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Revista Científica CENSUPEG, nº. 4, 2014, p. 151-157. ISSN 2318-1044
UTILIZANDO O LÚDICO NA
HEMODIÁLISE
USING THE PLAYFUL IN HEMODIALYSIS
Fabiana Meneghetti Dallacosta1
Carina Zanatta
Resumo
O lúdico é uma forma de brincadeira, na qual é possível realizar educação em
saúde de uma forma leve e descontraída. Este estudo qualitativo foi realizado
em uma clínica privada de hemodiálise, no meio-oeste de Santa Catarina, em
2010, com os pacientes crônicos. O objetivo foi realizar atividades lúdicas
durante a sessão de hemodiálise e avaliar a opinião dos pacientes sobre as
mesmas. Foram realizados quatro encontros, e em cada um foi feito uma
atividade diferente. No início e no fim do estudo foi aplicado um questionário
para avaliar a concepção dos pacientes sobre as atividades realizadas. Ao
término da pesquisa, 100% dos pacientes aprovou a realização das atividades
e referiu que gostaria que fossem sempre realizadas. Concluímos que o lúdico
é uma ferramenta eficaz e de fácil implementação, devendo ser mais utilizada
e difundida para uso da enfermagem, já que torna o ambiente mais
terapêutico para pacientes e funcionários.
Descritores: Enfermagem. Educação em Saúde. Hemodiálise.
Abstract
The playful is a form of joke, in which you can perform health education as a
light and relaxed way. This qualitative study was conducted in a private
hemodialysis clinic, on midwest of Santa Catarina, in 2010, with chronic
patients. The goal was to perform fun activities during the hemodialysis
session and evaluate patients ' opinion about them. Four meetings were held,
and each was made a different activity. At the beginning and end of the study
was applied a questionnaire to evaluate the opinion about the activities
performed. At the end of the survey, 100% of patients approved the holding
activities and said that would like that to be always performed.
Descriptors: Nursing. Health Education. Hemodialysis.
INTRODUÇÃO
Segundo o censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), no Brasil existe
um número estimado de 91314 mil pessoas em tratamentos dialíticas por ano (SBN,
2012). A hemodiálise é o tratamento mais utilizado para a substituição da função renal,
pois se trata de uma máquina onde se filtra todo o sangue do paciente, retirando assim
todas às substâncias tóxicas do seu organismo, além do excesso de água e sais minerais,
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UNOESC
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normalmente a seção de hemodiálise dura em média de três a quatro horas sendo
realizadas três vezes por semana. Juntamente com a diálise, o paciente precisa mudar
alguns hábitos de vida, no que diz respeito a alimentação, ingestão hídrica, uso de
medicação e cuidados com o acesso venoso e tais mudanças geram um grande impacto
no seu cotidiano (CAVALCANTE et al, 2011).
Considerando-se as dificuldades enfrentadas pelo paciente renal, é imperativo
que se faça o possível para otimizar o tempo que o paciente passa preso à máquina de
diálise, melhorando sua qualidade de vida. Através do lúdico transforma-se o tempo
inativo em algo produtivo e instrutivo, ressaltando que o lúdico não cura, mas melhora o
tempo útil do paciente na máquina, não deixa o tratamento se tornar monótono e apenas
uma necessidade, mas um espaço para diálogo, aprendizado e saúde. Um lugar onde se
promova o bem estar entre os pacientes e entre a equipe (CAVALCANTE et al, 2011;
MARISCO, 2002).
O lúdico propicia um apoio terapêutico, ao associar brincadeira e educação em
saúde e as atividades em grupo mantêm os pacientes entretidos, mais felizes, a
terapêutica menos maçante, além do entrosamento de todos e o esclarecimento de
dúvidas sobre tratamento, como os cuidados hídricos e alimentares (BRASIL e
SCHWARTZ, 2005). Sendo assim, este estudo objetivou realizar atividades lúdicas
durante a sessão de hemodiálise e avaliar a opinião dos pacientes sobre as mesmas.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória, com todos os pacientes em
tratamento hemodialítico, em uma clínica privada, na cidade de Joaçaba, Santa Catarina.
Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A
pesquisa foi analisada e aprovada pelo comitê de ética e pesquisa da Universidade do
Oeste de Santa Catarina (UNOESC), sob o parecer 055/2010.
Durante a sessão de hemodiálise foi aplicado o TCLE e todos foram informados
sobre a metodologia das atividades a serem realizadas As atividades foram realizadas
em todos os turnos, durante a diálise, com todos pacientes, totalizando quatro
encontros/atividades com cada turno. Durante as atividades, os pacientes permaneceram
nas suas poltronas enquanto a mediadora ficava no salão, centralizada, de forma que
todos a pudessem enxergar e uns aos outros. Cada paciente respondeu a três perguntas
abertas sobre os sentimentos durante a sessão de hemodiálise antes do início das
atividades e outras perguntas sobre como se sentiram durante os encontros e seus
desejos para as próximas sessões ao término dos quatro encontros. Todos pacientes
enquadravam-se nos critérios de inclusão que foram ter acima de 18 anos de idade e
fazer hemodiálise há pelo menos 6 meses.
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RESULTADOS E DISCUSSÁO
No total, 30 pacientes aceitaram participar do estudo, desses 57% são homens e
43% mulheres. A média de idade foi 54,3 anos e a média do tempo em diálise 24,6
meses.
Ao serem questionados como se sentiam durante a sessão de diálise, 60%
referiram sentir-se “bem”, 10% “mal”, 13% “às vezes bem, às vezes mal” e 17% “tenho
reações adversas”. Quanto às atividades realizadas durante a diálise, 20% relataram
“dormir”, 37% “dormir e assistir televisão”, e os demais 43% oscilaram as respostas
entre conversar e/ou dormir e/ou assistir televisão. Ainda 12% relataram apenas “ficar
acordado” durante a sessão. De modo geral, apenas ocupam o tempo dormindo ou
assistindo televisão, mesmo que a clínica ofereça revistas e jornais para leitura, wireless
para internet sem fio, rádio e televisão.
Observou-se que apesar de a enfermagem ter uma atuação dinâmica durante toda
a sessão de hemodiálise, fornecendo orientações e esclarecendo duvidas, esses
momentos de aprendizado e interação com os outros pacientes e equipe não foram
citados de forma significativa.
Quando perguntado se gostariam de fazer alguma atividade durante a
hemodiálise, 47% relataram que “não”, 33% “sim” e 20% “tanto faz” ou “está bom
assim”. Observou-se o elevado número de pessoas que referiram não querer nada
diferente, preferindo manter a rotina de sempre. Mesmo com essa negativa, as
atividades foram realizadas conforme previsto e todos acabaram participando. Tal
reação é de certa forma esperada do paciente renal, pois todo o processo de
enfrentamento da doença implica na aceitação de diversos tratamentos e modificações
no estilo de vida, que acabam por esgotando emocionalmente o paciente e a apatia e o
desânimo constante são achados recorrentes no paciente renal crônico (SBN, 2012;
THOMAS e ALCHIERI, 2005). Soma-se a isso a rejeição natural que as pessoas
normalmente sentem a uma modificação na rotina.
Dinâmicas realizadas
Após a aplicação desse primeiro questionário, foi desenvolvida a primeira
dinâmica, na qual foi utilizado uma cartolina escrito em cima “Hemodiálise” e as
opções PONTOS POSITIVOS e PONTOS NEGATIVOS. Cada paciente deveria
apontar uma coisa boa da diálise e uma ruim. Entre os pontos positivos apareceram:
“vida”, “necessidade de realização de hemodiálise”, “lanche”, “conversas durante o
tratamento”, “passeio até a clínica”, “bom atendimento”, “carinho pela equipe que
presta assistência de enfermagem”. Nos pontos negativos foi relatado: “punções”,
“tempo longo sentado ou deitado”, “dor”, “não poder levantar ou ir ao banheiro
livremente”, “desconforto do apoio para os braços”, “levantar cedo”, “perigo no trânsito
no deslocamento até a clínica”.
O objetivo dessa dinâmica foi mostrar para eles que tudo que é ruim também
tem o lado bom e que mesmo eles vendo a hemodiálise como uma atividade sofrida,
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penosa, parando para analisar eles também tinham enxergado algo de bom naqueles
momentos passados ali. Foi frisado que o objetivo da atividade era falar sobre o
tratamento, e não fazer uma avaliação da clínica. Foi utilizado a técnica da Discussão
Piramidal (WALDOW, 2005) modificada, na qual cada pessoa deve dar sua opinião
sobre o tema proposto.
No segundo encontro, seguindo a técnica da Personificação (WALDOW, 2005),
foi realizado a dinâmica do zoológico, na qual foram apresentadas figuras de animais,
como cachorro, hiena, raposa, porco-espinho, boi, formiga, coelho, girafa, araponga,
hipopótamo, abelha, antílope, leão, gavião e canguru. Cada paciente escolheu seu
animal e expôs ao grupo o porquê de ter escolhido aquele animal, e quais características
tem em comum com ele.
O objetivo desta atividade foi fazer cada um falar um pouco de si e melhorar o
entrosamento de todos, já que a atividade lúdica facilita as relações pessoais e permite
ao indivíduo compreender situações dolorosas com criatividade e prazer (BRASIL e
SCHWARTZ, 2005). Essas primeiras dinâmicas tiveram o objetivo de melhorar a
interação entre os pacientes, facilitar o diálogo e propiciar que todos observem que suas
dificuldades são em grande parte comuns a todos pacientes renais e algumas
experiências vivenciadas por um paciente podem vir a ajudar outros a enfrentarem a
mesma situação. Na primeira dinâmica, ainda, foi útil para a equipe perceber quais as
principais dificuldades ou pontos negativos citados pelos pacientes, com informações e
queixas que talvez os pacientes nunca relatassem diretamente para a equipe.
Algumas falas surgidas nesta atividade estão descritas a seguir, e os nomes dos
pacientes foram aleatoriamente substituídos por nomes de países, para evitar qualquer
forma de identificação dos pacientes.
“Escolhi o cachorro porque é um animal carinhoso”. (Haiti)
“Escolhi o touro por ser forte e bravo”. (Paraguai)
A terceira atividade realizada foi passar um filme, “Antes de partir”, que narra a
história de dois personagens de realidades diferentes, um mecânico e um milionário,
ambos com câncer terminal, que se conhecem num quarto de hospital, acabam se
tornando amigos e no decorrer do filme falam sobre vários temas, como família,
crenças, alegrias e tristezas. Este filme foi escolhido para mostrar que pessoas diferentes
e com realidades diferentes, as vezes enfrentam o mesmo problema, e que cada um tem
uma maneira de ver e enfrentar as dificuldades na vida. No final do filme foi realizado
um pequeno debate no qual todos puderam falar sobre as lições aprendidas no filme ou
reflexões que este proporcionou.
Neste dia, alguns pacientes dormiram durante o filme, e devido a pessoas com
dificuldade de visão e audição, talvez não tenha sido tão proveitoso. O enfoque desta
atividade foi trazer algo diferente para entretenimento e também fazê-los refletir sobre o
contexto no qual vivem.
“Adorei a história, vou locar para assistir novamente em casa”. (Rússia)
“Eu preferi dormir, pois sinto muito sono”. (Nigéria)
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“Às vezes achamos que ter que estar vindo fazer hemodiálise é ruim, mas
acabamos esquecendo que tem coisas piores”. (Paraguai)
No quarto e último encontro, foi realizado uma atividade voltada para a
alimentação do paciente renal. Cada paciente recebeu uma figura com imagens de
comidas e bebidas, como: sorvete, refrigerante, chocolate, batata, alface, tomate e
outros. Havia duas cartolinas com os inscritos EVITAR e PREFERIR. Os pacientes
deveriam dizer em qual grupo o seu “alimento” pertencia e porque, e então este era
colado na cartolina correspondente. Esta atividade objetivou analisar o conhecimento
dos pacientes sobre os cuidados alimentares, e ao mesmo tempo dar orientações de uma
forma leve e divertida.
“Foi muito interessante esta brincadeira”(Rússia)
“Foi a atividade mais aproveitada por mim”(Reino Unido)
“Foi muito boa esta brincadeira, porque fiquei sabendo de muita coisa que não
sabia” (China)
Ao término deste quarto encontro, foi aplicado um questionário contendo cinco
questões abertas a respeito das sensações deles durante as atividades e sua percepção
sobre as mesmas.
Quando perguntados sobre os sentimentos durante as atividades, 100%
respondeu que se sentiram “bem”, “ótimo”, “muito bem” ou “legal”. Ao serem
perguntados se sentiram diferença entre os dias de diálise com e sem as atividades, 73%
responderam que “sim”, 14% “não”, 7% “um pouco”, uma pessoa (3%) referiu sentir “a
mesma coisa” e outra pessoa (3%) disse não saber responder porque dormiu em todas as
atividades. Essas duas últimas colocações podem manifestam aversão a mudança na
rotina e a dificuldade em se abrir para o novo, apesar de durante as atividades, todos
pacientes terem interagido e visualmente terem gostado das dinâmicas. Há de se
considerar, entretanto, que cada pessoa reage diferentemente às atividades lúdicas e essa
reação nem sempre é positiva (BEUTER, 2004).
Perguntados se gostariam que tivesse atividades lúdicas toda semana, 97%
responderam que sim e 3% talvez. Destaca-se que antes das atividades, 47% haviam
relatado que não queriam as atividades. Isso mostrou que foram encontros bem
aproveitados, com momentos de alegria e descontração, e mesmo pacientes que no
início negaram-se a participar, no decorrer das atividades também pediram para entrar
junto “na brincadeira”. O lúdico implica reciprocidade, diálogo e interação, e através
desta técnica é possível conhecer melhor os pacientes, e os pacientes conhecem melhor
a equipe, já que esta acaba participando também das atividades (BEUTER e ALVIM,
2010).
As atividades lúdicas possibilitam exercitar a segurança, confiança, respeito e
permitem que os participantes compartilhem sentimentos e experiências (MARISCO,
2002), que talvez sem o lúdico o paciente não teria comentado. É importante a
conscientização de que também é ação do enfermeiro propiciar para o paciente ações
não farmacológicas que promovam o bem estar e facilitem a aceitação e adaptação do
paciente ao tratamento (SILVA e FAVA, 2008).
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CONCLUSÁO
No início dos encontros os pacientes estavam indiferentes e até na defensiva,
porém, ao iniciar as atividades, todos acabaram se envolvendo e participando
ativamente, falando sobre si e sobre suas dificuldades. Foram momentos de
descontração e aprendizado, conforme alguns pacientes referiram ao final do projeto, ao
mesmo tempo que se procurou levar mensagens de ânimo e uma outra visão da
hemodiálise, que não precisa ser um ambiente silencioso e sério, que há espaço para o
tratamento e a diversão, o remédio e a risada, o sofrimento e o conforto.
Ao término das atividades observou-se que o lúdico é uma ferramenta eficaz e
fácil de ser implementada, devendo ser mais utilizada e difundida para uso da
enfermagem, já que torna o ambiente mais terapêutico para pacientes e funcionários.
Algumas limitações ocorreram, como a resistência inicial dos pacientes e funcionários,
mas foram rapidamente sanadas, e ainda no primeiro encontro foi possível observar que
o ambiente tornou-se mais agradável e o trabalho mais prazeroso, uma vez que as
queixas dos pacientes foram menores durante as atividades lúdicas. Espera-se que tais
ações possam ser realizadas dentro da rotina do serviço e de acordo com a possibilidade
de tempo e pessoal, e que outros centros de diálise possam estar implantando tais
atividades e aproveitando dos seus benefícios.
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