FACULDADE DE MEDICINA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO FUNFARME/ FAMERP/ COAPRIMO CURSO DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE KIVIA KARINE RIBEIRO DE MELO OS INSTRUMENTAIS TÉCNICO-OPERATIVOS NA PRÁTICA PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL DO HCM FRENTE À SITUAÇÃO DE CRIANÇAS COM SUSPEITA DE NEGLIGÊNCIA. SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP 2016 SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE COORDENADORIA DE RECURSOS HUMANOS FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO – FUNDAP PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL Kivia Karine Ribeiro de Melo OS INSTRUMENTAIS TÉCNICO-OPERATIVOS NA PRÁTICA PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL DO HCM FRENTE À SITUAÇÃO DE CRIANÇAS COM SUSPEITA DE NEGLIGÊNCIA. Artigo apresentado ao Programa de Aprimoramento Profissional/SES, elaborado na Fundação Faculdade Regional de Medicina - Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP e Faculdade de Medicina de S. J. do Rio Preto/SP, sob a orientação de Ana Paula Passos da Silva Santos. Área: Serviço Social na Saúde / SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP 2016 Os Instrumentais técnico-operativos na prática profissional do Serviço Social do HCM frente à situação de crianças com suspeita de negligência. Kivia Karine Ribeiro de Melo1; Ana Paula Passos da Silva Santos2 1 Aprimoranda em Serviço Social na Saúde, Unidade de Transplantes do Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP. 2 Assistente Social na Saúde, Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP. Resumo O presente artigo objetivou analisar os instrumentos técnico-operativos do assistente social no Hospital da Criança e Maternidade (HCM) em atendimento de crianças com suspeita de negligência. Esta iniciativa partiu da realidade vivenciada pela autora, que atua como aprimoranda em Serviço Social. O aprofundamento deste estudo, de caráter qualitativo, possibilitou a conciliação teórico-prática, além da contribuição para o maior conhecimento e eficácia dos instrumentos utilizados em resposta a esta demanda. Utilizamos como metodologia a revisão bibliográfica através de livros, monografias e artigos científicos, com a pretensão de explanar a relevância de tais instrumentos a partir de definições teóricas e procedimentos operacionais. Como a negligência tem repercussões na saúde pública, o HCM acaba se tornando porta de entrada para esses atendimentos e consequentemente uma demanda para o assistente social que se utiliza de tais instrumentos como: linguagem, entrevista, avaliação social, notificação ao conselho tutelar, encaminhamento social e a documentação conforme seu Protocolo de Intervenções. Os instrumentais técnico-operativos são como um conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional. Cada instrumental foi abordado de forma abrangente afim de que leitor pudesse compreender a importância de cada item. Conclui-se que a intervenção do assistente social é de fundamental importância no combate e prevenção da negligência, pois a partir do uso habilidoso dos instrumentos é possível que a criança seja encaminhada para rede de proteção afim de que possa ser acompanhada, bem como o seu núcleo familiar garantindo os direitos que são legalmente constituídos, principalmente no que tange o atendimento contra a negligência. Palavras-chave: Serviço Social, Violência Doméstica, Negligência, Instrumentos Técnicos – Operativos. Abstract This paper aims to investigate the main technical-operative instruments from social workers at and Maternity & Children Hospital (MCH) in children care with suspected negligence. This initiative came from the author’s true experience, who works as a master in Social Work. The deepening of this study, with qualitative character, has made the theoretical and practical reconciliation possible, as well as contribution to better understanding and efficacy of these instruments used in response to this demand. We have used as methodology, literature review through books, thesis papers and scientific papers, aiming to explain the relevance of such instruments from theoretical definitions and operational procedures. Because negligence has implications towards public health, the MCH ends up becoming the gateway to these services and consequently a demand for social workers who use such instruments as: language, interview, social assessment, tutoring assistance’s notification, social referral and documentation as his/her Protocol Interventions. The technical-operative instruments are as an articulated set of tools and techniques which allow professional action operationalization. Each instrument has been addressed comprehensively so that the reader can understand the importance of each item. We have concluded that the social workers’ intervention is crucial in combating and preventing negligence, because from the skillful use of these instruments it is possible for the child to be sent to safety in order he or she can be taken care of, as well as his/her household assuring therefore rights which are legally constituted, especially regarding compliance against negligence. Keywords: Social Work, Domestic Violence, Negligence, Technical-Operative Instruments. 6 Introdução Brito, A. M. et al (2005) relata que no Brasil, a violência é apontada, desde a década de 1970, como uma das principais causas de morbimortalidade, despertando, no setor de saúde, uma grande preocupação com essa temática. ―A violência é reconhecida mundialmente como uma questão social e problema de saúde pública, em função da magnitude da violação aos direitos humanos, com repercussões físicas, emocionais e sociais, atingindo milhares de pessoas. Trata-se de um fenômeno complexo e multicausal, não havendo país ou comunidade isentos deste mal.” (FRANZIN et al, 2011, p. 02). A autora Azambuja (2004) nos traz que a violência está inserida na pauta dos grandes problemas enfrentados pela humanidade e expressa modelos de convivência e de poder inseridos nos povos, culturas, classes sociais, entre homens e mulheres, adultos, pais e filhos. Minayo (2005, p.10) ―aponta que a violência, em sua origem e manifestação, é um fenômeno sócio histórico que acompanha toda a experiência da humanidade. Sendo transformada num problema de saúde pública porque afeta a saúde individual e coletiva exigindo para sua prevenção e tratamento a formulação de políticas públicas específicas‖. Desde 1990, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência assume gravidade marcante como um assunto epidemiológico e prioritário enquanto saúde coletiva (Souza 2001). A violência é um problema de saúde pública em diversos países, e pesquisas recentes têm apontado que é um fenômeno multicausal, no qual interagem simultaneamente fatores biológicos, individuais, familiares, comunitários, culturais, entre outros (KRUG, 2002). Silva (2005, p. 20) define a violência enquanto recorte do social, pois perpassa o cotidiano de todos, sendo necessário buscar novos parâmetros para sua compreensão e enfrentamento. ―A violência possui ligações profundas com a desigualdade entre as classes e a exclusão social, dessa forma, seu enfrentamento não pode eximir-se da melhoria do sistema de proteção social, do fortalecimento das políticas sociais e da garantia de direitos [...]‖. Segundo a Organização Mundial da Saúde a violência contra a criança é caracterizada por qualquer forma de maus-tratos físicos e emocionais, negligência, exploração comercial, sexual, resultando em dano à saúde, à sobrevivência e ao seu desenvolvimento. 7 Guerra (2008) afirma que o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes constitui um grave problema social presente em países desenvolvidos e emergentes. Vale acrescentar que não existe uma linha divisória fixa a respeito das modalidades de violência, sendo que na maioria das vezes, elas aparecem associadas conforme o contexto vulnerável vivenciado pela criança e seu núcleo familiar. Entende-se a violência física ―como emprego da força física contra a criança, de forma não acidental, causando-lhe diversos ferimentos e perpetrada por pai, mãe ou seus substitutos.‖ (GUERRA, 1986, p. 88). A violência psicológica é ―igualmente designada como tortura psicológica, ocorre quando um adulto constantemente deprecia a criança, bloqueando seus esforços de autoaceitação, causando-lhe grande sofrimento mental.‖ (GUERRA, 2008, p. 33). Já a violência sexual abrange ―todo o ato ou jogo sexual entre um ou mais adulto e uma criança e adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança/adolescente, ou utilizá-lo para obter satisfação sexual‖ (ROSAS; CIONEK, 2006, p.12). Seger (2010) menciona que os diferentes tipos de violência acabam resultando na internação hospitalar e a mais recorrente é a negligência em relação às crianças que vão desde a não realização das recomendações relativas à prevenção de doenças, ausência de cuidados adequados, falta de qualidade na alimentação, baixo peso, falta de vacinação e até a despreocupação em lhe proporcionar um desenvolvimento adequado. Rech e Dias (2002) relatam que também são exemplos de negligência as seguintes situações: crianças com doenças crônicas que não são tratadas adequadamente, permissividade, falta de documentos para exercitar sua cidadania, privação de contatos sociais, dentre outras. Os autores acima ainda citam como consequências da negligência o desenvolvimento e crescimento retardado, agravamento na saúde, problemas de conduta, rejeição e baixa autoestima, depressão, timidez, dificuldades de socialização e risco de acidentes domésticos. Segundo o conceito de Viviane Guerra (2001), grande referência em violência doméstica no âmbito do Serviço Social, a negligência é entendida como: [...] todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (GUERRA, 2001, p. 32). 8 O estudo elaborado por Rodrigues (1999) informa que a negligência, como forma de violência, apreendia números significativos já na década de 1990, podendo ocasionar na internação hospitalar. Segundo o autor Farinatti: O hospital é um lugar privilegiado de observação, de proteção, de confirmação ou de informação de presunções, e permite tomar decisões a respeito da crise familiar, além de evidente cura de suas lesões sofridas. Os maus-tratos se configuram em um problema de saúde pública, o que coloca o hospital no centro nodal da atenção médico-social à própria criança (FARINATTI, 1993.p 47). A internação além de proporcionar a recuperação da saúde, prevê também o risco de novos episódios de negligência nos cuidados necessários à criança no ambiente doméstico, já que é realizado um acompanhamento multiprofissional e o papel do Serviço Social é fundamental para garantir o encaminhamento da situação para a rede de proteção à infância. O Hospital da Criança e Maternidade (HCM)1 de São José do Rio Preto/SP, inaugurado em 11 de outubro de 2013, exerce suas atividades na condição de um dos mais modernos e bem estruturados hospitais do Brasil com a capacidade de realizar 4000 atendimentos/mês em média. Integra um dos maiores complexos hospitalares do Estado, a Fundação Faculdade Regional de Medicina (FUNFARME) que reúne também o Hospital de Base (HB), o Ambulatório de Especialidades, o Instituto do Câncer (ICA), o Hemocentro e a unidade do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro. O HCM presta serviços para o Sistema Único de Saúde e convênios bem como é considerado também um Hospital Escola devido à parceria com a Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) possuindo função educativa à medida que serve de campo de estágio, residência médica e multiprofissional e o Programa de Aprimoramento Profissional em diversas áreas da saúde, inclusive na área de Serviço Social. É caracterizado como hospital de nível terciário conforme assegura a organização do SUS, é referência em diversas especialidades pediátricas como neonatologia e cirurgia cardíaca e também ginecologia obstétrica com foco nos atendimentos de média e alta complexidade, entre os quais, gestação de alto risco. Quanto ao atendimento pediátrico tem atenção direcionada e específica a faixa etária de 0 a 11 anos incompletos, buscando complementarmente garantir o direito à saúde dos pequeninos, conforme estabelece a garantia de acesso à saúde irrestrito a todo cidadão constada na Lei Orgânica da Saúde (nº. 8.080/90) e os direitos preconizados pela Lei nº. 1 As notícias e informações referentes à instituição são atualizadas e disponibilizadas no próprio site do hospital: www.hcmriopreto.com.br 9 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que se refiram ao tratamento em unidade ou serviços de saúde, através de internações, atendimentos multiprofissionais, exames e cirurgias. O HCM conta com uma equipe multiprofissional composta por médico (pediatra), enfermeiro, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista e assistente social, lembrando que em todas as áreas citadas contêm profissionais da Residência (médica ou multiprofissional) e/ou do Programa de Aprimoramento Profissional. O Serviço Social é uma das equipes que compõe os atendimentos multidisciplinares do HCM. A sala de atendimentos está situada na Emergência Pediátrica (térreo) e a equipe é composta por quatro profissionais e uma aprimoranda. Em meio às várias demandas que são apresentadas aos assistentes sociais, em especial estão aquelas que compõem as situações vivenciadas por crianças com suspeita de negligência, o que exige uma intervenção voltada para a proteção e o rompimento do ciclo de violência. Dentre os diversos motivos que ocasionam a internação hospitalar, um deles é a situação de negligência contra a criança, manifestada como expressão da questão social, que se caracteriza como objeto de intervenção do Assistente Social. No HCM o Serviço Social utiliza um Protocolo que norteia e define as ações e os instrumentais que serão utilizados para responder as demandas apresentadas, entretanto este documento trata apenas da operacionalização de forma generalista. A partir do cotidiano vivenciado pela autora, que atua como aprimoranda no setor, surgiu o interesse em construir um artigo científico que abordasse os instrumentos técnicooperativos utilizados na intervenção social em relação a situação de negligência contra a criança. ―Visto que é necessário para o profissional um domínio teórico/prático para além da capacidade de criação já que a profissão lida com pessoas onde cada situação é específica e particular digna de uma instrumentalidade exclusiva.‖ (SANTOS, SANTOS, SILVA, 2012, p.2). Ressaltamos a importância do domínio desses instrumentos dada à dinamicidade da realidade apresentada, visto que a profissão lida com diferentes situações, sendo necessária uma instrumentalidade exclusiva e que atenda as demandas apresentadas de forma integral. O uso dos instrumentais interfere diretamente na ação profissional e consequentemente irá refletir no atendimento ao usuário/paciente. 10 Sendo assim, o objetivo deste estudo visa analisar os instrumentos técnico-operativos utilizados pelo Serviço Social em situação de negligência contra a criança internada no HCM. Metodologia de Pesquisa A construção deste artigo foi fruto de uma pesquisa bibliográfica, que segundo Caldas (1986, p. 15) é a ―coleta e armazenagem de dados de entrada para a revisão, processando-se mediante levantamento das publicações existentes sobre o assunto ou problema em estudo, seleção, leitura e fichamento das informações relevantes‖. A pesquisa teórica realizada foi referente aos temas pertinentes como: serviço social, legislação social, negligência, instrumentos técnico operativos capturados em revista eletrônica portal Scielo, revista Katalasys e Serviço Social e Sociedade, entre outros. Este trabalho científico teve caráter qualitativo conforme descreve Neves (1996): Método qualitativo se assemelha a procedimentos de interpretação dos fenômenos que empregamos no nosso dia a dia, que tem a mesma natureza dos dados que o pesquisador qualitativo emprega em sua pesquisa. (NEVES, p. 1, 1996) Também foi empregada a técnica de observação participante da autora, que atua como aprimoranda de Serviço Social no HCM. Queiroz (2007) define essa técnica como: O ato de observar é um dos meios mais frequentemente utilizados pelo ser humano para conhecer e compreender as pessoas, as coisas, os acontecimentos e as situações. Observar é aplicar os sentidos a fim de obter uma determinada informação sobre algum aspecto da realidade. É mediante o ato intelectual de observar o fenômeno estudado que se concebe uma noção real do ser ou ambiente natural, como fonte direta dos dados. (QUEIROZ et al., 2007, p. 277) Segundo o mesmo autor, observar significa atentar os sentidos a esse objeto para dele obter um conhecimento claro e preciso. A observação torna-se uma técnica científica a partir do momento em que passa por sistematização, planejamento e controle da objetividade. O objetivo do pesquisador não é simplesmente olhar o que está ocorrendo, mas observar com um olhar em busca de certos acontecimentos específicos. A observação ajuda muito o pesquisador e sua maior vantagem está relacionada com a possibilidade de se obter a informação na ocorrência espontânea do fato, isso proporciona 11 uma visão ampla e detalhada de uma realidade, resultante da interação do pesquisador com o meio. Conforme a autora Bourguignon, O Serviço Social como profissão sócio histórica tem em sua natureza a pesquisa como meio de construção de um conhecimento comprometido com as demandas específicas da profissão e com as possibilidades de seu enfrentamento. Ao mesmo tempo em que se coloca como uma possibilidade de objetivação da prática profissional, a pesquisa representa um desafio permanente para os profissionais que pretendem ser críticos e propositivos no atual cenário nacional e em relação ao processo de formação profissional. (BOURGUIGNON, 2007 p. 49) Pesquisar é exercício sistemático de indagação da realidade observada, buscando conhecimento que ultrapasse nosso entendimento imediato, com um fim determinado e que fundamenta e instrumentaliza o profissional a desenvolver práticas comprometidas com mudanças significativas, no contexto em que se insere e em relação à qualidade de vida do cidadão (GATTI, 2002). A metodologia deste foi estudo foi fundamentada na perspectiva dialética como forma de aproximação com a realidade, trazendo a teoria para entender o real. De acordo com Gil (2008, p. 14), ―[...] a dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, uma vez que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais etc. Serviço Social e a questão social Enquanto profissão, o Serviço Social está inserido no conjunto das atividades definidas como práticas de intervenção na realidade social. Sua regulamentação se materializa segundo Iamamoto & Carvalho (2008, p. 224) através da Lei n. 8.662/93 que trata da regulamentação da profissão e do Código de Ética Profissional (1993) que ―representa a defesa da autonomia profissional, porque codificam princípios e valores éticos, competências e atribuições além dos conhecimentos essenciais, que têm força de lei, sendo judicialmente reclamáveis‖ (SANTOS, 2014b, p. 21). Segundo a conceituada autora, Marilda Vilela Iamamoto, o Serviço Social tem na ―questão social‖ a base de sua fundamentação enquanto especialização do trabalho. 12 Questão social apreendida enquanto o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO 2009, p. 176). A autora em sua obra ―As dimensões ético-políticas e teórico-metodológicas do Serviço Social contemporâneo‖, faz algumas colocações sobre a questão social, que na atualidade, diz respeito ao conjunto multifacetado das expressões das desigualdades sociais geradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Os assistentes sociais, por meio da prestação de serviços nas organizações públicas e privadas, interferem nas relações sociais cotidianas que englobam as mais variadas expressões da questão social vividas pelos indivíduos e seu núcleo familiar, tanto no trabalho, na luta pela moradia e pela terra, na saúde, na assistência social e nos demais espaços sócio ocupacionais. São novas e velhas questões com as quais os assistentes sociais convivem cotidianamente como: a exploração e expropriação do trabalho, sua precarização e intensificação; a violência contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos; as discriminações por questões de gênero e etnia; a moradia na rua ou em habitações precárias e insalubres; as crianças e os adolescentes sem proteção; os doentes mentais; a droga; a AIDS; as dificuldades dos portadores de necessidades especiais; o envelhecimento sem recursos; a fome e a alimentação insuficiente e outras tantas questões e temáticas relacionadas à questão social, à desigualdade e à pobreza com suas múltiplas destituições. (YAZBEK, 2013.p 13). Para a Autora, a ―questão social‖ sendo desigualdade é também rebeldia, pois os sujeitos sociais ao vivenciarem estas desigualdades, a elas também resistem e expressam seu inconformismo. È especificamente nesta tensão entre produção da desigualdade, da rebeldia e da resistência que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, os quais são impossíveis abstrair ou deles fugir, porque tecem a trama da vida em sociedade (IAMAMOTO, 2006, p. 16). Ao mencionar as expressões da questão social, Acoverde (2006, p. 31) relata que se manifestam em todos os espaços e tempos sociais e institucionais, conformando a humanidade com privações e sem direitos que são legalmente constituídos como: […] a precarização do trabalho, o desemprego estrutural, os inutilizados socialmente, a guetização das cidades, as atividades mafiosas, as violências contra crianças e adolescentes, pais, mulheres, idosos, a miserabilidade no espaço público, o esvaziamento simbólico de pressupostos éticos como igualdade e justiça social. 13 O Estado intervém diretamente nas relações estabelecidas entre classe dominante e dominada, caracterizada como classe trabalhadora, estabelecendo uma regulamentação jurídica do mercado de trabalho, através da legislação social e trabalhista ―[...] gerindo a organização e prestação de serviços sociais, mas também um novo tipo de enfrentamento da questão social, requerendo a intervenção de profissional habilitado para trabalhar nesse contexto [...]‖ (IAMAMOTO 2008, p. 169). Segundo Pastorini (1997, p.90) ―[...], as políticas sociais apresentam-se como estratégias governamentais, destinadas a atender problemáticas particulares e apresentadas pela questão social [...]‖. Nesse sentido, o Serviço Social é uma das profissões responsáveis pela mediação entre Estado e a classe trabalhadora na implementação e execução das políticas sociais, destinadas ao enfrentamento da questão social de acordo com o art. 4º da Lei de regulamentação da Profissão Nº 8.662/93. Serviço Social na saúde: Breves considerações Mioto & Nogueira (2006, p. 282) inferem a inserção do assistente social no processo de trabalho coletivo em saúde, pautado na lógica dos direitos e cidadania, já que o seu trabalho ―abarca os fatores de ordem política, econômica e social que condicionam o direito a ter acesso aos bens e serviços necessários para se garantir a saúde, bem como exige uma consciência sanitária que se traduz em ações operativas na concretização dos direitos‖. Em se tratando da atuação na política de saúde, vale mencionar importantes documentos que formalizam e norteiam a intervenção: [...] Resolução n° 218 de 6/03/1997 do Conselho Nacional de Saúde, que reconhece a categoria de assistentes sociais como profissionais de saúde, além da Resolução CFESS n° 383, de 29/03/1999, que caracteriza o assistente social como profissional de saúde [...] (SOUZA, 2009, p. 5,6). A Resolução do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) nº. 383/99 também caracteriza o assistente social como profissional da saúde, Bravo (1996, p. 13) ainda destaca a saúde como um dos setores mais significativos na atuação do Serviço Social tendo concentrado historicamente um grande quantitativo de profissionais, situação que permanece até os dias atuais. 14 Sendo assim, atribui-se a categoria do Serviço Social todo aparato legalizador necessário para a atuação do profissional na área da saúde, com todo embasamento éticopolítico, teórico-metodológico e técnico-operacionais específicos. No cotidiano da saúde, o profissional realiza junto aos usuários uma análise dos aspectos e determinantes sociais que envolvem o processo saúde/doença, atendendo às demandas que lhes são apresentadas em forma de necessidades globais como alimentação, medicação, habitação, educação e participação social, articuladas com a política de saúde. Os determinantes e condicionantes da saúde estão relacionados às condições sociais que as pessoas vivem e trabalham, e à possibilidade de acesso a determinados bens e serviços no âmbito da educação, saúde, trabalho e renda, habitação, saneamento básico e meio ambiente, transporte, alimentação e nutrição, cultura, esporte e lazer, entre outros, conforme podemos verificar no artigo 196 da Constituição Federal de 1988. O profissional de Serviço Social na realização de sua ação deve contribuir para a expansão dos direitos à cidadania nos serviços de saúde por meio da satisfação de necessidades e socialização de informações. Garantindo espaços de reflexão com o usuário para que a saúde possa ser percebida como ―produto das condições gerais de vida e da dinâmica das relações sociais, econômicas e políticas do país‖ (CAVALCANTI & ZUCCO, 2006, p. 76). O assistente social deve estabelecer estratégias de orientação ao usuário para que possa ocorrer o enfrentamento do processo saúde/doença de uma forma esclarecida, bem como instrumentalizá-los na busca pela viabilização dos seus direitos que são destacados por Vasconcelos (2006) como: acesso universal aos serviços de saúde nos diferentes níveis de complexidade; atenção integral à saúde; prevenção de doenças, danos, agravos e riscos, tratamento e a reabilitação; atendimento de qualidade e sem preconceitos; direito a informações a respeito de seu quadro de saúde e seus familiares; informação sobre rotinas, funcionamento e recursos das unidades de saúde entre outros. Desse modo, torna-se evidente a necessidade dos profissionais articularem serviços e ações coerentes com as demandas e carências dos usuários, e assim contribuírem para a ampliação da consciência sanitária; desenvolvendo ações educativas que visem à compreensão pelos usuários das relações sociais vivenciadas, com o repasse de elementos para apreensão e reflexão crítica da realidade. O trabalho do assistente social deve buscar a democratização do sistema de saúde; a realização de ações integradas de prevenção, promoção e educação em saúde; e o avanço no 15 acesso aos serviços de saúde através do aumento da capacidade de acolhimento e resolutividade dos serviços (ZUCCO & CAVALCANTI, 2002). Portanto o reconhecimento do Serviço Social como profissão da área da saúde vem se construindo através do trabalho realizado nas políticas e programas de saúde desde o seu surgimento, visto que esta relação advém da identidade da profissão no país e fortalecida na defesa do SUS como política social pública que apresenta princípios semelhantes aos preconizados pelo projeto ético-político do Serviço Social (FIGUEIREDO, 2011, p.62). Sendo assim, As ações a serem desenvolvidas pelos assistentes sociais devem transpor no caráter emergencial e burocrático, bem como ter uma direção socioeducativa por meio da reflexão com relação às condições sócio históricas a que são submetidos os usuários e mobilização para a participação nas lutas em defesa da garantia do direito à Saúde. (CFESS 2010, p. 43) Na instituição de saúde, o profissional desenvolve sua intervenção baseada no direito do cidadão através de olhar diferenciado, acolhendo o paciente e sua família de forma humanizada. Assim, compreende a demanda que lhe é posta e presta um atendimento qualificado possibilitando maior comunicação entre o usuário, sua família e a equipe da instituição. Dourado et al, (2012, p. 98) reafirma que no atendimento do Serviço Social: Sua atuação deve estar embasada também em três dimensões fundamentais, sendo elas: ético-político, técnico-operativo e teórico-metodológico, visando à emancipação e autonomia do indivíduo no acesso aos seus direitos. Ambas caminham juntas e oferecem suporte para a prática do profissional que deve ter o domínio principalmente de buscar desvelar a sua realidade social, intermediando as necessidades do sujeito aos serviços oferecidos e na busca constante da efetivação de seu Projeto Ético-Político de forma a não cair na armadilha de ter um discurso crítico e uma postura conservadora. O processo de trabalho do Serviço Social ampliou-se após as transformações da sociedade, de acordo com a autora Serrano ―o assistente social trabalha na mediação das relações sociais, de acordo com as particularidades existentes, desenvolvendo estratégias de ações cabíveis para cada situação, embasado no seu projeto ético-político, nos Parâmetros para atuação do Assistente Social na Saúde e legislação pertinente que direcionam as ações a serem desenvolvidas em meio hospitalar‖. (SERRANO 2015, p. 4) 16 Serviço Social e os Instrumentais Técnicos Operativos O Serviço Social, como profissão interventiva, tem em sua formação elementos que permitem apreender as expressões da questão social com base teórico-metodológica direcionada à compreensão dos mais variados fatores que envolvem os indivíduos, famílias, grupos, comunidades e a realidade brasileira (SILVA, 2007, p. 10). A renomada autora Iamamoto discorre: Que a formação do Assistente Social deve privilegiar a construção de estratégias, técnicas e formação de habilidades voltadas para a intervenção social comprometida com valores que dignificam e respeitam as pessoas em suas diferenças e potencialidades. As ações, compromissadas com a filosofia democrática, buscam a não discriminação de qualquer natureza, tendo a fundamentação em seu Projeto ético-político e profissional, referendado no Código de Ética, que interpela o compromisso com a liberdade, cidadania, justiça social e equidade (IAMAMOTO 2007, p. 161). Na área da saúde, o assistente social dispõe de atribuições legais que constituem instrumentos importantes na construção de estratégias para o exercício profissional e passa essencialmente pela contribuição na compreensão dos aspectos social, econômico, político, cultural e educativo que interferem no processo saúde-doença, conforme o estudo de Eto (2007, p. 71). Iamamoto (2005, p. 20) afirma que um dos maiores desafios do profissional é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano, sendo um profissional propositivo e não apenas executivo. ―Instrumental é o conjunto articulado de instrumentos e técnicas, e está inserido no projeto profissional como parte fundamental da objetivação das ações profissionais e da direção teórico política do exercício profissional (TRINDADE, 2001)‖. Assim, os instrumentos são compreendidos como os elementos potencializadores e mediadores da ação profissional, devendo estar articulados com a finalidade e intencionalidade do assistente social, e as técnicas como as habilidades construídas para o trato do instrumento. (CASTRO & OLIVEIRA, 2012 p. 190) A utilização dos instrumentais no cotidiano é um fator preponderante para o assistente social, visto que todos os profissionais têm seus instrumentos de atuação e sendo o assistente social um trabalhador inserido na divisão sócio técnica do trabalho necessita de bases teóricas, metodológicas, técnicas e ético-políticas necessárias para o seu exercício profissional. 17 Os instrumentais técnico-operativos são como um ―conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional‖ (MARTINELLI, 1994 p. 137). O uso dos instrumentais técnico-operativos pode ser visto como uma estratégia para a realização de uma ação na prática profissional, como nos revela (MARTINELLI, 1994 p. 138), onde o instrumental e a técnica estão relacionados em uma ―unidade dialética‖, refletindo o uso criativo do instrumental com o uso da habilidade técnica. O instrumental ―abrange não só o campo das técnicas como também dos conhecimentos e habilidades‖ De acordo com a autora Yolanda Guerra, o assistente social deve ter ―preparo técnico e intelectual como aquele que vende a sua força de trabalho e junto com ela um conjunto de procedimentos de natureza instrumental socialmente reconhecidos, os quais constituem-se no acervo cultural da profissão, que se pode expressar de maneira mais aproximada a natureza da profissão e os significados que adquire‖ (GUERRA, 2000, p. 23). Considera-se que para o desenvolvimento de um exercício profissional qualificado, na articulação com os instrumentos e técnicas, o assistente social deve apreender o seu objeto de ação, seu movimento, sua direção, suas contradições, e as determinações que o envolvem; deve utilizar como subsídio uma teoria que lhe permita analisar o real, e que sustente a definição de escolhas, finalidades e meios necessários ao seu exercício profissional (SANTOS 2006). De acordo com Prates (2003, p.4) ―quanto maior o conhecimento teórico, mais ampla será a cadeia de mediações e maiores as possibilidades de construí-las‖. O conhecimento sobre a realidade permite dar coerência à relação formada entre assistente social e usuários, e também pelos profissionais que compõem a equipe de trabalho. Esse conhecimento transcorre por diversos âmbitos, dentre os quais: O conhecimento acerca da realidade estrutural e conjuntural, as formas de alienação, as refrações da questão social no cotidiano da população usuária, a expressão dos sujeitos em suas lutas contra hegemônicas, o conhecimento de recursos sociais, de direitos sociais, das redes ou espaços de articulação e organização da população usuária, o conhecimento de dados de sua existência, consciência e vida social, do significado atribuído pelos sujeitos a seu viver histórico, os seus valores, sua cultura (...) (PRATES, 2003, p.2). 18 Assim podemos destacar que é imprescindível a importância dos instrumentos e técnicas em Serviço Social, uma vez que têm a potencialidade de realizarem a intermediação entre o fazer profissional e as concepções teóricas defendidas pelo assistente social. Os Instrumentos e Técnicas do Serviço Social do HCM no atendimento à criança com suspeita de Negligência. Os atendimentos sociais no HCM perpassam por técnicas norteadas pelo instrumental específico, o Protocolo de Intervenções do Serviço Social. Segundo os autores (WERNECK, FARIA & CAMPOS 2009, p.31) ―protocolos são instrumentos a serviço da gestão dos serviços, abrangendo a organização do trabalho em uma unidade‖. Tal instrumental foi elaborado a partir das ―experiências anteriores das profissionais do Serviço Social, juntamente com o embasamento de legislação, o que favoreceu a construção de um modelo sistematizado contendo instrumentais e condutas de caráter didático, que visa facilitar a compreensão das atividades‖. (SERRANO 2015, p. 5) Após a suspeita ou identificação de negligência contra a criança no HCM qualquer membro da equipe multiprofissional, que tenha realizado o atendimento inicial, preenche a ficha de notificação compulsória, segundo determinação da portaria GM/MS Nº 1271/2014 e requisita a intervenção do Serviço Social. Diante disso, o profissional estabelece o instrumental e as estratégias específicas que serão utilizadas neste atendimento. Conforme Baptista (2000, p.31): […] o planejamento da intervenção social, segmento da realidade que lhe é posto como desafio, é o aspecto determinado de uma realidade total sobre o qual irá formular um conjunto de reflexões e de proposições para a intervenção. Sua construção e reconstrução permanente ocorrem a partir da localização da questão central a ser trabalhada e das ideias básicas que nortearão o processo. A Autora ainda destaca que o processo de trabalho permite transformar a realidade numa direção escolhida; organizar a própria ação; agir de forma racional; dar clareza e precisão à própria ação; explicitar os fundamentos da ação; pôr em ação um conjunto de técnicas para operacionalizar a ação, bem como realizar um conjunto orgânico de ações, de forma competente e habilidosa. Portanto o assistente social cria condições para desenvolver um atendimento especializado levando em consideração a realidade em que a criança e a família estão 19 inseridas, a fim de obter uma compreensão mais ampla da violência bem como as possibilidades de intervenção nessa dinâmica. Tendo como suporte a concepção apresentada, serão abordados a seguir os principais instrumentos e técnicas utilizados pelos assistentes sociais no Hospital da Criança e Maternidade no atendimento de crianças com suspeita de negligência. Linguagem Na área da saúde, o acolhimento, a escuta e o vínculo vêm sendo enfatizados como elementos que podem ser diferenciais na relação trabalhador/usuário. Um elemento que deve ser enfatizado no exercício profissional é a utilização da linguagem para a socialização de informações e orientações. Iamamoto (2001) observa que por meio da linguagem, o assistente social deve estabelecer relações e vínculos com os usuários. Na perspectiva de melhor qualificar esta relação, destaca-se alguns elementos que são determinantes: a qualidade da relação estabelecida com os usuários, o conhecimento dos usuários e de suas famílias, a certificação pelo assistente social da compreensão das orientações disponibilizadas, e das condições econômicas e sociais dos usuários para o cumprimento das orientações fornecidas, e a liberdade que os usuários têm para expressar suas necessidades. Iamamoto e Carvalho (1998, p.114) apontam que é um instrumento básico utilizado pelo assistente social em sua ação, sendo por meio dela que se realizam ações de ―cunho socioeducativo ou socializadora, voltadas para mudanças na maneira de ser, de sentir, de ver e agir dos indivíduos‖. Silva (2000) considera que esse processo é uma ação que fortalece o usuário no acesso e ampliação de direitos, por ser um processo democrático e político onde se busca tornar transparente para os usuários o real significado das políticas sociais. Segundo a referida autora, uma informação de qualidade deve se diferenciar de uma simples orientação sobre legislação ou atos normativos, devendo estar respaldada em aspectos, tais como: a informação deve ser transmitida na ótica do direito, deve ter por referência inicial a realidade dos usuários e ser pautada por um processo de politização que exige uma relação democrática e de respeito entre profissional/usuário. Os profissionais do Serviço Social devem estabelecer com o usuário uma relação de vínculo para que o processo de escuta e diálogo esteja amparado por bases democráticas. 20 Desse modo, a linguagem será utilizada muito mais numa perspectiva socializadora do que de controle dos usuários. O acolhimento se baseia em receber, escutar e tratar de forma humanizada os usuários e suas demandas, estabelecendo uma relação de interesse e confiança. Os objetivos centrais devem ser pautados pela ampliação do acesso ao profissional, a humanização do atendimento e a reorganização do processo de trabalho (FRANCO e MERHY, 2003). A escuta envolve a capacidade e disponibilidade de ouvir os usuários e suas necessidades, por meio de uma interação que esteja atenta a realidade vivida permeada por desejos, crenças, temores, esperanças, e os fatores socioeconômicos que o envolve. A escuta não é limitada ao entendimento somente do que é falado, mas também às lacunas do discurso, necessitando assim, conhecer quem está falando, como e sobre o que se fala (SILVA JUNIOR & MASCARENHAS, 2004). Madeira et al (2007) abordam que a escuta é um elemento essencial para a apreensão das necessidades dos usuários, por meio do respeito a diversidade humana, cultural, social, e da compreensão do processo saúde-doença. Para ter a compreensão da assistência recebida, o usuário ―precisa ter clareza do que lhe é proposto; necessita estar disponível, informado, consciente. Só assim estará em condições de participar, de decidir, de também definir caminhos‖ (VASCONCELOS, 1997, p.146). O profissional de Serviço Social deve contribuir para a expansão dos direitos de cidadania dos usuários dos serviços de saúde, por meio da satisfação de necessidades, e do reconhecimento da importância da socialização de informações, e de espaços de reflexão conjunta com o usuário. ―O assistente social (...) facilita o acesso da população às informações e ações educativas para que a saúde possa ser percebida como produto das condições gerais de vida e da dinâmica das relações sociais, econômicas e políticas do país‖ (CAVALCANTI & ZUCCO, 2006, p. 76). Após este processo, o assistente social inicia a entrevista com o familiar ou responsável que está acompanhando a criança durante a internação. Entrevista A entrevista social representa contato do usuário com a instituição e a possibilidade de ser ouvido e atendido em suas necessidades. ―Este instrumento deve ter um caráter educativo, a partir do desencadeamento de um processo reflexivo, onde novas informações possam vir à 21 tona, sendo espaço de conhecimento mútuo, ampliação da consciência e das questões do cotidiano‖. (CASTRO & OLIVEIRA, 2012 p.195) Santos e Noronha (2013) argumentam que esse instrumento é tido como um espaço que possibilita a aproximação do assistente social à realidade vivida pela população e tem melhores condições de compreender as demandas colocadas, possibilitando uma resposta condizente com as reais necessidades da população. Para os profissionais de Serviço Social, ―o sigilo referente aos atendimentos que realiza é de suma importância, uma vez que lida diretamente com a vida dos usuários, e com situações que perpassam tanto pela circulação deles na vida pública, como também pelo espaço privado‖. (CASTRO & OLIVEIRA, 2012 p.196). O sigilo profissional é respaldado pelo Código de Ética, no seu artigo segundo, que aponta a inviolabilidade do local de trabalho, arquivos e documentos, garantindo o sigilo profissional; e no artigo sétimo que aponta como direito do profissional dispor de condições de trabalho condignas, de forma a garantir a qualidade dos serviços prestados. Com isso, a entrevista social é um instrumento de suma importância, pois além de conhecer a realidade da criança e sua família, por meio dela, também é possível levantar as necessidades detectadas a partir do contexto apresentado. ―Ainda mais em situações tão peculiares e sensíveis como o momento do levantamento de informações sobre a conjuntura e o contexto que determinam se a negligência é da família ou do Estado, que não cumpre seu papel na operacionalização de políticas públicas eficazes‖ (SANTOS 2014, p.36), o que significa dizer que é a base para a realização da etapa seguinte. Avaliação Social Diante das questões expostas, advindas do sistema capitalista, materializado nas políticas sociais neoliberais, Acosta (2005) distingue o contexto emergente conhecido por todos como o neoliberalismo, caracterizado por Estado mínimo,2 crise do emprego, aumento 2 Estado Mínimo Estado que reduz suas funções àquelas que são consideradas mínimas, notadamente à manutenção da ordem. A expressão quer dizer que o investimento público acontece apenas onde há grande pobreza. Os serviços mais lucrativos são privatizados, como aconteceu com o setor de produção e beneficiamento do aço e com muitos bancos no Brasil. Por fim, a União passa para estados e municípios a tarefa de investir nas áreas sociais, com ajuda de empresas, organizações não governamentais e entidades filantrópicas. (JUSBRASIL, 2009). 22 da miséria, manipulação comercial e publicitária de corpos e sentimentos. Em relação a esta conjuntura Gueiros (2005, p.119) aponta: […] as enormes desigualdades sociais presentes na sociedade brasileira e a crescente exclusão do mercado formal de trabalho incidem diretamente na situação econômica das famílias e inviabiliza o provimento de condições mínimas necessárias a sua sobrevivência. Estes autores retratam que a perversidade dessa dinâmica, na qual os sujeitos não têm acesso a trabalho, tampouco a políticas públicas que lhe assegurem os mínimos de cidadania, sendo assim o Estado possui políticas que não suprem as necessidades das famílias e isso redunda muitas vezes, na negligência de crianças, uma vez que os próprios pais também estão negligenciados. Sabemos que as políticas sociais brasileiras estão muito longe de constituir uma alternativa para minimizar as desigualdades sociais, mas pelo exposto, constata-se que também não são suficientemente estruturadas para oferecer um padrão básico de proteção àqueles que dela dependem para sua subsistência. Segundo Santos (2014) cabe ao assistente social uma leitura crítica da realidade, apresentada pelo familiar ou responsável pela criança. Esse processo intelectual favorece a análise de elementos indispensáveis, que contribuam para que a equipe amplie seu rol de informações e conhecimento que visem à compreensão dos fatos e fenômenos sociais, sob a perspectiva da totalidade. Após aplicar a entrevista social o profissional reúne informações que o proporciona desenvolver a análise de conjuntura da demanda apresentada; análise esta realizada através de avaliação social pautada nas determinações da política de proteção integral à criança e nos dados obtidos na etapa anterior. A avaliação social é um instrumento assegurado pela Lei nº 8.662/93 (Regulamentação da Profissão), por meio dela e a partir dos dados referidos, o profissional desenvolve uma leitura analítico-crítica da situação a fim de compreender todo o processo que envolve a criança e seu núcleo familiar. A partir daí, o assistente social tem condições concretas para perceber se a negligência ocorre pela negação e falta de compromisso com as responsabilidades familiar, comunitária, social e governamental. Lemos (1999) discorre sobre a necessidade e importância da avaliação social como uma das estratégias para o levantamento de informações sobre a vida pessoal e familiar, inerentes aos processos relacionados à produção de saúde, que sirvam de base, não apenas 23 para este profissional, mas também para os demais membros que compõe a equipe de trabalho. A partir daí, o assistente social tem condições concretas para dar sequência a sua intervenção de forma consciente e habilitada. Notificação ao Conselho Tutelar Após a avaliação social, o profissional informa o acompanhante da criança que a situação será notificada e encaminhada ao Conselho Tutelar, baseando-se no que determina o art. 13 do ECA para as devidas providências, independente da confirmação da negligência, uma vez que por determinação legal é obrigatória a notificação para posterior acompanhamento do referido órgão. ―Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão, obrigatoriamente, comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais‖ (BRASIL, 1990). Ressaltando que a responsabilidade pela notificação ao Conselho Tutelar é de toda equipe de saúde, no entanto, o assistente social colabora nesta ação, considerando que não é sua atribuição, conforme preconiza a Lei Federal nº. 8.662/93 de Regulamentação da Profissão. Cabe ao profissional fazer uma abordagem socioeducativa com a família a fim de informá-los que a investigação sobre a suposta negligência não é competência do assistente social, nem tão pouco da instituição de saúde, cabendo apenas nesse momento à notificação ao órgão competente e, por conseguinte socializar as informações em relação aos recursos e viabilizar os encaminhamentos necessários. De acordo com o ECA o art. 245 na Lei 8.069/90 ―Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente: Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (BRASIL, 2013 p. 472) A notificação a este órgão de proteção, além de cumprir com a determinação legal, também resulta o acompanhamento da criança e seu núcleo familiar, bem como a requisição de serviços públicos, possibilitando o acesso aos direitos que, muitas vezes não são 24 garantidos, sendo esta uma atribuição do Conselho Tutelar explicitada no artigo 136 na Lei 8.069/90 Assim, o objetivo maior da proposta de notificação é que seja um instrumento efetivo para facilitar o acesso a uma rede de proteção para as crianças e adolescentes. Ferreira (1999) alude que, a notificação da violência ao Conselho Tutelar, tem importante interferência na dinâmica do atendimento à vítima e seu núcleo familiar, independente da suspeita ou confirmação. Tal procedimento visa estabelecer uma parceria fundamental na proteção à criança e no apoio à família, uma vez que o campo de ação do Conselho Tutelar tem maior resolutividade nas questões sociais e jurídicas. Nestes termos a notificação e o encaminhamento das situações de negligência aos órgãos competentes se torna uma estratégia fundamental no combate a violência contra a criança, já que possibilita o enfrentamento e a prevenção. Encaminhamento Social No atendimento à violência contra a criança é necessário o trabalho em rede, que sugere a ideia de articulação entre parceiros para garantir a integralidade da atenção aos segmentos mais vulneráveis ou em situação de risco pessoal ou social. Para Hoffman et al (2000, p. 09) na área da infância a rede representa: Um conjunto integrado de instituições governamentais, não governamentais e informais, ações, informações, profissionais, serviços e programas que priorizem o atendimento integral à criança na realidade local, de forma descentralizada e participativa. Por se tratar de uma instituição de saúde pública, o HCM também faz parte dessa rede intersetorial3. A emergência pediátrica do HCM é porta de entrada da negligência ou ainda, outras violências e a partir daí, o assistente social através do encaminhamento social Rede Intersetorial 3 É um conjunto de pessoas e organizações que se relacionam para responder demandas e necessidades da população de maneira integrada, mas respeitando o saber e a autonomia de cada membro. Com isso, as redes constituem um meio de tornar mais eficaz a gestão das políticas sociais, otimizando a utilização dos recursos disponíveis. Ao preservarem a identidade de cada membro e sua competência na gestão dos recursos, fazem com que essas organizações se integrem, tanto na concepção das ações intersetoriais quanto na sua execução, para garantir à população seus direitos sociais. Daí a importância de que cada organização pública — estatal ou privada — desenvolva seu saber para colocá-lo de maneira integrada a serviço do interesse coletivo. (JUNQUEIRA, 2000, p. 40). 25 possibilita que a criança e seu núcleo familiar possam ser atendidas pelas demais políticas sociais de forma integral. Considerando o encaminhamento social como instrumental valioso de representação final de todas as análises estruturais e de conjunturas, articulações, mobilizações e exercício intelectual do assistente social, ele se fundamenta e, ao mesmo tempo, expressa a direção ético-política, à medida que materializa os encaminhamentos das necessidades internas e externas, apresentadas pela família atendida. Este instrumental, bem redigido e fundamentado na instrumentalidade disponível ao Serviço Social, pode servir de mecanismo inicial de defesa dos direitos da criança, legalmente constituídos. Contudo, se for elaborado, inspirado em concepção mecanicista, pragmática e burocrata, é bem possível que sirva de cerceador daquilo que se torna indispensável para a manutenção da vida familiar e da criança. Documentação Após finalizar as intervenções, o profissional formaliza suas operações, redigindo em forma de evolução em sistema eletrônico e também em livros de registro. Alves (2005) aponta que o Serviço Social também utiliza o prontuário eletrônico como forma de registro para seus atendimentos, socializando informações dos usuários que são acompanhados pela equipe multiprofissional. Para Vasconcelos (2002), a documentação dos atendimentos é utilizada, basicamente, para garantir a continuidade das ações por outro assistente social ou qualquer dos demais profissionais da equipe. Cabe também ressaltar que os usuários da saúde têm o direito de ter registradas todas as intervenções realizadas durante os atendimentos em unidades de saúde e em alguns códigos de éticas, constam a obrigatoriedade do registro das intervenções realizadas. O ato de documentar não é somente uma atividade burocrática que se reduz ao manuseio técnico operativo, Pitarello (2000, p.3) ―aborda que quando produzimos ou desejamos conhecer documentos, surge o desejo de juntar elementos, evidências, sinais que darão sustentação às ideias ou às ações realizadas, com o objetivo de comunicar isto a demais interlocutores‖. Os assistentes sociais inseridos no HCM realizam o registro de seus atendimentos em prontuário eletrônico, entretanto é de suma importância acrescentar que há o sigilo de 26 algumas informações em documentação, nem tudo será exposto para a equipe. A fim de evitar exposição e tbem julgamento da família em virtude da realidade vivenciada. O assistente social trabalha com profissionais de outras áreas, que ainda que tenham o sigilo profissional circunscrito em seus códigos, não estão sujeitos às mesmas obrigações, apresentam objetivos diferentes e, ainda, lógicas e prioridades distintas das do Serviço Social. O assistente social atua em circuitos em que as informações devem ser partilhadas e, ao mesmo tempo, em que a confidencialidade é, legalmente, autorizada. (SAMPAIO & RODRIGUES 2014, p.4) E, nessa perspectiva, definir o limite do sigilo. Para Ceneviva (1996, p. 17), o dever ético cujo cumprimento é atribuído a uma pessoa em razão de sua profissão lhe atribui uma atitude de ―obter apenas a informação necessária para o cumprimento da missão profissional, e não mais que isso‖. Isso serve para pensar não apenas a obtenção da informação, mas ainda a veiculação desta ao que for necessário para o cumprimento do direito. A documentação do exercício profissional é fundamental, uma vez que durante a realização de seu trabalho o profissional produz um conhecimento sobre a realidade na qual ele está atuando, e é por meio da documentação que há possibilidade de se registrar esses conhecimentos e planejar o trabalho profissional. Mioto (2007) observa que, pelo fato das ações profissionais estarem calcadas predominantemente no uso da linguagem, serão os registros das ações que irão permitir obter dados e dar visibilidade à intervenção profissional. Considerando que o ato de documentar é instrumento de comunicação e também de memória, por ser elemento essencial para o trabalho do assistente social, dada a possibilidade de subsidiar a organização e a divulgação do trabalho, bem como conserva a memória da profissão em seus diferentes espaços sócio ocupacionais. Para tal, os assistentes sociais devem consolidar uma base de informações que tenha como suporte a documentação do processo interventivo contribuindo ainda para futuras fontes de pesquisa científica. Considerações Finais O Serviço Social é uma profissão eminentemente interventiva e a forma como os profissionais direcionam respostas às demandas que lhe são apresentadas resultam no acesso e garantia de direitos da população atendida. 27 Inserido neste contexto capitalista, que é permeado de expressões da questão social, o profissional é desafiado cotidianamente com o fenômeno da violência doméstica, especificamente a negligência enquanto problema social e de saúde pública. Algumas consequências da negligência contra a criança acabam resultando na internação hospitalar, em vista disso é de suma importância o atendimento multiprofissional para que a vítima possa ser acolhida em toda a sua integralidade. No HCM uma das demandas apresentadas ao Serviço Social é a situação de negligência contra a criança, neste atendimento bem como nos demais, o assistente social utiliza seu Protocolo de Intervenção para nortear sua ação profissional. Os instrumentos e técnicas, utilizados no atendimento social, são os elementos cruciais que efetivam a ação profissional e por isso, seu manejo deve ser de forma habilidosa e articulada aos fundamentos e princípios do Projeto Ético- Político. Nesse sentido, o Serviço Social através da linguagem, entrevista, avaliação social, notificação ao Conselho Tutelar, encaminhamento social e a documentação contribui para que a criança vítima de negligência possa ter seus direitos garantidos, bem como receber o acompanhamento da rede intersetorial e de proteção à infância, tendo em vista a sua condição peculiar de desenvolvimento segundo o próprio Estatuto da Criança e Adolescente. Na busca pela construção de uma perspectiva crítica de atuação, os assistentes sociais devem articular a escolha do instrumental técnico-operativo com a intencionalidade profissional ancorada no que é legalmente constituído. Neste artigo percebemos e enfatizamos as potencialidades que o trabalho do assistente social possui ao utilizar os instrumentos e técnicas e direcionar sua ação para o encaminhamento ao acesso de direitos, principalmente quando estes são violados. É nesta perspectiva que o Serviço Social busca o aperfeiçoamento e aprimoramento das suas técnicas, sendo também dinâmico e criativo para responder as demandas que se desenvolvem na medida em que crescem as desigualdades sociais. Referências Bibliográficas ACOSTA, A. R.; VITALE, M. A. F. (org). Famílias: redes, laços e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos Especiais- PUC/SP, 2005. ACOVERDE, A. C. Manifestações da questão social no Brasil. In:Violência, Exclusão Social e Desenvolvimento Humano: Estudos em Representações Sociais. Orgs. Ângela Maria de Oliveira Almeida et al. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2006. pp. 27-37 28 ALMEIDA, Lívia. 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