Implantação da metodologia Corporate Ecosystem Services Review: um estudo de caso no setor de bens de consumo. JULIANA NATUCCI BERGANTON Universidade Estadual de Campinas [email protected] MURIEL DE OLIVEIRA GAVIRA Universidade Estadual de Campinas [email protected] 1 Implantação da metodologia Corporate Ecosystem Services Review: um estudo de caso no setor de bens de consumo. Resumo Este artigo apresenta um estudo de caso da implantação da metodologia Corporate Ecossystem Services Review (ESR) em uma empresa multinacional no setor de bens de consumo situada no Peru. O objetivo é fornecer informações sobre implantação da ESR para a cadeia produtiva de batatas nativas alto andino peruanas. Também, busca-se apresentar sugestões e dificuldades relevantes a este processo. Por meio da exposição de informações sobre o desenvolvimento metodológico, analisaram-se os impactos e dependências que a empresa multinacional estudada possui em relação aos serviços ecossistêmicos. Visto que, com a ESR objetiva-se e, fornecer apoio às empresas na criação e no desenvolvimento de estratégias para a gestão sustentável dos riscos e oportunidades no que tange impacto e dependências na relação empresa e meio ambiente. Ainda, essa ferramenta possibilita a análise de tendências, bem como a disponibilidade futura dos serviços ecossistêmicos. Também, por estar embasada no tripé de sustentabilidade, além de permitir a efetiva inclusão da análise ecossistêmica no meio corporativo, garante, desta forma, tomadas de decisões mais assertivas às empresas. PALAVRAS CHAVE: serviços ecossistêmicos, gestão sustentável, empresa multinacional, Peru, sustentabilidade. Implantation of Corporate Ecosystem Services Review methodology: a case study in the consumer goods sector. Abstract This paper presents the case study of implementation of the methodology called Ecossystem Services Review (ESR) for a multinational consumer goods company located at Peru. The goal of this article is provide information about the implementation of ESR for the productive native potato chain from the high Peruvian Andes. Furthermore, it presents some suggestions and exposes relevant difficulties to this process. There were analyzed the impact and the dependence that the multinational organization studied presents in relation to ecosystem services. Whereas the ESR allows the support to the companies in the creation of development of strategies for the sustainable management of risks and opportunities related with impact and dependence in this relation: company and environment. In addition, this tool enables the analysis of tendencies, also of the future availability of this ecosystem services. Finally, for being grounded in the triple bottle line concept, besides allowing the effective inclusion of the ecosystem approach in the corporate environment, ensures more assertive decisions for companies. KEYWORDS: ecosystem services, sustainable management, multinational, Peru, sustainability. 1 1. Introdução A preocupação com a questão ambiental existe há algum tempo, mas mudanças efetivas que permeiam esse assunto só foram adotadas a partir do final do século XX por meio da inserção da sustentabilidade em agendas empresariais e governamentais de muitos países. (DONAIRE, 1999). Uma das ferramentas mais recentes e mais bem conceituadas em busca do desenvolvimento e implantação de iniciativas sustentáveis é a Corporate Ecosystem Services Review (ESR). A ESR representa uma metodologia que ajuda a inserção da análise de questões ecossistêmicas nas decisões de negócios. Nesse contexto, esse artigo tem como objetivo descrever um estudo de caso sobre o uso dessa metodologia em um projeto piloto de uma empresa multinacional situada no Peru, para cadeia produtiva das batatas nativas peruanas. A importância dessa pesquisa está justificada no fato de expor o processo de implantação e os resultados obtidos com a ESR, com o intuito de fornecer sugestões, informações, demandas e desafios para aqueles que também pretendem implantá-la. Além disso, também são expostas algumas barreiras identificadas ao decorrer do desenvolvimento metodológico nesse estudo de caso, bem como são feitas algumas recomendações para adaptações à ESR. Assim, para realização da pesquisa foi adotada a perspectiva exploratória e de estudo de caso com coleta de dados por meio de pesquisa documental, entrevistas e observação participante. Com isso, foi possível a constatação de oportunidades e riscos, bem como a exposição das dificuldades e observações direcionadas à implantação da metodologia ESR no setor de bens de consumo não duráveis. Para realização do estudo de caso, foi utilizado o guia “Avaliação Empresarial dos Serviços dos Ecossistemas” (HANSON et al, 2012), além de outros estudos de casos internacionais a partir de empresas que já realizaram esse mesmo processo (WRI, 2013), artigos científicos, monografias, etc. Na pesquisa documental foram levantados dados nos relatórios da empresa estudada e do local de aplicação, relatórios de projetos passados, etc. Essas informações foram coletadas pessoalmente ou com as pessoas responsáveis na empresa ou no local de aplicação, por meio de email, telefone, e reuniões pessoais e em grupo. Além disso, teve-se acesso a relatórios técnicos de especialistas e consultores que estudaram a região e forneceram informações locais, bem como previsões de tendências regionais. Esses dados foram particularmente importantes no passo três (detalhado na seção 4). A observação participante foi realizada entre os meses de março a setembro de 2013 e também nesse período foi desenvolvida entrevista não-estruturada com os cinco principais participantes do processo de implantação da empresa tratada nesse estudo de caso. 2. A sustentabilidade na estratégia empresarial Nos últimos anos, a pressão da sociedade e da comunidade científica bem como a escassez de recursos e os impactos negativos da exploração descriminada do meio ambiente, tem levado as empresas a incorporarem a sustentabilidade em suas estratégias empresariais. 3 Assim, o termo sustentabilidade apareceu como resultado de um movimento histórico que questiona o modo de desenvolvimento da sociedade industrial atual (SAVITZ, 2007 apud SILVA, 2009, p. 02). O conceito de sustentabilidade está ligado ao de desenvolvimento sustentável como definido pelo Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Brundtland, 1987, p.15) que afirma que desenvolvimento sustentável é “o desenvolvimento que atende as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades”. No decorrer dos anos houve distintas definições relacionadas à sustentabilidade, as primeiras iniciativas apresentavam uma maior preocupação ambiental no que dizia respeito principalmente à de redução da poluição. Entretanto, nos dias atuais, a sustentabilidade é relacionada a três dimensões: ambiental, social e econômica; também definido como triple bottom line (ELKINGTON,1999). Com isso, permitiu-se que recentemente exista a sustentabilidade corporativa, a qual é representada pela adoção de práticas que fortalecem os negócios considerando o tripé de recursos ambientais, sociais e econômico-financeiros como embasamento (SAVITZ, 2007). O desenvolvimento do conceito sustentabilidade e, especificamente o do tripé no qual está fundamentada, foi o conceito que mais contribuiu para o entendimento do processo de implantação da ESR, já que essa metodologia visa a tomada de decisão empresarial sustentada nos três pilares, sendo que o enfoque a cada um deles é dado dependendo da necessidade de cada empresa. Sendo que, ao se tratando do pilar ambiental, um dos temas mais estudados pela ESR está ligado à questão ecossistêmica. Para Andrade e Romeiro (2009), ecossistemas são sistemas adaptativos e complexos com interações dinâmicas e intermitentes entre seres vivos e não vivos em seus ambientes físicos. Sendo que o equilíbrio dinâmico é garantido pela ligação de efeitos positivos e negativos nas interações e pelos efeitos de retroalimentação (feedback) (ANDRADE; ROMEIIRO, 2009). Nesse contexto, para apoiar as instituições no planejamento e implantação de suas iniciativas sustentáveis, a ESR é desenvolvida como uma ferramenta de apoio aos gestores no desenvolvimento de estratégias para gerenciamento dos riscos e oportunidades empresariais decorrente da dependência do impacto das mesmas em relação ao meio ambiente. 3. A Metodologia de Avaliação dos Serviços Ecossistêmicos (ESR) A ESR se utiliza do conceito da biologia para entender e agir na relação de dependência entre instituições e o ecossistema ecológico e social onde elas estão inseridas. Assim, parte do princípio que ecossistemas saudáveis desempenham papel fundamental no bem-estar humano, desenvolvimento econômico e até mesmo na redução da pobreza em todo o mundo. Além disso, a gestão dos ecossistemas quando realizada de maneira eficiente viabiliza a prestação de serviços vitais a sociedade. (TURNER, 2007). Em se tratando da visão empresarial sobre preservação ambiental, segundo Young e Lustosa (2001) na maioria das empresas percebem-se aumento de custos e perda de competitividade em empresas apenas preocupadas com soluções do tipo end-of-pipe, ou seja, estratégias que somente remediam a poluição e degradação que já ocorreram (YOUNG; LUSTOSA, 2001). Segundo esses mesmos autores, outro tipo de solução comumente adotado para os problemas de poluição ambiental é a prevenção à poluição (pollution prevention), que se resume em adotar tecnologias mais limpas e mais eficientes, gerando assim mudanças de longo prazo e uma nova forma de gestão empresarial. Nesse contexto, percebe-se que são poucos os esforços que abrangem o envolvimento de diversos atores de um mesmo ecossistema para verificar ações conjuntas que poderiam auxiliar ainda mais na minimização dos impactos gerados por todos. Além disso, Diversos autores têm estudado os serviços ecossistêmicos, sua capacidade de suporte a vida, e a influencia na sociedade ( Costanza et al., 1997; Ehrlich e Mooney, 1983; Leopold, 1949; Osborn, 1949; Rapport, 1995; etc.). Porém, muitos desses estudos estão mais preocupados com estudar a relação de dependência do homem ao meio ambiente, o valor econômico dos recursos ambientais, ou com a avaliação e reposição de recursos inorgânicos, do que com o sistema como um todo e com a recuperação de serviços. Nessa perspectiva, o termo serviços ecossistêmicos foi popularizado com a publicação de uma serie de relatórios denominados “Avaliação Empresarial dos Serviços dos Ecossistemas” (Millennium Ecosystem Assessment). Esses relatórios foram encomendados pelas Nações Unidas em 2000 e apresentam o estado da arte da avaliação feita por 1,360 especialistas do mundo todo sobre as condições e tendências dos ecossistemas mundiais e dos serviços por eles prestados (água potável, alimento, controle de inundação, etc.). Também foram avaliadas as opções para restaurar, conservar e aprimorar o uso mais sustentável dos serviços dos ecossistemas (Millennium Ecosystem Assessment, 2014). Portanto, além de proporcionar o bem-estar humano, a atual sociedade se apresenta como dependente do equilíbrio desses serviços essenciais para sua sobrevivência e desenvolvimento. A demanda pelos serviços é considerada inversamente proporcional à capacidade dos ecossistemas de os oferecerem, o que justifica a importância de sua preservação. Defende-se, portanto, a busca por formas eficientes e sustentáveis de utilização dos serviços e recursos ainda disponíveis (ANDRADE; ROMEIRO, 2009). Entretanto, a avaliação dos serviços ecossistêmicos e sua relação com a sociedade e próprio meio-ambiente é um processo complexo e necessita de métodos e ferramentas eficazes para isso. A seguir apresenta-se, de forma sintética, a metodologia ESR descrita em detalhes no guia “Avaliação Empresarial dos Serviços dos Ecossistemas” (HANSON et al, 2012). Esse guia encomendado pelo World Resources Institute (WRI) é o principal documento explicativo da ferramenta e foi o principal material utilizado neste estudo de caso. Ele foi selecionado por ser o guia mais detalhado e completo encontrado na pesquisa bibliográfica. A metodologia ESR tem o intuito de fornecer apoio às empresas na criação e desenvolvimento de estratégias de gestão de riscos e oportunidades. Sua dinâmica de aplicação está dividida em cinco etapas a serem seguidas para sua completa implantação, como pode ser visto na figura a seguir. 5 Figura 1. Fases da avaliação empresarial dos serviços ecossistêmicos. Fonte: Avaliação Empresarial dos Serviços Ecossistêmicos. (HANSON et al, 2012, p.11) No primeiro passo se definem os limites onde será conduzida a avaliação, podendo ser selecionado dentro os seguintes aspectos: unidade empresarial, produtos, mercados, propriedades da empresa, projetos de infraestrutura, fornecedores, segmento de clientes, etc. Na segunda etapa são identificados os serviços ecossistêmicos prioritários, para o escopo selecionado, por meio de uma avaliação do grau de impacto e dependência de cada um. Os serviços com maior grau são selecionados para a fase três. Na terceira fase a empresa realiza um estudo de tendências em escala geográfica e temporal para cada um dos serviços prioritários e, para isso conta com a construção de matrizes. Por meio dessas matrizes se possibilita uma abrangência de todos os atores envolvidos na utilização para cada serviço prioritário analisado. Ou seja, para cada um dos serviços selecionados, desenvolve-se a matriz focada em: atividades da empresa, atividade de terceiros, estado e tendência desse serviço ecossistêmico, forças motrizes diretas e indiretas. Nessa fase metodológica é comum a necessidade de consultores e especialistas para fornecerem informações mais detalhadas para se desenvolver matrizes mais elaboradas e precisas para a tomada de decisão. O quarto passo consiste em avaliar as implicações dos resultados obtidos na terceira fase para a empresa e encontrar possíveis riscos e oportunidades para a mesma. Nessas implicações poderão estar presentes cinco tipos de riscos e oportunidades: operacionais, regulamento e legal, reputacional, mercado e produto, e financeiro. A última fase consiste em desenvolver e priorizar estratégias que visem a minimização de riscos e maximização dessas oportunidades identificadas na fase quatro. Com essa fase finalizada, os gestores devem desenvolver estratégias para tomadas de decisão, desta forma, conseguem efetivamente considerar e internalizar a preocupação com o ecossistema em suas iniciativas de negócios. Além disso, a metodologia sugere aos gestores ampliar o escopo da aplicação da ESR a outras divisões, mercados, clientes, fornecedores, etc. 4. Estudo de caso no setor de bens de consumo Os resultados apresentados nessa seção foram obtidos por meio da observação participante em um projeto de implantação da ESR para uma empresa multinacional situada no Peru. Ainda, a pesquisa adotou os seguintes procedimentos para coleta de dados: levantamento de informações como, por exemplo, número de produtores, dados a respeito de produtividade, dados econômicos e de produção, impactos sociais e ambientais, etc. Essas informações foram obtidas com funcionários da empresa por meio de e-mails, telefonemas, averiguação in loco em território peruano, reuniões com diferentes áreas da empresa, e entrevistas não-estruturadas realizada com os principais atores do processo de implantação. A primeira fase de implantação da ESR é dada pela seleção do escopo e para o caso analisado houve uma peculiaridade, pois se tratou de uma parte de um projeto mais abrangente resultado de uma parceria em que participaram outras empresas além da multinacional estudada. A proposta inicial teve como recomendação um escopo direcionado a áreas que afetassem ou estivessem ligadas à região amazônica. Para o estudo de caso desse artigo, a empresa focou-se na região alto-andina peruana, já que esta é localizada na bacia hidrográfica amazônica, mais especificamente, as zonas analisadas foram Huancavelica (7 hectares), Junín (25 hectares) e Handahuaylas (8 hectares) as quais são fornecedoras de variedades de batatas nativas utilizadas no processo produtivo da multinacional do caso estudado. Essa escolha se justificou visto que esse insumo é um dos cultivos mais importantes do setor agrário no Peru, tanto econômica como socialmente. O país produz cerca de quatro milhões de toneladas ao ano em aproximadamente 270.000 hectares. Além disso, quase 600.000 famílias dependem de seu cultivo, o que oferece grande contribuição ao produto interno bruto agrícola de cerca de US$ 500 milhões anuais. As batatas também desempenham um papel significativo na tradição e dos povos dos Andes (MINAG, 2009). Percebe-se nessa etapa inicial que outros fatores externos podem influenciar na decisão estratégica do escopo. Existem casos em que a própria empresa requer a implantação metodológica para análise de impactos em projetos de construção e infraestrutura ou, para uma cadeia ou linha de produção específicas. Nesse aspecto pode-se definir que algum ponto do tripé de sustentabilidade pode se tornar o mais relevante no momento da decisão do âmbito. Ademais, em um mesmo escopo poderão existir muitos serviços ecossistêmicos considerados de alto impacto e/ou dependência, por isso na segunda etapa os gestores têm de determinar a escala em relação à qual avaliarão a dependência e impacto da empresa para o serviço ecossistêmico. Neste segundo passo o objetivo é selecionar por volta de cinco serviços ecossistêmicos para então iniciar a realização de matrizes de tendências (Passo três). Por meio da análise de impacto e dependência (Passo dois), realizadas pela liderança da empresa multinacional, foi possível a seleção dos seguintes serviços prioritários: água doce; recursos genéticos; culturas agrícolas; manutenção do solo; valores culturais. Nesse ponto houve certa dificuldade na seleção de apenas cinco serviços e, por isso, para alguns deles foi necessário o agrupamento de algumas questões convergentes em um mesmo serviço prioritário. Isso aconteceu no caso da água doce no qual se observou também a questão da regulação de vazão e fluxos de água. Ainda, para manutenção do solo se analisou manutenção da qualidade do solo com regulação da erosão e, por fim, para valores culturais ficou definido como valores éticos, espirituais juntamente com valores inspiradores e educativos. Após a seleção dos serviços prioritários, segue-se para terceira etapa que permite a construção de uma matriz de impacto e dependência para cada um dos serviços prioritários gerados. Por meio das mesmas são analisados diferentes atores que compartilham um mesmo ecossistema, por isso é importante observar que além da interdependência desses atores podem também existir ligações entre as diferentes matrizes geradas. Nessa terceira fase é aconselhada, pela própria ESR, a consulta de consultores e especialistas para fornecerem informações mais detalhadas e, desta forma, conseguir desenvolver matrizes mais elaboradas e precisas para a tomada de decisão. 7 A seguir há a exposição sintetizada do que foi analisado na terceira etapa para cada serviço prioritário no caso estudado. Para prioridade água doce foi percebida a tendência de aumento da temperatura em 1,6°C nas regiões Alto-Andinas para os próximos anos. No que diz respeito à precipitação, as projeções não demonstram mudanças relevantes na sua distribuição espacial em relação aos padrões atuais, porém, para a década de 2030 projeções estudadas demonstraram que poderiam aparecer deficiências entre 10% e 20% nas áreas serranas. (MINISTERIO DEL AMBIENTE, 2010). Nas matrizes, por meio de uma avaliação das atividades de outros setores locais, percebe-se uma grande importância regional para a mineração. Atualmente, existem cinco grandes mineradoras em fase avançada de início de suas atividades na região (Mineria Del Norte, Southern Peru, Super Strong Mining, Verde Resources e Anubia SAC) (MINEM, 2010), o que representa uma oportunidade, ao passo que a região receberá royalties significativos, o que permite grande atenção ao local estudado e pode representar um maior zelo pelos serviços ecossistêmicos disponíveis. Nesse aspecto, como foi observado após estudos aprofundados na região a produção das batatas nativas alto-andinas, destaca-se que em muitos dos casos para os quais são implantadas a ESR não é suficiente envolver apenas um atividade em um ecossistema, como foi feito para a empresa multinacional, mas também devem ser consideradas de maneira a envolver todas as outras atividades que compartilham esse mesmo ecossistema e, portanto, impactam e dependem de seus serviços. Por fim, após análise de todos os aspectos criados e discutidos na matriz gerada para água doce, os consultores internos da empresa concluíram que, para este serviço a região possui capacidade hídrica para sustentar as atividades humanas e do ecossistema quantitativamente, porém existe uma tendência de deterioração da qualidade da água disponível, representando um risco futuro a ser considerado nas tomadas de decisão atuais e futuras. Outro serviço escolhido como um dos cinco serviços prioritários pela empresa estudada são os recursos genéticos. Pode-se afirmar que o Peru possui uma alta diversidade genética especialmente para os produtos: batata e milho. As batatas nativas alto-andinas aparecem como insumo de autoconsumo das famílias produtoras. Com possíveis extinções, não apenas o patrimônio cultural se reduziria, assim como o material genético para desenvolver novas espécies resistentes a diferentes condições climáticas e às pragas. Existem alguns projetos já implantados pela própria empresa multinacional estudada que visam a manutenção dos recursos genéticos e, até mesmo, melhoramento e desenvolvimento de novas espécies. Segundo estudos internos realizados com consultores e especialistas, constatou-se que as variedades de batatas andinas são as menos impactadas pelas mudanças climáticas e, portanto, a empresa pretende incentivar a produção dessas variedades. Para o serviço de manutenção do solo constatou-se que a produção de batatas nativas é feita apenas em época de chuvas, o cultivo é realizado em declives e é fundamental um bom desenho dos sulcos para a correta drenagem dos solos. Além disso, por serem produzidas em altitudes elevadas (de 3.300 a 4.200 metros acima do nível do mar) estão sujeitas a geadas o que prejudica o desenvolvimento das culturas em análise. Ainda, para o serviço prioritário manutenção do solo, pode-se acrescentar que os trabalhos agrícolas nessa região estão orientados à conservação dos solos e para que o mesmo não seja impactado negativamente, várias técnicas são usadas, principalmente para trabalhos nas propriedades localizadas em ladeiras íngremes. Nesse aspecto, demonstra-se uma possível correlação entre diferentes serviços prioritários, o que pode ser percebido principalmente no momento de realização do passo três com a criação das matrizes, ao estudar possíveis relações entre elas. Para o caso estudado, as técnicas de cultivo desenvolvidas nessas propriedades são passadas de geração a geração, pelos proprietários dos pequenos hectares familiares observados na região, visando sua conservação. Visto isso, pode-se afirmar a correspondência entre o serviço de manutenção do solo e valores culturais. Por isso, ao incentivar o aumento da produção desse insumo nativo, buscando maior eficácia e eficiência na produtividade, há também o risco de se perderem maneiras tradicionais de se cultivar. Por isso, sugere-se a importação de técnicas diferenciadas de cultivo e manutenção do solo, ou seja, inovações e tecnologias que possam maximizar a produção. Também, foi discutida a possibilidade de realização de workshops com diferentes treinamentos e capacitações para os produtores e um local em que eles pudessem se encontrar trocar informações e conhecimentos técnicos. Por fim, para o quinto serviço prioritário selecionado, valores culturais, uma das problemáticas enfrentadas é a alta taxa de emigração apresentada pelos peruanos. Segundo cifras de dados oficiais do Instituto Nacional de Estadísticas e Informática – INEI, 2009, é demonstrado que no ano de 2005 o número de emigrados foi de 165.877, já em 2011 esse número cresceu para 272.000, ou seja, um aumento de mais de 100.000 emigrados em apenas seis anos. Essa situação se agrava ao observar cifras aos jovens peruanos, segundo a primeira pesquisa nacional da juventude realizada por instituições oficiais do Estado Peruano (INEI, 2011, p. 151 – 157), 48,2% dos jovens entre 15 e 29 anos possuem a expectativa de viver em outro país. Essa porcentagem aumenta para 52% em Lima, área urbana. Além disso, outra informação peculiar sobre valores culturais mostra as taxas de erosão diretamente afetadas pelo grau e tipo de cobertura vegetal, ao mesmo tempo representam também um reflexo indireto em função da escassez de trabalho, pois devido o fluxo de pessoas de áreas rurais para urbanas há uma redução nas estruturas de proteção. Portanto, segundo estudos, a erosão dos solos em muitas comunidades andinas pode ser causada por uma redução da presença humana. Mais uma vez é destacada a importância de se analisar a correlação entre as diferentes matrizes geradas, pois a priori não se constatava a relação entre erosão e êxodo rural. Para a quarta fase, há uma recomendação da própria ESR para apresentação das matrizes a diferentes áreas internas na corporação, para garantir discussões e sugestões com múltipla visão, proporcionando tomadas de decisão mais assertivas. Na reunião realizada em território peruano, conforme eram apresentadas cada uma das matrizes com os serviços ecossistêmicos prioritários e seus respectivos estudos aprofundados, foram discutidos riscos e possíveis oportunidades e, para alguns casos, foram expostas algumas ideias de planos de ação a curto e em longo prazo, o que garantia a realização da quinta e ultima etapa com a criação de estratégias. Atualmente, a água doce é conseguida para o cultivo de batatas nativas peruanas, principalmente por meio pluvial e desgelo e, por a região estudada se tratar de altas altitudes pode representar difícil acesso a sistemas de irrigação. Caso as projeções de escassez forem constatadas, é importante uma atitude prévia para prevenção de consequências e gastos futuros. Além disso, essa projeção pode 9 representar um comprometimento do meio de sobrevivência de muitos habitantes peruanos. Por isso, em reunião, foi exposta a preocupação com essa temática e iniciaram-se discussões a respeito de possíveis projetos e parcerias. Ademais, a empresa compartilhou que estão, atualmente, desenvolvendo um projeto piloto para reutilização de água para algumas espécies de outras batatas que também servem como insumo e, dependendo da eficácia do mesmo, poderiam estendê-lo às nativas. Outra questão também discutida em reunião foi a respeito das condições de crédito dadas localmente aos agricultores, que por serem familiares e não possuírem fácil acesso ao crédito percebe-se um fator limitante, principalmente ao desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, ao desenvolvimento econômico regional. A empresa expos que possuem a iniciativa de capacitação dos mesmos para poderem adquirir uma visão de negócios e práticas administrativas, incentivando o seu acesso às universidades. Atualmente, segundo dados internos fornecidos, existem cerca de 20 agricultores, dos quais 35% são graduados em engenharia, sendo que estão na liderança de aproximadamente 500 pessoas que suportam essa cadeia de fornecimento. Esse engajamento social é fundamental para realização de projetos que promovam a melhoria na qualidade de vida populacional, assim como do desenvolvimento social e econômico regional. Afinal, práticas como essa permite o fornecimento de produtos com melhor qualidade e aumenta a possibilidade de que os produtores invistam em seus cultivos e consigam até mesmo maior produtividade por preços mais competitivos. Por outro lado, existem áreas que apresentam maiores investimentos devido à presença de grandes mineradores. Nesse aspecto no que tange impacto e dependência ecossistêmica pode apresentar um risco, por dividirem e competirem pelos mesmos serviços ecossistêmicos. Além disso, estudos de projetos de muitas mineradoras demonstram informações sobre a alteração da qualidade de água por geração de sedimentos, pois as atividades de infraestrutura e construção de projetos de mineração geram a presença de sedimentos na água superficial. Geralmente, o próprio projeto conta com um plano, “Plan de Manejo Ambiental” (PMA), para evitar o contato da água sedimentada com as águas naturais próximas ao mesmo. (MINERA CHINALCO PERÚ S.A, 2009). Entretanto, a presença de mineradoras pode também representar uma oportunidade devido ao enfoque de investimentos, além de possíveis projetos em parcerias que podem ser criados. Por outro lado, outro fator analisado em reunião foi o de construção da imagem corporativa, pois a produção de batatas nativas tem alta relevância cultural e, esse é um forte motivo para a continuidade da fabricação do produto que as utiliza como insumo e com isso é gerado um incentivo à construção de uma marca vinculada à preocupação da cultura regional. Por fim, foi discutida a necessidade de realização de constantes estudos na questão genética para um possível melhoramento que permita aumentar a produtividade das batatas. Estudos demonstram que a produtividade mundial (incluindo todas as variedades) é de 18,73 toneladas por hectare (FAO, 2013), já para as batatas peruanas o valor é de 13,74 toneladas por hectare e para as nativas esse valor cai para 11,28 toneladas por hectare. (HORTON e SAMANAMUD. CIP, 2013). Uma alternativa ao aumento de produtividade seria o cruzamento genético, porém além da necessidade de estudos para o desenvolvimento de novas espécies, ainda seria necessária a avaliação sobre adaptação, eficiência e rendimento em campo das mesmas. Por isso, a viabilidade da combinação de novas espécies ainda está em processo de desenvolvimento. 5. Discussão Apesar de a viabilidade da ferramenta ter sido comprovada com a implantação para o caso analisado, existem algumas ressalvas a serem acrescentadas. A primeira delas é que, ao requerer auxílio de especialistas, principalmente na terceira etapa metodológica, pode-se dizer que existem algumas barreiras para empresas de pequeno porte no que se refere aos custos demandados. Por isso, propõe-se uma adaptação para esses casos em que o investimento inicial disponível não seja tão elevado, pois desta forma, o engajamento todos os atores de um ecossistema seria viável. Além disso, mesmo com o fato de as empresas de grande porte apresentarem estruturas mais densas, bem como maior força econômica, pode-se dizer que há facilidades quando a implantação é feita para empresas nacionais, pois algumas informações são dificultadas quando tratadas internacionalmente, como foi para o caso da multinacional situada no Peru. Principalmente no que diz respeito a questões culturais, facilidade de acesso a estudos locais, coleta de dados, estudos em campo, entre outros. Visto isso, pode-se apresentar como uma dificuldade enfrentada na implantação metodológica o fato de se tratar de agricultores familiares com pequenos hectares e, portanto, dificultando o acesso a informações mais precisas, principalmente naquelas que se trataram de valores culturais. Foi proposta a realização de uma entrevista em campo para um conhecimento mais aprofundado especificamente daqueles que fornecem batatas nativas à multinacional estudada. Essa pesquisa ainda não foi aplicada pela demanda de tempo que isso ocasionaria, visto que o estudo de caso se tratou de agricultores familiares de pequenos hectares localizados em elevadas altitudes o que dificulta a disseminação rápida da pesquisa e, além disso, muitas vezes também não possuem acesso à internet. Outro tema a ser exposto é que a metodologia é eficaz ao abranger os três pilares de sustentabilidade: econômico, social e ambiental. Porém, é importante notar que se vê a necessidade de escolhas ao longo da aplicação dos passos para garantir resultados satisfatórios, principalmente, no que se refere ao detalhamento e enfoque dos serviços e escopo estudado. Com isso, pode-se dizer que em alguns casos podem ser priorizados um ou mais dos três pilares, dependendo da direção a ser tomada no momento de aplicação da ESR. Por fim, como existem diferentes atores que dividem um mesmo ecossistema e impactam e dependem de seus serviços, faz-se necessário o engajamento de diferentes partes para que a efetividade da ferramenta possa ser ampliada. No entanto, principalmente no passo três com as matrizes de impacto e dependência é possível criar um cenário que considera os terceiros, ou seja, aqueles que também dividem o ecossistema com a empresa que está aplicando a ESR e, muitas vezes, permite que se criem projetos, contatos e ligações que a priori não eram consideradas nas decisões estratégicas. 6. Conclusão O objetivo desse artigo foi apresentar um estudo de caso sobre o processo de implantação e os resultados obtidos da metodologia de avaliação de serviços 11 ecossistêmicos, ESR, no caso de uma empresa multinacional no setor de bens de consumo. A partir desse caso foram levantadas sugestões, informações, demandas e desafios do uso da metodologia a fim de apoiar aqueles que também pretendem implantá-la. Além disso, o intuito não foi detalhar minuciosamente cada etapa da implantação da metodologia, mas oferecer uma visão geral da implantação, bem como demonstrar dificuldades e fornecer observações ao processo. A implantação da ESR neste estudo de caso pretendeu desenvolver estratégias que aliassem o desempenho empresarial à gestão sustentável dos ecossistemas. Além disso, representou a análise estratégica e proativa dos riscos e oportunidades de negócios no que diz respeito aos impactos e dependências da relação entre ecossistemas naturais e ação empresarial. Ainda, vale ressaltar que em casos de uma metodologia, como a ESR, que permite seguir diferentes caminhos e escolhas os resultados podem ser variáveis para as diferentes empresas que pretendem implantá-la. Além disso, em se tratando de decisões estratégicas, percebe-se a necessidade de uma mudança nas culturas organizacionais, com a inserção de uma perspectiva de dependência de serviços ecossistêmicos no meio corporativo. Recomenda-se que exista uma adaptação para empresas de pequeno e médio porte, visto que estas dispõem de menos recursos financeiros para realização das etapas de maneira minuciosa e detalhada. Uma proposta seria uma ação conjunta de maneira a engajar todos os atores de um ecossistema tornando proporcional o valor investido em relação a sua efetiva atuação. Finalmente, por meio de outros casos de implantação da ESR disponibilizados no site da WRI, pode-se afirmar que houve situações em que as empresas enfocaram e conseguiram resultados significativos no que diz respeito ao trabalho de imagem corporativa, como também possíveis vantagens em otimização de processos e, até mesmo em diminuição de custos. Ainda, percebe-se certa preocupação com a prevenção da necessidade de futuros pagamentos pela utilização de serviços ecossistêmicos, questão essa que vem crescendo dentro das empresas, pois, futuramente, poderão apresentar custos adicionais, os quais seriam evitados ou, até mesmo minimizados caso pensados de maneira preventiva como propõe a metodologia estudada. A empresa, portanto, deve analisar os dados apresentados e a partir dos mesmos direcionar suas ações estratégicas, tendo em vista a minimização de riscos e maximização de oportunidades à mesma. 7. Referências ALCAMO, Joseph et al. Ecossistemas e o bem-estar humano: estrutura para uma avaliação. Um relatório do Grupo de Trabalho da Estrutura Conceptual da Avaliação do Milênio dos Ecossistemas. Cidade: World Resources Institute – WRI. 2003. ANDRADE, Daniel.; ROMEIRO, Ademar. Capital natural, serviços ecossistêmicos, e sistemas econômicos: rumo a uma economia dosecossistemas. 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