INTRODUÇÃO

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“A democracia como base de Análise das Experiências de luta do
Movimento Sem Terra por Reforma Agrária no Brasil.”1
Autor: Leonardo Fragoso da Luz2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise sobre a
influência da concepção de democracia como é tratada de forma abstrata na
sociedade capitalista, ou seja, perdendo seu sentido epistemológico como “governo
do povo” e tornando-se uma característica do “Estado Democrático”. Essa nova
adjetivação enfraquece a significação exata da democracia, como forma de
organização política sobre os assuntos coletivos.
O conceito da democracia como valor universal, contrário à idéia da
democracia moderna burguesa é entendido como um processo de conscientização
política em massa para a constituição do socialismo, visando novas condições
econômicas e políticas, suprimindo as relações de produção capitalista, permitindo
que as forças produtivas emancipem a humanidade e eliminem a dominação
burguesa. Essa concepção de democracia dá lugar a uma famigerada liberdade
política em que a participação dos cidadãos nos assuntos públicos torna-se algo
limitado, criando espaços apenas para as liberdades individuais, de propriedade e
dos valores da economia de mercado.
Será abordado, a partir dos anos 90, a nova (re)configuração do papel
Estado diante da sociedade civil em que ocorre um processo de “descidanização”,
visto que este não se resume mais como um espaço de repressão apenas, mas
adere
as
pressões
políticas
e
econômicas
das
organizações
econômicas
internacionais para adotar mudanças econômicas que estejam a favor do grande
capital. E em contra-partida essa situação, proporciona um crescimento da
sociedade civil para mobilizar e reivindicar seus interesses.
Diante dessa conjuntura nefasta, os movimentos sociais têm buscado novas
concepções teóricas para referendar as suas lutas, do mesmo modo as articulações
com os demais atores sociais populares para um projeto que esteja ligado com a
real efetivação de democracia e do projeto de socialismo através da disputa
hegemônica de um projeto societário em que eles propõem fazer valer a real
Pesquisa em desenvolvimento no LASSAL (Laboratório de Serviço Social.
Movimentos sociais e Novos projetos societários na América Latina), coordenada
pela Professora Doutora Lucí Faria Pinheiro.
1
2
Formando em Serviço Social pela universidade Federal Fluminense
concepção
de
democracia
frente
ao
neoliberalismo,
pautando-se
no
desenvolvimento da consciência e nos princípios de solidariedade, de democracia,
de educação popular. Analisa-se a possibilidade da efetiva participação popular nas
lutas sociais em busca de garantia de direitos para a consolidação do processo
democrático, entendido como um valor universal contraponto a restrição feita à
representatividade e a sua essência política, onde ao indivíduo isoladamente é
atribuído o valor maior, um valor de consumo que se encontra nos efeitos negativos
da
conjuntura
política
e
econômica
atual.
Analisaremos
como
o
conceito
democrático está pautado nas diversas formas de luta do MST que no aspecto geral
defende a aplicação da reforma agrária e mesmo que haja as reivindicações
específicas do movimento, ele enquanto movimento político e popular acaba se
ampliando na defesa de outros movimentos sociais e dos interesses da classe
trabalhadora para que possam ser efetivados os direitos civis, políticos e sociais
com o objetivo de atingir a transformação social pautada num outro projeto
societário socialista na luta incansável para a destruição do capitalismo. A
importância de abordar o MST se constitui na sua atuação de luta dentro de uma
conjuntura de contra corrente imposta pelo sistema hegemônico capitalista que
adota medidas políticas e econômicas de degradação do meio ambiente e de
retirada de direitos sociais da classe trabalhadora, buscando uma política que
esteja estimada na lucratividade do grande capital e por outro lado, conta com a
ajuda do poder do Estado e do próprio capital para desarticular qualquer forma de
mobilização por parte dos trabalhadores e se utiliza da força de repressão e do
domínio ideológico para que o seu projeto seja concretizado. Noutro plano,
analisaremos a contribuição do Serviço Social no Brasil, respaldado em seu “projeto
ético-político” como suporte das lutas dos movimentos sociais. Visto que a
articulação
se
faz
necessária
para
a
afirmação
de
lutas
específicas
dos
trabalhadores sociais que se dá em defesa de políticas sociais universais.
1.1.
A gênese da concepção de democracia
Na sociedade moderna capitalista a participação dos indivíduos nos assuntos
públicos torna-se cada vez mais precárias, a real idéia de cidadãos é efetivada em
limitados aspectos, visando mais ao individualismo do que a uma percepção de
coletividade. A democracia na sua significação é constituída como forma de governo
formada pelo “governo do povo” ou “governo da maioria” que inclui o indivíduo nas
questões de articulação e discussão das relações políticas sobre os assuntos
públicos da cidade. Estabelece uma relação entre a encenação pública e a
participação dos cidadãos nos assuntos da comunidade. A noção de “público” está
consolidada no conjunto da comunidade como um todo e não apenas na
apropriação única e exclusiva das leis mercantis e da hierarquia situada acima da
grande maioria considerada como um “bem comum” a todos.
Os valores democráticos não são apenas representações subjetivas, esses
são constitutivos enquanto instituições públicas na forma de organização política
dos indivíduos. Pode se dizer que a comunidade política está aberta para o
desenvolvimento e para o aperfeiçoamento da comunidade, onde o indivíduo é
antes de qualquer coisa cidadão membro da sociedade.
A noção de democracia torna-se importante para o debate atual, visto que
ela é um processo histórico e adquire o sentido de liberdade e igualdade com a
identificação do homem livre numa nova sociedade. Esse novo sentido ganha mais
notoriedade com a Revolução Francesa com os novos ideais defendidos por uma
classe que ganha força com as críticas feitas ao antigo regime feudalista.
A democracia liberal que nasce junto com a Revolução Francesa é dirigida
pela burguesia no processo histórico social - que lutava contra a aristocracia na
tentativa de destruir o poder hegemônico do sistema feudal - se pauta nas idéias
de liberdade, fraternidade e igualdade. Tinha-se o objetivo de extinguir a estrutura
feudal e por outro lado, defender as condições pré-capitalistas do livre mercado. A
organização do Estado pós-revolucionário surge como progresso da sociedade e da
liberdade entre os indivíduos, que agora não estariam presos a um regime arcaico,
considerado ultrapassado política e economicamente, mas seria composta
por
novas relações sociais e novas necessidades para os indivíduos.
A idéia de liberdade afirma a concepção de mercado com livres circulações
de mercadorias nas novas relações humanas em que agora o homem era livre para
obter seus interesses para constituir as bases estruturais de uma liberdade
econômica que consolidava o capitalismo, tendo apoio de uma nova ordem religiosa
fundamentada
no
calvinismo
oposta
a
doutrina
da
igreja
católica.
Essa
característica marca a origem da sociedade burguesa que se baseia no plano da
economia, convertendo tudo em mercadoria. Assim o homem torna-se coisa nas
formas de sociabilidade, vendendo a sua força de trabalho ao capital. Essa nova
sociabilidade aproxima os indivíduos a uma lei de mercado e ao poder de controle
do Estado.
Segundo Pinto, a individualidade limita o sujeito apenas ao simples indivíduo
e o detentor de propriedade como sujeito da democracia político-liberal, “o social é
(...) a soma das individualidades autônomas e isoladas, e a noção de sujeito limitase à noção de indivíduo. O cidadão proprietário é sujeito da democracia político-
liberal”3. Essa possível liberdade pode assegurar para alguns o direito de
propriedade privada, mas difundindo a idéia de todos os indivíduos são iguais entre
si perante a lei. Lênin defendia que a liberdade e da igualdade para a propriedade
privada no sistema burguês servem apenas para legitimar a democracia burguesa a
favor do capital.
A liberdade e igualdade” no sistema burguês (...) e na
democracia burguesa, serão meramente formais, o que
significa,
na
realidade,
escravatura
salarial
para
os
trabalhadores (...), todo poder para o capital e opressão do
trabalho pelo capital4 (Lênin, 1985: 9).
Para
o
autor,
a
liberdade
e
igualdade
defendida
pela
burguesia
revolucionária passam a se tornar algo excluído dos trabalhadores. Na concepção
de liberdade burguesa os indivíduos são autônomos para decidirem sobre si
mesmos, podendo opinar nas questões coletivas, religiosas, etc. Os homens são
iguais entre si com igualdade em direitos, no entanto, essa identidade não pode
existir na sociedade capitalista visto que nem todos os indivíduos possuem
propriedades privadas, então não se pode igualar um “milionário de um
vagabundo”5.
Levando-se em consideração que a democracia está firmada num processo
histórico estabelecido nas relações sociais, ela representa a conquista de todos os
indivíduos de se apropriarem dos bens socialmente constituídos sem qualquer tipo
de exclusão; de participarem ativamente das potencialidades humanas, nos
assuntos coletivos, em cada contexto da vida social. Ou seja, citando Coutinho
pode-se afirmar que
democracia é sinônimo de soberania popular. Ou seja:
podemos defini-la como a presença efetiva das condições
sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos
cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em
conseqüência, no controle da vida social (...) A democracia
pode ser sumariamente definida como a mais exitosa
3
PINTO, M.B. Os movimentos sociais e a construção da cidadania . Dissertação
(Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2005, p. 2425.
LÊNIN, V.I. Como iludir o povo. Com os slogans de liberdade e igualdade. Global
editora, 4º ed. SP. 1985. p. 9.
5
LÊNIN, V.I. Idem
4
tentativa até hoje inventada de superar a alienação na
esfera política (Coutinho, 1997: 145).
Na sociedade moderna a relação entre Estado e sociedade ganha sentido
com o termo liberdade, os indivíduos tornam-se livres e autônomos para decidir
sobre si mesmos. Essa concepção é defendida por Rousseau, mas na verdade opõese à idéia de democracia como processo histórico do homem e “democratização”
defendida por Lukács. Segundo Rousseau, o “Estado civil” substitui o “Estado de
natureza”, neste o homem era formado apenas por instinto, impulso e apetite; no
desenvolvimento do “Contrato Social”, o indivíduo substitui esses elementos por
justiça, moralidade, dever e direito.
Para Rousseau, no “Estado Civil” o “novo homem” adquire “liberdade civil” e
propriedade. Esta liberdade não está constituída apenas na vontade individual, mas
na vontade geral que propõe a igualdade. A liberdade e a igualdade no “Estado
Civil” permitem a consolidação de um corpo moral e coletivo formado por muitos
membros. A unificação do “eu comum” público produz a “cidade” que é chamada de
Estado pelos membros do corpo coletivo. Rousseau afirma que os indivíduos são
denominados de povo e se chamam cidadãos. Desta maneira, os cidadãos
convivem sob convenções de forma harmoniosa a favor do bem comum, que estará
sendo controlada pela ordem social como direito sagrado.
A consolidação do Estado Civil liberal é posteriormente muito criticada por
teóricos opostos aos conceitos defendidos por Rousseau. Para eles, o Estado na
sociedade moderna capitalista estará acima da sociedade e dos homens, delegando
amplos poderes sobre eles. O Estado surge como um corpo de sujeito que não
pertence a nenhum grupo social menor, sua característica como Estado capitalista
estando a favor da classe dominante detentora dos meios de produção é formada
pela coerção, utilizada pelo monopólio de suas instituições coercitivas e a repressão
para manutenção do poder econômico privado da classe dominante, contribuindo
no controle da produção e dos trabalhadores. Esse apoio do Estado com a classe
burguesa propicia a exploração do capital, cuja organização há uma separação das
ações econômicas das ações políticas, formando o que Wood 6 chama de
“economicismo” da classe operária no capitalismo. A autora menciona que na
economia política burguesa a sociedade é considerada como algo abstrato,
ocorrendo
uma
universalização
das
relações
produtivas,
em
que
as
suas
determinações sociais, como dominação, propriedade privada e as relações sociais
defendem a “eternidade e a harmonia das relações sociais”. Assim, elas deixam de
WOOD, E. M. Democracia contra capitalismo – a renovação do materialismo
histórico. SP. Boitempo, 2003.
6
fazer parte do processo de desenvolvimento, passando a ter um caráter acidental,
aprofundando a ideologia burguesa da produção, que omite suas determinações.
Assim, O Estado torna-se um órgão ativo que atua nas atividades
antagônicas de classes, completamente inconciliáveis, estando cada vez mais alheio
a
sociedade
e
para
manter
a
ordem
societária
vigente,
utilizando-se
de
instrumentos e instituições de força, como o exército, a polícia, a prisão, etc. para
demonstrar o poder estatal.
Portanto, essa visão de Estado como órgão restrito e repressivo sofre
profundas mudanças, pois com diversos fenômenos que ocorreram ainda no século
XX, ele se viu obrigado a modificar a sua natureza, mesmo sem se descartar como
Estado capitalista. Essa sua nova roupagem que se dá basicamente com as
pressões sociais ocasionadas pelas lutas dos trabalhadores, buscando consolidar
direitos de cidadania, principalmente nos planos sociais e políticos.
Essa abertura do Estado proporcionou que houvesse sua maior ampliação
com a inclusão da “sociedade civil”, no pensamento de Gramsci, na esfera estatal
com a efetivação das constantes conquistas dela em busca da democracia tornando
possível a “socialização da política”, quando começa a realizar uma interlocução
com a “sociedade política”, num contexto “ocidental”, formado pela luta de classe e
as diversas instituições civis que sedimentam a primeira.
Com a definição desses dois termos que configura o novo quadro da
sociedade capitalista e do Estado, afirma-se que a sociedade civil representa o
contrário da sociedade política e, ao mesmo tempo, designa um termo de macro
política, portanto, diferente do que Marx e Engels, seguindo Hegel e que Lênin
mencionava como um conjunto de relações econômicas pertencentes à comunidade
burguesa e aos interesses privados. No pensamento de Gramsci, ela ganha nova
configuração dentro da esfera da “superestrutura”.
1.2. A democracia moderna no Brasil a partir da década de 90.
Após uma análise que permeiam a concepção de democracia é importante
trazer para o debate a forma limitada como esses conceitos são aplicados da
década de 90 na organização do Estado e da sociedade brasileira em que as
políticas neoliberais implantadas no país pioram as condições de trabalho e de vida
da maioria da população, num contexto de subalternidade das políticas públicas
afetando diretamente a população mais pobre a partir do aumento do desemprego
e das precárias condições de trabalho e de sobrevivência.
Na sociedade capitalista, a classe trabalhadora está submetida aos caprichos
do poder capitalista no âmbito da competição e da política de lucro extremo. A
precarização da condição cívica do trabalhador situado num distanciamento da
situação de classe permite que o capitalismo possa defender o termo de democracia
formal que esteja aliada a uma igualdade cívica, não afetando em nada a estrutura
de desigualdade de classe deixando intacta a posição sócio-econômica de
propriedade entre capital e trabalho e a exploração das populações mais
pauperizadas. Para Boron (2007)7, a ação dos “cães de guarda” do capital
financeiro, compostos pelo FMI, Banco Mundial, BID e OMC nos planos econômicos,
sociais e políticos dos países latinos, traz graves conseqüências com a precarização
laborativa, super exploração da força de trabalho, corte de investimentos públicos
na responsabilidade com os serviços sociais, os quais se tornam cada vez mais
defasados, aumento da concentração da riqueza, contribuindo com o agravamento
da exclusão social.
Segundo
Boron,
a
“descidadanização”,
opera
através
de
uma
mercantilização de setores públicos importantes como educação, saúde, seguridade
social, trabalho, sendo substituídas por novas tecnologias que poupam o trabalho
vivo.
Outra característica do capitalismo está na aplicação de políticas sociais
governamentais, que perdem seu papel de universalidade, sendo substituídas por
políticas compensatórias e emergenciais destinadas a setores populacionais mais
pauperizados. Com isto as autoridades políticas entendem essas políticas voltadas
para os mais necessitados como um avanço democrático, escondendo, no entanto,
o caráter clientelista e assistencialista.
2. Os novos paradigmas enfrentados pelos movimentos sociais e o MST.
No cenário contemporâneo, os movimentos sociais têm encontrado limites
no que tange a sua concepção teórica, para isso, abordaremos a concepção de
Novos Movimentos Sociais, caracterizada por uma nova forma de organização
popular na reivindicação de direitos sociais e de princípios, portanto, não afastada
de algumas características dos Movimentos Sociais Tradicionais que têm como
fundamento teórico-metodológico a teoria marxista. E que não se isolam da
concepção de consciência de classe. Podemos trazer para o debate a reflexão sobre
a contribuição do MST nesse atual quadro dos movimentos sociais e a sua luta
Boron, A. A. Democracia y movimentos sociales em América Latina. In Revista em
Pauta, n°19, 2007.
7
específica pela reforma agrária como instrumento para promover alianças em
defesa da democracia, outro ponto de discussão é a articulação com outras as lutas
sociais. Essa não ocorre apenas no Brasil, mas em outros países, contribuindo para
uma internacionalização das lutas dos movimentos populares. Consideramos que
mesmo tendo como base no Brasil, a realidade até então imposta não foge das
reais condições também dos países latinos – americanos.
A partir dos anos 90, a conjuntura econômica passa pelo aprofundamento da
crise global que afeta a forma de agir e de pensar do indivíduo, que é aprofundado
com as medidas de alianças adotadas pelo grande empresariado com os governos
nacionais. Este, por sua vez, adere às integrações do monopólio econômico com
grandes remessas de capital estrangeiro, possibilitando que as economias locais
sejam fragilizadas para a entrada do neoliberalismo, acentuando as desigualdades
sociais e econômicas entre as populações mais pobres.
Esse quadro conjuntural que marca uma ascensão do neoliberalismo sobre
as dimensões sociais, produz um esgotamento dos movimentos sociais tradicionais,
formados
pelo
movimento
operário
e
que
sofrem
transformações
na
sua
organização política fazendo surgir nos últimos anos do século XX novos rearranjos
dos movimentos sociais e organizações populares, caracterizados por grupos como
indígenas, mulheres, ecologistas, negros etc.
Os movimentos sociais, também, se reafirmam dentro do termo “Novos
Movimentos Sociais”. A dimensão do “Novo” não é temporal, ou seja, não se trata
de algo inicial, mas de novas orientações teóricas para a ação coletiva enfocando o
micro social das suas reivindicações diante de um quadro de crise. Os NMS não
partem da política macro estrutural, mas tentam criar vínculo de articulação com a
amplitude da mesma. As dimensões de uma micro-política não estão voltadas para
o isolamento das ações coletivas e sim para a interação entre as diversas
organizações na tentativa de construir alianças em forma de redes sociais e
culturais, como base de formulação de um conjunto de novas idéias e valores para
a sociedade.
Para
Warren8,
portanto,
caracteriza
que
a
nova
configuração
dos
movimentos sociais é constituída pela reação ao autoritarismo e às repressões
políticas, propondo democracia
direta
das
bases;
segundo,
pela
reação à
centralidade do poder e a defesa da autogestão e às autonomias locais; terceiro,
eles reagem contra a exclusão e exclusividade para o modelo econômico, mas por
outro lado, não apresentam projetos bem definidos de sociedade para a construção
de um novo projeto societário.
Warren, Ilse Sherer e KRISCHKE, Paulo J. Uma revolução no cotidiano? Os Novos
Movimentos Sociais na América Latina, São Paulo, Brasiliense, 1987. p. 35-53.
8
Segundo a autora, os NMS se diferenciam dos denominados “movimentos
sociais tradicionais”, já que estes surgem de uma sociedade industrial que é
dividida em classes sociais antagônicas, na qual, o proletário está submetido ao
mundo da produção e de exploração da sua força de trabalho.
A força de luta dos movimentos sociais está atualmente expressa nos
problemas
imediatos
e
localizados,
focalizando
as
diversas
expressões
da
desigualdade social como material de luta. Para eles as concepções da dialética e
do materialismo histórico, que orientavam os movimentos sociais, trazem algumas
contribuições, mas perdem sua exclusividade quando abordam a questão estrutural
da política, já que eles defendem a liberdade individual associada à coletiva. Para a
autora o “fator cultural” forma a organização dos movimentos, encontrando a
identidade do “novo”. Essa característica tenta romper com o populismo do passado
e criar formas comunitárias de participação da base para refletir, discutir, executar
e diminuir a distância entre direção e base de militantes, além de defenderem uma
autonomia frente ao Estado.
A dimensão de ação coletiva envolvida no indivíduo é caracterizada por
estruturas colegiadas mais participativas e espontâneas, o que faz com que os
líderes tenham um outro papel, atuando mais em grupos, não tendo espaço para
líderes oligárquicos. Assim, os movimentos passam a atuar em redes de troca de
ações e informações no cotidiano. Isso também influi no aumento da fragmentação
e pluralidade da realidade. A teoria dos NMS se faz presente com o binômio “causaefeito” não aprofundando o caráter amplo da política, pois para eles esta é uma
análise ultrapassada que não atinge uma nova conjuntura social.
Por meio desse panorama estrutural dos movimentos sociais faz-se
necessário ressaltar a contribuição do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra) na atual realidade dos movimentos sociais com as novas configurações
do ponto de vista das estratégias de organização política. Neste debate, podemos
considerar as principais experiências do MST na reivindicação da reforma agrária
como estando integradas a questão da educação, saúde, formação política e
profissional e a outras organizações populares para a defesa dos interesses comuns
numa perspectiva ampla de democracia com vistas a um novo projeto societário.
Iniciamos o debate sobre o MST a partir do regime militar, especificamente,
no primeiro ano do regime militar em 1964, em que os militares promulgam o
“Estatuto da Terra”, lei n° 4.504 de 30/11/1964 criando um complexo de projetos
que incentivam a reprodução da grande propriedade e criam uma política agrária
que iria privilegiar as grandes empresas, através de incentivos financeiros à
agropecuária em grandes faixas de terra.
O Estatuto da Terra terá como papel manter a questão agrária sob o
controle do Estado, procurando romper com o projeto de reforma agrária de João
Goulart. Com essa medida afastava-se ainda mais o pequeno agricultor do acesso a
terra. Portanto, para controlar o grande número de conflitos pela terra, os governos
militares
realizaram
alguns
assentamentos
em
regiões
pouco
habitadas,
desarticulando as lutas sociais.
Deve-se ter a clareza de que a luta em torno da reforma agrária não
restringe-se a obtenção da terra, mas antes na construção de resistências em
defesa de novas formas de organização social com a terra que possibilite a
propriedade familiar, coletiva e não a propriedade capitalista, o que leva a um duro
confronto com o Estado, com grandes proprietários de terra e com os capitalistas.
Esse seria o principal pilar na continuidade da resistência e luta, pois o principal
problema da reforma agrária não está na estrutura política que está consolidada
O problema da terra no Brasil (...) não passa simplesmente
pela distribuição de terra é (...) que o problema da terra
constitua
mediações
políticas
que
envolvam
necessariamente uma redefinição do pacto político que
sustenta o Estado (Martins, 1986)9.
Portanto, alterar a estrutura fundiária implica mudanças de poder. Como
menciona Fernandes10, a propriedade da terra não pode estar relacionado com o
controle da mesma pelo capitalismo
Entendemos a propriedade da terra como uma relação
social, porque no capitalismo ela significa sua apropriação,
controle
e
particularmente
sua
concentração
por
determinada classe, pode e quase sempre significa o
domínio
político-econômico
de
um
determinado
lugar,
região, país etc (Fernandes, 1996: 29).
Nos primeiros anos da década de 80, realizam-se encontros com líderes de
diversas ocupações, onde a capacidade de mobilização das CEB’s (Comunidades
Eclesiais de Base) e da CPT (Comissão Pastoral da Terra) torna-se de extrema
importância para que esses encontros pudessem ser concretizados. A partir desses
MARTINS, J. S. A Reforma Agrária e os limites da democracia na “Nova
República”. São Paulo, Hucitec, 1986.
10
FERNANDES, B. M. MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
Formação e territorialização em São Paulo. Editora Hucitec. São Paulo, 1996.
9
encontros, em Janeiro de 1984 ocorre o I Encontro Nacional Sem Terra na cidade
de Cascavel no Paraná. Esse encontro representará a organização e fundação do
MST com a característica de movimento de trabalhadores rurais sem terra. No ano
seguinte, realizou-se o I Congresso Nacional do movimento em Curitiba/Paraná
com o lema “Sem Reforma Agrária, não há democracia”.
Nos anos 90, a intensificação de modernização no campo incentiva a
baseada na monocultura agro-exportadora agricultura capitalista. Essa medida é
tida como prioritária durante o governo de Fernando Henrique Cardoso que adota
medidas de privatização de empresas públicas e reformas sociais, apoiadas pelas
grandes instituições capitalistas, demissões e enfraquecimento das relações de
trabalho e defende o “agronegócio” como forma de desenvolvimento econômico no
campo iniciando um processo de fragilização e de criminalização dos movimentos
sociais com o uso de propaganda ideológicas da grande mídia e por meio da
repressão policial. Por outro lado, a política de assentamento do governo era de
contenção de conflitos sociais e para manter o pequeno agricultor, controlado e
dependente,
FHC
adota
programas
rurais
financiados
pelos
organismos
internacionais como o Projeto “Novo Mundo Rural” como proposta de valorização
das produções rurais, portanto essa iniciativa não teve êxito, já que não resolveu
os problemas de falta de infra-estrutura nos assentamentos, pois ocasionou na
ausência de apoio técnico que, às vezes, dificulta a sobrevivência das famílias.
É para o confronto com o agronegócio, que também vem sendo a principal
medida agrícola defendida pelo governo Lula, que a política alternativa de
agroecologia tem sido desenvolvida como forma de romper com a agricultura
tradicional e contribuir com o avanço da reforma agrária. A agroecologia torna-se
uma metodologia que valoriza o uso equilibrado do ecossistema de forma que não o
agrida e nem o explore de maneira intensiva. A defesa desta política é contrária à
forma do capital de atuar no campo com uma profunda degradação do meio
ambiente provocando o êxodo rural. A ênfase nesta luta é para mostrar que outras
formas de produção. Portanto, a grande barreira encontrada se constitui, ainda, na
ausência de políticas públicas voltadas para o campo, mesmo no atual governo que
se considera a favor do trabalhador.
Os fundamentos ideológicos e políticos do MST na cena política do Brasil
fortificaram a sua organização da classe trabalhadora e tendo como principais
diretrizes: consolidar a organizar do movimento em âmbito nacional. A constante
luta para consolidar uma política de reforma agrária que não se resume à posse da
terra, simplesmente, mas que seja acompanhada do investimento ao crédito,
assistência técnica, seguro rural etc que garanta viabilidade e a rentabilidade das
pequenas propriedades e lutar para que a consolidação de uma política agrária
esteja articulada com a expansão da humanidade e garantir um uso não predatório
do meio ambiente, não baseado na sua exploração a qualquer custo.
A consolidação do MST contribui para a organização dos trabalhadores sem
terra como resposta as ínfimas mudanças na estrutura fundiária no Brasil. Por ser
formado em sua maioria por pequenos agricultores este movimento torna-se um
ator político na luta para reduzir o êxodo rural como conseqüência da modernização
tecnológica do campo que afeta diretamente a mão de obra local. A importância
sobre a conjuntura política, faz o MST ser classificado como movimento social de
massa e popular por não estar restrito as questões da terra, mas por ser solidário
com assuntos que abordam os jovens, gênero, violência, saúde, educação, sendo
também denominado de “movimento político” diferentemente do conceito de
partido político. Outro desafio é ter a consciência de que as questões da terra
devem ser aliadas às transformações da área urbana. Tem que haver uma aliança
entre o trabalhador do campo e o trabalhador urbano, pois de forma geral as
classes subalternas vêm enfrentando forte fragilidade das suas condições de vida,
da perda de seus direitos societário e até mesmo para combater a profunda
retirada dos direitos sociais e das formas limitadas dos direitos políticos. O MST não
é o condutor dessa transformação social, mas vem atuando no cotidiano - tanto na
sua própria base de militantes, quanto na articulação com outros atores sociais uma busca constante da “socialização pública”, visando à democracia com a
organização dos trabalhadores. O objetivo mais amplo está intrinsecamente
relacionado com um projeto que vise à destruição do capitalismo e a consolidação
do socialismo.
Por fim, tem-se que ter claro que a contribuição do MST mesmo que seja
pequena e insuficiente para realizar uma modificação profunda na estrutura de
poder político e econômico é importante sua contribuição para dar ajuda na luta por
um novo projeto de sociedade. Diante desse quadro complexo de desafios, o MST
tem encontrado alguns avanços atuais expressos no respaldo que tem conquistado
na sociedade para dar visibilidade a sua luta baseada numa constante consciência
política entre seus membros com uma perspectiva de dignidade e solidariedade,
mostrando a importância da militância na luta contra o capitalismo.
3. Serviço Social e Movimentos Sociais. Contribuições para a Consolidação
da Democracia.
O Serviço Social, enquanto profissão interligada as conseqüências impostas
pelas relações sociais e produtivas do capitalismo vem tentando desenvolver uma
identificação com os interesses da classe trabalhadora em suas diversas formas de
organização e resistência no aprofundamento das desigualdades sociais existentes.
Esse debate, no Brasil, inicia-se na década de 80, com a efetivação de um código
de ética aliado aos interesses da classe trabalhadora realizando uma crítica que
orientou os profissionais em sua inserção no processo de redemocratização.
Posteriormente, ao adentrar nos anos de 1990, enfatizaremos as expressões
existentes da questão social na produção das relações sociais no Brasil com o
Serviço Social, num contexto altamente contraditório e conflituoso com o Estado.
Assim, a contribuição política dos anos 80 para a profissão se dá pela
qualificação
em
nível
acadêmico,
o
aumento
de
pesquisas
e
publicações
reconhecidas por entidades de apoio e ampliação do debate em defesa das políticas
sociais públicas, no campo dos direitos sociais interligadas a relação entre Estado e
sociedade civil. O novo conjunto político corporativo, exposto à profissão,
demonstra que se propõe dar uma continuidade às conquistas até então
alcançadas, rompendo, por outro lado, com o passado conservador da profissão e
suas contradições existentes. Esse aspecto contraditório não se resume apenas aos
níveis da profissão, mas às características assumidas pela sociedade capitalista em
que está inserida, em defesa de interesses da classe trabalhadora.
A década de 80 é marcada por um processo ativo de transformação política
e social, com a crise do regime militar no Brasil e com as mobilizações da sociedade
civil, protagonizadas pelos agentes sociais e a ascensão dos movimentos sociais na
luta pela democratização brasileira. A efetivação da nova Carta Constitucional, em
1988, foi um período muito fecundo para os rumos trilhados pelo Serviço Social. O
debate de um novo projeto político e da definição de um aparato técnico-acadêmico
foi ampliado na categorial. A profissão aprofunda de forma crítica o processo das
lutas democráticas através de um novo quadro profissional, do Código de Ética da
profissão, no ano de 1993, da Lei de Regulamentação da profissão de Serviço
Social (lei 8662/93) e da busca de uma nova proposta de diretrizes gerais para o
curso de Serviço Social.
A conjuntura nacional a partir da década de 90 é fortemente marcada,
segundo Iamamoto pela “terapia neoliberal”, se distanciando do processo de
mobilizações populares que ocorreram na década anterior. Isso tudo porque nesse
período aprofunda-se as múltiplas expressões da questão social, presente nas
contradições da sociedade capitalista, adquirindo outras características que não se
resumem na relação da produção e reprodução do trabalho. Atualmente o debate
feito sobre a questão social encontra-se afinado com outros aspectos da
desigualdade social, adquirindo recortes de gênero, raça, religião, meio ambiente e
diversas formas de preconceito. Assim, para o assistente social dar conta das
expressões da questão social deve se pautar em dois eixos, o primeiro é saber
decifrar as desigualdades existentes em nossa sociedade e depois estar em
harmonia com as diversas formas de resistência construídas pelos sujeitos sociais,
organizados ou não.
Esse quadro que aborda a questão social é formado pela “crise fiscal do
Estado” (Iamamoto, 2008)11, relacionado com a política econômica internacional
que propôs a redução dos serviços sociais públicos, consolidado pela “Reforma do
Estado” e a crise em que este se encontra.
A crise estatal com a sua “contra-reforma” pode ser dada com a
deteriorização dos serviços públicos, regressão das políticas públicas, aumento do
desemprego, crescimento da taxa tributária, abertura da economia nacional para a
competitividade com o mercado internacional, privatização de empresas públicas e
cortes com os recursos financeiros públicos voltados para os serviços sociais
básicos, segundo Iamamoto, uma espécie de “apartheid social”. Esta lógica está
centrada na transferência do gerenciamento da administração pública dos serviços
para a sociedade civil incentivando a idéia de “cidadão cliente” e retirando do
Estado o papel de “responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social”
passando a ser controlada pelo mercado.
A questão social exposta nas relações sociais e internacionalizada na ordem
econômica dominante torna-se importante para que não corra o risco de
fragmentação no momento de decifrar seus fenômenos e a própria imagem do
Estado como mediador de conflitos sociais nos planos sócio-assistenciais, de
prestação de políticas e serviços sociais públicos e nos espaços de trabalho para o
assistente social.
Partir
dessa
perspectiva
contribui
para
superar
o
reducionismo
da
filantropia, a nível político, econômico, social, cultural, ideológico, e os limites de
um exercício profissional, buscando sempre o rompimento do histórico conservador
e filantrópico da categoria profissional. O profissional tem que ter o entendimento
de que as expressões da questão social estão presentes na sua atuação. Mesmo
que ela seja muito ampla, o crescimento do desemprego e o aprofundamento da
precarização das condições de trabalho tornam-se os grandes problemas das
relações sociais no Brasil12 e, portanto, desafios ao Serviço Social. A explicação
IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital
financeiro, trabalho e questão social, 2° ed. São Paulo, Cortez, 2008.
12
Sobre a relação do aumento do desemprego, a preocupação cresce diante de
uma crise econômica que se atinge profundamente a maioria dos trabalhadores em
todo o mundo. Assim, a precarização das condições de vida desses indivíduos que
11
para o aprofundamento do desemprego está ligada ao processo de mudanças do
capitalismo, na inserção de novos padrões de produtividade e lucratividade do
capital, novas condições de trabalho, exprimindo-se no corte dos campos de
trabalho.
Esse trajeto ambíguo para o futuro da profissão, Iamamoto 13 menciona que
não se deve esquecer o seu passado, mas tentar superá-lo.
“O caminho para a ultrapassagem desses impasses parece
estar, por um lado, no cultivo de um trato teóricometodológico rigoroso. Largos passos foram dados, nos anos
80,
na
aproximação
do
Serviço
Social
aos
seus
fundamentos, em diferentes matrizes: às concepções de
cunho positivista ou estrutural-funcionalista, fenomenológica
e à teoria social-crítica. Esse longo vôo teórico, dado pelo
Serviço Social, merece ser preservado e aprofundado. Mas a
ele deve ser aliado um atento acompanhamento histórico da
dinâmica da sociedade. A aproximação do Serviço Social ao
movimento da realidade concreta, às várias expressões da
questão social, captadas em sua gênese e manifestações, é
fundamental”. (Iamamoto, 2008: 52).
Para Iamamoto, a articulação entre a profissão e a realidade é um enorme
desafio, visto que a atuação do assistente social não é sobre a realidade, mas sim
na realidade.
“Nesta perspectiva, compreende-se que as análises de
conjuntura – com o foco privilegiado na questão social -,
não são apenas pano de fundo que emolduram o exercício
profissional;
ao
contrário,
são
partes
constitutivas
da
configuração do trabalho do Serviço Social, devendo ser
apreendidas como tais. O esforço está, portanto, em romper
qualquer
relação
de
exterioridade
entre
profissão
e
realidade, atribuindo-lhe a centralidade que deve ter no
exercício profissional”.
vendem suas forças de trabalho para manter a própria sobrevivência entra em uma
profunda insegurança social.
13
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e
formação profissional. 14° ed. São Paulo, Cortez, 2008.
Dessa maneira, o profissional não terá relação de estranhamento em relação
à população e não estará exercendo uma ação de imposição. Ainda como afirma
Iamamoto, ao mencionar Gramsci, o “exercício democrático” é para captar os
interesses e necessidades das classes subalternas, para elaborar uma crítica ao
senso comum, sendo esse o papel da “filosofia da práxis”. Complementando com
Cardenal14, o papel imposto ao intelectual é de devolver para a massa as
informações que ele recebe, ele necessita descortinar as relações da realidade para
o conjunto da coletividade.
Por sua vez o Código de ética serve como referência sobre o caminho éticopolítico a ser tomado pela profissão. Seu maior desafio constitui-se na efetivação
dos princípios éticos na ação cotidiana do profissional, evitando que os princípios
que a categoria defende fiquem reduzidos ao aspecto teórico, descolados da prática
social. Portanto, o Código de Ética que tem como princípio central a liberdade, deve
se referendar numa intensa autonomia e emancipação do indivíduo. De certa
forma, os princípios estabelecidos no Código de ética direcionam o caminho a ser
executado pelo conjunto da categoria profissional. Ele não deve ser um simples
documento esquecido no fundo da gaveta e sim pactuar com as ações a serem
tomadas em busca de um novo projeto profissional em constate debate político.
O projeto ético político da profissão deve estar vinculado com uma proposta
de projeto societário que defenda uma nova ordem social sem a existência de
classes, que acabe com a exploração étnica, de classe, ou qualquer outra forma
que apresente a desigualdade social. No projeto profissional assegura-se que para
se estabelecer a cidadania é preciso universalizar o acesso aos direitos, de maneira
que eles sirvam para atingir a equidade, justiça social, legitimação das políticas
sociais, comprometendo o Estado com a redistribuição dos bens produzidos e
defender a participação social nos assuntos políticos.
Os rumos do projeto ético-político requerem que o profissional de Serviço
Social tenha uma capacidade informativa, culta, crítica e competente no âmbito de
sua
organização
para
saber
lidar
com
as
transformações
societárias,
na
continuidade da luta para ampliar a cidadania tendo em vista a efetivação dos
direitos civis, políticos e sociais, a luta pela universalização das políticas sociais
públicas,
conquistadas
historicamente
através
da
pressão
imposta
pelas
organizações populares. Deve-se ter a proposta de um projeto de Serviço Social,
“Um projeto de formação profissional que aposte nas lutas
sociais, na capacidade dos agentes históricos de construírem
CARDENAL, E. Cultura revolucionária, popular, nacional, anti-imperialista.
Nicarauac n° 1. Manágua, Ministério da Cultura de Nicarágua, 1980.
14
novos
padrões
de
sociabilidade
para
a
vida
social.
Construção esta que é processual, que está sendo realizada
na cotidianidade da prática social, cabendo aos agentes
profissionais detectá-las e delas partilhar, contribuindo,
como cidadãos e profissionais, pra o seu desenvolvimento”.
(Iamamoto, 2008: 195).
Assim, o Serviço Social necessita ter uma aproximação com as classes
subalternas e recriar a atuação da profissão. Portanto, o debate não pode ficar
apenas no exercício da formação profissional, na fundamentação teórica, ética e
política aos futuros assistentes sociais.
O principal elemento dessa relação é que a forma de atuação do Serviço
Social não será simples como uma receita de bolo, mas tendo a complexidade da
realidade como referência para o fortalecimento do processo em construção
formado pelas lutas populares. O assistente social deve ter a consciência de que a
sua atuação profissional respaldada no projeto ético-político é como sócioeducador, adotando uma posição de apoio e fortalecimento dos grupos sociais.
Segundo Cardoso15:
“O assistente social atua com outros na estrutura social, no
interior
da
qual
transformação
e
existem
forças
forças
que
que
lutam
lutam
para
pela
sua
mantê-la,
expressando assim a contrariedade de interesses que estão
em jogo na nossa sociedade. Aí a necessidade que tem o
profissional de clarificar a sua opção, que é política, através
da sua prática, que também é política. A opção do assistente
social pelo compromisso com os setores implica desenvolver
ações através das quais esses setores desenvolvem uma
percepção crítica da realidade e exercitem uma reflexão
conjunta, enquanto atuam sobre a própria percepção que
estão tendo dessa realidade”. (Cardoso, 1990: 29).
Portanto, o projeto profissional deve estar em consonância com um projeto
político transformador de sociedade e o assistente social necessita ter uma ação
política crítica da realidade presente na sociedade brasileira.
CARDOSO, Franci Gomes. Os movimentos sociais populares no processo de
transformação social. Serviço Social & Sociedade, n°33. São Paulo, Cortez, Agosto
de 1990.
15
Conclusão
A análise das perspectivas sobre a democracia está muito além do simples
direito de poder consumir, de fazer presente na democracia representativa, das
ações de solidariedade que são defendidas como algo democrático na sociedade
capitalista, formada por contradições sociais.
As reflexões abordadas nos fazem
pensar que nessa forma societária controlada pela burguesia, a consolidação da
democracia está distante de ser atingida. O diagnóstico sobre a conjuntura política,
a partir das duas últimas décadas revela uma perda de identidade com uma
sociedade socialista. Isto reflete na reforma política e econômica do Estado,
retirando-lhe a concepção democrática que está fortemente ligada com a fragilidade
das políticas públicas implementadas.
No que tange ao MST, podemos dizer que em suas duas décadas de
existência, vem sendo marcado pelos constantes confrontos com latifundiários e até
mesmo com o Estado, para ter seus principais objetivos de luta alcançados, a
saber: a consolidação da reforma agrária como uma medida de democratização no
campo, a defesa da agroecologia que se pauta em uma relação respeitosa entre
trabalhador rural com o ecossistema sem fazer um uso exploratório dos recursos
naturais. Suas lutas não se resumem nas questões agrárias, mas está em
consonância com os interesses gerais da classe trabalhadora, na garantia de
melhores condições de acesso aos serviços essenciais como trabalho, saúde,
educação, cultura etc.
Ressalta-se que o MST tem como principal objetivo contribuir com uma
proposta de sociedade socialista que possa romper com a hegemonia do
capitalismo. Portanto, devemos ter a clareza de que isso não será um processo fácil
e que os seus defensores não possuem as respostas para a sua consolidação.
Por fim, no que se refere à profissão de Serviço Social, podemos considerar
que seu projeto ético-político tem uma forte relação com a proposta de
transformação societária, essa aproximação contribui para que os profissionais
tenham o conhecimento e reflexão da realidade e das ações promulgadas pelos
movimentos sociais. Dessa maneira, o projeto ético político da profissão dá uma
sustentação ao assistente social, para que ele não se limite ao seu exercício
profissional, mas tenha uma visão ampla e crítica da sociedade.
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