrome de nível II, que se instala
cerca de 48 horas após a abstinência alcoólica, representa uma
evolução de cerca de 5% dos casos do nível I, e é marcada por
sintomas autonômicos mais intensos associados a alucinações
auditivas e visuais bom como desorientação temporo-espacial.
Com a evolução desta síndrome, em cerca de 72%, instala-se o
quadro chamado Delirium Tremens (DM). Esta psicose orgânica
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Quadro 1. Cut down/ Annoyed/ Guilty/ Eye-opener Questionnaire (CAGE).
Quadro 2. Níveis plasmáticos de álcool (mg%), sintomatologia relacionada e condutas.
Quadro 3. Critérios diagnósticos para síndrome de abstinência do álcool (SAA) ~ OMS.
175
176
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Quadro 4. Clinical Withdrawal Assessment Revised – CIWA-Ar questionário para a Avaliação da Gravidade da Síndrome de
Abstinência.
é reversível, dura de 2 a 10 dias, cursa com despersonalização,
humor intensamente disfórico, alternado da apatia até a
agressividade, e apresenta elevado risco de seqüelas e morte
para o paciente (RIBEIRO; MARQUES, 2002a).
O manejo ambulatorial desta síndrome é menos custoso e
proporciona a permanência do paciente em sua vida social e
familiar como ocorre no manejo das síndromes de nível I. Na
primeira semana, o tratamento consistirá em cuidados gerais e
farmacoterapia (Tiamina/dia: 300mg intramuscular e sedativos a
depender do caso: Diazepam – 20 a 40 mg/dia/oral ou
Clordiazepóxido – 100 a 200mg/dia/oral ou Lorazepam – de 4 a 8
mg/dia/oral). Nas segunda e terceira semanas deverá haver a
redução gradual dos cuidados gerais juntamente com a
farmacoterapia (Tiamina – 300 mg/dia/oral e diminuição gradual
do sedativo). O manejo das síndromes do nível II é mais
complexo e necessita de suporte hospitalar e especializado. O
detalhamento dos manejos clínicos dos dois níveis encontramse nos Quadros 5 e 6 (RIBEIRO; MARQUES, 2002a).
É de grande importância que desde o momento inicial de
atendimento seja feito o planejamento terapêutico para o
alcoolista, de forma a encurtar o tempo entre a desintoxicação e
as intervenções psicossociais, tornando o ambiente menos
ambivalente e reduzindo o risco de fuga terapêutica. Embora a
motivação interna por parte do paciente seja extremamente
importante, uma vez que seu desconforto físico é aliviado, este
tende a desenvolver reações de negação e fuga do problema.
Neste momento deve-se fornecer ao usuário de álcool fatores
motivadores externos, tentando intervir em toda estrutura de
suporte social, estabelecendo contatos com pessoas
significativas para o paciente (empregadores e familiares) no
sentido de envolvê-las desde o inicio no processo de reabilitação
(GITLOW; PEYER, 1995).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
177
Quadro 5. Manejo clinico da síndrome de abstinência nível I.
Quadro 6. Manejo clinico da síndrome de abstinência nível II.
Nesse trabalho de reabilitação (ou melhor, habilitação)
psicossocial do paciente torna-se fundamental oferecer diversas
modalidades terapêuticas e de acompanhamento. O tratamento
psicoterápico, por exemplo, pode fornecer ao paciente apoio
emocional e prático, auxiliando no enfretamento dos problemas
existentes e no desenvolvimento de novas condutas frente às
diversas situações da vida. Não se deve ignorar também a
importância da utilização de farmacoterápicos, em casos
selecionados, sem perder a noção de que estes não são capazes
de substituir o álcool em relação à euforia proporcionada pelo
178
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
mesmo, sendo apenas adjuvantes na remoção de sintomas
primários de ansiedade ou depressão, insuficientes, no entanto,
para causar uma recuperação efetiva.
A proposta seria então a adoção de um tratamento
individualizado, atento para a complexidade e multiplicidade de
necessidades sociais e fisiológicas existentes, incluindo
acompanhamento com visitas domiciliares freqüentes, de forma
a encorajar a ressocialização; bem como a articulação com centros
de saúde mental (que podem oferecer diversas modalidades de
terapia: em grupo, individual, familiar, de reabilitação profissional
etc.). Neste contexto deve-se ressaltar a importância da
articulação do sistema de saúde com os Alcoólicos Anônimos,
onde o paciente poderá buscar apoio humano único e contato
com pessoas que passaram por experiências semelhantes,
capazes de uma compreensão mais profunda principalmente das
questões emocionais (GITLOW; PEYER, 1995).
MEDICAÇÕES PSICOTRÓPICAS
Após o álcool e o tabaco, as medicações psicotrópicas
correspondem às substâncias psicoativas mais consumidas no
Brasil. Se considerarmos que ansiolíticos (Benzodiazepínicos –
Ex: Diazepam, Lorazepam), barbitúricos (Amilobarbital),
anfetaminas (Metilfenidato), anticolinérgicos, anorexígenos e
xaropes codeínicos, vendidos em drogarias sob controle apenas
das prescrições médicas, ocupam o terceiro lugar (após álcool e
tabaco) nas receitas publicitárias, entende-se, ao menos em parte,
porque estas substâncias são tão consumidas e comumente
subestimadas principalmente pela população leiga, quanto ao
seu potencial de uso abusivo (BUCHER, 2000).
As drogas ansiolíticas são as mais utilizadas entre os
psicotrópicos sendo os benzodiazepínicos os principais
(BUCHER, 2000), possuindo mais outras quatro propriedades
farmacológicas: sedativos, hipnóticos, relaxantes musculares e
anticonvulsivante. As faixas etárias avançadas e o sexo feminino
são os que mais recorrem a estas prescrições (RIBEIRO;
MARQUES, 2002b).
Nos últimos 30 anos, com o surgimento de formulações de
ação mais segura e livre de efeitos colaterais, capazes de
promover rápido alívio da ansiedade, estas substâncias
emergiram como uma saída para escapar de pressões sociais e
familiares. De fácil obtenção, são muitas vezes utilizadas por
usuários habituais de outras drogas para amenizar os efeitos
indesejados destas. Passaram a ser também comumente utilizadas
como substitutas da conversa médica, uma solução no
“tratamento” de pacientes queixosos, ou apenas considerados
difíceis (BUCHER, 2000). Na literatura científica, as posições
sobre a prescrição destes medicamentos são muitas vezes
antagônicas, em contradição com ampla prescrição por parte
dos médicos. Estima-se que 50 milhões de pessoas façam uso
diário de benzodiazepínicos sendo responsável por cerca de
50% de toda prescrição de psicotrópicos (Hallfors & Saxe, 1995).
Atualmente, um em cada 10 adultos recebem prescrições de
benzodiazepínicos a cada ano, a maioria destas feitas por clínicos
gerais (HIRSCHFELD, 1993).
Apesar de sua aparente segurança, estas drogas, além da
dependência psicológica, podem desenvolver uma dependência
física (cerca de 50% dos pacientes que as utilizam por mais de 12
meses) (BATESON, 2002), desencadeando, quando da sua
supressão uma nítida síndrome de abstinência que começa
progressivamente dentro de dois a dez dias a depender da meiavida do medicamento (MILLER, 1995). É importante diferenciar
os sintomas de abstinência com os sintomas de rebote que seria
o retorno dos sintomas originais para os quais o medicamento
foi prescrito, porém numa intensidade muito maior.
Além dos sintomas maiores como convulsões, alucinações
e delirium, a síndrome de abstinência também provoca tremores,
sudorese, palpitações, letargia, náuseas, vômitos, anorexia,
sintomas gripais, cefaléia, dores musculares, insônia,
irritabilidade, dificuldade de concentração, inquietação, agitação,
pesadelos, disforia, prejuízos da memória, despersonalização/
desrealização. É importante salientar que mesmo doses
terapêuticas podem levar à dependência. Não se deve esperar,
porém, que o paciente preencha todos os critérios, uma vez que
o quadro típico de dependência química não ocorre na maioria
dos usuários de benzodiazepínicos (TYRER, 1988). A melhor
técnica e a mais amplamente reconhecida como a mais efetiva é
a retirada gradual da medicação, estando relacionada ao menor
índice de sintomas e maior possibilidade de sucesso (RIBEIRO;
MARQUES, 2002b).
O suporte psicológico deve ser oferecido e mantido tanto
durante quanto após a redução da dose, para que o paciente
possa buscar certa autonomia no domínio da própria ansiedade.
Deve-se oferecer apoio psicossocial, terapia ocupacional,
psicoterapia e psicofarmacoterapia de estados depressivos
subjacentes. É importante ajudar que a pessoa distinga entre os
sintomas de ansiedade e de abstinência, assim como oferecer
suporte por longo prazo (RIBEIRO; MARQUES, 2002b).
As drogas estimulantes e anorexígenas, em especial as
anfetaminas, são, por sua vez, as de consumo em maior
crescimento. Seu mercado é diverso pois abrange três principais
tipos de usuários: “o instrumental”, consome com objetivos
específicos tais como emagrecer e melhorar o desempenho no
trabalho; “recreacional”, usa com intuito de buscar seus efeitos
estimulantes; e “os crônicos”, os quais buscam evitar o
desconforto dos sintomas de abstinência (OMS, 1997). Além
das anfetaminas fabricadas para “uso médico”, nos últimos 20
anos, anfetaminas modificadas têm sido sintetizadas em
laboratórios clandestinos para usos “não-médicos” sendo que
a mais conhecida e utilizada no Brasil é a 3,4 metilenedioximetanfetamina (MDMA), o “ecstasy”, muito identificada com
os “clubbers” e suas festas, conhecidas como “raves”.
As anfetaminas são capazes de agir sobre as funções de
sono e vigília, fome e saciedade, e possuem qualidades
estimulantes e euforizantes que facilitam seu uso abusivo.
Quando utilizadas de forma abusiva provocam também estados
de irritabilidade e nervosismo que levam muitas vezes os usuários
a associarem ansiolíticos ou outros sedativos (BUCHER, 2000).
Casos graves de intoxicação podem ser acompanhados de
agitação e nervosismo, chegando até a desenvolver delírios,
principalmente persecutório e auto-referente, e alucinações
visuais e auditivas. O tratamento pode ser feito com
neurolépticos e benzodiazepínicos (RIBEIRO; MARQUES,
2002c).
As principais complicações ameaçadoras à vida na
“overdose” por anfetamina são a hipertermia, hipertensão
arterial, convulsões, colapso cardiovascular e traumas. Edemas
pulmonares e cardiogênicos são possíveis (BUCHER, 2000).
Estas drogas têm um alto poder de induzir dependência e de
desenvolver tolerância, porém, boa parte destes indivíduos não
procura auxílio especializado bem como não há abordagens
específicas para estes pacientes (SRISURAPANONT et al, 2000).
A Síndrome de Abstinência chega a atingir cerca de 87% dos
usuários de anfetamina (CANTWELL; MCBRIDGE, 1998).
Sintomas depressivos e exaustão podem suceder períodos
prolongados de uso e abuso. Os sinais e sintomas da síndrome
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
179
de abstinência por anfetaminas são: fissura intensa, ansiedade,
agitação, pesadelos, redução da energia, lentificação e humor
depressivo. O tratamento medicamentoso para a remissão dos
sintomas não tem se mostrado promissor tendo preferido utilizar
critérios individuais para o tratamento de suporte.
Benzodiazepínicos de ação curta podem ser utilizados (RIBEIRO;
MARQUES, 2002c).
Estes agentes químicos não causam dependência nem física
nem psíquica, são substâncias lícitas em sua maioria, e assim o
caminho para resolver este problema é a educação através de
trabalhadores sociais que sejam familiarizados com o estilo de
vida do usuário (BUCHER, 2000).
SOLVENTES
Diamba, aliamba, bengue, birra, erva, fumo, fumo de Angola,
mato, pango, rafi, fininho, baseado, morrão, gongo, malva, fumo
bravo, maricas, mariguana, marihuana, namba, jererê, fumo de
caboclo, lombra, cangonha, ganja, calunda, bucha, barro... Com
tantos vocábulos diferentes, a maconha se configura como a
droga ilícita mais consumida no Brasil. O seu uso popular está,
muitas vezes, associado à vadiagem, preguiça e marginalidade
desde relatos que remetem ao período colonial quando usada
pelos escravos africanos para “esquecer as amarguras da
escravidão e a saudade da terra dos ancestrais” (BUCHER, 2000).
Muitos são os posicionamentos sobre os efeitos da maconha,
podendo ser exemplificados por duas posições antagônicas: a
moralista e a liberal. Segundo a ótica moralista, são enfatizados
os efeitos nefastos da maconha, apelando, por conseguinte, à
necessidade de repressão social como única maneira de
erradicação deste “mal terrível”. Por outro lado, sob um ponto
de vista liberal, entende-se a maconha como um meio, de uso
milenar, de o homem experimentar estados alterados de
consciência. Para além destas duas vertentes, observa-se que
apesar do discurso em torno da maconha como um “problema
público”, evita-se relatar que seus efeitos no organismo nunca
mataram ninguém, ao contrário do que acontece com muitas
drogas lícitas como o álcool, medicamentos e inalantes; ou ilícitas
como a cocaína ou os opiáceos (BUCHER, 2000).
As complicações agudas mais comuns do uso da maconha
são os déficits motores e cognitivos - perda de memória de
curto prazo (SOLOWIJ, 1998), podendo desencadear quadros
temporários de natureza ansiosa, tais como reações de pânico,
ou sintomas de natureza psicótica. Ambos habitualmente
respondem bem a abordagens de reasseguramento e
normalmente não há necessidade de medicação (VAN OS et al..,
2002).
A maconha é capaz de piorar quadros de esquizofrenia além
de constituir um importante fator desencadeador aos indivíduos
predispostos devendo os pacientes esquizofrênicos usuários
de maconha e seus familiares serem orientados quanto aos riscos
potenciais (VAN OS, 2002).
Os sinais e sintomas decorrentes do uso de maconha são
divididos em: euforizantes, físicos e psíquicos. Entende-se como
efeitos euforizantes o aumento do desejo sexual, a sensação de
lentificação do tempo, o aumento da autoconfiança e
grandiosidade, os risos imotivados, a loquacidades, a hilaridade,
o aumento da sociabilidade, a sensação de relaxamento, o
aumento da percepção das cores, sons, textura e paladar e o
aumento da capacidade de introspecção. Os efeitos físicos
principais são taquicardia, hiperemia conjuntival (olhos
vermelhos), boca seca, hipotermia, tontura, retardo psicomotor,
redução da capacidade para a execução de atividades motoras
complexas, incoordenação motora, redução da acuidade auditiva,
broncodilatação, hipotensão ortostática, aumento do apetite
(larica), xerostomia, tosse e midríase. Quanto aos efeitos
psíquicos, pode haver despersonalização, desrealização,
depressão, alucinações e ilusões, sonolência, ansiedade,
irritabilidade, prejuízos à concentração, prejuízo da memória de
curto prazo, letargia, excitação psicomotora, ataques de pânico,
A inalação voluntária destes produtos surgiu nos países
industrializados com a ampla fabricação de colas, produtos de
limpeza e cosméticos, entre outros, onde difundiram-se
principalmente entre os jovens de grupos marginalizados, como,
por exemplo, as minorias raciais. No caso do Brasil, dois perfis
principais de usuários podem ser identificados. O primeiro grupo
constitui-se de jovens, principalmente estudantes, que utilizam
esse tipo de droga como primeira experiência, como forma de
romper com as regras. Este grupo é geralmente composto por
classes sócio-econômicas mais favorecidas, que utilizam
principalmente o loló ou lança-perfume. O segundo grupo
engloba uma grande maioria social da juventude pauperizada,
que encontra no efeito rápido, porém intenso, dessas drogas
uma maneira de evasão da realidade (BUCHER, 2000).
Diversos estudos demonstram que o grupo específico das
“crianças de rua” utiliza habitualmente, principalmente, a cola.
Os autores chamam atenção tanto para os danos orgânicos
causados por essas substâncias quanto para o efeito alienante
e desmobilizante que esta prática pode exercer entre os jovens.
Assim a utilização dessas drogas no Brasil constitui um
fenômeno social vinculado a fatores como fome, miséria e o
abandono. Os consumidores mais numerosos e importantes são
jovens que vivem em condições miseráveis, sem estruturas de
suporte sociais ou familiares, que desenvolvem em torno da
droga uma forma de organização social, onde buscam prazer,
ainda que por curtos instantes (BUCHER, 2000).
Clinicamente, os solventes funcionam como depressores
centrais (DINWIDDIE, 1998). Seus efeitos intensos e efêmeros
estimulam o uso continuado, principalmente em usuários
crônicos, propensos a este tipo de uso, além de uma forte
probabilidade de desenvolver dependência (RANG, 2001).
Existem controvérsias quanto à existência de tolerância e
síndrome de abstinência para este tipo de droga.
A intoxicação aguda é caracterizada por sensação de euforia
e desinibição, associada a ataxias, risos imotivados e fala pastosa
durante as doses iniciais. Com a continuidade do uso, surgem
manifestações congruentes com a depressão do sistema nervoso
central: confusão mental, desorientação e possíveis alucinações
visuais e auditivas. Posteriormente a depressão central é
acentuada, levando a redução do estado de alerta,
incoordenação motora e piora das alucinações. O agravamento
do quadro pode levar ao estado de inconsciência, convulsões,
coma e até a morte. Os solventes são também depressores
cardíacos (ação miocárdica direta) e respiratórios. A ocorrência
de traumas associada à sua utilização, está relacionada à
incoordenação motora e distraibilidade decorrentes da
intoxicação (RIBEIRO; MARQUES, 2002d).
As intoxicações graves, com depressão respiratória, coma,
arritmias cardíacas e convulsões são emergências médicas e
devem receber tratamento imediato segundo procedimentos de
rotina. Intoxicações menos graves devem receber intervenções
suportivas como manutenção dos sinais vitais, controle da agitação
até a estabilização do quadro (RIBEIRO; MARQUES, 2002d).
MACONHA
180
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
auto-referência e paranóia e prejuízo do julgamento (RIBEIRO;
MARQUES, 2002e).
O uso crônico da maconha pode levar a déficits cognitivos,
no entanto estes são reversíveis e estão associados ao consumo
recente e não ao uso cumulativo (POPE; HUDSON, 2001).
Apesar da dependência da maconha vir sendo diagnosticada
há algum tempo, ainda se configura bastante relativa. Não há
doses formais definidas de tetra-hidrocanabinol (THC, princípio
ativo da maconha) para produzir a dependência e, apesar do seu
risco aumentar conforme a extensão do consumo, alguns
usuários diários não chegam a se tornar dependentes. A maioria
não se torna dependente e somente uma minoria desenvolve
uma síndrome de uso compulsivo semelhante a outras drogas
(ROSEMBERG; ANTHONY, 2001).
Da mesma maneira que a dependência, a síndrome de
abstinência, apesar de ser reconhecida pela CID 10, também é
controversa pois só havia sido descrita em laboratório. É
caracterizada por fissura, irritabilidade, nervosismo, inquietação,
sintomas depressivos, insônia, redução do apetite e cefaléia.
A conseqüência mais grave do uso continuado da maconha
é a Síndrome Amotivacional, na qual há um desestímulo do
usuário na busca de seus objetivos e das suas atividades
cotidianas: estudo, trabalho e esportes (BUCHER, 2000).
Os efeitos nocivos permanecem inconclusos e, recomendase que os profissionais de saúde informem seus pacientes
usuários sobre os já comprovados efeitos nocivos como risco
de acidentes, dependência (para os usuários diários), déficit
cognitivo e danos respiratórios (para usuários crônicos)
(RIBEIRO; MARQUES, 2002e).
COCAÍNA
A cocaína, ou a “droga nos anos 80”, ocupa um lugar de
destaque entre as drogas ilícitas apesar da sua já conhecida
periculosidade. Associada às camadas de elite da sociedade,
assim como à circulação em meios social e culturalmente
privilegiados, a coca exerce um fascínio crescente nas
sociedades ocidentais e a sua grande expansão se relaciona
fortemente como os modos de vida das nossas sociedades
pós industriais desde o início do século passado (BUCHER,
2000). Atualmente, o seu uso atinge todos os estratos sociais
(diretriz) sendo consumida por 0,3% da população mundial
sendo que 70% destes consumidores se encontra nas Américas
(UNODCCP, 2001).
Os usuários habituais elogiam as suas “virtudes”, pois a
droga torna-os mais lúcidos e concentrados, melhorando o
rendimento no trabalho pela eliminação do cansaço. Elimina
também os medos e as inibições, além de estimular a atividade
sexual, a sensação de potência e a vivência orgásmica. No
entanto, as promessas cumpridas pela droga não são duradouras
e os riscos calculados pelo seu uso devem ser contrapostos
aos riscos mais perniciosos como da dependência ou “vício”.
Os efeitos da cocaína em médio prazo vão se modificando
sendo que no início é caracterizado por euforia, estimulação,
redução da fadiga e do apetite, excitação sexual, aumento das
capacidades mentais e da sociabilidade. Porém, com o tempo, o
sentimento generalizado de aumento da energia vital e da
sensibilidade, bem como do otimismo, diminuem e cedem cada
vez mais à agitação e irritabilidade, à ansiedade,
hiperexcitabilidade, insônia, lassidão e modificações nas
capacidades de atenção e percepção, além de problemas
diretamente orgânicos como a ulceração das mucosas nasais. A
tolerância é desenvolvida fazendo com que a dose seja
progressivamente aumentada a fim de garantir os efeitos
positivos e afastar os negativos (BUCHER, 2000).
A periculosidade da cocaína se situa em três níveis: 1. pelas
reações bioquímicas e fisiológicas do sistema nervoso e de todo
o organismo à presença do tóxico; 2. pelos efeitos psíquicos,
seja nas alterações da consciência da “embriaguez cocaínica”
aguda, seja nas modificações de caráter a médio ou longo prazo;
e 3. por alterações psicossociais ou diretamente sociais, através
dos efeitos corrosivos exercidos sobre os laços familiares e
grupais, pelo isolamento e marginalização progressivos
(RIBEIRO; MARQUES, 2002f).
Nas salas de emergência, a cocaína é responsável por 30%
a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas (LANGE,
2001) e 10% comparada com todos os tipos de drogas
(CABALLERO, 1999). A população de usuários é extremamente
jovem, variando dos 15 aos 45 anos, com predomínio da faixa
etária dos 20 aos 30 anos.
A cocaína pode se apresentar sob a forma do pó de cocaína,
que pode ser cheirado ou inalado diluído em água; crack e merla ,
que podem ser fumados. Quanto mais rápido o início da ação da
droga, quanto maior a sua intensidade e quanto menor a sua duração,
maior será a chance para o indivíduo evoluir para a dependência.
Tais fenômenos são influenciados pela via de administração.
A coca é um estimulante poderoso do sistema nervoso
central e um potente anestésico local com ações
vasoconstritoras. As complicações relacionadas à cocaína
capazes de levar o indivíduo à atenção médica são habitualmente
agudas as quais apresentam especificidades a depender da via
de administração. As complicações psiquiátricas como quadros
agudos de pânico, os transtornos depressivos e os psicóticos
agudos são as mais comuns (RIBEIRO; MARQUES, 2002f).
Os principais sintomas decorrentes do consumo de cocaína
são o aumento do estado de vigília, euforia, sensação de bem
estar, autoconfiança elevada, aceleração do pensamento,
aumento da freqüência cardíaca, da temperatura corpórea e da
freqüência respiratória, sudorese, tremor leve de extremidades,
espasmos musculares (especialmente língua e mandíbula), tiques
e midríase (RIBEIRO; MARQUES, 2002f).
Dentre as complicações agudas, a mais conhecida é a
“overdose” que se caracteriza pela falência de um ou mais órgãos
decorrentes do uso agudo da droga. A “overdose” constitui
uma emergência médica e requer atenção imediata. Nesta
situação, as complicações cardiovasculares são as mais
freqüentes, principalmente a angina pectoris. As complicações
do sistema nervoso central também são muito importantes,
contribuindo para a ocorrência de acidentes vasculares cerebrais
entre os jovens (RIBEIRO; MARQUES, 2002f).
O uso da cocaína durante a gravidez está associado ao
aparecimento de complicações no concepto, como: baixo peso
ao nascer, abortos espontâneos e déficits cognitivos ao recémnascido. Não há evidências de uma síndrome teratogênica
(SINGER, 2002).
As complicações psiquiátricas como disforia (irritação),
ansiedade, agitação, heteroagressividade, sintomas paranóides
e alucinações podem ser decorrentes tanto da intoxicação aguda
quanto da síndrome de abstinência e são responsáveis pelo
aparecimento de uma série de transtornos psiquiátricos agudos
e crônicos. Existe uma possibilidade real dos transtornos
psíquicos também estarem relacionados a alterações clínicas
como distúrbios metabólicos e hipoglicemia ou quadros
confusionais desencadeados por infecções devendo ser feito,
prioritariamente, uma avaliação clínica inicial geral (RIBEIRO;
MARQUES, 2002f).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
No contexto da atenção básica, a abordagem do usuário
deve ser feita visando prevenir as intoxicações agudas e
overdose, situações comuns nas salas de emergência. A atenção
continuada ao usuário de cocaína poderá ajudar no diagnóstico
precoce da dependência e encaminhamento para serviços
especializados. À equipe de saúde da família cabe o papel de
articuladora na reconstrução das relações e suporte psicossocial,
buscando integrar este indivíduo ao seu meio e “substituindo”
a dependência à droga por novos laços afetivos.
As situações de emergência provavelmente ocorrerão e a
equipe deverá estar preparada para contorná-las. O
conhecimento prévio do paciente, através das visitas
domiciliares, ajudará consideravelmente a capacidade de poder
contratual entre a equipe e o paciente, de modo que este possa
ser tranqüilizado e medicado, dando suporte clínico necessário
e enfocando uma abordagem voltada para a realidade do
paciente, do seu contexto de vida, sem repressões e julgamentos.
Nos quadros em que há inquietação de natureza ansiosa
pode-se administrar um benzodiazepínico por via oral (1
comprimido de diazepam 10 mg ou clordiazepóxido 25 mg). Casos
de extrema agitação podem requerer a administração de
benzodiazepínicos mais sedativos por via intramuscular
(midazolam 15 mg) (RIBEIRO; MARQUES, 2002f).
Os sintomas psicóticos (delírios paranóides, alucinações)
podem desaparecer espontaneamente após algumas horas (ao
final da ação da droga). Agitações extremas decorrentes destes
sintomas podem necessitar sedação, sendo os
benzodiazepínicos intramusculares (midazolam 15 mg) os mais
indicados. Nas situações graves, os neurolépticos podem ser
utilizados, principalmente o haloperidol 5 mg. Os neurolépticos
fenotiazínicos, tais como clorpromazina e a levomepromazina,
devem ser evitados, pela redução significativa que provocam
no limiar de convulsão (RIBEIRO; MARQUES, 2002f).
A medicalização consiste numa parte da abordagem ao
usuário de cocaína, sendo utilizada principalmente nas
intoxicações agudas. Até o momento, nenhum medicamento
mostrou-se eficaz para proporcionar alívio aos sintomas de
abstinência, nem para diminuir o comportamento de busca da
substância, estando tais condutas norteadas pela prática clínica
(RIBEIRO; MARQUES, 2002f). A melhor abordagem a ser
realizada será aquela que considerará a complexidade do
indivíduo, seu meio e subjetividade proporcionando o
estabelecimento do vínculo com a equipe e o acompanhamento
continuado deste paciente.
COMENTÁRIOS FINAIS
A abordagem ao usuário de drogas na atenção básica requer
muito mais do que conhecimentos técnicos e farmacológicos. O
Programa de Saúde da Família traz a possibilidade de atuação da
equipe no mesmo território do usuário de drogas, promovendo
uma visão mais complexa dos processos que influenciam o
abuso e dependência.
Dentro de uma perspectiva multifatorial, o uso, abuso e
dependência de substância não constituem, necessariamente,
uma doença mental. Mais profundamente, estes podem ser
entendidos como conseqüência de uma série de pressões e
repressões que a vida em sociedade impõe. Nas histórias
pessoal, familiar, profissional dos usuários podem ser
encontrados indícios do que levou o paciente a buscar nas
drogas uma forma de evadir da realidade. Fatores biológicos
(como os genéticos, por exemplo) são apenas parte de um
cenário múltiplo.
181
O acompanhamento contínuo, através da busca ativa
destas pessoas, além de uma abordagem na família, a qual
majoritariamente encontra-se desgastada no convívio com
usuários de drogas, deverão ser o foco central do tratamento,
buscando-as no seu meio social, de modo a apóia-las e respeitalas. O restabelecimento da saúde pressupõe um total
engajamento do paciente no seu processo de livrar-se da
dependência assim como a abertura de novas alternativas que
possibilitem a sua reconstrução social. Para tal, a equipe de
saúde da família deverá atuar integrada não somente com
relação aos seus membros mas buscando articular-se com
outros setores como escolas, associação de moradores,
instituições de saúde especializadas, universidades etc, de
modo que possam ser realizadas atividades educativas que
visem a prevenção e promoção com relação às drogas como
também estimulando o respeito, tolerância e apoio aos usuários
de drogas e suas famílias.
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III.8
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
O PROFISSIONAL DE SAÚDE E O
ADOLESCENTE USUÁRIO DE
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Arlúcia de Andrade Fauth
Allann da Cunha Carneiro
Carina Santos Rios
Gustavo Carneiro Gomes Leal
Júlio César de Oliveira Leal
Liana Santos Alves Peixoto
Tiago Souza de Almeida
INTRODUÇÃO
Embora existam poucos dados epidemiológicos sobre o adolescente usuário de
drogas, estudos indicam que nessa população, a ocorrência de alterações de
comportamento e problemas psicológicos, é maior que entre adultos. O uso precoce é o
mais perigoso e quanto mais cedo a intervenção, maior a possibilidade de redução de
danos. As pesquisas em salas de emergência revelam que entre populações de jovens
mesmo entre usuários ocasionais, o álcool relaciona-se a 50% das ocorrências, (8).
Além disso, o uso de drogas associa-se a inúmeras complicações, desde acidentes
de trabalho a violência, complicações clínicas como câncer e cardiopatias e
desenvolvimento de dependência. Apesar desse quadro bem estabelecido, estudos
internacionais têm demonstrado que apenas 5% a 10% das pessoas com problemas por
uso de substâncias procuram tratamento especializado (30).
Outras pesquisas informam que aproximadamente 20% das pessoas que procuram a
rede de cuidados primários de saúde têm problemas por uso de drogas (4). Indivíduos
com transtornos por abuso de substâncias têm duas vezes mais chance de procurar os
serviços primários de Saúde do que aqueles que não apresentam tais problemas (4) Em
nível nacional, trabalhos realizados nas enfermarias do Hospital-escola da faculdade de
medicina da UNESP encontraram taxa de 17% de homens internados por outros
diagnósticos com patologia sugestiva de dependência a álcool, mas um número mínimo
havia sido diagnosticado como portador dessa e na ocasião do estudo apenas um havia
sido encaminhado a tratamento por esse quadro (12).
O Programa de Atenção Básica 2005 da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia,
preconiza, seguindo a NOAS nº. 01/2002 “as medidas preventivas em DST/AIDS, gravidez
na adolescência e abuso de substâncias psicoativas”.
Nesse contexto e após todos os elementos anteriormente citados, é possível afirmar que
a capacitação dos profissionais de saúde envolvidos em tais cuidados é um elemento
fundamental.
AEVOLUÇÃO DO TERMOADOLESCENTE
Adolescente é um termo relativamente recente. As “dificuldades e tensões” que
existem hoje nos adolescentes, é algo que nunca foi refletido nas sociedades primitivas,
portanto nunca houve um equivalente para a adolescência naquela época. A palavra
adolescente aparece na língua latina como adolescer que significava crescer, e o termo
adulescens para simbolizar o “crescendo”. Naquela época tal termo designava a faixa
etária dos 17 aos 30 anos.
Após alguns séculos o “crescendo” vai ser a partir dos 15 anos, utilizando-se a
evolução fisiologia e cronológica do sujeito. Por volta de 1870, surge nos dicionários
definitivamente o conceito de adolescente, mas ainda correspondendo a uma faixa etária
de 14 e 25 anos. (28).
No século XX, a adolescência se destaca bem da criança e do adulto, ganhando o
status de fase da vida (28), mas o que realmente importa nessa fase são as transformações
que as crianças vão passar para se tornarem adultos. É a vida sexual que deixa a infância
e se torna adulta, é a puberdade que atua.
A adolescência com o passar do tempo, se torna um símbolo bem identificado em
diversos campos da cultura e a partir da qual um grupo de certa faixa etária pode se
identificar. Esta identificação se torna cada vez mais ampla ao ponto de surgirem novas
Palavras-chaves:
Substâncias Psicoativas,
Adolescência, Atenção Primária,
Diagnóstico, Tratamento,
Redução de danos.
183
184
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
categorias, os pré-adolescentes. É uma fase, uma passagem, na
qual o indivíduo perde a identificação inicial com os pais, e
tenta traçar seu próprio caminho. Passa por situações,
experiências internas, conflitos, nada tranqüilos diante de um
real até então desconhecido.
Os Ritos de Passagem e suas importâncias
Nas sociedades primitivas, os ritos de passagem inseriam o
jovem em um modelo que fazia sentido diante de suas mudanças
típicas da idade. Assim, apesar de se depararem com a estranheza
de seu próprio corpo em transformação, os modelos forneciam
um modo do jovem se identificar e se posicionar.
Já na modernidade, com a massificação de modo de vida dos
indivíduos, principalmente nos centros urbanos, o rito perdeu
seu significado e, para compensar sua falta, surgiram os
equivalentes para o mesmo que se multiplicam sem cessar.
Como os ritos de passagem perderam sua força e não
fornecem mais os modelos, e na presença da massificação das
ações, fica conflituoso para o sujeito se posicionar – Não sou
adulto, nem sou criança, cresço ou continuo na adolescência?
Nesse caminho de ser único, o adolescente então parte da
referência, que é o símbolo do Pai, e vai tentar ir além deste Pai.
Tentará ser alguém no mundo, alguém diferente do que o seu
pai foi, e um ser responsável. Em um mundo com falta de modelos,
fica mais difícil sua trajetória, porém o obriga a um contato maior
e diferenciado em sua cultura.
A DROGAE OADOLESCENTE
A droga surge bastante evidente nessa fase – a adolescência.
Ela fornece laços sociais, com um grupo, no período em que o
indivíduo busca ser diferente do que seus pais foram – isto é o
“uso adolescente”. Apesar de separar-se do que foi seu Pai,
paradoxalmente torna-se alienado a um grupo que muitas vezes
se organiza em torno da droga.
Desta forma, para alguns jovens, a adolescência representa
um tempo da vida onde a droga pode fazer um papel social
temporário. Ao invés do(a) jovem ocupar seu lugar na sociedade,
se assume como um viciado(a), se identificando enormemente
com o termo. Torna assim a droga à causa dessa sua forma de
vida, se eximido da busca da responsabilidade.
É dessa forma que nos últimos tempos, a passagem da
infância para a fase adulta tem sido cada vez mais difícil. O
indivíduo permanece cada vez mais nessa fase, envolto em um
mundo de consumo extremamente prazeroso, e que não fornece
um modelo para sua passagem à idade adulta. Em suma, a
adolescência configura-se como um período de certa
vulnerabilidade para o sujeito, pois este se encontra imerso em
uma situação de transição em que novas responsabilidades e
papéis são assumidos, ocasionando algumas vezes conflitos e
indagações. Assim sendo, nessa etapa da vida, há uma a
probabilidade dos sujeitos experimentarem substâncias
psicoativas, culminando, em alguns casos, em dependência ou
pelo menos abuso.
Um bom profissional da saúde, no exercício da atenção primária
à saúde, não pode relevar esses casos. Para isso ele deve ser
preparado para conseguir diagnosticar ou prever de forma
simples e eficaz o abuso de substâncias psicoativas por seus
pacientes e também conseguir identificar possíveis transtornos
que possam estar relacionados a essa dependência.
Essa análise por parte do profissional deve ocorrer em todos
os seus atendimentos, não somente nas consultas direcionadas
ao problema, pois na maioria das vezes os jovens relutam ou
não conseguem reconhecer que têm problemas com substâncias
psicoativas e que precisam de ajuda. Por exemplo, nos casos de
co-morbidade entre dependência e transtornos psíquicos, a
grande maioria procura auxílio para os transtornos mentais e
não para o abuso de drogas, mas cabe ao profissional fazer o
diagnóstico duplo (3).
Como diagnosticar o envolvimento com drogas?
Há diversas maneiras de se diagnosticar o envolvimento do
(a) adolescente com substâncias psicoativas. A melhor é através
de um bom diálogo, não apenas com a pessoa, mas com seus
familiares, amigos e outros profissionais de saúde que já tenham
trabalhado com o mesmo (3). A conversa com o sujeito deve
acontecer de forma a deixá-lo confortável com o assunto, pois é
comum a resistência e até dissimulação nessas situações. Caso
um bom contato seja estabelecido, é importante questionar sobre
os tipos de drogas utilizadas, assim como a freqüência e a
quantidade (3).
Além do diálogo, para a identificação da substância utilizada,
devem-se observar também os sintomas físicos e psicológicos.
Existem sinais e comportamentos clínicos característicos de cada
classe de substância. Drogas e utensílios encontrados com o
paciente também devem ser levados em consideração além de
exames toxicológicos de sangue e urina caso seja disponível (3).
O diagnóstico principal deve ser feito em função da droga que
mais contribui para o quadro clínico do adolescente. Outras
drogas devem ser incluídas no diagnóstico caso se evidencie
que elas também representam uma ameaça significante à saúde
do adolescente.
É necessário que o profissional de saúde conheça alguns
dos principais transtornos que acometem os usuários de drogas.
A seguir, tem-se um resumo da classificação utilizada pelo CID10 (Classificação Internacional de Doenças 10) (21):
Intoxicação aguda: estado em que o usuário permanece
temporariamente após o uso da substância, caracterizado pelas
alterações relativas a cada droga, é a chama “onda” ou “viagem”.
Em alguns casos pode haver complicações na intoxicação aguda
causando lesões como traumatismo, aspiração de vômito,
delirium, coma e convulsões.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIAGNÓSTICO
Uso nocivo para a saúde: simplesmente um padrão de consumo
de uma droga que seja prejudicial a saúde, tanto de forma física
(e.g. danos ao septo nasal devido ao uso de cocaína), quanto
psíquica (depressão decorrente do uso abusivo de álcool e outras
drogas). Aqui nesse caso se inclui o conceito de abuso de
substância psicoativa.
O correto diagnóstico de uso, abuso e dependência de
substâncias psicoativas acometendo adolescentes é de
extrema importância, pois, além do prejuízo causado
diretamente pelas drogas, vários outros problemas graves
podem estar relacionados, como transtornos mentais e
comportamentais (10).
Síndrome [estado] de abstinência: conjunto de sintomas
decorrentes da cessação do uso de uma substância psicoativa
que o paciente vinha consumindo por tempo prolongado. Os
sintomas, o início e duração da crise dependem da droga e da
dose que era utilizada. Pode haver complicações com a ocorrência
de convulsões e delirium.
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Transtorno psicótico: caracteriza-se pelo surgimento de
fenômenos psicóticos (alucinações, paranóia, agitação, medo
intenso etc) durante ou logo após o uso da droga, mas que não
são explicados pelos efeitos habituais da substância usada ou
pelos efeitos da síndrome de abstinência.
Síndrome amnésica: caracterizada por transtornos da memória.
Habitualmente a memória imediata está normal, a memória remota
está relativamente prejudicada e a recente é a mais afetada.
Transtorno psicótico residual ou de instalação tardia: transtorno
caracterizado pelas alterações causadas pela substância psicoativa
que persistem além do período no qual essas manifestações
podem ser consideradas como um efeito direto da substância.
Dependência e Abuso
A síndrome de dependência se caracteriza por um conjunto
de fenômenos mentais, comportamentais e fisiológicos,
decorrente do uso repetido de uma substância psicoativa, que
causam desejo poderoso de consumir a droga. Esse desejo leva
a que o (a) jovem não consiga controlar seu consumo,
continuando o uso apesar de saber dos riscos e passar a dar
maior prioridade à droga do que a outras atividades prazerosas
e obrigações. Pode ocorrer também aumento da tolerância e
desenvolvimento de abstinência (Quadro 1). (22)
O abuso está relacionado aos problemas decorrentes do
uso repetido da substância. Isso é representado principalmente
por falha no cumprimento de obrigações, o uso da substância
em situações que trazem riscos físicos (e.g. dirigir alcoolizado),
problemas com a lei e no seu convívio social. Um indivíduo
pode apresentar esses comportamentos mesmo no início do
uso da substância, sem ter ainda desenvolvido dependência,
portanto se o indivíduo apresenta abuso de drogas não significa
necessariamente que ele seja dependente. A identificação de
abuso não inclui conseqüências diretas da droga à saúde do
indivíduo, como “overdose” ou câncer, portanto não inclui a
nicotina e cafeína (Quadro 2) (22)
Questionários
Existem questionários validados que podem ser usados na
identificação de envolvimento com substâncias psicoativas.
Esses, de forma rápida e eficaz, identificam o problema e podem
ser utilizados por qualquer profissional de saúde durante sua
entrevista com o paciente. Apesar de sua alta confiabilidade,
estes questionários não devem ser utilizados como ferramenta
de diagnóstico, apenas de levantamento e triagem (11,20). Em
seguida, um resumo dos principais questionários.
CAGE
O CAGE é um teste específico para o uso de álcool e
reconhecido internacionalmente pela sua praticidade e eficácia
(6,20)
, e é composto de quatro perguntas:
1. Você já sentiu necessidade de parar de beber ou de diminuir
a bebida?
2. Você já se sentiu chateado por pessoas que criticam seu
hábito de beber?
3. Você já se sentiu culpado por beber?
4. Você já bebeu álcool de manhã para acordar ou para curar
ressaca?
Para dar mais naturalidade ao teste, essas perguntas devem
ser mescladas com outros questionamentos diversos sobre
alguns hábitos da pessoa (e.g., bebidas de refrigerantes, café
ou chá , consumo de chocolate; etc.) ou em uma conversa
corriqueira com a pessoa.
indicam alcoolismo (6,20).
(6)
185
. Duas respostas afirmativas já
AUDIT (do inglês: Alcohol Use Disorder Identification Test)
É outro questionário específico sobre o consumo de álcool.
Composto de 10 perguntas de alternativa, mais completo que o
CAGE, porém é mais complexo de ser realizado e por ser mais
direcionado também pode causar maior resistência por parte do
entrevistado (15).
ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement
Screening Test)
O ASSIST é um questionário bastante completo que avalia
ao mesmo tempo o consumo de diversas drogas: álcool, cigarro,
maconha, cocaína, estimulantes, inalantes, alucinógenos etc.
Considerando a quantidade de drogas abordada pelo ASSIST
esse instrumento é bastante rápido e de fácil aplicação,
tornando-o perfeito para aplicação na atenção básica (11), como
pode ser visualizado no Quadro 3.
Como fazer o Diagnóstico Diferencial?
Como foi dito anteriormente, é bastante comum a relação
entre abuso de substância e transtornos mentais (10). A ordem
de causa e conseqüência pode ser variável, tanto o abuso de
substância pode acarretar com problemas mentais, quanto a
existência prévia de algum transtorno pode dar início ao
envolvimento do jovem com as drogas (3). Os principais
transtornos notados em pacientes com abuso de substância
são (DSM-IV): Crises de abstinência; Demência; Amnésia;
Transtornos psicóticos (delírios e alucinações); Ansiedade;
Problemas sexuais e Transtornos no sono.
Deve-se estar atento se esses transtornos são decorrentes
do abuso da substância ou se já faziam parte de um quadro préexistente. Para isso, deve-se conhecer o histórico da pessoa
para saber de sinais anteriores ao período de envolvimento com
a substância e observar se há manutenção dos transtornos após
suspensão do uso da droga. Na maioria das vezes, essa
diferenciação é bastante complexa, sendo muito recomendada a
atuação de um psiquiatra nesses casos (3).
Para se fazer um correto diagnóstico, é necessário conhecer,
além dos conceitos, os sinais e sintomas característicos
decorrentes do uso e abuso dos diferentes tipos de substâncias
psicoativas, como mostrado a seguir:
Características clínicas
Classificação das drogas
As drogas podem ser divididas em 3 categorias de acordo
com sua ação sobre o sistema nervoso: estimulantes,
depressoras e perturbadoras do sistema nervoso central.
Entre as drogas estimulantes estão a cocaína, anfetaminas,
nicotina e cafeína, que aumentam a atividade cerebral, deixando
a pessoa mais atenta e eufórica.
As principais drogas depressoras são: álcool,
benzodiazepínicos (tranqüilizantes ou calmantes), barbitúricos
(soníferos), opiáceos e inalantes. Estas agem diminuindo a
atividade cerebral, possuindo até mesmo propriedade
analgésica. A ação da droga torna a pessoa temporariamente
desatenta, desconcentrada, lerda e sonolenta.
Mescalina, maconha, cogumelo, LSD, ecstasy,
anticolinérgicos naturais (lírio) e sintéticos, são algumas das
principais drogas perturbadoras, também chamadas de
alucinógenas. Essas substâncias agem sobre o sistema nervoso
186
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Quadro 1. Critérios para identificação de dependência segundo o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders).
Critérios para Dependência de Substância
Um padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado
por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses:
(1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
(a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado
(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância
(2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:
(a) síndrome de abstinência característica para a substância
(b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de
abstinência
(3) a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido
(4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância
(5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou
fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos
(6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da
substância
(7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente
que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que
sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma
úlcera piorou pelo consumo do álcool)
Especificar se:
Com Dependência Fisiológica: evidências de tolerância ou abstinência (isto é, presença de Item 1 ou 2).
Sem Dependência Fisiológica: não existem evidências de tolerância ou abstinência (isto é, nem Item 1 nem Item 2 estão
presentes).
Fonte: http://www.psiqweb.med.br/dsm/subst.html
Quadro 2. Critérios para identificação de abuso de substância segundo o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders).
Critérios para Abuso de Substância
A. Um padrão mal-adaptativo de uso de substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado
por um (ou mais) dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro de um período de 12 meses:
(1) uso recorrente da substância resultando em um fracasso em cumprir obrigações importantes relativas a seu papel no
trabalho, na escola ou em casa (por ex., repetidas ausências ou fraco desempenho ocupacional relacionados ao uso de
substância; ausências, suspensões ou expulsões da escola relacionadas a substância; negligência dos filhos ou dos
afazeres domésticos)
(2) uso recorrente da substância em situações nas quais isto representa perigo físico (por ex., dirigir um veículo ou operar
uma máquina quando prejudicado pelo uso da substância)
(3) problemas legais recorrentes relacionados à substância (por ex., detenções por conduta desordeira relacionada a
substância)
(4) uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou
exacerbados pelos efeitos da substância (por ex., discussões com o cônjuge acerca das conseqüências da intoxicação, lutas
corporais)
B. Os sintomas jamais satisfizeram os critérios para Dependência de Substância para esta classe de substância.
Fonte: http://www.psiqweb.med.br/dsm/subst.html
central gerando quadros de alucinação ou ilusão, geralmente
de natureza visual.
Quadro clínico
Drogas depressoras do Sistema Nervoso Central
1. Álcool
Os efeitos da ingestão de álcool podem ser notados em duas
fases distintas. Inicialmente são notados os efeitos estimulantes
como euforia e desinibição, as pessoas ficam mais “soltas”.
Com o passar do tempo, começam a aparecer os efeitos
depressores como desequilíbrio, falta de coordenação motora,
fala arrastada, descontrole e sono.
É comum também, após a ingestão de bebidas
alcoólicas, que o indivíduo apresente um mal-estar geral,
com dor de cabeça, rosto avermelhado e vômito; mais
comum em pessoas pouco resistentes ao álcool. Quando a
dose de álcool é muito elevada, o efeito depressor fica
exacerbado, podendo até mesmo provocar o estado de
coma.
Os consumidores de álcool, freqüentemente, desenvolvem
tolerância e precisam de doses cada vez maiores para se
satisfazerem. A síndrome de abstinência também é comum no
alcoolismo e inclui dois ou mais dos seguintes sintomas:
sudorese; tremor das mãos; insônia; náusea e vômitos;
alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas; agitação e
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
187
ansiedade. Delirium e convulsões ocorrem em uma quantidade
muito reduzida de pessoas.
Os sintomas da abstinência geralmente começam a aparecer
de 4 a 12 horas após a suspensão do uso e alcança sua
intensidade máxima durante o segundo dia de abstinência e
tendem a melhorar acentuadamente no quarto ou quinto dia.
Porém, após esse período de abstinência, segue-se outro quadro
crônico, com sintomas de ansiedade, insônia e disfunção no
sistema nervoso autônomo que podem persistir por até 3 a 6
meses.
Os sintomas de abstinência normalmente aparecem 8 a 10
horas depois da pausa do uso, no caso de heroína e morfina. A
crise de abstinência normalmente se inicia com ansiedade,
sudorese, lacrimejamento, corrimento nasal, bocejos e desejo
pela droga. Os sintomas vão se intensificando, aparecendo então
insônia, ondas de calor e frio, dores nos ossos e músculos,
cólicas abdominais, pupilas dilatadas, calafrios e tremores. Em
um a dois dias, aparecem sintomas de extrema inquietação,
vômitos, diarréia, náusea, pressão, temperatura, pulso e
freqüência respiratória altas.
2. Inalantes
O termo inalantes refere-se a um grupo heterogêneo de
substâncias químicas presentes em vários produtos de uso
corriqueiro encontrados na indústria, nos escritórios, na escola
ou em casa. Também chamados de substâncias voláteis ou
solventes, os inalantes compõem uma ampla gama de produtos
como colas, solventes, tintas, corretivos líquidos, nitritos
orgânicos e anestésicos. Inalados, os vapores destes produtos
produzem sensações prazerosas, como euforia e desinibição. É
importante reconhecer que existem diferentes inalantes em vários
produtos com efeitos fisiológicos e propriedades químicas
variados. Nessa categoria os agentes químicos mais
frequentemente abusados incluem o tolueno, hexano,
tetracloreto de carbono, acetona, nafta, éter, clorofórmio, entre
outras. “O alto uso indevido de solventes no Brasil os
transformam na droga mais consumida entre estudantes dos
ensinos fundamental e médio, nas 27 capitais do País” é a
conclusão do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas - Cebrid, após levantamento feito em 2004, com
estudantes. Para prevenir o uso indevido, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária - Anvisa determina a resolução 345, de
proibição da venda para menores de 18 anos de solvente
utilizados largamente em grandes e pequenas indústrias (9). Outro
inalante, para os quais a questão de ilegalidade torna difícil o
acesso a informações de consumo, é o éter e seus diversos
subprodutos, presentes nos chamados “lança-perfume” e
utilizados em larga escala em períodos de festas populares às
quais são atribuídos inúmeros casos de acidentes, prisões e
morte por parada cardíaca de pessoas nessa faixa etária.
4.Benzodiazepínicos e Barbitúricos
Utilizados como ansiolíticos, relaxantes musculares e
anticonvulsivantes, os benzodiazepínicos (BZD) são associados
a um risco definitivo de dependência quando prescritos em longo
prazo, mesmo se utilizados em doses terapêuticas, e mesmo o
uso em curto prazo pode causar rebote na parada de uso destas
medicações. (28)
Didaticamente, é possível classificar os dependentes de
BZDs em duas grandes categorias: aqueles que recebem a droga
sob prescrição médica e aqueles que abusam primariamente de
outras drogas, associando os BZDs a estas como os usuários
de álcool, cocaína, anfetaminas, heroína, etc.(19).
A procura de serviço de saúde pelos usuários desses
medicamentos mais frequentemente ocorre devido à abstinência,
em procura de novas receitas ou em conseqüência de
superdosagem.
No abuso desse tipo de substância há três padrões de uso.
Na intoxicação crônica, mais comum na meia idade, a pessoa
normalmente inicia o uso ocasional para insônia ou ansiedade,
mas evolui para o uso crônico diário. No caso dos adolescentes,
é mais comum a intoxicação periódica, que é o uso com o objetivo
de “bater onda” (ficar com a consciência alterada). É comum
também a mistura do uso desses medicamentos com outros
depressores do sistema nervoso, como heroína ou álcool.
Nos casos de intoxicação, raramente a pessoa procura ajuda
médica, mas os principais sinais físicos são nistagmo, diplopia,
estrabismo, tônus muscular e coordenação diminuídos, vertigem,
ataxia. Os efeitos psicológicos são similares aos do álcool. Doses
maiores podem levar a coma, apnéia e morte.
Abstinência dessas drogas pode culminar em delirium,
convulsões e até mesmo morte, tornando necessário o
acompanhamento hospitalar para pacientes apresentando
abstinência das mesmas. A abstinência mais frequentemente
ocorre após intenso uso durante um ou dois meses e depende
da duração da ação da droga Os sintomas são inicialmente:
ansiedade, inquietação, náusea, vômitos e anorexia. Após
um dia intensificam-se se somando a insônia, pesadelos,
tremor nas mãos, cólicas abdominais, hiper-reflexia,
taquicardia e pressão baixa. Em dois a três dias é possível a
ocorrência de convulsões, sendo que metade destes pode
apresentar delirium. Bebês de mães fisicamente dependentes
manifestarão esses mesmos sinais e sintomas de abstinência,
só que devido à tenra idade seu quadro clínico é bem mais
grave.
3. Opiáceos
A Heroína e a morfina estão entre os mais comuns opióides.
Seus usuários costumam chegar ao sistema de saúde em razão
de abstinência, superdosagem ou de complicações como
endocardite e hepatite.
Essas drogas são bem absorvidas pelo organismo e
apresentam efeitos mais intensos quando injetados na circulação
sanguínea do que quando ingeridos.
Na intoxicação por opióides, o indivíduo apresenta
diminuição da dor, dificuldade na respiração, constipação, enjôo,
vômitos, diminuição das pupilas, queda de pressão e fala
arrastada. A pessoa intoxicada geralmente se encontra eufórica
(mas também pode apresentar desânimo), sonolenta, desatenta
e tranqüila.
A superdosagem de opióides normalmente acontece pelo
uso da heroína e tem como principais sinais e sintomas o
conjunto: coma, pupilas contraídas e depressão respiratória. A
pele se encontra mais fria e pegajosa, além de uma coloração
azulada. Deve-se verificar também a presença de marcas de
agulhas. Os músculos podem estar flácidos e a urina diminuída.
O uso concomitante de álcool e barbitúricos podem facilitar o
aparecimento desses sintomas.
5 Drogas estimulantes do Sistema Nervoso Central
A cocaína e as anfetaminas são as drogas estimulantes
mais comumente envolvidas em abuso. As anfetaminas são
geralmente ingeridas, já a cocaína por via oral não apresenta
efeitos muito fortes e por isso é mais utilizada a inalação
intranasal. A cocaína tem ação mais curta que as anfetaminas e
o aparecimento dos seus efeitos é mais rápido.
188
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Pequenas doses dessas drogas provocam aumento da
pressão arterial, da freqüência cardíaca, da temperatura corporal
e das pupilas. O aumento da dose provoca o aumento desses
efeitos, além de poder também causar rubores, tonturas, dor no
peito, enjôos e vômitos. Podem ocorrer arritmias, convulsões,
hemorragias e dificuldade em respirar. A morte por uso dessas
substâncias ocorre geralmente quando o uso se dá por injeções
ou no caso da cocaína, também quando fumada.
Alguns sinais físicos ajudam no diagnóstico do abuso de
cocaína. Quando inalada, pode provocar coriza, corrimento nasal,
septo nasal inflamado, inchado ou até mesmo perfurado; a
injeção pode provocar abscessos cutâneos e inflamações locais.
Além de aumentar as chances de infecção pelo Clostridiium
tetani (tétano), por vírus das hepatites B e C e HIV, especialmente
quando os usuários compartilham seringas ou as usam em
precárias condições de higiene.
Os efeitos psicológicos provocados pelo uso desse tipo de
droga são: euforia, sensação de fadiga e apetite diminuídos e
força física e capacidade mental aumentadas. O aumento da
dose provoca bruxismo (ranger os dentes), formigamentos,
insônia, perda de peso, inquietação, tremor, irritabilidade,
paranóia, perda de concentração. Também a psicose paranóide,
caracterizada por delírios de perseguição, instabilidade
emocional e alucinações além de agressividade física, sendo
quadro de psicose clinicamente indistinguível da esquizofrenia.
As drogas estimulantes não provocam crise de abstinência que
ameace a vida, apesar da apresentação de uma série de sintomas
como depressão, pensamento suicida, irritabilidade, náuseas,
vômitos, sono irregular, tremores além de extrema fadiga. O que
se chama de “aterrissagem” (que compreende letargia, fome,
apatia e desejo pela droga) ocorre após uso contínuo e pesado
da droga por dias ou semanas. Há desenvolvimento de tolerância
aos efeitos euforizantes, hipertérmicos, e cardiovasculares além
da supressão do apetite.
6. Drogas perturbadoras do Sistema Nervoso Central
Maconha
A maconha tem origem na planta Cannabis sativa O
tetrahidrocanabinol (THC) é a substância psicoativa
principal, embora a fumaça da maconha contenha mais de
400 compostos. A potência da droga depende da
concentração do THC que varia consideravelmente de
acordo com a parte da planta usada para o preparo, região
geográfica de cultivo, etc. A resina da floração da planta,
onde o THC é mais abundante dá origem ao haxixe, raro no
Brasil (28). Alguns dos sinais de uso de maconha são bastante
conhecidos, um dos mais marcantes são os olhos
avermelhados, bastante visíveis. Outros sinais são boca
seca, aumento da freqüência cardíaca, sonolência e notável
aumento do apetite.
Os principais sintomas físicos decorrentes do uso e abuso
de maconha são problemas respiratórios: bronquite, sinusite,
faringite, tosse seca, congestão nasal, etc. Alguns sinais
psiquiátricos são característicos como deformação da noção
de tempo e espaço e prejuízo da atenção e da memória de
curto prazo.
A síndrome de abstinência da maconha tem se apresentado
com inquietude, ansiedade, disforia, irritabilidade, insônia,
anorexia, tremores musculares, aumento dos reflexos, sudorese,
diarréia e alterações de batimentos cardíacos e da pressão
sanguínea. Essa síndrome pode aparecer em torno de 10 horas
após a cessação do uso e atingir seu pico por volta das 48
horas.
Com o uso excessivo da maconha, em alguns casos pode-se
desenvolver a chamada síndrome amotivacional, caracterizada
por apatia, dificuldade de concentração, isolamento social, perda
no interesse em coisas novas.
LSD
O LSD usado largamente em vários países, possui efeitos
semelhantes à mescalina, porém menos intensos.
Os efeitos dessas drogas, assim como os demais
perturbadores do SNC, são aumento da pressão arterial e da
freqüência cardíaca, aumento da temperatura corporal e dilatação
das pupilas. Essas drogas provocam efeitos visuais, alterações
de percepção, instabilidade emocional e pensamento alterado.
Alucinações verdadeiras são raras, pois na verdade as emoções
se tornam mais intensas e mudam de forma repentina, além de
distorção de tempo e espaço. As percepções intensificam-se,
as cores e texturas se tornam mais ricas e os odores são mais
fortes, além de surgirem muitos questionamentos e exacerbação
da sensibilidade.
Dentre as reações adversas provocadas pela droga, a
“viagem” ruim é a principal, sendo mais comum em usuários
inexperientes e indivíduos que não toleram os efeitos da
droga ou a perda de controle. A “viagem” ruim consiste em
pânico extremo e agudo além de medo de ficar louco. Outra
reação adversa é o delirium, que consiste em agitação,
desorientação, paranóia, alucinação e delírio. Os pacientes
tendem a atos perigosos e podem agredir as pessoas ou
tentar o suicídio.
O uso de alucinógenos pode provocar psicose, além de
exacerbar ou revelar algum conflito psicológico, dependendo
da vulnerabilidade do usuário.
Quatro em cada dez pacientes apresentam
espontaneamente efeitos recorrentes transitórios por meses
após o uso, incluindo fadiga, estresse e uso de outras drogas,
como maconha e álcool. O “flashback” é caracterizado por
instabilidade emocional, distorção de percepção, ilusões
visuais e perda da noção de tempo, durando por volta de alguns
segundos.
TRATAMENTO
Como tratar o adolescente com problemas relacionados ao
uso de álcool ou outras drogas?
Os estudos de metanálise sobre a efetividade dos diversos
tratamentos psicoterápicos para adolescentes conseguiram
reunir em torno de 400 tipos diferentes de terapias utilizadas
para adolescentes (33). Além dessa diversidade de intervenções,
a escolha do tratamento dependeu de fatores extrínsecos, isto
é, da disponibilidade do tratamento mais adequado para o jovem
(proximidade ao local de sua residência e compatível com sua
condição socioeconômica e com seu sistema familiar), como
também de fatores intrínsecos, como a motivação do jovem e a
gravidade de seu diagnóstico como um todo. O tratamento do
adolescente deve levar em consideração também, o tipo da droga
utilizada e a freqüência do consumo (18,13).
Qualquer que seja o modelo teórico, o tratamento deve estar
estruturado em três níveis: o desenvolvimento global do
adolescente; a modificação do comportamento de uso de álcool
ou drogas e a resolução dos problemas associados, além do
reajuste familiar, social e ambiental. (13).
Basicamente, há cinco modelos de tratamento para as
farmacodependências: ambulatorial, hospitalar, comunidades
terapêuticas, grupos de auto-ajuda e medicamentoso. (23).
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
O tratamento medicamentoso para dependência química,
além de específico quando necessário para a síndrome de
abstinência de determinadas substâncias psicoativas, visam a
utilização de drogas anticompulsivas que auxiliam o paciente a
ter um alívio da “fissura” (exacerbado desejo de usar a droga),
sendo esse relevante elemento na recaída de indivíduos após a
desintoxicação. (13).
Papel dos fármacos no tratamento do alcoolismo – uma questão
complexa e multifatorial
O uso de Dissulfiram (antabuse) é indicado apenas para
pacientes de boa adesão ao tratamento e sem condições físicas
graves. O uso desse medicamento pode ser suspenso em 6 a 12
semanas, mas se o paciente for incapaz de se manter sóbrio, o
tratamento deve persistir indefinidamente.
O lítio é utilizado na manutenção da abstinência no alcoólico
desintoxicado (e nos casos com histórico familiar ou pessoal de
transtorno afetivo ou padrão cíclico de beber impulsivo). A
duração do tratamento é de pelo menos 1 ano e deve ser
reinstituído caso os sintomas reapareçam.
Muito comumente, os indivíduos alcoolistas apresentam
sintomas de depressão, ansiedade ou comportamento antisocial. Tais sintomas são induzidos por álcool e cessam após 1
a 2 semanas de abstinência na maioria dos casos. Com a
persistência dos sintomas, deve ocorrer o tratamento
concomitante para o transtorno e alcoolismo. Entre esses
transtornos, a ansiedade é bastante comum. Deve-se ter cuidado
com abuso de benzodiazepínicos que é um alto risco para
pacientes com alcoolismo. Nessa situação devem ser usados
preferencialmente tricíclicos ou inibidores da monoamina oxidase
para ansiedade ou transtorno do pânico e buspirona para
ansiedade generalizada. Podem ser usados também nesses
casos de ansiedade, serotoninérgicos como fluoxetina,
paroxetina, citalopram e sertralina.
Noradrenérgicos e dopaminérgicos (bupropiona, venlafaxina,
metilfenidato e clonidina) são utilizados com bons resultados
em pacientes hiperativos usuários de álcool, já que aqui também
pelo risco deda biso de vê-se evitar o uso de derivados
anfetamínicos.
Outras substâncias, embora de uso pouco habitual como o
Naltrexone parece amenizar os efeitos da ingesta do álcool e o
acamprosato parece amortecer os efeitos da abstinência
alcoólica.
O Álcool e os programas de tratamento
Na reabilitação de um adolescente com alcoolismo deve-se
considerar normal a existência de recaídas, já que se trata de
uma doença médica crônica, e devido a heterogeneidade dos
seus portadores, as terapias existentes nem sempre dão bons
resultados, devendo as peculiaridades de cada sujeito e
exeqüibilidade da proposta terapêutica serem bem avaliadas.
Os objetivos do tratamento para reabilitação do doente
resumem-se em desintoxicação, abstinência e sobriedade.
Os Alcoólicos anônimos (AA) possuem um papel
fundamental no alcance da abstinência, sendo bastante efetivo,
porém alguns pacientes necessitam de diferentes programas de
tratamento, inclusive a hospitalização.
A sobriedade, ou recuperação, contempla mudanças
psicológicas e sociais importantes, para que as pessoas não se
sintam insatisfeitos com a qualidade de suas vidas após o
tratamento.
Indivíduos com uso intenso e freqüente do álcool e aqueles
sem sucesso no tratamento ambulatorial podem precisar de
189
internação, para conseguir se o início da abstinência e
recuperação.
Há um grande questionamento sobre a eficácia de um
tratamento isolado, somente com os AA. A principal crítica referese a um estado de infelicidade após o tratamento por essa via.
Nesses casos, associar um tratamento ambulatorial pode gerar
alguns benefícios, como por exemplo: em casos onde o
tratamento fez surgir uma síndrome psiquiátrica que ameaça a
sobriedade do paciente, essa acaba requerendo um tratamento
psiquiátrico.
Benzodiazepínicos
Na atenção básica o tratamento de usuários dessa categoria
de substância deve enfatizar a síndrome de abstinência , tratada
através da redução parcelada e progressiva do BZD em
questão. Geralmente o BZD de meia vida curta deve ser
substituído pela dose equivalente de BZD de longa meia vida
longa antes da retirada completa. A retirada geralmente iniciase com a redução de 50% da dose inicial no 2º dia de retirada,
continuando-se com 1/3 da dose total até o final. Muitas vezes,
por intolerância do paciente quanto aos sintomas da síndrome
de abstinência, esta retirada é bem mais lenta, podendo até
levar meses (13).
Os Inalantes
O tratamento da superdosagem ou do uso crônico de
inalantes não é específico; Nesses casos são usadas medidas
de suporte como controle sintomático de arritmia, dificuldades
respiratórias e distúrbios hidroeletrolíticos. No caso de síndrome
orgânica cerebral, o tratamento se baseia no reasseguramento e
na tranquilização em um ambiente calmo até a resolução natural
do quadro que ocorre em horas. O uso de neurolépticos é contraindicado e, caso não ocorra a diminuição dos sintomas de
alteração do comportamento e sensório em horas ou até cinco
dias, deve ser considerada a possibilidade de um algum
transtorno orgânico ou psiquiátrico subjacente. (23).
Canabinóides: Maconha e Haxixe
A maconha e o haxixe podem induzir uma variedade de
sintomas psicóticos e alterações no comportamento, embora
seu uso, muitas vezes, seja pouco valorizado. Raramente causa
emergências médicas, pode desencadear um quadro psiquiátrico
em indivíduos predispostos ou um surto em um indivíduo que
já tenha um quadro estabelecido. (28).
As principais reações adversas ao uso do THC são “más
viagens”, reações de pânico, delirium e “flashbacks”, mas essas
são raras e nesses casos o tratamento é baseado na conduta de
reasseguramento e apoio ao paciente desde que os sintomas
são autolimitados. Não é necessário manejo medicamentoso,
inclusive a síndrome de abstinência não requer nenhuma
intervenção farmacológica específica (19).
Estimulantes do Sistema Nervoso Central: Cocaína e
Anfetaminas
Como dito anteriormente, a cocaína e as anfetaminas, embora
farmacologicamente diferentes, compartilham atividade
estimulante do SNC e grande capacidade para abuso e
dependência.
Em quadros de intoxicação aguda com sintomatologia
paranóide relevante, pode-se fazer uso de medicação
antipsicótica. Haloperidol é a medicação de escolha por sua
menor capacidade de desencadear convulsões, doses de 5 a 15
mg ao dia por, no máximo, uma semana (23).
190
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA
Os quadros de intoxicação grave com sintomas físicos
(pressão arterial elevada, convulsões, etc.) devem ser tratados
com medidas gerais de manutenção.
Quanto à compulsão ou “fissura”, freqüente nos usuários
de cocaína, pode ser manejada com drogas anticompulsivas,
(e.g. desipramina, bromocriptina, fluoxetina, carbamazepina em
doses habituais antiantidepressivas e para modulação do
humor). (13).
Alucinógenos
O termo alucinógeno refere-se a um grupo heterogêneo de
substâncias com diferentes capacidades químicas e
farmacológicas, tendo em comum a capacidade de causar no
usuário uma alteração na sensopercepção (alucinações) e um
estado mental semelhante à psicose. As substâncias
alucinógenas tanto podem ser encontradas na natureza (em
plantas e cogumelos), serem semi-sintéticas (a dietilamida do
ácido lisérgico - LSD) ou sintéticas (MDMA - Ecstasy). (28).
Os anticolinérgicos, como o trihexafenidil e o biperideno, em
altas doses, também podem ser usados eventualmente para a
obtenção de efeito alucinatório. (28).
Nesses casos as reações de pânico são tratadas com BZD,
isso se a pessoa apresentar grande ansiedade. Em casos de
superdosagem atendidos de imediato, utiliza-se lavagem gástrica,
do contrário as medidas estabilizadoras são mais recomendadas.
ABORDAGENS TERAPÊUTICAS DOS TRANSTORNOS
RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS
As psicoterapias são indicadas pela maioria dos
profissionais e pesquisadores da área, para o tratamento de
transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas.
Assim, as intervenções psicossociais são consideradas como
fundamentais ao sucesso do trabalho. Em geral, a indicação de
atividades psicoterapeuticas é individualizada, entretanto o
atendimento pode alcançar além do indivíduo, o grupo familiar e
a comunidade na qual o usuário está inserido, podendo ser
individuais ou grupais, curativas ou de prevenção de recaídas
(26)
.
Abordagem Psicodinâmica
A abordagem psicodinâmica integra um conjunto de
teorizações de base psicanalítica e busca compreender a
personalidade da pessoa a partir da articulação entre fatores
biopsicossociais.
A personalidade, foco de estudo da psicodinâmica, é
conceituada como um modo singular de ser no mundo e que
integra uma complexa rede de inter-relações entre tendências
afetivas (corpo), representações mentais e imagens, e as
experiências adquiridas no decorrer da vida. Esta abordagem
parte do pressuposto de que as determinações biológicas são
mais ou menos relevantes na constituição da personalidade isso
devido ao significado que adquirem na dinâmica do
funcionamento psíquico (26).
As teorizações psicanalíticas, ao se referirem a pessoas
dependentes de drogas, supõem personalidades neuróticas
impulsivas que seriam indivíduos que se arvoram na busca de
atos que dão prazer, sem consideração pelos outros, a não ser
como instrumento para satisfação e alívio das tensões geradas
pela falta do prazer.
A abordagem psicodinâmica também supõe a existência de
uma personalidade prévia que ao entrar em contato com a droga
estaria predisposta à adição. Portanto a personalidade do
toxicômano quando se apresenta ao tratamento seria o resultado
cumulativo dos efeitos da história pessoal da ingestão de drogas
sobre a sua personalidade prévia.
Os trabalhos psicanalíticos indicam ainda a importância de
impulsos e de fixações para explicar a dependência das drogas
(26)
. Sob essa perspectiva a fixação no estágio oral do
desenvolvimento infantil e a posterior regressão seriam centrais
na determinação do quadro clínico. A abordagem psicodinâmica
leva em conta ainda, alterações e vulnerabilidades da estrutura
psíquica dos dependentes, além de tentar compreender as
dificuldades que estas pessoas apresentam no manejo de afetos
e comportamentos e dos estados subjetivos relacionados ao
bem estar e auto-estima.
Os toxicodependentes são considerados imaturos
afetivamente e possuindo recursos internos pouco
desenvolvidos. Esses pacientes “permanecem vinculados a um
nível primitivo de funcionamento psíquico, no qual há
incapacidade de discriminar e verbalizar sentimentos”, o que os
impossibilita de lidar com dificuldades intra e extrapsíquicas de
modo satisfatório (26).
A função do tratamento seria permitir que estes indivíduos
entrassem em contato com conteúdos inconscientes que o
impulsionam ao uso desmedido de droga, e, além disso, permitir
que ele tenha uma melhor relação com os outros que o cercam e
consigo.
Abordagem Fenomenológico-existencial/Compreensiva
Aqui, nesta perspectiva, a Compreensão, como enfoque
metodológico, evidencia-se através da concepção humanista, e
com a mesma o resgate de conceitos como responsabilidade,
subjetividade e liberdade. A partir disso, o fenômeno das drogas
é compreendido num enfoque interacionista no qual o sujeito é
entendido em relação, seja consigo mesmo, com a sua família,
sua história, as contradições sociais, e, neste caso específico,
em relação às drogas.
A pessoa humana é percebida como uma totalidade, não
podendo ser decomposto em partes para ser estudado ou
analisado, devido à complexidade e dinâmica da sua vida
psíquica, que não pode ser reduzida a qualquer apreensão
fragmentária. Além disso, esta idéia está fundamentada no
conceito de individualidade, sendo cada indivíduo diferente
entre si e cada um deles um ser multifacetado que nenhum modelo
isolado abarca.
O aspecto social da vida do indivíduo é também incluído,
sendo o homem considerado um ser social, fonte e centro de
valores, cujo crescimento é parte inerente de seu processo de
individuação e depende do seu encontro com os demais sujeitos.
O paciente é ainda, pensado como responsável por suas
escolhas, portanto, ativo na construção de relações com a coisa
e o outro.
Da fenomenologia são utilizados conceitos como o de
intencionalidade que descreve o fenômeno com tudo aquilo
que está presente na consciência. Dessa maneira, o objeto nunca
existe sem uma consciência que o registre, nem existe consciência
sem objeto. “As idéias existem porque são idéias sobre coisas,
ambas constituindo um único fenômeno” (19). Assim, a pessoa
humana só existe em relação, e, portanto, a compreensão dessas
relações tem muito a revelar sobre o mesmo e o seu modo de ser.
O existencialismo se insere nesse contexto e apresenta a
valorização do ser humano, como ser existencial que se constrói
no mundo, sendo a relação pessoa-mundo tão intima que seria
equivocado rompê-la para o exame de qualquer questão.
Fundamental para o entendimento dessa filosofia é a idéia de
CONTRIBUIÇÕES DAS ESPECIALIDADES MÉDICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
liberdade que confere ao indivíduo o poder de autodeterminarse e principalmente de fazer escolhas, sendo que o indivíduo
sempre seria barrado pelos seus limites (19). Esta concepção de
pessoa torna-a responsável pelo seu futuro e o confere a
possibilidade do constante crescimento através da superação
desses limites.
Para compreender a toxicomania, é preciso sempre levar em
conta a intencionalidade do sujeito, e para isso não é possível
descartar suas carências emocionais, os desequilíbrios do
sistema social e os arranjos e desarranjos da sua dinâmica
familiar. Então, dessa forma, o sujeito não pode ser
responsabilizado sozinho pela sua conduta, mas também a família
e o grupo social no qual está inserido. Para o tratamento é
importante ampliar as possibilidades de escolha do indivíduo,
além de ajudá-lo a compreender-se, autogerir-se e utilizar ao
máximo os seus potenciais, responsabilizando-se pelas próprias
escolhas.
Nessa etapa do trabalho será buscado apresentar as
principais abordagens do tratamento psicoterápico no abuso
de drogas, esclarecendo quais as técnicas de recuperação e
enfrentamento propostas por cada uma delas.
Abordagem cognitivo-comportamental
De acordo com Silva & Serra (24), a dependência química é
vislumbrada pela teoria cognitiva como uma interação complexa
entre cognições, comportamentos, emoções, relacionamentos
interpessoais, influências culturais e processos biológicos. Por
outro lado, a teoria comportamental, enfatiza a questão do
aprendizado social no processo de dependência a substâncias
psicoativas, explicando que esse processo está intimamente
vinculado aos estímulos, os quais o indivíduo foi exposto ao
longo de sua vida e o ambiente em que este está inserido.
A abordagem cognitivo-comportamental, por sua vez,
esclarece que há uma relação dialética entre comportamento e
cognição, com influências mútuas. Assim sendo, através de um
trabalho focado nas cognições seria possível modificar o
comportamento.
Para essa abordagem o indivíduo interpreta os fenômenos
com base nos processos cognitivos e a partir dessa interpretação
formula os comportamentos de resposta aos mesmos. Para
relacionar-se com o mundo, o sujeito elabora esquemas e crenças
que o orientam na interpretação dos acontecimentos.
Dentro desse modelo, a dependência é vista como um
comportamento aprendido, que pode ser modificado, desde que
exista a motivação por parte do sujeito em fazê-lo. Para que o
tratamento seja planejado de maneira correta é necessário que o
terapeuta tenha conhecimento das expectativas do usuário e do
papel das drogas na vida daquele indivíduo (14).
Assim, de acordo com Marques et al. (14), o tratamento iniciase com a identificação de sinais que desencadeiam o
comportamento de intoxicar-se, buscando construir estratégias
de enfrentamento ao problema. Para que o processo seja
conduzido de maneira eficaz é imprescindível que o terapeuta
compreenda as crenças e expectativas do paciente no uso das
substâncias psicoativas.
O tratamento pode ser conduzido individualmente ou em
grupo e ambas as opções possuem vantagens e aspectos que
dificultam o processo. Na abordagem grupal há processos de
identificação e os membros tendem a se ajudar mutuamente já
que estão enfrentando a mesma situação. Por outro lado, na
terapia individual as questões do sujeito podem ser trabalhadas
com mais tempo, o que auxilia a sua recuperação e o
estabelecimento do vínculo com o terapeuta é mais rápido.
191
Assim, a terapia visa “fazer com que o paciente possa
aprender perceber e experimentar novas experiências sem a droga,
redimensionado-as e modificando sua maneira de estar no
mundo” (14).
Abordagem da terapia familiar sistêmica
Atualmente, há uma nova visão da problemática da
dependência química, na qual o indivíduo não é visto de maneira
isolada, mas inserido em um contexto e interagindo com este em
um movimento de influências mútuas. Assim sendo, a família
emerge como um dos elementos principais no tratamento da
adição às drogas, por constituir-se em um dos alicerces da
denominada rede de apoio ou sistema terapêutico.
Uma abordagem que possibilita essa discussão é a terapia
familiar-sistêmica, uma vez que a condição para a realização do
trabalho é receber juntas todas as pessoas da família envolvidas
com o problema, tratando-o de forma relacional (27).
A perspectiva sistêmica aborda a família não como um
conjunto de indivíduos com características peculiares, mas um
sistema determinado pelas relações entre seus componentes,
em um movimento de constante adaptação às influências
externas (conte
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