OBRA ANALISADA GÊNERO AUTOR DADOS BIOGRÁFICOS Viagem Poesia Cecília Meireles Nome completo: Cecília Benevides de Carvalho Meireles Nascimento: 07de novembro de 1901, Rua da Colina, Tijuca, Rio de Janeiro. Morte: 09 de novembro de 1964, Rio de Janeiro, numa casa simples no andar de cima de um açougue no morro de São Carlos, berço das escolas de samba cariocas BIBLIOGRAFIA É importante registrar: primeiros escritos: alguns versos e cantigas para bonecas, por volta dos 9 anos de idade. Espectros (sonetos, 1919) Nunca Mais... (1923) Poema dos Poemas (1923) Baladas para El-Rei (1925) O Espírito Vitorioso (1935) Viagem (1939) Vaga Música (1942) Poetas Novos de Portugal (1944) Mar Absoluto (1945) Rute e Alberto (1945) Rui — Pequena História de uma Grande Vida (1948) Retrato Natural (1949) Problemas de Literatura Infantil (1950) Amor em Leonoreta (1952) Doze Noturnos de Holanda e O Aeronauta (1952) Romanceiro da Inconfidência (1953) Poemas Escritos na Índia (1953) Batuque (1953) Pequeno oratório de Santa Clara (1955) Pistóia, Cemitério Militar Brasileiro (1955) Panorama Folclórico de Açores (1955) Canções (1956) Giroflê, Giroflá (1956) Romance de Santa Cecília (1957) A Bíblia na Literatura Brasileira (1957) A Rosa (1957) Obra Poética (1958) Metal Rosicler (1960) Poemas Escritos na Índia (1962) Antologia Poética (1963) Solombra (1963) - último livro publicado em vida, aprofunda a extrema melancolia e o sentimento de partida “dos litorais humanos” Obras póstumas: Poesias infantis Ou Isto ou Aquilo (1965) Escolha o Seu Sonho (1964) Crônica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro (1965) Crônica trovada (1965) O Menino Atrasado (1966) Poésie (versão francesa) (1967) Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro (1998) Poemas Italianos Poemas de Viagens O Estudante empírico Sonhos Poemas I (1942-49) Poemas II (1950-59) Poemas III (1960-64) Cânticos (2003) Publicou também crônicas, textos para teatro, prosa poética e ficção. Biografias Rui: pequena história de uma grande vida Crônicas Diário de Notícias: página diária sobre Educação com críticas ao Governo de Getúlio Vargas, em defesa de um novo modelo educacional (1930-1934) Diretora: Cecília Meireles, claro! Crônicas de Educação – Volumes 1, 2, 3, 4, 5 Crônicas de Viagem – Volumes 1, 2, 3 Crônicas em geral em 2 volumes Ilusões do mundo O que se diz e o que se entende Jornal Folha de S.Paulo - 2.500 crônicas (19201964) Correspondências Cecília e Mário Ensaios Problemas da literatura infantil RESENHA A obra se compõe de 84 poemas e 13 epigramas simetricamente intercalados. Aí se encontram os principais motivos de sua lírica: “a mais pura tradição lírica voltada sobre si mesma, autotematizada.” (Eliane Zagury) Doze poemas: podem ser interpretados como doze etapas de uma trajetória espiritual, onde vida e poesia se confundem, da mesma maneira que a poeta e a natureza. Formalmente, convivem lado a lado versos de sete e oito sílabas e versos livres. Iniciou-se na literatura participando da chamada "corrente espiritualista", sob a influência dos poetas que formariam o grupo da revista Festa, de inspiração neo-simbólica. Posteriormente afasta-se desses artistas sem, contudo, perder as características intimistas, introspectivas, numa permanente viagem interior. Cecília soube, através da palavra poética, resistir ao tempo, à morte e persistir no tempo, na vida. ESTILO DE ÉPOCA Modernismo – segunda geração Considerada pela crítica poeta pertencente à segunda geração do Modernismo. No entanto, Manuel Bandeira afirmou que há em sua obra "as claridades clássicas, as melhores sutilezas do gongorismo, a nitidez dos metros e dos consoantes parnasianos, os esfumados de sintaxe e as toantes dos simbolistas, as aproximações inesperadas dos super-realistas. Tudo bem assimilado e fundido numa técnica pessoal, segura de si e do que quer dizer." Em versos regulares ou livres, longos ou curtos, a autora, sempre empenhada em atingir a perfeição, revela habilidade no comando da riqueza lexical e dos ritmos da língua portuguesa. Foi talvez, segundo Bosi, "o poeta moderno que modulou com mais felicidade os metros breves", apregoados pelo Modernismo. Na poesia inicial, Espectros e Baladas para El-Rey, há ecos dos poetas simbolistas. Fase esta que foi renegada pela autora, ao não as incluir em sua Obra Poética. Percebe-se influência da poesia de Gôngora e Quevedo Em Viagem, pela capacidade lírica inovadora retrata uma permanente viagem interior; intimista e introspectiva, sugerindo num tom leve e delicado, temas de solidão, melancolia, fuga pelo sonho, o vazio do existir, saudades e sofrimento. Essas características percorrerão toda sua obra lírica. Algumas estão presentes em Canção quase Melancólica, Fio, Cantiguinha e Assovio. Outro aspecto de sua poesia é a linguagem sensorial, intuitiva e feminina, empregada em versos plenos num jogo hábil de sons e musicalidade. Recordação transfigura a realidade pelos elementos sensoriais. Um dos traços mais importantes de sua poesia é a consciência da transitoriedade das coisas, revelada na delicadeza com que tematiza a fugacidade do tempo, dos objetos e da vida, sempre espreitada pela sombra da morte. ENFOCANDO A LINGUAGEM No plano estilístico – ao contrário do coloquialismo dos poetas modernos – há em sua obra uma tendência à linguagem elevada, sempre carregada de musicalidade. A música, algumas vezes, parece ser mais importante que o próprio sentido dos versos. Também a exemplo dos simbolistas, as palavras para a autora mais sugerem do que descrevem. Daí a força das impressões sensoriais em seus poemas: imagens visuais e auditivas sucedem-se a todo momento: O rumor de suas penas era um rumor de fontes brancas em tardes morenas. Ressalte-se que certas palavras que aparecem continuamente em seus versos, tais como música, areia, espuma, lua e vento, acabam, por sua repetição obsessiva, adquirindo uma dimensão metafórica. Simbolizam o efêmero, aquilo que passa (em geral, os sentimentos do eu-lírico). Opõem-se, por exemplo, à palavra mar, que é a grande metáfora daquilo que permanece (em geral, o sofrimento). TEMÁTICA Igualmente no plano dos assuntos, a poesia de Cecília Meireles revela ligações com várias estéticas tradicionais, especialmente o Simbolismo. Entre os seus motivos dominantes figuram: - o registro de estados de ânimo vagos e quase incorpóreos Predomínio: uma difusa melancolia e uma noção de perda amorosa, abandono e solidão. - uma aguda consciência da passagem do tempo, da brevidade enganosa de todas as coisas, sobremodo dos sentimentos. A atmosfera de dor existencial que emana dos poemas de Cecília Meireles é centrada na percepção de que tudo passa e de que o fluir do tempo dissolve as ilusões e os amores, o corpo e mesmo a memória. Um exemplo desta visão sofrida está no poema Retrato. Diante da “navegação sem estrelas”, que é a trajetória humana, resta à Cecília apenas o canto, isto é, a celebração do ato de criação poética, único enfrentamento da artista contra um universo despossuído de significado. Observe os poemas Aceitação e Motivo. Conclusão: A rigor, Cecília Meireles nunca esteve filiada a nenhum movimento literário. Sua poesia, de modo geral, filia-se às tradições luso-brasileiras. INTERTEXTUALIDADE "Sou capaz de dar a volta ao mundo a pé", costumava dizer Cecília Meireles. Nem que esse mundo fosse a sala de jantar da casa do Cosme Velho, no Rio de Janeiro. Que viagem!! Passou o ano de 1953 realizando um sonho antigo: conhecer a Índia e o Paquistão, países que tanto admirava. Será que deixou registros dessa viagem? Claro!! Para cada lugar, uma crônica. O poema “Obsessão do Mar Oceano”, de Mário Quintana, in O Aprendiz de Feiticeiro, a presença do vento e do mar: Vou andando feliz pelas ruas sem nome... Que vento bom sopra do Mar Oceano! Meu amor eu nem sei como se chama, Nem sei se é muito longe o Mar Oceano... Mas há vasos cobertos de conchinhas Sobre as mesas... e moças na janelas Com brincos e pulseiras de coral... Búzios calçando portas... caravelas Sonhando imóveis sobre velhos pianos... Nisto, Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous, E eu me lembrei do pobre imperador Adriano, De su'alma perdida e vaga na neblina... Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano! Se eu morresse amanhã, só deixaria, só, Uma caixa de música Uma bússola Um mapa figurado Uns poemas cheios de beleza única De estarem inconclusos... Mas como sopra o vento nestas ruas de outono! E eu nem sei, eu nem sei como te chamas... Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano, Quando eu também já não tiver mais nome. Aqui tantos intertextos: xilogravura “A viagem da palma”, de Gilvan Samico (1961) e poemas de Carlos Nejar... o tempo – “Força é acordar o tempo” e muito mais. Vale a pena conferir! Em “Viagem”, música e letra de João de Aquino e Paulo César Pinheiro (1964), aqui em áudio, as presenças do vento e do mar – constância em poemas de Cecília: Vamos viajar. Vamos indo de carona Na garupa leve Do vento macio Que vem caminhando Desde muito longe Lá do fim do mar. [...] Mas pode ficar tranqüila, Minha poesia, Pois nós voltaremos Numa estrela guia Num clarão de lua Quando serenar. Letra da música “Viagem” de Vanessa da Mata: Suspenderam a viagem Fui parar em outro trem Que beleza de paisagem Fomos rumos a Belém Agora que é tempo Colher fruta madura no vento Pequi não sai do meu pensamento Bacia cheia de manga Bourbon Nasce um sol, nasce uma note E um menino também vem Que beleza de paisagem É meu filho e passa bem Agora é tarde, não dá para adiar a viagem João tem três anos de idade Não quero merecer outro lugar Volto quem sabe um dia Porque os trilhos já tiraram do chão Olho as tardes, vivo a vida Nada é em vão. VISÃO CRÍTICA Criou a primeira biblioteca especializada em literatura infantil (1934), no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. 1939 – um ano após a publicação, o livro Viagem, ora analisado, recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio de Poesia. A Academia Brasileira de Letras também lhe concedeu,postumamente, o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, em 1965. Apesar de Cecília não ter participado diretamente do movimento renovador das artes nacionais, deflagrado pelos poetas e intelectuais paulistas, com o evento da Semana de Arte Moderna (1922), recebe críticas muito elogiosas, tanto de Mário de Andrade quanto de Manuel Bandeira, figuras proeminentes do grupo. A poeta caminha para a consagração nacional. Cecília Meireles - POETISA DA ALMA “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” De 1930 a 1964 - jornalista liberal, crítica, engajada, partidária incansável das liberdades individuais, lutava pela instauração de uma república democrática, bem diferente daquela regida pelo populismo autoritário do regime que se descortinava após a revolução. Acreditava na liberdade e na criatividade contra a opressão e a massificação da educação. 1964 – prepara um poema épico-lírico para as comemorações do quarto centenário do Rio de Janeiro, cidade que a viu nascer e que a acolherá para a eternidade. 1964 - a sala de concertos da Escola de Música, recebe seu nome -Sala Cecília Meireles. Poemas seus são musicados e cantados por cantores ilustres, no Brasil e em Portugal. O crítico Flávio Loureiro Chaves anotou que a poesia de Cecília Meireles vive “engolfada na torrente do tempo”, em meio a uma grande angústia, imersa num “deserto opaco”, sem passado e sem futuro. “Não há passado / nem há futuro. / Tudo que abarco / se faz presente” – diz a poeta. Sua experiência é, portanto, uma experiência do vazio, já que ela não encontra possibilidade de comunicação com o mundo circundante. Nisto residiria o vínculo da autora com a modernidade estética, já que esta tem entre suas características ideológicas as sensações do absurdo e da falta de sentido da vida contemporânea. A atmosfera dos poemas de Cecília é a mesma que respiram as figuras de Botticelli. Tanto neste como naquela, há uma transfiguração das criaturas. E sentimos, ao vê-las, não a nostalgia de um passado edênico, mas de um futuro que talvez um dia atingiremos. Serão corpos? Serão almas? Mas para que a discriminação? Recordem, ou melhor, transportem-se àquele verso de Raul de Leoni: "A alma, estado divino da matéria...". Fonte: Quintana, Mario [1977]. A vaca e o hipógrifo. 4. ed. rev. p. 53. "Considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa. Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se acerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo... A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea." "O que logo chama a atenção nos poemas de Cecília Meireles é a extraordinária arte com que são realizados. (...) Sente-se que Cecília Meireles estava sempre empenhada em atingir a perfeição, valendose para isso de todos os recursos tradicionais ou novos. Há em Viagem, em Vaga Música, em Mar Absoluto, em Retrato Natural, em Doze Noturnos da Holanda, em Romanceiro da Inconfidência, em Canções, em Poemas Escritos na Índia, em Metal Rosicler e em Solombra, seu último livro, as claridades clássicas, as melhores sutilezas do gongorismo, a nitidez dos metros e dos consoantes parnasianos, os esfumados de sintaxe e as toantes dos simbolistas, as aproximações inesperadas dos super-realistas. Tudo bem assimilado e fundido numa técnica pessoal, segura de si e do que quer dizer." Fonte: Bandeira, Manuel [1946]. Modernistas. In: ______. Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia de poetas brasileiros. p. 143. Há uma graça fluida nos comentários que ela [Cecília Meireles] vai tecendo à margem da confusão, dos tiques, dos equívocos, dos absurdos da vida cotidiana. Em vez de censura, o sorriso reticente, mas suave, de ironia sem amargor. Sorriso de pena pelos que não sabem ver e conviver, perturbando a vida geral. (...) Seu pasmo jamais se converte em condenação, e até, para alegria nossa, ele semeia no exílio os tesouros imponderáveis do seu reino - e então aprendemos como eram as casas amáveis; o que há dentro de um velho palácio abandonado onde se come o jantar invisível; aquilo que torna os dias perfeitos, e que não é nada de extraordinário, pois consiste apenas em tudo estar certo e no seu lugar, cumprindo o seu destino. Por tudo isto, são crônicas deliciosas, estas transmitidas pela Rádio Roquette-Pinto, e bem andou quem decidiu reuni-las em livro para que não se perdessem no ar, como aquele pombo pousado no azul e aquela dupla borboleta que Cecília Meireles soube ver de sua janela mágica? Fonte: Andrade, Carlos Drummond de, pref. [1964]. Escolha o seu sonho. In: Meireles, Cecília. Escolha o seu sonho: crônicas. n.p. "Em relação a Cecília Meireles, cujo nome se liga definitivamente à melhor poesia da primeira metade do nosso século, em sua feição espiritualista, pois apareceu triunfalmente nas páginas da revista Festa, daí por diante assumindo o seu destino, sobretudo após a publicação de Viagem, muito se tem ainda a dizer. Natural e compreensivamente, a sua linguagem poética invade o campo da crônica, com enternecedora suavidade, não apenas em textos de sentido narrativo, que se aproximam do conto, mas também em textos do tipo poema-emprosa ou, então, de cunho folclórico, educacional ou de perfis humanos. Mas também invade o campo das crônicas de viagem, e o gênero se adapta admiravelmente à literatura viageira, e ainda o das crônicas de sentido informativo, às vezes reduzindose a simples comentários poéticos da realidade. Em todas elas, o estilo de Cecília Meireles é inconfundível, sobretudo pela leveza de linguagem e pelo sentimento do mundo, tudo envolto no tempo humano, que nada tem a ver com folhinhas e calendários. Com tais elementos, afasta-se do espírito de reportagem, conferindo alto valor literário às suas crônicas, sempre perplexa diante do espetáculo da vida, dos seres e das coisas, mas também revoltada, às vezes, contra o desconcerto do mundo e as injustiças sociais." Fonte: Azevedo Filho, Leodegário A. de. "Apresentação". In: Meireles, Cecília. Crônicas em geral, 1998. p. x-xi. O crítico Otto Maria Carpeaux delimitou assim esta obra tão pessoal: “A poesia de Cecília Meireles embora pertencendo a nós o e ao nosso mundo, é uma poesia de perfeição intemporal. “ Assim era a poetisa Cecília Meireles, mulher imaginativa, uma viajante percorrendo as civilizações em busca de sabedoria.