1500 Jornal do Vestibulando ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA JORNAL ETAPA – 2015 • DE 17/09 A 30/09 ENTREVISTA “Você não pode parar para pensar, tem de saber.” O entrevistado do Jornal 1500 teve momentos especiais. Foi dele a maior nota do vestibular da Fuvest de 2009. Por esse motivo, João Francisco Ferreira de Souza foi personagem de capa da Veja. Hoje, já formado em Medicina, ele volta ao Etapa para falar sobre o estudo na Universidade de São Paulo. Ele também lembrou de quando esteve se preparando aqui. No final, ele deixa algumas dicas valiosas aos atuais candidatos de Medicina. João Francisco Ferreira de Souza Em 2008: Etapa Em 2009: Medicina – USP JV – Como foi o início na Pinheiros? João – Foi um mundo completamente novo. Já no 1o ano, logo de cara você tem contato com o hospital. E o princípio é assustador. Não sei em que momento você já não fica tão chocado com a realidade de pessoas fragilizadas por alguma doença. No curso, a primeira coisa de que você sente falta é de didática nos professores. Aqui você tem excelentes professores, excelentes aulas e na faculdade os professores são cientistas, muito competentes na área deles, mas nem sempre sabem transmitir conhecimento. Você tem de aprender a se virar. Em linhas gerais, como se desenvolve o curso? No 1o ano são matérias básicas sobre o corpo humano. Nos dois primeiros anos você vai aprender tudo de Anatomia, como tudo funciona quando o corpo não está doente. No 3o e no 4o ano vai aprender coisas básicas de especialidades, como é a doença. No 5o e no 6o ano, no Internato, você aprende diagnóstico e tratamento. Agora o currículo foi reestruturado. Acabaram com a divisão de matérias, hoje tem blocos. Desde o 1o ano já tem Anatomia relacionada com Fisiologia, relacionada com Farmacologia. A USP abre muitas oportunidades além daquelas do seu próprio curso. Você aproveitou dessa possibilidade extracurricular? Estudar na USP é maravilhoso por isso. Você não é aluno da Pinheiros, você é aluno da USP. ENTREVISTA João Francisco Ferreira de Souza ARTIGO Células do “coração” de abelhas podem mascarar efeitos de agrotóxicos nos insetos O que é a Bandeira Científica? É um projeto de extensão universitária da Faculdade de Medicina e inclui diversas especialidades. A gente vai para uma cidade carente no sistema de saúde, leva pediatria, clínica médica, ginecologia e obstetrícia, medicina de família e oftalmologia, dá atendimento à população. Para mim foi marcante, uma experiência fantástica de humanismo. No 3o ano fui diretor da Bandeira Científica, fomos para o Pará. Qual foi o tema de sua iniciação científica? Eu fiz na Patologia, uma coisa bem complicada, Expressão de Aquaporina em síndrome de desconforto respiratório do adulto. Você falou do Internato no 5o e no 6o ano. Qual é a diferença dos anos de Internato em relação aos quatro anos iniciais? No Internato é quando você começa a ter mais responsabilidade. No 4o ano sua preo- ENTRE PARÊNTESIS 1 CONTO A última receita – Machado de Assis Fiz algumas matérias como ouvinte na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Fiz liga de Acupuntura durante dois anos, fiz liga de Diabetes. Fiquei nas duas ligas até o final do 4o ano. Comecei minha iniciação científica no final do 3o ano, fiz durante o 4o ano. No 2o ano fui na Bandeira Científica, uma das melhores experiências da minha vida. Também treinei atletismo seis anos na faculdade, eu gostava de participar das competições de arremesso de peso. Verdade ou mentira? Augusto dos Anjos 6 Bateu as botas Quiz 8 SERVIÇO DE VESTIBULAR 7 SOBRE AS PALAVRAS 5 Você se lembra da primeira vez em que um paciente o chamou de doutor? Por incrível que pareça, no 1o ano não sabia nada e quando ia conversar com os pacientes eles já me chamavam de doutor. No 5o ano também. Eu ouvia: cadê o doutor? De repente é você. E hoje em dia é você. Lembro que no começo do 6o ano eu estava em um plantão no Incor e atendi uma senhora de 92 anos. Ela falou: “Muito obrigada, doutor, o senhor foi muito atencioso”. E beijou minha mão. Eu fiquei pensando, nossa, eu não sei nada da vida perto dela, ela tem 92 anos de história, PARA TREINAR SEU INGLÊS POIS É, POESIA 3 cupação é aprender sobre a doença, que mecanismos levaram àquela doença. Você não está preocupado com o tratamento. No 5o ano você passa o dia inteiro no hospital, tem um paciente que é seu. Você vai vê-lo de manhã, vai pedir os exames, vai discutir o caso. É a hora em que você começa a entender de tratamento. Mas você ainda não está preocupado com doses. No 6o ano é que começa a saber um pouco mais de doses. Quando termina o 6o ano tem as doses básicas. O interno no 5o ano é completamente diferente do interno do 6o ano. Ele sabe muito pouca coisa. São distintos em todos os sentidos, tecnicamente, nos conhecimentos, no diagnóstico. No 4o ano você começa a sentir que talvez seja médico um dia. No 5o ano você fala: estou virando médico. No final do 6o ano você já se sente médico mesmo. 7 Inscrições 8 2 ENTREVISTA está beijando minha mão, me chamando de doutor, está tudo trocado. No 6o ano você tem essa experiência, os pacientes falam: “Este é meu médico. ” No 6o ano, qual era sua maior preocupação? No 6o ano a minha maior preocupação era: que tipo de sufoco eu posso passar no plantão sozinho? É um ano de muita pressão, você vai ter prova de Residência. O vestibular não é a prova mais difícil que você vai fazer. Por incrível que pareça, depois fica pior. Prestei Residência para Anestesiologia, são 11 candidatos por vaga. O que o levou a escolher Anestesiologia? Eu entrei na faculdade achando que ia fazer Cardiologia, Transplante, Cirurgia. Aí você vai tendo contato aos poucos com as especialidades. No 3o ano comecei a ter técnicas cirúrgicas. No 4o ano você já tem que saber dar pontos, saber exatamente o que fazer. No Internato vai praticar muito. E aí começa a ter noção do que não quer. Mesmo assim cheguei ao final do 6o ano em dúvida. Estava entre Pediatria, Clínica ou Anestesiologia. Anestesiologia era uma coisa com que tínhamos pouco contato, mas comecei a gostar. Nunca pensei muito em ter um consultório. Anestesiologia é uma área da Medicina que não tem tantos holofotes. É um trabalho que você faz quietinho. É excelente o paciente acordar da cirurgia sem sentir dor, sem estar nauseado. Acho que é o objetivo a atingir na anestesia e ele é muito complexo. Enquanto a pessoa está ali dormindo, naquele momento extremamente frágil, é você que está olhando se está tudo bem com ela. Os estágios são só na faculdade? A gente faz só na faculdade. A gente é exclusivo da faculdade. É um estágio muito puxado, são 11 mil horas para uma graduação. No Incor o estágio era de 21 dias, tinha que fazer 16 plantões de 12 horas, mais as aulas. Só voltava para casa para dormir? Pelo menos naquela época voltava para casa. Você passa 36 horas fora de casa. Exame para Residência você fez só no HC? Só no HC. Não tentei outros lugares. Noventa por cento dos meus colegas só tentaram HC. A gente não quer sair de casa. Como é a prova para Residência? São três fases. A primeira é um exame geral para todo mundo. Entram Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral, Medicina Preventiva. Toda Residência tem essas cinco áreas. Depois tem a segunda fase, que acho que é o pico de estresse da vida de uma pessoa. Apesar de fazermos provas com modelos parecidos na faculdade, na hora você fica muito nervoso. Você entra e tem tarefas a fazer em 10 minutos. É um pesadelo. E a terceira fase é a entrevista. O que é tratado na entrevista? Você é que vai perguntar, fazer hipóteses. Aí vão falar: “Quais exames você pede?”, “Qual é a conduta agora?”, “A paciente retornou dois dias após sua consulta, o que fazer?”, “Qual é a principal hipótese diagnóstica?” e aí vai. Mas na entrevista você já está mais tranquilo, o pior já passou. O que você faz no primeiro ano da Residência? Dá apoio aos internos? Interno não passa comigo na anestesia em si. Mas eu falo, vem cá para ver como a gente faz. Eles pedem para fazer alguma coisa, a gente deixa, supervisionados. Eles passam por vários estágios, o serviço de cirurgia do HC é enorme. A gente passa no Incor, faz cirurgia cardíaca, faz anestesia torácica, faz anestesia oncológica. Você agora é o Dr. João Francisco. Sem um professor do lado na hora de um atendimento, dá frio na barriga? No primeiro paciente grave dá muito frio na barriga. Mas, uma vez que você é filho da USP, você é para sempre filho da USP. Nunca fiquei abandonado. Durante o Internato temos preceptores, são médicos contratados só para ficar com os internos. Temos o telefone de todos, não se passa aperto. Podíamos ligar, discutir os casos, não importava o horário. A USP está sempre de portas abertas para nós. Vários ex-alunos que não prestaram Residência voltam dois, três anos depois para assistir a aulas no Internato e as portas estão abertas. Você pode assistir às aulas que quiser, tem acesso aos professores, ao laboratório, à biblioteca. Você já tem planos para após a Residência? No início você disse que o que o levou a fazer Medicina foi ajudar as pessoas. Hoje, formado, você acha que é essa realmente sua principal motivação? Sim. Mas você vai descobrindo outras coisas. Eu gosto muito de procedimentos, da parte técnica. E você também acaba tendo outras motivações. É uma profissão em que você sempre tem emprego, sempre tem salário ainda bom. Eu tenho amigos engenheiros, amigos advogados, eles ganham muito mais do que eu, mas estou satisfeito. Há uma gratificação humana, nada vai pagar os momentos em que eu ajudei as pessoas. Como avalia sua formação na USP? Quando a gente sai, descobre que a USP é muito boa, você sai bem formado. Eu podia não saber de cor, mas sabia onde procurar e sabia as principais hipóteses. Como tem muito doente grave no HC, você aprende na prática. A faculdade deu uma segurança boa. Hoje, de volta ao Etapa para esta entrevista e para rever o pessoal, do que você mais lembra? Muito legal voltar aqui. Eu lembro de tudo. De passar na catraca de manhã, ir para a aula, dos professores, de buscar a nota do simulado na secretaria, lanchar na cantina. Dá muita saudade, porque você vê que foi um período legal, um período importante de amadurecimento. Na faculdade você vai ter mais atividades ainda e cada vez mais matérias para estudar. Acho que o ano do cursinho é muito importante para você já ir se acostumando a montar rotinas, aprender a calcular seu tempo, o que dá para fazer ou não dá. Organizado, dá para fazer tudo. Você tem amigos da época do cursinho? Tenho, sim. Alguns fizeram faculdade comigo. Só que agora todo mundo está formado, estão nas respectivas Residências. Quero ser assistente do HC mesmo. Você quer dizer mais alguma coisa para os nossos estudantes? Assistente é o quê? Sim. Os exercícios que caem no vestibular você tem de internalizar, tem de responder direto. Para isso tem de fazer muitos, conhecer todos. Então é treino, treino, simulado, treino, simulado, exercícios, exercícios, exercícios, fazer todos e mais um pouco. Porque na hora você tem que saber exatamente como vai resolver. Não adianta ficar parado para pensar muito na hora. E vai ser assim na vida depois também. O paciente chegou, tenho que saber de cor, vou fazer isto, seguir aquilo, vou fazer não sei o quê. Você não pode parar para pensar, tem de saber. É o médico que vai ensinar os residentes, contratado pelo hospital. Eu tenho essa vontade. Só não sei se ficaria no Instituto do Câncer, na Pediatria, no Instituto da Criança, no Pronto-Socorro central. Para ser assistente você tem que ter terminado a Residência. A Residência funciona como uma pós-graduação. O tempo que você passa na Residência é muito intenso. Mas Anestesiologia é uma Residência relativamente tranquila, são oito mil horas, toda semana são 60 horas, um pouco mais. Jornal do Vestibulando Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343