Untitled - Unifesp

Propaganda
Órgão Oficial de Divulgação Científica da Escola Paulista de
Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo
Acta Paulista de Enfermagem/ Escola Paulista de Enfermagem/ Universidade Federal de São Paulo
Endereço: Rua Napoleão de Barros, 754, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04024-002
Acta Paul Enferm. volume 28, fascículo(1), Janeiro/Fevereiro 2015
ISSN 1982-0194 (versão eletrônica)
Periodicidade: Bimestral
Tel.: +55 11 5576.4430 Ramais 2589/2590
E-mail: [email protected]
Home Page: http://www.unifesp.br/acta/
Facebook: facebook.com/ActaPaulEnferm
Twitter: @ActaPaulEnferm
Tumblr: actapaulenferm.tumblr.com
Conselho Editorial
Editor-Chefe
Sonia Maria Oliveira de Barros
Acta Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil
Editor Técnico
Edna Terezinha Rother
Acta Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil
Editores Associados
Manuela Frederico-Ferreira, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal
Sonía Ramalho, Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde de Leiria, Leiria, Portugal
Tracy Heather Herdman, University of Wisconsin, CEO & Executive Director NANDA International, Green Bay-Wisconsin, EUA
Comissão Editorial
Donna K. Hathaway, The University of Tennessee Health Science Center College of Nursing; Memphis, Tennessee, EUA
Dorothy A. Jones, Boston College, Chestnut Hill, MA, EUA
Ester Christine Gallegos-Cabriales, Universidad Autónomo de Nuevo León, Monterrey, México
Geraldyne Lyte, University of Manchester, Manchester, United Kingdom, EUA
Helen M. Castillo, College of Health and Human Development, California State University, Northbridge, California, EUA
Jane Brokel, The University of Iowa, Iowa, EUA
Joanne McCloskey Dotcherman, The University of Iowa, Iowa, EUA
Kay Avant, University of Texas, Austin, Texas, EUA
Luz Angelica Muñoz Gonzales, Universidad Nacional Andrés Bello, Santiago, Chile
Margaret Lunney, Staten Island University, Staten Island, New York, EUA
María Consuelo Castrillón Agudelo, Universidad de Antioquia, Medellín, Colômbia
Maria Müller Staub, Institute of Nursing, ZHAW University, Winterthur, Suiça
Martha Curley, Children Hospital Boston, Boston, New York, EUA
Patricia Marck, University of Alberta Faculty of Nursing, Edmonton Alberta, Canadá
Shigemi Kamitsuru, Shigemi Kamitsuru, Kangolabo, Tokyo, Japão
Sue Ann P. Moorhead, The University of Iowa, Iowa, EUA
Escritório Editorial
Bruno Henrique Sena Ferreira
Maria Aparecida Nascimento
Projeto Gráfico
Adriano Aguina
Acta Paulista de Enfermagem – (Acta Paul Enferm.), tem por missão divulgar o conhecimento científico gerado no rigor da
metodologia, da pesquisa e da ética. O objetivo deste Periódico é publicar resultados de pesquisas originais para o avanço das
práticas de enfermagem clínica, cirúrgica, gerencial, ensino, pesquisa e tecnologia da informação e comunicação.
Membro da Associação Brasileira de Editores Científicos
Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons.
No rumo da sustentabilidade e acessibilidade, a Acta Paulista de Enfermagem é publicada exclusivamente na versão digital.
I
Fontes de Indexação
Realização
App Acta Paulista de Enfermagem
II
Editorial
Usando Tecnologia da Informação e
Mobilização Social para Combater Doenças
A
ssim como o Ebola, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio, o
enterovírus D68 e outras epidemias ameaçam a saúde das nações, as
tecnologias de informação e comunicação (TIC) combinadas com intervenções de mobilização social estão se tornando armas na guerra contra a
doença. Nos países onde os profissionais da saúde são escassos, mas a telefonia
celular é abundante, é possível “passar a mensagem adiante” para o público
em geral através de TIC, mHealth e rede social. A expressão “difusão viral”,
um termo geralmente usado para descrever um conteúdo da internet, que
se espalhou rápida e amplamente, agora pode e deve ser aplicado à batalha
contra as doenças transmissíveis e não-transmissíveis. Além da utilização das
TIC para situações de emergência, tecnologias de informação na área da saúde
são vitais para o monitoramento, vigilância de doenças e gestão da cadeia de
abastecimento, aspectos que também são importantes para a saúde global.
Cuidadores de linha de frente e os pacientes que eles atendem podem ter mais
a ganhar com a adaptação e adoção das técnicas de TIC na prática.
Na falta de serviços de saúde formalizados, as TIC (particularmente, usando abordagens sanitárias volantes com telefones celulares & mídias sociais ou
mHealth) podem ser usadas para mobilizar os habitantes para ajudar a prevenir
a disseminação, cuidar dos doentes, e ter uma compreensão mais profunda da
própria doença. No exemplo de áreas com baixos recursos como a Libéria,
Serra Leoa e Guiné, a ferramenta mais poderosa para retardar a disseminação
de doenças pode ser este tipo de intervenção baseada em TIC, juntamente
com a mobilização social das comunidades. Quando se considera que a população da Libéria, com mais de 4 milhões de pessoas, é atendida por menos
de 200 médicos, é óbvio que lá as abordagens ocidentais baseadas em cuidados
intensivos para controlar a propagação de doenças são insustentáveis. O uso
de intervenções de TIC mostrou ser uma ferramenta vital na luta contra doenças infecciosas, particularmente em áreas onde uma intervenção rápida pode
significar a diferença entre a contenção e a disseminação, a vida e a morte.
A combinação da ação comunitária com as TIC, particularmente o uso
do telefone celular, é uma ferramenta primordial usada principalmente para
retardar a disseminação do Ebola na Libéria e Serra Leoa. Nestes dois países,
o acesso à Internet para a população geral é inferior a 1.7%. Em Serra Leoa, a
guerra civil resultou na devastação do sistema educacional, com um nível de
analfabetismo em torno de 50%. No entanto, nos dois países mais de 65%
da população possui e usa telefone celular, dependendo muito de rádio para
ter informações. Nessas nações do Oeste Africano, após esforços organizados,
as pessoas logo começaram a usar essas “avenidas” para disseminar informação vital de prevenção, mobilizar grupos comunitários, e criar um método
rudimentar para a comunicação telefônica de casos suspeitos. Aqui, a lição
III
importante é que as soluções com uso de TIC não devem ser pensadas ou concebidas como sendo de tecnologia extremamente elevada ou intervenções dispendiosas. Em vez disso, o oposto pode ser verdade. É fundamental adequar
o mecanismo de entrega de TIC ao contexto e à capacidade de uso. Material
escrito sobre controle de infecção é inútil nas mãos de analfabetos.
O uso das TIC na saúde tem muitas facetas, desde as metodologias altamente complexas e avançadas, usados para produzir uma “medicina personalizada”,
até transmissões de rádio de baixa tecnologia. Ao discutir a medicina personalizada, análises avançadas e metodologias estatísticas complexas estão sendo
aplicadas a grandes coleções de dados genômicos, operacionais, populacionais e
de mídia social, onde os desafios de tamanho e qualidade dos dados são consideráveis. Entretanto, novas abordagens interessantes estão compensando alguns
dos desafios inerentes a grande quantidade de dados. O GOOGLE Tendências
da Gripe é um exemplo frequentemente usado, em que as compras dos medicamentos sem prescrição nos bancos de dados de farmácias estão sendo adicionados a registros de atendimentos de emergência, relatórios de faltas em escolas
locais, e contagem do número de buscas na internet sobre um tema de saúde
específico são combinadas e analisadas quanto aos padrões. Embora esses tipos
de análises não sejam conclusivos, as tendências que surgem são frequentemente
muito próximas da realidade. Por exemplo, aumento nas vendas de loperamida
(Immodium) em farmácias locais, um pico no número de buscas sobre doenças
diarreicas na internet, e aumentos significativos no absentismo escolar podem
indicar um surto de gastroenterite. Um exemplo aparentemente simples, mas
como já foi mostrado no Google Tendências da Gripe, usando esses tipos de
abordagem como mecanismo de vigilância das doenças pode superar esforços
de vigilância maiores, como aqueles do Centro de Controle de Doenças (CDC).
Um outro exemplo de como a mídia social pode ser usada para identificar
focos e controlar doenças é a ferramenta HealthMap (http://www.healthmap.
org) que usa fontes online informais como sites do governo, redes sociais e informes da imprensa local para mapear potenciais surtos de doenças e monitorar as
tendências de saúde pública. Este software foi capaz de detectar o surto de Ebola
nove dias antes do seu anúncio pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Modelagem epidemiológica, usada recentemente na África Ocidental
para o Ebola, depende do acesso a vários dados e de sua manipulação, e muitos deles estão relacionados com o comportamento humano, técnicas de sepultamento e resposta da comunidade, em vez de resultados de laboratório e
dados de estabelecimentos de saúde. Estes exemplos indicam o valor de dados
que surgem da vida quotidiana, que por sua vez nos encorajam tanto a pensar
mais profundamente sobre as variáveis da saúde da comunidade a direcionar
as nossas intervenções para abordá-las. Por exemplo, na Libéria, onde os rituais de sepultamento incluem a “imposição das mãos”, uma grande intervenção foi direcionada para encontrar outras práticas para enterros dignos e
culturalmente apropriados, pois o corpo de um doente de Ebola é mais infeccioso por várias horas após a morte. Estudos de modelagem epidemiológica
indicaram que as práticas de sepultamento foram um grande impulsionador
na disseminação do Ebola. O uso de mensagens de rádio e texto para divulgar
IV
informações para as famílias não enterrarem seus próprios familiares resultou
na formação de grupos de trabalho de alcance comunitário para educar os
habitantes e lidar com os cuidados pós-morte. Novamente, as TIC serviram
como ferramenta importante na batalha contra o Ebola.
Sistemas de informação geográfica (SIG), que são usados para capturar, armazenar, manipular e apresentar informações geográficas, também desempenham
um papel importante na vigilância de doenças. GIS tem a capacidade de manipular dados espaciais (como os mapas) e relacioná-los com dados de interesse que
existem em outros bancos de dados. Esta funcionalidade faz com que seja possível
rastrear surtos e fontes e identificar áreas onde os recursos podem ser encontrados
(ou são necessários). Estes exemplos do uso de GIS na resposta do Ebola ilustram
a sua utilidade. Os Médicos Sem Fronteiras estimularam uma equipe de GIS na
Guiné e começaram a gerar e melhorar os mapas da região, os quais eram muito
pobres e imprecisos antes deste esforço. Em parte, isso foi feito usando técnicas
de “trabalho coletivo”, em que os habitantes locais se envolveram em desenhar
e identificar mapas de suas vizinhanças em um esforço voluntário. Quando os
mapas surgiram, eles foram reproduzidos com software de mapeamento formal,
resultando em 109 novos mapas com grande detalhe e alta precisão. Estes mapas
foram então usados para os esforços de localização e visualização. Os esforços de
localização permitiram que funcionários de saúde pública identificassem a localização exata de aldeias e diferenciassem aldeias e cidades com grafia [e/ou] pronúncia
semelhantes. Isto permitiu que as equipes de profissionais da saúde e funcionários
da saúde pública reagissem mais rapidamente às notificações de suspeita do Ebola
e distribuíssem recursos com mais eficácia e eficiência. A capacidade de visualizar
relatos de surtos e a localização de equipes e suprimentos em um mapa digital
ajudou funcionários a ver os padrões de disseminação de doenças, visualizar o número de novos casos, mortes e sobrevivências, e gerenciar melhor os suprimentos
e recursos por localidade (http://bit.ly/1J3iJOI).
Definição, valor, propriedade e utilidade das TIC estão indo rapidamente
para as mãos daqueles que mais precisam delas. As pessoas estão se tornando mais
capacitadas pelo acesso à informação vital que pode salvar a vida de suas famílias
e comunidades. Agora as próprias comunidades estão sendo capazes de assumir
uma maior liderança de seus destinos pois a informação está fluindo para áreas
que não tinham esse acesso no passado. Cuidadores de linha de frente podem
usar as TIC para ter uma linha direta com as redes de referência, a educação
continuada, e os seus pacientes. Provedores e autoridades de saúde pública podem usar as informações liberadas para melhor planejar e proporcionar respostas
rápidas e específicas. É claro que TIC não é uma panaceia. É simplesmente
uma ferramenta que pode ajudar de forma notável quando colocada nas mãos
de quem cuida.
Patricia A. Abbott PhD, RN, FAAN &
Sayonara F.F. Barbosa, PhD, RN
School of Nursing, University of Michigan, Ann Arbor, MI, USA
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500001
V
Sumário
Artigos Originais
Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: Conhecimentos,
hábitos e campanhas de prevenção solar
Malignant and premalignant skin lesions: knowledge, habits and sun protection campaigns
Carmen Cabañés Iranzo, José Enrique De La Rubia-Ortí, Sandra Sancho Castillo, Joao Firmino-Canhoto��������������������������������� 1
Interferência e características do edema periorbital
no exame pupilar após craniotomia
Interference and characteristics of periorbital edema in pupil examination after craniotomy
Maria Laura Iervolino Penteado Siciliano, Solange Diccini���������������������������������������������������������������������������������������������������������� 7
Crianças e adolescentes usuários de substâncias
no serviço de emergência psiquiátrica
Children and adolescents who are substances users in the psychiatric emergency service
Maraiza Mitie de Macedo Martins, Jacqueline de Souza, Aguinaldo Alves da Silva������������������������������������������������������������������� 13
Opinião dos profissionais de saúde sobre os
serviços de controle da tuberculose
Health professionals’ opinion about services for tuberculosis control
Hellen Pollyanna Mantelo Cecilio, Ieda Harumi Higarashi, Sonia Silva Marcon����������������������������������������������������������������������� 19
Diagnósticos de enfermagem em clínica cirúrgica
Nursing diagnoses in surgical clinic
Elisiane Soares Novaes, Maricy Morbin Torres, Ana Paula Vilcinski Oliva��������������������������������������������������������������������������������� 26
Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência
domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal
Time spent by the multidisciplinary team in home care: subsidy for the sizing of staff
Maria Leopoldina de Castro Villas Bôas, Helena Eri Shimizu���������������������������������������������������������������������������������������������������� 32
Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca
em acompanhamento domiciliar por enfermeiros
Treatment adherence in patients with heart failure receiving nurse-assisted home visits
Vanessa Monteiro Mantovani, Karen Brasil Ruschel, Emiliane Nogueira de Souza, Claudia Mussi,
Eneida Rejane Rabelo-Silva������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 41
Qualidade de vida e adesão à medicação antirretroviral em pessoas com HIV
Quality of life and adherence to antiretroviral medication in people with HIV
Marli Teresinha Gimeniz Galvão, Larisse Lima Soares, Samyla Citó Pedrosa, Maria Luciana Teles Fiuza,
Larissa de Araújo Lemos������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 48
Prevalência das várias formas de violência entre escolares
Prevalence of various forms of violence among school students
Iglê Moura Paz Ribeiro, Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro, Riccardo Pratesi, Lenora Gandolfi��������������������������������������������������� 54
Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas pela
família em unidade de terapia intensiva
Nursing visit and doubts expressed by families in the intensive care unit
Bruno Bordin Pelazza, Rosemary Cristina Marques Simoni, Ercilhana Gonçalves Batista Freitas,
Beatriz Regina da Silva, Maria Júlia Paes da Silva����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 60
VI
Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia
Risk factors for surgical site infection in
Gislaine Cristhina Bellusse, Julio Cesar Ribeiro, Fabrício Ribeiro de Campos, Vanessa de Brito Poveda,
Cristina Maria Galvão�������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 66
Identificação de queimaduras térmicas como injúria
relacionada ao trabalho de soldadores
Identification of thermal burns as work-related injury in welders
Marta Regina Cezar-Vaz, Clarice Alves Bonow, Cynthia Fontella Sant’Anna, Leticia Silveira Cardoso,
Marlise Capa Verde de Almeida������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 74
Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes
Prevalence of arterial hypertension and risk factors in adolescents
Ionara Holanda de Moura, Eduardo Emanuel Sátiro Vieira, Grazielle Roberta Freitas da Silva,
Rumão Batista Nunes de Carvalho, Ana Roberta Vilarouca da Silva����������������������������������������������������������������������������������������� 81
Avaliação da atitude das crianças que residem
com idosos em relação à velhice
Assessment of the attitudes toward aging among children who live with the elderly
Nathalia Alves de Oliveira, Bruna Moretti Luchesi, Keika Inouye, Elizabeth Joan Barham, Sofia Cristina Iost Pavarini������������ 87
Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento
sobre doenças sexualmente transmissíveis
Prevalence of signs and symptoms and knowledge about sexually transmitted diseases
Paulie Marcelly Ribeiro dos Santos Carvalho, Rafael Alves Guimarães, Paula Ávila Moraes,
Sheila Araujo Teles, Marcos André de Matos���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 95
VII
Artigo Original
Lesões cutâneas malignas e prémalignas: conhecimentos, hábitos e
campanhas de prevenção solar
Malignant and premalignant skin lesions: knowledge,
habits and sun protection campaigns
Carmen Cabañés Iranzo1
José Enrique De La Rubia-Ortí2
Sandra Sancho Castillo1
Joao Firmino-Canhoto2
Descritores
Educação em enfermagem;
Enfermagem oncológica; Estudantes
de enfermagem; Melanoma/prevenção
& controle; Neoplasias cutâneas/
prevenção & controle
Keywords
Education, nursing; Oncologic nursing;
Students, nursing; Melanoma/
prevention & control; Skin neoplasms/
prevention & control
Submetido
10 de Outubro de 2014
Aceito
29 de Outubro de 2014
Resumo
Objetivo: determinar a morbilidade de lesões malignas e pré-malignas da pele e o conhecimento da população
sobre prevenção solar e hábitos perigosos.
Métodos: aplica-se um estudo longitudinal retrospetivo e outro descritivo transversal a uma população de
25.956 habitantes utilizando o programa Abucasis® e realizando 201 inquéritos a doentes do serviço de
urgências; posteriormente utiliza-se o programa SPSS 15.0 para Windows.
Resultados: em seis anos registaram-se 228 casos de queratose actínica, 26 de melanoma e 32 de neoplasias
malignas da pele. Encontramos que 63,7% da população crê que não se realizam suficientes campanhas de
prevenção solar, 50,2% desconhece os sinais de alarme do cancro de pele e a medida de proteção mais
utilizada é a utilização de filtros solares.
Conclusão: A morbilidade de lesões malignas e pré-malignas da pele na população de Manises quadruplicou
e o conhecimento acerca da prevenção solar é insuficiente.
Abstract
Objective: To determine the morbidity of malignant and pre-malignant skin lesions and people’s knowledge
about preventing sun exposure and dangerous habits.
Methods: A retrospective longitudinal study and one descriptive transversal study were conducted with a
population of 25,956 inhabitants using the Abucasis® program, and 201 questionnaires were administered
to patients in an emergency department; SPSS 15.0 for Windows program was then used.
Results: In six years there were 228 cases of actinic keratosis, 26 melanoma and 32 malignant neoplasms of
the skin. It was found that 63.7% of the population believed that sufficient solar prevention campaigns were
not performed, 50.2% were unaware of the warning signs of skin cancer, and the most widely used measure
used for protection was the use of sunscreens.
Conclusion: The morbidity of malignant and premalignant skin lesions in the Manises population quadrupled
and the knowledge about preventing sun exposure is insufficient.
Autor correspondente
José Enrique de la Rubia Ortí
Calle General Elio 8, 46010,
Valencia, Espanha.
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500002
Universidade Católica de Valência, Valencia, Espanha.
Universidade Europeia de Valência, Valencia, Espanha.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6.
1
Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar
Introdução
O melanoma maligno cutâneo (MMC), descrito
no ano 1806 por René Laënnac,(1) é a transformação atípica dos melanócitos da camada basal da
epiderme, expandindo-se tanto em direção às camadas mais superficiais como às mais profundas.
(2)
Nas fases iniciais é curável mas sem tratamento
é muito agressivo, podendo produzir metástases
linfáticas e hematógenas que causam uma elevada
mortalidade.(2)
Atualmente são diagnosticados 160.000 casos
de melanoma a nível mundial. Devido ao aumento
incessante do cancro da pele do tipo melanoma é da
maior relevância conhecer tanto os fatores de risco
como de proteção frente a esta doença.(3,4)
O nevus displásico é o fator de risco mais importante para o melanoma. Os sinais da pele com
diâmetro superior a 6 mm, proeminentes, assimétricos, com bordos pouco definidos e pigmentação
variável devem ser observados por dermatologistas.
Também devemos mencionar a queratose actínica,
lesão pré-maligna caracterizada por um crescimento escamosos ou com crosta, em zonas expostas ao
sol de forma mais ou menos contínua. Até agora
esta lesão era característica de pessoas de idade mais
avançada mas começam a aparecer casos entre a população mais jovem.(5)
A nova cultura do bronzeado como algo saudável e atrativo pode-se converter no principal
freio para a mudança nos hábitos de fotoproteção. O bronzeado artificial é um dos novos hábitos estendidos entre a população mais jovem e
um factor de risco estabelecido para o MMC e
provavelmente também para o carcinoma de células escamosas e basais.(6) Por tanto, a exposição ao
bronzeado artificial numa idade precoce associa-se
significativamente a um maior risco de carcinoma
de células basais.
No entanto, devido a que o seu desenvolvimento
se produz num órgão como a pele, com uma grande
acessibilidade à exploração e de fácil diagnóstico na
maioria dos casos, cada vez se tratam mais melanomas
em fases iniciais, sendo a maioria deles curáveis.(6)
Manises é um município de 30.508 habitantes
com acesso direto a várias praias do Mediterrâneo
2
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6.
da Comunidade Valenciana (Espanha) e está situado na província de Valência.
Os objetivos do estudo são: determinar a morbilidade de lesões malignas ou lesões que as possam
produzir no futuro, na população de Manises desde
2006 até 2012. Determinar se a população de Manises está informada acerca das condutas de prevenção solar e se apresenta adesão a ditas condutas. Determinar os hábitos de exposição e prevenção da população de Manises durante exposições cotidianas e
prolongadas ao sol. Determinar os conhecimentos
acerca dos riscos de exposição solar na amostra que
responde ao questionário. Finalmente, estabelecer a
procedência da informação acerca da prevenção solar na população de Manises. A hipótese de partida
é que o contínuo aumento do número de casos de
cancro de pele está relacionado com os novos hábitos de exposição solar, com conhecimentos deficientes relativos aos riscos de exposição solar e a falta de
informação sobre a prevenção solar ou a obtenção
da mesma a partir de fontes não apropriadas.
Métodos
Para atingir os objetivos do estudo foram utilizados
dois estudos diferenciais. O estudo 1 é um estudo
longitudinal retrospectivo para conhecer a morbilidade das lesões malignas e pré-malignas da pele,
na população de Manises. O estudo 2 é um estudo
descritivo transversal para conhecer todos os dados
relacionados com a prevenção dos habitantes.
No estudo 1 foi utilizado o programa informático de atenção primária Abucasis® para obter os dados
de indivíduos maiores de 15 anos diagnosticados
com melanoma (ICD- International Classification
of Diseases- C43), neoplasia maligna da pele (ICDC44) e queratose actínica (ICD- L57), tendo esta
população de Manises maior de 15 anos um total de
25.956 habitantes.(7) Para o estudo 2 foram levados
a cabo 201 questionários no serviço de urgências do
Centro de Saúde de Manises, no intervalo de tempo
compreendido entre Janeiro e Abril de 2013.
Para o estudo 1 foram definidos como critérios de
inclusão a idade (ter 15 ou mais anos), pertencer ao
município de Manises, estar diagnosticado com me-
Iranzo CC, De La Rubia-Ortí JE, Castillo SS, Firmino-Canhoto J
lanoma (ICD- C43), neoplasia da pele (ICD- C44)
e/ou queratose actínica (ICD- L57); como critérios
de exclusão, não cumprir com algum dos anteriormente mencionados. Para o estudo 2 estabeleceramse como critérios de inclusão ter entre 20 e 50 anos
de idade, ser residente em Manises e conhecedor
do idioma espanhol; como critério de exclusão, não
cumprir com algum dos anteriormente citados.
A análise estatística foi realizada com o programa
SPSS® 15.0 para Windows®. Foram obtidas frequência
e tabelas de contingência. Foram criadas novas variáveis (fenótipo, grau de proteção...) a partir das variáveis estabelecidas nos inquéritos. A análise dos dados
foi realizada mediante um teste de Qui-quadrado,
considerando um p menor de 0,05 significativo.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas internacionais de ética em pesquisa envolvendo
seres humanos.
Resultados
Resultados estudo 1
De 2006 a 2012 foram registados 228 casos de queratose actínica, 26 de melanoma e 32 neoplasias
malignas da pele. A análise independente revela que
a queratose actínica ocorre principalmente entre os
51 e 80 anos com predomínio feminino em todas
as idades, e apareceram casos isolados em ambos os
sexos dentro da população mais jovem. No melanoma a maior incidência é entre os 21 e os 70 anos,
com um pico entre os grupos de idade de 21 a 30 e
de 51 a 60 anos. Da mesma forma que na queratose
actínica, a proporção de mulheres é maior na quase
totalidade de todos os grupos de idade, com exceção
dos grupos 31-40 e 81-90 anos. Por último, a lesão
maligna da pele é a de aparição mais tardia: os primeiros casos aparecem a partir dos 30 anos e a sua
máxima incidência situa-se entre os 61 e 80 anos.
Em idades mais precoces é claramente feminina,
facto que se inverte em idades superiores a 71 anos.
Resultados estudo 2
Descrição das características sociodemográficas e
físicas da amostra
A idade dos participantes oscilava entre 20 e 50 anos,
sendo a idade média de 35 anos. As mulheres compõem 69,2% (139 participantes) da amostra. Cabelos
ruivos ou louros constituem 10% da amostra, castanho claro 44,3% e castanho escuro ou negro 45,7%.
Os olhos escuros aparecem em 72,1% da amostra e
22,9% tinham olhos claros. Relativamente ao nível
de estudos, 30,34% possuíam o graduado escolar
(escolaridade obrigatória), 20,39% estudos universitários, 20,39% formação profissional, 7,46% ensino
secundário completo, 3,48% educação primária e
17,94% não indicou o seu nível de estudos.
Hábitos de exposição e prevenção na população
de Manises durante exposições quotidianas e
prolongadas ao sol
Dos participantes 54,7% passam a maior parte do
seu tempo num espaço fechado e coberto, 34,8%
considera que passam metade do tempo sob um tecto e a outra metade ao sol, enquanto 3% passam a
maior parte do tempo ao sol. Finalmente, 64,2%
passam pouco tempo de ócio sob o sol. Por outro
lado, 66,2% consideram que no passado não estiveram expostos ao sol de forma prolongada.
Relativamente à proteção solar, foram agrupados em baixa proteção aqueles que só usavam
um tipo de protetor e que correspondem a 16,4%,
em média proteção os que utilizavam dois protetores correspondendo a 16,9% e em alta proteção
os que marcavam 3 ou mais opções, os quais representam 54,2%; finalmente 10,4% indicou que
não utiliza nenhum tipo de proteção. Um fator de
proteção SPF para o corpo entre 25 e 50 era usado por 95 indivíduos, menor de 25 por 46 indivíduos e maior de 50 por 29 indivíduos. Enquanto
87 usavam um SPF para a face entre 25 e 50, 43
usavam um maior de 50 e 32 um menor de 25.
Para além disso, 14,4% fazia uma aplicação a cada
hora, 30,8% a cada duas ou três horas, 8% a cada
quatro ou cinco horas, 23,4% quando se lembrava
e 14,9% só uma vez.
Outro dos hábitos estudados foi a utilização de
cabinas solares e só 24,4% as utilizava. Dos 62 indivíduos que compõem o grupo entre 20 e 30 anos,
17 utilizavam cabinas solares. Entre os 31 e 40 anos
(total de 60 pessoas), 17 também utilizavam cabinas
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6.
3
Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar
to estatisticamente significativo ao ser relacionado
com informação insuficiente acerca do cancro de
pele (p<0,001). Acresce que 66,2% acredita que não
tem informação suficiente acerca do cancro de pele
e existem relações positivas ao referir-se aos sinais de
alarme do cancro de pele (p=0,006). Relativamente
à informação acerca da prevenção solar, esta procede
principalmente dos meios de comunicação (59,2%)
e constataram-se associações significativas com a exposição solar no passado (p<0,02), e estar moreno é
sinónimo de estar saudável (p=0,006).
Ao relacionar os hábitos com os riscos de exposição solar, obtivemos que dos 150 indivíduos que
consideraram como uma medida importante evitar a exposição solar entre as 12h e as 17h, 34 dos
questionados expunham-se entre as 10h e as 12h,
69 entre as 12h e as 16h, 16 entre as 16h e as 18h,
14 depois das 18h, outros 14 selecionaram 2 opções
e 3 indicaram mais de 3 opções.
Por outro lado, a tabela 3 ao relacionar a importância que os questionados davam à aplicação de
creme protetor com a frequência com que o fazem.
Ao perguntar se era normal queimar-se no primeiro dia de praia, 60 responderam que sim (dos
quais 47 pensam que não é normal que aconteça, 10
solares. E das 74 pessoas de 41 a 50 anos, somente
15 utilizavam este tipo de cabinas.
Conhecimentos sobre riscos e consequências da
exposição solar na amostra questionada
Na tabela 1 mostra-se a opinião acerca dos efeitos
de uma exposição solar prolongada ou intensa.
Na tabela 2 os resultados acerca da importância
para os questionados dos métodos de proteção a exposição ao sol.
A pergunta “conhece os sinais de alarme do
cancro de pele?” apresentou resultados bastante
equitativos: 48,8% eram conhecedores, comparados a 50,2%. Ainda assim, 81,6% não recorre
ao dermatologista para prevenir ou evitar o cancro de pele. E por último, foi perguntado qual
o risco de sofrer cancro de pele: 29,9% e 26,9%
consideram ter um risco baixo e um risco médio
respetivamente.
Informação da população de Manises acerca
das condutas de prevenção solar e adesão a estas
condutas
As campanhas de prevenção solar foram consideradas insuficientes por 128 indivíduos (63,7%), facTabela 1. Efeitos de uma exposição solar prolongada ou intensa
Variáveis
Sim
(%)
Bastante
(%)
NS/NR
(%)
p-value
O sol pode provocar queimaduras
88,6
O sol provoca envelhecimento prematuro
83,6
0,5
3
< 0,001
1
3,5
< 0,001
O sol pode provocar cancro de pele
87,6
6
8
7,5
1,5
1,5
3,5
< 0,001
15,4
65,2
4
Quando está nublado o sol é perigoso
49,8
24,9
< 0,001
11,4
8,5
5,5
Sou mais consciente dos perigos que há uns anos
74,6
< 0,001
14,4
6,5
1,5
3
O sol é mais perigoso na praia ou na montanha
< 0,001
30,8
13,9
10,9
38,8
5,5
< 0,001
Sessões UVA preparam a pele para a praia
7,5
7
19,4
60,7
5,5
< 0,001
É normal queimar-se no primeiro dia de praia
22,4
4
7
61,7
5
< 0,001
Ir ao médico por alterações num sinal
81,6
5,5
3,5
5,0
4,5
< 0,001
Bastante
(%)
Pouco
(%)
Nada
(%)
NS/NR
(%)
Estar moreno é sinónimo de estar saudável
Pouco
(%)
Não
(%)
7,0
1
9,5
2,5
Tabela 2. Importância do métodos de proteção solar
Variáveis
4
Muita
(%)
Evitar a exposição solar entre as 12-17h
75,6
14,4
5,5
2
2,5
Aplicar creme protetor com um fator solar alto
59,2
30,8
3
2
5
Aplicar creme protetor com frequência (cada 2h)
46,8
35,8
8
3,5
6
Permanecer à sombra
41,3
35,8
10,9
5
7
Usar óculos de sol
36,8
33,3
17,4
6
6,5
Tapar a cabeça
41,3
31,8
14,4
5,5
7
Usar roupa que transpire
34,3
30,8
18,9
6,5
9,5
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6.
Iranzo CC, De La Rubia-Ortí JE, Castillo SS, Firmino-Canhoto J
Tabela 3. Relação entre frequência e importância da aplicação de fotoprotetor
Com que frequência aplica o fotoprotetor?
Importância aplicar creme protetor frequentemente
Muita
Bastante
Pouca
Nada
Total
A cada hora
16
11
1
0
28
2-3h
39
18
4
0
61
4-5h
6
8
2
0
16
Quando me lembro
19
20
3
0
42
Só uma vez
11
8
4
5
28
Total
91
65
14
5
175
que é pouco e 3 que é bastante normal), 84 responderam que não (dos quais 75 pensam que não é normal,
4 que é pouco normal e 5 que é bastante normal).
Os resultados obtidos ao relacionar as variáveis:
“utilizar cabinas solares” e “as sessões de UVA preparam a pele para a praia”, 140 responderam que
não usavam cabinas solares e 103 consideraram
que as sessões de raios UVA não preparavam a pele
para a praia. Por fim, relativamente à pergunta se
o sol pode provocar cancro de pele e qual o risco de sofrer cancro de pele, pudemos observar que
dos 174 questionados que consideravam que podia
provocar cancro de pele, 55 achavam que tinham
um risco baixo, 49 médio, 26 alto, 26 muito baixo
e 16 muito alto.
Discussão
Algumas limitações foram encontradas devido ao
tamanho da amostra, de modo que estes resultados deveriam ser reproduzidos numa população
maior e em diferentes países para que sejam mais
significativos.
Os resultados que se obtiveram contribuem
ao conhecimento da percentagem real de melanoma, ou de lesões que podem terminar em melanoma numa população concreta, relacionando
estes dados com o conhecimento que se tem relativamente às medidas de prevenção para evitá
-lo, em concreto com a exposição solar que é o
maior fator de risco. Este estudo também serve
para conhecer as fontes de informação que utiliza a população. Toda esta informação é útil para
que a nível de enfermagem os profissionais de
esta área orientem as campanhas de prevenção de
modo a cobrir as deficiências dos habitantes da
maneira mais eficaz, diminuindo a prevalência
de esta grave doença.
Neste sentido, cerca de 50% dos questionados considerou ter um risco baixo ou medo de
sofrer cancro de pele. No entanto, as patologias
relacionadas com o cancro de pele estão a sofrer
importantes aumentos, disparando os sinais de
alarme no seio da comunidade científica (OMS,
skincancer.org, Asociación Española Contra el
Cáncer, etc.). A população de Manises segue esta
mesma tendência uma vez que a queratose actínica multiplicou-se por 9 no período de 2006 a
2012, as neoplasias malignas da pele aumentaram numa proporção de 8 relativamente a 2006
e o melanoma sofreu um aumento de 400%. Todas estas doenças estão a aparecer em idades cada
vez mais jovens.
Relativamente à exposição solar, metade dos
questionados expõe-se durante as horas mais centrais do dia, das 12 às 16 horas. Mesmo assim, os
46% que consideraram esta medida de prevenção
como importante continuam a ir à praia durante
esta hora do dia, ao contrário de outros estudos. Os
fotoprotetores são a conduta preventiva mais popular e mais bem considerada.(8)
Relativamente às cabinas e ao contrário da nossa amostra (onde somente 24% as utilizava), outros trabalhos afirmam o contrario.(9) No entanto,
houve indivíduos que consideraram que as sessoes
de raios UVA preparavam a pele para a praia e
mais de metade respondeu que nunca tinha sofrido queimaduras solares, apesar de cerca de 25%
acharem normal queimar-se no primeiro dia de
praia e 15,5% considerarem que estar moreno é
sinônimo de estar saudável. Não deixa de ser interessante o facto de haver gente que não sabe o
que fazer quando observa alterações num sinal e
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6.
5
Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar
19,9% pensa que quando está nublado o sol não é
perigoso ou é pouco perigoso.
Por outro lado, 63,7% consideram que não
se realizam suficientes campanhas de prevenção
solar e a informação que recebem procede principalmente dos meios de comunicação. Existem
estudos acerca do impacto de programas de foto-educação em populações escolares que concluíram
que a população infantil é a mais indicada para
receber educação em fotoproteção, uma vez que
diminuem o risco de apresentar melanoma na idade adulta.(10)
dos dados, redação e revisão crítica relevante do
conteúdo intelectual e aprovação final da versão
a ser publicada. De La Rubia-Ortí JE contribuiu
com a análise e interpretação dos dados, redação
e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.
Castillo SS e Firmino-Canhoto J contribuíram
com a redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser
publicada.
Conclusão
1. Lavanderos J, Pérez JA, Jeria S, Concha D. Actualizaciones en
melanoma maligno cutáneo. Cuad Cir. 2010; 24(10):47-56.
Há um aumento evidente e generalizado de lesões
da pele relacionadas com a exposição solar no nosso
trabalho, sobretudo a queratose actínica e as lesões
malignas da pele. Devemos acrescentar que todas
elas se começam a diagnosticar em idades cada vez
mais precoces. Ainda que não exista adesão a todas as recomendações de prevenção solar, a maioria
da população protege-se durante as suas exposições
quotidianas e prolongadas ao sol. Quase metade utiliza um SPF entre 25 e 50, com uma frequência de
aplicação de cada duas ou três horas. Relativamente
aos hábitos, evitar a exposição solar durante as horas
centrais do dia, permanecer à sombra e aplicar um
SPF alto e com frequência são medidas de grande
aceitação. A população é mais consciente agora (que
há uns anos) dos riscos de uma exposição solar inadequada. No entanto, acredita não ter informação
suficiente acerca do cancro de pele, especialmente
acerca da sua deteção precoce. Demonstrou-se a necessidade de realizar campanhas de prevenção solar,
uma vez que a informação que a população possui
não procede de entidades públicas ou sanitárias.
Colaborações
Iranzo CC contribuiu com a conceção do projeto e execução da pesquisa, análise e interpretação
6
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6.
Referências
2. Enrique Acosta A, Fierro E, Eugenia Velásquez V, Rueda X. Melanoma:
patogénesis, clínica e histopatología. Rev Asoc Col Dermatol. 2009; 17
(2):87-108.
3. Melanoma [Internet]. Madrid: Sociedad Española de Oncología
Médica; Enero; 2013. De Martínez Jáñez M. Epidemiología del
melanoma. [acesso 2013 Feb 2]. Disponible en: http://www.
seom.org/es/informacion-sobre-el-cancer/info-tipos-cancer/
melanoma?start=2.
4. Cáncer de tipo melanoma [Internet]. Estados Unidos: American
Cancer Society; Enero; 2013. Factores de riesgo del melanoma.
[acesso 2013 Feb 2] . Disponible en: http://www.cancer.org/espanol/
cancer/cancerdepieltipomelanoma/guiadetallada/cancer-de-piel-tipomelanoma-causes-risk-factors.
5. Queratosis actínica [Internet]. Estados Unidos: Skin Cancer Foundation;
2013. ¿Qué es la queratosis actínica? [acesso 2013 Feb 2]. Disponible en:
http://www.skincancer.org/skin-cancer-information/actinic-keratosis/howto-prevent-actinic-keratosis
6. Wehner MR, ML Shive, MM Chren, J Han, AA Qureshi, Linos E. El
bronceado artificial y no-melanoma cáncer de piel: revisión sistemática
y meta-análisis. BMJ. 2012; 345:e5909.
7. Foro-ciudad [Internet]. Valencia: Foro-ciudad; abril 2013. Manises –
Pirámide de población – Padrón; 2012. [acesso 2013 Feb 2]. Disponible
en: http://www.foro-ciudad.com/valencia/manises/mensaje-11208158.
html.
8. Gambichler T, Dissel M, Altmeyer P, Rotterdam S. Evaluation of sun
awareness with an emphasis on ultraviolet protection by clothing: A
survey of adults in WesternGermany. J Eur Acad Dermatol Venerol.
2010; 24(2):155-62.
9. Llamas-Velasco M, García-Díez A. El cambio climático y la piel:
diagnóstico y retos terapéuticos. Actas Dermosifiliogr. 2010; 101
(5):401-10.
10. Guzmán MC, Torres V, Reyes L, Rojas R, Mosquera H. Conocimientos
de la comunidad de un municipio de Santander sobre riesgo y cáncer
de piel. Rev Asoc Colomb Dermatol. 2011; 19:20-5.
Artigo Original
Interferência e características do edema
periorbital no exame pupilar após craniotomia
Interference and characteristics of periorbital edema
in pupil examination after craniotomy
Analuiza Candido Torres1
Maria Laura Iervolino Penteado Siciliano2
Solange Diccini1
Descritores
Craniotomia/efeitos adversos; Edema/
etiologia; Exame neurológico; Pupila;
Avaliação em enfermagem
Keywords
Craniotomy/adverse effects; Edema/
etiology; Neurologic examination; Pupil;
Nursing assessment
Submetido
14 de Outubro de 2014
Aceito
3 de Novembro de 2014
Autor correspondente
Solange Diccini
Rua Napoleão de Barros, 754, São
Paulo SP, Brasil. CEP: 04024-002
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500003
Resumo
Objetivo: Avaliar a interferência e características do edema periorbital no exame pupilar, em pacientes
submetidos a craniotomia por via anterior.
Métodos: Estudo de coorte prospectivo realizado em pacientes no pós-operatório na unidade de terapia
intensiva e internação de neurocirurgia. A interferência e características do edema periorbital no exame
pupilar foram avaliados da admissão do paciente até sétimo dia de pós-operatório. O exame pupilar foi
realizado por enfermeiros.
Resultados: Foram avaliados 100 pacientes e a incidência de edema periorbital foi de 80%. O enfermeiro não
realizou o exame pupilar em 24 (30%) pacientes. As características que influenciaram na realização do exame
pupilar foram coloração arroxeada e intenso edema periorbital.
Conclusão: O edema periorbital estava presente na maioria dos pacientes no pós-operatório de craniotomia
e o exame pupilar não foi realizado em 30% dos pacientes. A presença de intenso edema periorbital e de
coloração arroxeada foram características que prejudicaram o exame pupilar.
Abstract
Objective: To assess the interference and the characteristics of periorbital edema in pupil examination with
patients who underwent anterior craniotomy.
Methods: Prospective cohort study conducted postoperatively in an intensive care unit and neurosurgery ward.
Interference and characteristics of periorbital edema in pupil examination were assessed between patients’
admission and the seventh day of the postoperative period. Pupil examination was performed by nurses.
Results: One hundred patients were examined and the incidence of periorbital edema was 80%. Pupil
examination was not performed by a nurse in 24 patients (30%). The characteristics that influenced the
performance of pupil examination were purplish coloration and severe periorbital edema.
Conclusion: Periorbital edema was found in most postoperative craniotomy patients and pupil examination
was not performed in 30% of them. The presence of severe periorbital edema and purplish coloration were
the factors that hampered pupil examination.
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Hospital São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12.
7
Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia
Introdução
O couro cabeludo é uma estrutura vascularizada
que reveste o crânio e é formado por cinco camadas, pele, tecido subcutâneo, gálea aponeurótica,
tecido areolar frouxo e pericrânio. Durante a craniotomia ocorre o descolamento do pericrânio,
com ruptura das veias emissárias que atravessam
o tecido areolar frouxo. Após a sutura do couro
cabeludo, sob a gálea aponeurótica, ocorre acúmulo de líquido, formando a coleção subgaleal. Nas
craniotomias anteriores, a coleção subgaleal pode
ser intensa devido a secção das veias de drenagem
da região frontal.
Na presença da coleção subgaleal o paciente
pode evoluir com dor, edema periorbital com ou
sem hematoma em um ou ambos os olhos, equimose facial e referir dificuldade na visão.(1) A incidência
da coleção subgaleal pode variar de 7% a 33% e do
edema periorbital de 2,8% a 100%.(2,3)
Durante o pós-operatório imediato de craniotomia, o paciente pode apresentar complicações neurocirúrgicas, como hematomas no leito cirúrgico e
edema cerebral devido ao trauma cirúrgico. Estas situações causam o aumento da pressão intracraniana,
com alterações no nível de consciência, no diâmetro
e na fotorreação das pupilas. O enfermeiro realiza
o exame neurológico com a finalidade de detectar
alterações que possam colocar em risco de vida o
paciente no pós-operatório de craniotomias. Apesar
da importância da avaliação pupilar, este parâmetro
pode estar prejudicado no paciente que apresenta
edema periorbital.
O objetivo desse estudo foi avaliar a interferência e as características do edema periorbital no exame pupilar, em pacientes submetidos a craniotomia
por via anterior.
Métodos
Estudo de coorte prospectivo realizado nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e de Internação da
Neurocirurgia (UI) do Hospital São Paulo, hospital
universitário da Universidade Federal de São Paulo,
na cidade de São Paulo, Brasil.
8
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12.
Os critérios de inclusão foram: paciente com
idade igual ou superior a 18 anos e submetidos à
craniotomia eletiva por via anterior. Critérios de exclusão: pacientes com lesão do nervo oculomotor
prévia à cirurgia, pupilas anisocóricas e/ou discóricas, tumor de órbita e/ou exoftalmia, craniotomia
prévia, procedimento cirúrgicos como trepanação,
biópsia estereotáxica e cirurgia por via transfenoidal
e pacientes com dreno subgaleal ou com fístula liquórica no pós-operatório.
No pré-operatório foram coletadas as variáveis:
sexo, idade e diagnóstico médico. No intra-operatório foram coletadas as variáveis: tipo de incisão
cirúrgica no couro cabeludo, tempo anestésico (em
horas) e tempo cirúrgico (em horas). No pós-operatório foram coletadas as variáveis: coleção subgaleal
(presente ou ausente); edema periorbital (presente
ou ausente); pálpebra acometida (bilateral ou unilateral); coloração do edema periorbital (ausente,
transparente, róseo, avermelhado ou arroxeado);
intensidade do edema periorbital (ausente, leve,
moderada ou intensa) e exame pupilar (realizado ou
não realizado).
As variáveis do pré-operatório foram coletadas
durante a admissão hospitalar. As variáveis do intra-operatório foram coletadas do prontuário do
paciente após admissão na UTI e as variáveis do pós
-operatório foram coletadas na UTI e na unidade
de internação.
A presença da coleção subgaleal foi avaliada
uma vez ao dia, durante a realização do curativo da incisão cirúrgica, do 1º ao 7º dia de pós
-operatório. A coloração do edema periorbital
foi classificada em transparente, quando o conteúdo era aquoso; róseo quando era serohemático, avermelhado quando a coloração era do tipo
sangue vivo e arroxeado quando a coloração era
arroxeada. A intensidade do edema foi avaliada
em ausente, leve quando o edema da pálpebra
não cobria a borda da íris, moderada quando
ultrapassava a borda da íris e intensa quando o
edema periorbital mantinha a pálpebra fechada.
(4)
O edema periorbital, a pálpebra acometida, a
intensidade e a coloração do edema palpebral foram avaliados desde a admissão do paciente na
UTI até o 3º dia de pós-operatório a cada 12
Torres AC, Siciliano ML, Diccini S
horas (0, 12, 24, 36, 48 60 e 72 horas) e do 3º
ao 7º dia de pós-operatório a cada 24 horas (96,
120, 144, 168, 192 horas). O exame pupilar foi
considerado realizado pelo enfermeiro quando o
mesmo conseguia abrir a pálpebra, na presença
ou na ausência do edema periorbital, e conseguia
avaliar o diâmetro e a fotorreação das pupilas.
Nas situações em que a enfermeiro abria parcialmente as pálpebras, mas não conseguia avaliar o
diâmetro e a fotorreação das pupilas ou quando
não conseguia abrir as pálpebras, o exame pupilar
foi considerado não realizado pelo enfermeiro.
O cálculo do tamanho da amostra foi baseado
em uma amostra piloto composta por 39 pacientes,
onde foi verificada a incidência de edema periorbital nas primeiras 24 horas do pós-operatório de craniotomia anterior. A incidência de edema periorbital no pós-operatório foi de 79,5%. Considerando
esse valor como a incidência de edema periorbital,
verificou-se que uma amostra de 100 pacientes produziria uma estimativa que se afastaria deste valor
por no máximo 8%, com 95% de intervalo de confiança. Esse tamanho de amostra foi suficiente para
estimar uma incidência de edema periorbital entre
71,5% a 87,5%, com um intervalo de confiança
de 95%.
A análise estatística foi realizada com o programa SPSS®, versão 14.0. As variáveis qualitativas
foram descritas como número (n) e porcentagem
(%). As quantitativas foram expressas por meio de
medidas de posição: mediana e pelos valores mínimos e máximos. A incidência de edema periorbital
foi calculada nas 192 horas de pós-operatório e seu
respectivo intervalo de confiança de 95%. Foram
utilizadas técnicas de análise de sobrevivência por
meio do método de Kaplan-Meier para estimar a
probabilidade de um paciente não apresentar edema periorbital por um período de tempo. Para verificar a associação entre o exame pupilar e os dados clínicos demográficos foi utilizado o teste QuiQuadrado. Nos casos em que pelo menos um dos
valores foi menor do que cinco, utilizou-se o teste
Exato de Fisher. A comparação entre as medianas
foi realizada através do teste de Mann-Whitney. Foi
considerado estatisticamente significante um valor
p < 0,05.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
Resultados
Dos 100 pacientes submetidos à craniotomia por
via anterior 61% eram do sexo feminino, com idade mediana de 45,5 anos, com variação de 18 a 82
anos. Quanto ao diagnóstico médico, 55% dos pacientes tinham tumor intracraniano, 28% epilepsia,
14% aneurisma intracraniano e 3% malformação
arteriovenosa.
No intra-operatório o tipo de incisão cirúrgica realizada no couro cabeludo foi a frontotemporal (46%), temporoparietal (11%), frontopariental
(10%), frontotemporoparietal (9%), frontal (8%),
parietal (8%), temporal (3%), hemicoronal e ¾ de
hemicoronal (2%) e bicoronal (1%). A mediana do
tempo anestésico foi de 7 horas, variando de 3,5 a
15,2 horas, enquanto que a mediana do tempo cirúrgico foi de 5,4 horas, variando de 2,2 a 13,8 horas.
Durante o pós-operatório a incidência de
edema periorbital nos pacientes submetidos à
craniotomia anterior foi de 80%. O pico do
edema periorbital ocorreu nas primeiras 12 horas de pós-operatório. Os intervalos de 24 horas
e 36 horas de pós-operatório foram os momentos em que o maior número de pacientes apresentou edema periorbital. A partir de 48 horas
de pós-operatório não ocorreram novos casos de
pacientes com edema periorbital. O tempo mediano para a resolução do edema periorbital foi
de 120 horas.
A figura 1 apresenta a distribuição dos pacientes
de acordo com o aparecimento do edema periorbital no pós-operatório de craniotomia anterior.
Dos 80 pacientes que apresentaram edema periorbital no pós-operatório, o enfermeiro não realizou o exame pupilar em 24 (30%) pacientes. Não
houve associação entre as variáveis: idade (p=0,24),
sexo (p=0,39), diagnóstico médico (p=0,46), tipo de
incisão cirúrgica (p=0,99), tempo cirúrgico (p=0,80)
e tempo anestésico (p=0,99) e a realização ou a não
realização do exame pupilar pelo enfermeiro.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12.
9
Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia
100
90
80
Paciente
70
60
50
40
30
20
Edema
periorbital
10
Ausente
Presente
0
0
12
24
36
48
60
72
84
96 108 120 132 144 156 168 180 192
Tempo de pós-operatório (horas)
Figura 1. Presença ou ausência de edema periorbital nos
pacientes no pós-operatório de craniotomia anterior
A figura 2 apresenta a probabilidade do enfermeiro de não realizar o exame pupilar nos pacientes
que apresentaram edema periorbital no pós-operatório de craniotomia anterior.
1,0
Na admissão do paciente na UTI, o risco de não
realizar o exame pupilar foi estimado em 1,3%; nas
primeiras 12 horas de pós-operatório foi de 8,7%;
nas 24 horas de pós-operatório foi de 20% e nas 36
horas de pós-operatório foi de 30%. Após 60 horas
de pós-operatório foi possível realizar o exame pupilar em todos pacientes mesmo com a presença do
edema periorbital.
A coloração do edema periorbital transparente predominou inicialmente da admissão da UTI
(tempo 0) até 12 horas de pós-operatório acometendo 82,2% e 63,5% dos pacientes, respectivamente.
Já o edema periorbital de coloração arroxeada foi
observado da admissão na UTI e predominou no
tempo 24 e 36 horas de pós-operatório com 38,9%
e 35% dos pacientes, respectivamente. O edema
periorbital intenso predominou nos tempos de 24
horas, 36 horas e 48 horas de pós-operatório.
A tabela 1 apresenta a análise das variáveis relacionadas ao edema periorbital como coleção subgaleal, pálpebra acometida, coloração e intensidade
do edema periorbital em relação ao exame pupilar
realizado ou não realizado pelo enfermeiro em pacientes submetidos a craniotomia anterior.
Em relação a coloração do edema periorbital,
houve maior proporção de pacientes com edema
periorbital de coloração arroxeada, entre aqueles
Tabela 1. Variáveis relacionadas ao edema periorbital em que o
exame pupilar foi realizado ou não realizado pelo enfermeiro nos
pacientes no pós-operatório de craniotomia anterior
0,9
0,8
Exame pupilar
70%
0,7
Edema periorbital
Não realizado
n(%)
Presente
20(35,7)
8(33,3)
Ausente
36(64,3)
16(66,7)
Unilateral
20(35,7)
7(29,2)
Bilateral
36(64,3)
17(70,8)
Transparente
19(33,9)
-
Róseo
9(16,1)
6(25,0)
Avermelhada
5(8,9)
2(8,3)
23(41,1)
16(66,7)
Coleção sugaleal
0,6
Probabilidade
Realizado
n(%)
0,5
0,3
0,1
0,0
Arroxeada
0
12
24
36
48
60
72
84
96
108 120 132 144 156 168 180 192
Figura 2. Curva de Kaplan-Meier em relação a probabilidade
do enfermeiro não realizar o exame pupilar nos pacientes com
edema periorbital no pós-operatório de craniotomia anterior
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12.
Leve
*
*
0,002**
Intensidade
Tempo de avaliação pupilar em horas
*
0,57
Coloração
0,2
10
0,84
Pálpebra acometida
0,4
p-value
<0,001**
6(10,7)
-
Moderada
33(58,9)
-
Intensa
7(30,4)
24(100,0)
Teste de Qui-Quadrado; **Teste Exato de Fisher
Torres AC, Siciliano ML, Diccini S
em que não foi possível realizar o exame pupilar.
Todos os pacientes em que o enfermeiro não realizou o exame pupilar apresentaram edema periorbital intenso.
Discussão
As limitações dos resultados deste estudo estão relacionadas a ausência de comparação entre grupos de
pacientes com edema periorbital, conscientes e com
alterações no nível de consciência, em relação ao
exame pupilar. Por outro lado, o método utilizado
permitiu um perfil de evolução do edema periorbital e a sua interferência no exame pupilar durante o
pós-operatório.
Os pacientes submetidos a abordagens neurocirúrgicas podem apresentar complicações neurológicas e sistêmicas no pós-operatório. As complicações
mais temidas após craniotomia são formação de
hematoma intracraniano no leito cirúrgico e edema cerebral devido ao trauma cirúrgico, com consequente aumento da pressão intracraniana.(5-10) A
realização do exame neurológico a beira-leito constitui uma das avaliações para a detecção precoce da
hipertensão intracraniana.
A coleção subgaleal é uma complicação da técnica cirúrgica, porém tem implicação no pós-operatório, devido à formação do edema periorbital.
Este por sua vez, pode dificultar a realização do
exame pupilar, durante o exame neurológico. Nas
primeiras horas de pós-operatório de craniotomia,
o paciente pode estar sob efeito da anestesia ou de
sedação, não sendo possível avaliar a consciência ou
aplicar a Escala de Coma de Glasgow.(11,12) Nesta situação, a avaliação pupilar torna-se parâmetro importante do exame neurológico.
Mesmo com o avanço das técnicas neurocirúrgicas persistem os problemas da formação da coleção
subgaleal e do edema periorbital, que podem trazer
consequências graves ao paciente. A coleção subgaleal pode causar dor, dificultar a aderência do couro
cabeludo ao plano osteomuscular e a cicatrização da
incisão cirúrgica. Caso a coleção subgaleal seja infectada, o paciente pode evoluir com infecção e deiscência da ferida cirúrgica, osteomielite e meningite.
O neurocirurgião pode colocar um dreno de sucção
no espaço subgaleal para prevenir a formação da
coleção subgaleal. Porém, este procedimento apresenta risco de complicações infecciosas e aumento
no custo cirúrgico. Por sua vez, o edema palpebral
prejudica a visão do paciente, causa dor,(1) prejudica
a higiene ocular e às vezes, provoca sua agitação.
A dificuldade na literatura foi encontrar estudos que avaliassem a formação do edema periorbital
em craniotomias anteriores e sua interferência no
exame pupilar. Em geral, o edema periorbital não
é considerado uma complicação pós-operatória,
quando ocorre a sua diminuição entre três a cinco
dias da cirurgia.(2)
A variação da incidência de edema periorbital
em craniotomias anteriores é ampla, de 2,8% a
100%.(2,3) Do total de pacientes avaliados 80% desenvolveram edema periorbital, desde a admissão na
UTI até 36 horas de pós-operatório. A partir de 48
horas de pós-operatório não foram avaliados novos
pacientes com edema periorbital. Resultados estes
são inéditos na literatura, em relação a evolução da
formação do edema periorbital.
Em 30% dos pacientes com edema periorbital,
não foi realizado o exame pupilar. Desde a admissão até as primeiras 24 horas de pós-operatório, a
probabilidade do enfermeiro não realizar o exame
pupilar variou de 1,3% a 20% dos pacientes. Estudo realizado no pós-operatório de craniotomia
eletiva avaliou que 1% dos pacientes permaneceram
inconscientes nas primeiras 24 horas de pós-operatório.(12) Na prática clínica, a perda dos parâmetros de avaliação da consciência e do exame pupilar
ao mesmo tempo, determinam uma dificuldade na
avaliação neurológica do paciente a beira-leito durante o pós-operatório.(13)
Cerca de 2% dos pacientes submetidos a craniotomia eletiva podem desenvolver hematomas intracranianos, com necessidade de uma nova abordagem cirúrgica. É importante ressaltar que a maioria
dos hematomas surge com menos de seis horas de
pós-operatório, com rápida e progressiva deterioração neurológica do paciente.(7,14-16) Neste período do
pós-operatório, os pacientes podem estar sob efeito residual da anestesia, o que prejudica a avaliação da consciência. Na presença de intenso edema
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12.
11
Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia
periorbital, o exame pupilar fica impossível de ser
realizado. A solicitação de uma tomografia computadorizada de crânio pode ser postergada, devido
à ausência de alterações neurológicas, o que pode
contribuir com o aumento da morbidade e mortalidade destes pacientes.
Medidas preventivas como curativo do tipo
compressivo cefálico e crioterapia poderiam diminuir a formação da coleção subgaleal e do edema
periorbital, respectivamente. Porém, não foram encontrados estudos clínicos na literatura sobre curativo cefálico, coleção subgaleal e edema periorbital.
Talvez pela razão, que a compressão excessiva do
curativo sobre a pele da região frontal ou do couro
cabeludo, seria um fator de risco para o desenvolvimento de úlceras por pressão.
Estudo clínico realizado em pacientes no pós
-operatório de craniotomia avaliou o efeito da crioterapia sobre a dor da ferida operatória, o edema
palpebral e a equimose facial. Foram avaliados 97
pacientes, sendo que 48 pacientes foram submetidos a crioterapia e 49 pacientes foram do grupo
controle. A crioterapia foi iniciada após 3 horas de
pós-operatório durante 20 minutos até o 3º dia de
pós-operatório. A crioterapia diminuiu a intensidade da dor, do edema periorbital e da equimose
facial ao longo do tempo. Porém, neste estudo não
foi feita nenhuma correlação entre a diminuição do
edema palpebral pela crioterapia e a realização do
exame pupilar.
Conclusão
12
Diccini S cooperou com concepção do projeto, execução da pesquisa, analise e interpretação dos dados
e redação do artigo.
Referências
1. Shin YS, Lim NYL, Sung-Cheol Y, Park KO. A randomised controlles
trial of the effects of cryotherapy on pain, eyelid oedema and facial
ecchymosis after craniotomy. J Clin Nurs. 2009; 18(21):3029-36.
2. Beseoglu K, Lodes S, Stummer W, Steiger H, Hänggi D. The
transorbital keyhole approach: early and long-term outcome analysis of
approach-related morbidity and cosmetic results. J Neurosurg. 2011;
114(3):852-6.
3. Hafez MM, Bary TH, Ismail AS, Mohammed MA. Frontolateral keyhole
craniotomy approach to anterior cranial base. ZUMJ. 2013; 19(1):919.
4. Kara CO, Gokalan I. Effects of single-dose steroid usage on oedema,
ecchymosis, and intraoperative bleeding in rhinoplasty. Plast Reconstr
Surg. 1999; 104(7):2213-8.
5. Beauregard CL, Friedman WA. Routine use of postoperative ICU care
for elective craniotomy: a cost-benefit analysis. Surg Neurol. 2003;
60:483-9.
6. Mutlu LK, Woiciechowsky C, Bechmann I. Inflammatory response after
neurosurgery. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2004; 18(3):407-24.
7. Chernov MF, Ivanov PI. Urgent reoperation for major regional
complications after removal of intracranial tumors: outcome and
prognostic factors in 100 consecutive cases. Neurol Med Chir (Tokyo).
2007; 47(6):243-8. discussion 248-9.
8. Bui JQH, Mendis RL, van Gelder JM, Sheridan MMP, Wright KM, Jaeger
M. Is postoperative intensive care unit admission a prerequisite for
elective craniotomy? J Neurosurg. 2011; 115(6):1236-41.
9. Hanak BW, Walcott BP, Nahed BV, Muzikansky A, Mian MK, Kimberly
WT, Curry WT. Postoperative intensive care unit requirements after
elective craniotomy. World Neurosurg. 2014; 81(1):165-72.
10. Hecht N, Spies C, Vajkoczy P. Routine intensive care unit - level care
after elective craniotomy: time to rethink. World Neurosurg. 2014;
81(1):66-8.
11.Dawes E, Durham L, Lloyd H. Monitoring and recording patients’
neurological observations. Nurs. Stand. 2007; 22(10):40-5.
O edema periorbital estava presente na maioria dos
pacientes no pós-operatório de craniotomia anterior e o exame pupilar não foi realizado em 30% dos
pacientes. A presença de intenso edema periorbital
e de coloração arroxeada foram características que
prejudicaram a realização do exame pupilar.
12.Xu M, Lei YN, Zhou JX. Use of cerebral state index to predict longterm unconsciousness in patients after elective craniotomy with delay
recovery. Neurology. 2011; 11(15):2-7.
Colaborações
Torres AC contribuiu com a concepção do projeto,
execução da pesquisa, analise e interpretação dos dados e redação do artigo. Siciliano MLIP colaborou
com a interpretação dos dados e redação do artigo.
15.Seifman MA, Lewis PM, Rosenfeld JV, Hwang PYK. Postoperative
intracranial haemorrhage: a review. Neurosurg Rev. 2011; 34(4):393407.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12.
13.Pritchard C, Radcliffe J. General principles of postoperative
neurosurgical care. Anaesth Intensive Care Med. 2008; 9(6):231-6.
14.Khaldi A, Prabhu VC, Anderson DE, Origitano TC. The clinical
significance and optimal timing of postoperative computed tomography
following cranial surgery. J Neurosurg. 2010; 113(5):1021-25.
16.Adelmann D, Klaus DA, Illievich UM, Krenn CG, Krall C, KozekLangenecker S, Schaden E. Fibrinogen but not factor XIII deficiency
is associated with bleeding after craniotomy. Br J Anaesth. 2014;
113(4):1-6.
Artigo Original
Crianças e adolescentes usuários
de substâncias no serviço de
emergência psiquiátrica
Children and adolescents who are substances users
in the psychiatric emergency service
Maraiza Mitie de Macedo Martins1
Jacqueline de Souza1
Aguinaldo Alves da Silva2
Descritores
Serviços de emergência psiquiátrica;
Drogas ilícitas; Adolescente; Criança
Keywords
Emergency services, psychiatric; Street
drugs; Adolescent; Child
Submetido
29 de Setembro de 2014
Aceito
30 de Outubro de 2014
Resumo
Objetivo: Descrever as características de crianças e adolescentes que utilizaram o serviço de emergência
psiquiátrica devido aos transtornos pelo uso de substâncias analisando a freqüência e desfechos dos
atendimentos.
Métodos: Estudo transversal realizado em serviço de emergência psiquiátrica sendo considerado o
atendimento aos menores de 18 anos correspondentes ao uso de substâncias.
Resultados: Foram realizados 4.198 atendimentos de emergência psiquiátrica para crianças e adolescentes.
Destes, 1.007 eram por problemas relacionados ao uso substâncias, com idade prevalente de 12 aos 17
anos, com predomínio da cor branca, cursando ensino fundamental, religião católica e policonsumo. A maioria
foi internada ou recebeu alta.
Conclusão: Foi possível caracterizar os atendimentos de emergência psiquiátrica, destacando a idade
precoce, o policonsumo e a não continuidade de tratamento como aspectos críticos.
Abstract
Objective: To describe characteristics of children and adolescents who used the psychiatric emergency service
because of disorders caused by substance use. We analyzed frequencies and care outcomes.
Methods: This cross-sectional study was carried out in a psychiatric emergency service. Care was delivered
to patients 18 years of age and younger who were substance users.
Results: We performed 4,198 cares delivered at a psychiatric emergency service for children and adolescents.
Of these, 1,007 were due to problems related to substance use. The prevalent age was 12 to 17 years. Most
participants were white, attended elementary education, were Catholic, and used multiple substances. The
majority of participants were hospitalized or discharged.
Conclusion: This study permitted characterization of psychiatric emergency services provided to children and
adolescents. Critical aspects were young age, use of multiple substances, and nonadherence to treatment.
Autor correspondente
Maraiza Mitie de Macedo Martins
Av. dos Bandeirantes, 3900, Ribeirão
Preto, SP, Brasil. CEP 14040-902
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500004
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Faculdade de Medicina de Marília, Marília, SP, Brasil
Conflitos de interesse: não há conflito de interesses a declarar.
1
2
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8.
13
Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica
Introdução
A emergência psiquiátrica pode ser descrita como uma
condição no qual o indivíduo apresenta uma necessidade de saúde mental intensificada, relacionada a um
distúrbio de pensamento, emoção ou comportamento,
necessitando de atendimento médico imediato para
evitar prejuízos maiores à saúde mental, física e social.(1)
A avaliação emergencial tem como objetivo identificar os riscos, os fatores desencadeantes e mantenedores, a presença de suporte familiar e social, bem como
a realização do diagnóstico diferencial.(2)
Os estudos sobre a utilização dos serviços de emergência psiquiátrica pelo público jovem têm destacado
que este setor pode ser a primeira e até mesmo a única
fonte de cuidado à saúde desta população,(1,3,4) logo se
constitui num importante local para a sensibilização
em relação ao consumo de substâncias, comportamentos de risco e consequências médicas e psicossociais.
Vale ressaltar que no caso das crianças e adolescentes, as informações sobre a utilização do sistema
de saúde bem como continuidade dos cuidados em
serviço de saúde mental de base comunitária é um
dos fatores essenciais para o bom prognóstico de
saúde e manutenção dos vínculos e laços sociais.(4,5)
Nas últimas décadas houve aumento da frequência
de utilização dos serviços de emergência psiquiátrica
por crianças e adolescentes. Este fato tem sido relacionado a diferentes fatores, como aumento da prevalência dos problemas de saúde mental nessa faixa etária,
dificuldade de acesso aos serviços de base comunitária
e estigma em relação aos problemas de saúde mental
nos demais serviços de saúde.(1,3,5,6)
A principal causa dos atendimentos de emergência psiquiátrica às crianças e adolescentes é o
comportamento agressivo que consiste num sinal
pouco específico, isto é, presente praticamente em
todos os diagnósticos psiquiátricos.(1,2)
Por outro lado, o abuso ou intoxicação por substâncias tem sido destacado também como importante preditor para utilização dos serviços de emergência psiquiátrica nesta população.(1,7)
Assim objetivou-se descrever as características
das crianças e adolescentes que utilizaram o serviço
de emergência psiquiátrica devido aos transtornos
pelo uso de substâncias analisando a freqüência e
14
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8.
desfechos desses atendimentos no Hospital das Clínicas de Marília–SP, no período de 2000 a 2011.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal descritivo exploratório realizado a partir de dados obtidos no Núcleo
Técnico de Informação do Hospital de Clínicas de
Marília, referentes ao período de 2000 a 2011 a população de pacientes menores de 18 anos de idade
com diagnóstico relacionado ao uso de substâncias.
Para coleta dos dados foi utilizado um roteiro
com os seguintes itens: características sociodemográficas, diagnóstico, ano do atendimento e desfecho (alta, internação, encaminhamento, retorno a
consulta no próprio pronto-socorro).
Os dados foram tabulados no Excel e foram realizados diferentes cruzamentos com auxílio do analista do
referido núcleo de informação. Estes dados foram organizados em tabelas e gráficos e as análises descritivas bem
como algumas medidas de dispersão empreendidas.
Em relação aos critérios diagnósticos utilizouse como parâmetro a Classificação Internacional de
Doenças - CID10, com os diagnósticos F10 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao álcool; F11
- Transtornos mentais e comportamentais devidos aos
opiáceos; F12 - Transtornos mentais e comportamentais devidos aos canabióides; F13 - Transtornos mentais
e comportamentais devidos aos sedativos; F14 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de
cocaína; F15 - Transtornos mentais e comportamentais
devidos ao uso de outros estimulantes, inclusive a cafeína; e F17 - Transtornos mentais e comportamentais
devidos ao uso de fumo; e F19 - Transtornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
Resultados
No período de 2000 a 2011 foram realizados 4.198
atendimentos de emergência psiquiátrica para crianças e
adolescentes no Hospital de Clínicas de Marília. Destes
Martins MM, Souza J, Silva AA
atendimentos, 1.007 foram por problemas relacionados
ao uso de substâncias, ou seja, 24% do total de atendimentos às crianças e adolescentes atendidos pela especialidade de saúde mental em urgência e emergência.
Todos esses atendimentos foram efetivados para
crianças e adolescentes dos três aos 17 anos e o perfil
destes sujeitos, de acordo com o referido pelo acompanhante está descrito na tabela 1.
Tabela 1. Distribuição dos atendimentos de acordo com o perfil
sociodemográfico dos usuários
Características
n(%)
Características
Gênero
n(%)
Masculino
731(72,6)
Ensino Fundamental
Feminino
275(27,3)
Ensino Médio
121(12)
Nível Superior
3(0,3)
3 a 5 anos
6(0,6)
Nenhum
51(5,1)
5(0,5)
Não informado
9(0,9)
9 a 11 anos
3(0,3)
Religião
12 a 14 anos
126(12,5)
Católico
751(74,6)
15 a 17 anos
867(86,1)
Evangélico Protestante
186(18,5)
Espírita
14(1,4)
Branco
730(72,5)
Ateu
04(0,4)
Pardo
208(20,6)
Outro
05(0,5)
Negro
66(6,5)
Nenhum
15(1,5)
Amarelo
2(0,2)
Não informado
32(3,2)
Não informado
1(0,1)
*Refere-se ao nível que o paciente estava cursando no momento do atendimento
Fonte: Núcleo Técnico de Informação do Hospital das Clínicas. Marília-SP, 2012.
A distribuição dos referidos atendimentos de acordo com os diagnósticos são apresentados na tabela 2.
Tabela 2. Atendimentos realizados aos menores de 18 anos
de acordo com CID10 relacionados ao uso de substâncias nos
respectivos anos
CID
Internação Encaminhamento Retorno
n(%)
n(%)
n(%)
Alta
n(%)
Sem
Total
informação
n(%)
F10
31(7,30)
12(6,7)
5(2,8)
131(73,0)
1(0,5)
180
F12
14(22,0)
5(7,8)
2(3,1)
42(65,6)
1(1,6)
64
F11/13
F15/17/18
7(41,2)
2(11,7)
1(5,9)
6(35,3)
1(5,9)
17
180
F14
64(35,5)
12(6,6)
9(5,0)
90(50,0)
5(2,7)
F19
196(34,6)
36(6,3)
23(4,6)
306(54)
5(0,9)
566
Subtotal
312(31,0)
67(6,6)
40(4,0)
575(57,1)
13(1,3)
1007
Fonte: Núcleo Técnico de Informação do Hospital das Clínicas. Marília-SP, 2012.
823(81,7)
6 a 8 anos
Cor
Desfecho
CID
Discussão
Escolaridade*
Faixa etária
Tabela 3. Distribuição dos desfechos dos atendimentos de
acordo com os diagnósticos
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total
F10
18
14
20
33
18
25
12
8
11
5
5
11
180
F11
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
1
0
2
F12
4
4
9
4
6
2
7
8
2
5
0
13
64
F13
2
1
1
0
0
0
0
1
0
1
0
1
7
F14
24
12
21
10
7
9
10
8
11
16
21
31
180
F15
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
F17
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
1
F18
1
1
0
1
1
0
1
0
1
0
0
0
6
F19
31
42
68
42
32
28
39
75
55
48
37
69
566
Total
81
75
120
90
64
64
69
100
80
74
65
125 1.007
Fonte: Núcleo Técnico de Informação do Hospital das Clínicas. Marília-SP, 2012.
A média de atendimentos foi de 84 por ano.
Quanto aos desfechos, sua distribuição é apresentada
na tabela 3.
Por se tratar de um estudo quantitativo utilizando
dados secundários, apontamos como limites do estudo, em primeiro lugar a impossibilidade de delimitar a fidedignidade dos registros que compõem
a base de dados do Núcleo Técnico de Informação.
Em segundo lugar, destaca-se que os atendimentos por overdose não estão computados nos dados
apresentados por serem consideradas emergências
clínicas decorrentes de intoxicação, isto é, na base
de dados consultada não são discriminadas as intoxicações decorrentes especificamente do uso de
substâncias psicoativas.
Ressalta-se, no entanto que os resultados do presente estudo contribuem com informações extremamente importantes para o contexto das políticas e
práticas em saúde relacionadas ao uso de substâncias
que consiste numa prioridade de saúde pública atual.
O estudo fornece um panorama sobre a emergência
desta problemática entre os adolescentes apontando
a dimensão desta demanda no âmbito das emergências psiquiátricas, os diagnósticos mais prevalentes
bem como a faixa etária mais crítica destes jovens.
Considerando o papel central da enfermagem
nestes setores, os resultados possibilitarão uma reflexão crítica sobre a sua responsabilização em relação
às possíveis atividades preventivas, a adequação do
cuidado de enfermagem a essa clientela e, sobretudo
sua responsabilidade em relação ao desfecho destes
atendimentos.
A quantidade de atendimentos aos menores de
18 anos com demandas decorrentes de uso de substâncias corresponde a 24% do total de atendimentos
de emergência psiquiátrica a crianças e adolescentes
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8.
15
Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica
pela equipe do pronto socorro estudado. Esse número é expressivo considerando a fase de vida dessa clientela que está sujeita a influências no modo
de viver devido as alterações biológicas, cognitivas,
emocionais e sociais que predominarão os futuros
hábitos de vida adulto.(1,4)
A maioria dos adolescentes e jovens que fazem
uso abusivo de drogas tem múltiplos antecedentes psicossociais como dificuldade de aprendizado,
conflitos familiares e problemas sociais, além disso,
o uso de substâncias nessa faixa etária está, muitas
vezes, associado a algumas comorbidades psiquiátricas como a depressão, transtornos ansiosos que
conjuntamente com o abuso de drogas são considerados importantes fatores de risco de suicídio entre
estes jovens.(8-10)
Os anos que apresentaram maior número de atendimentos desta demanda, nos 12 anos analisados, foram: 2011, 2002, 2007 e 2003 com respectivamente
125, 120, 100 e 90 atendimentos (tabela 2). Esse aumento no número de atendimentos pode estar relacionado a diversos aspectos como aumento do número de
dependentes de uma forma geral, melhoria de acesso,
ineficiência dos dispositivos de caráter comunitário ou
ainda reflexo da maior visibilidade dada à questão das
drogas pelas políticas públicas.
Estudo desenvolvido no Reino Unido descreve um aumento de atendimentos psiquiátricos nas
unidades de emergência e apontam o abuso de drogas como segunda principal demanda, seguida das
tentativas de suicídio.(11) Alguns autores(2,12,13) descrevem que o padrão de consumo tem aumentado
nos últimos anos e que, por exemplo, no caso do álcool, as unidades de emergência têm recebido cada
vez mais pacientes nessa faixa etária com problemas
relacionados ao alto consumo (overdose, intoxicação alcoólica, ferimentos).
Nesta perspectiva, considera-se que os serviços
de emergência têm um papel fundamental na detecção precoce dos problemas relacionados ao uso
abusivo de drogas entre adolescentes e faz-se necessário o desenvolvimento de protocolos efetivos de
atuação nestes serviços incluindo a conduta a ser
adotada, fluxos de referência e contra-referência e
atenção especial aos fatores psicossociais inerentes a
esta demanda.(5,12)
16
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8.
Em relação à idade e gênero prevalentes no presente estudo condizem com os resultados de outros
estudos, em relação ao consumo de substâncias entre adolescentes.(4,9,14) Dentre os pesquisados, a idade com o maior número de atendimentos é 16 anos,
com 617 atendimentos, seguidos por 134 aos 15
anos e 116 aos 17 anos.
Vale ressaltar que a idade de experimentação de
drogas ilícitas ocorre com maior prevalência aos 13
e 14 anos entre as meninas e a partir dos 15 anos entre os meninos.(9,14) As razões associadas ao consumo
destas substâncias entre esses adolescentes são obtenção de prazer, adequação às atitudes e valores do
grupo de pares e diminuição das preocupações cotidianas; descreve-se ainda que muitos desses jovens
têm um histórico prévio de maus-tratos e negligência na infância e/ou pais dependentes de álcool e ou
outras drogas.(8,10,15) Cabe ressaltar que possuir pais
usuários de substâncias é descrito por alguns autores
como um fator associado com maior frequência de
uso dos serviços de emergências pelas crianças.(15)
De acordo com os resultados prevaleceram os
atendimentos aos adolescentes entre 12 e 17 anos
de idade, correspondendo com a faixa de escolaridade, entre o 1º e o 2º grau (conforme tabela 1), no
entanto cabe ressaltar as possíveis consequências do
uso no desempenho escolar dos sujeitos dessa faixa
etária. Muitos estudos têm apontado a relação entre
o consumo destas substâncias e a defasagem e ou
evasão escolar.(9,11,16,17)
Em relação à religião a que pertencem, observou-se que 74,6% se consideram católicos, seguidos
por 18,5% de evangélicos/protestantes. Convém
destacar que no Brasil ao referir uma religião específica não significa necessariamente a efetivação da
prática religiosa.
Alguns estudos questionam a efetividade da religião enquanto fator protetor(18,19) o que de fato corrobora os resultados do presente estudo que aponta
que a maioria dos sujeitos proferem uma religião,
no entanto estão em situação de dependência.
Destaca-se que as normas éticas e sociais
apreendidas nos diferentes contextos diários se
conformam numa espécie de “espiritualidade” capaz de fazer uma contenção moral em relação aos
estilos de vida insalubre.(18,19)
Martins MM, Souza J, Silva AA
De acordo com a tabela 2 os diagnósticos de
maior prevalência no período de 12 anos foram
respectivamente: F19 - Transtornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de múltiplas
drogas; F10 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao álcool; F14 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína
e F12 - Transtornos mentais e comportamentais
devidos aos canabióides.
Alguns autores descrevem que a combinação
mais utilizada sempre envolve o álcool, no entanto
tal combinação, bem como o padrão de consumo
pode variar de acordo com a região geográfica destacando-se como principais drogas de poli consumo
a maconha, cocaína e o tabaco.(9,14)
A pedra de crack é a mais utilizada tanto por
homens como por mulheres, por ser mais barata
e mais fácil de combinar, principalmente com a
maconha e o tabaco. A maconha está entre as favoritas para as misturas em função do baixo preço, facilidade de adquirir e pelas várias formas de
ser consumida.(14)
De um modo geral estas combinações são feitas
visando aumentar a experiência psicoativa e/ou com
o intuito de que a segunda substância consumida
contrabalanceie os efeitos negativos da primeira
droga.(9,14,18) Assim depreende-se que os adolescentes podem estar em busca de combinações entre as
drogas para melhorar seu efeito ou expandir as formas particulares de consumo.
Outro resultado relevante do presente estudo é
o número dos atendimentos de emergência decorrente do consumo de álcool que assume o segundo
lugar, seguido pelo uso de cocaína. Tendo em vista
que o álcool é uma droga lícita de fácil acesso, consumida tanto por adultos quanto por adolescentes e
com aceitação social. Isso sinaliza que as estratégias
de redução da oferta e demanda provenientes das
atuais políticas de álcool e drogas carecem de medidas que garantam sua consolidação.
Em relação aos desfechos, observou-se que a
maioria são altas hospitalares e internações, isto
é, há um percentual mínimo de encaminhamentos para outros serviços. Tal resultado demonstra a
pouca atuação deste setor como porta de entrada da
rede de atenção psicossocial, principalmente por se
tratar de transtornos de curso crônico que requerem
o acompanhamento, seja em serviços especializados
ou na atenção primária com retaguarda psiquiátrica.
Alguns estudos têm destacado que os serviços
de emergência psiquiátrica tem o papel de viabilizar
o acesso ao sistema de saúde mental,(1,4) no entanto
este tipo de conduta de não encaminhamento corrobora o aumento de pessoas diagnosticadas sem
tratamento, cronificando e/ou aumentando a gravidade do transtorno e suas consequências.
Conclusão
A partir deste estudo foi possível caracterizar as
crianças e adolescentes que utilizaram o serviço
de emergência psiquiátrica devido aos transtornos
pelo uso de substâncias. Tratam-se principalmente
de jovens entre 12 e 17 anos sendo a maioria com
diagnóstico de policonsumo. Quanto à frequência
de atendimentos destacou-se o ano de 2011 com
125 atendimentos. Identificou-se também os diferentes desfechos destes atendimentos, destacando
as implicações do reduzido número de encaminhamentos dificultando a continuidade dos cuidados
destes pacientes.
Colaborações
Martins MMM contribuiu com a concepção do
projeto, coleta, análise e interpretação dos dados, redação, revisão do artigo e aprovação final
da versão a ser publicada. Souza J colaborou na
orientação/concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, revisão do artigo e aprovação
final da versão a ser publicada. Silva AA cooperou
na coleta dos dados e aprovação final da versão a
ser publicada.
Referências
1. Lindsey MA, Joe S, Muroff J, Ford BE. Social and clinical factors
associated with psychiatric emergency service use and civil
commitment among African-American youth. Gen Hosp Psychiatry.
2010; 32(3):300-9.
2. Scivoletto S, Boarati MA, Turkiewicz G. Emergências psiquiátricas na
infância e adolescência. Rev Bras Psiquiatr. 2010; 32(2): S112-S120.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8.
17
Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica
11. Bolton J. Psychiatry in the emergency department. Psychiatry. 2009;
8(6):185-8.
4. Matsu CR, Goebert D, Chung-Do JJ, Carlton B, Sugimoto-Matsuda J,
Nishimura S. Disparities in psychiatric emergency department visits
among youth in Hawai, 2000-2010. J Pediatr. 2013; 162(3):618-23.
12. Costa JLM, Troncoso ES, Gallego MP, Maza VTS, Barcenilla AC, Cubells
CL, et al. Perfil de los adolescentes que acuden a urgencias por
intoxicación enólica aguda. An Pediatr (Barc). 2012; 76(1):30-7.
5. Chun TH, Katz ER, Duffy SJ. Pediatric mental health emergencies and
special health care needs. Pediatr Clin North Am. 2013; 60(5):1185201.
13.Lacruz AIG, Lacruz MG. Does alcohol consumption reinforce mental
problems in adolescence? J Socio-Economics. 2010; 39(2):223-32.
6. Vandenbroeck P, Dechenne R, Becher K, Eyssen M, Van den Heede
K. Recommendations for the organization of mental health services
for children and adolescents in Belgium: use of the soft systems
methodology. Health Policy. 2014; 114(2-3):263-8.
7. Aagaard J, Aagaard A, Buus N. Preditors of frequent visits to a
psychiatric emergency room: a large-scale register study combined
with a small-scale interview study. In J Nurs Stud. 2013; 51(7):100313.
8. Mirza KA, Mirza S. Adolescent substance misuse. Psychiatry. 2008;
7(8):357-62.
9. López TH, Fernández JR, Frutos AJ, Rodríguez CM, Sánchez-Garnica
DE, Álvarez MT P. La edad de inicio en el consumo de drogas, un
indicador de consumo problemático. Intervención Psicosocial. 2009;
18(3):199-212.
10.Rojas D. Una mirada al consumo de sustancias psicoactivas en los
adolescentes colombianos. Universidad de la Sabana; 2012 [citado
2013 Jan 20]. Disponível em: http://intellectum.unisabana.edu.
18
co:8080/jspui/bitstream/10818/4627/1/130811.pdf.
3. Chun TH, Duffy SJ, Linakis JG. Emergency department screening for
adolescent mental health disorders: The who, what, when, where, why
and how it could and should be done. Clin Ped Emerg Med. 2013;
14(1):3-11.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8.
14. Murillo L. El policonsumo de las drogas ilícitas en los adolescentes de
Hogares Crea de Barba de Heredia y Cartago. Rev Actual en Costa
Rica. 2013; (24):1-13.
15. Cheng TC, Lo CC. The roles of parenting and child welfare services in
alcohol use by adolescents. Child Youth Serv Rev. 2010; 32(1):38-43.
16. Glaser DJ. Teenage dropouts and drug use: does the specification of
peer group structure matter? Econom Educ Rev. 2009; 28(4):497504.
17.Prisciandaro JJ, Rembold J, Brown DG, Brady KT, Tolliver BK. Drug
predictors of clinical trial dropout in individuals with co-occurring
bipolar disorder and alcohol dependence. Drug Alcohol Depend.
2011; 118(2-3):493-6.
18.King M, Marston L, McManus S, Brugha T, Meltzer H, Bebbington P.
Religion, spirituality and mental health: results from a national study of
English households. Br J Psychiatry. 2013; 202(1):68-73.
19.Neymotin F, Downing-Matibag TM. 52: 550-69. Religiosity and
adolescents’ involvement with both drugs and sex. J Relig Health.
2013;52(2):550-69.
Artigo Original
Opinião dos profissionais de saúde sobre
os serviços de controle da tuberculose
Health professionals’ opinion about services for tuberculosis control
Hellen Pollyanna Mantelo Cecilio1
Ieda Harumi Higarashi1
Sonia Silva Marcon1
Descritores
Tuberculose/epidemiologia; Avaliação
de serviços de saúde; Enfermagem
de atenção primária; Enfermagem de
saúde pública; Pesquisa em avaliação
de enfermagem
Keywords
Tuberculosis/epidemiology; Health
services evaluation; Primary care
nursing; Public health nursing; Nursing
evaluation research
Submetido
26 de Julho de 2014
Aceito
20 de Agosto de 2014
Resumo
Objetivo: Analisar, na perspectiva dos profissionais de saúde, o desempenho dos serviços de controle a
tuberculose em relação ao enfoque na família e a orientação para comunidade.
Métodos: Estudo transversal que incluiu 134 profissionais de saúde da atenção primária. Para cada variável
foi determinado um escore médio, posteriormente, submetido à análise de variância.
Resultados: A dimensão enfoque na família obteve escore satisfatório e apenas a “variável entrega do pote de
exame de escarro aos comunicantes” foi classificada como regular. A dimensão orientação para a comunidade
foi classificada como insatisfatória, porém a “realização de trabalhos educativos” e a “busca de sintomáticos
respiratórios na comunidade” atingiram escore regular.
Conclusão: De acordo com os profissionais, o desempenho dos serviços de saúde para o controle da
tuberculose em relação ao enfoque na família é satisfatório, porém as ações de orientação para a comunidade
são insatisfatórias.
Abstract
Objective: To analyze, based on the perspective of health professionals, the performance of services for
tuberculosis control in relation to focus on family and community guidance.
Methods: This cross-sectional study included 134 primary care health professionals. For each variable a
mean score was determined, and the results were then submitted to analysis of variance.
Results: The dimension of focus on family had a satisfactory score, and only the variable “giving a sputum
test container for contacts” was classified as fair. The dimension “community guidance” was classified as
unsatisfactory; however, the dimensions “performance of educational actions” and “looking for respiratory
symptoms in the community” were scored as fair.
Conclusion: According to professionals, the performance of health services in tuberculosis control with relation
to focus on family is satisfactory, but guidance actions for the community are unsatisfactory.
Autor correspondente
Hellen Pollyanna Mantelo Cecilio
Avenida Colombo, 5.790, Maringá, PR,
Brasil. CEP: 87020-900
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500005
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25.
19
Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose
Introdução
A tuberculose é uma doença curável e, no Brasil,
apresenta elevada taxa de mortalidade quando comparada aos países desenvolvidos.(1) Estima-se que
um em cada quatro brasileiros esteja infectado com
o bacilo causador da doença. No estado do Paraná,
localizado na região sul do país, a taxa de incidência
foi de 22,9/100.000 habitantes em 2010, sendo o
local responsável por 3,4% dos casos novos registrados no país.(2)
Para controle da doença, as equipes de saúde
reorganizaram a assistência com o desenvolvimento
de ações como: busca ativa de sintomáticos respiratórios, solicitação de exames para diagnóstico nos
comunicantes, registro de informações, tratamento supervisionado e alta dos pacientes. Além disso, devem incorporar a família no tratamento dos
pacientes com tuberculose, prestar orientação educacional para a comunidade e mobilizar a população de sua área adstricta para o controle da doença,
considerando a necessidade de criar alternativas
voltadas para a prática de saúde participativa, coletiva, integral, vinculada à realidade da comunidade
e capaz de ultrapassar as fronteiras das unidades de
saúde.(3,4)
Diante do exposto, este estudo teve por objetivo
analisar, na perspectiva dos profissionais de saúde, o
desempenho dos serviços de controle da tuberculose
em relação ao enfoque na família e a orientação para
a comunidade.
Métodos
Estudo transversal realizado no âmbito da 15ª Regional de Saúde do Paraná. O estado do Paraná,
localizado na região sul do Brasil, possui 399 municípios, agrupados em 22 regionais de saúde que
atuam como instâncias administrativas intermediárias da Secretaria Estadual de Saúde.
A população do estudo foi composta por enfermeiros e médicos que atuavam no controle da tuberculose, no âmbito das unidades básicas de saúde
e dos ambulatórios de referência. O critério de inclusão foi ser funcionário municipal há no mínimo
20
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25.
seis meses. Os critérios de exclusão foram estar em
férias, licença ou atestado médico no período de coleta dos dados.
De acordo com o setor de Vigilância Epidemiológica da Regional de Saúde, atuavam em ações de
controle da tuberculose 231 profissionais de saúde,
dos quais dez estavam de licença ou férias, sete afastados por motivo de saúde e 23 contratados há menos de seis meses, resultando em 191 profissionais.
Definiu-se o número de profissionais a serem incluídos no estudo considerando-se um erro de estimativa de 5% e confiabilidade e precisão da amostra
em 95%, acrescidos de 10% para possíveis perdas,
resultando em 134 profissionais, selecionados aleatoriamente por amostragem estratificada em blocos
(categoria profissional e município).
Os dados foram coletados no período de junho a setembro de 2013, por meio de entrevista
realizada no local de trabalho, previamente agendada por telefone, utilizando parte do instrumento Primary Care Assessment Tool, adaptado para
ações de controle da tuberculose no Brasil. As opções de respostas são apresentadas em escala tipo
Likert, com valores entre zero e cinco, em que
o valor zero corresponde a resposta “não sei” ou
“não se aplica” e os valores de um a cinco indicam
o grau de concordância com as afirmações.
Os dados foram digitados em planilha eletrônica do Microsoft Excel® 2010, com dupla entrada
e analisados com o Software Statistical Package for
the Social Sciences®. Para análise descritiva dos dados
determinou-se um escore médio de cada questão,
resultante da somatória das respostas de todos os
participantes, dividido pelo total de respondentes
e classificado em: insatisfatório (menor ou igual a
três), regular (maior que três e menor que quatro) e
satisfatório (maior ou igual a quatro).
Para avaliar o enfoque na família e orientação para a comunidade, os dados referentes às
variáveis que satisfizeram as pressuposições de
independência, homocedasticidade e normalidade, foram submetidos à análise de variância, com
o uso do teste F. As variáveis que não atenderam
esses critérios foram analisadas utilizando o teste Kruskall-Wallis. Em todos os testes adotou-se
nível de significância estatística de 5%. A confia-
Cecilio HP, Higarashi IH, Marcon SS
bilidade do questionário foi verificada por meio
do Alfa de Cronbach (0,84).
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
Resultados
Participaram do estudo 134 profissionais de saúde,
sendo 78 (58,2%) enfermeiros e 56 (41,8%) médicos,
dos quais 56,7% possuíam o título de especialista e
3,7% o de mestre. A maioria (94,8%) atuava na Estratégia Saúde da Família e os demais em Ambulatório de
Referência para Tuberculose; o tempo de atuação na
mesma função variou de seis meses a quarenta anos,
com média de 9,66±8,33 anos. A maioria (66,4%)
atuava em ações de controle da tuberculose, há quatro anos ou mais; menos da metade (46,3%) realizou
educação permanente em saúde especificamente para
as ações de controle da tuberculose e 53% recebeu treinamento específico no serviço. Contudo, 59% consideram-se qualificados para atender estes casos.
Observa-se na tabela 1 que a dimensão enfoque
na família obteve escore médio de 4,58±0,451, classificado como satisfatório e não apresentou diferença
estatisticamente significativa entre as categorias profissionais, com exceção à variável “conhece quem mora
com os doentes”; a variável “entrega pote de exame de
escarro aos comunicantes” foi classificada como regular por médicos e satisfatória por enfermeiros.
Tabela 1. Indicadores do enfoque na família
Enfermeiros
Médicos
Media ± DP
Media ± DP
Pergunta sobre as condições de vida
4,73±0,767
4,63±0,983
0,486
Conhece quem mora com os doentes
4,83±0,495
4,59±0,757
0,032*
Pede informação das enfermidades de
quem mora com os doentes
4,58±0,933
4,70±0,685
0,417
Investiga a doença em quem mora com
os doentes
4,82±0,503
4,82±0,543
0,992
Entrega pote de exame de escarro aos
comunicantes
4,04±1,418
3,82±1,515
0,397
Fala com a família sobre a doença
4,68±0,814
4,73±0,618
0,685
Fala com a família sobre o tratamento
4,69±0,778
4,73±0,587
0,747
Fala com a família sobre outros
problemas de saúde
4,41±1,050
4,43±0,988
0,919
Variáveis
Enfoque na família
*Valores de p<0,05; DP – Desvio Padrão
p-value
0,598
A dimensão Orientação para a Comunidade
atingiu escore médio de 2,47±0,949, classificada
como insatisfatória e não apresentou diferença estatisticamente significativa entre as categorias profissionais. As variáveis com melhor classificação foram
“propaganda/campanha/trabalho educativo para informar a comunidade” e “realiza busca de sintomáticos respiratórios na comunidade”, que alcançaram
escore regular (Tabela 2).
Tabela 2. Indicadores de orientação para a comunidade
Enfermeiros
Médicos
Media ± DP
Media ± DP
Serviço responde as necessidades
1,59±1,232
1,61±1,317
0,938
Propaganda/campanha/trabalho
educativo para informar a comunidade
3,36±1,299
3,52±1,537
0,458
Parceria para identificar sintomáticos
respiratórios
2,46±1,601
2,43±1,704
0,909
Discute problema da Tb junto com
representante da comunidade
1,47±1,041
1,70±1,320
0,405
Realiza busca de sintomáticos na
comunidade
3,40±1,622
3,29±1,745
0,704
Variáveis
Orientação para a comunidade
p-value
0,762
DP – Desvio Padrão
Discussão
Os limites desta pesquisa referem-se à investigação apenas da perspectiva de médicos e enfermeiros, que pode ser divergente do ponto de vista de
outros profissionais, dos doentes em tratamento e
também dos gestores. Contudo, a seleção aleatória fortalece os resultados permitindo inferir que
esta é a opinião dos profissionais sobre a realidade
da assistência prestada aos pacientes com tuberculose nestes municípios, relacionada ao enfoque na família e orientação para a comunidade.
O fato de não haver diferenças significativas na
perspectiva de médicos e enfermeiros em relação
aos aspectos investigados, constitui indicativo da
existência de integração entre a equipe, que reconhece praticamente as mesmas fortalezas e fragilidades da atenção ao paciente com tuberculose.
Tendo em vista que o enfoque na família e a
orientação para a comunidade constituem pilares
importantes para o controle da doença, os resultados
encontrados permitem refletir sobre as deficiências
dos serviços. Nessa perspectiva, como o enfermeiActa Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25.
21
Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose
ro é o profissional efetivamente inserido nas ações
de controle da tuberculose e também responsável
pela coordenação da equipe, detém papel crucial na
articulação e integração das práticas de cuidado.(5)
Assim, é o profissional com maior possibilidade de
ampliar a eficácia das ações e de favorecer a participação do usuário e da família no cuidado. Destarte, conhecer como os profissionais e, em especial,
os enfermeiros avaliam as necessidades de melhoria
nas ações de controle da tuberculose permitirá saber, por exemplo, que estas não são isoladas e nem
limitadas a um contexto específico, o que poderá
desencadear esforços(5) que resultem na implementação de estratégias capazes de favorece o enfoque
na família e a orientação para a comunidade.
Considerar a participação da família no plano
de cuidados é imprescindível, visto que é nela que
o paciente encontra forças e apoio para sua reabilitação e terapêutica.(6) Assim, faz-se necessário reconhecer e considerar os aspectos sociais, econômicos
e familiares, buscando a autonomia e a corresponsabilidade do cuidado em saúde.(7) Os profissionais
participantes deste estudo demonstraram que coadunam desta opinião, já que o enfoque na família
obteve escore satisfatório. Ressalta-se que, embora
ainda existam falhas na integração usuário, família e
equipe, as ações de controle da tuberculose e acompanhamento do doente, em geral, são desenvolvidas
em conjunto com a família.
Em um estudo realizado na China identificouse que, apesar de muitos doentes terem consciência
sobre a possibilidade de cura da tuberculose, ficavam desapontados e desestimulados na ocasião do
diagnóstico, por temerem a represália da família.
Por este motivo, protelavam o início do tratamento, ou até mesmo, omitiam o diagnóstico para seus
familiares.(8) Contudo, no caso específico da tuberculose, é essencial que os profissionais de saúde conheçam e investiguem todos os membros da família
e os possíveis contatos,(9) além de fazer orientações
sobre a doença e o tratamento, de forma que a família saiba o que está acontecendo e possa auxiliar o
doente. Prova disto é que estudo realizado na Espanha constatou que não morar com a família constituiu um dos principais fatores para a não adesão ao
tratamento.(7)
22
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25.
No que tange a transmissão da doença, os dados
sinalizam contradição entre as respostas, visto que
os profissionais alegaram investigar a doença nos
comunicantes, mas a variável “entrega do pote para
realização do exame de escarro” obteve escore apenas regular, denotando que esta ação não é realizada
com a frequência necessária. Estudo de meta-análise
identificou que apesar da investigação, ainda falta
sistematização no monitoramento e controle dos
comunicantes, visto que apresentam maior risco de
exposição que a população em geral, estabelecendo
assim, a avaliação dos contatos como atividade prioritária para a diminuição da incidência da doença.(9)
Considerando que o doente convive com outras
pessoas, a Organização Mundial da Saúde recomenda a profilaxia, registro e controle dos contatos
como estratégia prioritária para detecção de novos
casos, incluindo a solicitação de exames para investigação nos comunicantes. (10,11) O profissional de
saúde precisa explicar claramente a forma de realização do exame e sua importância para doentes e
comunicantes, contribuindo para a eliminação da
doença na comunidade. Para tanto, o profissional
precisa ter conhecimento sobre a doença, de forma
que o doente confie nas suas orientações.(12)
Consensual a esta recomendação, o Programa
Nacional de Controle da Tuberculose prevê que
a atenção primária seja a principal fonte de diagnóstico da doença,(10,13) já que conta com a Estratégia Saúde da Família como parceira na identificação dos sintomáticos respiratórios e acompanhamento das famílias. Inclusive prevê que, nas
visitas domiciliares, ao detectarem a presença de
sintomáticos ou outros comunicantes, os agentes
comunitários devem encaminhá-los aos serviços
de saúde para investigação da doença, primando
pela descentralização e facilitando o acesso dos
doentes.(14)
Em relação à dimensão Orientação para a Comunidade, os escores foram classificados como insatisfatórios por médicos e enfermeiros, visto que
tais ações não acontecem com a frequência e regularidade necessárias. Isto aponta a necessidade de os
profissionais de saúde incorporarem ao processo de
trabalho, ações voltadas para a sensibilização e participação dos usuários e da sociedade organizada,(15,16)
Cecilio HP, Higarashi IH, Marcon SS
nas discussões locais de controle da doença, tornando possível assim, avaliar não só o serviço prestado,
como também levantar as necessidades de saúde da
população.(17)
Os profissionais demonstraram também, considerar relevante a realização de propagandas,
campanhas e trabalhos educativos para informar
a comunidade sobre a doença; pois apesar de ser
uma doença conhecida, muitas pessoas, inclusive
profissionais de saúde, não a distinguem de fato,
o que os leva, conforme evidenciado neste estudo, a banalizar os sintomas, atrasando o diagnóstico e postergando o início do tratamento.
Ainda como estratégia para o controle da
doença, destaca-se que os profissionais de saúde
devem mobilizar a comunidade para identificar
os “tossidores crônicos” nas famílias, clubes, igrejas e encaminhá-los para a realização do exame de
escarro, desenvolvendo atividades fundamentais
para a saúde da comunidade.(18) De fato, a participação da comunidade é fundamental para o diagnóstico precoce, adesão ao tratamento e redução
das taxas de abandono, além de incentivar a luta
contra o estigma e o preconceito que permeiam
a doença.(19)
Deste modo, a comunidade não precisa apenas
ser esclarecida sobre o que é a doença e como ela é
transmitida, mas, também, da sua corresponsabilidade em seu controle, de forma que seja informada,
comunicada e orientada por meio da educação em
saúde, sobre a doença e sua prevenção, de maneira
eficiente pelas equipes de saúde, efetivando o trabalho interdisciplinar.(9,18)
Os profissionais apontaram que a realização
de parcerias sociais para a identificação dos sintomáticos respiratórios é insuficiente e provavelmente descontínua. Estudo realizado em Barcelona evidenciou que, em geral, ações que reforcem
a resposta do doente e incentivam a participação
da comunidade são mais efetivas, principalmente
se mediadas pelos agentes comunitários, que são
integrantes da própria comunidade e transmitem
confiança para a população.(20) Neste sentido, o
não desenvolvimento de ações de controle da tuberculose pelos profissionais de saúde que envolvem a comunidade e nem ações de educação em
saúde ou orientação sobre a doença e sua prevenção, sem dúvida, prejudica o controle da doença.
Referente à solicitação da participação da comunidade para discutir sobre o problema da tuberculose, este indicador apresenta-se preocupante, visto que para os profissionais, isto praticamente não
ocorre. No cenário atual de enfrentamento da tuberculose, é indiscutível e imprescindível a atuação
dos agentes de saúde e, além deles, a participação
do setor comunitário, que representa as populações
afetadas pelo problema. Esta parceira entre comunidade e agente comunitário tem se mostrado efetiva
em diversos países, melhorando inclusive, a organização dos serviços de saúde e facilitando a implantação das políticas públicas voltadas para o controle
de doenças.(14)
A realização de busca ativa de sintomáticos respiratórios foi caracterizada como regular e deve constituir-se uma atitude permanente e incorporada na
rotina de todos os membros das equipes de saúde.
A busca passiva, caracterizada pelo atendimento à
demanda espontânea dos casos de tuberculose, potencializa o problema do atraso do diagnóstico e retarda o início do tratamento. Estudo sobre o atraso
no diagnóstico de tuberculose mostrou que, embora
a busca ativa não aconteça regularmente, é de extrema importância desenvolver estratégias para tal,
visto que o diagnóstico precoce, além de minimizar
a continuidade da transmissão da doença, favorece
o tratamento e a cura.(21)
Uma doença de cunho social como a tuberculose necessita que a educação em saúde tenha
a função de empoderar cidadãos adoecidos,(15) e
seja capaz de mobilizar a comunidade para além
de participações em eventos pontuais, como as
datas comemorativas, de modo que, além do
tratamento e acesso aos serviços de saúde, possa
também reivindicar melhorias em sua qualidade
de vida.(17) As práticas educativas devem ser desenvolvidas no âmbito individual e coletivo promovendo cura e reabilitação, tendo o usuário e
a comunidade como aliados e protagonistas do
projeto terapêutico e das mobilizações pelo direito ampliado à saúde.(22)
Contudo, para que a equipe possa promover educação em saúde, fornecendo informações
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25.
23
Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose
corretas e seguras, é essencial que todos os profissionais, enfermeiros, médicos, agentes comunitários e inclusive a equipe de recepção, recebam
treinamento constante. Os agentes comunitários
de saúde, por exemplo, têm papel importantíssimo na detecção precoce dos casos de tuberculose, ainda que muitas das ações realizadas sejam de forma pontual e não sistematizada. Não
obstante, o trabalho desempenhado por eles tem
recebido reconhecimento em muitos países que
convivem com altas taxas da doença, mesmo
naqueles em que há escassez de profissionais, já
que tornam os serviços de saúde acessíveis aos
pacientes que comumente são alvos de estigma e
discriminação.(14)
Ademais, é importante lembrar que receber capacitação específica para a tuberculose por si só, não
garante a eficácia do processo de atenção à saúde
dos usuários, a qual deve estar associada à oferta de
recursos materiais, humanos e a adoção de políticas
adequadas. Assim, torna-se necessário refletir sobre
a atuação do enfermeiro como profissional crítico,
enfatizando a importância de tratar e discutir o assunto, sob a ótica do equilíbrio entre o cuidado e
qualidade de vida.
Conclusão
De acordo com os profissionais, o desempenho
dos serviços de saúde para o controle da tuberculose em relação ao enfoque na família é satisfatório, porém as ações de orientação para a comunidade são insatisfatórias.
Agradecimentos
Estudo financiado pela Fundação Araucária de
Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná (Protocolo 21320), Edital
– Pesquisa para o SUS com o projeto “Assistência e
controle da tuberculose no estado do Paraná”.
Colaborações
Cecilio HPM e Marcon SS contribuíram na concepção e desenvolvimento da pesquisa, análise e
interpretação dos dados, redação do artigo, re-
24
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25.
visão crítica relevante do conteúdo intelectual e
aprovação final da versão a ser publicada. Higarashi IH colaborou com a análise e interpretação
dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final
da versão a ser publicada.
Referências
1. Jung RS, Bennion JR, Sorvillo F, Belloney A. Trends in tuberculosis
mortality in the United States, 1990-2006: a population-based casecontrol study. Public Health Reports. 2010; 125: 389-97.
2. World Health Organization. Global Tuberculosis Report, Geneva: WHO;
2012.
3. Dias AA, Oliveira DM, Turato ER, Figueiredo RM. Life experiences of
patients who have completed tuberculosis treatment: a qualitative
investigation in shoutheast Brazil. BMC Public Health. 2013;
13:595.
4. Karim F, Johansson E, Diwan VK, Kulane A. Community perceptions
of tuberculosis: a qualitative exploration from a gender perspective.
Public Health. 2011; 125(2):84-9.
5. Sissolak P. Marais F, Mehtar S. TB infection prevention and control
experience of South African nurses - a phenomenological study. BMC
Public Health. 2011; 11:262.
6. Kerker BD, Bainbridge J, Kennedy J, Bennani Y, Agerton T, Marder D, et
al. A population-based assessment of the health of homeless families
in New York City, 2001-2003. Am J Publ Health. 2011; 101(3):546-53.
7. Caylà JA, Rodrigo T, Ruiz-Manzano J, Caminero JA, Vidal R, García JM,
et al. Tuberculosis treatment adherence and fatality in Spain. Respir
Res. 2009;10(1):121-31.
8. Long Q, Li Y, Wang Y, Tang C, Tang S, Squire SB, Tolhurst R. Barriers to
accessing TB diagnosis for rural-to-urban migrants with chronic cough
in Chongqing, China: a mixed methods study. BMC Health Serv Res.
2008; 8:202.
9. Fox GJ, Barry SE, Britton WJ, Marks GB. Contact investigation for
tuberculosis: a systematic review and meta-analysis. Eur Respir J.
2013; 41(1):140-56.
10.Bjerrum S, Rose MV, Bygbjerg IC, Mfinanga SG, Tersboel BT, Ravn P.
Primary health care staff’s perceptions of childhood tuberculosis: a
qualitative study from Tanzania. BMC Health Serv Res. 2012; 12:6.
11. Davis JL, Katamba A, Vasquez J, Crawford E, Sserwanga A, Kakeeto S,
et al. Evaluating tuberculosis case detection via real-time monitoring
of tuberculosis diagnostic services. Am J Respir Crit Care Med.
2011;184(3):326-7.
12.Vukovic DS, Nagorni-Obradovic LM. Knowledge and awareness of
tuberculosis among Roma population in Belgrade: a qualitative study.
BMC Infect Dis. 2011; 11:284.
13. Ayé R, Wyss K, Abdualimova H, Saidaliev S. Patient’s site of first access
to health system influences lenght of delay for tuberculosis treatment
in Tajikistan. BMC Health Serv Res. 2010;10:10.
14. Braun R, Catalani C, Wimbush J, Israelski D. Community health workers
and mobile technology: a systematic review of the literature. PLoS ONE.
8(6):e65772.
Cecilio HP, Higarashi IH, Marcon SS
15. Kamineni VV, Wilson N, Das A, Satyanarayana S, Chadha S, Sachdeva
KS, Chauhan LS. Addressing poverty through disease control
programmes: examples from Tuberculosis control in India. Int J Equity
Health. 2012; 11:17.
19.Bronner LE, Podewils LJ, Peters A, Somnath P, Nshuti L, Wald M,
Mametja LD. Impact of community tracer teams on treatment outcomes
among tuberculosis patients in South Africa. BMC Public Health. 2012;
12:621.
16.Houlian CF, Mutevedzi Pc, Lessells RJ, Cooke GS, Tanser FC, Newell
ML. The tuberculosis challenge in a rural South African HIV programme.
BMC Infec Dis. 2010; 10:23.
20.Ospina JE, Orcau A, Millet JP, Sánchez F, Casals M, Caylà JA.
Community health workers improve contact tracing among immigrants
with tuberculosis in Barcelona. BMC Public Health. 2012; 12:158.
17. Zhao Q, Wang L, Tao T, Xu B. Impacts of the “transport subsidy initiative
on poor TB patients” in Rural China: a patient-cohort based longitudinal
study in Rural China. PLoS ONE. 2013; 8(11): e82503.
21.Dowdy DW, Basu S, Andrews JR. Is passive diagnosis enough? The
impact of subclinical disease on diagnostic strategies for tuberculosis.
Am J Respr Crit Care Med. 2013;187(5):543-51.
18. Erkens CGM, Kamphorst M, Abubakar I, Bothamley GH, Chemtob D,
Haas W, et al. Tuberculosis contact investigation in low prevalence
countries: a European consensus. Eur Respir J. 2010; 36(4):92549.
22.Turk J, Newton FJ, Newton JD, Naureen F, Bokhari J. Evaluating
the efficacy of tuberculosis advocacy, communication and social
mobilization (ACSM) activities in Pakistan: a cross-sectional study.
BMC Public Health. 2013; 13:887.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25.
25
Artigo Original
Diagnósticos de enfermagem
em clínica cirúrgica
Nursing diagnoses in surgical clinic
Elisiane Soares Novaes1
Maricy Morbin Torres1
Ana Paula Vilcinski Oliva1
Descritores
Diagnóstico de enfermagem; Avaliação
em enfermagem; Classificação;
Enfermagem perioperatória; Cuidados
de enfermagem
Keywords
Nursing diagnosis; Nursing assessment;
Classification; Perioperative nurse;
Nursing care
Submetido
22 de Setembro de 2014
Aceito
22 de Outubro de 2014
Resumo
Objetivo: Identificar a frequência dos diagnósticos de enfermagem em pacientes de clínica cirúrgica.
Métodos: Estudo transversal, descritivo e exploratório, de abordagem quantitativa, com dados referentes a
28 pacientes. O instrumento de coleta de dados foi desenvolvido pelos pesquisadores, com base em padrões
funcionais de saúde.
Resultados: Foram encontrados 301 diagnósticos de enfermagem, com média de 12 por paciente. Somente
quatro diagnósticos apresentaram frequência acima de 50%. Os mais frequentes foram: “risco de infecção”,
“integridade da pele/tissular prejudicada”, “disposição para bem-estar espiritual”, “disfunção sexual” e
“padrão do sono perturbado”. Diagnósticos que se enquadram no domínio 13 (Crescimento/Desenvolvimento)
não foram documentados nesta amostra.
Conclusão: Os achados demostraram ampla variedade de diagnósticos na população estudada, reflexo
da diversidade de cuidados a serem prestados. A identificação das necessidades de cuidados favorece a
implantação de intervenções específicas, contribuindo para a qualidade da assistência de enfermagem.
Abstract
Objective: To identify the frequency of nursing diagnosis in patients in surgical clinic.
Methods: A transverse, descriptive and exploratory study of quantitative approach, with data referring to 28
patients. The data collection instrument was developed by the researchers based on health functional patterns.
Results: In total, 301 nursing diagnosis were found, with an average of 12 per patient. Only four diagnoses
showed frequency above 50 percent. The most frequent were ‘risk for infection’, ‘impaired skin/tissue
integrity’, ‘readiness for enhanced spiritual well-being’, ‘sexual dysfunction’ and ‘disturbed sleep pattern’. The
diagnoses that fit in domain 13 (Growth/Development) were not documented in this sample.
Conclusion: The findings demonstrated a wide variety of diagnoses in the study population, a reflex of
the diversity of care provided. Identifying the care needs favors the implantation of specific interventions,
contributing to the quality of nursing assistance.
Autor correspondente
Elisiane Soares Novaes
Av. Colombo, 5790, Maringá, PR, Brasil.
CEP: 87020-900
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500006
26
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31.
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
Novaes ES, Torres MM, Oliva AP
Introdução
O movimento para uniformizar a linguagem utilizada pelas enfermeiras trouxe mudanças significativas no processo de cuidar. Podemos citar a
habilidade em formular diagnósticos, a escolha de
intervenções mais adequadas para cada situação e a
descrição dos resultados da implementação dessas
intervenções.
O diagnóstico de enfermagem tem merecido
destaque. Além de guia para planejamento, seleção
e implementação dos cuidados, ele é também importante fonte para o conhecimento específico da
profissão, facilitando o ensino, a pesquisa e a emancipação do cliente no plano terapêutico.(1,2)
Nesse cenário, o levantamento dos diagnósticos
de enfermagem em populações específicas possibilita o conhecimento das respostas humanas alteradas,
contribuindo para o alcance de uma assistência individualizada e holística.(3)
Vários autores tem se preocupado em identificar
os diagnósticos de enfermagem em grupos específicos, como, por exemplo, idosos com insuficiência
cardíaca, pacientes de clínica cirúrgica, de clínica
oncológica, idosos, pacientes transplantados, etc.(4-8)
Este estudo teve por objetivo identificar a frequência dos principais diagnósticos de enfermagem
em pacientes hospitalizados em clínica cirúrgica.
Justifica-se essa identificação para o subsídio de intervenções eficazes e adequadas às necessidades individuais de cada paciente, bem como da previsão e
provisão da carga de trabalho da equipe de enfermagem, além de contribuir para a educação continuada na qualidade do cuidado.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, de
corte transversal, com abordagem quantitativa. A
coleta dos dados aconteceu na unidade de internação clínico-cirúrgica de um hospital-escola no período de abril a agosto de 2012. Fizeram parte da
amostra 28 pacientes. Os critérios adotados para a
inclusão no grupo foram: não estar no primeiro dia
de pós-operatório independente de sexo e faixa etá-
ria. Neste estudo, o paciente não foi avaliado nas
primeiras 24 horas após a cirurgia, por se tratar de
um momento crítico, em que os aspectos hemodinâmicos estão alterados pela anestesia, modificando
as necessidades do cuidado.
Para coleta dos dados, foram realizadas visitas
em dias alternados na unidade. Todos que se enquadravam nos requisitos e aceitaram participar
da pesquisa foram incluídos. O instrumento da
coleta de dados foi desenvolvido pelas pesquisadoras e continha variáveis sociodemográficos e
clínicas que foram avaliadas segundo os padrões
funcionais de saúde, propostos por Gordon, presentes na Taxonomia II da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Atualmente, há muitos instrumentos de coletas de dados
− todos são baseados em abordagens teóricas ou
conceituais da enfermagem, mas nenhum é universalmente aceito.(9,10)
Os diagnósticos de enfermagem levantados
foram interpretados a partir de características definidoras, fatores relacionados e de risco, e situações iminentes de risco, identificadas nos clientes
por meio de entrevista, exame físico e consulta em
prontuário.
Na análise dos dados foram utilizados elementos
da estatística descritiva, tais como, frequência absoluta e relativa. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética
em pesquisa envolvendo seres humanos.
Resultados
Fizeram parte da casuística 14 (50%) pacientes
do sexo feminino e 14 (50%) do masculino, com
idade média de 49,5 anos, sendo que 50% deles encontram-se entre os 40 e 59 anos de idade.
A maior parte dos indivíduos era de cor branca
(67,8%), possuía apenas o Ensino Fundamental
incompleto (57,1%) e residia na cidade de Maringá (64,2%).
A cirurgia mais prevalente foi a apendicectomia
(21,4%), seguida de laparotomia exploradora e videocolecistectomia (17,8%). Os demais procedimentos cirúrgicos estão descritos na tabela 1.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31.
27
Diagnósticos de enfermagem em clínica cirúrgica
Tabela 1. Procedimentos cirúrgicos, segundo frequência
absoluta e porcentagem, em adultos internados na clínica
cirúrgica
Procedimentos cirúrgicos
n(%)
Apendicectomia
6(21,4)
Laparotomia exploradora
5(17,8)
Videocolecistectomia
5(17,8)
Cirurgias da face (bucomaxilo)
3(10,7)
Hernioplastia
2(7,1)
Amputação MID
1(3,6)
Cirurgia Ortopédica
1(3,6)
Desbridamento em MSD
1(3,6)
Cauterização de condiloma perianal
1(3,6)
Cistostomia
1(3,6)
Exerese de tumor de face
1(3,6)
Tireoidectomia
tardada” (28,5%), “déficit no autocuidado para vestir-se/arrumar-se” e “manutenção ineficaz da saúde”
(25%) e “risco de integridade da pele prejudicada”
(21,4%). Os demais diagnósticos podem ser observados na tabela 3.
Tabela 3. Frequência dos diagnósticos de enfermagem,
segundo os domínios da Taxonomia II da NANDA (2009-2011),
identificados em indivíduos adultos internados na clínica
cirúrgica
Domínio
Categorias diagnósticas
Promoção da saúde
Manutenção ineficaz da saúde
Comportamento de busca de saúde
Controle ineficaz do regime terapêutico
7(25,0)
2(7,1)
2(7,1)
Nutrição
Nutrição desequilibrada: > do que as
necessidades corporais
Risco de função hepática prejudicada
Risco de desequilíbrio no volume de líquidos
Risco de volume de líquidos deficiente
Volume de líquidos deficientes
4(14,2)
4(14,2)
4(14,2)
1(3,5)
2(7,1)
Eliminação e troca
Risco de constipação
Eliminação urinária prejudicada
Desobstrução ineficaz das vias aéreas
Troca de gases prejudicada
9(32,1)
5(17,8)
2(7,1)
2(7,1)
Atividade/repouso
Padrão do sono prejudicado
Déficit no autocuidado para banho/higiene
Deambulação prejudicada
Disposição para sono melhorado
Recuperação cirúrgica retardada
Perfusão tissular periférica ineficaz
Déficit no autocuidado para vestir-se/arrumar-se
Mobilidade física prejudicada
Mobilidade no leito prejudicada
Risco de intolerância à atividade
Resposta disfuncional ao ventilatório
Intolerância à atividade
Padrão respiratório ineficaz
Privação do sono
12(42,8)
9(32,1)
9(32,1)
9(32,1)
8(28,5)
8(28,5)
7(25,0)
7(25,0)
4(14,2)
3(10,7)
1(3,5)
1(3,5)
1(3,5)
1(3,5)
Percepção/cognição
Processos do pensamento perturbado
Percepção sensorial perturbada (auditiva)
Confusão crônica
Comunicação verbal prejudicada
1(3,5)
1(3,5)
1(3,5)
4(14,2)
Autopercepção
Risco de solidão
5(17,8)
Papéis e
relacionamentos
Interação social prejudicada
Processos familiares interrompidos
Desempenho de papel ineficaz
8(28,5)
4(14,2)
1(3,5)
Sexualidade
Disfunção sexual
Padrões de sexualidade ineficazes
15(53,5)
3(10,7)
1(3,6)
Total
28(100)
MID – membro inferior direito; MSD – membro superior direito
A tabela 2 exibe o período do tratamento cirúrgico, em que os pacientes se encontravam quando
foram submetidos ao exame físico, durante a coleta
de dados.
Tabela 2. Período do tratamento cirúrgico, segundo frequência
absoluta e porcentagem, dos pacientes internados na clínica
cirúrgica
Período cirúrgico
n(%)
Pré-operatório
5(17,8)
2º Pós-operatório
12(42,8)
3º Pós-operatório
2(7,1)
4º Pós-operatório
1(3,6)
9º Pós-operatório
1(3,6)
10º Pós-operatório
2(7,1)
11º Pós-operatório
2(7,1)
12º Pós-operatório
1(3,6)
13º Pós-operatório
1(3,6)
15º Pós-operatório
Total
1(3,6)
28(100)
No total, 301 diagnósticos de enfermagem foram documentados para os 28 pacientes. Em média encontraram-se 12 diagnósticos por paciente.
Dentre os 201 títulos descritos pela NANDA, 55
(27,4%) foram identificados.
Os diagnósticos de enfermagem mais prevalentes foram: “risco de infecção (100%), “integridade
da pele/tissular prejudicada” (92,8%), “disposição
para bem-estar espiritual aumentada” (75%), “disfunção sexual” (53,5%), “padrão do sono perturbado” (42,8%), “disposição para enfrentamento
aumentada” (39,3%), “deambulação prejudicada”,
“déficit no auto-cuidado para banho/higiene”, “disposição para sono melhorado”, “dor aguda e risco
de constipação” (32,1%), “recuperação cirúrgica re-
28
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31.
n(%)
Enfrentamento/
Disposição para enfrentamento aumentada
tolerância ao estresse Ansiedade
Medo
Tristeza crônica
Enfrentamento ineficaz
Síndrome do estresse por mudança
Resiliência individual prejudicada
11(39,2)
4(14,2)
5(17,8)
1(3,5)
1(3,5)
1(3,5)
1(3,5)
Princípio de vida
Disposição para bem-estar espiritual aumentada
Risco para angústia espiritual
Risco de religiosidade prejudicada
Religiosidade prejudicada
21(75,0)
5(17,8)
4(14,2)
2(7,1)
Segurança/proteção
Risco de infecção
Integridade da pele/tissular prejudicada
Risco de integridade da pele/tissular prejudicada
Risco de queda
28(100)
26(92,8)
6(21,4)
3(10,7)
Conforto
Dor aguda
Náusea
Conforto prejudicado
Isolamento social
9(32,1)
3(10,7)
2(7,1)
1(3,6)
Novaes ES, Torres MM, Oliva AP
Discussão
As limitações deste estudo consistem no fato de
a avaliação clínica ser um processo subjetivo,
diante disso, o processo diagnóstico esta sujeito a
incertezas. Entretanto os resultados deste estudo
favoreceram a identificação das necessidades de
cuidados de doentes internados em clínica cirúrgica, contribuindo para o levantamento de intervenções específicas de enfermagem. A diversidade de diagnósticos de enfermagem apresentados
por essa clientela específica denota a variedade
de cuidados a serem prestados pelos profissionais
de enfermagem. O levantamento de diagnósticos tão variados confere maior poder clínico ao
profissional enfermeiro. Também proporcionou
base para o ensino do diagnóstico de enfermagem, tanto aos enfermeiros do setor em questão
como para alunos de graduação que fizeram parte do estudo.
Os resultados obtidos são muito similares aos
encontrados por pesquisas realizadas em clínica
médica, cirúrgica e ortopédica. Estudos como este
podem ser aplicados em diversas áreas de conhecimento e com populações mais numerosas, para validação dos resultados, e devem ajudar a expandir o
conhecimento de enfermagem mediante a vinculação entre os diagnósticos, intervenções e resultados
de enfermagem. A partir da caracterização do cuidado demandado por clientes de unidade médicocirúrgica, encontrou-se 10,6 diagnósticos em média
por paciente, corroborando a necessidade de conhecimento científico e específico do enfermeiro, para
planejar o cuidado dos pacientes assistidos.(5)
O diagnóstico “Risco para infecção” definido
como um “estado no qual o indivíduo corre risco
aumentado para ser invadido por organismos patogênicos” é comumente identificado em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. Esteve
presente em 100% da amostra, relacionando-se
aos procedimentos invasivos do pré, trans e pósoperatório. Estudos similares também destacam
alta frequência nesse diagnóstico e apontam para
os procedimentos invasivos decorrentes da hospitalização como uma das principais causas dessa
ocorrência.(7,11)
Não obstante, outros fatores também podem
estar associados à este diagnóstico como, por exemplo, a obesidade. Quatro pacientes (14,3%) eram
obesas e, portanto, apresentaram “Nutrição alterada: maior do que as necessidades corporais”. Estudos apontam que a espessura do tecido gorduroso
tem influência direta e proporcional nas taxas de infecção. As razões para essa suscetibilidade estão relacionadas à irrigação local do tecido adiposo, pouco
vascularizado, e à maior duração dos procedimentos
cirúrgicos.(4)
Observa-se ainda que 26 pacientes (92,8%)
desta amostra possuíam “Integridade da pele/tissular prejudicada”. Todos os pacientes foram submetidos a procedimentos invasivos, como: cirurgia
(82,1%), administração de medicamentos, coleta
de material biológico para exames e punção venosa. Entretanto, a patologia, a imobilização no
leito, a diminuição de atividade motora, a falta de
adequada perfusão periférica também foram responsáveis pela lesão tissular. Três pesquisas similares identificaram frequências acima de 60% neste
diagnóstico.(7,12)
A “Disposição para bem-estar espiritual aumentada”, ou seja, o aumento da capacidade de
experimentar e integrar significado à vida por
meio de uma conexão consigo mesmo, com outros, ou com um ser maior, foi encontrada em
75% da amostra. A maioria dos clientes demonstrou crença em um ser superior, verbalizou fé,
esperança e coragem em resposta à crença espiritual. Pacientes com esse diagnóstico têm recursos potenciais para se valer quando se deparam
com uma enfermidade ou uma ameaça ao seu
bem-estar. Se o paciente não souber empenhar
recursos para enfrentar problemas de saúde, o
enfermeiro deve oferecer apoio para explorar as
diversas opções.(13)
Este diagnóstico não foi relatado em outros
estudos. Autores argumentam que a dificuldade
de constatar as alterações nos padrões de crença, valores e convicções religiosas é decorrente
do pouco tempo de interação com os pacientes.
Entretanto, as características definidoras desses
diagnósticos se expressam nos vínculos do relacionamento terapêutico, e o próprio diagnóstico
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31.
29
Diagnósticos de enfermagem em clínica cirúrgica
pode ser confirmado pelo auto-relato do paciente, cabendo ao enfermeiro apenas realizar uma
escuta qualificada.(13-15)
Percebe-se que pouco tem sido realizado em termos das necessidades espirituais. Há, portanto, uma
lacuna na assistência, contrapondo-se à teoria de
Wanda Horta, que aponta a espiritualidade como
uma necessidade básica do ser humano a ser observada e cuidada pelo enfermeiro em seu planejamento de assistência. Compreende-se que, na atuação
profissional, ainda há escassez da visão holística, ou
seja, da necessidade de enxergar o ser humano como
um ser “bio-psico-social-espiritual”, que transcende
o aspecto físico.(10,14)
A “Disposição para enfrentamento aumentada”
(39,3%) não foi identificada em outros estudos. Isso
deve ocorrer pelo fato de estar associada à “Disposição de bem-estar espiritual aumentada”, embora a
NANDA não o relacione diretamente.(9)
O “Padrão de sono prejudicado”, ou seja, as
“interrupções da quantidade e da qualidade do
sono, limitadas pelo tempo, decorrentes de fatores externos”,(9) ocorreu em 42,8% dos sujeitos.
Considerado uma necessidade humana básica, o
sono torna-se um dos fatores que influenciam a
qualidade de vida do ser humano. O envelhecimento, o sedentarismo, o estresse, as doenças, os
medicamentos, a depressão e os hábitos pessoais
afetam a qualidade de sono ou o nível de repartição dos vários estágios do sono.(7,9)
No presente estudo, as causas mais relatadas
pelos pacientes relacionadas ao padrão de sono
prejudicado foram a manipulação excessiva pelos profissionais de saúde à noite, o excesso de
iluminação, o barulho e a falta de adaptação à
hospitalização.
A “Deambulação prejudicada” (32,1%) apresentou-se frequente nesta e em outras pesquisas.
(4,8)
É importante observar que ela constitui-se
em um dos principais fatores relacionados a outros diagnósticos de enfermagem, como “Déficit
no autocuidado para banho e higiene” (32,1%),
“Déficit no autocuidado para vestir-se e arrumar-se” (25%) e “Risco para integridade da pele
prejudicada” (21,4%). A associação entre diagnósticos deve ser mais profundamente estudada,
30
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31.
pois, talvez, seja possível identificar um perfil
diagnóstico nos pacientes de clínica médica, cirúrgica e ortopédica.
Estudo realizado com 250 pacientes em uma
unidade cirúrgica identificou 2973 diagnósticos
dentro mais de 50 enunciados diferentes. Os
mais frequentes foram: “Risco para temperatura corporal alterada” (66%), “Risco de infecção”
(51%), e “Dor” (50%). O resultados assemelham-se com os do presente estudo, entretanto,
não foi identificado entre os mais frequentes o
diagnóstico “Integridade tissular prejudicada”
(risco ou atual), pertencente ao domínio Lesão
Física, o que é comum esperar no perfil de pacientes de uma clínica médico cirúrgica.(9) No
entanto, a prevalência de diagnósticos de enfermagem depende do cenário perioperatório e do
tipo de clientela que o configuraram.(8,9)
O diagnóstico de “Dor aguda” (32,1%) apresentou frequência menor do que em estudos similares, entretanto sempre é encontrado entre os mais
prevalentes, confirmando que esse sintoma deve ser
foco contínuo da atenção do enfermeiro.(8,11) A capacitação profissional para o alívio da dor é importante, a fim de aumentar a qualidade da assistência
ministrada.(11)
A disfunção sexual foi encontrada em 32,1%
dos pacientes. A formulação desse diagnóstico
fundamentou-se nas limitações reais impostas pela
doença e/ou pela terapêutica e alteração no relacionamento com a pessoa significativa. Trata-se de um
diagnóstico bastante encontrado nos diversos grupos pesquisados.(7)
Diferentemente de outras pesquisas, que identificaram o diagnóstico “Constipação” como o mais
prevalente no domínio III - Eliminação e Troca, o
presente estudo encontrou o “Risco de constipação” (32,1%) como o mais frequente dessa classe.
A falta de deambulação, as patologias e o processo
terapêutico são alguns dos diversos motivos que
tornam os pacientes de clínica cirúrgica e ortopédica mais propensos a apresentar distúrbios na motilidade intestinal.(4,7)
Por meio desses resultados, percebeu-se a necessidade de intervenções com o intuito de prevenir riscos durante a internação, a fim de dimi-
Novaes ES, Torres MM, Oliva AP
nuir os agravos na saúde. Estudos similares podem
ser aplicados em diversas áreas de conhecimento
e com populações mais numerosas, para validação
dos resultados, e devem ajudar a expandir o conhecimento de enfermagem mediante a vinculação entre os diagnósticos, intervenções e resultados
de enfermagem.
Conclusão
Os principais diagnósticos de enfermagem encontrados foram: “risco de infecção, “integridade da
pele/tissular prejudicada”, “disposição para bem-estar espiritual aumentada”, “disfunção sexual”, “padrão do sono perturbado”, “disposição para enfrentamento aumentada, “deambulação prejudicada”,
“défice no autocuidado para banho/higiene”, “disposição para sono melhorado”, “dor aguda e risco
de constipação”, “recuperação cirúrgica retardada”,
“défice no autocuidado para vestir-se/arrumar-se”,
“manutenção ineficaz da saúde” e “risco de integridade da pele prejudicada”.
A identificação dos diagnósticos relevantes
em clínica cirúrgica, como em outras populações
específicas, permitirá o cuidado baseado em evidências, e contribuirá para o avanço da pesquisa
em enfermagem.
Colaborações
Novaes ES contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo
revisão crítica relevante do conteúdo intelectual
e aprovação final da versão a ser publicada. Torres MM colaborou com a revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da
versão a ser publicada. Oliva APV cooperou com
a concepção do projeto, execução da pesquisa
e redação do artigo, revisão crítica relevante do
conteúdo intelectual e aprovação final da versão
a ser publicada.
Referências
1. Bruylands M, Paans W, Hediger H, Müller-Staub M. Effects on the
quality of the nursing care process through an educational program
and the use of electronic nursing documentation. Int J Nurs Knowl.
2013; 24(3):163-70.
2. Paans W, Nieweg RMB, Schans CP, Sermeus W. What factors influence
the prevalence and accuracy of nursing diagnoses documentation in
clinical practice? A systematic literature review. J Clin Nurs. 2011;
20(1):2386-403.
3. Tastan S, Linch GCF, Keenan GM, Stifter J, McKinney D, Fahey L, et
al. Evidence for the existing American Nurses Association-recognized
standardized nursing: terminologies: A systematic review. Intern J Nurs
Stud. 2014; 51(8):1160-70.
4. Scherb CA, Head BJ, Maas ML, Swanson EA, Moorhead S, Reed D,
et al. Most frequent nursing diagnoses, nursing interventions, and
nursing-sensitive patient outcomes of hospitalized older adults with
heart failure: Part 1. Intern J Nurs Term Clas. 2011; 22(1):13-22.
5. Noh HK, Lee E. Relationships among NANDA-I diagnoses, nursing
outcomes classification, and nursing interventions classification by
nursing students for patients in medical surgical units in Korea. Int J
Nurs Knowl. 2014; 25(1):1-9.
6. Guler EK, Eser I, Khorshid L, Yucel SC. Nursing diagnoses in elderly
residents of a nursing home: A case in Turkey. Nurs Outlook. 2012;
60(1):21-8.
7. Speksnijder HT, Mank AP, Achterberg T. Nursing diagnoses (NANDA-I)
in Hematology-Oncology: A Delphi-Study. Intern J Nurs Term Clas.
2011; 22(2):77-91.
8. Ferreira SAL, Echer IC, Lucena AF. Nursing diagnoses among kidney
transplant recipients: evidence from clinical practice. Int J Nurs Knowl.
2014; 25(1):49-58.
9. Junttila K, Hupli M, Salanterä S. The use of nursing diagnoses in perioperative
documentation. Intern J Nurs Term Clas. 2010; 21(2):57-68.
10. Muller-Staub M. Evaluation of the implementation of nursing diagnoses,
interventions, and outcomes. Intern J Nurs Term Clas. 2009; 20(1):915.
11. Olaogun A, Oginni M, Oyedeji TA, Nnahiwe B, Olatubi I. Assessing the
Use of the NANDA - International Nursing Diagnoses at the Obafemi
Awolowo University Teaching Hospitals Complex, Ile Ife, Nigeria. Intern
J Nurs Term Clas. 2011; 22(4):157-61.
12.Paganin A, Rabelo ER. Clinical validation of the nursing diagnoses of
impaired tissue integrity and impaired skin integrity in patients subjected
to cardiac catheterization. J Adv Nursing. 2013; 69(6):1338-45.
13.Caldeira S, Carvalho EC, Vieira M. Spiritual distress - proposing a
new definition and defining characteristics. Int J Nurs Knowl. 2013;
24(2):77-84.
14. Carr T. Facing Existential Realities: Exploring barriers and challenges to
spiritual nursing care. Qual Health Res. 2010; 20:1379-82.
15. Roecklein N. Using standardized nursing languages in end-of-life care
plans. Int J Nurs Knowl. 2012; 23(3):183-5.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31.
31
Artigo Original
Tempo gasto por equipe multiprofissional
em assistência domiciliar: subsídio
para dimensionar pessoal
Time spent by the multidisciplinary team in home
care: subsidy for the sizing of staff
Maria Leopoldina de Castro Villas Bôas1
Helena Eri Shimizu2
Descritores
Serviços de assistência domiciliar;
Cuidados de enfermagem; Assistência
domiciliar; Enfermagem em saúde
pública; Recursos humanos em saúde;
Downsizing organizacional
Keywords
Home care services; Nursing care;
Home care; Public health nursing;
Health manpower; Personnel
downsizing
Submetido
14 de Setembro de 2014
Aceito
22 de Outubro de 2014
Autor correspondente
Maria Leopoldina de Castro Villas Bôas
Setor de Áreas Isoladas Norte, Fim da
Asa Norte Bloco B, Brasília, DF, Brasil.
CEP: 70086-900
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500007
32
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
Resumo
Objetivo: Analisar o tempo gasto por equipe multiprofissional de saúde no cuidado aos pacientes em
assistência domiciliar.
Métodos: Estudo exploratório e descritivo, que incluiu 214 pacientes. Após a definição dos principais
procedimentos, os mesmos foram cronometrados por observadores treinados, que coletaram os dados em
2009 e 2010. Houve a observação de 245 visitas domiciliares e 441 procedimentos.
Resultados: Dos procedimentos categorizados como assistência direta, destacou-se o tempo gasto pela
equipe de enfermagem que foi de 30,2h, seguido por 11,9h gastas pelo fisioterapeuta, 9,4h pelo nutricionista
e 8,9h pelo médico; e como assistência indireta, representada pelo deslocamento da equipe e orientação ao
cuidador, família e/ou paciente, verificou-se que foram gastas 65,3h e 20,3h, respectivamente.
Conclusão: A análise do tempo gasto na assistência domiciliar revelou a complexidade desse modelo de
atenção e a potencialidade para subsidiar o dimensionamento de pessoal, bem como a reorganização do
serviço.
Abstract
Objective: To analyze the time spent by the health multidisciplinary team assisting patients in home care.
Methods: An exploratory descriptive study that included 214 patients. After defining the main procedures, they
were timed by trained observers who collected the data in 2009 and 2010. In total, 245 home visits and 441
procedures were observed.
Results: Among the procedures categorized as direct assistance, the highlight was the time spent by the
nursing staff, of 30.2 hours, followed by physiotherapists with 11.9h, dieticians with 9.4h and physicians with
8.9h. Indirect care was represented by the displacement of staff and guidance to the caregiver, family and/or
patient, which consumed 65.3 hours and 20.3h, respectively.
Conclusion: The analysis of time spent in home care revealed the complexity of this model of care and the
potentiality to subsidize the sizing of staff, as well as the reorganization of the service.
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil.
Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
Villas Bôas ML, Shimizu HE
Introdução
Nos últimos anos, a assistência domiciliar tem ressurgido como uma tendência mundial em resposta
às demandas decorrentes da transição demográfica e
da epidemiológica, caracterizadas especialmente no
Brasil por: redução da mortalidade infantil; declínio
acentuado da fecundidade; aumento da esperança
de vida ao nascer; rápido processo de envelhecimento populacional e prevalência de doenças crônicas
não transmissíveis; tal situação de saúde, aliada ao
desenvolvimento de novas tecnologias, entre outros
fatores, tem elevado os custos assistenciais desses pacientes, que necessitam de assistência contínua em
diferentes níveis de complexidade.(1)
Dessa forma, a assistência domiciliar reafirma-se como uma das alternativas para a internação hospitalar, pelo potencial de inovação do
modelo tecno-assistencial vigente, consubstanciando-se na integralidade e continuidade do
cuidado, viabilizando: qualidade e humanização
da atenção; trabalho em equipe voltado para a
clínica ampliada; desenvolvimento de vínculo e
participação efetiva dos cuidadores e das famílias
na produção de projetos terapêuticos singulares;
redução de internações e re-internações, com liberação de leitos hospitalares e, conseqüentemente, diminuição de custos da assistência.(2-5)
Com o intuito de regulamentar essa modalidade
assistencial, já validada em outros países, porém ainda pouco consolidada no serviço público do Brasil,
o Ministério da Saúde lançou o Programa Melhor
em Casa – Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde - em 2011, tendo publicado
recentemente a Portaria nº. 963/2013, na qual reafirma a atenção domiciliar como incorporação tecnológica de caráter substitutivo ou complementar
à intervenção hospitalar de baixa e de média complexidade, aos cuidados iniciados nos Serviços de
Atenção à Urgência e Emergência e complementar
à Atenção Básica.
Nesse sentido, a assistência domiciliar no sistema público apresenta-se como inovação que requer
novas tecnologias de cuidados, pois propõe a se dar
de forma humanizada e vinculante, com plano assistencial usuário-centrado de natureza multidisci-
plinar, o que coloca o desafio de constituir equipes
de saúde com dimensionamento e tempo adequados para prestar assistência de qualidade.
Todavia, depara-se com a dificuldade de se explicitar, sobretudo para os gestores, o quantitativo
de pessoal necessário, bem como o número de pacientes possíveis de serem cuidados por uma equipe,
considerando-se a especificidade de cuidados dessa
modalidade assistencial.
A revisão bibliográfica demonstrou escassez
de estudos voltados para o tema, sendo consubstanciados basicamente em métodos para
classificar pacientes em atenção domiciliar utilizados em outros países e em experiências brasileiras, fundamentados na carga de trabalho de
enfermagem, dirigidos aos pacientes internados
em hospitais. Outros instrumentos existentes
têm como propósito determinar as intervenções
nos pacientes atendidos em assistência domiciliar, dentre os quais: Catalogue de Prestations de
Soins da Fondation des Services d’Aide et de Soins
à Domicile utilizado na Suíça e instrumentos da
Associação Brasileira das Empresas de Medicina
Domiciliar e do Núcleo Nacional das Empresas
de Assistência Domiciliar..
Esses dispositivos, apesar de pontuarem de forma prática a organização dos serviços, abrangem o
dimensionamento de profissionais eminentemente
de enfermagem, por meio da listagem e/ou duração temporal de atividades específicas de serviços de
assistência domiciliar privados, inclusive os de alta
complexidade, para fins de pagamento de procedimentos e/ou horas de trabalho, o que caracteriza o
modelo Manage Health Care, centrado na racionalidade gerencial e financeira de convênios, planos e
seguros de saúde.
Desta forma, urge a necessidade de estudos voltados para atenção domiciliar, especialmente do serviço público, que apresenta diversas peculiaridades,
inclusive as relacionadas a integralidade do cuidado, que é desenvolvida pela equipe multidisciplinar
com a colaboração do cuidador, entre outras interfaces. Ressalta-se ainda que a identificação e validação dos procedimentos/intervenções desenvolvidos
no cotidiano poderão subsidiar o dimensionamento
de pessoal e consequentemente um melhor planejaActa Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
33
Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal
mento de recursos humanos, que possam garantir a
qualidade da atenção, aliada à sua capacitação.
O objetivo deste estudo analisar o tempo gasto
por equipe multiprofissional de saúde no cuidado
aos pacientes em atenção domiciliar, a fim de oferecer subsídios para refletir sobre o dimensionamento
de pessoal no serviço.
Métodos
Trata-se de estudo descritivo e exploratório, desenvolvido em cinco Núcleos Regionais do Programa
de Internação Domiciliar do Distrito Federal, Brasília, implantado desde 1994.
Na primeira etapa do estudo foram realizadas
oficinas de trabalho com profissionais especialistas da atenção domiciliar para discutir os procedimentos requeridos pelos pacientes, a fim de obter
a validade consensual e de conteúdo dos mesmos,
tendo havido a consulta a alguns dispositivos validados como o Theurapeutic Intervention Score Sistem
(TISS), entre outros.
O instrumento elaborado para mensurar o tempo gasto na atenção domiciliar (Anexo), foi composto pelos principais procedimentos/intervenções
desenvolvidos na assistência direta (em domicílio)
pela equipe multiprofissional, aqui considerada
por: médico, pessoal de enfermagem, nutricionista
e fisioterapeuta. Além desses, incluíram-se os procedimentos que fazem parte da assistência indireta
como: deslocamento da equipe - tempo gasto da saída do serviço até a chegada ao domicílio do paciente
e da saída do domicílio à chegada a outro domicílio
(se houver) e/ou ao retorno ao serviço; e orientação
ao cuidador, família e/ou paciente.
Na segunda etapa do estudo foi realizado observação dos cuidados prestados aos pacientes, utilizando-se o instrumento criado na primeira etapa
do estudo. Foram selecionados dois observadores
externos para a cronometragem do tempo das atividades das equipes multidisciplinares de atenção domiciliar, que obedeceram aos seguintes critérios de
inclusão: pertencer a uma das categorias profissionais constituintes da equipe de saúde; ter referência
quanto à responsabilidade e compromisso; possuir
34
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
perfil e disponibilidade de tempo para a realização
do trabalho.
O treinamento dos observadores ocorreu por
meio de várias reuniões, enfocando o correto preenchimento do instrumento e a possibilidade de registros extras para aperfeiçoamento do mesmo.
A população para mensuração dos procedimentos foi constituída pelos pacientes ativos do Programa de Internação Domiciliar do Distrito Federal,
Serviço de Atenção Domiciliar (Brasília-DF), Atenção Básica, no período de 2009 e 2010, sendo o
estudo realizado por amostra aleatória sistemática.
Os critérios de inclusão dos participantes do
estudo foram os de admissão ao Programa: portadores de doenças crônico-degenerativas agudizadas,
sequelados e com comorbidades; em cuidados paliativos; com incapacidade funcional para atividades de vida diária, provisória ou permanente e em
estabilidade clínica, perfil em que há a prevalência
de pessoas idosas.
Já os critérios de exclusão consistiram em: pacientes com necessidade de ventilação mecânica invasiva, em monitorização contínua, com enfermagem intensiva e propedêutica complementar com
demanda potencial de realização de procedimentos
diagnósticos em seqüência com urgência; em uso de
medicação complexa com efeitos colaterais potencialmente graves, ou de difícil administração; em
tratamento cirúrgico em caráter de urgência e que
não tivessem cuidador contínuo identificado.
As variáveis do estudo foram representadas pelo
número e tempo médio gasto dos procedimentos
realizados no domicílio para a assistência direta e
pelo número de orientações e tempo real gasto nos
deslocamentos das equipes multiprofissionais para a
assistência indireta.
Os possíveis vieses de aferição e de mensuração foram minimizados pela padronização do
instrumento de coleta de dados e do uso de cronômetro, bem como o treinamento de observadores credenciados.
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado
em função da população alvo de 1019 pacientes ativos do Programa em outubro de 2009 (nível de significância: 5%; poder estatístico: 80%), resultando
em 282 pacientes.
Villas Bôas ML, Shimizu HE
Os dados foram armazenados em planilhas do
tipo Excel e a análise foi realizada por elementos de
estatística descritiva, sendo utilizado o software estatístico SPSS versão 17.0.
O estudo desenvolveu-se em dois períodos: o
primeiro ocorreu durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2009, nas Regionais de Saúde de Sobradinho, Planaltina, Gama, Guará e Asa
Norte, quando foram realizadas 66 visitas domiciliares; e o segundo foi realizado durante os meses
de julho, agosto e setembro de 2010 (179 visitas,
totalizando 245 visitas domiciliares), para complementar o número de visitas da primeira amostra,
a fim de se obter o quantitativo necessário para a
amostra representativa de pacientes do Programa. A
pesquisa alcançou o percentual de 86,8 do total da
aplicação do instrumento para a amostra calculada
(214 de 282 pacientes).
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
Resultados
Observou-se que a equipe de enfermagem despende
maior tempo no Programa de Internação Domiciliar do Distrito Federal. Os principais procedimentos realizados encontram-se na tabela 1. Os que demandaram maior tempo médio de realização foram:
“curativo/desbridamento” - 25,1; “curativos múltiplos” - 15,6; “curativo de úlcera de pressão grau
III” - 11,7 minutos e “curativo de úlcera de pressão
grau II” - 10,2 minutos; “consultas de enfermagem”
- 21,6 minutos (primeira) e 12,3 minutos (subsequente); “instalação de soroterapia” - 16,9 minutos;
e “cuidados e orientações para pacientes com ostomias” - 15,8 minutos. O tempo gasto nesses procedimentos evidenciam a complexidade assistencial
dos pacientes cuidados pelo programa.
De modo análogo, estão dispostos, na tabela 2,
os dados correspondentes aos principais procedimentos sistematizados realizados pelo fisioterapeuta, nutricionista e médico, no mesmo local e período, com as especificidades de cada categoria profissional. O fisioterapeuta evidenciou maior número
Tabela 1. Número de procedimentos e média da duração (em
minutos) realizados no domicílio pela equipe de enfermagem na
primeira e na segunda etapa do estudo
Procedimentos de enfermagem
Média
(minutos)
n(295)
DP
Curativo / desbridamento
1
25,1
0
1ª Consulta de enfermagem (domiciliar)
8
21,6
20,5
Instalação de soroterapia
1
16,9
0
Cuidados e orientações para pacientes com ostomias
5
15,8
13,9
Curativos múltiplos
4
15,6
15,5
Consulta subsequente de enfermagem (domiciliar)
26
12,3
14,9
Curativo de úlcera de pressão grau III
15
11,7
21,8
Curativo de úlcera de pressão grau II
18
10,2
7,1
Passagem de sonda vesical nasogástrica / nasoenteral
7
9,6
6,9
Curativo de úlcera de pressão grau IV
10
8,5
12,5
Passagem de sonda vesical de demora
8
8,2
7
Aplicação de medicação por via endovenosa
5
7,1
8
Passagem de sonda vesical para coleta de exame
6
6,5
3,9
Coleta de sangue para exame
35
6,2
13,5
Retirada de soroterapia
1
3,3
0
Mensuração / avaliação e registro de sinais vitais
59
3,1
12,3
Aplicação de medicação por via muscular / subcutânea
2
3,1
2,8
Avaliação de glicemia
8
1,7
1,7
Mensuração de oximetria
27
0,9
7,4
Registro e ciência do cuidador na ficha de visita
domiciliar
49
0,8
5
n – número de procedimentos realizados; DP – Desvio Padrão
de procedimentos (42), seguido pelo nutricionista
(29) e pelo médico (25). A atividade que demandou
maior tempo para realização foi “primeira consulta
médica domiciliar” (média de 54,3minutos), seguida por “avaliação/adaptação de ambiente residencial” do fisioterapeuta (média de 35,5 minutos) e
“primeira consulta domiciliar com nutricionista”,
que durou 23,5 minutos em média.
Tabela 2. Número e duração média de procedimentos
domiciliares (em minutos) realizados pelo fisioterapeuta,
nutricionista e médico
Categoria
profissional
Procedimentos
Fisioterapeuta Avaliação / adaptação de ambiente residencial
Médico
Média
(minutos)
DP
3
35,5
7
16
21,2
40,5
1ª Consulta com fisioterapeuta (domiciliar)
6
16,4
10,3
Consulta subsequente do fisioterapeuta
(domiciliar)
17
10
27,3
1ª Consulta com nutricionista (domiciliar)
15
23,5
12,7
Consulta subsequente do nutricionista
(domiciliar)
14
15,2
22,6
1ª Consulta médica (domiciliar)
3
54,3
10,6
Consulta subsequente do médico (domiciliar)
22
17
18,4
Sessão de fisioterapia (respiratória, motora,
neurológica e/ou traumatológica) / orientação
ao cuidador e/ou paciente
Nutricionista
n(96)
n - Número de procedimentos realizados; M - Média; DP – Desvio Padrão
As variáveis da assistência direta (procedimentos
dos profissionais) e as da assistência indireta (tempo
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
35
Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal
de deslocamento e orientação ao cuidador, família
e/ou paciente) estão elencadas na tabela 3.
Tabela 3. Variáveis da assistência direta e indireta, segundo
número de procedimentos realizados, média em horas com os
respectivos percentuais e tempo de deslocamento e de orientação
geral, segundo tempo real em horas e percentual
Assistência direta (procedimentos dos profissionais)
n(%)
Média horas
(%)
Enfermagem
295(75,5)
30,2(50)
Fisioterapeuta
42(10,7)
11,9(19,7)
Nutricionista
29(7,4)
9,4(15,6)
Médico
25(6,4)
8,9(14,7)
391(100)
60,4(100)
Tempo real
(horas)
(%)
92
58,5
Tempo de deslocamento da equipe (T deslocamento =
T saída do serviço ao domicílio + T entre domicílios + T
retorno ao serviço)
65,3
41,5
Tempo de orientação geral (T orientação = T visita – T
procedimentos)
20,3
13
Tempo total (T total = T visita + T deslocamento)
157,3
100
Total
Assistência indireta
Tempo de duração da visita (T visita = T chegada domicílio
- T saída domicílio)
n(%) – Número/Percentual de procedimentos; M(%) Média horas/Percentual do tempo despendido (Σn x
Mmin/60); T-Tempo
Para a assistência direta a média do tempo gasto foi calculada pelo somatório de procedimentos
de cada profissional multiplicado pela sua respectiva média de duração em minutos (Tabelas 1 e 2)
e dividido por 60, para se obter o dado em horas.
Observou-se que 75,5% do total de procedimentos realizados pela equipe multiprofissional foram
desenvolvidos pela equipe de enfermagem (295),
correspondendo a 50% do total da média de tempo
despendido em assistência domiciliar.
O tempo gasto na assistência indireta que inclui a duração da visita (orientação geral + realização de procedimentos) e o deslocamento da equipe
foram assim cronometrados: Tempo Total = 157,3
horas, das quais, 92 horas foram de duração da visita (58,5%) e 65,3 horas foi o tempo de deslocamento (41,5%). O tempo de orientação foi de 20,3
horas: portanto, o tempo real de procedimentos foi
de 71,7 horas (92 - 20,3= 71,7), correspondendo a
13% e 45,5% do tempo total de assistência domiciliar, respectivamente.
As perdas ocorridas durante o período de pesquisa foram representadas por visitas perdidas (agendadas e não realizadas): 09; visitas não registradas: 05;
procedimentos não registrados: 07; tempo registra-
36
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
do incompatível: 02, cujos percentuais estão abaixo
de 1% em relação ao total.
Discussão
Verificou-se que a atenção domiciliar desenvolve diversos procedimentos/intervenções executados por equipe multiprofissional, visando prover a qualidade de
assistência, que consiste em atender às especificidades
desses pacientes que apresentam perfil diferenciado.
Considerando os procedimentos de enfermagem,
constatou-se que a realização de curativos de úlceras
por pressão de graus variados foi uma das atividades
mais freqüentes e a que mais demandou tempo desses profissionais. Este fato coaduna-se com o perfil
clínico dos pacientes que têm sido atendidos no Programa de Internação Domiciliar do Distrito Federal,
uma vez que a incidência de úlcera por pressão no
acompanhamento domiciliar é frequente, acometendo pacientes com restrições dos movimentos e da
sensibilidade, cujos principais fatores de risco são a
pressão de contato, a força de cisalhamento, anemia,
desnutrição e doenças crônicas.(6,7)
Ao se comparar o quantitativo e a duração dos
procedimentos realizados de enfermagem em relação ao dos demais profissionais participantes da
equipe, observou-se que aqueles atingiram um patamar bem superior, donde se depreende o peso
da equipe de enfermagem na rotina do Serviço de
Atenção Domiciliar, caracterizando-a como lócus
privilegiado da enfermagem, no qual suas competências são desenvolvidas em sua plenitude, seja nas
áreas assistencial, administrativa, educativa e principalmente na de pesquisa, pela preponderante produção científica em atenção domiciliar, bem como
na de gestão de casos.(8)
Há de se pontuar, contudo, que diferentemente de outras categorias profissionais, os procedimentos de enfermagem estão bem específicos e
parametrizados, ou seja, são na maioria das vezes,
perfeitamente distinguíveis e “cronometráveis”, o
que não acontece, pelo menos quando a abordagem é clinica, na medicina, nutrição e fisioterapia,
devido a escassez de estudos sobre mensuração de
tempo de procedimentos.
Villas Bôas ML, Shimizu HE
Nos dados correspondentes aos procedimentos
realizados por fisioterapeuta, nutricionista e médico, ficou evidenciado que o fisioterapeuta realizou
maior número de procedimentos comparando-se
ao nutricionista e ao médico. Ressalta-se que a
fisioterapeuta despende tempo significativo para
avaliação das condições do domicílio, o que revela cuidado com a segurança do paciente e, consequentemente, maior garantia do seguimento do
cuidado ao mesmo.
A fisioterapia domiciliar é ocasionada principalmente pelas doenças crônicas, sendo que os pacientes que mais demandam esta terapia estão restritos
ao leito e se concentram na faixa etária acima dos 65
anos. O principal objetivo é a reabilitação motora
para tratar as principais seqüelas do acidente vascular encefálico, bem como as da artrose e fratura de
quadril. Esse perfil é encontrado nos pacientes do
Programa do Distrito Federal e em pesquisa realizada em um Centro de Reabilitação Distrital norueguês, cuja reabilitação coordenada e multidisciplinar propiciou melhoras significativas e persistentes
aos pacientes atendidos, dos quais 74% necessitaram se serviços de assistência domiciliar.(9)
O tempo despendido na primeira consulta de
todos os profissionais de uma forma geral foi superior ao tempo gasto nas consultas de seguimento (Tabelas 1 e 2), provavelmente devido ao desconhecimento do quadro clínico do paciente, com
necessidade de despender maior tempo em sua propedêutica e no contato com o cuidador e a família.
Além disso, sugere-se que o tempo gasto nas consultas revela um cuidado, sobretudo voltado para
a orientação do cuidador, que permanece o tempo
todo com o paciente.
Nesse aspecto, a atividade que demandou
maior tempo para realização foi a primeira consulta médica domiciliar, fato compartilhado pelo
Programa de Internação Domiciliar cubano, que é
desenvolvido por médicos de família, que gastam
22 minutos por visita, e contam com apoio de especialistas. A média de tempo gasto com pacientes
é comparável com a de enfermeiras de família, pois
as visitas domiciliares são organizadas, na maioria
das vezes, conjuntamente, englobando as visitas
para ações preventivas e curativas.(10)
Já o número de consultas subseqüentes da maioria dos profissionais da equipe foi bem superior ao
número de primeiras consultas registradas (Tabelas
1 e 2), caracterizando a longitudinalidade do cuidado, que exprime o vínculo a partir de estreitas
relações entre profissional e paciente, cuidador e família, pautadas na humanização das relações, confiança, coparticipação e em ações que consideram a
integralidade desse paciente, suas necessidades concretas e a resolução destas.(11)
Em relação ao tempo gasto na assistência indireta, o tempo de orientação geral realizado por todos
os membros da equipe multiprofissional durou 20,3
horas de um total de 92 horas despendidas na visita
domiciliar propriamente dita (22%), o que traduz
e reafirma, junto à longitudinalidade do cuidado,
a implicação e a vinculação da equipe profissional
ao paciente e à família, tornando-se o diferencial da
atenção domiciliar, na utilização preponderante das
tecnologias leves, caracterizadas pelo desenvolvimento de relações humanas. Esse contexto propicia
uma fonte inesgotável para educação permanente
e de novas formas de integrar os diferentes olhares
para a transformação de práticas de saúde.
Esse fato coaduna-se ao encontrado em outros estudos, nos quais o tempo gasto por equipe de enfermagem em atividades em nursing homes, foi significativamente maior para a comunicação, dentre todas as
atividades realizadas naqueles estabelecimentos, concluindo que atividades de comunicação/orientação
tem tido lugar de destaque em serviços que atendem
idosos pela influência positiva das relações de interação social com o bem estar desses pacientes.(12,13)
Já o tempo gasto pelo deslocamento da equipe
(assistência indireta), demandou 65,3h do total de
157,3h cronometradas de assistência domiciliar.
Ressalta-se que a infraestrutura do serviço, especialmente relacionada ao transporte para deslocamento
dos profissionais, necessita ser revisto. O tempo de
deslocamento da equipe consumiu 41,5% do período total de assistência domiciliar, o que impactou
negativamente na produtividade do serviço. O tempo médio de duração de cada visita domiciliar foi de
aproximadamente 55 minutos.
Os limites dos resultados deste estudo estão relacionados com o delineamento exploratório que
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
37
Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal
não permite o estabelecimento de associação entre
causa e efeito e às dificuldades operacionais encontradas na coleta de dados, que espelharam a estrutura logística dos serviços da Secretaria de Saúde
do Distrito Federal, na qual muitas vezes não havia
disponibilidade de carros e motoristas suficientes
para prover de forma adequada o deslocamento das
equipes para visita domiciliar.
Também se reconhece que as atividades aqui
elencadas são apenas as identificadas como principais
e mais prevalentes no serviço, não tendo sido computadas outras atividades afins como a realização de reuniões da equipe multidisciplinar, que comprovadamente melhoram a comunicação entre os profissionais de saúde e otimizam o atendimento ao paciente,
principalmente na melhoria da prescrição em lares,
além de toda a logística que é desenvolvida no serviço para o planejamento administrativo e assistencial,
tanto antes quanto depois da visita domiciliar.(14)
Conclusão
Este estudo permitiu conhecer os principais procedimentos/intervenções realizados por equipe multiprofissional em serviço de atenção domiciliar, cuja
análise do tempo gasto poderá subsidiar o dimensionamento adequado de profissionais de saúde e a
infraestrutura necessária para atender às especificidades do serviço, e de um modo geral, o planejamento e organização do serviço.
Agradecimentos
À Fundação de Ensino de Pesquisa em Ciências da
Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal – FEPECS/SES-DF, pelo financiamento de
pesquisa aprovada sob o número 392/2008.
Colaborações
Villas Bôas MLC e Shimizu HE declaram que contribuíram com a concepção e projeto, revisão crítica
38
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
relevante do conteúdo intelectual e aprovação final
da versão a ser publicada.
Referências
1.Genet N, Boerma WGW, Kringos DS, Bouman A, Francke AL,
Fagerström C, et al. Home care in Europe: a systematic literature
review. BMC Health Serv Res. 2011; 11:207.
2. Shepperd S, Doll H, Angus RM , Clarke MJ, Iliffe S, Kalra L, et al.
Avoiding hospital admission through provision of hospital care at home:
a systematic review and meta-analysis of individual patient data CMAJ.
2009; 180(2):175-82.
3. Unwin,BK, Porvaznik M. Nursing home care: Part I. Principles and
pitfalls of practice. Am Fam Physician. 2010; 81(10):1219-27.
4. Golden AG, Ortiz J, Wan TT. Transitional care: looking for the right shoes
to fit older adult patients. Care Manag J. 2013; 14(2):78-83.
5. Ornstein K, Wajnberg A, Kaye-Kauderer H, Winkel G, DeCherrie L,
Zhang M, Soriano T. Reduction in symptoms for homebound patients
receiving home-based primary and palliative care. J Palliat Med. 2013
Sep; 16(9):1048-54.
6. Unwin BK, Porvaznik M, Spoelhof GD. Nursing home care: Part II.
clinical aspects. Am Fam Physician. 2010;81(10):1229-37.
7. Badiaa JG, Santos AB, Segura JC, Casellas MD, Lombardo FC, Tebar
AH, et al. Nursing workload predictors in Catalonia (Spain): a home care
cohort study. Gac Sanit. 2011; 25(4):308-13.
8. Morales-Asencio JM , Gonzalo-Jiménez E , Martin-Santos FJ , MorillaHerrera JC , Celdráan-Mañas M , Millán Carrasco A, et al. Effectiveness
of a nurse-led case management home care model in Primary Health
Care. A quasi-experimental, controlled, multi-centre study. BMC Health
Serv Res. 2008; 8:193.
9. Johansen I, Lindbaek M, Stanghelle JK, Brekke M. Effective
Rehabilitation of older people in a district rehabilitation centre. J
Rehabil Med. 2011; 43(5): 461-4.
10.De Vos P, Barroso I, Rodríguez A, Bonet M Van der Stuyft P. The
functioning of the Cuban home hospitalization programme: a
descriptive analysis. BMC Health Serv Res. 2007; 7:76.
11.Baratieri T, Mandú EN, Marcon SS. [Nurses understanding about the
bonding and longitudinality in family health care strategy]. Ciencia y
Enfermeria. 2012; 18(2):11-22. Portuguese.
12.Munyisia EN, Yu P, HaileyD. How nursing staff spend their time on
activities in a nursing home: an observational study. J Adv Nurs. 2011;
67(9):1908-17.
13. Thorsell KB, Nordström BM, Fagerström L, Sivberg BV. Time in care for
older people living in nursing homes. Nurs Res Pract. 2010; Article ID
148435, 10 pages.
14. Loganathan M, Singh S, Franklin BD, Bottle A, Majeed A. Interventions
to optimise prescribing in care homes: systematic review. Age Ageing.
2011; 40(2):150-2.
Villas Bôas ML, Shimizu HE
Anexo
Instrumento para dimensionamento de tempo necessário para realização de procedimentos
em visita domiciliar
Programa de internação domiciliar da SES-DF
Categoria profissional
Procedimento
Enfermagem
1ª Consulta de enfermagem (domiciliar)¹
Tempo 1
Tempo 2
Tempo 3
Média de tempo
Observação
Tempo 1
Tempo 2
Tempo 3
Média de Tempo
Observação
Tempo 1
Tempo 2
Tempo 3
Média de Tempo
Observação
ND
ND
ND
ND
DD
DD
DD
DD
DN
DN
DN
DN
Consulta subseqüente de enfermagem (domiciliar)
Aplicação de medicação por via muscular / subcutânea ²
Aplicação de medicação por via endovenosa ²
Instalação de soroterapia ³
Retirada de soroterapia ³
Passagem de sonda vesical para coleta de exame ³
Passagem de sonda vesical de demora ³
Passagem de sonda nasogástrica / nasoenteral ³
Coleta de sangue para exame ³
Curativo de úlcera de pressão grau II ³
Curativo de úlcera de pressão grau III ³
Curativo de úlcera de pressão grau IV ³
Curativo / desbridamento ³
Curativos múltiplos
Orientação ao cuidador
Orientação ao paciente
Avaliação de glicemia
Cuidados e orientações para pacientes com ostomias 4
Retirada de pontos de sutura 5
Mensuração de oximetria 5
Mensuração / avaliação e registro de sinais vitais 5
Registro e ciência do cuidador na ficha de visita domiciliar 6
Categoria profissional
Médico
Procedimento
1ª Consulta médica (domiciliar) 7
Consulta subseqüente do médico (domiciliar)
Orientação ao cuidador
Orientação ao paciente
Nutricionista
1a Consulta com nutricionista (domiciliar) 8
Consulta subseqüente do nutricionista (domiciliar)
Orientação ao cuidador / paciente
Fisioterapeuta
1ª Consulta com fisioterapeuta (domiciliar) 9
Consulta subseqüente do fisioterapeuta (domiciliar)
Sessão de fisioterapia (respiratória, motora, neurológica e/ou
traumatológica) / orientação ao cuidador e/ou paciente.10
Avaliação/adaptação de ambiente residencial
Tempo de deslocamento
Tempo de deslocamento do veículo da Unidade de Saúde para a
residência e retorno à Unidade.
Hora de chegada ao domicílio
Hora de saída do domicílio
ND - viagem entre o NRAD eo Domicílio
DD - viagem entre Domicílios
DN - viagem entre o domicílio eo NRAD ( Núcleo Regional de Atenção Domiciliar / Centro Regional de Home Care )
Nome do observador
Local / Data
Matrícula
Assinatura
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
39
Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal
ORIENTAÇÕES GERAIS
O objetivo deste instrumento é aferir o tempo despendido em cada procedimento realizado em domicílio
e em deslocamento do profissional, por meio de cronômetro. Os procedimentos estão divididos por categoria
profissional. Deve ser preenchido por observador treinado, isento de qualquer avaliação crítica do procedimento ou do profissional que está realizando a atividade. Cada aferição de tempo deve ser feita individualmente, ou seja, cronometrar um procedimento de cada vez, para não desviar a atenção.
O mesmo procedimento realizado para um paciente poderá ser aferido em visitas domiciliares diferentes.
Na tabela anexa há as colunas específicas por categoria profissional, por procedimento, por Tempos despendidos para a realização do procedimento e de deslocamento, Média de Tempo e Observações.
No Tempo1, registrar o tempo necessário para o procedimento avaliado. Numa segunda visita domiciliar,
será determinado o tempo despendido para aquele mesmo procedimento, e anotado no espaço Tempo 2 e
assim sucessivamente.
O tempo será marcado em horas, minutos e segundos ex.: 00h00min00seg.
Qualquer procedimento que não conste atualmente neste instrumento, poderá ser listado nos espaços em
branco ou no item “Observações”.
O profissional que irá realizar o procedimento deverá sinalizar ao observador o momento de início e fim
de cada atividade; por exemplo: “Aplicação de medicação por via subcutânea” - começar a contar tempo desde o momento de posicionamento do paciente para tal procedimento até o registro. O mesmo ocorre para
as outras ações.
A média de tempo equivale à soma dos Tempos 1, 2 e 3, dividido por 3 (exemplo).
Tempo de deslocamento: significa o tempo de deslocamento do veículo do NRAD ao local da visita no
domicílio (ND), entre domicílios (DD) e do domicílio ao NRAD (DN).
A rotina da equipe não deve ser modificada durante a aplicação do instrumento.
ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS
1. De acordo com o Relatório de Avaliação de Enfermagem para Pacientes em Internação Domiciliar que
consta noProjeto de Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal.
2. Inclui preparo da medicação, aplicação e registro.
3. Inclui preparo do material e do paciente, procedimento técnico, organização do local e preenchimento de
dados / registro. Para coleta de material para exame, excluir o tempo de deslocamento e entrega no laboratório. Nos
casos de curativo de úlcera de pressão, considerar o tempo que demanda o curativo de somente uma úlcera. O profissional que irá fazer o curativo deverá informar ao observador o grau de complexidade da úlcera.
4. Inclui os cuidados e orientações exclusivamente relacionadas à ostomia.
5. Inclui preparo do paciente, procedimento técnico e organização do local.
6. Inclui preenchimento da ficha de visita domiciliar, leitura pelo cuidador e assinatura do cuidador.
7. Segundo o Relatório de Avaliação Médica para Pacientes em Internação Domiciliar do Projeto de
Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal - 2007. Inclui avaliação e registro.
8. Segundo Plano de Avaliação Nutricional para Pacientes em Atendimento Domiciliar do Projeto de
Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal - 2007. Inclui avaliação e registro.
9. De acordo com o Relatório de Avaliação Fisioterápica do Projeto de Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal - 2007. Inclui avaliação e registro.
10. Considerar procedimento fisioterápico (fisioterapia motora, neurológica, respiratória e/ou traumatológica),
juntamente com a orientação que vai sendo fornecida ao cuidador e/ou paciente, durante a atividade desenvolvida.
40
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40.
Artigo Original
Adesão ao tratamento de pacientes com
insuficiência cardíaca em acompanhamento
domiciliar por enfermeiros
Treatment adherence in patients with heart failure
receiving nurse-assisted home visits
Vanessa Monteiro Mantovani1
Karen Brasil Ruschel1
Emiliane Nogueira de Souza1
Claudia Mussi1
Eneida Rejane Rabelo-Silva1
Descritores
Adesão do paciente; Cuidados de
enfermagem; Enfermagem prática;
Insuficiência cardíaca; Visita domiciliar
Keywords
Patient compliance; Nursing care;
Nursing, practical; Heart failure; Home
visit
Submetido
01 de setembro de 2014
Aceito
15 de setembro de 2014
Autor correspondente
Eneida Rejane Rabelo-Silva
Rua São Manoel, 963, Porto Alegre, RS,
Brasil. CEP: 90620-110
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500008
Resumo
Objetivo: Verificar a adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento
domiciliar por enfermeiras após alta hospitalar.
Método: Estudo tipo antes-depois realizado com pacientes recentemente internados por insuficiência cardíaca
descompensada. Três visitas domiciliares foram realizadas após alta em um intervalo de 45 dias. Avaliou-se
a adesão na primeira e terceira visitas através de um questionário validado (10 questões, ponto de corte 18
pontos=70%=adesão satisfatória). Durante a primeira e segunda visitas, os pacientes receberam educação
quanto à doença, adesão e autocuidado.
Resultados: Foram incluídos 32 pacientes, idade média 65±16 anos, 18(58%) masculinos. Os 32 pacientes
receberam um total de 96 visitas domiciliares. Os escores de adesão foram 16±2.6 vs 20.4±2.7 na
primeira e terceira visitas, respectivamente (p=0,001). Questões como peso e restrição hídrica aumentaram
significativamente após a intervenção.
Conclusão: A intervenção de educação no domicílio melhorou significativamente a adesão ao tratamento de
pacientes com insuficiência cardíaca e internação recente.
Abstract
Objective: To assess treatment adherence in patients with heart failure receiving nurse-led home visits after
hospital discharge.
Methods: This was a before-and-after study involving patients who had been recently hospitalized for
decompensated heart failure. Three home visits were conducted within 45 days of hospital discharge.
Treatment adherence was assessed in the first and third visits through a 10-item questionnaire (cutoff point:
18 = 70% adherence). In the first and second visits, patients were educated as to their condition, treatment
adherence and self-care.
Results: There were 32 patients included, mean age 65±16 years, 18(58%) male. The 32 patients received a
total of 96 home visits. Treatment adherence scores were of 16±2.6 vs 20.4±2.7 in the first and third visits,
respectively (p=0,001). Weight monitoring and liquid restriction behaviors improved significantly following the
intervention.
Conclusion: The in-home educational intervention led to significant improvements in the treatment adherence
of recently-hospitalized patients with heart failure.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflito de interesse a declarar.
1
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
41
Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros
Introdução
O manejo não farmacológico no acompanhamento de pacientes com insuficiência cardíaca vem demonstrando, ao longo das duas últimas décadas,
benefícios na redução de readmissões hospitalares,
melhora da sobrevida e, principalmente, da qualidade de vida.(1,2) Essa estratégia é baseada em educação
para saúde no que se refere ao conhecimento dessa
síndrome e ao autocuidado, envolvendo orientações
como restrição hidrossalina, atividade física, verificação diária de peso, reconhecimento precoce de
sinais e sintomas de descompensação, entre outras
medidas.(3)
No entanto, apesar da implementação dessas
estratégias aliadas ao tratamento farmacológico otimizado, as taxas de readmissão hospitalar após a
alta hospitalar por insuficiência cardíaca continuam
elevadas.(4) Por conseguinte, já foi constatado que as
principais causas de re-hospitalizações relacionamse à má adesão ao tratamento ou à incapacidade do
paciente de identificar sinais e sintomas preditivos
de descompensação da doença.(5-7)
No contexto de estratégias utilizadas para melhorar a adesão de pacientes com insuficiência cardíaca ao tratamento, tanto a monitorização por
telefone como a visita domiciliar já foram testadas
com benefícios comprovados tanto na adesão como
no autocuidado.(1,2,8) Na perspectiva da visita domiciliar, essa é uma estratégia que comprovadamente
facilita a abordagem dos pacientes e de suas famílias
a respeito de orientações sobre a insuficiência cardíaca e também em relação ao autocuidado. Inclui
o reforço e o acompanhamento de orientações previamente fornecidas em internações hospitalares e
a avaliação sistemática da adesão ao tratamento e
ao reconhecimento de sinais e sintomas de descompensação.(9,10)
Diante dessas evidências de que a visita domiciliar traz benefícios na adesão ao tratamento de
pacientes com insuficiência cardíaca e internação
recente por descompensação que o presente estudo foi desenvolvido. Nosso objetivo foi verificar a
adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por
enfermeiras após a alta hospitalar, com abordagem
42
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
de educação sobre a insuficiência cardíaca e tratamento. Este estudo torna-se relevante uma vez que
a adesão pode se relacionar ao alcance e à manutenção da estabilidade clínica e a menos crises de
descompensação.
Métodos
Trata-se de um estudo experimental antes-depois
realizado com pacientes que estiveram internados
por descompensação da insuficiência cardíaca em
duas instituições de referência no estado do Rio
Grande do Sul, Brasil. A intervenção de enfermagem e a avaliação da adesão ocorreram no domicílio dos pacientes, após a alta hospitalar, com a
realização de três visitas domiciliares por enfermeiras especialistas em um intervalo de 45 dias. A
primeira visita domiciliar ocorreu entre sete a dez
dias após a alta hospitalar, enquanto a segunda visita ocorreu entre 15 e 20 dias após a primeira, e
a terceira visita domiciliar ocorreu de 15 a 20 dias
após a segunda visita.
Incluíram-se no estudo, por meio de uma amostra de conveniência, pacientes internados por descompensação da insuficiência cardíaca de ambos os
sexos, idade igual ou superior a 18 anos, com fração
de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 45%,
que residiam a uma distância de até 25 km das instituições. Excluíram-se pacientes com barreiras de
comunicação e portadores de doenças neurológicas
degenerativas.
O tamanho da amostra foi calculado com base
no estudo que desenvolveu o questionário de adesão
ao tratamento mencionado anteriormente.(2) Os cálculos sugeriram que uma amostra de 32 pacientes
recebendo duas visitas cada (num total de 64 visitas)
seria necessária para detectar os resultados com 5%
de significância e 80% de poder.
Para os pacientes que preencheram os critérios
de inclusão e aceitaram participar do estudo, foram
coletados dados de identificação, dados clínicos (antropométricos, história da doença atual, pregressa,
comorbidades, dados ecocardiográficos, tratamento
farmacológico) e dados demográficos (sexo, idade,
situação socioeconômica, escolaridade).
Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EN, Mussi C, Rabelo-Silva ER
Em relação à adesão, foi aplicado um questionário de adesão previamente adaptado e validado para
uso no Brasil.(2) Trata-se de um instrumento com
dez questões relacionadas ao uso dos medicamentos prescritos, verificação diária do peso, ingesta de
sal, ingesta hídrica e comparecimento a consultas e
exames marcados. Cada questão possuía de três a
quatro alternativas; nas questões com quatro alternativas o escore variava de zero a quatro pontos, e
nas questões com três alternativas, o escore variava
de zero a três pontos. Dessa maneira, o escore geral
de adesão poderia variar de zero a 26 pontos. Um
escore mínimo de 18 pontos foi considerado como
ponto de corte para os pacientes aderentes ao tratamento, correspondendo a 70% de adesão.
Após a aplicação do instrumento na primeira visita domiciliar, foi realizado o exame físico em busca
de sinais clínicos de descompensação da insuficiência cardíaca. Também foi avaliada a classe funcional
de acordo com a New York Heart Association, classificando o paciente de I a IV, sendo I o paciente assintomático e IV o paciente com sintomas de
insuficiência cardíaca em repouso.(11) Após, foram
fornecidas orientações sobre a insuficiência cardíaca
e o tratamento, como: restrição hídrica e salina adequada ao paciente, controle efetivo do peso diário,
identificação de sinais e sintomas de descompensação da insuficiência cardíaca, ação e efeitos colaterais dos medicamentos prescritos e vacinação contra
a gripe e a pneumonia. Ao final da visita domiciliar,
foram verificadas e sanadas as dúvidas do paciente
e/ou familiar.
A segunda visita domiciliar ocorreu duas semanas após a primeira. Nessa visita, foi realizado o exame físico e avaliada a classe funcional,
da mesma forma foram verificadas as dúvidas do
paciente e/ou familiar com relação ao tratamento e novamente foram reforçadas as orientações
quanto ao tratamento e autocuidado. A terceira
visita domiciliar ocorreu duas semanas após a segunda visita. Nessa visita, foi aplicado o mesmo
instrumento de avaliação de adesão aplicado na
primeira visita, com objetivo de avaliar se houve melhora da adesão com a realização das visitas
domiciliares. Também foi realizado o exame físico
com avaliação da classe funcional. Depois disso,
foram novamente reforçadas as mesmas orientações das visitas anteriores.
As variáveis contínuas foram expressas como
média e desvio padrão para aquelas com distribuição normal; as categóricas com frequências absolutas e percentuais. Os escores de adesão foram
comparados pelo teste t pareado e um p < 0,05 foi
considerado significativo.
A realização do estudo seguiu padrões éticos
nacionais e internacionais de pesquisa com seres
humanos.
Resultados
Foram incluídos no estudo 32 pacientes, com idade
média de 65±16 anos, 18(58%) do sexo masculino.
A maioria dos pacientes residia com dois ou mais
membros da família. Cinquenta por cento tinha até
seis anos de estudo e ganhavam até três salários mínimos. A etiologia mais prevalente da insuficiência
cardíaca foi a isquêmica, e a fração de ejeção média
da amostra foi de 30±7%. Em relação às medicações
em uso, foi constatado que os pacientes utilizavam
em média sete classes diferentes de medicamentos.
No que se refere às internações prévias, 21(67%)
pacientes estiveram internados pelo menos uma
vez devido à insuficiência cardíaca descompensada nos últimos 12 meses. Dentre as comorbidades
apresentadas pelos pacientes, a hipertensão arterial
sistêmica e o diabete mellitus estiveram presentes
em 62,5% e 37,5% da amostra, respectivamente.
O número de pacientes nas classes funcionais I e
II, que representam pacientes assintomáticos ou
com sintomas ao esforço intenso, aumentou entre
a primeira visita domiciliar (58%) e a terceira visita
domiciliar (75%). Estas e as demais características
estão demonstradas na tabela 1.
Os 32 pacientes receberam um total de 96 visitas
domiciliares. Em relação ao escore geral de adesão,
os pacientes apresentaram aumento com diferença
estatisticamente significativa no escore na comparação dos dados da primeira visita domiciliar para
a terceira. Conforme ilustra a figura 1, na primeira
visita, o escore foi igual a 16,0±2,6 pontos e, na terceira visita, foi igual a 20,4±2,7 pontos (p = 0,001).
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
43
Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros
Tabela 1. Características clínicas e demográficas dos pacientes
com insuficiência cardíaca
Características
Média±dp
Idade (anos) *
8
n(%)
65 ± 16
Gênero (masculino) †
18(58)
Cor (branca)
21(71)
6
6±3
Status profissional (aposentados)
18(58)
Moram com dois ou mais membros da família
Renda familiar (salários mínimos) *
26(83)
3±1
Etiologia da insuficiência cardíaca
Isquêmica
Frequência
Tempo de estudo (anos)
*
4
12(37,5)
Hipertensiva
8(25)
Fração de ejeção do ventrículo esquerdo*
30 ± 7
Número de medicações em uso
7±2
*
Internações prévias
2
21(67)
Comorbidades presentes
Hipertensão arterial sistêmica
20(62,5)
Diabetes mellitus
12(37,5)
Dislipidemia
11(33,3)
Classe Funcional I-II na visita domiciliar 1
18(58)
Classe Funcional I-II na visita domiciliar 3
24(75)
0
10.00
12.00
14.00
16.00
18.00
10.00
22.00
Visita domiciliar 1
6
*Variáveis contínuas são expressas como média ± desvio padrão; n = 32
5
24
P = 0.001*
4
Frequência
22
Escore de adesão
20
18
3
2
16
14
1
12
0
10
15.00
Visita domiciliar 1
44
Visita domiciliar 3
17.50
20.00
22.50
25.00
Visita domiciliar 3
Figura 1. Comparação do escore de adesão ao tratamento de
pacientes com insuficiência cardíaca; Teste t pareado
Figura 2. Comparação entre o escore de acertos na primeira e
na terceira visita domiciliar; Teste Qui-Quadrado
Foi observada significativa melhora da adesão
ao tratamento entre a primeira e a segunda visita,
conforme a figura 2. Na primeira visita, houve um
escore mínimo de 11 pontos, e máximo de 22 pontos. Já na terceira visita o escore mínimo foi igual a
15 pontos e o máximo foi de 25 pontos.
Em relação ao ponto de corte para adesão, na
primeira visita 53,1% dos pacientes atingiram o
escore mínimo de 18 pontos, enquanto na terceira
visita 81,3% dos pacientes obtiveram a pontuação
mínima. Essa diferença foi estatisticamente significativa (p = 0,001).
Na tabela 2 estão listadas as questões do questionário de adesão ao tratamento na primeira visita e na terceira visita. Observa-se que nenhuma
questão apresentou decréscimo no percentual de
adesão entre a primeira e a terceira visita, contudo,
determinadas questões apresentaram aumento no
percentual, como o uso correto dos medicamentos
prescritos, o controle da ingesta salina e o comparecimento às consultas e aos exames agendados.
As questões que apresentaram maior diferença no
percentual de adesão foram aquelas relacionadas à
verificação diária do peso, que aumentou de zero
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EN, Mussi C, Rabelo-Silva ER
Tabela 2. Percentual de adesão ao tratamento por questões respondidas na primeira e terceira visitas domiciliares
Questões
Visita 1
n(%)
Visita 3
n(%)
1. Usou os medicamentos nos últimos 15 dias, de acordo com a prescrição médica?
20(62,5)
22(68,8)
2. Você verifica o seu peso todos os dias?
0
8(25)
3. Você não utiliza sal nos seus alimentos?
31(96,9)
31(96,9)
4. Você não adiciona especiarias, molhos e outros alimentos fabricados com sal nas suas refeições?
32(100)
32(100)
5. Você não faz refeições ou come alimentos fora de casa, sem restrição de sal?
23(71,9)
24(75)
6. Você faz as refeições com ingestão de sopas, sorvete, gelatina, geléia, suco, leite, chá, café, de bebidas não alcoólicas, etc, não considerando a
quantidade de líquido?
5(15,6)
17(53,1)
7. Você diminuiu a ingestão de líquidos de acordo com a instrução do seu médico ou enfermeiro?
13(40,6)
23(71,9)
8. Você come frutas com maiores quantidades de líquidos, sem considerar o líquido, tais como laranjas, melão, melancia, abacaxi, água de coco, etc?
19(59,4)
27(84,4)
9. Você não ingere bebida alcoólica?
27(84,4)
29(90,6)
10. Você compareceu a todas as consultas médicas ou exames agendados?
26(81,3)
31(96,9)
para 25%, e as questões relacionadas ao controle
da ingesta hídrica.
Discussão
Os resultados deste estudo identificaram que as
orientações realizadas pelas enfermeiras foram efetivas em melhorar a adesão por parte dos pacientes. Observou-se que as questões como verificação
diária do peso e controle da ingesta hídrica foram
as que apresentaram maior melhora de desempenho
durante o estudo. A ingestão descontrolada de líquidos em pacientes com insuficiência cardíaca refletese no aumento do peso e, consequentemente, nos
sinais de descompensação da doença. As ações relacionadas ao autocuidado, como redução da ingesta
hídrica e a necessidade do controle de peso diário,
possuem influência visível na piora da doença e foram as mais bem absorvidas pelos pacientes.
Em relação à classe funcional, as classes I-II também foram mais prevalentes na terceira visita, o que
demonstra que houve uma melhora no aspecto clínico dos pacientes. A adesão ao tratamento em pacientes com insuficiência cardíaca é considerada um
ponto crítico. Sabe-se que pacientes que utilizam
medicações para doenças crônicas normalmente possuem conhecimento baixo sobre seus efeitos, fatores
que podem afetar a adesão ao tratamento e a segurança dos medicamentos.(7,12) Sabe-se também que a
adequada adesão ao tratamento é essencial para evitar
crises de descompensação. No entanto, isto tem sido
uma importante limitação para alguns pacientes, e
por conta disso, as taxas de readmissões por insuficiência cardíaca continuam elevadas.(4) Nesse contex-
to, a má adesão ao tratamento configura-se entre os
principais fatores precipitantes de descompensação
da doença que leva à readmissão hospitalar.(5)
Em relação à baixa adesão ao tratamento, esta
pode estar relacionada a fatores de risco como escolaridade e distúrbios psicológicos (como depressão),(13) somados às características da doença e
à complexidade do tratamento.(14) Além disso, os
custos, a quantidade de medicações e seus efeitos,
as comorbidades que o paciente apresenta e o relacionamento entre profissional de saúde e paciente
também influenciam na adesão ao tratamento.(11)
No nosso estudo, o número de medicações diferentes utilizadas pelos pacientes variou de quatro a dez
por conta de outras comorbidades.
No entanto, ainda é considerado difícil traçar
o perfil do paciente não aderente. Os resultados de
uma revisão sistemática publicada recentemente
demonstraram relação entre hospitalizações prévias e maiores taxas de adesão, provavelmente devido ao fato do paciente estar com sintomas exacerbados na internação, recebendo maior orientação
da equipe de saúde e com medo de descompensar
novamente. Outros determinantes presumidos,
como condições socioeconômicas, comorbidades,
medicamentos prescritos, foram considerados inconsistentes. O nível educacional do paciente e
o número de profissionais de saúde que o acompanham também não indicaram maiores taxas de
adesão. Devido à falta de evidências, os autores
não conseguiram elaborar um plano de recomendações para futuras intervenções.(15)
Em relação à visita domiciliar, poucos estudos
analisaram o seu impacto na adesão ao tratamento
da insuficiência cardíaca, provavelmente devido à
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
45
Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros
escassez de instrumentos para avaliar tal questão.
No primeiro estudo de intervenção multidisciplinar
em insuficiência cardíaca, foi demonstrado que o
acompanhamento de pacientes por equipe especializada para educação sobre a doença, autocuidado e
adesão ao tratamento resultou em melhora significativa da qualidade de vida e da adesão nos pacientes do grupo intervenção.(16)
Seguindo essa mesma linha, um estudo de 2012
avaliou, através de um ensaio clínico randomizado, a
efetividade de um programa de intervenção de enfermagem, realizando encontros, telefonemas e visitas
domiciliares, no aumento do autocuidado em pacientes com insuficiência cardíaca. Foram incluídos 66
pacientes, com período de seguimento de nove meses.
No grupo intervenção, o percentual de autocuidado
teve um aumento de 66% versus 26% de aumento no
grupo controle, com diferença estatisticamente significativa (p<0.001). Concluiu-se que a intervenção
educativa traz benefícios no aumento do autocuidado
em pacientes com insuficiência cardíaca.(8)
Um estudo piloto publicado em 2010 teve como
objetivo desenvolver, implementar e testar a eficácia
inicial de um programa de intervenção baseado em
visitas domiciliares guiadas por enfermeiras. Foram
incluídos 24 pacientes nessa primeira etapa. O grupo intervenção apresentou melhora significativa nos
índices de qualidade de vida e diminuição de sintomas de depressão, também significativos quando
comparados ao grupo controle. Houve também menores taxas de hospitalização no grupo intervenção,
mas sem diferença estatisticamente significativa.(17)
Dessa maneira, a visita domiciliar também foi identificada como uma estratégia eficaz, pois promove
o aumento do autocuidado, que, por conseguinte
auxilia no aumento da adesão e colabora na redução
das readmissões hospitalares e morte.
Uma recente revisão sistemática demonstrou
que intervenções multidisciplinares em pacientes
com insuficiência cardíaca incluem consultas em
clínicas com médicos, enfermeiros, nutricionistas
ou assistentes sociais, além de visitas domiciliares,
monitorização por telefone, vídeos educativos, e
intervenções realizadas durante internação hospitalar. Os resultados dessa revisão demonstraram
que as estratégias que envolvem manejo multi-
46
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
disciplinar reduzem os índices de readmissão por
insuficiência cardíaca descompensada, colaboram
na diminuição nas taxas de mortalidade e evidenciaram que as intervenções realizadas em ambiente domiciliar foram as mais efetivas.(1) A visita
domiciliar destaca-se por buscar, principalmente
em relação às pessoas idosas, a recuperação de sua
autonomia e independência, ajudando a reduzir a
ansiedade e a depressão, além de melhorar a qualidade de vida.(18) As visitas domiciliares também
contribuem para a interação entre enfermeiras, familiares e pacientes, ajudando a estabelecer uma
forte aliança terapêutica, o que provavelmente resultará em melhorias no autocuidado e na autoeficiência dos pacientes com insuficiência cardíaca.(19)
Sabe-se que a insuficiência cardíaca é uma doença que provoca uma sensível perda na qualidade de
vida, resultando muitas vezes, em aposentadorias
precoces e altos custos socioeconômicos para os sistemas de saúde. O maior desafio da equipe de saúde
está em prevenir a descompensação da insuficiência
cardíaca, por isso é importante concentrar investimentos na difusão das informações e na educação
popular.(11) O sucesso do tratamento não farmacológico requer esforços continuados e frequentes, objetivando manter a aproximação da equipe junto aos
pacientes e seus cuidadores, reforçando dessa forma
as orientações sobre a doença e o autocuidado.(3)
Um estudo recente demonstrou que o monitoramento dos sintomas, especialmente do peso e do
edema dos membros inferiores, é o primeiro passo
para a realização do manejo adequado do autocuidado, o que poderia ajudar os pacientes com insuficiência cardíaca a evitar a re-hospitalizações.(20)
Por isso, o atendimento multidisciplinar a pacientes
com insuficiência cardíaca deve estar voltado para
os fatores que podem exacerbar a doença, estando
atento às respostas que o paciente apresenta ao esforço físico, além de observar manifestações de sinais e sintomas de descompensação. O sucesso do
plano terapêutico para pacientes com insuficiência
cardíaca depende principalmente da participação
ativa do paciente e da adesão, associado à escolha
adequada do tratamento pela equipe de saúde.
Além disso, é necessário identificar os fatores que
dificultam a adesão para que a equipe de saúde e
Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EN, Mussi C, Rabelo-Silva ER
o paciente pensem em conjunto estratégias para alcançar os melhores resultados.(3)
Conclusão
As orientações realizadas pelos enfermeiros quanto
aos cuidados farmacológicos e não farmacológicos
em cada visita promoveram o aumento no escore de
adesão ao tratamento, principalmente nas questões
relacionadas à verificação diária de peso e restrição
da ingesta hídrica.
Agradecimentos
Ao Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre e à Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Pesquisa
para o SUS-PPSUS 2008-2009).
Colaborações
Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EM Mussi C e
Rabelo ERS declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo
intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.
Referências
1. Lambrinou E, Kalogirou F, Lamnisos D, Sourtzi P. Effectiveness of heart
failure management programmes with nurse-led discharge planning in
reducing re-admissions: a systematic review and meta-analysis. Int J
Nurs Stud. 2012;49(5):610-24.
2. Bocchi EA, Cruz F, Guimarães G, Moreira LFP, Issa VS, Ferreira
SMA, et al. A Long-term Prospective Randomized Controlled Study
Using Repetitive Education at Six-Month Intervals and Monitoring for
Adherence in Heart Failure Outpatients: The REMADHE Study Trial. Circ
Heart Fail. 2008;1:115-24.
3. Francis GS, Greenberg BH, Hsu DT, Jaski BE, Jessup M, LeWinter
MM, et al. ACCF/AHA/ACP/HFSA/ISHLT 2010 clinical competence
statement on management of patients with advanced heart failure
and cardiac transplant: a report of the ACCF/AHA/ACP Task Force on
Clinical Competence and Training. Circulation. 2010;122(6):644-72.
4. Jencks SF, Williams MV, Coleman EA. Rehospitalizations among
Patients in the Medicare Fee-for-Service Program. N Engl J Med.
2009;360(14):1418-28.
5. Ambardekar AV, Fonarow GC, Hernandez AF, Pan W, Yancy CW, Krantz
MJ. Characteristics and in-hospital outcomes for nonadherent patients
with heart failure: Findings from Get With The Guidelines-Heart Failure
(GWTG-HF). Am Heart J. 2009;158(4):644-52.
6. Nieuwenhuis MMW, Jaarsma T, van Veldhuisen DJ, van der Wal MHL. Selfreported versus ‘true’ adherence in heart failure patients: a study using the
Medication Event Monitoring System. Neth Heart J. 2012;20:313–19.
7. Diaz A, Ciocchini C, Esperatti M, Becerra A, Mainardi S, Farah A.
Precipitating factors leading to decompensation of chronic heart failure
in the elderly patient in South-American community hospital. J Geriatr
Cardiol. 2011 Mar;8(1):12-4.
8. Rodriguez-Gazquez MLA, Arredondo-Holguin E, Herrera-Cortes R.
Effectiveness of an educational program in nursing in the self-care of
patients with heart failure: randomized controlled trial. Rev Latinoam
Enferm. 2012;20(2):296-306.
9. Agrinier N, Altieri C, Alla F, Jay N, Dobre D, Thilly N, Zannad F.
Effectiveness of a multidimensional home nurse led heart failure
disease management program-A French nationwide time-series
comparison. Int J Cardiol. 2013;168(4):3652-8.
10.Brotons C, Falces C, Alegre J, Ballarín E, Casanovas J, Catà T, et
al. Randomized Clinical Trial of the Effectiveness of a Home-Based
Intervention in Patients With Heart Failure: The IC-DOM Study. Rev Esp
Cardiol. 2009;62(4):400-8.
11. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D,
Rodrigues D, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualização da
Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras
Cardiol. 2012;98(1 Supl. 1):1-33.
12. Chan FW, Wong FY, So WY, Kung K, Wong CK. How much do elders with
chronic conditions know about their medications? BMC Geriatr. 2013
13:59.
13.Marti CN, Georgiopoulou VV, Giamouzis G, Cole RT, Deka A, Tang
WHW, et al. Patient-Reported Selective Adherence to Heart Failure
Self-Care Recommendations, a Prospective Cohort study: The Atlanta
Cardiomyopathy Consortium. Congest Heart Fail. 2013;19(1):16–24.
14.Dickson VV, Buck H, Riegel, B. A Qualitative Meta-Analysis of Heart
Failure Self-Care Practices Among Individuals With Multiple Comorbid
Conditions. J Cardiac Fail. 2011;17:413-19.
15.Oosterom-Calo R, van Ballegooijen AJ, Terwee CB, te Velde SJ,
Brouwer IA, Jaarsma T, Brug J. Determinants of adherence to heart
failure medication: a systematic literature review. Heart Fail Rev.
2013;18(4):409-27.
16.Rich MW, Gray DB, Beckham V, Wittenberg C, Luther P. Effect of a
multidisciplinary intervention on medication compliance in elderly
patients with congestive heart failure. Am J Med. 1996;101(3):270-6.
17. Delaney C, Apostolidis B. Pilot testing of a multicomponent home care
intervention for older adults with heart failure: an academic clinical
partnership. J Cardiovasc Nurs. 2010;25(5):27-40.
18.Tsuchihashi-Makaya M, Matsuo H, Kakinoki S, Takechi S, Kinugawa
S, Tsutsui H. Home-Based Disease Management Program to Improve
Psychological Status in Patients With Heart Failure in Japan. Circ J.
2013;77:926–33.
19. Yehle KS, Plake KS. Self-efficacy and educational interventions in heart
failure: A review of the literature. J Cardiovasc Nurs. 2010;25:175–88.
20.Lee KS, Lennie TA, Dunbar SB, Pressler SJ, Heo S, Song EK, et al.
The association between regular symptom monitoring and self-care
management in patients with heart failure. J Cardiovasc Nurs. 2014;17. [Epub ahead of print] doi: 10.1097/JCN.0000000000000128.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
47
Artigo Original
Qualidade de vida e adesão à medicação
antirretroviral em pessoas com HIV
Quality of life and adherence to antiretroviral medication in people with HIV
Marli Teresinha Gimeniz Galvão1
Larisse Lima Soares2
Samyla Citó Pedrosa1
Maria Luciana Teles Fiuza1
Larissa de Araújo Lemos1
Descritores
Cuidados de enfermagem; Adesão à
medicação; HIV; Infecções por HIV;
Qualidade de vida
Keywords
Nursing care; Medication adherence;
HIV; HIV infections; Quality of life
Submetido
29 de Setembro de 2014
Aceito
3 de Novembro de 2014
Autor correspondente
Larissa de Araújo Lemos
Rua Alexandre Baraúna, 1115, Rodolfo
Teófilo, Fortaleza, CE, Brasil.
CEP: 60.430-160
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500009
48
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53.
Resumo
Objetivo: Avaliar e correlacionar a qualidade de vida e a adesão à terapia antirretroviral em pessoas com HIV.
Métodos: Estudo transversal, desenvolvido com 45 pessoas com HIV em tratamento ambulatorial. Os
instrumentos utilizados foram: questionário para avaliação da adesão ao tratamento antirretroviral (CEAT-VIH)
e escala para avaliação da qualidade de vida em pessoas com HIV (HAT-QoL). Foi realizada análise descritiva
e empregado o teste de correlação linear de Spearman.
Resultados: A qualidade de vida mostrou-se comprometida nos domínios relacionados às atividades gerais;
sexuais; preocupação com a saúde, com o sigilo, com questões financeiras; e conscientização sobre o HIV.
Houve predomínio da adesão inadequada em 51,3% dos participantes. A correlação entre os escores das
escalas mostrou significância estatística nos domínios relacionados à medicação e confiança no profissional.
Conclusão: A qualidade de vida apresentou comprometimento em seis domínios da escala e a adesão
encontrou-se inadequada na maioria das pessoas com HIV.
Abstract
Objective: To assess and correlate the quality of life and adherence to antiretroviral therapy in people with HIV.
Methods: A cross-sectional study was performed with 45 outpatients with HIV. The instruments used were: a
questionnaire to assess adherence to antiretroviral therapy (CEAT- HIV), and a scale for assessing quality of
life in people with HIV (HAT-QoL). A descriptive analysis was performed and the Spearman’s linear correlation
test was used.
Results: Quality of life was compromised in the dimensions related to overall function; sexual function; health,
disclosure and financial worries; and HIV mastery. Poor adherence prevailed in 51.3% of participants. The
correlation between the scores of the scales was statistically significant in the dimensions of medication
concerns and provider trust.
Conclusion: The quality of life was compromised in six dimensions of the scale and adherence scale was
inadequate in most people with HIV.
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
Secretaria de Saúde de Madalena, Madalena, CE, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
Galvão MT, Soares LL, Pedrosa SC, Fiuza ML, Lemos LA
Introdução
Métodos
Na década de 1990, o Brasil adotou a política de
acesso universal à terapia antirretroviral, de distribuição gratuita para todas as pessoas vivendo com
HIV, cujas estratégias eram voltadas para a prevenção de novos casos da infecção e para o controle dos
agravos da epidemia, o que implicou na redução da
morbidade e mortalidade associada à infecção pelo
HIV e da ocorrência de internações, proporcionando o aumento na expectativa de vida.(1)
A Aids tornou-se uma doença crônica devido ao
avanço na terapêutica, caracterizada pela elevação
significativa na expectativa de vida, implicando na
necessidade de avaliação da qualidade de vida das
pessoas acometidas. Com o aumento da sobrevida
das pessoas que vivem com HIV ocasionado pelos
avanços terapêuticos na área, as preocupações voltaram-se para a qualidade de vida, o que a torna um
importante critério para avaliação da efetividade dos
tratamentos e das intervenções na área da saúde.(2)
A compreensão da qualidade de vida dessas pessoas se configura de maneira fundamental, considerando a evolução crônica da infecção pelo HIV,
a possibilidade de tratamento, maior sobrevida, o
convívio com uma condição estigmatizante e o fato
de ser incurável até o momento, com inúmeras consequências biopsicossociais que repercutem na qualidade de vida.(3)
Os avanços tecnológicos e a redução do número
de comprimidos diários da terapia antirretroviral, a
exemplo da associação de medicamentos, ocasionaram a facilitação da adesão ao tratamento. Os horários de administração dos medicamentos e os efeitos
adversos ocasionados por eles podem ser levados em
consideração ao avaliar a adesão, pois existe dificuldade de manutenção dessas rotinas por longos
períodos, o que pode influenciar no sucesso do tratamento. Ainda, as alterações na qualidade de vida
podem estar relacionadas à medida que se prolonga
o tempo de tratamento com os antirretrovirais.(4)
Nesse contexto, o objetivo do presente estudo
foi avaliar a qualidade de vida e a adesão ao tratamento antirretroviral em pessoas com HIV em
acompanhamento ambulatorial, e correlacionar os
escores das escalas de qualidade de vida e de adesão.
Trata-se de um estudo transversal, exploratório,
com abordagem quantitativa, desenvolvido no ambulatório de infectologia do Hospital Universitário
Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará,
com pessoas ingressantes no serviço que obedeciam
aos seguintes critérios de inclusão: ter diagnóstico
confirmado de HIV registrado formalmente no
prontuário; idade igual ou superior a 18 anos e ter
iniciado acompanhamento ambulatorial em um período inferior a um ano. Foram critérios de exclusão:
indivíduos em situação de privação de liberdade,
com dificuldade cognitiva e em estado gestacional.
Os participantes foram recrutados a partir de
amostragem por conveniência, à medida que compareciam ao serviço para atendimento. O período
da coleta de dados compreendeu os meses entre setembro de 2011 e abril de 2012. Os dados foram
captados quando as pessoas que vivem com HIV
compareciam às consultas médicas, em local privativo, antes do início da consulta.
De acordo com os dados fornecidos pelo hospital, em 2012, ingressaram 65 pessoas para acompanhamento em saúde. O número incluído no estudo foi de 45 pessoas com HIV, com prescrição
de terapia antirretroviral, representando aproximadamente 70% do total de atendidos no período
delimitado para o estudo. Duas pessoas recusaram
participar do estudo.
Foram utilizados, para coleta de dados, o questionário para avaliação sociodemográfica e clínica, o
questionário para avaliação da adesão ao tratamento
antirretroviral (CEAT-VIH),(5) e a escala para avaliação da qualidade de vida em pessoas com HIV
(HAT-QoL).(6)
O instrumento sociodemográfico e clínico contém variáveis relacionadas à identificação pessoal,
condição econômica, social, educacional, dados clínicos e epidemiológicos sobre a doença, como exames laboratoriais e duração do tratamento.
O CEAT-VIH é um instrumento validado no
Brasil que possui 20 itens com função de identificar o grau de adesão ao tratamento antirretroviral
em pessoas com infecção pelo HIV.(5) Para a análise, agruparam-se os escores obtidos em dois gruActa Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53.
49
Qualidade de vida e adesão à medicação antirretroviral em pessoas com HIV
pos classificados em adesão boa/adequada e estrita
(escore bruto ≥75) e inadequada baixa/insuficiente
(escore bruto ≤74).
A HAT-QoL é uma escala validada para o Brasil
que possui 42 itens divididos em nove domínios, a
saber: atividades gerais, atividades sexuais, preocupação com o sigilo, preocupação com a saúde, preocupações financeiras, conscientização sobre o HIV,
satisfação com a vida, questões relativas à medicação
e confiança no profissional. A soma dos escores obtidos em cada domínio foi estudada em uma escala
análoga de zero a 100 pontos. Valores aproximados
ou igual a zero correspondem a pior qualidade de
vida, e números próximos a 100 indicam melhor
qualidade de vida.(6) O ponto de corte utilizado neste estudo foi de 75 pontos.
As variáveis sociodemográficas e clínicas relacionadas ao HIV foram apresentadas mediante uso de
distribuições de frequências univariadas e medidas
descritivas. Para descrever os índices dos domínios
da HAT-QoL, utilizou-se média, desvio padrão e
percentis. A escala CEAT-VIH foi sintetizada no
indicador desfecho do estudo em adesão adequada
e inadequada. Foi utilizado o teste de correlação linear de Spearman para verificar as correlações entre os escores das escalas. O nível de significância
adotado em todas as análises estatísticas foi de 5%
(p≤0,05).
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
esquema fosse readequado. Assim, avaliou-se a qualidade de vida de 45 pessoas e a adesão à terapia
antirretroviral de 39 pessoas.
Houve predomínio de pessoas do sexo masculino (66,6%), com idades entre 18 e 39 anos (62,3%),
solteiras (73,3%), com escolaridade igual ou superior a dez anos de estudo (73,3%), e empregadas
(66,6%). Quanto à condição econômica, 62,2%
informaram renda igual ou inferior a dois salários
mínimos (na época do estudo, o salário mínimo vigente era de R$622,00, equivalente a US$311,00).
Entre aqueles que utilizavam a terapia antirretroviral no momento da entrevista (n=39), 77,8% faziam
uso de até três comprimidos por dia. Em relação à
contagem de linfócitos T CD4+, 51,1% tinham resultados superiores a 500 células/mm³ (Tabela 1).
Tabela 1. Características sociodemográficas e clínicas das 45
pessoas vivendo com HIV
Característica
n(%)
Grupo etário (em anos)
18-39
28(62,3)
≥40
17(37,7)
Gênero
Masculino
30(66,6)
Feminino
15(33,4)
Escolaridade (em anos)
≤9
12(26,7)
≥10
33(73,3)
Estado civil
Casados/união consensual
12(26,7)
Solteiros/viúvos
33(73,3)
Renda familiar (em salários mínimos*)
Resultados
≤2
28(62,2)
>2
17(37,8)
Situação ocupacional
Durante o desenvolvimento do estudo, ao ser aplicada a avaliação da adesão à medicação, do total de
45 participantes, seis não estavam em uso dos antirretrovirais em virtude de abandono do tratamento
ou não adequação aos medicamentos. Desse modo,
foram avaliadas 39 pessoas que, de fato, estavam em
uso da terapia antirretroviral. Entretanto, julgou-se
necessário incluí-las na avaliação da qualidade de
vida, tendo em vista que elas retornariam ao tratamento tão logo reconhecessem a importância do
uso ininterrupto dos medicamentos ou quando o
50
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53.
Empregado
30(66,6)
Desempregado
15(33,4)
Categoria de exposição
Sexual
40(88,9)
Sanguínea
5(11,1)
Número de comprimidos por dia
≤3
35(77,8)
≥4
10(22,2)
CD4+ (cel/mm³)
≤500
22(48,9)
>500
23(51,1)
*Na época do estudo, o salário mínimo vigente era de R$622,00, equivalente a US$311,00
Galvão MT, Soares LL, Pedrosa SC, Fiuza ML, Lemos LA
Tabela 2. Medidas descritivas dos domínios da escala para avaliação da qualidade de vida (HAT-QoL)
Itens
n
Média (± DP)
P50
Máximo
Mínimo
P25
P75
P75-P25
Atividades gerais
Domínios
7
45
70,9(±22,7)
75,0
100
7,1
53,6
89,3
35,7
Atividades sexuais
3
45
68,1(±22,8)
62,7
100
0,0
58,3
83,3
25,0
Preocupação com o sigilo
5
45
38,8(±26,3)
35,0
100
0,0
20,0
55,0
35,0
Preocupação com a saúde
5
45
62,7(±26,0)
65,0
100
5,0
45,0
85,0
40,0
Preocupações financeiras
4
45
55,3(±29,6)
56,3
100
0,0
31,3
75,0
43,8
Conscientização sobre o HIV
3
45
71,1(±23,1)
75,0
100
16,7
40,0
91,7
41,7
Satisfação com a vida
8
45
79,1(±21,9)
81,3
100
0,0
68,8
93,8
25,0
Questões relativas à medicação
4
39
79,8(±20,0)
87,5
100
37,5
68,8
100
31,2
Confiança no profissional
3
45
91,3(±17,4)
100,0
100
0
83,3
100
16,7
DP – desvio-padrão; P50 – percentil 50; P25 – percentil 25; P75 – percentil 75
Em relação à avaliação da adesão aos medicamentos através da CEAT-VIH, 51,3% apresentaram
grau de adesão inadequado ao tratamento, indicando uso incorreto e/ou descontínuo das medicações.
No tocante à avaliação da qualidade de vida pela
HAT-QoL, dos nove domínios, seis apresentaram
a média de escores com valor inferior a 75 pontos,
demonstrando comprometimento na qualidade de
vida, a saber: atividades gerais (70,9), atividades sexuais (68,1), preocupação com o sigilo (38,8), preocupação com a saúde (62,7), preocupações financeiras (55,3) e conscientização sobre o HIV (71,1)
(Tabela 2).
As correlações entre os escores dos domínios
da HAT-QoL e a pontuação do CEAT-VIH foram fracas e estatisticamente significantes entre
os domínios sobre questões relativas à medicação
(p=0,0056) e confiança no profissional (p=0,0278),
indicando que as pessoas com melhor qualidade de
vida nesses domínios também apresentaram adesão
adequada ao uso dos antirretrovirais (Tabela 3).
Tabela 3. Correlações das pontuações da escala para avaliação
da qualidade de vida (HAT-QoL) e questionário para avaliação da
adesão ao tratamento antirretroviral (CEAT-VIH)
Domínios do HAT-QoL
Correlação com pontuação da CEAT-VIH*
Atividades gerais
(r=0,0680; p=0,6808)
Atividades sexuais
(r=-0,0106; p=0,9490)
Preocupação com o sigilo
(r=-0,1420; p=0,3884)
Preocupação com a saúde
(r=-0,1953; p=0,2335)
Preocupações financeiras
(r=0,1518; p=0,3562)
Conscientização sobre o HIV
(r=-0,0235; p=0,8869)
Satisfação com a vida
(r=0,2869; p=0,0766)
Questões relativas à medicação
(r=0,4354; p=0,0056)
Confiança no profissional
(r=0,3523; p=0,0278)
* Correlação linear de Spearman.
Discussão
A limitação do estudo deu-se pelo tamanho amostral, tendo em vista que, para contemplar um dos
critérios de inclusão, o participante deveria ter ingressado para acompanhamento ambulatorial em
saúde em um período inferior a um ano, de modo
que os demais pacientes que estavam em seguimento a mais de um ano não foram inclusos na pesquisa, situação que culminou em um número reduzido
de sujeitos na amostra.
Em relação à contribuição dos resultados deste
estudo, pode-se afirmar que o conhecimento produzido acerca da qualidade de vida prejudicada e
da adesão inadequada aos antirretrovirais possibilita
traçar estratégias baseadas nas necessidades desses
pacientes, visando melhorar a adesão e a qualidade
de vida, e estabelecer cuidados direcionados a essas
pessoas que vivem com HIV, contribuindo para a
melhoria da prática assistencial e do acompanhamento em saúde.
Neste estudo, houve o predomínio de pessoas
do sexo masculino e da faixa etária de 18 a 39 anos.
A diferença do papel social entre homens e mulheres promove influências negativas na qualidade de
vida principalmente das mulheres portadoras do vírus. O acometimento do HIV na faixa etária correspondente à idade fértil pode produzir perdas significativas tanto na área social quanto na econômica.(7)
A prevalência de participantes do gênero masculino
na presente pesquisa corrobora com diversos estudos realizados ao longo do tempo.(3,7-9)
Em relação à escolaridade, no presente estudo,
observou-se parcela significativa de pessoas que
concluíram o Ensino Médio, diferente do enconActa Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53.
51
Qualidade de vida e adesão à medicação antirretroviral em pessoas com HIV
trado na literatura que aponta escolaridade inferior,
predominando o Ensino Fundamental incompleto.
(4)
As pessoas com Ensino Médio ou escolaridade
superior podem ter maior acesso às informações referentes à infecção pelo HIV e, com isso, melhores
recursos internos e externos para conviverem com
sua condição sorológica.
Estudo demonstra que parcela significativa das
pessoas que vivem com HIV encontra-se em condição indicativa de vulnerabilidade social, vivendo em
situações de pobreza, com renda e escolaridade baixas.(4) Considera-se que a baixa renda familiar tenha
impacto para mostrar situações de extrema pobreza, uma vez que essa condição traz dificuldades de
acesso ao tratamento, o que pode ocasionar prejuízo
para se viver com HIV, repercutindo negativamente
na qualidade de vida.(7) Embora a renda dos participantes deste estudo tenha se apresentado um pouco
superior ao disposto na literatura, apreendeu-se que
os indivíduos ainda encontravam-se em situação de
limitações financeiras.
Pessoas vivendo com HIV e que convivem com
parceiros demonstram melhores índices de qualidade de vida relacionados ao apoio social satisfatório.
(7)
No entanto, o predomínio de pessoas solteiras
neste estudo pode justificar o nível de qualidade de
vida abaixo da média no tocante ao domínio conscientização sobre o HIV.
Uma pior condição do sistema imunológico,
representada por uma baixa contagem de células T
CD4+, níveis de carga viral elevados e a instalação
da Aids não esteve associado a uma pior qualidade
de vida. O uso dos antirretrovirais esteve melhor
associado ao bem-estar físico, tanto em homens
quanto em mulheres, o que evidencia sua influência
positiva na qualidade de vida das pessoas que vivem
com HIV.(10)
No tocante a adesão aos antirretrovirais, estudo realizado no Chile evidenciou que a maioria das
pessoas que vivem com HIV em uso de antirretrovirais apresentou níveis de adesão inadequados, ou
seja, 68,0% dos estudados foram considerados não
aderentes a terapia,(11) corroborando com o achado
do presente estudo. Entretanto, o tempo de tratamento pode ocasionar diferenças nos níveis de
adesão. Como advertem pesquisadores, pessoas vi-
52
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53.
vendo com HIV em tratamento há menos tempo
têm maiores chances de não aderirem ao tratamento
quando comparadas àquelas que se tratam há mais
tempo,(4) conforme observado no presente estudo,
em que o tratamento recente demonstrou ser fator
predisponente para a adesão inadequada aos antirretrovirais.
Em estudo realizado na Tailândia, observou-se
que 31,4% dos sujeitos analisados tiveram adesão
inadequada ao tratamento, devido principalmente
ao esquecimento da tomada dos antirretrovirais,
pelo medo do estigma e da possibilidade de revelar sua condição sorológica mediante o uso de tais
medicamentos,(12) situação esta também revelada no
presente estudo, quando se verificou que o domínio
da qualidade de vida que obteve maior comprometimento foi o relacionado à preocupação do sigilo
sobre a doença.
Estudo aponta a natureza multidimensional que
interfere na qualidade de vida, como as condições
de trabalho e renda, a satisfação com a vida, o sigilo
sobre a doença e o apoio social, e que situações de
estresse emocional, ocasionadas pela doença, como
discriminação e pobreza, representam um impacto
negativo para a qualidade de vida de pessoas que
vivem com HIV.(13) Tais achados, em sua maioria,
encontram-se prejudicados neste estudo, ratificando-se, assim, os prejuízos na qualidade de vida desta
população.
No Brasil, estudos em diferentes regiões, que
utilizaram a HAT-QoL, demonstraram comprometimentos semelhantes nos domínios de qualidade de vida, como as atividades gerais, sexuais,
financeiras e com o sigilo, sugerindo que as pessoas que vivem com HIV possuem preocupações
semelhantes independentemente da localização
geográfica,(6,14) corroborando os achados desse estudo. Nesse aspecto, independentemente do local
em que o indivíduo se encontra, observou-se que
as repercussões na qualidade de vida são semelhantes, ocasionando sentimentos de preocupação com
a saúde, preocupações financeiras, com o sigilo da
doença e em relação aos aspectos gerais da vida, retratados pelos baixos índices encontrados referentes a esses domínios, o que pode estar relacionado
com o impacto causado pelo diagnóstico, com a
Galvão MT, Soares LL, Pedrosa SC, Fiuza ML, Lemos LA
preocupação sobre o adoecer e com a adaptação a
uma nova realidade.
2. Benjamin H. Balderson, Lou Grothaus, Robert G. Harrison, Katryna
McCoy, Christine Mahoney and Sheryl Catz. Chronic illness burden and
quality of life in an aging HIV population. AIDS Care. 2013; 25(4): 4518.
Conclusão
3. Herrmann S, McKinnon E, Hyland NB, Lalanne C, Mallal S, Nolan
D, Chassany O, Duracinsky M. HIV-related stigma and physical
symptoms have a persistent influence on health-related quality of
life in Australians with HIV infection. Health Qual Life Outcomes.
2013: 11:56.
Pessoas vivendo com HIV com o início do tratamento recente apresentaram níveis de adesão aos
medicamentos antirretrovirais inadequados, demonstrando uso incorreto ou descontínuo dos mesmos. A qualidade de vida apresentou comprometimento relacionado a seis domínios da escala em
estudo. É possível que as pessoas vivendo com HIV
no primeiro ano de tratamento tenham apresentado prejuízos na qualidade de vida e na adesão por
estarem se adaptando a uma nova condição de vida.
4. Mûnene E, Ekman B. Does duration on antiretroviral therapy determine
health-related quality of life in people living with HIV? A cross-sectional
study in a regional referral hospital in Kenya. Glob Health Action. 2014;
7: 23554.
5. Remor E, Moskovics JM, Preussler G. [Brazilian adaptation of the
“Assessment of Adherence to Antiretroviral Therapy Questionnaire”].
Rev Saúde Pública. 2007; 41(5):685-94. Portuguese.
6. Galvão MT, Cerqueira AT, Machado JM. [Evaluation of quality of life
among women with HIV/AIDS using HAT- QoL]. Cad Saúde Pública.
2004; 20(2):430-7. Portuguese.
7. Mutabazi-Mwesigire D, Seeley J, Martin F, Katamba A. Perceptions of
quality of life among Ugandan patients living with HIV: a qualitative
study. BMC Public Health. 2014; 14:343.
Agradecimentos
Pesquisa realizada com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), processo: 507068/2010-6.
8. Tran BX, Ohinmaa A, Nguyen LT. Quality of life profile and psychometric
properties of the EQ-5D-5L in HIV/AIDS patients. Health Qual Life
Outcomes. 2012; 10:132.
Colaborações
Galvão MTG; Fiuza MLT e Lemos LA contribuíram com a concepção do projeto, execução da pesquisa, redação do artigo científico e aprovação final
da versão a ser publicada. Soares LL e Pedrosa SC
contribuíram com a execução da pesquisa e redação
do artigo.
10. Francolino C, Galzerano J, Mansilla M, Dapueto J, Llado M, Deque B.
[Evaluation of quality of life questionnaire regarding health: functional
assessment of HIV infection in patients carriers of HIV]. Rev Méd Urug.
2010; 26:129-37. Spanish.
9. Balderson BH, Grothaus L, Harrison RG, McCoy K, Mahoney C, Catz S.
Chronic illness burden and quality of life in an aging HIV population.
AIDS Care. 2013; 25(4): 451-8.
11.Varela M, Galdames S. [Depression and HAART adherence in HIV
infected patients attending Hospital San Pablo of Coquimbo, Chile].
Rev Chilena Infect. 2014; 31(3):323-8. Spanish.
12. Li L, Lee S, Wen Y, Lin C, Wan D, Jiraphongsa C. Antiretroviral therapy
adherence among patients living with HIV/AIDS in Thailand. Nurs
Health Sci. 2010; 12(2):212-20.
Referências
13. Mutabazi-Mwesigire D, Seeley J, Martin F, Katamba A. Perceptions of
quality of life among Ugandan patients living with HIV: a qualitative
study. BMC Public Health. 2014; 14:343.
1. Grangeiro A, Escuder MM, Cassanote AJF, Souza RA, Kalichman AO,
et al. The HIV-Brazil Cohort Study: Design, Methods and Participant
Characteristics. PLoS ONE. 2014; 9(5): e95673.
14. Soares GBS, Garbin CAS, Rovida TAS, Garbin AJI. Oral health associated
with quality of life of people living with HIV/AIDS in Brazil. Health Qual
Life Outcomes. 2014: 12:28.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53.
53
Artigo Original
Prevalência das várias formas de
violência entre escolares
Prevalence of various forms of violence among school students
Iglê Moura Paz Ribeiro1
Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro1
Riccardo Pratesi1
Lenora Gandolfi1
Descritores
Violência; Criança; Adolescente;
Prevalência; Violência doméstica;
Instituições acadêmicas
Keywords
Violence; Child; Adolescent; Prevalence;
Domestic violence; Schools
Submetido
5 de Outubro de 2014
Aceito
3 de Novembro de 2014
Resumo
Objetivo: Estimar a prevalência de eventos violentos na vivência de escolares entre 11 e 15 anos de idade,
frequentadores de escolas públicas.
Métodos: Estudo transversal com amostra aleatória de grupo de crianças provenientes de escolas públicas.
Foi aplicado o questionário Child Abuse Screening Tool Childrens Version (ICAST-C) a 288 crianças entre
11 e 15 anos aleatoriamente selecionadas. As modalidades de violência analisadas foram abusos físicos,
psicológicos e sexuais.
Resultados: Houve frequente fragmentação do núcleo familiar, com menos de 50% das crianças morando
com ambos os genitores; frequente sentimento de insegurança nas escolas, associado a alta prevalência de
violência física (85,4%) e à violência psicológica (62,5%); e violência de cunho sexual (34,7%).
Conclusão: Houve prevalência alta das várias formas de violências no ambiente familiar e escolar dessas
crianças.
Abstract
Objective: Estimating the prevalence of violent events in the experience of students aged between 11 and 15
years regularly attending public schools.
Methods: A cross-sectional study with a random sample group of children from public schools. The
questionnaire called Child Abuse Screening Tool Version (ICAST-C) was administered to 288 children aged
between 11 and 15 years randomly selected. The types of violence analyzed were abuses of physical,
psychological and sexual nature.
Results: The fragmentation of the nuclear family was frequent, with less than 50% of children living with
both parents; frequent feelings of insecurity in schools, associated with a high prevalence of physical violence
(85.4%), psychological (62.5%); and violence of a sexual nature (34.7%).
Conclusion: There was high prevalence of various forms of violence in the family and school environment of
these children.
Autor correspondente
Iglê Moura Paz Ribeiro
Campus Universitário Darcy Ribeiro,
Brasília, DF, Brasil. CEP: 70910-900
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500010
54
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9.
Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
Ribeiro IM, Ribeiro AS, Pratesi R, Gandolfi L
Introdução
Apesar do abuso de crianças ter recebido crescente
atenção durante as últimas décadas por sua grande
importância social, a prevalência dos vários tipos de
violência contra crianças e adolescentes permanece
basicamente desconhecida em boa parte dos países.
No entanto, existem numerosas evidências de que
abusos físicos e sexuais estão aumentando exponencialmente em todo o mundo.(1) Os grupos sociais
compostos por crianças, adolescentes e jovens são
identificados como os de maior risco, em relação à
violência e aos maus tratos. A Organização Mundial da Saúde (OMS)(2) descreve a violência como
“toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar,
a integridade física, psicológica ou a liberdade e o
direito ao pleno desenvolvimento” da criança e do
adolescente.
As principais preocupações, ao se avaliarem
crianças ou adolescentes submetidos à violência, são
suas consequências imediatas, geralmente traduzidas
por um nível aumentado de ansiedade, depressão,
mau desempenho escolar e pelo possível surgimento de reações agressivas. Adicionalmente, pesquisas
recentes apontam para a necessidade de uma ainda
maior preocupação com os efeitos deletérios tardios
da exposição à violência sobre o desenvolvimento e
à saúde física e mental da criança. Ambiente adverso
na infância pode ser causa de anormalidades biológicas na idade adulta estando comprovadamente
associado a um risco aumentado de cardiopatias,
doenças metabólicas e autoimunes, acidentes vasculares cerebrais e até mesmo demência.(3-5)
Apesar de a exposição a episódios extremamente
violentos poder ser relativamente baixa na infância, maus tratos por parte dos pais, de colegas de
escola ou pelo ambiente social que a criança habita, ou mesmo a repetida observação, pela criança,
de comportamento agressivo e violento entre os
cônjuges, violência na vizinhança, na escola ou na
comunidade podem ter efeito cumulativo, tanto
imediato como futuro, sobre a saúde física e mental da criança.(6) Recente pesquisa populacional por
amostragem efetuada nos Estados Unidos mostrou
que costumeiramente 86% dos jovens assistem
shows televisivos violentos, 65% jogam videogames
violentos, 57% ouvem música violenta, 43% veem
violência simulada na televisão ou na internet e 15%
observam violência real na internet.(7) Esses achados
que, com poucas modificações seriam provavelmente replicados no Brasil, suportam a constatação de
que a violência é onipresente na vida quotidiana das
crianças e adolescentes.
Uma forma de violência a qual o escolar se
encontra frequentemente exposto é o comportamento agressivo entre estudantes, conhecido com
bullying, que se caracteriza por atos repetidos e
intencionais de opressão, humilhação, discriminação, tirania, agressão e dominação de pessoas ou
grupo sobre outras pessoas ou grupos. Esse comportamento pode ser considerado importante fator
de risco para a futura adoção de comportamentos
violentos mais graves, tanto pelos agressores como
pelos agredidos.(8)
Aspecto ainda mais grave da violência contra a
criança e o adolescente, que está progressivamente
tomando proporções epidêmicas, é o do abuso sexual. Levantamento efetuado nos Estados Unidos
em 2006 constatou que cerca de 80 mil crianças
americanas sofreram abuso sexual. Esse número
torna-se ainda mais impressionante, levando-se em
consideração que estudos retrospectivos em adultos constataram que somente 1 em cada 20 casos
de abuso sexual é identificado ou comunicado às
autoridades.(9) Apesar da violência contra crianças
ser, por lei, de notificação compulsória no Brasil,
não existem dados abrangentes em nível nacional
cobrindo a prevalência desses eventos, que é, no entanto, considerada alta.
No intuito de avaliar a prevalência das várias
formas violência, especialistas da Sociedade Internacional para a Prevenção da Negligência e Abuso da
Criança (International Society for Prevention of Child
Abuse and Neglect – ISPCAN) elaboraram o questionário ISPCAN Child Abuse and Neglect Screening
Tool-Child (ICAST-C).(10) Esse questionário, que já
foi traduzido para várias línguas, incluindo o português, foi internacionalmente validado e utilizado
em 40 países e permite, de forma anônima, o autorrelato de exposição a diferentes formas de violência,
seja em casa, pelas mãos de pais, parentes ou cuidadores, seja na escola.(2-11)
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9.
55
Prevalência das várias formas de violência entre escolares
O presente estudo objetivou estimar, por meio
da aplicação do questionário ICAST-C, a prevalência de eventos violentos na vivência de escolares entre 11 e 15 anos de idade, frequentadores de escolas
públicas da cidade.
Métodos
Pesquisa de delineamento transversal, com amostra aleatória de grupo de crianças provenientes
de quatro escolas públicas localizadas na região
administrativa do Recanto das Emas, em Brasília (DF). Essa comunidade é predominantemente constituída por populações de baixa renda e
caracterizada por marcante desigualdade social.
Tanto os pais ou responsáveis, como as crianças
e adolescentes entrevistados, foram informados
sobre a privacidade, a confidencialidade e o carácter voluntário da pesquisa.
Os dados foram coletados durante o período
de março a dezembro de 2012. A pesquisa compreendeu um total de 288 crianças entre 11 e
15 anos. O questionário ICAST-C foi utilizado
como base da pesquisa. Após ampla explanação
sobre a importância das perguntas, o anonimato
das respostas e a importância do completo preenchimento, o questionário foi distribuído às crianças, que o leram e responderam sem demonstrar
dificuldades quanto à compreensão das questões.
Todas as respostas oferecidas foram consideradas
compatíveis.
Os dados obtidos foram organizados a partir
do cálculo do tamanho da amostra, considerando-se os cálculos de porcentagens e técnicas de
estatística inferenciais. As técnicas inferenciais
empregadas foram os testes qui quadrado para independência e correlação de Pearson, ambos considerando o nível de significância de p<0,05. As
categorias apresentadas foram: física, psicológica
e sexual. Elas foram submetidas à análise quantitativa, a partir da qual foram nomeadas segundo o
conteúdo que revelaram.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
56
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9.
Resultados
Entre os 288 entrevistados, 159 eram meninos
(55,2%) e a média da idade entre eles foi de 14
anos; dentre as 129 meninas (44,8%), a média
da idade foi de 13,3 anos. Destes, 140 alunos
(48,7%) moravam com ambos os genitores, 126
(43,6%) moravam somente com a mãe, 17 (6,2%)
moravam apenas com o pai e cinco (1,7%) moravam com parentes (tios). O grupo religioso preponderante foi o cristão, composto por 118 (41%)
evangélicos e 109 (37,8%) católicos. Quanto à
etnia, a maioria dos alunos respondeu ser pardo
(30,9%) ou afrodescendente (25,7%). Os brancos constituíram 20,1% do grupo e outras etnias
(ameríndios ou asiáticos) foram responsáveis pelos
restantes 11,3%. Os demais 4,5% não responderam esse quesito.
Dentre as crianças entrevistadas, 130 (45,1%)
declararam que às vezes ou frequentemente sentiam-se inseguras na escola; 93 crianças (32,3%)
declararam que eventualmente ou sempre gostavam
de frequentar a escola; e 65 crianças (22,5%) deixaram essa pergunta em branco.
As tabelas 1 a 3 apresentam os resultados obtidos nos três campos de violência avaliados.
Tabela 1. Violência física
Evento
Não
n(%)
Sim
n(%)
Feriu-o ou causou-lhe dor
217(75,5)
71(24,5)
Bateu com a mão no rosto ou na cabeça
234(81,2)
54(18,8)
Bateu com a mão no braço ou mão
202(70,2)
86(29,8)
Puxou a orelha
236(82,1)
52(17,9)
Puxou o cabelo
256(87,7)
35(12,3)
252(87)
36(12,6)
Bateu com a mão fechada
Chutou-lhe
226(78,5)
62(21,5)
Esmagou os dedos ou a mão
278(96,7)
10(3,3)
Lavou a boca com pimenta ou sabão
282(97,9)
6(2,1)
Ficou ajoelhado
236(82,1)
52(17,9)
Foi colocado no frio ou no calor
284(98,5)
5(1,5)
Foi queimado
283(98,2)
5(1,8)
Foi colocado na água quente ou fria
278(96,6)
10(3,4)
Deixado sem alimento
278(96,4)
10(3,6)
Forçado a fazer algo perigoso
267(92,8)
21(7,2)
Foi abafado
276(95,9)
12(4,1)
Foi amarrado com cinto ou corda
282(97,8)
6(2,2)
Foi cortado com objeto pontiagudo
279(96,7)
9(3,3)
Fonte: Relatório Prevenção da Negligência e Abuso da Criança – International Society for Prevention of
Child Abuse and Neglect, 2011.
Ribeiro IM, Ribeiro AS, Pratesi R, Gandolfi L
Tabela 2. Violência psicológica
Evento
Não
n(%)
Sim
n(%)
Ameaçado
227(78,8)
61(21,2)
Insultado
212(73,6)
76(26,4)
Constrangido ou humilhado xingado
194(67,4)
94(32,6)
Xingado
157(54,5)
131(45,5)
Feito se sentir estúpido ou idiota
218(75,7)
70(24,3)
Sofrer preconceito racial/religioso/cultural
228(79,1)
60(20,9)
Sofrer preconceito por problemas de saúde
253(78,8)
35(12,2)
Isolado
235(81,5)
53(18,5)
Fonte: Relatório Prevenção da Negligência e Abuso da Criança – International Society for Prevention of
Child Abuse and Neglect, 2011.
puxou a orelha, colocou ajoelhado como punição e
ameaçou pelas más notas obtidas. Os adultos apareceram também com significativa presença ainda nos
seguintes casos: bater com a mão no rosto ou cabeça; manter alguém isolado; tocar o corpo de uma
maneira sexual ou de forma que deixa desconfortável; tocar seus seios.
Discussão
Tabela 3. Violência sexual
Evento
Não
n(%)
Sim
n(%)
Tocado sexualmente de maneira desconfortável
244(87,7)
33(11,3)
Mostrou-lhe pornografia
243(84,6)
44(15,4)
Fez tirar a roupa
271(94)
17(6)
Tirou-lhe a roupa
266(92,3)
22(7,7)
Teve relações sexuais
268(93,2)
20(6,8)
Tocou as partes íntimas
267(92,7)
21(7,3)
Tocou os seus seios
265(91,9)
23(8,1)
Deu-lhe dinheiro para ter relações sexuais
271(83)
17(6,2)
Envolveu-o na tomada de imagens sexuais ou vídeos
258(89,7)
30(10,3)
Beijou-lhe quando não queria
238(82,7)
50(17,3)
Fonte: Relatório Prevenção da Negligência e Abuso da Criança – International Society for Prevention of
Child Abuse and Neglect, 2011.
A prevalência de violência física foi a mais
detectada, apresentando índice de 85,4%. A violência psicológica também se apresentou com
alta incidência nessas crianças e adolescentes,
chegando a 62,5%. No caso da violência sexual,
a prevalência, embora menor em relação às outras, apresentou-se com um quantitativo expressivo de 34,7%.
Para os três blocos estudados, quando relacionados à idade ou ao sexo, o p-value calculado pelos testes estatísticos foi >5% (>0,05), não
havendo evidências para afirmar que, à medida
que os jovens estudados envelheciam, eles eram
submetidos a um grau de violência (física, psicológica e sexual) maior. A mesma conclusão
pode ser inferida para o sexo, ou seja, segundo
os dados da pesquisa, o sexo não influenciou o
maior ou menor grau de violência a que estavam
submetidos.
No que concerne à autoria dos praticantes de
atos de violência contra crianças e adolescentes,
dentre as respostas possíveis, ou seja, adulto, outra
criança e/ou adolescente ou ambos, os adultos surgiram como maiores autores nas seguintes situações:
As limitações dos resultados se referiram principalmente a pequena participação de adolescentes entre
16 e 18 anos, pois muitos optaram voluntariamente
por não participarem da pesquisa. Além disso, alguns respondentes deram informações sobre violência sofrida em outros espaços, que não aqueles perguntados. Como em todo questionário preenchido de forma anônima, sempre pode existir algum
grau de viés quanto à veracidade das informações
fornecidas. Em análise de dados autorrelatados, a
confiabilidade das informações é limitada pela capacidade do participante de relembrar os acontecimentos violentos, sendo limitada por sua vontade
de divulgar esses eventos. Adicionalmente, a seleção
aleatória dos participantes foi efetuada apenas com
as crianças presentes na escola por ocasião da entrevista, não levando em conta o absenteísmo ou a
evasão escolar que, por si, podem estar relacionadas
ao fator em estudo.
Avaliação mais sistematizada referente à violência, em suas diferentes formas, contra crianças
e adolescentes, iniciou-se no Brasil na década de
1990, quando o Sistema Único de Saúde (SUS)
recebeu o mandato específico do Estatuto da
Criança e do Adolescente para promover o direito
à vida e à saúde dessa população, o que resultou
na obrigatoriedade de notificação de violência
doméstica, sexual e outras formas de violência
contra as crianças e adolescentes às autoridades
competentes.
Não obstante o inegável benefício advindo da
adoção dessa política, essa medida, sendo dependente de notificação geralmente efetuada por terceiros, tende a subestimar a verdadeira prevalência
de casos de negligência, e abuso contra menores de
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9.
57
Prevalência das várias formas de violência entre escolares
idade. Consequentemente, a comunidade científica continua tentando aperfeiçoar os métodos para
avaliar e entender a frequência e as causas de maus
tratos contra as crianças e adolescentes.
Nesse sentido, a utilização do questionário
ICAST-C em crianças que, protegidas pelo anonimato, permitem-se relatar com mais liberdade suas
experiências objetivas ou subjetivas de violências
sofridas, apesar de não isento de vieses, torna-se instrumento bastante fidedigno de avaliação da prevalência de abusos em nosso meio.
Os resultados obtidos no presente estudo são
bastante significativos e deixam transparecer uma
situação excepcionalmente preocupante, tanto em
relação à situação atual quanto ao desenvolvimento dessas crianças já afetadas por um ambiente socioeconômico desprivilegiado. Alta percentagem
(85,4%) dessas crianças sofreu algum tipo de abuso
físico, sendo notável que a maior parte, senão a totalidade desses atos violentos, nunca chegará a engrossar os dados oficiais sobre a frequência de violência em nosso país. Quase a metade dessas crianças sentia-se insegura na escola e 62,5% sofreram
pressões psicológicas e emocionais, em detrimento
de sua própria imagem.
No caso específico de violência sexual, apesar da
prevalência ter sido menor, os resultados evidenciam
que mais de um terço das crianças sofreu algum tipo
de violência sexual, o que é extremamente grave, diante
dos efeitos deletérios que esse tipo de violência pode ter
sobre o desenvolvimento do indivíduo. Os efeitos tardios da violência sexual podem gerar, no futuro adulto,
um sentimento de impotência e de falta de controle
sobre seu ambiente, sendo que as formas de enfrentamento dessa situação variam entre os sexos. Em geral,
as mulheres tendem a se fecharem em si mesmas com
propensão a ideações suicidas e transtornos alimentares (bulimia, obesidade e anorexia), enquanto que os
homens demonstram maior tendência a exteriorização
de comportamentos antissociais (delinquência e alcoolismo, por exemplo).(12,13)
Com os resultados obtidos, pode-se inferir
que a prevalência das várias formas de violência foi alta no ambiente dessas crianças e adolescentes; e que medidas puramente repressivas,
ainda que necessárias, não solucionam o proble-
58
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9.
ma. Não é possível, a curto prazo, modificar um
sistema social que convive habitualmente com
a violência. Mais estudos tornam-se necessários
para estabelecer medidas preventivas e, concomitantemente, instaurar meios para ajudar essas
crianças a lidarem com esse grave problema.
Conclusão
Houve um nível considerável de prevalência de violência sofrida em crianças e adolescentes de 11 a 15
anos, sendo a mais prevalente a violência física.
Colaborações
Ribeiro IMP contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo. Ribeiro AST colaborou com a análise e interpretação
dos dados e revisão do artigo. Pratesi R e Gandolfi
L contribuíram para a revisão crítica relevante do
conteúdo intelectual e aprovação final da versão a
ser publicada.
Referências
1. Schwartz KA, Preer G, McKeag H, Newton AW. Child maltreatment: a
review of key literature in 2013. Curr Opin Pediatr. 2014; 26(3):396404.
2. World Health Organization (WHO). The world health report 2000 - Health
systems improving performance [Internet]. Genebra: WHO; 2000[cited
2014 Jun 26]. Available from: http://www.who.int/whr/2000/en.
3. Miller GE, Chen E, Parker KJ. Psychological stress in childhood and
susceptibility to the chronic diseases of aging: moving toward a
model of behavioral and biological mechanisms. Psychol Bull. 2011;
137(6):959-97.
4. Shonkoff JP. Leveraging the biology of adversity to address the roots of
disparities in health and development. Proc Natl Acad Sci U S A. 2012;
109 Suppl 2:17302-7.
5. Danese A, McEwen BS. Adverse childhood experiences, allostasis,
allostatic load, and age-related disease. Physiol Behav. 2012;
106(1):29-39.
6. Boxer P, Sloan-Power E. Coping with violence: comprehensive
framework and implications for understanding resilience. Trauma
Violence Abuse. 2013; 14(3):929-37.
7. Ybarra ML, Mitchell KJ, Korchmaros JD. National trends in exposure to
and experiences of violence on the Internet among children. Pediatrics.
2011: 128(6):e1376-86.
8. Shetgirl R, Lin H, Avila RM, Flores G. Parental characteristics associated
with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. Am J
Public Health. 2012; 102(12):2280-6.
Ribeiro IM, Ribeiro AS, Pratesi R, Gandolfi L
9. Hornor G. Child sexual abuse: consequences and implications. J
Pediatr Health Care. 2010; 24(6):358-64.
Instrument development and multi-national pilot testing. Child Abuse
Negl. 2009; 33:833-41.
10.Runyan DK, Dunne MP, Zolotor AJ. Introduction to the development
of the ISPCAN child abuse screening tools. Child Abuse Negl. 2009;
33(11):842-5.
12.JM Chandy, RW Blum, MD Resnick. Gender-specific outcomes for
sexually abuse adolescents. Child Abuse Negl. 1996; 20:1219-31.
11.Zolotor AJ, Runyan DK, Dunne MP, Jain D, Péturs HR, Ramirez C, et
al. ISPCAN Child Abuse Screening Tool Children’s Version (ICAST-C):
13. Dube SR, Anda RF, Whitfield CL, Brown DW, Felitti VJ, Dong M, et al.
Long-term consequences of childhood sexual abuse by gender of
victim. Am J Prev Med. 2005; 28:430-8.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9.
59
Artigo Original
Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas
pela família em unidade de terapia intensiva
Nursing visit and doubts expressed by families in the intensive care unit
Bruno Bordin Pelazza1
Rosemary Cristina Marques Simoni2
Ercilhana Gonçalves Batista Freitas3
Beatriz Regina da Silva3
Maria Júlia Paes da Silva2
Descritores
Família; Unidades de terapia intensiva;
Relações profissional-família;
Comunicação; Questionários
Keywords
Family; Intensive care units;
Professional-family relations;
Communication; Questionnaires
Submetido
22 de Setembro de 2014
Aceito
15 de Outubro de 2014
Resumo
Objetivo: Conhecer as dúvidas dos familiares de pacientes internados na unidade de terapia intensiva, há
mais de 24 horas, e manifestadas durante as visitas de enfermagem.
Métodos: Estudo transversal prospectivo que incluiu 115 famíliares de pacientes internados há mais de 24
horas em unidade de terapia intensiva. O instrumento de pesquisa foi um questionário aplicado em três visitas
de enfermagem.
Resultados: A dúvida mais apresentada foi sobre o estado clínico e a diferença média entre as dúvidas da
primeira e segunda visita foi estatisticamente significante (p=0,047). A média de dúvidas da primeira visita foi
significante, quando comparada com a terceira (p<0,001).
Conclusão: As dúvidas manifestadas por familiares foram sobre o estado de saúde, condições clínicas e sobre
o cuidado realizado. O número médio de dúvidas foi menor na terceira visita de enfermagem.
Abstract
Objective: Understanding the doubts expressed by relatives of patients hospitalized in the intensive care unit
for more than 24 hours during nursing visits.
Methods: A prospective cross-sectional study that included 115 family members of patients hospitalized for
more than 24 hours in the intensive care unit. The research instrument was a questionnaire applied in three
nursing visits.
Results: The most frequent doubt was about the clinical status, and the average difference between the
doubts of the first and the second visit was statistically significant (p = 0.047). The average number of doubts
in the first visit was significant when compared with the third (p<0.001).
Conclusion: The doubts expressed by family members were about the health status, medical conditions and
the care provided. The average number of questions was lower in the third nursing visit.
Autor correspondente
Bruno Bordin Pelazza
Rua Manoel Serralha, 1075, Uberlândia,
MG, Brasil. CEP: 38408-246
[email protected]
Universidade Federal de Goiás, Jataí, GO, Brasil.
Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
3
Centro Universitário do Triângulo, Uberlândia, MG, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500011
60
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5.
2
Pelazza BB, Simoni RC, Freitas EG, Silva BR, Silva MJ
Introdução
A satisfação dos familiares dos pacientes é um aspecto importante na avaliação da qualidade do cuidado oferecido nas instituições de saúde, sendo parte
essencial das responsabilidades dos profissionais de
saúde que atuam em unidade de terapia intensiva.
Os sentimentos desses familiares são os mais variados possíveis: apresentam-se sozinhos, angustiados,
em estado de choque e com medo, recebendo pouca
ou nenhuma atenção dos profissionais de saúde.(1,2)
Muitos enfermeiros que atuam nessas unidades
concordam sobre a necessidade de dispensar assistência de enfermagem também aos familiares dos
pacientes, mas continuam a ocupar-se quase exclusivamente com o cuidado dos pacientes, alegando
sobrecarga de serviço e falta de preparo específico
para lidar com os familiares.(3-5) O acolhimento aos
usuários das instituições, tanto públicas quanto particulares, incluindo a família dos pacientes, é parte
indispensável do processo de humanização da assistência e requer dos profissionais da saúde disponibilidade para identificar e atender seus anseios.(4,5)
O tratamento e o cuidado prestados nas unidades
de terapia intensiva podem vistos como agressivos e
invasivos. Esse cenário poderia ser diferente, tanto
para o paciente quanto para sua família, com a assistência humanizada, com a interação entre todos
os envolvidos e diálogo entre quem cuida e quem é
cuidado. É importante que a equipe de enfermagem
seja o elo entre paciente e a famíilia, favorecendo a
interação entre estes e, ao mesmo tempo, cuidando
de ambos.(6-9)
A habilidade de comunicar-se com o outro é
uma das qualidades importantes e a equipe de enfermagem deve demonstrar sensibilidade à comunicação não verbal, capacidade para ouvir, e usar
linguagem clara e acessível. Essa clareza diminui
dúvidas e ansiedade.(10-12)
As famílias estão inseguras quanto a diagnósticos,
a tratamentos ou à equipe multidisciplinar. Podem
estar vivenciando situações dramáticas, assim como
o paciente. Portanto, se o profissional quer transmitir
a ideia de que não há nada a esconder, deve facilitar
as visitas familiares.(13-17) Resultados de estudos realizados em unidades de terapia intensiva evidencia-
ram que a im­plementação da visita de enfermagem
beneficiou o relacionamento entre a equipe de enfermagem e familiares dos pacientes internados, ou
seja, o enfermeiro pode proporcionar informações e
acolhimento para os familiares durante os horários de
visita, respondendo às suas questões sobre o cuidado
de enfermagem prestado para o paciente, diminuindo as dúvidas e ansiedades dos familiares(15,18)
Por outro lado os familia­res aceitam as informações do enfermeiro. Isso indica que parece ser possível obter um grau de satisfação da família, mesmo
com pouco tempo de contato entre o profissional e
o familiar, pois o que importa não é a quantidade
do tempo gasto com o contato, mas, sim, a maneira
como essa comunicação é realizada.(19-21)
O termo Visita de Enfermagem está sendo usado para nomear uma forma de comunicação estruturada com a família de pacientes em unidades de
terapia intensiva, o que vem sendo apontado como
uma estratégia que aumenta a satisfação da família
e atende as suas necessidades.(16-18)O objetivo deste
trabalho foi conhecer as dúvidas dos familiares de
pacientes internados na unidade de terapia intensiva há mais de 24 horas e manifestadas durante as
visitas de enfermagem.
Métodos
Estudo transversal e prospectivo realizado na Uni­dade
de Terapia Intensiva Adulto de um hospital privado na
cidade de Uberlândia, estado de Minas Gerais, região
sudeste do Brasil. A população do estudo foi constituída por 115 familiares de pa­cientes internados há mais
de 24 horas na unidade de terapia intensiva, no período de setembro a dezembro de 2013.
O instrumento de pesquisa foi um questionário
elaborado com as variáveis selecionadas para o estudo (sóciodemográficas e dúvidas manifestadas). A
coleta de dados foi realizada pelo mesmo entrevistador, em três visitas de enfermagem.
A estatística descritiva avaliou frequência, média
e desvio-padrão das variáveis de interesse. Os dados quantitativos foram apresentados na forma de
média ± desvio-padrão. As respostas obtidas com as
questões abertas foram objetivas e apresentadas na
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5.
61
Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas pela família em unidade de terapia intensiva
forma de frequência e porcentagem de ocorrência
de cada categoria. Para a comparação do número
médio de dúvidas entre os dias de visitas, foi utilizado ANOVA de medidas repetidas e, para nível de
comparação entre as datas, utilizou-se o teste t pareado. Foram considerados valores estatisticamente
significantes quando p<0,05. Na análise estatística,
foi utilizado o software Prism 6 for Windows - versão
6. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas
nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Na figura 2 está a distribuição das profissões
dos familiares. A maioria dos familiares apresentou
como profissão a atividade do lar n=24 (21%).
25
21%
20
15
13%
14%
12%
10
6%
5
5%
3% 3% 3% 3% 3%
2% 2% 2% 2% 2% 2% 2%
0
Ap
os Do
e la
Em nta r
pr da(o
e
Pr sár )
ofe ia(
o
Ve ssor )
n a
Ad ded (o)
m or
ini a(o
s
)
Ad trad
vo ora
ga
da
Mo (o)
Ca toris
be ta
ler
ei
Au ra
x
Ba iliar
n
Cu cári
Fu
ida a
nc
ion Es dor
ár tud a
ia
Pú ante
bli
Se ca(o
cr )
etá
r
Té ia
cn
An ico
ali
st
Ou a
tra
s
Resultados
Em relação à caracterização dos pacientes, verificouse que 63 pacientes (54,7%) eram do sexo masculino
e 52 (45,3%) do sexo feminino; 89 (77,4%) foram
internados por patologias clínicas, tanto gerais quanto cardiológicas, e os outros 26 pacientes (22,61%)
foram internados por patologias cirúrgicas. Em relação à idade, a média foi de 66,21 anos e o tempo de
internação na UTI apresentou a média de 9,4 dias.
Quanto à caracterização do gênero dos familiares, verificou-se que, dos 115 familiares estudados,
85 (73,9%) eram do sexo feminino e 30 (26,1%)
do sexo masculino. A média da idade dos familiares
foi de 49 anos ± 14,1. O familiar mais jovem que
se apresentou para a visita tinha 23 anos (neta) e o
mais velho, 82 anos (esposo).
A figura 1 apresenta a distribuição do grau de
paren­tesco com os internados, por ordem decrescente:
40 filhos (35%), 37 cônjuges (32%) e irmãos (12%).
Figura 2. Distribuição da profissão dos familiares (em
porcentagem)
A figura 3 apresenta a distribuição da escolaridade dos familiares. A maioria dos familiares do
sexo feminino (n=34) pos­sui o ensino superior; sexo
masculino, em que apenas 12 familiares do sexo
masculino possuem o ensino superior.
35
34
30
30
25
20
15
10
10
5
0
3
2
Ensino
Fundamental
Incompleto
10
8
3
12
3
Ensino
Fundamental
Ensino
Médio
Incompleto
Feminino
Ensino
Médio
Ensino
Superior
Masculino
40
Figura 3. Distribuição da escolaridade dos familiares por sexo
35%
35
32%
30
25
20
15
12%
10
3%
Pa
i
3%
2%
2%
a
a
ad
nh
No
r
Cu
Am
e
Mã
Ne
ta
ã(o
)
sa
(o)
Irm
Fil
h
Es
po
a(o
)
0
1%
1%
Tia
So
br
inh
a
3%
(o)
iga
(o)
6%
5
Figura 1. Distribuição dos familiares por grau de parentesco
(em porcentagem)
62
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5.
Todos os familia­res quiseram receber informações do Enfermeiro nas três visitas realizadas com
cada família. Na primeira visita de enfermagem que
teve um tempo mé­dio de 9min50s com cada família,
110 familiares (96%) apresentaram as seguintes dúvidas: 64 familiares (56%) sobre o es­tado clínico; 20
familiares (17%) sobre o prognóstico; 10 familiares
(9%) sobre os resultados de exames; nove familiares
(8%) sobre o diagnóstico do paciente; cinco familiares (4%) sobre o equipamento monitor; e dois fa-
Pelazza BB, Simoni RC, Freitas EG, Silva BR, Silva MJ
miliares (2%) sobre a medicação. No item “outros”
as dúvidas foram: 14 familiares (12%) sobre a alta e
sete (6%) sobre o tipo de cirurgia realizada.
A segunda visita de enfermagem foi realizada
com 69 famílias (60%), sendo necessário um tempo médio de 9,12 minutos com cada família. As
dúvidas foram: 39 familiares (34%) sobre o estado
clínico; 13 familiares (11%) sobre o prognóstico;
10 (9%) sobre resultados de exames; sete familiares
(6%) sobre o diagnóstico. Para o item “outros” do
formulário, 16 (14%) quiseram saber sobre a previsão de alta e 3% sobre agitação.
A terceira visita de enfermagem foi realizada
com 38 fa­mílias (33%), com duração média de nove
minutos para cada família. As dúvidas foram: 17 familiares (15%) sobre o estado clínico; 11 (10%) so­
bre o prognóstico; seis familiares (5%) sobre a medicação; quatro familiares (3%) sobre os resultados
dos exames. Para o item “outros” do formulário, 10
(9%) quiseram saber sobre a previsão de alta e 3%
sobre a presença de agitação, com n=4 (3%).
Na tabela 1, pode-se visualizar a estatística descritiva do número de dúvidas para cada dia de visita. Foi utilizado o teste ANOVA de medidas repetidas para verificar se existe diferença entre o número
médio de dúvidas para os dias de visitas. Podemos
observar que o número médio de dúvidas diminui
com o passar das visitas (p<0,05).
Tabela 1. Número de dúvidas para cada dia de visita
Média ± DP
Mediana
Visita 1
Visita 2
Visita 3
0,94 ± 0,09
0,79 ± 0,07
0,57 ± 0,07
1
1
1
Mínimo - Máximo
0-3
0-3
0-3
Total
110
69
38
*Estatisticamente significante
Para efeito de comparação entre os dias de visita, foi realizado o teste t pareado. Os resultados são
apresenta­dos na tabela 2.
Observa-se, na tabela 2, que a diferença média entre as dúvidas do primeiro e o segundo dia de visita
foi estatisticamente significante (p=0,047). A média
de dúvidas do primeiro dia de visita é estatisticamente maior, quando comparada com a do terceiro dia
(p<0,001). E, por último, o número médio de dúvidas
do segundo dia é estatisticamente maior quando comparado com a terceira visita de enfermagem (p=0,042).
Tabela 2. Teste t pareado comparando as dúvidas dos
familiares a cada Visita de Enfermagem
Dúvidas
p-value
Visita 1 vs Visita 2
0,047*
Visita 1 vs Visita 3
<0,001*
Visita 2 vs Visita 3
0,042*
*Estatisticamente significante
Discussão
As limitações dos resultados do estudo são inerentes ao
delineamento transversal, não se podendo estabelecer
relações de causa e efeito. Encontramos estudos que
também foram desenvolvidos em uma unidade de terapia intensiva, com resultados semelhantes.(3,9,12)
A contribuição dos resultados é na melhoria da
qualidade da assistência de enfermagem nas unidades de terapia intensiva, reforçando a eficácia da
visita de enfermagem junto aos familiares. Caracterizamos os pacientes como sendo na sua maioria
homens com faixa etária média de 57 anos, permanecendo aproximadamente nove dias internados
por pato­logias clínicas e cardiológicas. Os familiares
eram, na maioria, do sexo feminino, com grau de
parentesco filha, na faixa de 50 anos, donas de casa,
com ensino superior.
O enfermeiro foi um dos primeiros integrantes
da equipe multiprofissional a se relacionar com os
familiares. Neste setor, o familiar apresentou ao enfermeiro várias indagações sobre o estado de saúde,
condições clínicas e sobre os cuidados realizados,
mesmo quando o prognóstico não era favorável. Estar preparado para lidar com situações em que as
notícias difíceis são comuns é, portanto, fundamental também para esse profissional.(22)
O tempo médio das três visitas de enfermagem
com cada família foi de 9min21s. Esse dado indica
que, em pouco tempo, é possível que os familiares
manifestem dúvidas e recebam atenção. O tema de
maior dúvida entre os familiares, nas três visitas de
enfermagem, foi sobre o estado clínico.
Ao compararmos as dúvidas levantadas nas três
visitas de enfermagem, verificamos que o seu núme­
ro médio diminuiu, ou seja, o número médio de
dúvidas do primeiro dia foi es­tatisticamente maior,
quando comparado tanto com o segundo quanto
com o terceiro dia de visita (p=0,047/p<0,001). Em
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5.
63
Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas pela família em unidade de terapia intensiva
relação ao número médio de dúvidas do segundo
dia de visita, também observamos significância ao
compararmos com o terceiro dia (p=0,042).
Esses resultados podem indicar que a família
está passando pela situação de ter um de seus membros hos­pitalizado pela primeira vez em uma unidade de terapia intensiva, o que pode causar medo
sobre o es­tado do paciente e sobre o cenário que será
vivenciado. Os familiares porque não conhecem os
procedimentos e protocolos desse setor e permanecem aflitos para conversar com a equipe, a fim de
obter informações sobre o paciente, esclare­cer dúvidas, receber atenção e acolhimento.(23,24) As visitas
de enfermagem, realizadas em três momen­tos consecutivos, possibili­taram trabalhar com as principais
dúvidas da família, detectar e prevenir sintomas de
ansiedade, depressão e estresse vivenciados pelos familiares, o que também é corroborado pelos resultados de outros autores.(14,24-26)
A redução das dúvidas e ansiedades dos familiares durante as visitas de enfermagem, enfatiza a
necessidade desse contato entre enfermeiros e familiares. Além disso, revisão sistemática recente
demonstrou que as informações impressas em forma de folhetos ou cartilhas ajudam os familiares a
compreender os cuidados e o ambiente da unidade
de terapia intensiva, assim como a comunicação regular e es­truturada da equipe de enfermagem com
a família auxilia na redução do estresse e na compreensão do tratamento realizado.(27) Uma estratégia
potencializa a outra.
Conclusão
As dúvidas dos familiares de pacientes internados
na unidade de terapia intensiva, há mais de 24 horas, e manifestadas durante as visitas de enfermagem
foram sobre o estado de saúde, condições clínicas
e sobre o cuidado realizado. O número médio de
dúvidas foi menor na terceira visita de enfermagem.
Colaborações
Pelazza BB contribuiu com a concepção do projeto,
execução da pesquisa e redação do artigo. Simoni
RCM e Silva MJP colaboraram com a concepção do
64
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5.
projeto, redação do artigo, revisão crítica relevante
do conteúdo intelectual e aprovação final da versão
a ser publicada. Freitas EGB e Silva BR colaboraram com a execução da pesquisa.
Referências
1. Latour JM, Haines C. Families in the ICU: do we truly consider their
needs, experiences and satisfaction? Nurs Crit Care. 2007; 12(4):1734.
2. Azoulay E, Sprung CL: Family-physician interactions in the intensive
care unit. Crit Care Med. 2004; 32(11):2323-8.
3. Fox S, Jeffrey J. The role of the nurse with families of patients in ICU:
the nurses’ perspective. Can J Cardiovasc Nurs. 1997; 8(1):17-23.
4. Hardicre J. Meeting the needs of families of patients in Intensive Care
Units. Nurs Times. 2003;99(27):26-7.
5. Gay EB, Pronovost PJ, Bassett RD, Nelson JE. The intensive care unit
family meeting: making it happen. J Crit Care. 2009; 24(4):629,e1e12.
6. Robichaux CM, Clark AP. Practice of expert critical care nurses in
situations of prognostic conflict at the end of life. Am J Crit Care. 2006;
15:480-91.
7. LeClaire MM, Oakes JM, Weinert CR: Communication of prognostic
information for critically ill patients. Chest. 2005; 128(3): 1728-35.
8. Fassier T, Darmon M, Laplace C, Chevret S, Schlemmer B, Pochard
F, Azoulay E. One-day quantitative cross-sectional study of family
information time in 90 intensive care units in France. Crit Care Med.
2007; 35(1):177-83.
9. Stapleton RD, Engelberg RA, Wenrich MD, Goss CH, Curtis JR. Clinician
statements and family satisfaction with family conferences in the
intensive care unit. Crit Care Med. 2006; 34(6):1679-85.
10.Alvarez GF, Kirby AS. The perspective of families of the critically ill
patient: their needs. Curr Opin Crit Care. 2006; 12(6):614-8.
11.Paul F, Rattray J. Short-and long-term impact of critical illness on
relatives: literature review. J Adv Nurs. 2008; 62(3):276-92.
12.Damghi N, Khoudri I, Oualili L, Abidi K, Madani N, Zeggwagh AA, et
al. Measuring the satisfaction of intensive care unit patient families in
Marocco: a regression tree analysis. Crit Care Med 2008; 36(7):208491.
13.Stricker KH, Kimberger O, Schmidlin K, Zwahlen M, Mohr U, Rothen
HU. Family satisfaction in the intensive care unit: what makes the
difference? Intensive Care Med 2009; 35(12):2051-9.
14.McDonagh JR, Elliott TB, Engelberg RA, Treece PD, Shannon SE,
Rubenfeld GD, et al. Family satisfaction with family conferences about
end-of-life care in the intensive care unit: increased proportion of
family speech is associated with increased satisfaction. Crit Care Med.
2004; 32(7):1484-8.
15. Heyland DK, Rocker GM, Dodek PM, Kutsogiannis DJ, Konopad E, Cook
DJ, et al. Family satisfaction with care in the intensive care unit: results
of a multiple center study. Crit Care Med. 2002; 30(7):1413-8.
16.Fumis R, Nishimoto I, Deheinzelin D. Families’ interactions with
physicians in the intensive care unit: the impact on family’s satisfaction.
J Crit Care. 2008; 23(3):281-86.
Pelazza BB, Simoni RC, Freitas EG, Silva BR, Silva MJ
17.Davidson JE, Powers K, Hedayat KM, Tieszen M, Kon AA, Shepard
E, et al: Clinical practice guidelines for support of the family in the
patient-centered intensive care unit: American College of Critical Care
Medicine Task Force 2004-2005. Crit Care Med. 2007; 35(2):605-22.
23. Campbell ML, Guzman JA. Impact of a proactive approach to improve
end-of-life care in a medical ICU. Chest. 2003;123(1):266-71.
18.Henrich NJ, Dodek P, Heyland D, Cook D, Rocker G, Kutsogiannis D,
et al. Qualitative analysis of an intensive care unit family satisfaction
survey. Crit Care Med. 2011; 39(5):1000-05.
24.Scheunemann LP, McDevitt M, Carson SS, Hanson LC. Randomized,
controlled trials of interventions to improve communication in intensive
care: a systematic review. Chest. 2011; 139(3):543-54.
19. Siddiqui S, Sheikh F, Kamal R. What families want - an assessment of
family expectations in the ICU. Int Arch Med. 2011; 4(21):1-5
25. Kentish-Barnes N, Lemiale V, Chaize M, Pochard F, Azoulay E. Assessing
burden in families of critical care patients. Crit Care Med. 2009; 37(10
Suppl):448-56.
20.Nierman DM, Schechter CB, Cannon LM, Meier DE. Outcome
prediction model for very elderly critically ill patients. Crit Care Med.
2001; 29(10):1853-9.
21. Sibbald R, Downar J, Hawryluck L. Perceptions of “futile care” among
caregivers in intensive care units. Cmaj. 2007; 177(10):1201-8.
22. Medland JJ, Ferrans CE. Effectiveness of a structured communication
program for family members of patients in an ICU. Am J Crit Care.
1998;7(1):24-9.
26.Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Satisfaction with communication
in ICU patients and relatives: comparisons with medical staffs’
expectations and the relationship with psychological distress. Patient
Educ Couns. 2011;85 (2):237-44.
27.Lautrette A, Darmon M, Megarbane B, Joly LM, Chevret S, Adrie C,
et al. A communication strategy and brochure for relatives of patients
dying in the ICU. N Engl J Med. 2007; 356(5):469-78.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5.
65
Artigo Original
Fatores de risco de infecção da ferida
operatória em neurocirurgia
Risk factors for surgical site infection in neurosurgery
Gislaine Cristhina Bellusse1
Julio Cesar Ribeiro1
Fabrício Ribeiro de Campos2
Vanessa de Brito Poveda3
Cristina Maria Galvão4
Descritores
Infecção da ferida operatória;
Enfermagem perioperatória;
Enfermagem de centro cirúrgico;
Fatores de risco; Neurocirurgia
Keywords
Surgical wound infection; Perioperative
nursing; Operating room nursing; Risk
factors; Neurosurgery
Submetido
24 de Setembro de 2014
Aceito
22 de Outubro de 2014
Autor correspondente
Cristina Maria Galvão
Av. Bandeirantes 3900, Ribeirão Preto,
SP, Brasil. CEP: 14040-902
[email protected]
Resumo
Objetivo: Analisar os fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia.
Métodos: Estudo transversal, prospectivo, conduzido em hospital de nível terciário com 85 neurocirurgias
eletivas e limpas, tendo como desfecho a infecção até 30 dias após o procedimento cirúrgico.
Resultados: A ocorrência de infecção de sítio cirúrgico foi de 9,4% (n=8). Na análise bivariada observou-se
que os fatores de risco: tempo total de internação, Índice de Massa Corporal, porte cirúrgico e transfusão
sanguínea foram associados com a presença de infecção. Após ajuste no modelo de regressão logística
binária, apenas o tempo total de internação mostrou relação estatisticamente significativa com a presença
de infecção.
Conclusão: A ocorrência de infecção de sítio cirúrgico em neurocirurgia na instituição estudada foi maior do
que o preconizado na literatura científica. Os resultados apontaram que o acompanhamento ambulatorial do
paciente cirúrgico após a alta hospitalar pode reduzir a subnotificação dos casos de infecção.
Abstract
Objective: To analyze risk factors for surgery site infection in neurosurgery.
Methods: A prospective cross-sectional study conducted in a tertiary hospital analyzing 85 elective and clean
neurosurgeries with an outcome of infection within 30 days after surgery.
Results: Surgical site infection occurred in 9.4% (n=8) of cases. Bivariate analysis revealed that the following
risk factors were associated with the presence of infection: total length of hospital stay, Body Mass Index,
surgical size and blood transfusion. After running binary logistic regression adjustments, only the total length
of hospital stay was significantly related to the presence of infection.
Conclusion: The occurrence of surgical site infection in neurosurgery in the studied institution was higher than
recommended by the scientific literature. The results show that outpatient follow up of patients who undergo
surgery after hospital discharge may reduce the underreporting of infection cases.
Universidade de Franca, São Paulo, SP, Brasil.
Fundação Santa Casa de Misericórdia de Franca, São Paulo, SP, Brasil.
3
Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
4
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500012
66
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
Bellusse GC, Ribeiro JC, Campos FR, Poveda VB, Galvão CM
Introdução
A infecção de sítio cirúrgico (ISC) é a complicação mais frequente do paciente operado e, em sua
essência, pode ser classificada como hospitalar, por
decorrer de cirurgias ou de procedimentos invasivos intra-hospitalares e está associada a diferentes
níveis de gravidade, desde o acometimento do local da incisão até coleções intracavitárias e infecções relacionadas a próteses, aumentando o risco
de septicemia e reabordagem cirúrgica. Este tipo
de infecção apresenta morbidade significativa que
prolonga o tempo de internação, aumenta o risco
de readmissão hospitalar, admissão em unidade de
terapia intensiva e óbito.(1)
Em neurocirurgia, estudo conduzido sobre
a avaliação de 390 casos de craniectomia, cranioplastia e craniotomia durante o seguimento de dois
anos, os resultados indicaram que 30 pacientes desenvolveram ISC, com incidência média de 7,7%,
sendo que houve associação estatisticamente significante entre este tipo de infecção e os fatores de risco
escore da American Society of Anesthesiology (ASA),
ASA II e cirurgia potencialmente contaminada.
Outros fatores como, tipo e duração da cirurgia
e experiência do cirurgião não foram associados à
problemática. O tempo médio entre a cirurgia e o
início da infecção foi de 11,8 a 21,8 dias.(2)
A incidência de ISC em cirurgia de coluna pode
chegar a 15% dependendo do diagnóstico, da abordagem cirúrgica, da região a ser operada, do número
de níveis intervertebrais envolvidos no procedimento e a utilização de instrumentação (órtese/prótese).
(3)
De acordo com o Centers for Disease Control and
Prevention, as taxas de infecção após laminectomias
ou outros procedimentos de fusão espinhal estão
entre 0,72 e 4,1%.(4)
Dentre os fatores de risco em cirurgia de coluna destacam-se: período prolongado de hospitalização pré-operatória, extensão da incisão cirúrgica, cirurgia prolongada, ressecção de tumor,
número elevado de pessoas envolvidas no ato
cirúrgico, estágio do procedimento e revisão do
procedimento cirúrgico.(5) A morbidade associada
à ISC neste tipo de cirurgia inclui o prolongamento da utilização de antibióticos intravenosos, múl-
tiplas readmissões e reoperações, desbridamentos
cirúrgicos, aumento da permanência hospitalar,
aumento nas taxas de pseudoartrose, além do fracasso da instrumentação.(6)
Frente ao exposto, salienta-se a importância de
estudos sobre a ocorrência e os fatores de risco de
ISC em neurocirurgia, principalmente no Brasil,
uma vez que os dados disponíveis desta problemática são escassos na literatura nacional. O presente estudo foi conduzido para contribuir com evidências
que possam permitir a reflexão da prática atual, implementação de medidas de prevenção e controle, e
também ampliar o conhecimento referente ao tema
investigado. Assim, a pesquisa teve como objetivo
geral analisar os fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia.
Métodos
Estudo transversal prospectivo conduzido em hospital de nível terciário, do estado de São Paulo (Brasil). O tipo de amostra foi de conveniência com a
participação de 85 pacientes adultos submetidos à
neurocirurgia, eletiva e limpa (potencial de contaminação do sítio cirúrgico), incluindo aqueles pacientes que se submeteram a procedimentos neurocirúrgicos com instrumentação (órtese/prótese), no
período de junho de 2012 até abril de 2013. Ressalta-se que no estudo delimitou-se analisar o desfecho
infecção até 30 dias após o procedimento cirúrgico,
apesar dos casos de implante, onde a infecção poderá se manifestar em até um ano após o procedimento cirúrgico.(7)
Os dados foram obtidos por meio do emprego
de instrumento elaborado e submetido à validação
de face e de conteúdo por estudiosos da temática.
Esse instrumento é composto por duas partes, na
primeira, os dados são relativos à caracterização
do paciente e à identificação dos fatores de risco
ao desenvolvimento de infecção (fatores relacionados ao paciente, ao procedimento cirúrgico e ao
ambiente). A segunda parte contempla os dados
relacionados aos critérios diagnósticos de ISC, segundo os critérios do Centers for Disease Control
and Prevention, vigilância durante o período em
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
67
Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia
que o paciente permanece hospitalizado e após a
sua alta.
Os dados coletados foram analisados por meio
do software Statistical Package for the Social Sciences
(SPSS), versão 20.0 e os resultados foram apresentados segundo distribuições de frequências e medidas
estatísticas descritivas tais como: média aritmética,
desvio-padrão, mediana, valores mínimo e máximo
para as variáveis quantitativas.
A análise bivariada foi adotada para analisar a
associação entre as variáveis categóricas (transfusão
sanguínea, presença de doença crônica, classificação
ASA, porte cirúrgico, antibioticoprofilaxia) e a infecção, por meio do teste exato de Fisher. Em relação às variáveis contínuas (idade, IMC, duração da
cirurgia, duração da anestesia, tempo total de internação), procedeu-se o teste de Mann-Whitney.
Posteriormente, foram incluídas no modelo de regressão logística binária as variáveis que
apresentaram valor de p menor que 0,05 para
os testes de associação ou de comparação com
a variável resposta ISC, ajustou-se o modelo de
regressão logística binária com intervalo de confiança de 95%.
O nível de significância delimitado foi de α= 0,05.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
Resultados
Dos 85 pacientes participantes do estudo (N=85),
77 não apresentaram ISC (90,6%), e oito desenvolveram esse tipo de infecção, ou seja, a ocorrência foi
de 9,4%. A média de idade da amostra foi de 53,3
anos (DP=14,16), com variação de 21 a 86 anos,
sendo a faixa etária mais frequente de 60 a 70 anos
com 21 sujeitos (24,7%). A maioria dos pacientes
era do sexo masculino, representando 57,6% da
amostra investigada. Dos oito sujeitos com ISC,
quatro (50%) eram da faixa etária de 60 a 70 anos,
sendo seis (75%) do sexo feminino, e dois (25%) do
sexo masculino.
Em relação à classificação ASA, os resultados
evidenciaram que 33 (38,8%) pacientes da amostra
68
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
foram classificados como ASA I (paciente saudável),
no entanto, desses participantes, três (9%) desenvolveram ISC. Observou-se também, que a maioria da amostra, ou seja, 51 (60%) pacientes foram
classificados como ASA II (paciente com doença
sistêmica leve ou moderada, sem limitação funcional) e desses, cinco (9,8%) foram acometidos de infecção. Dos sujeitos estudados apenas um (1,2%)
foi classificado como ASA III (paciente com doença
sistêmica grave, com limitação funcional, mas não
incapacitante) e não desenvolveu este tipo de infecção (Tabela 1).
Dos 85 pacientes estudados, 40 (47,1%) não
apresentavam doença crônica, porém, três (3,5%)
desenvolveram ISC. Dos 45 (52,9%) pacientes
com doença crônica, quatro (8,9%) tinham diabetes, três (6,75) tinham diabetes e obesidade (um
paciente apresentou infecção), 36 (80%) apresentavam diabetes e hipertensão arterial (quatro pacientes desenvolveram infecção) e, dois (4,4%) outras comorbidades.
Na amostra, o IMC médio foi de 26,18 Kg/
2
m (DP=4,7) com variação de 18,37 a 47,03 Kg/
m2. Dos 85 pacientes, 40 (47%) apresentavam peso
normal, sendo a categoria mais frequente; entretanto, ao considerar o número de sujeitos nas categorias
sobrepeso e obeso, os resultados indicam frequência
semelhante com 44 (51,8%) pacientes. Ressaltase que dos oito pacientes com ISC, quatro (50%)
estavam na categoria sobrepeso e três (37,5%) na
categoria obesidade.
Em relação às variáveis relativas ao procedimento, a média de duração da anestesia foi de 185,81
minutos, variando de dez a 440 minutos. A média
de duração da cirurgia foi de 154,35 minutos com
variação de 15 a 400 minutos.
A média do tempo total de internação da
amostra (período perioperatório) foi de 11,48 dias
(DP=13,15) com variação de dois a 80 dias. A ISC
ocorreu com frequência maior nos pacientes que
permaneceram de sete a nove dias internados (2 casos; 25%) e naqueles internados em período ≥ 22
dias (2 casos; 25%).
Todos os sujeitos do estudo receberam antibiótico profilático (cefuroxima). Em relação ao momento de aplicação, em 100% dos pacientes a medica-
Bellusse GC, Ribeiro JC, Campos FR, Poveda VB, Galvão CM
Tabela 1. Distribuição dos pacientes submetidos a neurocirurgias (n=85), segundo as variáveis investigadas
Infecção
Variáveis
Sim n(%)
Não n(%)
I
3(37,5)
30(39,0)
II
5(62,5)
46(59,7)
III
-
1(1,3)
Sim
4(50,0)
11(14,3)
Não
4(50,0)
66(85,7)
4(50,0)
43(55,8)
II (> 2 a 4)
0
25(32,5)
III (> 4 a 6)
3(37,5)
8(10,4)
IV (> 6)
1(12,5)
1(1,3)
0
4(5,2)
p-value*
ASA
1,000
Transfusão sanguínea
0,030
Porte (horas)
0,016
I (até 2)
Doença crônica
0,520
Diabetes mellitus (DM)
DM + obesidade
1(12,5)
2(2,6)
DM + HA
4(50,0)
32(41,6)
Outras
Nenhuma
Variáveis
*
Média
0
2(2,6)
3(37,5)
37(48,1)
DP
Mediana
Média
DP
Mediana
p-value**
Duração cirurgia (minutos)
196,88
120,88
180,00
149,94
88,56
150,00
0,262
Duração anestesia (minutos)
228,13
123,92
215,00
179,08
95,03
170,00
0,313
Tempo total internação (dias)
30,57
24,66
28,50
9,74
10,20
7,00
0,001
Idade (anos)
57,88
10,80
59,50
52,86
14,44
54,00
0,302
IMC (kg/m2)
29,12
3,58
29,23
25,87
4,72
24,76
0,022
Teste exato de Fischer; HA – hipertensão arterial; DP – desvio padrão; **Teste de Mann-Whitney
ção foi administrada antes da incisão cirúrgica e por
via endovenosa.
Dos 85 pacientes estudados, 47 (55,3%) foram submetidos à cirurgia de porte I, 25 pacientes
(29,4%) cirurgias de porte II, 11 pacientes (12,9%)
cirurgias de porte III e apenas dois pacientes (2,4%)
foram submetidos à cirurgia de porte IV. Dos oito
pacientes que desenvolveram ISC, quatro (50%) foram submetidos à cirurgia de porte I, três pacientes
(37,5%) cirurgia de porte III e apenas um paciente
(12,5%) submetido à cirurgia de porte IV.
Em relação à transfusão sanguínea, do total da
amostra estudada (n=85), 15 pacientes (17,6%)
receberam transfusão e quatro (26,7%) desenvolveram ISC.
Nas análises estatísticas empregadas, observou-se que as variáveis tempo total de internação (p=0,001), IMC (p=0,022), porte cirúrgico
(p=0,016) e transfusão sanguínea (p=0,030) foram
associadas com a presença de ISC (diferença estatisticamente significante) (Tabela 1).
Conforme já apontado, a regressão logística binária foi aplicada considerando-se as variáveis com p inferior a 0,05 (tempo total de internação, IMC, porte
cirúrgico e transfusão sanguínea), assim permaneceu
no modelo como associada à presença de ISC apenas
a variável tempo total de internação (p<0,001).
Discussão
A condução de estudo transversal pode acarretar
limitações ao investigar condições de baixa ocorrência (ISC em cirurgia limpa) o que implicaria
uma amostra maior. Ressalta-se que o desfecho ISC
foi avaliado até 30 dias após a cirurgia do paciente, apesar do conhecimento dos pesquisadores que
em caso de implante, este tipo de infecção poderá
se manifestar em até um ano após o procedimento cirúrgico. Outro aspecto refere-se à conduta dos
profissionais de saúde, uma vez que se observou a
intensificação de cuidados para a redução dos índices de infecção na sala de cirurgia, devido a presença
de um dos pesquisadores que também era membro
da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da
instituição selecionada para a condução do estudo.
Os resultados deste estudo fornecem subsídios
para a compreensão da problemática na realidade
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
69
Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia
brasileira. O acompanhamento ambulatorial do paciente cirúrgico após a alta hospitalar pode reduzir
a subnotificação dos casos de infecção. Além deste
aspecto, o estudo traz evidências que podem direcionar a condução de novas pesquisas sobre intervenções para a prática clínica que possam minimizar
a ocorrência de ISC em neurocirurgia e, consequentemente a melhoria da qualidade da assistência prestada ao paciente cirúrgico.
No estudo, a média de idade da amostra foi de
53,3 anos, dado semelhante aos resultados de pesquisa conduzida também em neurocirurgia (média
de idade foi de 57,7 anos).(8) No grupo com infecção
(n=8), quatro (50%) pacientes eram da faixa etária
de 60 a 70 anos. Na literatura, a idade é apontada
como fator de risco para o desenvolvimento de ISC,
sendo os extremos de idade (recém-nascido e idoso)
os principais grupos etários.(9)
A classificação ASA é um dos métodos mais
utilizados para a avaliação clínica pré-operatória do
paciente e na literatura apresenta-se como fator de
risco para a ocorrência de ISC, ou seja, quanto mais
grave a condição clínica do paciente, provavelmente
maior será a taxa de infecção.(9,10)
No estudo, dos oito pacientes que desenvolveram ISC, cinco (62,5%) foram classificados como
ASA II. Esse dado é semelhante aos resultados de
pesquisa realizada no período de junho de 2007 a
maio de 2009, na qual os autores avaliaram prospectivamente 390 pacientes submetidos à neurocirurgia. A classificação ASA II e o potencial de contaminação da ferida (cirurgia potencialmente contaminada) foram fatores de risco para ISC, quando
testadas associações.(2)
Em relação ao IMC, dos oito pacientes com
infecção, quatro (50%) foram classificados com
sobrepeso e três pacientes (37,5%) como obesos,
na análise bivariada esta variável foi associada com
ISC (p=0,022). Em estudo retrospectivo cujo objetivo foi avaliar a incidência de ISC, a amostra foi
composta por 363 pacientes adultos submetidos a
cirurgias de coluna. Os resultados demonstraram
que a obesidade foi fator de risco independente
para o desenvolvimento de infecção.(11) Por outro
lado, em outra pesquisa também retrospectiva,
com o objetivo de avaliar o efeito do peso corporal
70
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
sobre as complicações pós-operatórias (n=63 pacientes, sendo 24 com peso normal, 25 obesos e 14
obesos mórbidos submetidos à artrodese de coluna
lombar), os resultados evidenciaram taxa baixa de
ISC, sendo que somente um paciente no grupo de
obesos, e um no de obesos mórbidos apresentaram
este tipo de infecção.(12)
Nessa pesquisa, 52,9% dos pacientes (n=45)
apresentavam algum tipo de comorbidade. A literatura indica o diabetes mellitus como fator de
risco, devido às complicações fisiopatológicas que
ocorrem no processo de cicatrização, decorrentes da
fragilidade do sistema de defesa, e da vasculopatia,
comuns nas pessoas com diabetes.(7)
No presente estudo, todos os pacientes receberam antibioticoprofilaxia de acordo com protocolo
da instituição, sendo a cefuroxima o medicamento
de escolha e, mesmo com o emprego da medida,
detectou-se a ocorrência de oito casos de ISC, provavelmente, devido à presença de outros fatores de
risco na amostra estudada. Observou-se que a presença do pesquisador pode ter contribuído para a
implementação da antibioticoprofilaxia de forma
adequada, uma vez que a equipe cirúrgica tinha
conhecimento que esse profissional era membro
da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
da instituição e, por esse motivo, alguns questionamentos foram feitos em relação ao medicamento de
escolha e dosagem.
A administração de antibioticoprofilaxia correta
requer a utilização do antibiótico adequado, com
início de 30 a 60 minutos antes da incisão cirúrgica
e a duração não deve ultrapassar 24 horas do procedimento cirúrgico, sendo a conduta recomendada
pelo Centers for Disease Control and Prevention.(7,13)
Na literatura há evidências que a duração da
anestesia e da cirurgia apresenta associação com o
risco de ocorrência de ISC.(7) Em estudo conduzido
com pacientes submetidos a procedimentos neurocirúrgicos, os resultados evidenciaram que a duração da cirurgia foi fator de risco independente para
a ocorrência de ISC, devido ao tempo prolongado
de exposição da ferida operatória ao ambiente; complicações intraoperatórias, como perda sanguínea
maior; queda nos mecanismos de defesa do paciente; dor pós-operatória, devido ao tempo longo na
Bellusse GC, Ribeiro JC, Campos FR, Poveda VB, Galvão CM
mesma posição cirúrgica; arritmias cardíacas e outras infecções pós-operatórias, como por exemplo,
a pneumonia.(14)
Em estudo de coorte retrospectivo, com a participação de 4.588 pacientes submetidos à fusão
lombar, a duração da cirurgia foi fator de risco independente para as complicações pós-operatórias,
inclusive infecção de sítio cirúrgico superficial, sendo que a duração de cinco horas ou mais de cirurgia
foi associada ao aumento do risco de reoperação,
infecção de sítio cirúrgico de órgão/espaço, sepse
deiscência da ferida e trombose venosa profunda.(15)
Dos oito casos de ISC detectados, quatro
(50%) foram em procedimentos de porte I e, os
outros quatro casos (50%) foram em procedimentos de porte III e IV, sendo que esta variável foi
associada com ISC (p=0,016) na análise bivariada.
Esses dados são semelhantes aos resultados de outra pesquisa, na qual o tempo cirúrgico superior a
150 minutos foi indicado como fator de risco para
o desenvolvimento de complicações após cirurgia
de coluna.(16)
Nessa pesquisa, o tempo total de internação foi
variável de interesse e constatou-se na análise bivariada associação com a ISC (p=0,001), bem como
na regressão logística binária empregada (p<0,001).
Em estudo recente,(17) esta variável também mostrou
relação estatisticamente significativa com a presença
de infecção.
No presente estudo, dos 15 pacientes que necessitaram de transfusão sanguínea, quatro (26,7%)
desenvolveram ISC, sendo que na análise bivariada, esta variável foi associada com ISC (p=0,030).
Esse resultado é corroborado com outra pesquisa,
na qual a hemotransfusão foi fator de risco para o
desenvolvimento deste tipo de infecção (diferença
estatisticamente significante).(18)
Conforme já apontado, na amostra investigada, a ocorrência de ISC foi de 9,4%. Esse resultado
mostra-se elevado, uma vez que a taxa de infecção
recomendada para as cirurgias limpas é de 1% a
5%, conforme parâmetros estabelecidos pelo Centers for Disease Control and Prevention.(7) O número
de casos esperados para essa amostra de 85 pacientes
seria de um a no máximo, quatro casos, entretanto,
foram oito casos deste tipo de infecção.
Na literatura, alguns estudos evidenciaram resultados semelhantes ao da presente pesquisa. Em
uma pesquisa, as taxas variaram de 2,1% a 8,5%
após cirurgias de coluna com instrumentação (implante)(19) e em outra,(20) os resultados demonstraram que as taxas de infecção dependem da natureza do procedimento, ou seja, após discectomia,
a taxa de infecção é de aproximadamente 1% podendo ser superior a 9%, em caso de cirurgia com
instrumentação.
No estudo, dos oito casos de infecção, quatro
foram em cirurgia de artrodese com instrumentação
(implante). Esse resultado pode modificar-se, uma
vez que os pacientes foram avaliados até o 30º dia
após a cirurgia e, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention, em caso de implante de
prótese, a infecção poderá ser diagnosticada em até
um ano após o procedimento cirúrgico.
Em pesquisa conduzida com o objetivo de analisar a incidência de ISC após procedimentos neurocirúrgicos e identificar os pacientes com risco alto
para desenvolver esse tipo de infecção, os autores
analisaram prospectivamente 390 pacientes, durante dois anos, sendo que os resultados demonstraram
incidência média de 7,7%,(2) dado semelhante com
os resultados do presente estudo.
Em revisão sistemática conduzida com o objetivo de comparar a incidência de ISC após artrodese de coluna utilizando a técnica cirúrgica aberta
e minimamente invasiva, além de determinar os
custos hospitalares relacionados ao tratamento, os
resultados indicaram a redução na incidência de
infecção após utilização de técnica minimamente
invasiva, sendo 0,6% e 4% (cirurgia aberta). Esse
dado pode reforçar a hipótese de que quanto maior
a incisão cirúrgica, maior o risco de ocorrência de
ISC.(21)
Na literatura, também se detectou pesquisas
recentes, cujos resultados apresentaram índices menores de ISC quando comparados aos dados do presente estudo. O objetivo de estudo descritivo retrospectivo foi avaliar a incidência e os fatores de risco
de pacientes submetidos à cirurgia de coluna com
doença degenerativa, no período de 1993-2010. A
amostra foi composta de 817 participantes, sendo
que 37 desenvolveram infecção, ou seja, a incidênActa Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
71
Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia
cia foi de 4,5%.(17) Em estudo descritivo prospectivo, a amostra foi composta de 1.110 pacientes
submetidos a neurocirurgia (cirurgia eletiva), sendo
que 41 desenvolveram ISC, assim a incidência foi
de 3,47%. Ressalta-se que dos 41 casos de infecção,
34 foram diagnosticados durante a hospitalização
e sete após a alta hospitalar.(22) Em estudo de coorte prospectivo com a participação de 502 pacientes submetidos à craniotomia, a taxa de ISC foi de
5,6%.(23)
A vigilância pós-alta trata-se de estratégia necessária, considerando que 12% a 84% das ISC são
diagnosticadas nesse período, e, sendo assim, torna-se imprescindível para a obtenção de indicadores
acurados.(7)
No presente estudo, a vigilância pós-alta foi
realizada por meio do retorno do paciente na
sala de curativos (30º dia após a cirurgia) para
delimitar-se de forma fidedigna, o perfil epidemiológico dos egressos da neurocirurgia, uma
vez que até o momento, os procedimentos neurocirúrgicos realizados na instituição selecionada para a condução da pesquisa, somente foram
avaliados por meio de busca ativa durante a internação do paciente. Assim, dos oito casos de
ISC diagnosticados, um foi na sala de curativos
durante o retorno do paciente, na data agendada
pelo pesquisador. Esse dado corrobora com a literatura quando afirma que as taxas de infecção
aumentam com a adoção da estratégia de busca
pós- alta. Em pesquisa recente também em neurocirurgia, os resultados evidenciaram que 70%
dos casos de ISC foram identificados após a alta
hospitalar do paciente.(24)
Conclusão
A ocorrência de infecção do sítio cirúrgico em
neurocirurgia na instituição estudada foi maior
do que o preconizado na literatura científica.
Nas análises estatísticas empregadas, observou-se
que os fatores de risco: tempo total de internação, IMC, porte cirúrgico e transfusão sanguínea
foram associados com a presença de ISC (diferença estatisticamente significante). No entanto,
72
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
no modelo de regressão logística binária apenas
o tempo total de internação mostrou relação estatisticamente significativa com a presença de
infecção.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
(CNPq; bolsa de produtividade em pesquisa nível
2 para Galvão CM).
Colaborações
Belusse GC participou da concepção do projeto,
coleta de dados, análise e interpretação dos dados,
redação do artigo e aprovação da versão final do manuscrito. Ribeiro JC colaborou com a concepção do
projeto, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação da versão final do manuscrito.
Campos FR contribuiu com a coleta de dados, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação da versão final do manuscrito. Poveda VB
cooperou com a análise e interpretação dos dados,
redação do artigo e aprovação da versão final do manuscrito. Galvão CM participou da concepção do
projeto, análise e interpretação dos dados, redação
do artigo e aprovação da versão final do manuscrito.
Referências
1. Deverick JA. Surgical site infections. Infect Dis Clin North Am. 2011;
25(1):135-53.
2. Buang SS, Haspani MS. Risk factors for neurosurgical site infections
after a neurosurgical procedure: a prospective observational study at
hospital Kuala Lumpur. Med J Malaysia. 2011; 67(4):393-8.
3. O’Neill KR, Smith JG, Abtahi AM, Archer KR, Spengler DM, McGirt MJ,
et al. Reduced surgical site infections in patients undergoing posterior
spinal stabilization of traumatic injuries using vancomycin powder.
Spine J. 2011; 11(7):641-6.
4. Edwards JR, Peterson KD, Mu Y, Banerjee S, Allen-Bridson K, Morrell G,
et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report: data summary
for 2006 through 2008, issued December 2009. Am J Infect Control.
2009; 37(10):785-805.
5. Schwender JD, Casnellie MT, Perra JH, Transfeldt EE, Pinto MR, Denis
F, et al. Perioperative complications in revision anterior lumbar spine
surgery: incidence and risk factors. Spine. 2009; 34(1):87-90.
6. Mcgirt MJ, Godil SS. Reduction of surgical site infection in spine
surgery: an opportunity for quality improvement and cost reduction.
Spine J. 2013; 13(9):1030-1.
7. Mangram AJ, Horan TC, Pearson ML, Silver LC, Jarvis WR. Guideline
for Prevention of Surgical Site Infection, 1999. Infect Control Hosp
Bellusse GC, Ribeiro JC, Campos FR, Poveda VB, Galvão CM
Epidemiol. 1999; 20(4): 250-78.
8. Lee JH, Chun HJ, Yi HJ, Bak KH, Ko Y, Lee YK. Perioperative risk factors
related to lumbar spine fusion surgery in Korean geriatric patients. J
Korean Neurosurg Soc. 2012;51(6):350-8.
9. Greene LR. Guide to the elimination of orthopedic surgery surgical site
infections: an executive summary of the Association for Professionals
in Infection Control and Epidemiology elimination guide. Am J Infect
Control. 2012; 40(4):384-6.
10.National Institute for Health and Clinical Excellence. Centre for
Clinical Practice. Review consultation document. Review of Clinical
Guideline (CG74) – Prevention and treatment of surgical site
infection. London (UK). National Institute for Health and Clinical
Excellence. 2011; 53p.
11. Gunne AFP, Laarhoven CJHM, Cohen DB. Surgical site infection after
osteotomy of the adult spine: does type of osteotomy matter? Spine J.
2010; 10(5):410-6.
16.Pugely AJ, Martin CT, Gao Y, Mendoza-Lattes SA. Outpatient surgery
reduces short-term complications in lumbar discectomy: an analysis of
4310 patients from the ACS-NSQIP database. Spine. 2013; 38(3):264-71.
17.Chaichana KL, Bydon M, Santiago-Dieppa DR, Hwang L, McLoughlin
G, Sciubba, DM et al. Risk of infection following posterior instrumented
lumbar fusion for degenerative spine disease in 817consecutive cases.
J Neurosurg Spine. 2014; 20(1):45-52.
18.Schwarzkopf R, Chung C, Park JJ, Walsh M, Spivak JM, Steiger D.
Effects of perioperative blood product use on surgical site infection
following thoracic and lumbar spinal surgery. Spine. 2010; 35(3):340-6.
19.Gerometta A, Rodriguez Olaverri JC, Bitan F. Infections in spinal
instrumentation. Int Orthop. 2012; 36(2):457-64.
20.Pull ter Gunne AF, Cohen DB. Incidence, prevalence, and analysis of
risk factors for surgical site infection following adult spinal surgery.
Spine. 2009; 34(13):1422-8.
12. Vaidya R, Carp J, Bartol S, Ouellette N, Lee S, Sethi A. Lumbar spine
fusion in obese and morbidly obese patients. Spine. 2009; 34(5):495500.
21.Parker SL, Adogwa O, Witham TF, Aaronson OS, Cheng J, McGirt
MJ. Post-operative infection after minimally invasive versus open
transforamidal lumbar interbody fusion (TLIF): a literature review and
cost analysis. Minim Invasive Neurosurg. 2011; 54(1):33-7.
13.Bratzler DW, Dellinger EP, Olsen KM, Perl TM, Auwaerter PG, Bolon
MK, et al. Clinical practice guidelines for antimicrobial prophylaxis in
surgery. Am J Health Syst Pharm. 2013; 70(3):195-283.
22.Taha MM, Abouhashem S, Abdel-Rahman AY. Neurosurgical wound
infection at a university hospital in Egypt: prospective study of 1,181
patients for 2 years. Turk Neurosurg. 2014; 24(1):8-12.
14.Cloyd JM, Acosta FL Jr, Cloyd C, Ames CP. Effects of age on
perioperative complications of extensive multilevel thoracolumbar
spinal fusion surgery. J Neurosurg Spine. 2010; 12(4):402-8.
23. Sneh-Arbib O, Shiferstein A, Dagan N, Fein S, Telem L, Muchtar E, et
al. Surgical site infections following craniotomy focusing on possible
post-operative acquisition of infection: prospective cohort study.Eur J
Clin Microbiol Infect Dis. 2013; 32(12):1511-16.
15. Kim BD, Hsu WK, De Oliveira GS Jr, Saha S, Kim JY. Operative duration
as an independent risk factor for postoperative complications in singlelevel lumbar fusion: an analysis of 4588 surgical cases. Spine. 2014;
39(6):51020.
24. Chiang HY, Kamath AS, Pottinger JM, Greenlee JD, Howard MA, Cavanaugh
JE, et al. Risk factors and outcomes associated with surgical site infections
after craniotomy or craniectomy. J Neurosurg. 2014; 120(2):509-21.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73.
73
Artigo Original
Identificação de queimaduras térmicas como
injúria relacionada ao trabalho de soldadores
Identification of thermal burns as work-related injury in welders
Marta Regina Cezar-Vaz1
Clarice Alves Bonow2
Cynthia Fontella Sant’Anna2
Leticia Silveira Cardoso2
Marlise Capa Verde de Almeida3
Descritores
Queimaduras; Indústria metalúrgica;
Enfermagem do trabalho; Enfermagem
em saúde pública; Riscos ocupacionais
Keywords
Burns; Metalmechanic industry;
Occupational health nursing; Public
health nursing; Occupational risks
Submetido
30 de Setembro de 2014
Aceito
30 de Outubro de 2014
Resumo
Objetivo: Avaliar a identificação de queimaduras em soldadores como injúria relacionada ao trabalho, antes e
depois da ação clínica comunicativa de Enfermagem.
Métodos: Estudo transversal com 161 soldadores em processo de formação. Utilizou-se modelo de julgamento
e decisão clínica, adaptado na perspectiva da Enfermagem em saúde pública. Para a coleta de dados, foi
aplicado questionário antes e depois da ação clínica comunicativa de Enfermagem.
Resultados: Para os soldadores que não referiram queimaduras durante atividade de solda, houve diferença
estatística significativa (p=0,02) para a variável queimadura por fagulha nos olhos.
Conclusão: A ação clínica comunicativa pode modificar o conhecimento de indivíduos sobre a ocorrência de
queimaduras como injúria relacionada ao trabalho.
Abstract
Objective: Assess identification of burns in welders as work-related injury before and after communicative
clinical action.
Methods: Cross-sectional study conducted with 161 welders in the formation process. A model of clinic
judgment and decision was used and adapted to the public health nursing. For data collection, a questionnaire
was administered before and after communicative clinical action.
Results: For welders who did not report burns during the welding activity, a statistically significant difference
(p=0.02) was observed in relation to the spark-caused eye burn variable.
Conclusion: Communicative clinical actions can modify individuals’ knowledge about occurrence of burns as
[being] work-related injuries.
Autor correspondente
Marta Regina Cezar-Vaz
Rua General Osório, s/nº, Rio Grande,
RS, Brasil. CEP: 96200-190
[email protected]
Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil.
Universidade Federal do Pampa, Uruguaiana, RS, Brasil.
3
Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500013
74
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80.
2
Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Sant’Anna CF, Cardoso LS, Almeida MC
Introdução
Mundialmente, as queimaduras são consideradas um
problema de saúde pública.(1) Constituem lesões na
pele ou em outro tecido orgânico,(1) podendo ser causadas por agentes térmicos, elétricos ou químicos.(2)
Especificamente as queimaduras térmicas e químicas,
abordadas neste estudo, podem ser conceituadas da
seguinte forma: as primeiras ocorrem devido ao calor
produzido por explosões, chama, radiação e contato
direto com superfícies quentes; as segundas, quando há reação do tecido biológico (tegumento) com
materiais químicos.(2) Os diversos agentes causadores
de queimaduras térmicas e químicas possuem potencial para deflagrar essa injúria em qualquer adulto ou criança. No presente texto, o foco dirigiu-se à
ocorrência de queimaduras no trabalho relacionadas
à saúde pública de adultos em ambiente laboral. Tal
injúria é fato cotidiano, que exige o aprofundamento
do conhecimento clínico para aprimorar o planejamento da ação comunicativa do enfermeiro em ambientes potenciais da ocorrência das mesmas.
A Enfermagem utiliza esse conhecimento clínico
por meio de intervenções coletivas com estudantes
do Ensino Fundamental para prevenção de incêndios,(3) conhecimento da reabilitação para pacientes
queimados, por meio do toque/massagem terapêutica,(4,5) e organização de serviço para o atendimento
a pacientes queimados leves.(6)
Os soldadores configuram coletivo de alto risco
para queimaduras de pele e ocular em virtude da
manipulação de objetos quentes e da radiação ultravioleta, o que pode ocasionar diferentes distúrbios
clínicos. O câncer de pele, por exemplo, pode surgir devido à queimadura por metal quente ou por
respingos de solda.(7) Nos olhos, opacidade das córneas, depósitos pigmentares maculares e até mesmo
cegueira, devido à exposição à radiação ultravioleta,
durante atividade de solda, foram identificados em
estudo na Nigéria.(8) O risco de catarata em soldadores aumenta não somente devido à exposição à
radiação ultravioleta, mas pelas frequentes lesões
oculares sofridas por eles.(9)
O conhecimento clínico acerca da ocorrência de
queimaduras durante a atividade de solda é importante para auxiliar os enfermeiros a avaliar as queimadu-
ras, traçar estratégias para minimizar sua ocorrência
e desenvolver a ação clínica comunicativa. Entendese que essa ação é importante para que os soldadores
compreendam que a queimadura não é natural ao seu
trabalho e pode ser evitada. O objetivo deste estudo foi
avaliar a identificação de queimaduras em soldadores
como injúria relacionada ao trabalho, antes e depois da
ação clínica comunicativa de Enfermagem.
Métodos
Estudo transversal realizado em uma instituição privada de ensino profissional e tecnológico da Região
Sul do Brasil.
O tamanho amostral foi obtido por meio da ferramenta StatCalc do software EpiInfo versão 6.04,
estimando-se uma proporção referente à população
de interesse para um nível de significância de 5% e
poder amostral de 90%. O tamanho amostral foi
de 166 soldadores em formação profissional, representados por onze turmas em formação de solda. O
estudo foi realizado em duas fases. Na primeira fase,
a amostra intencional foi composta por 161 soldadores em formação, devido a desistência de soldadores constituintes das turmas selecionadas para o
período de estudo e, na segunda fase, todos os 161
soldadores foram convidados a participar do estudo, com adesão de 86 soldadores.
Utilizou-se um modelo de julgamento e decisão clínica, adaptado da perspectiva da Enfermagem
em saúde pública, com este coletivo de indivíduos
expostos à ocorrência de queimaduras na atividade
de solda. O julgamento realizado durante o estudo representa as avaliações feitas com o coletivo.
No caso dos soldadores, avaliou-se a ocorrência de
queimaduras durante atividade de solda. A tomada de decisão clínica representa a escolha entre as
alternativas. Ela resulta em uma ação clínica comunicativa, como, por exemplo, a decisão de quando
será desenvolvida a intervenção ou a decisão de inação, ou seja, uma espera cuidadosa pelo momento
para desenvolver a intervenção.(10) Foi realizado um
conjunto de julgamentos e decisões para o desenvolvimento do trabalho clínico, por meio da ação
comunicativa. Na aplicação da ação comunicativa,
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80.
75
Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores
utilizou-se um conjunto de elementos de julgamento e tomada de decisão clínica adaptado do modelo
proposto por Thompson & Dowding (Figura 1),(10)
constituindo-se em ação clínica comunicativa na
perspectiva da Enfermagem de saúde pública, conforme referido anteriormente.
A coleta de dados foi realizada em 2012. Na
primeira fase, o questionário estruturado foi aplicado aos 161 soldadores em formação profissional,
incluindo as variáveis caracterização dos sujeitos e
ocorrência de queimaduras (o momento – se durante atividade de formação ou atividade remunerada;
local do corpo de ocorrência da queimadura – se na
pele e/ou nos olhos). As onze turmas selecionadas
foram incluídas devido a estarem em atividade práticas de solda durante o período de coleta de dados.
Tal condição se justifica para que todos apresentassem experiência da prática de solda como condição
para o risco da queimadura.
Na segunda fase todos os 161 soldadores foram
convidados a participar da ação clínica comunicativa de Enfermagem, participaram dela 86 soldadores,
conforme referido anteriormente. A tomada de deciJulgamento ou decisão
são não utilizou a ocorrência das queimaduras para
selecionar os sujeitos da ação; ao contrário, identificou-se que tanto os que sofreram quanto os que não
sofreram queimaduras deveriam ser incluídos, por se
entender que a ação clínica comunicativa potencializa
a mudança de comportamento do indivíduo e, consequentemente, do coletivo, por meio da comunicação
dos potenciais clínicos e preventivos da injúria no ambiente de trabalho. Dessa forma, os participantes da
ação clínica comunicativa foram 29 sujeitos que autorreferiram a ocorrência de queimaduras (Subgrupo I) e
57 (Subgrupo II) que não as autorreferiram.
A ação clínica comunicativa foi desenvolvida
com base no conceito de comunicação de risco.(11,12)
A mensagem a ser comunicada aos soldadores foi
desenvolvida apoiada em revisão de literatura acerca
das características clínicas de queimaduras (reação da
pele em contato com metal – queimadura química;
contato da pele com objetos quentes – queimadura
térmica; radiação ultravioleta na pele e nos olhos, e
presença de fagulha nos olhos – queimaduras térmicas e químicas).(2) Apresentaram-se aos soldadores
as características anatomofisiológicas da pele e dos
Raciocínio clínico e crítico
O diagnóstico foi realizado por meio de questionário estruturado
A partir do diagnóstico, buscou-se a descrição da queimadura pela
indicação do ambiente em que ela ocorreu (remunerado ou de formação)
e do local (pele e olhos)
1a fase
Julgamento (diagnóstico, descrição,
avaliação e predição)
A avaliação foi baseada no julgamento de que a ocorrência de
queimaduras deveria ser comunicada aos soldadores que, apesar de
estrarem em formação profissional, sofreram-nas
A predição ocorreu por meio da hipótese segundo a qual os soldadores
que sofreram queimaduras durante a formação profissional irão sofrê-la
no trabalho: uma decisão, portanto, deve ser tomada via ação clínica
comunicativa - intensificação de estratégias para evitar que, no futuro,
os soldadores apresentem queimaduras
A intervenção ocorreu com a intensificação da comunicação da
prevenção de queimaduras como consequência do trabalho - ação
clínica comunicativa - em uma tentativa de modificar o conhecimento
dos sujeitos acerca das queimaduras
2a fase
Decisão (intervenção, alvo, tempo,
comunicação)
O alvo foram soldadores que referiram queimaduras e os que não as
referiram
A escolha do tempo foi determinada pela experiência dos sujeitos;
assim, a ação clínica comunicativa foi realizada após o início das
atividades práticas de solda, durante a formação
A comunicação aconteceu pro explanação dialogada e demonstrações
interativas que expressavam a relação de queimadura como uma injúria
que, mesmo potencializada pelas características da atividade de solda,
pode ser minimizada, evitando as consequências à saúde. Aplicação de
um questionário estruturado, idêntico ao anteriormente aplicado, como
procedimento para fixação do conteúdo comunicado
Figura 1. Apresentação dos julgamentos ou decisões balizadores do trabalho clínico relacionado a queimaduras com soldadores em
formação profissional
76
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80.
Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Sant’Anna CF, Cardoso LS, Almeida MC
olhos, os riscos na atividade de solda que favorecem
a ocorrência de queimaduras (objetos quentes, radiação ultravioleta e presença de fagulhas) e as recomendações para prevenção de queimaduras na relação com a especificidade da atividade laboral.
Antes e depois da ação clínica comunicativa,
aplicaram-se questionários pré-teste e pós-teste,
compostos por quatro variáveis relacionadas à ocorrência de queimaduras térmicas e químicas. As respostas eram dadas em uma escala tipo Likert de cinco pontos (zero = nunca apresentei; 1 = quase nunca
apresentei; 2 = algumas vezes apresentei; 3 = quase
sempre apresentei; 4 = sempre apresentei).
Para análise dos resultados, foi utilizado o software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão
19.0, e foi realizada análise descritiva (média, desvio
padrão, frequência e porcentagem) dos dados. Para
comparações pareadas, foi utilizado teste de Wilcoxon. Foi considerado estatisticamente significativo
se p-value <0,05. A correlação de Spearman foi utilizada para analisar a intensidade da relação entre as
variáveis idade, ocorrência de queimaduras durante
atividade de formação ou em atividade remunerada, e a média dos resultados antes e depois da ação
clínica comunicativa. Para avaliação da confiabilidade dos questionários aplicados para realização do
estudo, utilizou-se a análise da consistência interna
do coeficiente alfa de Cronbach. O coeficiente para
o questionário aplicado na primeira fase apresentou
valor 0,63, e o coeficiente para o questionário préteste e pós-teste apresentou valor 0,77, comprovando a fidedignidade dos questionários aplicados.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
Resultados
Na primeira fase (julgamento clínico de Enfermagem), participaram 161 soldadores em processo de formação profissional. Pela aplicação
do questionário estruturado, foi possível diagnosticar que 65 (40,3%) soldadores sofreram
queimaduras durante a atividade de solda. A
partir do diagnóstico, realizou-se a descrição das
queimaduras, identificando-se que 21 (32,3%)
referiram-na durante atividade remunerada e
40 (61,5%) durante a atividade de formação. A
maioria dos soldadores referiu queimaduras na
pele (n=56; 86,2%), enquanto 19 (29,2%) referiram queimadura ocular.
A partir dos diferentes componentes do julgamento (primeira fase), a tomada de decisão para operar a
ação clínica comunicativa (segunda fase, de intervenção) foi com 86 soldadores (53,41%), ou seja, os alvos, sendo que 29 (33,72%) sujeitos autorreferiram a
ocorrência de queimaduras e 57 (66,28%) que não as
referiram durante atividade de solda (Figura 2).
No tocante aos participantes da ação clínica comunicativa, dos 29 sujeitos que referiram a ocorrência de queimaduras, a maioria (n=23; 79,3%)
era do sexo masculino; 14 (48,3%) de etnia branca;
20 (69%) solteiros e 13 (44,8%) possuíam Ensino
Médio completo. A faixa etária oscilou entre 19 e
37 anos, com média de 23,81 anos (±5,92). Já os
57 sujeitos que participaram da ação clínica comunicativa e não referiram ocorrência de queimaduras também eram, na maioria, do sexo masculino
(n=44; 77,2%); 33 (57,9%) eram de etnia branca;
27 (n=47,4%) eram casados; 33 (57,9%) possuíam
Ensino Médio completo e a faixa etária deles variou
entre 18 e 44 anos, com média de 29,37 (±7,06).
Apresentar ou não a ocorrência de queimaduras
traria uma contribuição para o estudo, pois seria possível identificar se a ocorrência prévia (em atividade remunerada, anterior à formação profissional) de queimaduras interferiu na percepção de que esse acontecimento é algo relacionado ao trabalho, minimizando
sua ocorrência. Tais etapas afirmam que os soldadores
estavam expostos às queimaduras devido às características da atividade que desenvolvem e, ao reconhecê-las,
é possível interferir positivamente nas condições de
saúde do adulto exposto à atividade de solda, justificando a necessidade de comunicação dos riscos.
O teste Wilcoxon apontou diferença estatística
significativa (p=0,02) para a variável queimadura por
fagulha nos olhos (térmica e química) para o Subgrupo II, isto é, o grupo que não referiu a ocorrência
de queimaduras durante a atividade de solda. Embora esse subgrupo não tenha sofrido queimaduras,
entende-se que ele ampliou seu conhecimento acerca
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80.
77
Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores
Julgamento clínico de enfermagem
Diagnóstico
161 soldadores em
processo de formação
Descrição
Avaliação
65 soldadores referiram
queirmaduras
96 soldadores não
referiram queirmaduras
Ação comunicativa
29 soldadores referiram
queirmaduras
1a fase
Predição
Intervenção
57 soldadores não
referiram queirmaduras
86 soldadores em
processo de formação
Alvo
Tempo
2a fase
Comunicação
Subgrupo I
Subgrupo II
Avaliação clínica
de enfermagem
Figura 2. Diagrama do desenvolvimento de julgamento clínico e tomada de decisão de Enfermagem com soldadores em processo de
formação
Tabela 1. Comparação antes e depois da ação clínica comunicativa sobre a ocorrência de queimaduras durante atividade de solda
Subgrupo I (n=29)
Queimaduras (tipo)
Reação da pele ao contato com metal (química)
Contato da pele com objetos quentes (térmica)
Radiação ultravioleta na pele (térmica)
Radiação ultravioleta nos olhos (térmica)
Fagulha nos olhos (térmica e química)
Média (desvio padrão)
Rank médio*
Antes
0,86 (1,12)
7,75
Depois
1,21 (0,95)
7,40
Antes
1,31 (1,00)
6,80
Depois
1,57 (0,87)
7,89
Antes
0,38 (0,90)
5,20
Depois
0,39 (0,83)
5,80
Antes
0,79 (0,94)
6,80
Depois
0,54 (0,69)
7,67
Antes
0,76 (0,83)
6,36
Depois
0,71 (1,08)
6,70
Subgrupo II (n=57)
p-value*
0,16
0,23
0,87
0,09
0,66
Média (desvio padrão)
Rank médio*
0,47 (0,81)
7,71
0,56 (0,88)
8,25
0,75 (0,87)
11,25
0,90 (0,94)
14,17
0,35 (0,75)
6,64
0,24 (0,55)
4,88
0,25 (0,60)
5,67
0,24 (0,62)
3,80
0,21 (0,53)
5,00
0,41 (0,75)
7,60
p-value*
0,72
0,16
0,21
0,88
0,02
*Teste de Wilcoxon.
da queimadura por fagulha nos olhos por meio da
comunicação de risco expressa na decisão clínica da
Enfermagem (ação clínica comunicativa) (Tabela 1).
Houve correlação negativa entre a idade e a ocorrência de queimadura durante atividade de formação
(p<0,05), e entre a idade e a ocorrência de queimaduras na pele (p<0,01). Tais resultados apontam que
os mais jovens indicaram a maior ocorrência de queimaduras na pele e durante o processo de formação.
Houve correlação negativa com a média dos
resultados antes da ação para a queimadura com
reação da pele ao contato com metal (química)
(p<0,05), queimadura ocular (p<0,05) e fagulha
nos olhos (térmica e química) (p<0,05). Depois da
ação, a idade apresentou correlação negativa com
a queimadura por radiação ultravioleta nos olhos
(térmica e química) (p<0,05). Os resultados indicam que, quanto mais jovens os soldadores, mais
foram identificadas essas variáveis.
78
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80.
A análise estatística permitiu a avaliação da
identificação de queimaduras autorreferidas por
soldadores como injúria relacionada ao trabalho,
antes e depois da ação clínica comunicativa de Enfermagem. Sublinha-se que, durante tal ação, foi
recomendado o uso de protetor solar na atividade
de solda e na exposição à radiação solar, bem como
a utilização de luvas de raspa na atividade de solda,
com posterior e adequada lavagem das mãos, a fim
de minimizar o contato com os metais.
Discussão
Um dos limites deste estudo transversal esteve relacionado ao método utilizado, que não permitiu generalizar os resultados obtidos. No entanto, entende-se
que tal método pode ser replicado em outros ambientes de formação, a fim de aprofundar o conheci-
Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Sant’Anna CF, Cardoso LS, Almeida MC
mento da Enfermagem clínica na ação comunicativa.
Outra limitação é que, em se tratando de um estudo
exploratório, não foram coletadas informações da extensão da queimadura, das partes do corpo em que
ocorreram e da possibilidade de queimaduras respiratórias. Da mesma forma, a ocorrência das queimaduras foi autorreferida, em vez de ser observada. A
escolha se deveu aos riscos de manter múltiplos observadores nesse ambiente. No entanto, mesmo com
as limitações apontadas, conhecer mais sobre uma
atividade ainda pouco explorada pela Enfermagem,
como a dos soldadores, amplia sua área de trabalho.
Diferentes estudos, que abordam as queimaduras térmicas(2,9,13,14) e químicas,(2,9) apontam que a
atividade de soldadores é considerada de risco para
a ocorrência de queimaduras.
As queimaduras térmicas identificadas pelos soldadores neste estudo – contato da pele com objetos
quentes, radiação ultravioleta na pele para o grupo
que referiu a ocorrência de queimaduras e fagulha
nos olhos para o grupo que não referiu queimaduras –, embora não tenham sido significativas, apresentaram aumento da média depois da ação clínica
comunicativa. Isso porque os soldadores identificaram, após a ação, essas situações como queimaduras; antes banalizavam-na, referindo que se queimar
é algo que faz parte da profissão.
As queimaduras térmicas provenientes da exposição excessiva à radiação ultravioleta são evidenciadas
na pele e nos olhos.(13,14) Na pele, a radiação absorvida
promove queimaduras observadas por eritemas (rubor). Após o eritema, a pele aumenta a pigmentação,
conferindo uma proteção maior contra a radiação ultravioleta.(13) No entanto, a repetição da exposição a
altos níveis de radiação ultravioleta pode resultar em
alterações celulares, como o câncer de pele.(13,14) Nos
olhos, a radiação absorvida pode causar inflamações
nas córneas e conjuntivas, além de danos à retina.(13)
Uma queimadura ocular frequente para os soldadores ocorre devido a uma irritação ocular em virtude
da queimadura por radiação ultravioleta, conhecida como “flash do soldador”. Ela causa desconforto
(sensação de areia nos olhos), edema ocular, secreção
de fluidos e, até mesmo, cegueira temporária.(15)
Esse tipo de queimadura é bastante comum. No
Irã, estudo realizado com 390 soldadores identifi-
cou que 80,5% usaram anestésico ocular pelo menos uma vez durante o trabalho.(16) Isso acontece
porque, devido ao tempo de exposição à radiação, a
queimadura ocular provoca dor.
Estudo realizado com o objetivo de quantificar
o risco da radiação ultravioleta emitida durante a
atividade de solda mostrou que a exposição máxima
aceitável, sem proteção, é de 0,47 a 4,36 segundos.
(17)
Por isso, é importante que soldadores evitem a
exposição direta à luz ao iniciarem a soldagem e que
utilizem equipamentos de proteção individual para
os olhos apropriados ao tipo de soldagem.
Entende-se que a exposição à radiação ultravioleta traz benefícios à saúde, como, por exemplo, a
síntese de vitamina D.(18) Mas, para que a exposição
seja segura, é necessária a atenção quanto aos seus níveis. Os efeitos da exposição, tanto para a pele quanto
para os olhos, sofrerão influência do quanto de radiação foi absorvido pelo organismo e de propriedades
biológicas dos tecidos expostos, a exemplo do tipo de
pele do indivíduo em função da sensibilidade a queimaduras por radiação ultravioleta. Indivíduos melano-comprometidos possuem elevada suscetibilidade
a queimaduras por radiação ultravioleta, enquanto
indivíduos melano-protegidos apresentam suscetibilidade muito fraca ou extremamente baixa.(19)
Além da radiação ultravioleta, o risco de lesões
na pele e nos olhos, temporárias e permanentes,
ocorre devido à frequência com que as queimaduras acontecem. Em estudo caso-controle, realizado
com 105 soldadores e 117 controles não soldadores
na Nigéria, houve indicação de aumento do risco
de catarata nos soldadores, quando comparados aos
não soldadores.(9) A sequência da investigação apontou que o risco maior para o soldador, em se tratando da catarata, não está na radiação ultravioleta,
mas nas frequentes lesões oculares ocorridas durante
a atividade, como é o caso da ocorrência de queimaduras por fagulhas nos olhos. Isso implica em uma
queimadura térmica pelo calor, proveniente da fagulha, e química, por se tratar de uma porção do
metal (componente químico) em contato com os
olhos.(2) Essa queimadura apresentou significância
no presente estudo para o Subgrupo II, que não referiu queimaduras durante atividade de solda. Isso
significa que, embora o Subgrupo II não tenha reActa Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80.
79
Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores
conhecido, em um primeiro momento, a ocorrência
de queimaduras, após a ação clínica comunicativa,
foi o que mais a identificou.
Outro resultado importante é que, a partir da
ação clínica comunicativa (segunda fase), foram os
mais jovens que indicaram maior ocorrência de queimaduras. O fato de eles apresentarem uma condição
maior de apreensão de conhecimento pode contribuir para o resultado. Da mesma forma, os soldadores
com mais idade podem apresentar maior dificuldade
de modificação de um conhecimento já estabelecido.
No entanto, entende-se que essas são características
alteráveis, à medida que a ação clínica comunicativa se estabeleça de forma contínua. Nesse conteúdo
operativo do julgamento e decisão clínica (modelo
adaptado), foi possível explorar um objeto de conhecimento clínico – queimaduras autorreferidas por
soldadores e operar uma ação coletiva –, ou seja, a
comunicação de risco no contexto da saúde pública.
Conclusão
A ação clínica comunicativa apresentada neste estudo mostrou maior percepção dos soldadores que
autorreferiram não sofrer queimaduras do que dos
soldadores que a autorreferiram, evidenciando não
ser necessário sofrê-la para aprender a se prevenir
na atividade de solda. Sugere-se que os enfermeiros
invistam nessa estratégia, a fim de multiplicar conhecimentos de saúde pública.
Colaborações
Cezar-Vaz MR contribui com a concepção e orientação do projeto, execução da pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão
crítica relevante do conteúdo intelectual. Bonow
CA colaborou com a coleta, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica
relevante do conteúdo intelectual. Sant’Anna CF e
Cardoso LS contribuíram com a interpretação dos
dados, redação do artigo e revisão crítica relevante
do conteúdo intelectual. Almeida MCV cooperou
com a análise da versão final a ser publicada.
80
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80.
Referências
1. World Health Organization (WHO). Burn prevention: sucess stories and
lessons learned [Internet]. Geneva; 2011[cited 2014 Jul 15]. Available
from: http://whqlibdoc.who.int/publications/2011/9789241501187_
eng.pdf?ua=1.
2. Mirmohammadi SJ, Mehrparvar AH, Kazemeini K, Mostaghaci M.
Epidemiologic characteristics of occupational burns in Yazd, Iran. Int J
Prev Med. 2013; 4(6):723-7.
3. Lehna C, Todd JA, Keller R, Presley L, Jackson J, Davis S, et al. Nursing
students practice primary fire prevention. Burns. 2013; 39(6):1277-84.
4. Busch M, Visser A, Eybrechts M, van Komen R, Oen I, Olff M, et al. The
implementation and evalution of therapeutic touch in burn patients: an
instructive experience of conducting a scientific study within a nonacademic nursing setting. Patient Educ Couns. 2012; 89(3):439-46.
5. Roh YS, Seo CH, Jang KU. Effects of a skin rehabilitation nursing
program on skin status, depression, and burn-specific health in burn
survivors. Rehabil Nurs. 2010; 35(2):65-9.
6. Payne S, Cole E. Treatment of acute burn blisters in unscheduled care
settings. Emerg Nurs. 2012; 20(5):32-7.
7. Patel AN, English JS. Occupation-induced skin cancer. Kanerva’s
Occup Dermatol. 2012; 2:247-53.
8. Ajayi Iyiade A, Omotoye Olusola J. Pattern of eye diseases among
welders in a Nigeria community. Afr Health Sci. 2012; 12(2):210-6.
9. Megbele Y, Lam KBH, Sadhra S. Risks of cataract in Nigerian metal arc
welders. Occup Med (Lond). 2012; 62(5):331-6.
10. Thompson C, Stapley S. Do educational interventions improve nurses’
clinical decision making and judgement? A systematic review. Int J
Nurs Stud. 2011; 48(7):881-93.
11.Helitzer DL, LaNoue M, Wilson B, Hernandez BU, Warner T, Roter D.
A randomized controlled trial of communication training with primary
care providers to improve patient-centeredness and health risk
communication. Patient Educ Couns. 2011; 82(1):21-9.
12. Trevena LJ, Zikmund-Fisher BJ, Edwards A, Gaissmaier W, Galesic M, Han
PKJ, et al. Presenting quantitative information about decision outcomes:
a risk communication primer for patient decision aid developers. BMC
Med Inform Decis Mak. 2013; 13 Suppl 2:S7.
13.Pawlak A. Evaluation of professional hazards related with optical
radiation for ship’s hull welders at temporary work posts. Zeszyty
Naukowe. 2010; 24(96):74-9.
14. Andreassi L. UV exposure as a risk factor for skin cancer. Expert Rev
Dermatol. 2011; 6(5):445-54.
15. Chandler H. Ultraviolet absorption by contact lenses and the significance
on the ocular anterior segment. Eye Contact Lens. 2011; 37(4):259-66.
16.Sharifi A, Sharifi H, Karamouzian M, Mokhtari M, Esmaeili HH, Nejad
AS, et al. Topical ocular anesthetic abuse among Iranian welders: time
for action. Middle East Afr J Ophthalmol. 2013; 20(4):336-4.
17. Okuno T, Ojima I, Saito H. Blue-light hazard from CO2 arc welding of
mild steel. Ann Occup Hyg. 2010; 54(3):293-8.
18.Juzeniene A, Moan J. Benefical effects of UV radiation other than via
vitamin D production. Dermatoendocrinology. 2012; 4(2):109-17.
19. Corrêa MP, Pires LC. Doses of erythemal ultraviolet radiation observed
in Brazil. Int J Dermatol. 2013; 52(8):966-73.
Artigo Original
Prevalência de hipertensão arterial e seus
fatores de risco em adolescentes
Prevalence of arterial hypertension and risk factors in adolescents
Ionara Holanda de Moura1
Eduardo Emanuel Sátiro Vieira1
Grazielle Roberta Freitas da Silva1
Rumão Batista Nunes de Carvalho1
Ana Roberta Vilarouca da Silva1
Descritores
Hipertensão; Prevalência; Adolescente;
Fatores de risco; Instituições
acadêmicas; Enfermagem pediátrica
Keywords
Hypertension; Prevalence; Adolescent;
Risk factors; Schools; Pediatric nursing
Submetido
29 de Setembro de 2014
Aceito
30 de Outubro de 2014
Resumo
Objetivo: Avaliar a prevalência de hipertensão arterial e fatores de risco associados entre adolescentes.
Métodos: Estudo transversal realizado com 211 adolescentes escolares. Foi avaliada a prevalência de
hipertensão arterial e verificada a relação desta com o excesso de peso, atividade física e glicemia capilar.
Resultados: A prevalência de hipertensão arterial foi de 13,7%. Não foram observadas associações da
pressão arterial elevada com o excesso de peso e níveis de atividade física. Os adolescentes com glicemia
capilar elevada apresentaram maiores chances de desenvolver a hipertensão arterial.
Conclusão: Os adolescentes apresentaram elevada prevalência de hipertensão arterial. Os casos de
hipertensão foram associados apenas com a glicemia capilar elevada.
Abstract
Objective: To assess the prevalence of arterial hypertension and the risk factors associated with it among
adolescents.
Methods: Cross-sectional study developed with 211 adolescent students. The prevalence of arterial
hypertension was assessed and its relationship with weight excess, physical activity and capillary glucose
was verified.
Results: The prevalence of arterial hypertension was 13.7%. No association was found between high blood
pressure and weight excess and levels of physical activity. Adolescents with high capillary glucose presented
greater chances of developing arterial hypertension.
Conclusion: The studied adolescents presented a high prevalence of arterial hypertension. The cases of
hypertension were only associated with high capillary glucose.
Autor correspondente
Ana Roberta Vilarouca da Silva
Rua Cícero Eduardo, 905, Picos, PI,
Brasil. CEP: 64600-000
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500014
Universidade Federal do Piauí, Picos, PI, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6.
81
Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes
Introdução
A hipertensão arterial sistêmica é considerada um
problema de saúde pública global, causando 9,4
milhões de mortes a cada ano em todo o mundo.
(1)
Essa desordem apresenta etiologia multifatorial,
caracterizada pela elevação persistente da pressão arterial e por alterações metabólicas, levando ao risco
de complicações cardiovasculares.(2)
A prevalência de hipertensão arterial sistêmica
vem aumentando em países em desenvolvimento,
devido ser uma doença assintomática em suas fases iniciais. Aliado a isso, a falta de informação, por
parte da população, contribui para seu baixo controle,(3) acometendo não somente os idosos, mas
indivíduos em faixas etárias cada vez mais precoce.
Na adolescência, alterações da pressão arterial
constitui um importante fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão arterial nessa fase.(4)
Além disso, jovens que manifestam níveis pressóricos elevados tendem a manterem esse quadro quando adultos. Deste modo, destaca-se a necessidade
de se avaliarem os fatores que contribuem para essa
situação e promover subsídios para intervenções.(5)
A investigação de fatores de risco para doenças
cardiovasculares não envolvendo análises laboratoriais, pode representar um método útil, principalmente como alternativa para locais com poucos recursos.(6) Neste contexto, a identificação precoce de
níveis pressóricos alterados apresenta-se como uma
ferramenta indispensável na redução do desenvolvimento dessas doenças.
Assim, esse estudo teve como objetivo avaliar a
prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de
riscos entre adolescentes escolares.
Métodos
Pesquisa de desenho transversal realizada em duas
escolas públicas, localizadas na Região Nordeste do
Brasil. A população foi composta por 500 alunos do
Ensino Fundamental e no programa de aceleração
Educação de Jovens e Adultos nas referidas escolas. O
tamanho amostral foi calculado por meio de fórmula
para populações finitas, considerando o nível de con-
82
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6.
fiança de 95%, o erro amostral de 5%, o tamanho da
população e a prevalência. A amostra foi constituída
de 211 escolares de ambos os sexos. A seleção dos
participantes foi realizada por conveniência, obedecendo aos critérios de elegibilidade estabelecidos.
Os critérios de inclusão foram: matrícula em
uma das referidas escolas; estar compreendido na
faixa etária entre 12 a 18 anos. Foram excluídos
os alunos que possuía diagnóstico confirmando de
doenças crônicas ou de outras patologias que interferissem diretamente no valor da pressão arterial ou
na obtenção das medidas antropométricas.
O instrumento utilizado foi um questionário
semiestruturado envolvendo as características sociodemográficas (sexo, idade, modalidade de ensino),
dados antropométricos (peso, altura, índice de massa corporal, circunferência abdominal) e medidas de
pressão arterial e glicemia capilar.
A pressão arterial foi avaliada por meio do método auscultatório, utilizando esfigmomanômetro aneróide devidamente calibrado e estetoscópio
biauricular. Para escolha do manguito apropriado
foi considerado a circunferência do braço de cada
participante.(7) O procedimento de medição da
pressão arterial foi realizado com o indivíduo na
posição sentada após três a cinco minutos de repouso, e com o manguito ao nível do coração.(7) Foram
tomadas três medições com intervalo de um minuto
entre cada verificação, e considerou-se a média obtida das duas últimas. A pressão arterial foi classificada observando-se o sexo, a idade e o percentil de
estatura. Os adolescentes que atingiram valores de
pressão arterial sistólica e de pressão arterial diastólica ≥ percentil 95 foram considerados com hipertensão arterial.(8) Para os participantes com 18 anos,
a hipertensão arterial foi definida quando os valores
de pressão arterial sistólica ≥140mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥90mmHg.(9)
No referente às variáveis antropométricas, o peso
foi obtido com o indivíduo descalço e usando roupas
leves, utilizando-se balança portátil, com precisão de
0,1kg e capacidade para 150kg. A altura foi avaliada
com uso de fita métrica, com precisão de 0,5cm, fixada verticalmente em uma parede lisa. A partir do
peso e altura, foi calculado o índice de massa corporal e a classificação foi realizada de acordo com a
Moura IH, Vieira EE, Silva GR, Carvalho RB, Silva AR
Tabela 1. Características das variáveis estudadas em
adolescentes, segundo o sexo
Masculino
Variável
Feminino
Média
Desvio
padrão
Média
Desvio
padrão
p-value*
Idade (anos)
14,3
1,7
14,4
1,9
0,628
Índice de massa corporal (kg/m²)
19,3
2,8
20,1
3,4
0,080
Circunferência abdominal (cm)
71,5
8,0
72,9
8,8
0,254
Pressão arterial sistólica (mmHg)
109,8
10,8
107,3
9,9
0,091
Pressão arterial diastólica (mmHg)
72,1
10,2
71,2
8,2
0,502
Glicemia capilar (mg/dl)
104,0
14,0
99,2
12,7
0,012
*Teste t de Student para amostras independentes.
A prevalência de hipertensão arterial em todo o
grupo foi de 13,7% (intervalo de confiança de 95%:
9,1-18,4) (Figura 1).
100,0
90,9%
86,3%
80,0
81,6%
60,0
95% CI
idade e o sexo dos participantes.(10) A circunferência
abdominal foi medida utilizando fita métrica flexível
e inelástica, com escala de 0,5cm, colocada sem fazer
pressão, entre a porção inferior da última costela e a
crista ilíaca do participante, e classificada segundo os
pontos de corte específicos para adolescentes.(11)
A glicemia capilar foi realizada ao acaso utilizando glicosímetros da marca OnCall Plus® devidamente calibrados, e os valores interpretados segundo os
critérios da American Diabetes Association.(12) Quanto à prática de atividade física, foi considerado ativo
o estudante que se exercitava durante 30 minutos,
ao menos três vezes por semana. (13)
O processamento dos dados e a análise estatística foram realizados por meio do programa Statistical Package for the Social Science®, versão 18.0.
As variáveis quantitativas foram apresentadas por
meio de estatística descritiva (média e desvio padrão) e as qualitativas por meio de proporção e
intervalo de confiança 95%. Primeiramente foi
aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a normalidade das variáveis quantitativas. Para
analisar diferença entre as médias, utilizou-se teste
t Student para amostras independentes e, para verificar associação entre as variáveis, foi aplicado o
teste qui quadrado de Pearson e medido seu efeito
por meio da razão de chance, considerando nível
de significância de p<0,05.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
40,0
18,4%
20,0
13,7%
9,1%
0,0
Pressão arterial normal
Hipertensão arterial
Resultados
Foram avaliados 211 adolescentes de ambos os sexos, sendo que 59,7% eram do sexo feminino. Os
participantes tinham idade compreendida entre 12
a 18 anos, com uma média de 14,4 anos (±1,85).
Quanto à classificação dos alunos por modalidade
de ensino, 78,8% cursavam o Ensino Fundamental.
As características da população do estudo para
as variáveis analisadas estão descritas na tabela 1. Os
adolescentes do sexo masculino tiveram maiores níveis de glicemia capilar quando comparados ao sexo
feminino (p<0,05).
Figura 1. Prevalência de hipertensão arterial na população
estudada
A tabela 2 apresenta a análise da associação entre os casos de hipertensão arterial sistêmica com
as variáveis independentes. Não foram observadas
associações da pressão arterial elevada com o excesso de peso e níveis de atividade física (p>0,05). No
entanto, os adolescentes com glicemia capilar elevada apresentaram maiores chances (razão de chance:
4,6; intervalo de confiança de 95%: 1,6-12,7) de
desenvolver a hipertensão arterial sistêmica.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6.
83
Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes
Tabela 2. Hipertensão arterial sistêmica e sua associação com as variáveis estudadas
Pressão arterial normal
n(%)
Hipertensão arterial
n(%)
Masculino
71(39,0)
14(48,3)
Feminino
111(61,0)
15(51,7)
Normal
159(87,4)
26(89,7)
Excesso de peso
23(12,6)
3(10,3)
Variáveis
Razão de chance
(Intervalo de confiança de 95%)
Gênero
p-value*
0,345
1,5 (0,7-3,2)
Índice de massa corporal
0,727
0,8 (0,2-2,9)
Circunferência abdominal
0,484
Normal
147(80,8)
25(86,2)
Elevada
35(19,2)
4(13,8)
Normal
170(93,4)
22(75,9)
Elevada
12(6,6)
7(24,1)
Ativo
91(50,0)
15(51,7)
Sedentário
91(50,0)
14(48,3)
0,7 (0,2-2,1)
Glicemia
0,002
4,6 (1,6-12,7)
Atividade física
0,863
1,1 (0,5-2,5)
*Teste qui quadrado de Pearson
Discussão
Os limites dos resultados deste estudo estão relacionados ao delineamento transversal, que não permite
determinar relações de causa e efeito entre as variáveis estudadas.
Os resultados apresentados contribuem para revelar a prevalência e identificação de fatores de risco
associados à hipertensão arterial no grupo estudado.
Esses dados embasam o planejamento de intervenções, na prática dos enfermeiros, direcionadas ao
controle dos fatores que contribuem para o desenvolvimento da hipertensão arterial em grupos jovens.
A prevalência de hipertensão arterial sistêmica
encontrada (13,74%) neste estudo foi considerada
elevada quando comparada ao esperado para adolescentes.(14,15) De forma geral, pesquisas realizados com
esse grupo têm relevado prevalências divergentes.
Em um estudo de base populacional, apenas 6,3%
dos adolescentes foram classificados com hipertensão arterial.(16) Em contrapartida, outra investigação
atingiu um percentual de 26,4%.(17) As variações nesses dados podem estar relacionadas às diferenças nas
faixas etárias dos indivíduos e aos critérios utilizados
para definição da hipertensão arterial.
Conforme observado, o índice de massa corporal
elevado não apresentou associação com a hipertensão
arterial sistêmica nos adolescentes do presente estudo.
Embora na literatura sejam conhecidos mecanismos
84
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6.
para apoiar a relação da obesidade com o aumento
dos níveis pressóricos,(18) outros estudos também não
evidenciaram associação dessa variável com as chances de desenvolver hipertensão arterial sistêmica nesse
grupo.(19,20) Além disso, em indivíduos com hipertensão arterial sistêmica e outras doenças cardiovasculares, o excesso de peso parece apresentar um efeito paradoxal, como protetor nas condições de morbidade
e de mortalidade nesses pacientes.(21,22)
Quanto ao estilo de vida dos adolescentes, não
foi encontrada relação dos níveis de atividade física com os casos de hipertensão arterial sistêmica.
Corroborando esse dado, pesquisa de base populacional realizada com indivíduos de 15 a 19 anos
não demonstrou associação dessa variável com a hipertensão arterial sistêmica, para ambos os sexos.(20)
No entanto, considerando a existência de diferentes
métodos para avaliar a prática de atividade física, esses dados devem ser interpretados com ponderação.
No presente estudo, os casos de hipertensão
arterial sistêmica mostraram-se significativamente
associados com alterações da glicemia capilar nos
adolescentes. Em uma pesquisa em adultos com
hipertensão arterial sistêmica, o grupo classificado
com hipertensão apresentou maiores médias de glicemia quando comparado ao controle (101,62mg/
dL vs 82,46mg/dL).(23) De forma geral, pacientes
com hipertensão arterial sistêmica apresentam risco para desenvolvimento de comorbidades, como
Moura IH, Vieira EE, Silva GR, Carvalho RB, Silva AR
o diabetes. Em particular, no caso de jovens, a alteração da pressão arterial está fortemente relacionada com a resistência à insulina,(24) fato este que
pode ter contribuído para a alteração da glicemia
no nosso estudo.
Conclusão
Os adolescentes do presente estudo apresentaram
elevada prevalência de hipertensão arterial. O excesso de peso e os níveis de atividade física não tiveram
associação com alterações da pressão arterial. Os
adolescentes com glicemia capilar elevada apresentaram maiores chances de desenvolver a hipertensão
arterial sistêmica.
Colaborações
Moura IH e Silva ARV contribuíram com a concepção do projeto, análise e interpretação dos dados.
Vieira EES; Silva GRF; Carvalho RBN e Silva ARV
colaboraram com a redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Moura IH;
Vieira EES e Silva ARV cooperaram com a aprovação final da versão a ser publicada.
Referências
1. Lim SS, Vos T, Flaxman AD, Danaei G, Shibuya K, Adair-Rohani H,
AlMazroa MA, et al. A comparative risk assessment of burden of disease
and injury attributable to 67 risk factors and risk factor clusters in 21
regions, 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden of
Disease Study 2010. Lancet. 2012; 380:2224-60. Erratum in: Lancet.
2013; 381(9874):1276. Erratum in: Lancet. 2013; 381(9867):628.
AlMazroa, Mohammad A [added]; Memish, Ziad A [added].
2. World Health Organization (WHO). Cardiovascular disease. A global
brief on hypertension: silent killer, global public health crisis [Internet].
Geneva: WHO; 2013[cited 2014 Jul 18]. Available from: http://
www.who.int/cardiovascular_diseases/publications/global_brief_
hypertension/en.
3. Ibrahim MM, Damasceno A. Hypertension in developing countries.
Lancet. 2012; 380(9859):611-9.
4. Redwine KM, Acosta AA, Poffenbarger T, Portman RJ, Samuels J.
Development of Hypertension in Adolescents with Pre-Hypertension. J
Pediatr 2012; 160(1):98-103.
5. McCrindle BW. Assessment and management of hypertension in
children and adolescents. Nat Rev Cardiol. 2010; 7(3):155-63.
6. Pandya A, Weinstein MC, Gaziano TA. A comparative assessment
of non-laboratory-based versus commonly used laboratory-based
cardiovascular disease risk scores in the NHANES III population. PLoS
ONE. 2011; 6(5):e20416.
7. Pickering TG, Hall JE, Appel LJ, Falkner BE, Graves J, Hill MN, Jones
DW, Kurtz T, Sheps SG, Roccella EJ; Subcommittee of Professional
and Public Education of the American Heart Association Council on
High Blood Pressure Research. Recommendations for blood pressure
measurement in humans and experimental animals: Part 1: blood
pressure measurement in humans: a statement for professionals
from the Subcommittee of professional and public education of the
American heart association council on high blood pressure research.
Hypertension. 2005; 45(1):142-161.
8. National High Blood Pressure Education Program Working Group on
Hypertension Control in Children and Adolescents. The fourth report
on the diagnosis, evaluation, and treatment of high blood pressure
in children and adolescents. Pediatrics. 2004; 114(2 Suppl 4th
Report):555-76.
9. Bakris GL, Black HR, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, Jones DW,
Materson BJ, Oparil S, Wright JT Jr, Roccella EJ; National Heart, Lung,
and Blood Institute Joint National Committee on Prevention, Detection,
Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure; National High Blood
Pressure Education Program Coordinating Committee. The Seventh
Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection,
Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7 report.
JAMA. 2003; 289(19):2560-71.
10.Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard
definition for child overweight and obesity worldwide: international
survey. BMJ. 2000; 320(7244):1240-3.
11.Taylor RW, Jones IE, Williams SM, Goulding A. Evaluation of waist
circumference, waist-to-hip ratio, and the conicity index as screening
tools for high trunk fat mass, as measured by dual-energy X-ray
absorptiometry, in children aged 3-19 y. Am J Clin Nutr. 2000;
72(2):490-5.
12.American Diabetes Association. Standards of medical care in
diabetes-2013. Diabetes Care. 2013; 36 (Supl. 1):11-66.
13. World Health Organization (WHO). Report of a WHO. Consultation Group
on Obesity. Obesity: preventing and managing the global epidemic.
Geneva: WHO; 2000.
14. Falkner B. Hypertension in children and adolescents: epidemiology and
natural history. Pediatr Nephrol. 2010; 25(7):1219-24.
15. Flynn JT, Falkner BE. Obesity Hypertension in adolescents: epidemiology,
evaluation, and management. J Clin Hypertens (Greenwich). 2011;
13(5):323-31.
16.Lu Q, Ma CM, Yin FZ, Liu BW, Lou DH, Liu XL: How to simplify the
diagnostic criteria of hypertension in adolescents. J Hum Hypertens
2011; 25:159-63.
17.Zhou P, Chaudhari RS, Antal Z. Gender differences in cardiovascular
risks of obese adolescents in the bronx. J Clin Res Pediatr Endocrinol
2010; 2(2):67-71.
18. Becton LJ, Shatat IF, Flynn JT. Hypertension and obesity: epidemiology,
mechanisms and clinical approach. Indian J Pediatr 2012; 79(8):105661.
19. Hujova Z, Lesniakova M. Anthropometric risk factors of atherosclerosis:
differences between urban and rural east-Slovakian children and
adolescents. Bratisl Lek Listy. 2011; 112(9):491-6.
20.Aounallah-Skhiri H, El Ati J, Traissac P, Ben Romdhane H, EymardDuvernay S, Delpeuch F, et al. Blood pressure and associated factors in
a north African adolescent population. A national cross-sectional study
in Tunisia. BMC Public Health. 2012; 12:98.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6.
85
Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes
86
21.Uretsky S, Messerli FH, Bangalore S, Champion A, Cooper-Dehoff
RM, Zhou Q, et al. Obesity paradox in patients with Hypertension and
coronary artery disease. Am J Med. 2007; 120(10):863-70.
23. Kumar NL, Deepthi J, Rao YN, Deedi MK. Study of lipid profile, serum
magnesium and blood glucose in hypertension. Biol Med. 2010;
2:6-16.
22. Van der Graaf Y, Visseren FL, Spiering W; SMART study group. The prevalence
of obesity-related hypertension and risk for new vascular events in patients
with vascular diseases. Obesity (Silver Spring). 2012; 20(10):2118-23.
24.Torrance B, McGuire KA, Lewanczuk R, McGavock J. Overweight,
physical activity and high blood pressure in children: a review of the
literature. Vasc Health Risk Manag. 2007; 3(1):139-49.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6.
Artigo Original
Avaliação da atitude das crianças que
residem com idosos em relação à velhice
Assessment of the attitudes toward aging among
children who live with the elderly
Nathalia Alves de Oliveira1
Bruna Moretti Luchesi2
Keika Inouye1
Elizabeth Joan Barham1
Sofia Cristina Iost Pavarini1
Descritores
Criança; Atitude; Enfermagem de
atenção primária; Idoso; Enfermagem
geriátrica
Keywords
Child; Attitude; Primary care nursing;
Aged; Geriatric nursing
Submetido
5 de Outubro de 2014
Aceito
30 de Outubro de 2014
Resumo
Objetivo: Avaliar a atitude em relação à velhice de crianças que residem com idosos com doenças crônicas
não transmissíveis e as variáveis sociodemográficas relacionadas.
Métodos: Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido com 48 crianças entre sete e dez anos de idade.
Foram utilizados: questionário sociodemográfico e a Escala de Atitudes em Relação à Velhice para Crianças,
que avalia as atitudes em relação à velhice em uma escala de 1 (atitude mais positiva) a 3 (atitude mais
negativa) e possui quatro domínios.
Resultados: A pontuação média foi 1,79±0,19 e entre os domínios, a menor média foi no Persona (1,70±0,33)
e a maior foi na Agência (1,84±0,40). Variáveis que apresentaram relação (p<0,05) com as atitudes foram
renda familiar, grau de parentesco e tempo diário de convivência com o idoso e tipo de doença crônica não
transmissível do idoso.
Conclusão: As crianças apresentaram atitudes mais positivas do que negativas em relação à velhice.
Abstract
Objective: To evaluate the attitude of children who live with seniors with non-transmissible chronic diseases
toward aging and the related sociodemographic variables.
Methods: This cross-sectional study included 48 children aged seven to ten years. We used the following
instruments: sociodemographic questionnaire and attitude scale for children in relation to aging. This
instrument includes four domains and evaluates the attitude toward aging on a scale ranging from 1 (more
positive attitude) to 3 (more negative attitude).
Results: Mean score was 1.79±0.19. Between domains, the domain showing the lowest mean value was the
Persona domain (1.70±0.33). The highest value was seen in the Agency domain (1.84±0.40). Variables that
showed a relation (p<0.05) with attitudes were family income, degree of kinship and time of contact daily with
senior and the type of non-transmissible chronic disease of the elderly.
Conclusion: Children had more positive than negative attitudes toward aging.
Autor correspondente
Nathalia Alves de Oliveira
Rodovia Washington Luís, Km 235, São
Carlos, SP, Brasil. CEP: 13565-905
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500015
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil.
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
87
Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice
Introdução
Alterações nos perfis demográfico e epidemiológico da população e maior vulnerabilidade dos
idosos ao desenvolvimento de doenças podem ser
observadas, mundialmente, com o envelhecimento
populacional.(1)
Entre as patologias que mais acometem os idosos estão as doenças crônicas não transmissíveis,
que constituem um novo e importante desafio para
a saúde pública.(2) Caracterizadas por serem permanentes e irreversíveis, as doenças crônicas não
transmissíveis podem ocasionar situações de incapacidade e dependência, e estas podem gerar impactos negativos na vida do indivíduo e interferir
no modo como este interage com as pessoas de seu
convívio.(3)
Somado a estas alterações, outro fato que tem
chamado a atenção dos pesquisadores, são as configurações familiares, sendo que o aumento da expectativa de vida tem sido o fator motivador de
relações intergeracionais mais duradouras, em que
crianças passam a conviver por mais tempo com
os avós.(4)
Estas novas formas de integração familiar, levam a necessidade de adaptação simultânea dos
membros que compõem a família, e as crianças
podem não compreender a heterogeneidade presente no envelhecimento. Neste contexto, um
modelo que tem se destacado é a promoção da solidariedade intergeracional que envolve aspectos
ambivalentes; positivos e negativos que variam de
acordo com o ambiente familiar, as experiências
individuais de cada um, e a ligação estabelecida
entre as gerações.(5)
Um estudo se propôs a avaliar se os avós têm
seus netos adultos como contato frequente em
sua rede de apoio, e se esta frequência está relacionada à intensidade do contato que os netos
mantinham no período na infância com os avós.
Foi encontrado que netos adultos que possuíam
uma intensa relação com os avós no período da
infância, estavam mais presentes em sua rede de
apoio na vida adulta. Os pesquisadores concluíram que crianças que mantém intensa relação
88
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
com os avós, têm maior probabilidade a manterem uma relação positiva com os avós na vida
adulta e tornarem-se fontes importantes no apoio
ao cuidado com os avós.(5)
Estudos que investigam as relações intergeracionais têm demonstrado que é no período da
infância que a relação entre avós e netos se estabelece, uma vez que é nesta fase da vida que as
crianças passam mais tempo com os avós.(5,6) Na
Alemanha uma pesquisa investigou a relação entre
avós e netos no contexto familiar e demonstrou
que a relação estabelecida entre ambos recebe a
influência de diferentes variáveis, como recursos
sociais, pessoais, atitudes e valores apresentados
pelos membros que compõem a família.(4)
As atitudes apresentam componentes cognitivos e emocionais, positivos e negativos, que
guiam à tendência a ação. Estas se iniciam na
infância, por meio das experiências vivenciadas e
recebem a influência do meio no qual as crianças
estão inseridas, e desenvolvem-se gradativamente.(5-7)
A literatura tem chamado a atenção para o fato
de que a maioria dos estudos sobre relações intergeracionais se preocupa em investigar a visão de avós,
pais adultos e netos adolescentes, não se atentando
para grupos geracionais mais jovens, como as crianças, que também merecem atenção e integram as
relações intergeracionais.(5-8)
Neste sentido, avaliar as atitudes em relação à
velhice de crianças que residem com os idosos e
analisar condições que afetam a convivência com
o idoso e podem levar a diferenças nestas atitudes,
revela-se como uma importante ferramenta para
conhecer os que as crianças pensam a respeito do
envelhecimento, o que poderá gerar resultados que
oportunizem subsidiar o planejamento de intervenções que promovam a solidariedade intergeracional
no ambiente familiar.
Assim, este estudo teve como objetivo avaliar as
atitudes em relação à velhice, por parte de crianças
que residem com idosos com doenças crônicas não
transmissíveis, e analisar variáveis sociodemográficas que podem estar relacionadas ao desenvolvimento dessas atitudes.
Oliveira NA, Luchesi BM, Inouye K, Barham EJ, Pavarini SCI
Métodos
Trata-se de um estudo transversal desenvolvido com
48 crianças que residiam com idosos cadastrados
nas Unidades de Saúde da Família da área urbana
de um município do Estado de São Paulo, região
Sudeste do Brasil.
Participaram da pesquisa crianças com idade
entre sete e dez anos, que residiam com pelo menos
uma pessoa com idade igual ou superior a 60 anos,
portador de uma doença crônica não transmissível.
Foram identificadas 75 crianças, e 27 foram excluídas pelos seguintes motivos: mudou para a região
fora da área de abrangência da Unidade de Saúde da Família (n=2); não encontrada na residência
após duas visitas em horários distintos (n=9); idoso
havia falecido e a criança não residia mais com idosos (n=2) e não autorização da participação pelos
responsáveis (n=14). No final, foram entrevistadas
48 crianças, que representavam a totalidade dos
sujeitos.
Para a coleta de informações foi elaborada
uma ficha de caracterização sociodemográfica
contendo informações como: nome da criança,
endereço, sexo, idade, escolaridade, número de
integrantes na casa, crença religiosa, raça, plano
de saúde, renda mensal familiar, grau de parentesco com o idoso com quem residia, tempo de
convivência e tempo diário de convivência com
o idoso.
Durante as análises, os dados foram agrupados
da seguinte forma: renda familiar passou por três
divisões (Até 1 salário mínimo; 1 a 3 salários mínimos; >3 salários mínimos); no tempo diário de convivência considerou-se ≥5 horas diárias e <5 horas
diárias; e para o tempo de moradia considerou-se
≥5 anos e <5 anos.
Os dados referentes aos idosos que residiam
com as crianças foram extraídos dos prontuários
das Unidades de Saúde da Família e compreenderam: nome, sexo, idade, tipo, tempo e quantidade de doenças crônicas não transmissíveis. Para
análise dos dados dos idosos, a idade foi dividida
em cinco faixas etárias (60-64 anos, 65-69 anos,
70-74 anos, 75-79 anos e 80 anos ou mais). O
tipo de doença crônica foi agrupado em idosos
que apresentavam doença crônica não transmissível no aparelho circulatório, e idosos que apresentavam doenças crônicas não transmissíveis em
outros sistemas. Com relação ao tempo de doença crônica não transmissível apresentada, considerou-se tempo inferior a um ano, e entre cinco
e dez anos; e a quantidade de doença crônica foi
agrupada em três níveis (uma doença; duas doenças; e três ou mais doenças).
Para a avaliação das atitudes em relação à velhice foi aplicada a Escala Todaro para Avaliação de
Atitudes de Crianças em Relação a Idosos. A escala é composta por 14 itens bipolares, nos quais as
crianças devem escolher qual a melhor opção para
“Os idosos são:”. A escala é dividida em quatro domínios, descritos a seguir:
-- Cognição: refere-se à capacidade de solucionar problemas, informações e agilidade;
-- Agência: refere-se à autonomia e ao bem-estar dos idosos;
-- Persona: reflete a imagem social dos idosos;
-- Relações sociais: reproduz a integração social do idoso.
A pontuação máxima que pode ser obtida na
escala é três pontos, representando a atitude mais
negativa em relação à velhice. Os escores para análise são: um ponto atitude mais positiva, dois pontos
atitude neutra, três pontos atitude mais negativa.
Itens da escala cujos polos positivos não estavam
localizados corretamente em um ponto, foram ajustados conforme orientação da autora. A escolha do
instrumento se deu em função de ter apresentado
boa consistência interna quando aplicado em crianças nesta faixa etária, e fácil manuseio e aplicação
para avaliação das atitudes em relação à velhice por
parte de crianças.
Os dados foram tabulados em planilha do Excel, e em seguida transportados para o programa
Statistical Package for Social Science (SPSS) versão
11.5. Para o tratamento dos dados optou-se pela
análise de estatísticas descritivas (frequência simples), medida de tendência central (média), de variabilidade (desvio padrão - dp), e para as correlações entre as variáveis, foram utilizados testes não
paramétricos, de Kruskal-Wallis para análise entre
três ou mais grupos independentes e Mann-WhitActa Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
89
Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice
ney para análise entre dois grupos independentes.
Em todos os testes foi utilizado nível de significância de 5% (p<0,05).
O desenvolvimento deste estudo atendeu às
normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Resultados
Com relação à caracterização dos sujeitos, as
crianças estavam igualmente distribuídas em relação ao sexo (50% feminino, n=24; 50% masculino, n=24). A maioria tinha sete ou nove anos
de idade (29%; n=14 cada) e 37% (n=18) frequentavam a 3º série do ensino fundamental. As
crianças residiam, em média, com cinco pessoas
por domicílio e a renda familiar média era de
2,6 salários mínimos (xmín.=0,5; xmáx.=9) por família. A crença religiosa predominante era católica (58%; n=28). A maioria dos sujeitos declarou não possuir plano de saúde particular (81%;
n=38).
O grau de parentesco predominante da criança
com o idoso foi de neto-avô (90%; n=43). As crianças declararam passar mais de cinco horas diárias
junto com o avô (81%; n=39) e residiam com o
idoso há mais de cinco anos (87,5%; n=42).
Dos idosos que residiam com as crianças, 82%
(n=37) eram do sexo feminino, com maior concentração na faixa etária entre 60-64 anos (36%;
n=16), apresentando dois tipos de doença crônica
não transmissível (47%; n=21), e tempo de diagnóstico superior a dez anos (42%; n=19). Com relação ao tipo de doença crônica, foi adotada a Classificação Internacional de Doenças (CID10) para
sistematizar as doenças apresentadas pelos idosos. A
maior prevalência encontrada foi de doença crônica
não transmissível no Aparelho Circulatório (35,2%;
n=25) e no Sistema osteomuscular e tecido conjuntivo (21%; n=15).
Na avaliação da atitude em relação à velhice, por
meio da Escala Todaro, em uma pontuação possível
de um ponto (atitude mais positiva) a três pontos
(atitude mais negativa), a pontuação média das crianças foi de 1,79 pontos (±0,19; xmín.=1,4; xmáx.=2,2).
90
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
Dentre os domínios da escala, o que apresentou
menor média foi o domínio Persona (1,70±0,33) e a
maior média foi no domínio Agência (1,84±0,40). Os
domínios Relações Sociais e Cognição apresentaram
média de 1,80±0,38 e 1,83±0,31, respectivamente.
Dos itens que compõem os domínios da Escala,
os que obtiveram menor pontuação foram: “Legais/
Chatos” (1,2±0,53) e “Valorizados/Maltratados
(1,35±0,55), e os com maior pontuação foram os
itens: “Mãos abertas/Pães duros” (2,39±0,66) e “Seguros/Inseguros” (2,38±0,73).
As médias apresentadas pelas crianças na Escala, de acordo com as variáveis sociodemográficas,
demonstraram média significativa para as seguintes
variáveis; idade e domínio relacionamento social
(p=0,05), em que crianças de sete anos de idade
apresentaram atitudes mais negativas. O número de
pessoas na casa apresentou relação significativa com
o domínio Persona (p=0,03), sendo que crianças que
residiam com até cinco pessoas apresentaram atitude
mais negativa. Correlação significativa também foi
encontrada entre o domínio renda familiar e relacionamento social (p=0,03), sendo que crianças onde
a família apresentou renda mensal de até um salário
mínimo tiveram atitude mais negativa em relação à
velhice, conforme é demostrado na tabela 1.
Na análise das médias das crianças na Escala,
com os dados de identificação do idoso que residia
com a criança, valores significativos foram identificados na comparação entre a escala geral e o tempo
diário que a criança passa com o idoso. Crianças
que passavam mais que cinco horas diárias com
os idosos apresentaram atitudes mais negativas
(p=0,01). Atitudes mais negativas, na escala geral, também foram identificadas na variável idade
do idoso (p=0,04), em que crianças que residiam
com idosos na faixa etária de 70-74 anos de idade
obtiveram atitudes mais negativas. A variável grau
de parentesco apresentou correlação significativa
(p=0,02) com o domínio Cognição, onde foram
constatadas atitudes mais negativas em crianças
que eram bisnetas dos idosos, conforme demonstrado na tabela 2.
Quando correlacionadas a atitude das crianças e
as doenças crônicas não transmissíveis identificadas
nos idosos, não foram encontrados dados significa-
Oliveira NA, Luchesi BM, Inouye K, Barham EJ, Pavarini SCI
Tabela 1. Pontuação média e comparação da Escala Todaro para Avaliação de Atitudes de Crianças à velhice, de acordo com as
variáveis sociodemográficas das crianças
Variável
Escala
Média
Gênero
Masculino
1,81
Feminino
1,79
Idade
7 anos
1,80
8 anos
1,81
9 anos
1,79
10 anos
1,73
Série frequentada na escola
1º e 2º série
1,80
3º série
1,81
4º série
1,80
5º série
1,73
Nº pessoas na casa
2a3
1,81
4a5
1,81
6a7
1,79
8a9
1,68
10 a 11
1,75
Renda Familiar
Até 1 S. M
1,81
1 a 3 S. M
1,82
>3 S. M
1,76
Crença religiosa
Católica
1,81
Evangélica
1,73
Espiritualista
1,93
Nenhuma/Não especificou
1,93
Etnia
Branca
1,83
Negra
1,68
Parda
1,78
Plano de saúde particular
Possui
1,76
Não Possui
1,80
p-value
Cognição
p-value
Agência
p-value
Persona
p-value
Relacionamento
social
p-value
0,39
0,36
0,08
0,19
0,31
0,87
0,52
0,42
0,11
0,05*
0,95
0,52
0,92
0,21
0,10
0,12
0,13
0,14
0,03*
0,13
0,79
0,20
0,12
0,44
0,03*
0,25
0,46
0,3
0,19
0,30
0,09
0,17
0,96
0,38
0,43
0,24
0,42
0,45
0,41
0,15
*nível de significância de 95% (p<0,05)
tivos para as variáveis tempo e quantidade de doenças crônicas não transmissíveis.
Para a correlação entre as atitudes das crianças em relação à velhice e o tipo de doença crônica não transmissível identificado no idoso, as
crianças foram divididas em dois grupos: Grupo 1: composto por crianças que residiam com
idosos com doença crônica não transmissível no
Aparelho Circulatório, uma vez que este foi o sistema onde houve maior número de doença crônica não transmissível entre os idosos; Grupo 2:
composto por crianças que residiam com idosos
com doença crônica não transmissível em outros
sistemas.
As crianças do Grupo 1 tiveram média de 1,80 pontos, e as crianças do Grupo 2 de 1,78 pontos. Porém,
quando comparadas as médias, não foram encontrados
resultados significativos. A tabela 3 mostra o resultado
dessa comparação, bem como da comparação entre os
dois grupos para os quatro domínios da escala.
Dentre os domínios da escala, houve correlação
significativa para as crianças do Grupo 2, que apresentaram resultados mais negativos para o domínio Cognição, quando comparado ao Grupo 1 (p=0,03).
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
91
Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice
Tabela 2. Pontuação média e comparação da Escala Todaro para Avaliação de Atitudes de Crianças à velhice, de acordo com os
dados da identificação dos idosos
Variável
Escala
Média
Sexo do idoso
Masculino
1,67
Feminino
1,85
Ambos
1,74
Grau de parentesco com o idoso que reside
Netas
1,79
Bisnetas
1,80
Tempo de moradia com o idoso
< 5 anos
1,75
≥ 5 anos
1,80
Tempo diário de convivência
< 5 anos
1,70
≥ 5 anos
1,83
Idade do idoso com quem reside
60-64
1,79
65-69
1,75
70-74
1,95
75-79
1,72
80 ou mais
1,93
Tempo de doença crônica do idoso
< 1 ano
Entre 5 e 10 anos
p-value
Cognição
p-value
Agência
p-value
Persona
p-value
Relacionamento social
p-value
0,15
0,24
0,30
0,02*
0,16
0,44
0,02*
0,49
0,37
0,24
0,22
0,34
0,42
0,26
0,08
0,01*
0,13
0,34
0,08
0,10
0,04*
0,51
0,49
0,02*
0,17
0,26
0,34
0,63
0,31
0,51
0,18
0,20
0,51
0,54
0,09
1,73
1,82
Quantidade de doenças crônicas
1
1,77
2
1,78
3 ou mais
1,87
*nível de significância de 95% (p<0,05)
Tabela 3. Resultado das comparações (Mann-Whitney) entre os resultados da Escala de Atitudes em Relação à Velhice para crianças
e seus domínios para os Grupos 1 e 2
Escala
Cognição
Agência
Persona
Teste Mann-Whitney U
266
198,5
252
219
Relacionamento social
279
p-value
0,34
0,03*
0,23
0,07
0,44
*nível de significância de 95% (p<0,05)
Discussão
Uma limitação deste estudo foi o número reduzido
de sujeitos, ou seja, apenas 48 crianças. Os resultados não podem ser generalizados, uma vez que as
entrevistas foram realizadas apenas com as crianças
da área de abrangência do Programa Saúde da Família do município estudado e com crianças na faixa
etária entre sete e dez anos de idade. Entretanto, os
resultados mostram que é importante conhecer as
atitudes em relação à velhice de pessoas em outras
faixas etárias.
92
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
Investigar as atitudes de crianças em relação à
velhice possibilita ampliar o conhecimento sobre o
que as gerações mais jovens pensam a respeito do
envelhecimento e, desse modo, fortalecer parcerias
entre profissionais da saúde e da educação infantil,
para que possam desenvolver atividades educacionais que busquem desmistificar estereótipos negativos em relação à velhice e promover a educação
gerontológica com métodos que estimulem a solidariedade entre gerações no ambiente familiar, levando em consideração as especificidades de cada
fase da vida.
Oliveira NA, Luchesi BM, Inouye K, Barham EJ, Pavarini SCI
A caracterização das crianças mostrou que em
sua maioria, as crianças passam mais de cinco horas
diárias com os idosos e residem junto com eles há
mais de cinco anos. Este dado pode refletir a importância dos avós na vida dos netos, que passam a exercer um papel importante da educação das crianças,
e condiz com dados obtidos em um estudo longitudinal que avaliou os fatores associados à prestação de
ajuda dos avós aos netos, e identificou que os avós
possuem intensa relação com seus netos, destacando
que a convivência entre os avós e os netos influi de
modo positivo na saúde mental dos idosos.(9)
A partir das informações obtidas na identificação
dos idosos, verificou-se que a maioria era do sexo feminino e estava na faixa etária considerada de idosos jovens. Estes dados evidenciam a feminilização da velhice, pactuando com estudos, que também encontraram
prevalência do sexo feminino na população sênior.(10,11)
Na literatura os estudos apontam para a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis entre
a população idosa, com predomínio no sexo feminino.(12-14) No presente estudo, a maioria dos idosos
foi identificada com dois tipos de doenças crônicas
não transmissíveis associadas (47%), há mais de dez
anos. Tais dados apontam para a necessidade de
ações de prevenção de patologias crônicas na população de diferentes faixas etárias, uma vez que este
estudo compreendeu idosos na faixa etária considerada jovem, e com um tempo de doença crônica não
transmissível que evidencia que estas se desenvolveram ainda na fase adulta. Assim, as ações devem
proporcionar melhor qualidade de vida à população,
uma vez que as doenças crônicas não transmissíveis
podem levar à dependência funcional e cognitiva.
Os dados deste estudo estão em consonância
com a literatura científica que também encontra
prevalência de doenças crônicas não transmissíveis
provenientes do aparelho circulatório, com destaque para a hipertensão arterial na população idosa,
em especial entre as mulheres.(15-17)
Com relação à atitude em relação à velhice, por
parte de crianças que residem com idosos com patologias crônicas, a média na pontuação geral da escala
foi de 1,79, representando atitudes mais positivas em
relação à velhice. Entre os domínios da escola foi encontrada atitude mais negativa para o domínio Agên-
cia, que avalia itens sobre a saúde física dos idosos e
a atitude mais positiva foi apresentada no domínio
Persona que reflete a imagem social dos idosos.
Um estudo de revisão da literatura sobre intervenções intergeracionais com objetivo de reduzir o preconceito etário mostrou em um dos estudos analisados que
as crianças descreviam os idosos como; feios, cansados e
doentes, apresentando desconforto quando questionados sobre seu próprio crescimento. Esta pesquisa também chama a atenção para importância de se conhecer
o que as crianças pensam sobre o idoso, para que possa
se planejar intervenções que tenham como meta a mudança de atitudes negativas ligadas à velhice e destaca a
importância do contato entre crianças e idosos como
ponto de partida para tais mudanças.(6)
No presente estudo, foram identificadas atitudes mais negativas entre as crianças que convivem
com idosos com doenças crônicas não transmissíveis em outros sistemas. Este dado é importante no
planejamento de intervenções educacionais, visto
que evidencia que as atitudes em relação à velhice,
construídas na infância, estão sendo influenciadas
por diferentes contextos em que as crianças estão inseridas. Cabe ressaltar que somente para o domínio
Cognição as crianças do Grupo 2 obtiveram atitudes mais negativas quando comparadas ao Grupo 1.
É importante destacar que, apesar de terem sido
encontradas diferenças significativas quando comparada a variável tipo de doença crônica do idoso
que mora com a criança, outras variáveis podem ter
influenciado este dado, como entre as crianças que
residiam com mais de um idoso na mesma casa.
Na análise do tempo diário de convivência entre as
crianças e os idosos, foi verificado que as crianças que
passavam mais tempo com o idoso apresentaram também atitudes mais negativas em relação à velhice. Apesar disso, nos domicílios onde, as havia mais pessoas
residindo junto, as atitudes das crianças foram mais
positivas. Residir com várias pessoas parece favorecer
relações entre crianças e avós, porém, quando o tempo
de convivência diária com o idoso é maior que cinco
horas a visão das crianças pode se tornar negativa.
Pesquisas mostram que, nas relações intergeracionais entre avós e netos, mais significativa do que a frequência e quantidade do contato entre crianças e avós,
é a qualidade das relações intergeracionais que estão
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
93
Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice
sendo estabelecidas e em que contexto estas ocorre,
uma vez que podem cooperar de modo positivo ou negativo para o desenvolvimento das atitudes em relação
à velhice que as crianças estão desenvolvendo, e fortificar os laços e a solidariedade intergeracional.(5-7)
Desta forma, pesquisas futuras, com diferentes
públicos, que levem à ampliação dos conhecimentos sobre as variáveis que interferem no desenvolvimento das atitudes em relação à velhice, poderão
melhorar a qualidade das relações intergeracionais e
beneficiar diferentes áreas de pesquisa e de atuação
profissional, dado o aumento da expectativa de vida
e a intensificação do tempo de convivência entre
avós e netos no ambiente familiar.
Conclusão
A atitude em relação à velhice, apresentada pelas
crianças, foi mais positiva do que negativa. A atitude mais negativa foi no domínio Agência e a mais
positiva no domínio Persona. Características sociodemográficas que apresentaram correlação significativa com a escala de Atitudes em relação à velhice,
para crianças, foram: renda familiar e domínio Relacional social; grau de parentesco com o idoso e o
domínio Cognição; tempo diário de convivência e
idade do idoso com a pontuação geral da Escala.
Quanto às características das doenças crônicas não
transmissíveis apresentadas pelos idosos, foi constatado que crianças que conviviam com idosos com
doenças crônicas em outros sistemas apresentaram
atitude mais negativa no domínio Cognição.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq;
bolsa de Iniciação Científica para Oliveira NA).
Colaborações
Oliveira NA; Luchesi BM e Pavarini SCI contribuíram
com a concepção do projeto, análise e interpretação dos
dados, redação do artigo, revisão crítica do conteúdo
intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.
Inouye K e Barham EJ colaboraram com a concepção
do projeto, revisão crítica do conteúdo intelectual e
aprovação da versão final.
94
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94.
Referências
1. Clegg A, Young J, Lliffe S, Rikkert MO, Rockwood K. Frailty in elderly
people. Lancet. 2013; 381(9868):752-62.
2. Beaglehole R, Bonita R, Horton R, Adams C, Alleyne G, Asaria P, et
al. Priority actions for the non-communicable disease crisis. Lancet.
2011; 377(9775):1438-47.
3. Weiss, CO. Frailty and chronic diseases in older adults. Clin Geriatr
Med. 2011; 27(1):39-52.
4. Becker OA, Steinbach A. Relations between grandparents and
grandchildren in the context of the family system. Comparative
Population Studies - Zeitschrift für Bevölkerungswissenschaft. 2012;
37(3-4): 543-66.
5. Teun G, Tilburg TGV, Poortman AR. The grandparent–grandchild
relationship in childhood and adulthood: a matter of continuation?
Personal Relationships. 2012; 19(2): 267-278. Available from: http://
onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1475-6811.2011.01354.x/pdf.
6. Christian J, Turner R, Holt N, Larkin M, Cotler J H. Does intergenerational
contact reduce Ageism? When and How Contact Interventions Actually
Work?. J Arts Humanities. 2014; 3(1):1-15.
7. Dohmen T, Falk A, Huffman D. The Intergenerational Transmission of
Risk and Trust Attitudes. Rev Econ Stud. 2011; 79(2):645-77.
8. Steinbach A. Intergenerational relations across the life course. Adv Life
Course Res . 2012; 17(3):93-9.
9. Grundy EM, Albala C, Allen E, Dangour AD, Elbourne D, Uauy R.
Grandparenting and psychosocial health among older Chileans: A
longitudinal analysis. Aging Ment Health. 2012; 16(8):1047-57.
10. Silva, SA, Scazufca M, Menezes PR. Population impact of depression
on functional disability in elderly: results from “São Paulo Ageing &
Health Study”(SPAH). Eur Arch Psychiatry Clin Neurosc. 2013; 263(2):
153-8.
11.Robinovitch SN, Feldman F, Yang Y, Schonnop R, Leung P. M, Sarraf
T, Loughin M. Video capture of the circumstances of falls in elderly
people residing in long-term care: an observational study. Lancet.
2013; 381(9860):47-54.
12. Bussche HVD, Koller D, Kolonko T, Hansen H, Wegscheider K, Glaeske
G, et al. Which chronic diseases and disease combinations are
specific to multimorbidity in the elderly? Results of a claims data
based cross-sectional study in Germany. BMC Public Health. 2011;
11(1):101.
13. Marengoni A, Angleman S, Melis R, Mangialasche F, Karp A, Garmen
A, Fratiglioni L. Aging with multimorbidity: a systematic review of the
literature. Ageing Res Rev. 2011; 10(4):430-9.
14. Bauer UE, Briss PA, Goodman RA, Bowman BA. Prevention of chronic
disease in the 21st century: elimination of the leading preventable
causes of premature death and disability in the USA. Lancet. 2014;
384(9937):45-52.
15. Kovacic JC, Moreno P, Nabel EG, Hachinski V, Fuster V. Cellular senescence,
vascular disease, and aging part 2 of a 2-part review: clinical vascular
disease in the elderly. Circulation. 2011; 123(17):1900-10.
16.Belon, AP, Barros MB, Marín-León L. Mortality among adults: gender
and socioeconomic differences in a Brazilian city. BMC Public Health.
2012; 12(1):39.
17. Cheng L, Tan L, Zhang L, Wei S, Liu L, Long L, Nie S. Chronic disease
mortality in rural and urban residents in Hubei Province, China, 20082010. BMC Public Health. 2013; 13(1):1-9.
Artigo Original
Prevalência de sinais e sintomas
e conhecimento sobre doenças
sexualmente transmissíveis
Prevalence of signs and symptoms and knowledge
about sexually transmitted diseases
Paulie Marcelly Ribeiro dos Santos Carvalho1
Rafael Alves Guimarães1
Paula Ávila Moraes2
Sheila Araujo Teles1
Marcos André de Matos1
Descritores
Sinais e sintomas; Doenças
sexualmente transmissíveis/
epidemiologia; Prevalência;
Enfermagem em saúde comunitária;
Comunidades vulneráveis
Keywords
Signs and symptoms; Sexually
transmitted diseases/epidemiology;
Prevalence; Community health nursing;
Vulnerable groups
Submetido
29 de Setembro de 2014
Aceito
3 de Novembro de 2014
Resumo
Objetivo: Estimar a prevalência de sinais e sintomas de doenças sexualmente transmissíveis e verificar o
conhecimento para essas infecções em adolescentes e jovens de um assentamento urbano.
Métodos: Estudo de corte transversal realizado em 105 assentados de 12 a 24 anos. Os dados foram
coletados por meio de entrevista e analisados pelo Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0.
Resultados: Do total de participantes que responderam sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis, 20,6%
relataram algum sinal e/ou sintoma, com maior proporção em indivíduos do sexo feminino, que possuíam
piercing e/ou tatuagem e consumiam álcool antes ou durante a relação sexual (p < 0,05). Também, muitos
participantes apresentaram desconhecimento quanto os sinais e sintomas de Doenças Sexualmente
Transmissíveis.
Conclusão: A presença de sinais e/ou sintomas de doenças sexualmente transmissíveis foi associado a
fatores relacionados à vulnerabilidade individual dos adolescentes e jovens do assentamento.
Abstract
Objective: To estimate the prevalence of signs and symptoms of sexually transmitted diseases and to verify the
knowledge of adolescents and young people of an urban settlement about these infections.
Methods: This was a cross-sectional study conducted among 105 settlers aged 12-24 years old. Data were
collected through interviews and analyzed using the Statistical Package for the Social Sciences, version 17.0.
Results: Of the participants who responded regarding sexually transmitted diseases, 20.6% reported signs
and/or symptoms, with a higher proportion in females, those who had a piercing and/or tattoo, and who
consumed alcohol before or during sexual intercourse (p <0.05). Also, many participants showed ignorance
about the signs and symptoms of sexually transmitted diseases.
Conclusion: The presence of signs and/or symptoms of sexually transmitted diseases were associated with
factors related to individual vulnerability of adolescents and young people of the settlement.
Autor correspondente
Marcos André de Matos;
Rua 227, Quadra 68, SN, Goiânia, GO,
Brasil. CEP: 74605-080
[email protected]
DOI
http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500016
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil.
Pontifícia Universidade Católica, Goiânia, Goiás, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100.
95
Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis
96
Introdução
Métodos
As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)
constituem um importante problema de saúde pública. Estima-se que a cada ano, 340 milhões de
pessoas adquiram alguma DST curável, como clamídia, gonorreia, sífilis ou tricomoníase, sendo de
10 a 12 milhões no Brasil.(1)
Essas infecções podem permanecer de forma assintomática ou manifestar-se, principalmente, por
meio de sinais e sintomas como corrimento uretral
e/ou vaginal, úlceras genitais, linfadenopatia inguinal e dor abdominal(2) e encontram-se associadas
com infertilidade, incapacidades, complicações gestacionais e morte.(3) Ainda, potencializam o risco de
aquisição e transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).(1,4)
Adolescentes e jovens são considerados grupos vulneráveis as DST. Muitos apresentam comportamentos de risco, como iniciação precoce da
atividade sexual,(5) uso inconsistente do preservativo, múltiplos parceiros sexuais,(6) consumo de
álcool e outras drogas, entre outros.(7) Ainda, a
fase da adolescência é constituída por transformações anatômicas, cognitivas, emocionais, sociais, econômicas e comportamentais,(8) o que
pode contribuir para o aumento dos comportamentos de risco para DST.
Essas mudanças se intensificam quando esses indivíduos estão expostos e em situações de
vulnerabilidade, como os adolescentes e jovens
que residem em assentamentos urbanos. Apesar
desses locais assegurarem o direito a terra e moradia, ainda apresentam condições habitacionais
precárias e, sobretudo são desprovidos de usufruto dos direitos sociais, principalmente relacionados à assistência à saúde, o que pode contribuir
para o aumento dos determinantes sociais, institucionais e individuais de vulnerabilidade para
as DST.
Neste contexto, os objetivos desse estudo foram
estimar a prevalência de sinais e sintomas de Doenças Sexualmente Transmissíveis e verificar o conhecimento para essas infecções em adolescentes e
adultos jovens de um assentamento urbano de uma
cidade de grande porte da Região Central do Brasil.
Estudo de corte transversal, realizado entre agosto
de 2012 e julho de 2013, em adolescentes e adultos jovens residentes de um assentamento urbano
da Região Centro-Oeste do Brasil. Foram elegíveis
indivíduos com idade de 12 a 24 anos, residentes
do assentamento há pelo menos 12 meses e que
entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo responsável legal no caso de
indivíduos menores de 18 anos.
A coleta de dados foi realizada em locais privativos nas dependências da instituição de ensino local
e unidade básica de saúde do assentamento. Todos
os candidatos elegíveis foram convidados a participar do estudo e orientados sobre a natureza, objetivos, metodologia, riscos e benefícios.
Após consentimento dos indivíduos maiores
de 18 anos e dos responsáveis dos assentados menores de 18 anos, todos foram entrevistados face
a face, por meio de um roteiro estruturado, sobre
características sociodemográficas (sexo, faixa etária,
escolaridade, renda familiar, estado civil, religião e
tempo de assentamento), relato e conhecimento de
sinais e sintomas de DST e fatores de risco para essas infecções (consumo de álcool e outras drogas,
presença de piercing e/ou tatuagem, uso de preservativo nas relações sexuais, histórico de rompimento
do preservativo, relação sexual sob efeito de álcool e
número de parceiros sexuais). Definiu-se como variável de desfecho a presença, nos últimos 12 meses,
de sinais e sintomas de DST (corrimento uretral ou
vaginal e/ou úlcera genital), conforme relato.
Os dados foram analisados no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão
17.0. Para as variáveis contínuas foram calculadas
médias e desvio-padrão. Prevalências para sinais e
sintomas de DST foram calculadas com intervalo
de confiança de 95% (IC 95%). Os testes de quiquadrado (x2) e exato de Fisher foram utilizados
para testar a significância das diferenças entre as
proporções e valores com p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
com seres humanos.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100.
Carvalho PM, Guimarães RA, Moraes PA, Teles SA, Matos MA
Resultados
Participaram do estudo 105 adolescentes e jovens
do assentamento. Observou-se o predomínio de
indivíduos entre 12-18 anos (73,3%), com renda
familiar até três salários mínimos (81,0%), com até
oito anos de escolaridade (64,8%) e que residiam no
assentamento há mais de dois anos (66,7%). Quanto ao sexo, 58,1% dos entrevistados eram do sexo
masculino e 41,9% do sexo feminino. Em relação
à religião, mais da metade (56,2%) se declararam
evangélicos e 21,0% católicos (Tabela 1).
Tabela 1. Características sociodemográficas de 105
adolescentes e adultos jovens de um assentamento urbano
Variáveis
Média+DP
n(%)
Gênero
61(58,1)
Masculino
44(41,9)
Feminino
Faixa etária (anos)
16,2+3,32
77(73,3)
12-18
28(26,7)
19-24
Escolaridade (anos de estudo)
7,76+1,75
<6
28(26,7)
7-8
40(38,1)
>8
37(35,2)
Tabela 2. Fatores associados à presença de sinais e sintomas
de doenças sexualmente transmissíveis de 102 adolescentes e
jovens de um assentamento urbano
Variáveis
n
Sinal e/ou
Sintoma de DST*
Sim (%)
Não (%)
p-value†
Gênero
Feminino
42
14(33,3)
28(66,7)
Masculino
60
7(11,7)
53(88,3)
12-18
74
16(21,6)
58(78,4)
19-24
28
5(17,9)
23(82,1)
< 0,01
Idade (anos)
0,67
Renda familiar (salários mínimos)
<1
42
7(16,7)
35(83,3)
2-3
41
11(26,8)
30(73,2)
>3
19
3(15,8)
16(84,2)
0,44
Tempo de assentamento (anos)
Renda familiar mensal (salários
mínimos)
<1
43(41,0)
2-3
42(40,0)
>3
20(19,0)
Religião
Evangélica
59(56,2)
Católica
22(21,0)
Outra
4(3,8)
Sem religião
Tempo de assentamento (anos)
A tabela 2 demonstra os fatores associados à
presença de sinais/sintomas de DST nos assentados. Verificou-se uma proporção maior de sinais e sintomas de DST em indivíduos do sexo
feminino (p < 0,01), que apresentavam piercing
e/ou tatuagem (p < 0,01) e que consumiam bebida alcoólica antes ou durante a relação sexual
(p=0,02).
20(19,0)
2,73+0,94
<2
35(33,3)
>2
70(66,7)
DP - desvio padrão
Do total de participantes, 102 (97,1%) responderam alguns sinais e sintomas de DST.
Desses, 19,6% (IC 95%: 13,1-28,4) e 4,9% (IC
95%: 2,1-11,0) referiram corrimento uretral/vaginal e úlcera genital, respectivamente. Considerando a presença de pelo menos uma dessas condições, a prevalência global de sinais e sintomas
de DST nos assentados foi de 20,6% (IC 95%:
13,9-29,4). Ainda, sete indivíduos que relataram
sinais e/ou sintomas de DST relataram que não
tinham iniciado a vida sexual.
<2
34
5(14,7)
29(85,3)
>2
68
16(23,5)
52(76,5)
0,30
Consumo de álcool
Nunca
46
8(17,4)
38(82,6)
Às vezes/sempre
56
13(23,2)
43(76,8)
0,47
Consumo de drogas ilícitas
Sim
28
9(32,1)
19(67,9)
Não
74
12(16,2)
62(83,8)
Sim
51
17(33,3)
34(66,7)
Não
51
4(7,8)
47(92,2)
Sempre
37
7(18,9)
30(81,1)
Eventualmente/nunca
24
7(29,2)
17(70,8)
Sim
16
6(37,5)
10(62,5)
Não
41
6(14,6)
35(85,4)
Sim
23
9(39,1)
14(60,9)
Não
38
5(13,2)
33(86,8)
<3
26
8(30,8)
18(69,2)
>3
35
6(17,1)
29(82,9)
0,08
Uso de piercing e/ou tatuagem
< 0,01
Uso de preservativo nas relações sexuais (n=61)
0,40
Histórico de rompimento de preservativo (n=57)
0,06
Consumo de bebida alcoólica antes ou durante
a relação sexual (n=61)
0,02
Número de parceiros sexuais na vida (n=61)
0,21
*DST - Doença Sexualmente Transmissível; †Teste de qui-quadrado ou exato de Fisher
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100.
97
Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis
O conhecimento sobre sinais e sintomas de
DST dos assentados está demonstrado na tabela 3.
Verificou-se que 27,6%, 22,8%, 31,4%, 34,3%,
37,1%, 57,1% dos entrevistados, não reconheceram úlcera genital, corrimento, linfadenopatia inguinal, dor/ardência ao urinar, coceira na genitália
e dor abdominal como sinal e sintoma de DST,
respectivamente.
Tabela 3. Conhecimento sobre sinais e sintomas de doenças
sexualmente transmissíveis de 105 adolescentes e adultos
jovens de um assentamento urbano
Variáveis
n(%)
IC 95%*
Sim
74(70,5)
61,2-78,4
Não
28(27,6)
19,1-35,9
2(1,9)
0,5-6,7
Sim
78(74,3)
65,2-81,7
Não
24(22,8)
15,9-31,8
3(2,9)
0,1-8,1
Sim
68(64,8)
55,3-73,2
Não
33(31,4)
23,3-40,8
4(3,8)
1,5-9,4
Sim
67(63,8)
54,3-72,4
Não
36(34,3)
25,9-43,8
2(1,9)
0,5-6,7
Sim
64(61,0)
51,4-69,7
Não
39(37,1)
28,5-46,7
2(1,9)
0,5-6,7
Sim
38(36,2)
27,6-45,7
Não
60(57,1)
47,6-66,2
7(6,7)
3,3-13,1
Úlcera genital
Não sabe
Corrimento genital
Não sabe
Linfadenopatia inguinal
Não sabe
Dor/ardência ao urinar
Não sabe
Coceira genital
Não sabe
Dor abdominal
Não sabe
*IC 95% - Intervalo de Confiança de 95%
Discussão
As limitações deste estudo incluem a natureza da
coleta de dados, uma vez que foi baseada no relato
verbal de sinais/sintomas de DST, podendo a prevalência estar sub ou superestimada. Também, há
as limitações dos estudos transversais, uma vez que
não permitem o estabelecimento de relações de causa e efeito.
Ainda são poucos os estudos que retratam a
saúde de indivíduos residentes em áreas de assen-
98
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100.
tamentos urbanos e a maioria foram conduzidos
em assentamentos informais.(9-11) No Brasil, para o
nosso conhecimento, não foi identificado nenhum
estudo com esse grupo social emergente. Identificar
os fatores relacionados à vulnerabilidade dessa população para DST pode auxiliar os profissionais de
saúde na elaboração de intervenções de prevenção e
controle dessas infecções junto a este segmento populacional que fica, em função de sua condição de
dispersão e segregação urbana, às margens dos serviços públicos de saúde. Também, poderá colaborar
para a formulação, implantação e avaliação de políticas públicas de saúde voltadas para a prevenção,
identificação e tratamento das DST nos assentados.
A presença de sinais e/ou sintomas de DST encontra-se associados à infecção pelo HIV.(12) A prevalência global de sinais e sintomas de DST dos participantes foi de 20,6% (IC 95%: 13,9-29,4). Esse
índice foi sete vezes superior ao encontrado em um
estudo no sudeste da Ásia em adolescentes de 14 a
19 anos (3,0%; IC 95%: 1,7-4,8).(13) Corrimento
uretral/vaginal e úlceras genitais foram reportados
por 19,6% (IC 95%: 13,1-28,4) e 4,9% (IC 95%:
2,1-11,0) dos assentados, respectivamente.(12) Na
África, uma investigação em jovens de 15-24 anos
estimou uma prevalência para corrimento genital de
9,2% (IC 95%: 8,3-10,2) e 19,1% (IC 95%: 18,020,5) em homens e mulheres, respectivamente.(12)
O mesmo estudo encontrou uma prevalência de
5,9% (IC 95%: 5,2-6,7) e 6,9% (IC 95%: 6,1-7,7)
para úlceras/feridas genitais em indivíduos do sexo
masculino e feminino, respectivamente.(12) Diferenças entre as prevalências dos estudos pode refletir as
variações nos comportamentos de risco dos adolescentes e jovens em diferentes contextos.
A identificação de sinais e sintomas das DST,
por meio da Abordagem Sindrômica, constitui um
método bastante recomendável para populações
vulneráveis e de difícil acesso aos serviços de saúde,
como adolescentes residentes em áreas de assentamento. Essa metodologia possibilita rápida detecção das síndromes, tratamento precoce, baixo custo
terapêutico e não necessita de grandes investimentos laboratoriais.(2)
Para essa população, observou-se uma proporção maior de relato de sinais e sintomas de DST
Carvalho PM, Guimarães RA, Moraes PA, Teles SA, Matos MA
em indivíduos do sexo feminino, que consumiam
álcool antes ou durante a relação sexual e que apresentavam piercing e/ou tatuagem.
Mulheres, principalmente adolescentes e jovens,
apresentam maior vulnerabilidade às DST que a
população masculina, devido a fatores biológicos,
sociais e de gênero.(14-17) Diferenças entre os comportamentos sexuais de homens e mulheres devem
ser considerados nos planejamentos de políticas de
prevenção e controle de DST.
No presente estudo, consumo de álcool antes ou
durante a relação sexual foi associado ao relato de
sinais/sintomas de DST. Também, consumo de drogas ilícitas mostrou-se marginal (p = 0,08). O uso
de álcool encontra-se associado com DST e múltiplos comportamentos de risco que potencializam a
aquisição dessas infecções.(6,18-20)
O uso de piercing e/ou tatuagem pode configurar como um indicador de comportamentos de
risco para aquisição de DST, tais como, iniciação
precoce da atividade sexual, uso inconsistente do
preservativo, uso de álcool e drogas ilícitas, entre
outros,(21,22) podendo servir assim como uma variável preditora para presença de DST. Essa variável
deve ser considerada em estudos epidemiológicos,
uma vez que possibilita a mensuração de comportamentos de risco para DST em grupos populacionais
de maior vulnerabilidade.
Histórico de rompimento do preservativo mostrou-se marginal a prevalência de sinais/sintomas
de DST. Embora essa variável ainda seja pouco
explorada nos estudos epidemiológicos, esse dado
sugere a necessidade premente de aprofundar essa
discussão nos estudos com essa clientela, bem como
de expandir os programas preventivos de educação
sexual, abordando a temática da colocação correta
do preservativo por adolescentes e jovens.
Verificou-se, mesmo com inúmeros meios de divulgação, um conhecimento insuficiente ou insatisfatório sobre os sinais e sintomas de DST em grande
parte dos assentados. Esse dado aponta à necessidade de investimentos em intervenções educativas, visando empoderar a população de assentados quanto
à identificação de sinais e sintomas de DST, contribuindo, assim, para o diagnóstico precoce, melhor
prognóstico e interrupção da cadeia de transmissão.
Nesse contexto, é essencial que os profissionais
de saúde, em especial enfermeiros, juntamente com
a rede social destes indivíduos, como instituições de
ensino, trabalhem de forma interdisciplinar, promovendo discussões com o intuito de orientá-los
quanto à vulnerabilidade a que estão expostos e fornecendo informações que visem à assistência integral, equânime e humanizada da população jovem
assentada.
Conclusão
A prevalência global para sinais e sintomas de DST
foi alta. Observou-se que fatores de vulnerabilidade individual (sexo feminino, consumo de álcool
antes ou durante a relação sexual e uso de piercing
e/ou tatuagem) foram associados à presença de sinais e sintomas de DST. Também, identificou-se
um conhecimento inadequado ou insatisfatório
sobre sinais e sintomas de DST em grande parte
dos assentados.
Colaborações
Carvalho PMRS; Guimarães RA; Moraes PA; Teles SA e Matos MA contribuíram com a redação
do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual. Guimarães RA foi responsável pela análise
e interpretação dos dados. Matos MA contribuiu
para concepção e projeto e aprovou a versão final
a ser publicada.
Referências
1. World Health Organization (WHO). Global prevalence and Incidence
of selected curable Sexually transmitted infections: Overview and
estimates [Internet]. Geneva: WHO; 2001 [cited 2014 Mai 29]. Available
from: 2001.http://www.who.int/hiv/pub/sti/who_hiv_aids_2001.02.
pdf2001.
2. World Health Organization (WHO). Guideline for the management of
sexually transmitted infections [Internet]. Geneva: WHO; 2003 [cited
2014 Mai 29]. Available from: http://applications.emro.who.int/aiecf/
web79.pdf.
3. Rompalo A. Preventing sexually transmitted infections: back to basics.
J Clin Invest. 2011; 121(12): 4580-3.
4. Joint United Nations Program on HIV/AIDS. World AIDS day report
2012 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2012[cited 2014 Mai 29]. 2012.
Available from: http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100.
99
Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis
documents/epidemiology/2012/gr2012/jc2434_worldaidsday_results_
en.pdf.
5. Doku D. Substance use and risky sexual behaviours among sexually
experienced Ghanaian youth. BMC Public Health. 2012; 12:571.
6. Li S, Huang H, Xu G, Cai Y, Huang F, Ye X. Substance use, risky sexual
behaviors, and their associations in a Chinese sample of senior high
school students. BMC Public Health. 2013; 13:295.
7. Sanchez ZM, Nappo SA, Cruz JI, Carlini EA, Carlini CM, Martins
SS. Sexual behavior among high school students in Brazil: alcohol
consumption and legal and illegal drug use associated with unprotected
sex. Clinics. 2013; 68(4):489-94.
14.Nardis C, Mosca L, Mastromarino P. Vaginal microbiota and viral
sexually transmitted diseases. Ann Ig. 2013; 25(5):443-56.
15. Higgins JA, Hoffman S, Dworkin SL. Rethinking Gender, Heterosexual
Men, and Women’s Vulnerability to HIV/AIDS. Am J Public Health.
2010; 100(3):435-45.
16.Gupta GR, Ogden J, Warner A. Moving forward on women’s genderrelated HIV vulnerability: the good news, the bad news and what to do
about it. Glob Public Health. 2011; 6 Suppl 3:S370-82.
8. Halpern CT. Reframing research on adolescent sexuality: healthy sexual
development as part of the life course. Perspect Sex Reprod Health.
2010; 42(1):6-7.
17. Strathdee SA, Wechsberg WM, Kerrigan DL, Patterson TL. HIV prevention
among women in low- and middle-income countries: intervening upon
contexts of heightened HIV risk. Annu Rev Public Health. 2013; 34:301-16.
9. Ndugwa RP, Kabiru CW, Cleland J, Beguy D, Egondi T, Zulu EM, et al.
Adolescent problem behavior in nairobi’s informal settlements: applying
problem behavior theory in Sub-Saharan Africa. J Urban Health. 2010;
88(Suppl 2):298-317.
18. Chimoyi LA, Musenge E. Spatial analysis of factors associated with HIV
infection among young people in Uganda, 2011. BMC Public Health.
2014; 14:555.
10. Beguy D, Kabiru CW, Nderu EN, Ngware MW. Inconsistencies in selfreporting of sexual activity among young people in Nairobi, Kenya . J
Adolesc Health. 2009; 45(6):595-601.
11. Hartley M, Tomlinson M, Greco E, Comulada WS, Stewart J, Roux I, et
al. Depressed mood in pregnancy: prevalence and correlates in two
Cape Town peri-urban settlements. Reprod Heatlh. 2011; 8:9.
12.Pettifor AE, Rees HV, Kleinschmidt I, Steffenson AE, MacPhail C,
Hlongwa-Madikizela L, et al. Young people’s sexual health in South
Africa: HIV prevalence and sexual behaviors from a nationally
representative household survey. AIDS. 2005; 19(14):1525-34.
13. Sychareun V, Thomsen S, Chaleunvong K, Faxelid E. Risk perceptions
100
of STIs/HIV and sexual risk behaviours among sexually experienced
adolescents in the Northern part of Lao PDR. BMC Public Health. 2013;
(13):1126.
Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100.
19. Choudhry V, Agardh A, Stafström M, Östergren PO. Patterns of alcohol
consumption and risky sexual behavior: a cross-sectional study among
Ugandan university students. BMC Public Health. 2014; 14:128.
20.Vagenas P, Lama JR, Ludford KT, Gonzales P, Sanchez J, Altice FL.
A systematic review of alcohol use and sexual risk-taking in Latin
America. Rev Panam Salud Publica. 2013; 34(4):267-74.
21. Nowosielski K, Sipiński A, Kuczerawy I, Kozłowska-RupD, SkrzypulecPlinta V. Tattoos, piercing, and sexual behaviors in young adults. J Sex
Med. 2012; 9(9):2307-14.
22. Oliveira MDS, Matos MA, Martins RMB, Teles SA. Tattooing and body
piercing as lifestyle indicator of risk behaviors in Brazilian adolescents.
Eur J Epidemiol. 2006; 21(7):559-60.
Download