Órgão Oficial de Divulgação Científica da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo Acta Paulista de Enfermagem/ Escola Paulista de Enfermagem/ Universidade Federal de São Paulo Endereço: Rua Napoleão de Barros, 754, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04024-002 Acta Paul Enferm. volume 28, fascículo(1), Janeiro/Fevereiro 2015 ISSN 1982-0194 (versão eletrônica) Periodicidade: Bimestral Tel.: +55 11 5576.4430 Ramais 2589/2590 E-mail: [email protected] Home Page: http://www.unifesp.br/acta/ Facebook: facebook.com/ActaPaulEnferm Twitter: @ActaPaulEnferm Tumblr: actapaulenferm.tumblr.com Conselho Editorial Editor-Chefe Sonia Maria Oliveira de Barros Acta Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Editor Técnico Edna Terezinha Rother Acta Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Editores Associados Manuela Frederico-Ferreira, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal Sonía Ramalho, Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde de Leiria, Leiria, Portugal Tracy Heather Herdman, University of Wisconsin, CEO & Executive Director NANDA International, Green Bay-Wisconsin, EUA Comissão Editorial Donna K. Hathaway, The University of Tennessee Health Science Center College of Nursing; Memphis, Tennessee, EUA Dorothy A. Jones, Boston College, Chestnut Hill, MA, EUA Ester Christine Gallegos-Cabriales, Universidad Autónomo de Nuevo León, Monterrey, México Geraldyne Lyte, University of Manchester, Manchester, United Kingdom, EUA Helen M. Castillo, College of Health and Human Development, California State University, Northbridge, California, EUA Jane Brokel, The University of Iowa, Iowa, EUA Joanne McCloskey Dotcherman, The University of Iowa, Iowa, EUA Kay Avant, University of Texas, Austin, Texas, EUA Luz Angelica Muñoz Gonzales, Universidad Nacional Andrés Bello, Santiago, Chile Margaret Lunney, Staten Island University, Staten Island, New York, EUA María Consuelo Castrillón Agudelo, Universidad de Antioquia, Medellín, Colômbia Maria Müller Staub, Institute of Nursing, ZHAW University, Winterthur, Suiça Martha Curley, Children Hospital Boston, Boston, New York, EUA Patricia Marck, University of Alberta Faculty of Nursing, Edmonton Alberta, Canadá Shigemi Kamitsuru, Shigemi Kamitsuru, Kangolabo, Tokyo, Japão Sue Ann P. Moorhead, The University of Iowa, Iowa, EUA Escritório Editorial Bruno Henrique Sena Ferreira Maria Aparecida Nascimento Projeto Gráfico Adriano Aguina Acta Paulista de Enfermagem – (Acta Paul Enferm.), tem por missão divulgar o conhecimento científico gerado no rigor da metodologia, da pesquisa e da ética. O objetivo deste Periódico é publicar resultados de pesquisas originais para o avanço das práticas de enfermagem clínica, cirúrgica, gerencial, ensino, pesquisa e tecnologia da informação e comunicação. Membro da Associação Brasileira de Editores Científicos Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons. No rumo da sustentabilidade e acessibilidade, a Acta Paulista de Enfermagem é publicada exclusivamente na versão digital. I Fontes de Indexação Realização App Acta Paulista de Enfermagem II Editorial Usando Tecnologia da Informação e Mobilização Social para Combater Doenças A ssim como o Ebola, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio, o enterovírus D68 e outras epidemias ameaçam a saúde das nações, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) combinadas com intervenções de mobilização social estão se tornando armas na guerra contra a doença. Nos países onde os profissionais da saúde são escassos, mas a telefonia celular é abundante, é possível “passar a mensagem adiante” para o público em geral através de TIC, mHealth e rede social. A expressão “difusão viral”, um termo geralmente usado para descrever um conteúdo da internet, que se espalhou rápida e amplamente, agora pode e deve ser aplicado à batalha contra as doenças transmissíveis e não-transmissíveis. Além da utilização das TIC para situações de emergência, tecnologias de informação na área da saúde são vitais para o monitoramento, vigilância de doenças e gestão da cadeia de abastecimento, aspectos que também são importantes para a saúde global. Cuidadores de linha de frente e os pacientes que eles atendem podem ter mais a ganhar com a adaptação e adoção das técnicas de TIC na prática. Na falta de serviços de saúde formalizados, as TIC (particularmente, usando abordagens sanitárias volantes com telefones celulares & mídias sociais ou mHealth) podem ser usadas para mobilizar os habitantes para ajudar a prevenir a disseminação, cuidar dos doentes, e ter uma compreensão mais profunda da própria doença. No exemplo de áreas com baixos recursos como a Libéria, Serra Leoa e Guiné, a ferramenta mais poderosa para retardar a disseminação de doenças pode ser este tipo de intervenção baseada em TIC, juntamente com a mobilização social das comunidades. Quando se considera que a população da Libéria, com mais de 4 milhões de pessoas, é atendida por menos de 200 médicos, é óbvio que lá as abordagens ocidentais baseadas em cuidados intensivos para controlar a propagação de doenças são insustentáveis. O uso de intervenções de TIC mostrou ser uma ferramenta vital na luta contra doenças infecciosas, particularmente em áreas onde uma intervenção rápida pode significar a diferença entre a contenção e a disseminação, a vida e a morte. A combinação da ação comunitária com as TIC, particularmente o uso do telefone celular, é uma ferramenta primordial usada principalmente para retardar a disseminação do Ebola na Libéria e Serra Leoa. Nestes dois países, o acesso à Internet para a população geral é inferior a 1.7%. Em Serra Leoa, a guerra civil resultou na devastação do sistema educacional, com um nível de analfabetismo em torno de 50%. No entanto, nos dois países mais de 65% da população possui e usa telefone celular, dependendo muito de rádio para ter informações. Nessas nações do Oeste Africano, após esforços organizados, as pessoas logo começaram a usar essas “avenidas” para disseminar informação vital de prevenção, mobilizar grupos comunitários, e criar um método rudimentar para a comunicação telefônica de casos suspeitos. Aqui, a lição III importante é que as soluções com uso de TIC não devem ser pensadas ou concebidas como sendo de tecnologia extremamente elevada ou intervenções dispendiosas. Em vez disso, o oposto pode ser verdade. É fundamental adequar o mecanismo de entrega de TIC ao contexto e à capacidade de uso. Material escrito sobre controle de infecção é inútil nas mãos de analfabetos. O uso das TIC na saúde tem muitas facetas, desde as metodologias altamente complexas e avançadas, usados para produzir uma “medicina personalizada”, até transmissões de rádio de baixa tecnologia. Ao discutir a medicina personalizada, análises avançadas e metodologias estatísticas complexas estão sendo aplicadas a grandes coleções de dados genômicos, operacionais, populacionais e de mídia social, onde os desafios de tamanho e qualidade dos dados são consideráveis. Entretanto, novas abordagens interessantes estão compensando alguns dos desafios inerentes a grande quantidade de dados. O GOOGLE Tendências da Gripe é um exemplo frequentemente usado, em que as compras dos medicamentos sem prescrição nos bancos de dados de farmácias estão sendo adicionados a registros de atendimentos de emergência, relatórios de faltas em escolas locais, e contagem do número de buscas na internet sobre um tema de saúde específico são combinadas e analisadas quanto aos padrões. Embora esses tipos de análises não sejam conclusivos, as tendências que surgem são frequentemente muito próximas da realidade. Por exemplo, aumento nas vendas de loperamida (Immodium) em farmácias locais, um pico no número de buscas sobre doenças diarreicas na internet, e aumentos significativos no absentismo escolar podem indicar um surto de gastroenterite. Um exemplo aparentemente simples, mas como já foi mostrado no Google Tendências da Gripe, usando esses tipos de abordagem como mecanismo de vigilância das doenças pode superar esforços de vigilância maiores, como aqueles do Centro de Controle de Doenças (CDC). Um outro exemplo de como a mídia social pode ser usada para identificar focos e controlar doenças é a ferramenta HealthMap (http://www.healthmap. org) que usa fontes online informais como sites do governo, redes sociais e informes da imprensa local para mapear potenciais surtos de doenças e monitorar as tendências de saúde pública. Este software foi capaz de detectar o surto de Ebola nove dias antes do seu anúncio pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Modelagem epidemiológica, usada recentemente na África Ocidental para o Ebola, depende do acesso a vários dados e de sua manipulação, e muitos deles estão relacionados com o comportamento humano, técnicas de sepultamento e resposta da comunidade, em vez de resultados de laboratório e dados de estabelecimentos de saúde. Estes exemplos indicam o valor de dados que surgem da vida quotidiana, que por sua vez nos encorajam tanto a pensar mais profundamente sobre as variáveis da saúde da comunidade a direcionar as nossas intervenções para abordá-las. Por exemplo, na Libéria, onde os rituais de sepultamento incluem a “imposição das mãos”, uma grande intervenção foi direcionada para encontrar outras práticas para enterros dignos e culturalmente apropriados, pois o corpo de um doente de Ebola é mais infeccioso por várias horas após a morte. Estudos de modelagem epidemiológica indicaram que as práticas de sepultamento foram um grande impulsionador na disseminação do Ebola. O uso de mensagens de rádio e texto para divulgar IV informações para as famílias não enterrarem seus próprios familiares resultou na formação de grupos de trabalho de alcance comunitário para educar os habitantes e lidar com os cuidados pós-morte. Novamente, as TIC serviram como ferramenta importante na batalha contra o Ebola. Sistemas de informação geográfica (SIG), que são usados para capturar, armazenar, manipular e apresentar informações geográficas, também desempenham um papel importante na vigilância de doenças. GIS tem a capacidade de manipular dados espaciais (como os mapas) e relacioná-los com dados de interesse que existem em outros bancos de dados. Esta funcionalidade faz com que seja possível rastrear surtos e fontes e identificar áreas onde os recursos podem ser encontrados (ou são necessários). Estes exemplos do uso de GIS na resposta do Ebola ilustram a sua utilidade. Os Médicos Sem Fronteiras estimularam uma equipe de GIS na Guiné e começaram a gerar e melhorar os mapas da região, os quais eram muito pobres e imprecisos antes deste esforço. Em parte, isso foi feito usando técnicas de “trabalho coletivo”, em que os habitantes locais se envolveram em desenhar e identificar mapas de suas vizinhanças em um esforço voluntário. Quando os mapas surgiram, eles foram reproduzidos com software de mapeamento formal, resultando em 109 novos mapas com grande detalhe e alta precisão. Estes mapas foram então usados para os esforços de localização e visualização. Os esforços de localização permitiram que funcionários de saúde pública identificassem a localização exata de aldeias e diferenciassem aldeias e cidades com grafia [e/ou] pronúncia semelhantes. Isto permitiu que as equipes de profissionais da saúde e funcionários da saúde pública reagissem mais rapidamente às notificações de suspeita do Ebola e distribuíssem recursos com mais eficácia e eficiência. A capacidade de visualizar relatos de surtos e a localização de equipes e suprimentos em um mapa digital ajudou funcionários a ver os padrões de disseminação de doenças, visualizar o número de novos casos, mortes e sobrevivências, e gerenciar melhor os suprimentos e recursos por localidade (http://bit.ly/1J3iJOI). Definição, valor, propriedade e utilidade das TIC estão indo rapidamente para as mãos daqueles que mais precisam delas. As pessoas estão se tornando mais capacitadas pelo acesso à informação vital que pode salvar a vida de suas famílias e comunidades. Agora as próprias comunidades estão sendo capazes de assumir uma maior liderança de seus destinos pois a informação está fluindo para áreas que não tinham esse acesso no passado. Cuidadores de linha de frente podem usar as TIC para ter uma linha direta com as redes de referência, a educação continuada, e os seus pacientes. Provedores e autoridades de saúde pública podem usar as informações liberadas para melhor planejar e proporcionar respostas rápidas e específicas. É claro que TIC não é uma panaceia. É simplesmente uma ferramenta que pode ajudar de forma notável quando colocada nas mãos de quem cuida. Patricia A. Abbott PhD, RN, FAAN & Sayonara F.F. Barbosa, PhD, RN School of Nursing, University of Michigan, Ann Arbor, MI, USA DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500001 V Sumário Artigos Originais Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: Conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar Malignant and premalignant skin lesions: knowledge, habits and sun protection campaigns Carmen Cabañés Iranzo, José Enrique De La Rubia-Ortí, Sandra Sancho Castillo, Joao Firmino-Canhoto��������������������������������� 1 Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia Interference and characteristics of periorbital edema in pupil examination after craniotomy Maria Laura Iervolino Penteado Siciliano, Solange Diccini���������������������������������������������������������������������������������������������������������� 7 Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica Children and adolescents who are substances users in the psychiatric emergency service Maraiza Mitie de Macedo Martins, Jacqueline de Souza, Aguinaldo Alves da Silva������������������������������������������������������������������� 13 Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose Health professionals’ opinion about services for tuberculosis control Hellen Pollyanna Mantelo Cecilio, Ieda Harumi Higarashi, Sonia Silva Marcon����������������������������������������������������������������������� 19 Diagnósticos de enfermagem em clínica cirúrgica Nursing diagnoses in surgical clinic Elisiane Soares Novaes, Maricy Morbin Torres, Ana Paula Vilcinski Oliva��������������������������������������������������������������������������������� 26 Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal Time spent by the multidisciplinary team in home care: subsidy for the sizing of staff Maria Leopoldina de Castro Villas Bôas, Helena Eri Shimizu���������������������������������������������������������������������������������������������������� 32 Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros Treatment adherence in patients with heart failure receiving nurse-assisted home visits Vanessa Monteiro Mantovani, Karen Brasil Ruschel, Emiliane Nogueira de Souza, Claudia Mussi, Eneida Rejane Rabelo-Silva������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 41 Qualidade de vida e adesão à medicação antirretroviral em pessoas com HIV Quality of life and adherence to antiretroviral medication in people with HIV Marli Teresinha Gimeniz Galvão, Larisse Lima Soares, Samyla Citó Pedrosa, Maria Luciana Teles Fiuza, Larissa de Araújo Lemos������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 48 Prevalência das várias formas de violência entre escolares Prevalence of various forms of violence among school students Iglê Moura Paz Ribeiro, Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro, Riccardo Pratesi, Lenora Gandolfi��������������������������������������������������� 54 Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas pela família em unidade de terapia intensiva Nursing visit and doubts expressed by families in the intensive care unit Bruno Bordin Pelazza, Rosemary Cristina Marques Simoni, Ercilhana Gonçalves Batista Freitas, Beatriz Regina da Silva, Maria Júlia Paes da Silva����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 60 VI Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia Risk factors for surgical site infection in Gislaine Cristhina Bellusse, Julio Cesar Ribeiro, Fabrício Ribeiro de Campos, Vanessa de Brito Poveda, Cristina Maria Galvão�������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 66 Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores Identification of thermal burns as work-related injury in welders Marta Regina Cezar-Vaz, Clarice Alves Bonow, Cynthia Fontella Sant’Anna, Leticia Silveira Cardoso, Marlise Capa Verde de Almeida������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 74 Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes Prevalence of arterial hypertension and risk factors in adolescents Ionara Holanda de Moura, Eduardo Emanuel Sátiro Vieira, Grazielle Roberta Freitas da Silva, Rumão Batista Nunes de Carvalho, Ana Roberta Vilarouca da Silva����������������������������������������������������������������������������������������� 81 Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice Assessment of the attitudes toward aging among children who live with the elderly Nathalia Alves de Oliveira, Bruna Moretti Luchesi, Keika Inouye, Elizabeth Joan Barham, Sofia Cristina Iost Pavarini������������ 87 Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis Prevalence of signs and symptoms and knowledge about sexually transmitted diseases Paulie Marcelly Ribeiro dos Santos Carvalho, Rafael Alves Guimarães, Paula Ávila Moraes, Sheila Araujo Teles, Marcos André de Matos���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 95 VII Artigo Original Lesões cutâneas malignas e prémalignas: conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar Malignant and premalignant skin lesions: knowledge, habits and sun protection campaigns Carmen Cabañés Iranzo1 José Enrique De La Rubia-Ortí2 Sandra Sancho Castillo1 Joao Firmino-Canhoto2 Descritores Educação em enfermagem; Enfermagem oncológica; Estudantes de enfermagem; Melanoma/prevenção & controle; Neoplasias cutâneas/ prevenção & controle Keywords Education, nursing; Oncologic nursing; Students, nursing; Melanoma/ prevention & control; Skin neoplasms/ prevention & control Submetido 10 de Outubro de 2014 Aceito 29 de Outubro de 2014 Resumo Objetivo: determinar a morbilidade de lesões malignas e pré-malignas da pele e o conhecimento da população sobre prevenção solar e hábitos perigosos. Métodos: aplica-se um estudo longitudinal retrospetivo e outro descritivo transversal a uma população de 25.956 habitantes utilizando o programa Abucasis® e realizando 201 inquéritos a doentes do serviço de urgências; posteriormente utiliza-se o programa SPSS 15.0 para Windows. Resultados: em seis anos registaram-se 228 casos de queratose actínica, 26 de melanoma e 32 de neoplasias malignas da pele. Encontramos que 63,7% da população crê que não se realizam suficientes campanhas de prevenção solar, 50,2% desconhece os sinais de alarme do cancro de pele e a medida de proteção mais utilizada é a utilização de filtros solares. Conclusão: A morbilidade de lesões malignas e pré-malignas da pele na população de Manises quadruplicou e o conhecimento acerca da prevenção solar é insuficiente. Abstract Objective: To determine the morbidity of malignant and pre-malignant skin lesions and people’s knowledge about preventing sun exposure and dangerous habits. Methods: A retrospective longitudinal study and one descriptive transversal study were conducted with a population of 25,956 inhabitants using the Abucasis® program, and 201 questionnaires were administered to patients in an emergency department; SPSS 15.0 for Windows program was then used. Results: In six years there were 228 cases of actinic keratosis, 26 melanoma and 32 malignant neoplasms of the skin. It was found that 63.7% of the population believed that sufficient solar prevention campaigns were not performed, 50.2% were unaware of the warning signs of skin cancer, and the most widely used measure used for protection was the use of sunscreens. Conclusion: The morbidity of malignant and premalignant skin lesions in the Manises population quadrupled and the knowledge about preventing sun exposure is insufficient. Autor correspondente José Enrique de la Rubia Ortí Calle General Elio 8, 46010, Valencia, Espanha. [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500002 Universidade Católica de Valência, Valencia, Espanha. Universidade Europeia de Valência, Valencia, Espanha. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6. 1 Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar Introdução O melanoma maligno cutâneo (MMC), descrito no ano 1806 por René Laënnac,(1) é a transformação atípica dos melanócitos da camada basal da epiderme, expandindo-se tanto em direção às camadas mais superficiais como às mais profundas. (2) Nas fases iniciais é curável mas sem tratamento é muito agressivo, podendo produzir metástases linfáticas e hematógenas que causam uma elevada mortalidade.(2) Atualmente são diagnosticados 160.000 casos de melanoma a nível mundial. Devido ao aumento incessante do cancro da pele do tipo melanoma é da maior relevância conhecer tanto os fatores de risco como de proteção frente a esta doença.(3,4) O nevus displásico é o fator de risco mais importante para o melanoma. Os sinais da pele com diâmetro superior a 6 mm, proeminentes, assimétricos, com bordos pouco definidos e pigmentação variável devem ser observados por dermatologistas. Também devemos mencionar a queratose actínica, lesão pré-maligna caracterizada por um crescimento escamosos ou com crosta, em zonas expostas ao sol de forma mais ou menos contínua. Até agora esta lesão era característica de pessoas de idade mais avançada mas começam a aparecer casos entre a população mais jovem.(5) A nova cultura do bronzeado como algo saudável e atrativo pode-se converter no principal freio para a mudança nos hábitos de fotoproteção. O bronzeado artificial é um dos novos hábitos estendidos entre a população mais jovem e um factor de risco estabelecido para o MMC e provavelmente também para o carcinoma de células escamosas e basais.(6) Por tanto, a exposição ao bronzeado artificial numa idade precoce associa-se significativamente a um maior risco de carcinoma de células basais. No entanto, devido a que o seu desenvolvimento se produz num órgão como a pele, com uma grande acessibilidade à exploração e de fácil diagnóstico na maioria dos casos, cada vez se tratam mais melanomas em fases iniciais, sendo a maioria deles curáveis.(6) Manises é um município de 30.508 habitantes com acesso direto a várias praias do Mediterrâneo 2 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6. da Comunidade Valenciana (Espanha) e está situado na província de Valência. Os objetivos do estudo são: determinar a morbilidade de lesões malignas ou lesões que as possam produzir no futuro, na população de Manises desde 2006 até 2012. Determinar se a população de Manises está informada acerca das condutas de prevenção solar e se apresenta adesão a ditas condutas. Determinar os hábitos de exposição e prevenção da população de Manises durante exposições cotidianas e prolongadas ao sol. Determinar os conhecimentos acerca dos riscos de exposição solar na amostra que responde ao questionário. Finalmente, estabelecer a procedência da informação acerca da prevenção solar na população de Manises. A hipótese de partida é que o contínuo aumento do número de casos de cancro de pele está relacionado com os novos hábitos de exposição solar, com conhecimentos deficientes relativos aos riscos de exposição solar e a falta de informação sobre a prevenção solar ou a obtenção da mesma a partir de fontes não apropriadas. Métodos Para atingir os objetivos do estudo foram utilizados dois estudos diferenciais. O estudo 1 é um estudo longitudinal retrospectivo para conhecer a morbilidade das lesões malignas e pré-malignas da pele, na população de Manises. O estudo 2 é um estudo descritivo transversal para conhecer todos os dados relacionados com a prevenção dos habitantes. No estudo 1 foi utilizado o programa informático de atenção primária Abucasis® para obter os dados de indivíduos maiores de 15 anos diagnosticados com melanoma (ICD- International Classification of Diseases- C43), neoplasia maligna da pele (ICDC44) e queratose actínica (ICD- L57), tendo esta população de Manises maior de 15 anos um total de 25.956 habitantes.(7) Para o estudo 2 foram levados a cabo 201 questionários no serviço de urgências do Centro de Saúde de Manises, no intervalo de tempo compreendido entre Janeiro e Abril de 2013. Para o estudo 1 foram definidos como critérios de inclusão a idade (ter 15 ou mais anos), pertencer ao município de Manises, estar diagnosticado com me- Iranzo CC, De La Rubia-Ortí JE, Castillo SS, Firmino-Canhoto J lanoma (ICD- C43), neoplasia da pele (ICD- C44) e/ou queratose actínica (ICD- L57); como critérios de exclusão, não cumprir com algum dos anteriormente mencionados. Para o estudo 2 estabeleceramse como critérios de inclusão ter entre 20 e 50 anos de idade, ser residente em Manises e conhecedor do idioma espanhol; como critério de exclusão, não cumprir com algum dos anteriormente citados. A análise estatística foi realizada com o programa SPSS® 15.0 para Windows®. Foram obtidas frequência e tabelas de contingência. Foram criadas novas variáveis (fenótipo, grau de proteção...) a partir das variáveis estabelecidas nos inquéritos. A análise dos dados foi realizada mediante um teste de Qui-quadrado, considerando um p menor de 0,05 significativo. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Resultados estudo 1 De 2006 a 2012 foram registados 228 casos de queratose actínica, 26 de melanoma e 32 neoplasias malignas da pele. A análise independente revela que a queratose actínica ocorre principalmente entre os 51 e 80 anos com predomínio feminino em todas as idades, e apareceram casos isolados em ambos os sexos dentro da população mais jovem. No melanoma a maior incidência é entre os 21 e os 70 anos, com um pico entre os grupos de idade de 21 a 30 e de 51 a 60 anos. Da mesma forma que na queratose actínica, a proporção de mulheres é maior na quase totalidade de todos os grupos de idade, com exceção dos grupos 31-40 e 81-90 anos. Por último, a lesão maligna da pele é a de aparição mais tardia: os primeiros casos aparecem a partir dos 30 anos e a sua máxima incidência situa-se entre os 61 e 80 anos. Em idades mais precoces é claramente feminina, facto que se inverte em idades superiores a 71 anos. Resultados estudo 2 Descrição das características sociodemográficas e físicas da amostra A idade dos participantes oscilava entre 20 e 50 anos, sendo a idade média de 35 anos. As mulheres compõem 69,2% (139 participantes) da amostra. Cabelos ruivos ou louros constituem 10% da amostra, castanho claro 44,3% e castanho escuro ou negro 45,7%. Os olhos escuros aparecem em 72,1% da amostra e 22,9% tinham olhos claros. Relativamente ao nível de estudos, 30,34% possuíam o graduado escolar (escolaridade obrigatória), 20,39% estudos universitários, 20,39% formação profissional, 7,46% ensino secundário completo, 3,48% educação primária e 17,94% não indicou o seu nível de estudos. Hábitos de exposição e prevenção na população de Manises durante exposições quotidianas e prolongadas ao sol Dos participantes 54,7% passam a maior parte do seu tempo num espaço fechado e coberto, 34,8% considera que passam metade do tempo sob um tecto e a outra metade ao sol, enquanto 3% passam a maior parte do tempo ao sol. Finalmente, 64,2% passam pouco tempo de ócio sob o sol. Por outro lado, 66,2% consideram que no passado não estiveram expostos ao sol de forma prolongada. Relativamente à proteção solar, foram agrupados em baixa proteção aqueles que só usavam um tipo de protetor e que correspondem a 16,4%, em média proteção os que utilizavam dois protetores correspondendo a 16,9% e em alta proteção os que marcavam 3 ou mais opções, os quais representam 54,2%; finalmente 10,4% indicou que não utiliza nenhum tipo de proteção. Um fator de proteção SPF para o corpo entre 25 e 50 era usado por 95 indivíduos, menor de 25 por 46 indivíduos e maior de 50 por 29 indivíduos. Enquanto 87 usavam um SPF para a face entre 25 e 50, 43 usavam um maior de 50 e 32 um menor de 25. Para além disso, 14,4% fazia uma aplicação a cada hora, 30,8% a cada duas ou três horas, 8% a cada quatro ou cinco horas, 23,4% quando se lembrava e 14,9% só uma vez. Outro dos hábitos estudados foi a utilização de cabinas solares e só 24,4% as utilizava. Dos 62 indivíduos que compõem o grupo entre 20 e 30 anos, 17 utilizavam cabinas solares. Entre os 31 e 40 anos (total de 60 pessoas), 17 também utilizavam cabinas Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6. 3 Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar to estatisticamente significativo ao ser relacionado com informação insuficiente acerca do cancro de pele (p<0,001). Acresce que 66,2% acredita que não tem informação suficiente acerca do cancro de pele e existem relações positivas ao referir-se aos sinais de alarme do cancro de pele (p=0,006). Relativamente à informação acerca da prevenção solar, esta procede principalmente dos meios de comunicação (59,2%) e constataram-se associações significativas com a exposição solar no passado (p<0,02), e estar moreno é sinónimo de estar saudável (p=0,006). Ao relacionar os hábitos com os riscos de exposição solar, obtivemos que dos 150 indivíduos que consideraram como uma medida importante evitar a exposição solar entre as 12h e as 17h, 34 dos questionados expunham-se entre as 10h e as 12h, 69 entre as 12h e as 16h, 16 entre as 16h e as 18h, 14 depois das 18h, outros 14 selecionaram 2 opções e 3 indicaram mais de 3 opções. Por outro lado, a tabela 3 ao relacionar a importância que os questionados davam à aplicação de creme protetor com a frequência com que o fazem. Ao perguntar se era normal queimar-se no primeiro dia de praia, 60 responderam que sim (dos quais 47 pensam que não é normal que aconteça, 10 solares. E das 74 pessoas de 41 a 50 anos, somente 15 utilizavam este tipo de cabinas. Conhecimentos sobre riscos e consequências da exposição solar na amostra questionada Na tabela 1 mostra-se a opinião acerca dos efeitos de uma exposição solar prolongada ou intensa. Na tabela 2 os resultados acerca da importância para os questionados dos métodos de proteção a exposição ao sol. A pergunta “conhece os sinais de alarme do cancro de pele?” apresentou resultados bastante equitativos: 48,8% eram conhecedores, comparados a 50,2%. Ainda assim, 81,6% não recorre ao dermatologista para prevenir ou evitar o cancro de pele. E por último, foi perguntado qual o risco de sofrer cancro de pele: 29,9% e 26,9% consideram ter um risco baixo e um risco médio respetivamente. Informação da população de Manises acerca das condutas de prevenção solar e adesão a estas condutas As campanhas de prevenção solar foram consideradas insuficientes por 128 indivíduos (63,7%), facTabela 1. Efeitos de uma exposição solar prolongada ou intensa Variáveis Sim (%) Bastante (%) NS/NR (%) p-value O sol pode provocar queimaduras 88,6 O sol provoca envelhecimento prematuro 83,6 0,5 3 < 0,001 1 3,5 < 0,001 O sol pode provocar cancro de pele 87,6 6 8 7,5 1,5 1,5 3,5 < 0,001 15,4 65,2 4 Quando está nublado o sol é perigoso 49,8 24,9 < 0,001 11,4 8,5 5,5 Sou mais consciente dos perigos que há uns anos 74,6 < 0,001 14,4 6,5 1,5 3 O sol é mais perigoso na praia ou na montanha < 0,001 30,8 13,9 10,9 38,8 5,5 < 0,001 Sessões UVA preparam a pele para a praia 7,5 7 19,4 60,7 5,5 < 0,001 É normal queimar-se no primeiro dia de praia 22,4 4 7 61,7 5 < 0,001 Ir ao médico por alterações num sinal 81,6 5,5 3,5 5,0 4,5 < 0,001 Bastante (%) Pouco (%) Nada (%) NS/NR (%) Estar moreno é sinónimo de estar saudável Pouco (%) Não (%) 7,0 1 9,5 2,5 Tabela 2. Importância do métodos de proteção solar Variáveis 4 Muita (%) Evitar a exposição solar entre as 12-17h 75,6 14,4 5,5 2 2,5 Aplicar creme protetor com um fator solar alto 59,2 30,8 3 2 5 Aplicar creme protetor com frequência (cada 2h) 46,8 35,8 8 3,5 6 Permanecer à sombra 41,3 35,8 10,9 5 7 Usar óculos de sol 36,8 33,3 17,4 6 6,5 Tapar a cabeça 41,3 31,8 14,4 5,5 7 Usar roupa que transpire 34,3 30,8 18,9 6,5 9,5 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6. Iranzo CC, De La Rubia-Ortí JE, Castillo SS, Firmino-Canhoto J Tabela 3. Relação entre frequência e importância da aplicação de fotoprotetor Com que frequência aplica o fotoprotetor? Importância aplicar creme protetor frequentemente Muita Bastante Pouca Nada Total A cada hora 16 11 1 0 28 2-3h 39 18 4 0 61 4-5h 6 8 2 0 16 Quando me lembro 19 20 3 0 42 Só uma vez 11 8 4 5 28 Total 91 65 14 5 175 que é pouco e 3 que é bastante normal), 84 responderam que não (dos quais 75 pensam que não é normal, 4 que é pouco normal e 5 que é bastante normal). Os resultados obtidos ao relacionar as variáveis: “utilizar cabinas solares” e “as sessões de UVA preparam a pele para a praia”, 140 responderam que não usavam cabinas solares e 103 consideraram que as sessões de raios UVA não preparavam a pele para a praia. Por fim, relativamente à pergunta se o sol pode provocar cancro de pele e qual o risco de sofrer cancro de pele, pudemos observar que dos 174 questionados que consideravam que podia provocar cancro de pele, 55 achavam que tinham um risco baixo, 49 médio, 26 alto, 26 muito baixo e 16 muito alto. Discussão Algumas limitações foram encontradas devido ao tamanho da amostra, de modo que estes resultados deveriam ser reproduzidos numa população maior e em diferentes países para que sejam mais significativos. Os resultados que se obtiveram contribuem ao conhecimento da percentagem real de melanoma, ou de lesões que podem terminar em melanoma numa população concreta, relacionando estes dados com o conhecimento que se tem relativamente às medidas de prevenção para evitá -lo, em concreto com a exposição solar que é o maior fator de risco. Este estudo também serve para conhecer as fontes de informação que utiliza a população. Toda esta informação é útil para que a nível de enfermagem os profissionais de esta área orientem as campanhas de prevenção de modo a cobrir as deficiências dos habitantes da maneira mais eficaz, diminuindo a prevalência de esta grave doença. Neste sentido, cerca de 50% dos questionados considerou ter um risco baixo ou medo de sofrer cancro de pele. No entanto, as patologias relacionadas com o cancro de pele estão a sofrer importantes aumentos, disparando os sinais de alarme no seio da comunidade científica (OMS, skincancer.org, Asociación Española Contra el Cáncer, etc.). A população de Manises segue esta mesma tendência uma vez que a queratose actínica multiplicou-se por 9 no período de 2006 a 2012, as neoplasias malignas da pele aumentaram numa proporção de 8 relativamente a 2006 e o melanoma sofreu um aumento de 400%. Todas estas doenças estão a aparecer em idades cada vez mais jovens. Relativamente à exposição solar, metade dos questionados expõe-se durante as horas mais centrais do dia, das 12 às 16 horas. Mesmo assim, os 46% que consideraram esta medida de prevenção como importante continuam a ir à praia durante esta hora do dia, ao contrário de outros estudos. Os fotoprotetores são a conduta preventiva mais popular e mais bem considerada.(8) Relativamente às cabinas e ao contrário da nossa amostra (onde somente 24% as utilizava), outros trabalhos afirmam o contrario.(9) No entanto, houve indivíduos que consideraram que as sessoes de raios UVA preparavam a pele para a praia e mais de metade respondeu que nunca tinha sofrido queimaduras solares, apesar de cerca de 25% acharem normal queimar-se no primeiro dia de praia e 15,5% considerarem que estar moreno é sinônimo de estar saudável. Não deixa de ser interessante o facto de haver gente que não sabe o que fazer quando observa alterações num sinal e Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6. 5 Lesões cutâneas malignas e pré-malignas: conhecimentos, hábitos e campanhas de prevenção solar 19,9% pensa que quando está nublado o sol não é perigoso ou é pouco perigoso. Por outro lado, 63,7% consideram que não se realizam suficientes campanhas de prevenção solar e a informação que recebem procede principalmente dos meios de comunicação. Existem estudos acerca do impacto de programas de foto-educação em populações escolares que concluíram que a população infantil é a mais indicada para receber educação em fotoproteção, uma vez que diminuem o risco de apresentar melanoma na idade adulta.(10) dos dados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. De La Rubia-Ortí JE contribuiu com a análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Castillo SS e Firmino-Canhoto J contribuíram com a redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Conclusão 1. Lavanderos J, Pérez JA, Jeria S, Concha D. Actualizaciones en melanoma maligno cutáneo. Cuad Cir. 2010; 24(10):47-56. Há um aumento evidente e generalizado de lesões da pele relacionadas com a exposição solar no nosso trabalho, sobretudo a queratose actínica e as lesões malignas da pele. Devemos acrescentar que todas elas se começam a diagnosticar em idades cada vez mais precoces. Ainda que não exista adesão a todas as recomendações de prevenção solar, a maioria da população protege-se durante as suas exposições quotidianas e prolongadas ao sol. Quase metade utiliza um SPF entre 25 e 50, com uma frequência de aplicação de cada duas ou três horas. Relativamente aos hábitos, evitar a exposição solar durante as horas centrais do dia, permanecer à sombra e aplicar um SPF alto e com frequência são medidas de grande aceitação. A população é mais consciente agora (que há uns anos) dos riscos de uma exposição solar inadequada. No entanto, acredita não ter informação suficiente acerca do cancro de pele, especialmente acerca da sua deteção precoce. Demonstrou-se a necessidade de realizar campanhas de prevenção solar, uma vez que a informação que a população possui não procede de entidades públicas ou sanitárias. Colaborações Iranzo CC contribuiu com a conceção do projeto e execução da pesquisa, análise e interpretação 6 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):1-6. Referências 2. Enrique Acosta A, Fierro E, Eugenia Velásquez V, Rueda X. Melanoma: patogénesis, clínica e histopatología. Rev Asoc Col Dermatol. 2009; 17 (2):87-108. 3. Melanoma [Internet]. Madrid: Sociedad Española de Oncología Médica; Enero; 2013. De Martínez Jáñez M. Epidemiología del melanoma. [acesso 2013 Feb 2]. Disponible en: http://www. seom.org/es/informacion-sobre-el-cancer/info-tipos-cancer/ melanoma?start=2. 4. Cáncer de tipo melanoma [Internet]. Estados Unidos: American Cancer Society; Enero; 2013. Factores de riesgo del melanoma. [acesso 2013 Feb 2] . Disponible en: http://www.cancer.org/espanol/ cancer/cancerdepieltipomelanoma/guiadetallada/cancer-de-piel-tipomelanoma-causes-risk-factors. 5. Queratosis actínica [Internet]. Estados Unidos: Skin Cancer Foundation; 2013. ¿Qué es la queratosis actínica? [acesso 2013 Feb 2]. Disponible en: http://www.skincancer.org/skin-cancer-information/actinic-keratosis/howto-prevent-actinic-keratosis 6. Wehner MR, ML Shive, MM Chren, J Han, AA Qureshi, Linos E. El bronceado artificial y no-melanoma cáncer de piel: revisión sistemática y meta-análisis. BMJ. 2012; 345:e5909. 7. Foro-ciudad [Internet]. Valencia: Foro-ciudad; abril 2013. Manises – Pirámide de población – Padrón; 2012. [acesso 2013 Feb 2]. Disponible en: http://www.foro-ciudad.com/valencia/manises/mensaje-11208158. html. 8. Gambichler T, Dissel M, Altmeyer P, Rotterdam S. Evaluation of sun awareness with an emphasis on ultraviolet protection by clothing: A survey of adults in WesternGermany. J Eur Acad Dermatol Venerol. 2010; 24(2):155-62. 9. Llamas-Velasco M, García-Díez A. El cambio climático y la piel: diagnóstico y retos terapéuticos. Actas Dermosifiliogr. 2010; 101 (5):401-10. 10. Guzmán MC, Torres V, Reyes L, Rojas R, Mosquera H. Conocimientos de la comunidad de un municipio de Santander sobre riesgo y cáncer de piel. Rev Asoc Colomb Dermatol. 2011; 19:20-5. Artigo Original Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia Interference and characteristics of periorbital edema in pupil examination after craniotomy Analuiza Candido Torres1 Maria Laura Iervolino Penteado Siciliano2 Solange Diccini1 Descritores Craniotomia/efeitos adversos; Edema/ etiologia; Exame neurológico; Pupila; Avaliação em enfermagem Keywords Craniotomy/adverse effects; Edema/ etiology; Neurologic examination; Pupil; Nursing assessment Submetido 14 de Outubro de 2014 Aceito 3 de Novembro de 2014 Autor correspondente Solange Diccini Rua Napoleão de Barros, 754, São Paulo SP, Brasil. CEP: 04024-002 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500003 Resumo Objetivo: Avaliar a interferência e características do edema periorbital no exame pupilar, em pacientes submetidos a craniotomia por via anterior. Métodos: Estudo de coorte prospectivo realizado em pacientes no pós-operatório na unidade de terapia intensiva e internação de neurocirurgia. A interferência e características do edema periorbital no exame pupilar foram avaliados da admissão do paciente até sétimo dia de pós-operatório. O exame pupilar foi realizado por enfermeiros. Resultados: Foram avaliados 100 pacientes e a incidência de edema periorbital foi de 80%. O enfermeiro não realizou o exame pupilar em 24 (30%) pacientes. As características que influenciaram na realização do exame pupilar foram coloração arroxeada e intenso edema periorbital. Conclusão: O edema periorbital estava presente na maioria dos pacientes no pós-operatório de craniotomia e o exame pupilar não foi realizado em 30% dos pacientes. A presença de intenso edema periorbital e de coloração arroxeada foram características que prejudicaram o exame pupilar. Abstract Objective: To assess the interference and the characteristics of periorbital edema in pupil examination with patients who underwent anterior craniotomy. Methods: Prospective cohort study conducted postoperatively in an intensive care unit and neurosurgery ward. Interference and characteristics of periorbital edema in pupil examination were assessed between patients’ admission and the seventh day of the postoperative period. Pupil examination was performed by nurses. Results: One hundred patients were examined and the incidence of periorbital edema was 80%. Pupil examination was not performed by a nurse in 24 patients (30%). The characteristics that influenced the performance of pupil examination were purplish coloration and severe periorbital edema. Conclusion: Periorbital edema was found in most postoperative craniotomy patients and pupil examination was not performed in 30% of them. The presence of severe periorbital edema and purplish coloration were the factors that hampered pupil examination. Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Hospital São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12. 7 Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia Introdução O couro cabeludo é uma estrutura vascularizada que reveste o crânio e é formado por cinco camadas, pele, tecido subcutâneo, gálea aponeurótica, tecido areolar frouxo e pericrânio. Durante a craniotomia ocorre o descolamento do pericrânio, com ruptura das veias emissárias que atravessam o tecido areolar frouxo. Após a sutura do couro cabeludo, sob a gálea aponeurótica, ocorre acúmulo de líquido, formando a coleção subgaleal. Nas craniotomias anteriores, a coleção subgaleal pode ser intensa devido a secção das veias de drenagem da região frontal. Na presença da coleção subgaleal o paciente pode evoluir com dor, edema periorbital com ou sem hematoma em um ou ambos os olhos, equimose facial e referir dificuldade na visão.(1) A incidência da coleção subgaleal pode variar de 7% a 33% e do edema periorbital de 2,8% a 100%.(2,3) Durante o pós-operatório imediato de craniotomia, o paciente pode apresentar complicações neurocirúrgicas, como hematomas no leito cirúrgico e edema cerebral devido ao trauma cirúrgico. Estas situações causam o aumento da pressão intracraniana, com alterações no nível de consciência, no diâmetro e na fotorreação das pupilas. O enfermeiro realiza o exame neurológico com a finalidade de detectar alterações que possam colocar em risco de vida o paciente no pós-operatório de craniotomias. Apesar da importância da avaliação pupilar, este parâmetro pode estar prejudicado no paciente que apresenta edema periorbital. O objetivo desse estudo foi avaliar a interferência e as características do edema periorbital no exame pupilar, em pacientes submetidos a craniotomia por via anterior. Métodos Estudo de coorte prospectivo realizado nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e de Internação da Neurocirurgia (UI) do Hospital São Paulo, hospital universitário da Universidade Federal de São Paulo, na cidade de São Paulo, Brasil. 8 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12. Os critérios de inclusão foram: paciente com idade igual ou superior a 18 anos e submetidos à craniotomia eletiva por via anterior. Critérios de exclusão: pacientes com lesão do nervo oculomotor prévia à cirurgia, pupilas anisocóricas e/ou discóricas, tumor de órbita e/ou exoftalmia, craniotomia prévia, procedimento cirúrgicos como trepanação, biópsia estereotáxica e cirurgia por via transfenoidal e pacientes com dreno subgaleal ou com fístula liquórica no pós-operatório. No pré-operatório foram coletadas as variáveis: sexo, idade e diagnóstico médico. No intra-operatório foram coletadas as variáveis: tipo de incisão cirúrgica no couro cabeludo, tempo anestésico (em horas) e tempo cirúrgico (em horas). No pós-operatório foram coletadas as variáveis: coleção subgaleal (presente ou ausente); edema periorbital (presente ou ausente); pálpebra acometida (bilateral ou unilateral); coloração do edema periorbital (ausente, transparente, róseo, avermelhado ou arroxeado); intensidade do edema periorbital (ausente, leve, moderada ou intensa) e exame pupilar (realizado ou não realizado). As variáveis do pré-operatório foram coletadas durante a admissão hospitalar. As variáveis do intra-operatório foram coletadas do prontuário do paciente após admissão na UTI e as variáveis do pós -operatório foram coletadas na UTI e na unidade de internação. A presença da coleção subgaleal foi avaliada uma vez ao dia, durante a realização do curativo da incisão cirúrgica, do 1º ao 7º dia de pós -operatório. A coloração do edema periorbital foi classificada em transparente, quando o conteúdo era aquoso; róseo quando era serohemático, avermelhado quando a coloração era do tipo sangue vivo e arroxeado quando a coloração era arroxeada. A intensidade do edema foi avaliada em ausente, leve quando o edema da pálpebra não cobria a borda da íris, moderada quando ultrapassava a borda da íris e intensa quando o edema periorbital mantinha a pálpebra fechada. (4) O edema periorbital, a pálpebra acometida, a intensidade e a coloração do edema palpebral foram avaliados desde a admissão do paciente na UTI até o 3º dia de pós-operatório a cada 12 Torres AC, Siciliano ML, Diccini S horas (0, 12, 24, 36, 48 60 e 72 horas) e do 3º ao 7º dia de pós-operatório a cada 24 horas (96, 120, 144, 168, 192 horas). O exame pupilar foi considerado realizado pelo enfermeiro quando o mesmo conseguia abrir a pálpebra, na presença ou na ausência do edema periorbital, e conseguia avaliar o diâmetro e a fotorreação das pupilas. Nas situações em que a enfermeiro abria parcialmente as pálpebras, mas não conseguia avaliar o diâmetro e a fotorreação das pupilas ou quando não conseguia abrir as pálpebras, o exame pupilar foi considerado não realizado pelo enfermeiro. O cálculo do tamanho da amostra foi baseado em uma amostra piloto composta por 39 pacientes, onde foi verificada a incidência de edema periorbital nas primeiras 24 horas do pós-operatório de craniotomia anterior. A incidência de edema periorbital no pós-operatório foi de 79,5%. Considerando esse valor como a incidência de edema periorbital, verificou-se que uma amostra de 100 pacientes produziria uma estimativa que se afastaria deste valor por no máximo 8%, com 95% de intervalo de confiança. Esse tamanho de amostra foi suficiente para estimar uma incidência de edema periorbital entre 71,5% a 87,5%, com um intervalo de confiança de 95%. A análise estatística foi realizada com o programa SPSS®, versão 14.0. As variáveis qualitativas foram descritas como número (n) e porcentagem (%). As quantitativas foram expressas por meio de medidas de posição: mediana e pelos valores mínimos e máximos. A incidência de edema periorbital foi calculada nas 192 horas de pós-operatório e seu respectivo intervalo de confiança de 95%. Foram utilizadas técnicas de análise de sobrevivência por meio do método de Kaplan-Meier para estimar a probabilidade de um paciente não apresentar edema periorbital por um período de tempo. Para verificar a associação entre o exame pupilar e os dados clínicos demográficos foi utilizado o teste QuiQuadrado. Nos casos em que pelo menos um dos valores foi menor do que cinco, utilizou-se o teste Exato de Fisher. A comparação entre as medianas foi realizada através do teste de Mann-Whitney. Foi considerado estatisticamente significante um valor p < 0,05. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Dos 100 pacientes submetidos à craniotomia por via anterior 61% eram do sexo feminino, com idade mediana de 45,5 anos, com variação de 18 a 82 anos. Quanto ao diagnóstico médico, 55% dos pacientes tinham tumor intracraniano, 28% epilepsia, 14% aneurisma intracraniano e 3% malformação arteriovenosa. No intra-operatório o tipo de incisão cirúrgica realizada no couro cabeludo foi a frontotemporal (46%), temporoparietal (11%), frontopariental (10%), frontotemporoparietal (9%), frontal (8%), parietal (8%), temporal (3%), hemicoronal e ¾ de hemicoronal (2%) e bicoronal (1%). A mediana do tempo anestésico foi de 7 horas, variando de 3,5 a 15,2 horas, enquanto que a mediana do tempo cirúrgico foi de 5,4 horas, variando de 2,2 a 13,8 horas. Durante o pós-operatório a incidência de edema periorbital nos pacientes submetidos à craniotomia anterior foi de 80%. O pico do edema periorbital ocorreu nas primeiras 12 horas de pós-operatório. Os intervalos de 24 horas e 36 horas de pós-operatório foram os momentos em que o maior número de pacientes apresentou edema periorbital. A partir de 48 horas de pós-operatório não ocorreram novos casos de pacientes com edema periorbital. O tempo mediano para a resolução do edema periorbital foi de 120 horas. A figura 1 apresenta a distribuição dos pacientes de acordo com o aparecimento do edema periorbital no pós-operatório de craniotomia anterior. Dos 80 pacientes que apresentaram edema periorbital no pós-operatório, o enfermeiro não realizou o exame pupilar em 24 (30%) pacientes. Não houve associação entre as variáveis: idade (p=0,24), sexo (p=0,39), diagnóstico médico (p=0,46), tipo de incisão cirúrgica (p=0,99), tempo cirúrgico (p=0,80) e tempo anestésico (p=0,99) e a realização ou a não realização do exame pupilar pelo enfermeiro. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12. 9 Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia 100 90 80 Paciente 70 60 50 40 30 20 Edema periorbital 10 Ausente Presente 0 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 132 144 156 168 180 192 Tempo de pós-operatório (horas) Figura 1. Presença ou ausência de edema periorbital nos pacientes no pós-operatório de craniotomia anterior A figura 2 apresenta a probabilidade do enfermeiro de não realizar o exame pupilar nos pacientes que apresentaram edema periorbital no pós-operatório de craniotomia anterior. 1,0 Na admissão do paciente na UTI, o risco de não realizar o exame pupilar foi estimado em 1,3%; nas primeiras 12 horas de pós-operatório foi de 8,7%; nas 24 horas de pós-operatório foi de 20% e nas 36 horas de pós-operatório foi de 30%. Após 60 horas de pós-operatório foi possível realizar o exame pupilar em todos pacientes mesmo com a presença do edema periorbital. A coloração do edema periorbital transparente predominou inicialmente da admissão da UTI (tempo 0) até 12 horas de pós-operatório acometendo 82,2% e 63,5% dos pacientes, respectivamente. Já o edema periorbital de coloração arroxeada foi observado da admissão na UTI e predominou no tempo 24 e 36 horas de pós-operatório com 38,9% e 35% dos pacientes, respectivamente. O edema periorbital intenso predominou nos tempos de 24 horas, 36 horas e 48 horas de pós-operatório. A tabela 1 apresenta a análise das variáveis relacionadas ao edema periorbital como coleção subgaleal, pálpebra acometida, coloração e intensidade do edema periorbital em relação ao exame pupilar realizado ou não realizado pelo enfermeiro em pacientes submetidos a craniotomia anterior. Em relação a coloração do edema periorbital, houve maior proporção de pacientes com edema periorbital de coloração arroxeada, entre aqueles Tabela 1. Variáveis relacionadas ao edema periorbital em que o exame pupilar foi realizado ou não realizado pelo enfermeiro nos pacientes no pós-operatório de craniotomia anterior 0,9 0,8 Exame pupilar 70% 0,7 Edema periorbital Não realizado n(%) Presente 20(35,7) 8(33,3) Ausente 36(64,3) 16(66,7) Unilateral 20(35,7) 7(29,2) Bilateral 36(64,3) 17(70,8) Transparente 19(33,9) - Róseo 9(16,1) 6(25,0) Avermelhada 5(8,9) 2(8,3) 23(41,1) 16(66,7) Coleção sugaleal 0,6 Probabilidade Realizado n(%) 0,5 0,3 0,1 0,0 Arroxeada 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 132 144 156 168 180 192 Figura 2. Curva de Kaplan-Meier em relação a probabilidade do enfermeiro não realizar o exame pupilar nos pacientes com edema periorbital no pós-operatório de craniotomia anterior Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12. Leve * * 0,002** Intensidade Tempo de avaliação pupilar em horas * 0,57 Coloração 0,2 10 0,84 Pálpebra acometida 0,4 p-value <0,001** 6(10,7) - Moderada 33(58,9) - Intensa 7(30,4) 24(100,0) Teste de Qui-Quadrado; **Teste Exato de Fisher Torres AC, Siciliano ML, Diccini S em que não foi possível realizar o exame pupilar. Todos os pacientes em que o enfermeiro não realizou o exame pupilar apresentaram edema periorbital intenso. Discussão As limitações dos resultados deste estudo estão relacionadas a ausência de comparação entre grupos de pacientes com edema periorbital, conscientes e com alterações no nível de consciência, em relação ao exame pupilar. Por outro lado, o método utilizado permitiu um perfil de evolução do edema periorbital e a sua interferência no exame pupilar durante o pós-operatório. Os pacientes submetidos a abordagens neurocirúrgicas podem apresentar complicações neurológicas e sistêmicas no pós-operatório. As complicações mais temidas após craniotomia são formação de hematoma intracraniano no leito cirúrgico e edema cerebral devido ao trauma cirúrgico, com consequente aumento da pressão intracraniana.(5-10) A realização do exame neurológico a beira-leito constitui uma das avaliações para a detecção precoce da hipertensão intracraniana. A coleção subgaleal é uma complicação da técnica cirúrgica, porém tem implicação no pós-operatório, devido à formação do edema periorbital. Este por sua vez, pode dificultar a realização do exame pupilar, durante o exame neurológico. Nas primeiras horas de pós-operatório de craniotomia, o paciente pode estar sob efeito da anestesia ou de sedação, não sendo possível avaliar a consciência ou aplicar a Escala de Coma de Glasgow.(11,12) Nesta situação, a avaliação pupilar torna-se parâmetro importante do exame neurológico. Mesmo com o avanço das técnicas neurocirúrgicas persistem os problemas da formação da coleção subgaleal e do edema periorbital, que podem trazer consequências graves ao paciente. A coleção subgaleal pode causar dor, dificultar a aderência do couro cabeludo ao plano osteomuscular e a cicatrização da incisão cirúrgica. Caso a coleção subgaleal seja infectada, o paciente pode evoluir com infecção e deiscência da ferida cirúrgica, osteomielite e meningite. O neurocirurgião pode colocar um dreno de sucção no espaço subgaleal para prevenir a formação da coleção subgaleal. Porém, este procedimento apresenta risco de complicações infecciosas e aumento no custo cirúrgico. Por sua vez, o edema palpebral prejudica a visão do paciente, causa dor,(1) prejudica a higiene ocular e às vezes, provoca sua agitação. A dificuldade na literatura foi encontrar estudos que avaliassem a formação do edema periorbital em craniotomias anteriores e sua interferência no exame pupilar. Em geral, o edema periorbital não é considerado uma complicação pós-operatória, quando ocorre a sua diminuição entre três a cinco dias da cirurgia.(2) A variação da incidência de edema periorbital em craniotomias anteriores é ampla, de 2,8% a 100%.(2,3) Do total de pacientes avaliados 80% desenvolveram edema periorbital, desde a admissão na UTI até 36 horas de pós-operatório. A partir de 48 horas de pós-operatório não foram avaliados novos pacientes com edema periorbital. Resultados estes são inéditos na literatura, em relação a evolução da formação do edema periorbital. Em 30% dos pacientes com edema periorbital, não foi realizado o exame pupilar. Desde a admissão até as primeiras 24 horas de pós-operatório, a probabilidade do enfermeiro não realizar o exame pupilar variou de 1,3% a 20% dos pacientes. Estudo realizado no pós-operatório de craniotomia eletiva avaliou que 1% dos pacientes permaneceram inconscientes nas primeiras 24 horas de pós-operatório.(12) Na prática clínica, a perda dos parâmetros de avaliação da consciência e do exame pupilar ao mesmo tempo, determinam uma dificuldade na avaliação neurológica do paciente a beira-leito durante o pós-operatório.(13) Cerca de 2% dos pacientes submetidos a craniotomia eletiva podem desenvolver hematomas intracranianos, com necessidade de uma nova abordagem cirúrgica. É importante ressaltar que a maioria dos hematomas surge com menos de seis horas de pós-operatório, com rápida e progressiva deterioração neurológica do paciente.(7,14-16) Neste período do pós-operatório, os pacientes podem estar sob efeito residual da anestesia, o que prejudica a avaliação da consciência. Na presença de intenso edema Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12. 11 Interferência e características do edema periorbital no exame pupilar após craniotomia periorbital, o exame pupilar fica impossível de ser realizado. A solicitação de uma tomografia computadorizada de crânio pode ser postergada, devido à ausência de alterações neurológicas, o que pode contribuir com o aumento da morbidade e mortalidade destes pacientes. Medidas preventivas como curativo do tipo compressivo cefálico e crioterapia poderiam diminuir a formação da coleção subgaleal e do edema periorbital, respectivamente. Porém, não foram encontrados estudos clínicos na literatura sobre curativo cefálico, coleção subgaleal e edema periorbital. Talvez pela razão, que a compressão excessiva do curativo sobre a pele da região frontal ou do couro cabeludo, seria um fator de risco para o desenvolvimento de úlceras por pressão. Estudo clínico realizado em pacientes no pós -operatório de craniotomia avaliou o efeito da crioterapia sobre a dor da ferida operatória, o edema palpebral e a equimose facial. Foram avaliados 97 pacientes, sendo que 48 pacientes foram submetidos a crioterapia e 49 pacientes foram do grupo controle. A crioterapia foi iniciada após 3 horas de pós-operatório durante 20 minutos até o 3º dia de pós-operatório. A crioterapia diminuiu a intensidade da dor, do edema periorbital e da equimose facial ao longo do tempo. Porém, neste estudo não foi feita nenhuma correlação entre a diminuição do edema palpebral pela crioterapia e a realização do exame pupilar. Conclusão 12 Diccini S cooperou com concepção do projeto, execução da pesquisa, analise e interpretação dos dados e redação do artigo. Referências 1. Shin YS, Lim NYL, Sung-Cheol Y, Park KO. A randomised controlles trial of the effects of cryotherapy on pain, eyelid oedema and facial ecchymosis after craniotomy. 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O edema periorbital estava presente na maioria dos pacientes no pós-operatório de craniotomia anterior e o exame pupilar não foi realizado em 30% dos pacientes. A presença de intenso edema periorbital e de coloração arroxeada foram características que prejudicaram a realização do exame pupilar. 12.Xu M, Lei YN, Zhou JX. Use of cerebral state index to predict longterm unconsciousness in patients after elective craniotomy with delay recovery. Neurology. 2011; 11(15):2-7. Colaborações Torres AC contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa, analise e interpretação dos dados e redação do artigo. Siciliano MLIP colaborou com a interpretação dos dados e redação do artigo. 15.Seifman MA, Lewis PM, Rosenfeld JV, Hwang PYK. Postoperative intracranial haemorrhage: a review. Neurosurg Rev. 2011; 34(4):393407. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):7-12. 13.Pritchard C, Radcliffe J. General principles of postoperative neurosurgical care. 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Artigo Original Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica Children and adolescents who are substances users in the psychiatric emergency service Maraiza Mitie de Macedo Martins1 Jacqueline de Souza1 Aguinaldo Alves da Silva2 Descritores Serviços de emergência psiquiátrica; Drogas ilícitas; Adolescente; Criança Keywords Emergency services, psychiatric; Street drugs; Adolescent; Child Submetido 29 de Setembro de 2014 Aceito 30 de Outubro de 2014 Resumo Objetivo: Descrever as características de crianças e adolescentes que utilizaram o serviço de emergência psiquiátrica devido aos transtornos pelo uso de substâncias analisando a freqüência e desfechos dos atendimentos. Métodos: Estudo transversal realizado em serviço de emergência psiquiátrica sendo considerado o atendimento aos menores de 18 anos correspondentes ao uso de substâncias. Resultados: Foram realizados 4.198 atendimentos de emergência psiquiátrica para crianças e adolescentes. Destes, 1.007 eram por problemas relacionados ao uso substâncias, com idade prevalente de 12 aos 17 anos, com predomínio da cor branca, cursando ensino fundamental, religião católica e policonsumo. A maioria foi internada ou recebeu alta. Conclusão: Foi possível caracterizar os atendimentos de emergência psiquiátrica, destacando a idade precoce, o policonsumo e a não continuidade de tratamento como aspectos críticos. Abstract Objective: To describe characteristics of children and adolescents who used the psychiatric emergency service because of disorders caused by substance use. We analyzed frequencies and care outcomes. Methods: This cross-sectional study was carried out in a psychiatric emergency service. Care was delivered to patients 18 years of age and younger who were substance users. Results: We performed 4,198 cares delivered at a psychiatric emergency service for children and adolescents. Of these, 1,007 were due to problems related to substance use. The prevalent age was 12 to 17 years. Most participants were white, attended elementary education, were Catholic, and used multiple substances. The majority of participants were hospitalized or discharged. Conclusion: This study permitted characterization of psychiatric emergency services provided to children and adolescents. Critical aspects were young age, use of multiple substances, and nonadherence to treatment. Autor correspondente Maraiza Mitie de Macedo Martins Av. dos Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP 14040-902 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500004 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil Faculdade de Medicina de Marília, Marília, SP, Brasil Conflitos de interesse: não há conflito de interesses a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8. 13 Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica Introdução A emergência psiquiátrica pode ser descrita como uma condição no qual o indivíduo apresenta uma necessidade de saúde mental intensificada, relacionada a um distúrbio de pensamento, emoção ou comportamento, necessitando de atendimento médico imediato para evitar prejuízos maiores à saúde mental, física e social.(1) A avaliação emergencial tem como objetivo identificar os riscos, os fatores desencadeantes e mantenedores, a presença de suporte familiar e social, bem como a realização do diagnóstico diferencial.(2) Os estudos sobre a utilização dos serviços de emergência psiquiátrica pelo público jovem têm destacado que este setor pode ser a primeira e até mesmo a única fonte de cuidado à saúde desta população,(1,3,4) logo se constitui num importante local para a sensibilização em relação ao consumo de substâncias, comportamentos de risco e consequências médicas e psicossociais. Vale ressaltar que no caso das crianças e adolescentes, as informações sobre a utilização do sistema de saúde bem como continuidade dos cuidados em serviço de saúde mental de base comunitária é um dos fatores essenciais para o bom prognóstico de saúde e manutenção dos vínculos e laços sociais.(4,5) Nas últimas décadas houve aumento da frequência de utilização dos serviços de emergência psiquiátrica por crianças e adolescentes. Este fato tem sido relacionado a diferentes fatores, como aumento da prevalência dos problemas de saúde mental nessa faixa etária, dificuldade de acesso aos serviços de base comunitária e estigma em relação aos problemas de saúde mental nos demais serviços de saúde.(1,3,5,6) A principal causa dos atendimentos de emergência psiquiátrica às crianças e adolescentes é o comportamento agressivo que consiste num sinal pouco específico, isto é, presente praticamente em todos os diagnósticos psiquiátricos.(1,2) Por outro lado, o abuso ou intoxicação por substâncias tem sido destacado também como importante preditor para utilização dos serviços de emergência psiquiátrica nesta população.(1,7) Assim objetivou-se descrever as características das crianças e adolescentes que utilizaram o serviço de emergência psiquiátrica devido aos transtornos pelo uso de substâncias analisando a freqüência e 14 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8. desfechos desses atendimentos no Hospital das Clínicas de Marília–SP, no período de 2000 a 2011. Métodos Trata-se de um estudo transversal descritivo exploratório realizado a partir de dados obtidos no Núcleo Técnico de Informação do Hospital de Clínicas de Marília, referentes ao período de 2000 a 2011 a população de pacientes menores de 18 anos de idade com diagnóstico relacionado ao uso de substâncias. Para coleta dos dados foi utilizado um roteiro com os seguintes itens: características sociodemográficas, diagnóstico, ano do atendimento e desfecho (alta, internação, encaminhamento, retorno a consulta no próprio pronto-socorro). Os dados foram tabulados no Excel e foram realizados diferentes cruzamentos com auxílio do analista do referido núcleo de informação. Estes dados foram organizados em tabelas e gráficos e as análises descritivas bem como algumas medidas de dispersão empreendidas. Em relação aos critérios diagnósticos utilizouse como parâmetro a Classificação Internacional de Doenças - CID10, com os diagnósticos F10 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao álcool; F11 - Transtornos mentais e comportamentais devidos aos opiáceos; F12 - Transtornos mentais e comportamentais devidos aos canabióides; F13 - Transtornos mentais e comportamentais devidos aos sedativos; F14 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína; F15 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de outros estimulantes, inclusive a cafeína; e F17 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo; e F19 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados No período de 2000 a 2011 foram realizados 4.198 atendimentos de emergência psiquiátrica para crianças e adolescentes no Hospital de Clínicas de Marília. Destes Martins MM, Souza J, Silva AA atendimentos, 1.007 foram por problemas relacionados ao uso de substâncias, ou seja, 24% do total de atendimentos às crianças e adolescentes atendidos pela especialidade de saúde mental em urgência e emergência. Todos esses atendimentos foram efetivados para crianças e adolescentes dos três aos 17 anos e o perfil destes sujeitos, de acordo com o referido pelo acompanhante está descrito na tabela 1. Tabela 1. Distribuição dos atendimentos de acordo com o perfil sociodemográfico dos usuários Características n(%) Características Gênero n(%) Masculino 731(72,6) Ensino Fundamental Feminino 275(27,3) Ensino Médio 121(12) Nível Superior 3(0,3) 3 a 5 anos 6(0,6) Nenhum 51(5,1) 5(0,5) Não informado 9(0,9) 9 a 11 anos 3(0,3) Religião 12 a 14 anos 126(12,5) Católico 751(74,6) 15 a 17 anos 867(86,1) Evangélico Protestante 186(18,5) Espírita 14(1,4) Branco 730(72,5) Ateu 04(0,4) Pardo 208(20,6) Outro 05(0,5) Negro 66(6,5) Nenhum 15(1,5) Amarelo 2(0,2) Não informado 32(3,2) Não informado 1(0,1) *Refere-se ao nível que o paciente estava cursando no momento do atendimento Fonte: Núcleo Técnico de Informação do Hospital das Clínicas. Marília-SP, 2012. A distribuição dos referidos atendimentos de acordo com os diagnósticos são apresentados na tabela 2. Tabela 2. Atendimentos realizados aos menores de 18 anos de acordo com CID10 relacionados ao uso de substâncias nos respectivos anos CID Internação Encaminhamento Retorno n(%) n(%) n(%) Alta n(%) Sem Total informação n(%) F10 31(7,30) 12(6,7) 5(2,8) 131(73,0) 1(0,5) 180 F12 14(22,0) 5(7,8) 2(3,1) 42(65,6) 1(1,6) 64 F11/13 F15/17/18 7(41,2) 2(11,7) 1(5,9) 6(35,3) 1(5,9) 17 180 F14 64(35,5) 12(6,6) 9(5,0) 90(50,0) 5(2,7) F19 196(34,6) 36(6,3) 23(4,6) 306(54) 5(0,9) 566 Subtotal 312(31,0) 67(6,6) 40(4,0) 575(57,1) 13(1,3) 1007 Fonte: Núcleo Técnico de Informação do Hospital das Clínicas. Marília-SP, 2012. 823(81,7) 6 a 8 anos Cor Desfecho CID Discussão Escolaridade* Faixa etária Tabela 3. Distribuição dos desfechos dos atendimentos de acordo com os diagnósticos 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total F10 18 14 20 33 18 25 12 8 11 5 5 11 180 F11 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 2 F12 4 4 9 4 6 2 7 8 2 5 0 13 64 F13 2 1 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1 7 F14 24 12 21 10 7 9 10 8 11 16 21 31 180 F15 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 F17 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 F18 1 1 0 1 1 0 1 0 1 0 0 0 6 F19 31 42 68 42 32 28 39 75 55 48 37 69 566 Total 81 75 120 90 64 64 69 100 80 74 65 125 1.007 Fonte: Núcleo Técnico de Informação do Hospital das Clínicas. Marília-SP, 2012. A média de atendimentos foi de 84 por ano. Quanto aos desfechos, sua distribuição é apresentada na tabela 3. Por se tratar de um estudo quantitativo utilizando dados secundários, apontamos como limites do estudo, em primeiro lugar a impossibilidade de delimitar a fidedignidade dos registros que compõem a base de dados do Núcleo Técnico de Informação. Em segundo lugar, destaca-se que os atendimentos por overdose não estão computados nos dados apresentados por serem consideradas emergências clínicas decorrentes de intoxicação, isto é, na base de dados consultada não são discriminadas as intoxicações decorrentes especificamente do uso de substâncias psicoativas. Ressalta-se, no entanto que os resultados do presente estudo contribuem com informações extremamente importantes para o contexto das políticas e práticas em saúde relacionadas ao uso de substâncias que consiste numa prioridade de saúde pública atual. O estudo fornece um panorama sobre a emergência desta problemática entre os adolescentes apontando a dimensão desta demanda no âmbito das emergências psiquiátricas, os diagnósticos mais prevalentes bem como a faixa etária mais crítica destes jovens. Considerando o papel central da enfermagem nestes setores, os resultados possibilitarão uma reflexão crítica sobre a sua responsabilização em relação às possíveis atividades preventivas, a adequação do cuidado de enfermagem a essa clientela e, sobretudo sua responsabilidade em relação ao desfecho destes atendimentos. A quantidade de atendimentos aos menores de 18 anos com demandas decorrentes de uso de substâncias corresponde a 24% do total de atendimentos de emergência psiquiátrica a crianças e adolescentes Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8. 15 Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica pela equipe do pronto socorro estudado. Esse número é expressivo considerando a fase de vida dessa clientela que está sujeita a influências no modo de viver devido as alterações biológicas, cognitivas, emocionais e sociais que predominarão os futuros hábitos de vida adulto.(1,4) A maioria dos adolescentes e jovens que fazem uso abusivo de drogas tem múltiplos antecedentes psicossociais como dificuldade de aprendizado, conflitos familiares e problemas sociais, além disso, o uso de substâncias nessa faixa etária está, muitas vezes, associado a algumas comorbidades psiquiátricas como a depressão, transtornos ansiosos que conjuntamente com o abuso de drogas são considerados importantes fatores de risco de suicídio entre estes jovens.(8-10) Os anos que apresentaram maior número de atendimentos desta demanda, nos 12 anos analisados, foram: 2011, 2002, 2007 e 2003 com respectivamente 125, 120, 100 e 90 atendimentos (tabela 2). Esse aumento no número de atendimentos pode estar relacionado a diversos aspectos como aumento do número de dependentes de uma forma geral, melhoria de acesso, ineficiência dos dispositivos de caráter comunitário ou ainda reflexo da maior visibilidade dada à questão das drogas pelas políticas públicas. Estudo desenvolvido no Reino Unido descreve um aumento de atendimentos psiquiátricos nas unidades de emergência e apontam o abuso de drogas como segunda principal demanda, seguida das tentativas de suicídio.(11) Alguns autores(2,12,13) descrevem que o padrão de consumo tem aumentado nos últimos anos e que, por exemplo, no caso do álcool, as unidades de emergência têm recebido cada vez mais pacientes nessa faixa etária com problemas relacionados ao alto consumo (overdose, intoxicação alcoólica, ferimentos). Nesta perspectiva, considera-se que os serviços de emergência têm um papel fundamental na detecção precoce dos problemas relacionados ao uso abusivo de drogas entre adolescentes e faz-se necessário o desenvolvimento de protocolos efetivos de atuação nestes serviços incluindo a conduta a ser adotada, fluxos de referência e contra-referência e atenção especial aos fatores psicossociais inerentes a esta demanda.(5,12) 16 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8. Em relação à idade e gênero prevalentes no presente estudo condizem com os resultados de outros estudos, em relação ao consumo de substâncias entre adolescentes.(4,9,14) Dentre os pesquisados, a idade com o maior número de atendimentos é 16 anos, com 617 atendimentos, seguidos por 134 aos 15 anos e 116 aos 17 anos. Vale ressaltar que a idade de experimentação de drogas ilícitas ocorre com maior prevalência aos 13 e 14 anos entre as meninas e a partir dos 15 anos entre os meninos.(9,14) As razões associadas ao consumo destas substâncias entre esses adolescentes são obtenção de prazer, adequação às atitudes e valores do grupo de pares e diminuição das preocupações cotidianas; descreve-se ainda que muitos desses jovens têm um histórico prévio de maus-tratos e negligência na infância e/ou pais dependentes de álcool e ou outras drogas.(8,10,15) Cabe ressaltar que possuir pais usuários de substâncias é descrito por alguns autores como um fator associado com maior frequência de uso dos serviços de emergências pelas crianças.(15) De acordo com os resultados prevaleceram os atendimentos aos adolescentes entre 12 e 17 anos de idade, correspondendo com a faixa de escolaridade, entre o 1º e o 2º grau (conforme tabela 1), no entanto cabe ressaltar as possíveis consequências do uso no desempenho escolar dos sujeitos dessa faixa etária. Muitos estudos têm apontado a relação entre o consumo destas substâncias e a defasagem e ou evasão escolar.(9,11,16,17) Em relação à religião a que pertencem, observou-se que 74,6% se consideram católicos, seguidos por 18,5% de evangélicos/protestantes. Convém destacar que no Brasil ao referir uma religião específica não significa necessariamente a efetivação da prática religiosa. Alguns estudos questionam a efetividade da religião enquanto fator protetor(18,19) o que de fato corrobora os resultados do presente estudo que aponta que a maioria dos sujeitos proferem uma religião, no entanto estão em situação de dependência. Destaca-se que as normas éticas e sociais apreendidas nos diferentes contextos diários se conformam numa espécie de “espiritualidade” capaz de fazer uma contenção moral em relação aos estilos de vida insalubre.(18,19) Martins MM, Souza J, Silva AA De acordo com a tabela 2 os diagnósticos de maior prevalência no período de 12 anos foram respectivamente: F19 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas; F10 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao álcool; F14 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína e F12 - Transtornos mentais e comportamentais devidos aos canabióides. Alguns autores descrevem que a combinação mais utilizada sempre envolve o álcool, no entanto tal combinação, bem como o padrão de consumo pode variar de acordo com a região geográfica destacando-se como principais drogas de poli consumo a maconha, cocaína e o tabaco.(9,14) A pedra de crack é a mais utilizada tanto por homens como por mulheres, por ser mais barata e mais fácil de combinar, principalmente com a maconha e o tabaco. A maconha está entre as favoritas para as misturas em função do baixo preço, facilidade de adquirir e pelas várias formas de ser consumida.(14) De um modo geral estas combinações são feitas visando aumentar a experiência psicoativa e/ou com o intuito de que a segunda substância consumida contrabalanceie os efeitos negativos da primeira droga.(9,14,18) Assim depreende-se que os adolescentes podem estar em busca de combinações entre as drogas para melhorar seu efeito ou expandir as formas particulares de consumo. Outro resultado relevante do presente estudo é o número dos atendimentos de emergência decorrente do consumo de álcool que assume o segundo lugar, seguido pelo uso de cocaína. Tendo em vista que o álcool é uma droga lícita de fácil acesso, consumida tanto por adultos quanto por adolescentes e com aceitação social. Isso sinaliza que as estratégias de redução da oferta e demanda provenientes das atuais políticas de álcool e drogas carecem de medidas que garantam sua consolidação. Em relação aos desfechos, observou-se que a maioria são altas hospitalares e internações, isto é, há um percentual mínimo de encaminhamentos para outros serviços. Tal resultado demonstra a pouca atuação deste setor como porta de entrada da rede de atenção psicossocial, principalmente por se tratar de transtornos de curso crônico que requerem o acompanhamento, seja em serviços especializados ou na atenção primária com retaguarda psiquiátrica. Alguns estudos têm destacado que os serviços de emergência psiquiátrica tem o papel de viabilizar o acesso ao sistema de saúde mental,(1,4) no entanto este tipo de conduta de não encaminhamento corrobora o aumento de pessoas diagnosticadas sem tratamento, cronificando e/ou aumentando a gravidade do transtorno e suas consequências. Conclusão A partir deste estudo foi possível caracterizar as crianças e adolescentes que utilizaram o serviço de emergência psiquiátrica devido aos transtornos pelo uso de substâncias. Tratam-se principalmente de jovens entre 12 e 17 anos sendo a maioria com diagnóstico de policonsumo. Quanto à frequência de atendimentos destacou-se o ano de 2011 com 125 atendimentos. Identificou-se também os diferentes desfechos destes atendimentos, destacando as implicações do reduzido número de encaminhamentos dificultando a continuidade dos cuidados destes pacientes. Colaborações Martins MMM contribuiu com a concepção do projeto, coleta, análise e interpretação dos dados, redação, revisão do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Souza J colaborou na orientação/concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, revisão do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Silva AA cooperou na coleta dos dados e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Lindsey MA, Joe S, Muroff J, Ford BE. Social and clinical factors associated with psychiatric emergency service use and civil commitment among African-American youth. Gen Hosp Psychiatry. 2010; 32(3):300-9. 2. Scivoletto S, Boarati MA, Turkiewicz G. Emergências psiquiátricas na infância e adolescência. Rev Bras Psiquiatr. 2010; 32(2): S112-S120. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):13-8. 17 Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica 11. Bolton J. Psychiatry in the emergency department. Psychiatry. 2009; 8(6):185-8. 4. 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Artigo Original Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose Health professionals’ opinion about services for tuberculosis control Hellen Pollyanna Mantelo Cecilio1 Ieda Harumi Higarashi1 Sonia Silva Marcon1 Descritores Tuberculose/epidemiologia; Avaliação de serviços de saúde; Enfermagem de atenção primária; Enfermagem de saúde pública; Pesquisa em avaliação de enfermagem Keywords Tuberculosis/epidemiology; Health services evaluation; Primary care nursing; Public health nursing; Nursing evaluation research Submetido 26 de Julho de 2014 Aceito 20 de Agosto de 2014 Resumo Objetivo: Analisar, na perspectiva dos profissionais de saúde, o desempenho dos serviços de controle a tuberculose em relação ao enfoque na família e a orientação para comunidade. Métodos: Estudo transversal que incluiu 134 profissionais de saúde da atenção primária. Para cada variável foi determinado um escore médio, posteriormente, submetido à análise de variância. Resultados: A dimensão enfoque na família obteve escore satisfatório e apenas a “variável entrega do pote de exame de escarro aos comunicantes” foi classificada como regular. A dimensão orientação para a comunidade foi classificada como insatisfatória, porém a “realização de trabalhos educativos” e a “busca de sintomáticos respiratórios na comunidade” atingiram escore regular. Conclusão: De acordo com os profissionais, o desempenho dos serviços de saúde para o controle da tuberculose em relação ao enfoque na família é satisfatório, porém as ações de orientação para a comunidade são insatisfatórias. Abstract Objective: To analyze, based on the perspective of health professionals, the performance of services for tuberculosis control in relation to focus on family and community guidance. Methods: This cross-sectional study included 134 primary care health professionals. For each variable a mean score was determined, and the results were then submitted to analysis of variance. Results: The dimension of focus on family had a satisfactory score, and only the variable “giving a sputum test container for contacts” was classified as fair. The dimension “community guidance” was classified as unsatisfactory; however, the dimensions “performance of educational actions” and “looking for respiratory symptoms in the community” were scored as fair. Conclusion: According to professionals, the performance of health services in tuberculosis control with relation to focus on family is satisfactory, but guidance actions for the community are unsatisfactory. Autor correspondente Hellen Pollyanna Mantelo Cecilio Avenida Colombo, 5.790, Maringá, PR, Brasil. CEP: 87020-900 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500005 Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25. 19 Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose Introdução A tuberculose é uma doença curável e, no Brasil, apresenta elevada taxa de mortalidade quando comparada aos países desenvolvidos.(1) Estima-se que um em cada quatro brasileiros esteja infectado com o bacilo causador da doença. No estado do Paraná, localizado na região sul do país, a taxa de incidência foi de 22,9/100.000 habitantes em 2010, sendo o local responsável por 3,4% dos casos novos registrados no país.(2) Para controle da doença, as equipes de saúde reorganizaram a assistência com o desenvolvimento de ações como: busca ativa de sintomáticos respiratórios, solicitação de exames para diagnóstico nos comunicantes, registro de informações, tratamento supervisionado e alta dos pacientes. Além disso, devem incorporar a família no tratamento dos pacientes com tuberculose, prestar orientação educacional para a comunidade e mobilizar a população de sua área adstricta para o controle da doença, considerando a necessidade de criar alternativas voltadas para a prática de saúde participativa, coletiva, integral, vinculada à realidade da comunidade e capaz de ultrapassar as fronteiras das unidades de saúde.(3,4) Diante do exposto, este estudo teve por objetivo analisar, na perspectiva dos profissionais de saúde, o desempenho dos serviços de controle da tuberculose em relação ao enfoque na família e a orientação para a comunidade. Métodos Estudo transversal realizado no âmbito da 15ª Regional de Saúde do Paraná. O estado do Paraná, localizado na região sul do Brasil, possui 399 municípios, agrupados em 22 regionais de saúde que atuam como instâncias administrativas intermediárias da Secretaria Estadual de Saúde. A população do estudo foi composta por enfermeiros e médicos que atuavam no controle da tuberculose, no âmbito das unidades básicas de saúde e dos ambulatórios de referência. O critério de inclusão foi ser funcionário municipal há no mínimo 20 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25. seis meses. Os critérios de exclusão foram estar em férias, licença ou atestado médico no período de coleta dos dados. De acordo com o setor de Vigilância Epidemiológica da Regional de Saúde, atuavam em ações de controle da tuberculose 231 profissionais de saúde, dos quais dez estavam de licença ou férias, sete afastados por motivo de saúde e 23 contratados há menos de seis meses, resultando em 191 profissionais. Definiu-se o número de profissionais a serem incluídos no estudo considerando-se um erro de estimativa de 5% e confiabilidade e precisão da amostra em 95%, acrescidos de 10% para possíveis perdas, resultando em 134 profissionais, selecionados aleatoriamente por amostragem estratificada em blocos (categoria profissional e município). Os dados foram coletados no período de junho a setembro de 2013, por meio de entrevista realizada no local de trabalho, previamente agendada por telefone, utilizando parte do instrumento Primary Care Assessment Tool, adaptado para ações de controle da tuberculose no Brasil. As opções de respostas são apresentadas em escala tipo Likert, com valores entre zero e cinco, em que o valor zero corresponde a resposta “não sei” ou “não se aplica” e os valores de um a cinco indicam o grau de concordância com as afirmações. Os dados foram digitados em planilha eletrônica do Microsoft Excel® 2010, com dupla entrada e analisados com o Software Statistical Package for the Social Sciences®. Para análise descritiva dos dados determinou-se um escore médio de cada questão, resultante da somatória das respostas de todos os participantes, dividido pelo total de respondentes e classificado em: insatisfatório (menor ou igual a três), regular (maior que três e menor que quatro) e satisfatório (maior ou igual a quatro). Para avaliar o enfoque na família e orientação para a comunidade, os dados referentes às variáveis que satisfizeram as pressuposições de independência, homocedasticidade e normalidade, foram submetidos à análise de variância, com o uso do teste F. As variáveis que não atenderam esses critérios foram analisadas utilizando o teste Kruskall-Wallis. Em todos os testes adotou-se nível de significância estatística de 5%. A confia- Cecilio HP, Higarashi IH, Marcon SS bilidade do questionário foi verificada por meio do Alfa de Cronbach (0,84). O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Participaram do estudo 134 profissionais de saúde, sendo 78 (58,2%) enfermeiros e 56 (41,8%) médicos, dos quais 56,7% possuíam o título de especialista e 3,7% o de mestre. A maioria (94,8%) atuava na Estratégia Saúde da Família e os demais em Ambulatório de Referência para Tuberculose; o tempo de atuação na mesma função variou de seis meses a quarenta anos, com média de 9,66±8,33 anos. A maioria (66,4%) atuava em ações de controle da tuberculose, há quatro anos ou mais; menos da metade (46,3%) realizou educação permanente em saúde especificamente para as ações de controle da tuberculose e 53% recebeu treinamento específico no serviço. Contudo, 59% consideram-se qualificados para atender estes casos. Observa-se na tabela 1 que a dimensão enfoque na família obteve escore médio de 4,58±0,451, classificado como satisfatório e não apresentou diferença estatisticamente significativa entre as categorias profissionais, com exceção à variável “conhece quem mora com os doentes”; a variável “entrega pote de exame de escarro aos comunicantes” foi classificada como regular por médicos e satisfatória por enfermeiros. Tabela 1. Indicadores do enfoque na família Enfermeiros Médicos Media ± DP Media ± DP Pergunta sobre as condições de vida 4,73±0,767 4,63±0,983 0,486 Conhece quem mora com os doentes 4,83±0,495 4,59±0,757 0,032* Pede informação das enfermidades de quem mora com os doentes 4,58±0,933 4,70±0,685 0,417 Investiga a doença em quem mora com os doentes 4,82±0,503 4,82±0,543 0,992 Entrega pote de exame de escarro aos comunicantes 4,04±1,418 3,82±1,515 0,397 Fala com a família sobre a doença 4,68±0,814 4,73±0,618 0,685 Fala com a família sobre o tratamento 4,69±0,778 4,73±0,587 0,747 Fala com a família sobre outros problemas de saúde 4,41±1,050 4,43±0,988 0,919 Variáveis Enfoque na família *Valores de p<0,05; DP – Desvio Padrão p-value 0,598 A dimensão Orientação para a Comunidade atingiu escore médio de 2,47±0,949, classificada como insatisfatória e não apresentou diferença estatisticamente significativa entre as categorias profissionais. As variáveis com melhor classificação foram “propaganda/campanha/trabalho educativo para informar a comunidade” e “realiza busca de sintomáticos respiratórios na comunidade”, que alcançaram escore regular (Tabela 2). Tabela 2. Indicadores de orientação para a comunidade Enfermeiros Médicos Media ± DP Media ± DP Serviço responde as necessidades 1,59±1,232 1,61±1,317 0,938 Propaganda/campanha/trabalho educativo para informar a comunidade 3,36±1,299 3,52±1,537 0,458 Parceria para identificar sintomáticos respiratórios 2,46±1,601 2,43±1,704 0,909 Discute problema da Tb junto com representante da comunidade 1,47±1,041 1,70±1,320 0,405 Realiza busca de sintomáticos na comunidade 3,40±1,622 3,29±1,745 0,704 Variáveis Orientação para a comunidade p-value 0,762 DP – Desvio Padrão Discussão Os limites desta pesquisa referem-se à investigação apenas da perspectiva de médicos e enfermeiros, que pode ser divergente do ponto de vista de outros profissionais, dos doentes em tratamento e também dos gestores. Contudo, a seleção aleatória fortalece os resultados permitindo inferir que esta é a opinião dos profissionais sobre a realidade da assistência prestada aos pacientes com tuberculose nestes municípios, relacionada ao enfoque na família e orientação para a comunidade. O fato de não haver diferenças significativas na perspectiva de médicos e enfermeiros em relação aos aspectos investigados, constitui indicativo da existência de integração entre a equipe, que reconhece praticamente as mesmas fortalezas e fragilidades da atenção ao paciente com tuberculose. Tendo em vista que o enfoque na família e a orientação para a comunidade constituem pilares importantes para o controle da doença, os resultados encontrados permitem refletir sobre as deficiências dos serviços. Nessa perspectiva, como o enfermeiActa Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25. 21 Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose ro é o profissional efetivamente inserido nas ações de controle da tuberculose e também responsável pela coordenação da equipe, detém papel crucial na articulação e integração das práticas de cuidado.(5) Assim, é o profissional com maior possibilidade de ampliar a eficácia das ações e de favorecer a participação do usuário e da família no cuidado. Destarte, conhecer como os profissionais e, em especial, os enfermeiros avaliam as necessidades de melhoria nas ações de controle da tuberculose permitirá saber, por exemplo, que estas não são isoladas e nem limitadas a um contexto específico, o que poderá desencadear esforços(5) que resultem na implementação de estratégias capazes de favorece o enfoque na família e a orientação para a comunidade. Considerar a participação da família no plano de cuidados é imprescindível, visto que é nela que o paciente encontra forças e apoio para sua reabilitação e terapêutica.(6) Assim, faz-se necessário reconhecer e considerar os aspectos sociais, econômicos e familiares, buscando a autonomia e a corresponsabilidade do cuidado em saúde.(7) Os profissionais participantes deste estudo demonstraram que coadunam desta opinião, já que o enfoque na família obteve escore satisfatório. Ressalta-se que, embora ainda existam falhas na integração usuário, família e equipe, as ações de controle da tuberculose e acompanhamento do doente, em geral, são desenvolvidas em conjunto com a família. Em um estudo realizado na China identificouse que, apesar de muitos doentes terem consciência sobre a possibilidade de cura da tuberculose, ficavam desapontados e desestimulados na ocasião do diagnóstico, por temerem a represália da família. Por este motivo, protelavam o início do tratamento, ou até mesmo, omitiam o diagnóstico para seus familiares.(8) Contudo, no caso específico da tuberculose, é essencial que os profissionais de saúde conheçam e investiguem todos os membros da família e os possíveis contatos,(9) além de fazer orientações sobre a doença e o tratamento, de forma que a família saiba o que está acontecendo e possa auxiliar o doente. Prova disto é que estudo realizado na Espanha constatou que não morar com a família constituiu um dos principais fatores para a não adesão ao tratamento.(7) 22 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25. No que tange a transmissão da doença, os dados sinalizam contradição entre as respostas, visto que os profissionais alegaram investigar a doença nos comunicantes, mas a variável “entrega do pote para realização do exame de escarro” obteve escore apenas regular, denotando que esta ação não é realizada com a frequência necessária. Estudo de meta-análise identificou que apesar da investigação, ainda falta sistematização no monitoramento e controle dos comunicantes, visto que apresentam maior risco de exposição que a população em geral, estabelecendo assim, a avaliação dos contatos como atividade prioritária para a diminuição da incidência da doença.(9) Considerando que o doente convive com outras pessoas, a Organização Mundial da Saúde recomenda a profilaxia, registro e controle dos contatos como estratégia prioritária para detecção de novos casos, incluindo a solicitação de exames para investigação nos comunicantes. (10,11) O profissional de saúde precisa explicar claramente a forma de realização do exame e sua importância para doentes e comunicantes, contribuindo para a eliminação da doença na comunidade. Para tanto, o profissional precisa ter conhecimento sobre a doença, de forma que o doente confie nas suas orientações.(12) Consensual a esta recomendação, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose prevê que a atenção primária seja a principal fonte de diagnóstico da doença,(10,13) já que conta com a Estratégia Saúde da Família como parceira na identificação dos sintomáticos respiratórios e acompanhamento das famílias. Inclusive prevê que, nas visitas domiciliares, ao detectarem a presença de sintomáticos ou outros comunicantes, os agentes comunitários devem encaminhá-los aos serviços de saúde para investigação da doença, primando pela descentralização e facilitando o acesso dos doentes.(14) Em relação à dimensão Orientação para a Comunidade, os escores foram classificados como insatisfatórios por médicos e enfermeiros, visto que tais ações não acontecem com a frequência e regularidade necessárias. Isto aponta a necessidade de os profissionais de saúde incorporarem ao processo de trabalho, ações voltadas para a sensibilização e participação dos usuários e da sociedade organizada,(15,16) Cecilio HP, Higarashi IH, Marcon SS nas discussões locais de controle da doença, tornando possível assim, avaliar não só o serviço prestado, como também levantar as necessidades de saúde da população.(17) Os profissionais demonstraram também, considerar relevante a realização de propagandas, campanhas e trabalhos educativos para informar a comunidade sobre a doença; pois apesar de ser uma doença conhecida, muitas pessoas, inclusive profissionais de saúde, não a distinguem de fato, o que os leva, conforme evidenciado neste estudo, a banalizar os sintomas, atrasando o diagnóstico e postergando o início do tratamento. Ainda como estratégia para o controle da doença, destaca-se que os profissionais de saúde devem mobilizar a comunidade para identificar os “tossidores crônicos” nas famílias, clubes, igrejas e encaminhá-los para a realização do exame de escarro, desenvolvendo atividades fundamentais para a saúde da comunidade.(18) De fato, a participação da comunidade é fundamental para o diagnóstico precoce, adesão ao tratamento e redução das taxas de abandono, além de incentivar a luta contra o estigma e o preconceito que permeiam a doença.(19) Deste modo, a comunidade não precisa apenas ser esclarecida sobre o que é a doença e como ela é transmitida, mas, também, da sua corresponsabilidade em seu controle, de forma que seja informada, comunicada e orientada por meio da educação em saúde, sobre a doença e sua prevenção, de maneira eficiente pelas equipes de saúde, efetivando o trabalho interdisciplinar.(9,18) Os profissionais apontaram que a realização de parcerias sociais para a identificação dos sintomáticos respiratórios é insuficiente e provavelmente descontínua. Estudo realizado em Barcelona evidenciou que, em geral, ações que reforcem a resposta do doente e incentivam a participação da comunidade são mais efetivas, principalmente se mediadas pelos agentes comunitários, que são integrantes da própria comunidade e transmitem confiança para a população.(20) Neste sentido, o não desenvolvimento de ações de controle da tuberculose pelos profissionais de saúde que envolvem a comunidade e nem ações de educação em saúde ou orientação sobre a doença e sua prevenção, sem dúvida, prejudica o controle da doença. Referente à solicitação da participação da comunidade para discutir sobre o problema da tuberculose, este indicador apresenta-se preocupante, visto que para os profissionais, isto praticamente não ocorre. No cenário atual de enfrentamento da tuberculose, é indiscutível e imprescindível a atuação dos agentes de saúde e, além deles, a participação do setor comunitário, que representa as populações afetadas pelo problema. Esta parceira entre comunidade e agente comunitário tem se mostrado efetiva em diversos países, melhorando inclusive, a organização dos serviços de saúde e facilitando a implantação das políticas públicas voltadas para o controle de doenças.(14) A realização de busca ativa de sintomáticos respiratórios foi caracterizada como regular e deve constituir-se uma atitude permanente e incorporada na rotina de todos os membros das equipes de saúde. A busca passiva, caracterizada pelo atendimento à demanda espontânea dos casos de tuberculose, potencializa o problema do atraso do diagnóstico e retarda o início do tratamento. Estudo sobre o atraso no diagnóstico de tuberculose mostrou que, embora a busca ativa não aconteça regularmente, é de extrema importância desenvolver estratégias para tal, visto que o diagnóstico precoce, além de minimizar a continuidade da transmissão da doença, favorece o tratamento e a cura.(21) Uma doença de cunho social como a tuberculose necessita que a educação em saúde tenha a função de empoderar cidadãos adoecidos,(15) e seja capaz de mobilizar a comunidade para além de participações em eventos pontuais, como as datas comemorativas, de modo que, além do tratamento e acesso aos serviços de saúde, possa também reivindicar melhorias em sua qualidade de vida.(17) As práticas educativas devem ser desenvolvidas no âmbito individual e coletivo promovendo cura e reabilitação, tendo o usuário e a comunidade como aliados e protagonistas do projeto terapêutico e das mobilizações pelo direito ampliado à saúde.(22) Contudo, para que a equipe possa promover educação em saúde, fornecendo informações Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25. 23 Opinião dos profissionais de saúde sobre os serviços de controle da tuberculose corretas e seguras, é essencial que todos os profissionais, enfermeiros, médicos, agentes comunitários e inclusive a equipe de recepção, recebam treinamento constante. Os agentes comunitários de saúde, por exemplo, têm papel importantíssimo na detecção precoce dos casos de tuberculose, ainda que muitas das ações realizadas sejam de forma pontual e não sistematizada. Não obstante, o trabalho desempenhado por eles tem recebido reconhecimento em muitos países que convivem com altas taxas da doença, mesmo naqueles em que há escassez de profissionais, já que tornam os serviços de saúde acessíveis aos pacientes que comumente são alvos de estigma e discriminação.(14) Ademais, é importante lembrar que receber capacitação específica para a tuberculose por si só, não garante a eficácia do processo de atenção à saúde dos usuários, a qual deve estar associada à oferta de recursos materiais, humanos e a adoção de políticas adequadas. Assim, torna-se necessário refletir sobre a atuação do enfermeiro como profissional crítico, enfatizando a importância de tratar e discutir o assunto, sob a ótica do equilíbrio entre o cuidado e qualidade de vida. Conclusão De acordo com os profissionais, o desempenho dos serviços de saúde para o controle da tuberculose em relação ao enfoque na família é satisfatório, porém as ações de orientação para a comunidade são insatisfatórias. Agradecimentos Estudo financiado pela Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná (Protocolo 21320), Edital – Pesquisa para o SUS com o projeto “Assistência e controle da tuberculose no estado do Paraná”. Colaborações Cecilio HPM e Marcon SS contribuíram na concepção e desenvolvimento da pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, re- 24 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):19-25. visão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Higarashi IH colaborou com a análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. 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O instrumento de coleta de dados foi desenvolvido pelos pesquisadores, com base em padrões funcionais de saúde. Resultados: Foram encontrados 301 diagnósticos de enfermagem, com média de 12 por paciente. Somente quatro diagnósticos apresentaram frequência acima de 50%. Os mais frequentes foram: “risco de infecção”, “integridade da pele/tissular prejudicada”, “disposição para bem-estar espiritual”, “disfunção sexual” e “padrão do sono perturbado”. Diagnósticos que se enquadram no domínio 13 (Crescimento/Desenvolvimento) não foram documentados nesta amostra. Conclusão: Os achados demostraram ampla variedade de diagnósticos na população estudada, reflexo da diversidade de cuidados a serem prestados. A identificação das necessidades de cuidados favorece a implantação de intervenções específicas, contribuindo para a qualidade da assistência de enfermagem. Abstract Objective: To identify the frequency of nursing diagnosis in patients in surgical clinic. Methods: A transverse, descriptive and exploratory study of quantitative approach, with data referring to 28 patients. The data collection instrument was developed by the researchers based on health functional patterns. Results: In total, 301 nursing diagnosis were found, with an average of 12 per patient. Only four diagnoses showed frequency above 50 percent. The most frequent were ‘risk for infection’, ‘impaired skin/tissue integrity’, ‘readiness for enhanced spiritual well-being’, ‘sexual dysfunction’ and ‘disturbed sleep pattern’. The diagnoses that fit in domain 13 (Growth/Development) were not documented in this sample. Conclusion: The findings demonstrated a wide variety of diagnoses in the study population, a reflex of the diversity of care provided. Identifying the care needs favors the implantation of specific interventions, contributing to the quality of nursing assistance. Autor correspondente Elisiane Soares Novaes Av. Colombo, 5790, Maringá, PR, Brasil. CEP: 87020-900 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500006 26 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31. Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Novaes ES, Torres MM, Oliva AP Introdução O movimento para uniformizar a linguagem utilizada pelas enfermeiras trouxe mudanças significativas no processo de cuidar. Podemos citar a habilidade em formular diagnósticos, a escolha de intervenções mais adequadas para cada situação e a descrição dos resultados da implementação dessas intervenções. O diagnóstico de enfermagem tem merecido destaque. Além de guia para planejamento, seleção e implementação dos cuidados, ele é também importante fonte para o conhecimento específico da profissão, facilitando o ensino, a pesquisa e a emancipação do cliente no plano terapêutico.(1,2) Nesse cenário, o levantamento dos diagnósticos de enfermagem em populações específicas possibilita o conhecimento das respostas humanas alteradas, contribuindo para o alcance de uma assistência individualizada e holística.(3) Vários autores tem se preocupado em identificar os diagnósticos de enfermagem em grupos específicos, como, por exemplo, idosos com insuficiência cardíaca, pacientes de clínica cirúrgica, de clínica oncológica, idosos, pacientes transplantados, etc.(4-8) Este estudo teve por objetivo identificar a frequência dos principais diagnósticos de enfermagem em pacientes hospitalizados em clínica cirúrgica. Justifica-se essa identificação para o subsídio de intervenções eficazes e adequadas às necessidades individuais de cada paciente, bem como da previsão e provisão da carga de trabalho da equipe de enfermagem, além de contribuir para a educação continuada na qualidade do cuidado. Métodos Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, de corte transversal, com abordagem quantitativa. A coleta dos dados aconteceu na unidade de internação clínico-cirúrgica de um hospital-escola no período de abril a agosto de 2012. Fizeram parte da amostra 28 pacientes. Os critérios adotados para a inclusão no grupo foram: não estar no primeiro dia de pós-operatório independente de sexo e faixa etá- ria. Neste estudo, o paciente não foi avaliado nas primeiras 24 horas após a cirurgia, por se tratar de um momento crítico, em que os aspectos hemodinâmicos estão alterados pela anestesia, modificando as necessidades do cuidado. Para coleta dos dados, foram realizadas visitas em dias alternados na unidade. Todos que se enquadravam nos requisitos e aceitaram participar da pesquisa foram incluídos. O instrumento da coleta de dados foi desenvolvido pelas pesquisadoras e continha variáveis sociodemográficos e clínicas que foram avaliadas segundo os padrões funcionais de saúde, propostos por Gordon, presentes na Taxonomia II da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Atualmente, há muitos instrumentos de coletas de dados − todos são baseados em abordagens teóricas ou conceituais da enfermagem, mas nenhum é universalmente aceito.(9,10) Os diagnósticos de enfermagem levantados foram interpretados a partir de características definidoras, fatores relacionados e de risco, e situações iminentes de risco, identificadas nos clientes por meio de entrevista, exame físico e consulta em prontuário. Na análise dos dados foram utilizados elementos da estatística descritiva, tais como, frequência absoluta e relativa. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Fizeram parte da casuística 14 (50%) pacientes do sexo feminino e 14 (50%) do masculino, com idade média de 49,5 anos, sendo que 50% deles encontram-se entre os 40 e 59 anos de idade. A maior parte dos indivíduos era de cor branca (67,8%), possuía apenas o Ensino Fundamental incompleto (57,1%) e residia na cidade de Maringá (64,2%). A cirurgia mais prevalente foi a apendicectomia (21,4%), seguida de laparotomia exploradora e videocolecistectomia (17,8%). Os demais procedimentos cirúrgicos estão descritos na tabela 1. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31. 27 Diagnósticos de enfermagem em clínica cirúrgica Tabela 1. Procedimentos cirúrgicos, segundo frequência absoluta e porcentagem, em adultos internados na clínica cirúrgica Procedimentos cirúrgicos n(%) Apendicectomia 6(21,4) Laparotomia exploradora 5(17,8) Videocolecistectomia 5(17,8) Cirurgias da face (bucomaxilo) 3(10,7) Hernioplastia 2(7,1) Amputação MID 1(3,6) Cirurgia Ortopédica 1(3,6) Desbridamento em MSD 1(3,6) Cauterização de condiloma perianal 1(3,6) Cistostomia 1(3,6) Exerese de tumor de face 1(3,6) Tireoidectomia tardada” (28,5%), “déficit no autocuidado para vestir-se/arrumar-se” e “manutenção ineficaz da saúde” (25%) e “risco de integridade da pele prejudicada” (21,4%). Os demais diagnósticos podem ser observados na tabela 3. Tabela 3. Frequência dos diagnósticos de enfermagem, segundo os domínios da Taxonomia II da NANDA (2009-2011), identificados em indivíduos adultos internados na clínica cirúrgica Domínio Categorias diagnósticas Promoção da saúde Manutenção ineficaz da saúde Comportamento de busca de saúde Controle ineficaz do regime terapêutico 7(25,0) 2(7,1) 2(7,1) Nutrição Nutrição desequilibrada: > do que as necessidades corporais Risco de função hepática prejudicada Risco de desequilíbrio no volume de líquidos Risco de volume de líquidos deficiente Volume de líquidos deficientes 4(14,2) 4(14,2) 4(14,2) 1(3,5) 2(7,1) Eliminação e troca Risco de constipação Eliminação urinária prejudicada Desobstrução ineficaz das vias aéreas Troca de gases prejudicada 9(32,1) 5(17,8) 2(7,1) 2(7,1) Atividade/repouso Padrão do sono prejudicado Déficit no autocuidado para banho/higiene Deambulação prejudicada Disposição para sono melhorado Recuperação cirúrgica retardada Perfusão tissular periférica ineficaz Déficit no autocuidado para vestir-se/arrumar-se Mobilidade física prejudicada Mobilidade no leito prejudicada Risco de intolerância à atividade Resposta disfuncional ao ventilatório Intolerância à atividade Padrão respiratório ineficaz Privação do sono 12(42,8) 9(32,1) 9(32,1) 9(32,1) 8(28,5) 8(28,5) 7(25,0) 7(25,0) 4(14,2) 3(10,7) 1(3,5) 1(3,5) 1(3,5) 1(3,5) Percepção/cognição Processos do pensamento perturbado Percepção sensorial perturbada (auditiva) Confusão crônica Comunicação verbal prejudicada 1(3,5) 1(3,5) 1(3,5) 4(14,2) Autopercepção Risco de solidão 5(17,8) Papéis e relacionamentos Interação social prejudicada Processos familiares interrompidos Desempenho de papel ineficaz 8(28,5) 4(14,2) 1(3,5) Sexualidade Disfunção sexual Padrões de sexualidade ineficazes 15(53,5) 3(10,7) 1(3,6) Total 28(100) MID – membro inferior direito; MSD – membro superior direito A tabela 2 exibe o período do tratamento cirúrgico, em que os pacientes se encontravam quando foram submetidos ao exame físico, durante a coleta de dados. Tabela 2. Período do tratamento cirúrgico, segundo frequência absoluta e porcentagem, dos pacientes internados na clínica cirúrgica Período cirúrgico n(%) Pré-operatório 5(17,8) 2º Pós-operatório 12(42,8) 3º Pós-operatório 2(7,1) 4º Pós-operatório 1(3,6) 9º Pós-operatório 1(3,6) 10º Pós-operatório 2(7,1) 11º Pós-operatório 2(7,1) 12º Pós-operatório 1(3,6) 13º Pós-operatório 1(3,6) 15º Pós-operatório Total 1(3,6) 28(100) No total, 301 diagnósticos de enfermagem foram documentados para os 28 pacientes. Em média encontraram-se 12 diagnósticos por paciente. Dentre os 201 títulos descritos pela NANDA, 55 (27,4%) foram identificados. Os diagnósticos de enfermagem mais prevalentes foram: “risco de infecção (100%), “integridade da pele/tissular prejudicada” (92,8%), “disposição para bem-estar espiritual aumentada” (75%), “disfunção sexual” (53,5%), “padrão do sono perturbado” (42,8%), “disposição para enfrentamento aumentada” (39,3%), “deambulação prejudicada”, “déficit no auto-cuidado para banho/higiene”, “disposição para sono melhorado”, “dor aguda e risco de constipação” (32,1%), “recuperação cirúrgica re- 28 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31. n(%) Enfrentamento/ Disposição para enfrentamento aumentada tolerância ao estresse Ansiedade Medo Tristeza crônica Enfrentamento ineficaz Síndrome do estresse por mudança Resiliência individual prejudicada 11(39,2) 4(14,2) 5(17,8) 1(3,5) 1(3,5) 1(3,5) 1(3,5) Princípio de vida Disposição para bem-estar espiritual aumentada Risco para angústia espiritual Risco de religiosidade prejudicada Religiosidade prejudicada 21(75,0) 5(17,8) 4(14,2) 2(7,1) Segurança/proteção Risco de infecção Integridade da pele/tissular prejudicada Risco de integridade da pele/tissular prejudicada Risco de queda 28(100) 26(92,8) 6(21,4) 3(10,7) Conforto Dor aguda Náusea Conforto prejudicado Isolamento social 9(32,1) 3(10,7) 2(7,1) 1(3,6) Novaes ES, Torres MM, Oliva AP Discussão As limitações deste estudo consistem no fato de a avaliação clínica ser um processo subjetivo, diante disso, o processo diagnóstico esta sujeito a incertezas. Entretanto os resultados deste estudo favoreceram a identificação das necessidades de cuidados de doentes internados em clínica cirúrgica, contribuindo para o levantamento de intervenções específicas de enfermagem. A diversidade de diagnósticos de enfermagem apresentados por essa clientela específica denota a variedade de cuidados a serem prestados pelos profissionais de enfermagem. O levantamento de diagnósticos tão variados confere maior poder clínico ao profissional enfermeiro. Também proporcionou base para o ensino do diagnóstico de enfermagem, tanto aos enfermeiros do setor em questão como para alunos de graduação que fizeram parte do estudo. Os resultados obtidos são muito similares aos encontrados por pesquisas realizadas em clínica médica, cirúrgica e ortopédica. Estudos como este podem ser aplicados em diversas áreas de conhecimento e com populações mais numerosas, para validação dos resultados, e devem ajudar a expandir o conhecimento de enfermagem mediante a vinculação entre os diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem. A partir da caracterização do cuidado demandado por clientes de unidade médicocirúrgica, encontrou-se 10,6 diagnósticos em média por paciente, corroborando a necessidade de conhecimento científico e específico do enfermeiro, para planejar o cuidado dos pacientes assistidos.(5) O diagnóstico “Risco para infecção” definido como um “estado no qual o indivíduo corre risco aumentado para ser invadido por organismos patogênicos” é comumente identificado em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. Esteve presente em 100% da amostra, relacionando-se aos procedimentos invasivos do pré, trans e pósoperatório. Estudos similares também destacam alta frequência nesse diagnóstico e apontam para os procedimentos invasivos decorrentes da hospitalização como uma das principais causas dessa ocorrência.(7,11) Não obstante, outros fatores também podem estar associados à este diagnóstico como, por exemplo, a obesidade. Quatro pacientes (14,3%) eram obesas e, portanto, apresentaram “Nutrição alterada: maior do que as necessidades corporais”. Estudos apontam que a espessura do tecido gorduroso tem influência direta e proporcional nas taxas de infecção. As razões para essa suscetibilidade estão relacionadas à irrigação local do tecido adiposo, pouco vascularizado, e à maior duração dos procedimentos cirúrgicos.(4) Observa-se ainda que 26 pacientes (92,8%) desta amostra possuíam “Integridade da pele/tissular prejudicada”. Todos os pacientes foram submetidos a procedimentos invasivos, como: cirurgia (82,1%), administração de medicamentos, coleta de material biológico para exames e punção venosa. Entretanto, a patologia, a imobilização no leito, a diminuição de atividade motora, a falta de adequada perfusão periférica também foram responsáveis pela lesão tissular. Três pesquisas similares identificaram frequências acima de 60% neste diagnóstico.(7,12) A “Disposição para bem-estar espiritual aumentada”, ou seja, o aumento da capacidade de experimentar e integrar significado à vida por meio de uma conexão consigo mesmo, com outros, ou com um ser maior, foi encontrada em 75% da amostra. A maioria dos clientes demonstrou crença em um ser superior, verbalizou fé, esperança e coragem em resposta à crença espiritual. Pacientes com esse diagnóstico têm recursos potenciais para se valer quando se deparam com uma enfermidade ou uma ameaça ao seu bem-estar. Se o paciente não souber empenhar recursos para enfrentar problemas de saúde, o enfermeiro deve oferecer apoio para explorar as diversas opções.(13) Este diagnóstico não foi relatado em outros estudos. Autores argumentam que a dificuldade de constatar as alterações nos padrões de crença, valores e convicções religiosas é decorrente do pouco tempo de interação com os pacientes. Entretanto, as características definidoras desses diagnósticos se expressam nos vínculos do relacionamento terapêutico, e o próprio diagnóstico Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31. 29 Diagnósticos de enfermagem em clínica cirúrgica pode ser confirmado pelo auto-relato do paciente, cabendo ao enfermeiro apenas realizar uma escuta qualificada.(13-15) Percebe-se que pouco tem sido realizado em termos das necessidades espirituais. Há, portanto, uma lacuna na assistência, contrapondo-se à teoria de Wanda Horta, que aponta a espiritualidade como uma necessidade básica do ser humano a ser observada e cuidada pelo enfermeiro em seu planejamento de assistência. Compreende-se que, na atuação profissional, ainda há escassez da visão holística, ou seja, da necessidade de enxergar o ser humano como um ser “bio-psico-social-espiritual”, que transcende o aspecto físico.(10,14) A “Disposição para enfrentamento aumentada” (39,3%) não foi identificada em outros estudos. Isso deve ocorrer pelo fato de estar associada à “Disposição de bem-estar espiritual aumentada”, embora a NANDA não o relacione diretamente.(9) O “Padrão de sono prejudicado”, ou seja, as “interrupções da quantidade e da qualidade do sono, limitadas pelo tempo, decorrentes de fatores externos”,(9) ocorreu em 42,8% dos sujeitos. Considerado uma necessidade humana básica, o sono torna-se um dos fatores que influenciam a qualidade de vida do ser humano. O envelhecimento, o sedentarismo, o estresse, as doenças, os medicamentos, a depressão e os hábitos pessoais afetam a qualidade de sono ou o nível de repartição dos vários estágios do sono.(7,9) No presente estudo, as causas mais relatadas pelos pacientes relacionadas ao padrão de sono prejudicado foram a manipulação excessiva pelos profissionais de saúde à noite, o excesso de iluminação, o barulho e a falta de adaptação à hospitalização. A “Deambulação prejudicada” (32,1%) apresentou-se frequente nesta e em outras pesquisas. (4,8) É importante observar que ela constitui-se em um dos principais fatores relacionados a outros diagnósticos de enfermagem, como “Déficit no autocuidado para banho e higiene” (32,1%), “Déficit no autocuidado para vestir-se e arrumar-se” (25%) e “Risco para integridade da pele prejudicada” (21,4%). A associação entre diagnósticos deve ser mais profundamente estudada, 30 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31. pois, talvez, seja possível identificar um perfil diagnóstico nos pacientes de clínica médica, cirúrgica e ortopédica. Estudo realizado com 250 pacientes em uma unidade cirúrgica identificou 2973 diagnósticos dentro mais de 50 enunciados diferentes. Os mais frequentes foram: “Risco para temperatura corporal alterada” (66%), “Risco de infecção” (51%), e “Dor” (50%). O resultados assemelham-se com os do presente estudo, entretanto, não foi identificado entre os mais frequentes o diagnóstico “Integridade tissular prejudicada” (risco ou atual), pertencente ao domínio Lesão Física, o que é comum esperar no perfil de pacientes de uma clínica médico cirúrgica.(9) No entanto, a prevalência de diagnósticos de enfermagem depende do cenário perioperatório e do tipo de clientela que o configuraram.(8,9) O diagnóstico de “Dor aguda” (32,1%) apresentou frequência menor do que em estudos similares, entretanto sempre é encontrado entre os mais prevalentes, confirmando que esse sintoma deve ser foco contínuo da atenção do enfermeiro.(8,11) A capacitação profissional para o alívio da dor é importante, a fim de aumentar a qualidade da assistência ministrada.(11) A disfunção sexual foi encontrada em 32,1% dos pacientes. A formulação desse diagnóstico fundamentou-se nas limitações reais impostas pela doença e/ou pela terapêutica e alteração no relacionamento com a pessoa significativa. Trata-se de um diagnóstico bastante encontrado nos diversos grupos pesquisados.(7) Diferentemente de outras pesquisas, que identificaram o diagnóstico “Constipação” como o mais prevalente no domínio III - Eliminação e Troca, o presente estudo encontrou o “Risco de constipação” (32,1%) como o mais frequente dessa classe. A falta de deambulação, as patologias e o processo terapêutico são alguns dos diversos motivos que tornam os pacientes de clínica cirúrgica e ortopédica mais propensos a apresentar distúrbios na motilidade intestinal.(4,7) Por meio desses resultados, percebeu-se a necessidade de intervenções com o intuito de prevenir riscos durante a internação, a fim de dimi- Novaes ES, Torres MM, Oliva AP nuir os agravos na saúde. Estudos similares podem ser aplicados em diversas áreas de conhecimento e com populações mais numerosas, para validação dos resultados, e devem ajudar a expandir o conhecimento de enfermagem mediante a vinculação entre os diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem. Conclusão Os principais diagnósticos de enfermagem encontrados foram: “risco de infecção, “integridade da pele/tissular prejudicada”, “disposição para bem-estar espiritual aumentada”, “disfunção sexual”, “padrão do sono perturbado”, “disposição para enfrentamento aumentada, “deambulação prejudicada”, “défice no autocuidado para banho/higiene”, “disposição para sono melhorado”, “dor aguda e risco de constipação”, “recuperação cirúrgica retardada”, “défice no autocuidado para vestir-se/arrumar-se”, “manutenção ineficaz da saúde” e “risco de integridade da pele prejudicada”. A identificação dos diagnósticos relevantes em clínica cirúrgica, como em outras populações específicas, permitirá o cuidado baseado em evidências, e contribuirá para o avanço da pesquisa em enfermagem. Colaborações Novaes ES contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Torres MM colaborou com a revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Oliva APV cooperou com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Bruylands M, Paans W, Hediger H, Müller-Staub M. Effects on the quality of the nursing care process through an educational program and the use of electronic nursing documentation. Int J Nurs Knowl. 2013; 24(3):163-70. 2. Paans W, Nieweg RMB, Schans CP, Sermeus W. 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Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):26-31. 31 Artigo Original Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal Time spent by the multidisciplinary team in home care: subsidy for the sizing of staff Maria Leopoldina de Castro Villas Bôas1 Helena Eri Shimizu2 Descritores Serviços de assistência domiciliar; Cuidados de enfermagem; Assistência domiciliar; Enfermagem em saúde pública; Recursos humanos em saúde; Downsizing organizacional Keywords Home care services; Nursing care; Home care; Public health nursing; Health manpower; Personnel downsizing Submetido 14 de Setembro de 2014 Aceito 22 de Outubro de 2014 Autor correspondente Maria Leopoldina de Castro Villas Bôas Setor de Áreas Isoladas Norte, Fim da Asa Norte Bloco B, Brasília, DF, Brasil. CEP: 70086-900 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500007 32 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. Resumo Objetivo: Analisar o tempo gasto por equipe multiprofissional de saúde no cuidado aos pacientes em assistência domiciliar. Métodos: Estudo exploratório e descritivo, que incluiu 214 pacientes. Após a definição dos principais procedimentos, os mesmos foram cronometrados por observadores treinados, que coletaram os dados em 2009 e 2010. Houve a observação de 245 visitas domiciliares e 441 procedimentos. Resultados: Dos procedimentos categorizados como assistência direta, destacou-se o tempo gasto pela equipe de enfermagem que foi de 30,2h, seguido por 11,9h gastas pelo fisioterapeuta, 9,4h pelo nutricionista e 8,9h pelo médico; e como assistência indireta, representada pelo deslocamento da equipe e orientação ao cuidador, família e/ou paciente, verificou-se que foram gastas 65,3h e 20,3h, respectivamente. Conclusão: A análise do tempo gasto na assistência domiciliar revelou a complexidade desse modelo de atenção e a potencialidade para subsidiar o dimensionamento de pessoal, bem como a reorganização do serviço. Abstract Objective: To analyze the time spent by the health multidisciplinary team assisting patients in home care. Methods: An exploratory descriptive study that included 214 patients. After defining the main procedures, they were timed by trained observers who collected the data in 2009 and 2010. In total, 245 home visits and 441 procedures were observed. Results: Among the procedures categorized as direct assistance, the highlight was the time spent by the nursing staff, of 30.2 hours, followed by physiotherapists with 11.9h, dieticians with 9.4h and physicians with 8.9h. Indirect care was represented by the displacement of staff and guidance to the caregiver, family and/or patient, which consumed 65.3 hours and 20.3h, respectively. Conclusion: The analysis of time spent in home care revealed the complexity of this model of care and the potentiality to subsidize the sizing of staff, as well as the reorganization of the service. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil. Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Villas Bôas ML, Shimizu HE Introdução Nos últimos anos, a assistência domiciliar tem ressurgido como uma tendência mundial em resposta às demandas decorrentes da transição demográfica e da epidemiológica, caracterizadas especialmente no Brasil por: redução da mortalidade infantil; declínio acentuado da fecundidade; aumento da esperança de vida ao nascer; rápido processo de envelhecimento populacional e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis; tal situação de saúde, aliada ao desenvolvimento de novas tecnologias, entre outros fatores, tem elevado os custos assistenciais desses pacientes, que necessitam de assistência contínua em diferentes níveis de complexidade.(1) Dessa forma, a assistência domiciliar reafirma-se como uma das alternativas para a internação hospitalar, pelo potencial de inovação do modelo tecno-assistencial vigente, consubstanciando-se na integralidade e continuidade do cuidado, viabilizando: qualidade e humanização da atenção; trabalho em equipe voltado para a clínica ampliada; desenvolvimento de vínculo e participação efetiva dos cuidadores e das famílias na produção de projetos terapêuticos singulares; redução de internações e re-internações, com liberação de leitos hospitalares e, conseqüentemente, diminuição de custos da assistência.(2-5) Com o intuito de regulamentar essa modalidade assistencial, já validada em outros países, porém ainda pouco consolidada no serviço público do Brasil, o Ministério da Saúde lançou o Programa Melhor em Casa – Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde - em 2011, tendo publicado recentemente a Portaria nº. 963/2013, na qual reafirma a atenção domiciliar como incorporação tecnológica de caráter substitutivo ou complementar à intervenção hospitalar de baixa e de média complexidade, aos cuidados iniciados nos Serviços de Atenção à Urgência e Emergência e complementar à Atenção Básica. Nesse sentido, a assistência domiciliar no sistema público apresenta-se como inovação que requer novas tecnologias de cuidados, pois propõe a se dar de forma humanizada e vinculante, com plano assistencial usuário-centrado de natureza multidisci- plinar, o que coloca o desafio de constituir equipes de saúde com dimensionamento e tempo adequados para prestar assistência de qualidade. Todavia, depara-se com a dificuldade de se explicitar, sobretudo para os gestores, o quantitativo de pessoal necessário, bem como o número de pacientes possíveis de serem cuidados por uma equipe, considerando-se a especificidade de cuidados dessa modalidade assistencial. A revisão bibliográfica demonstrou escassez de estudos voltados para o tema, sendo consubstanciados basicamente em métodos para classificar pacientes em atenção domiciliar utilizados em outros países e em experiências brasileiras, fundamentados na carga de trabalho de enfermagem, dirigidos aos pacientes internados em hospitais. Outros instrumentos existentes têm como propósito determinar as intervenções nos pacientes atendidos em assistência domiciliar, dentre os quais: Catalogue de Prestations de Soins da Fondation des Services d’Aide et de Soins à Domicile utilizado na Suíça e instrumentos da Associação Brasileira das Empresas de Medicina Domiciliar e do Núcleo Nacional das Empresas de Assistência Domiciliar.. Esses dispositivos, apesar de pontuarem de forma prática a organização dos serviços, abrangem o dimensionamento de profissionais eminentemente de enfermagem, por meio da listagem e/ou duração temporal de atividades específicas de serviços de assistência domiciliar privados, inclusive os de alta complexidade, para fins de pagamento de procedimentos e/ou horas de trabalho, o que caracteriza o modelo Manage Health Care, centrado na racionalidade gerencial e financeira de convênios, planos e seguros de saúde. Desta forma, urge a necessidade de estudos voltados para atenção domiciliar, especialmente do serviço público, que apresenta diversas peculiaridades, inclusive as relacionadas a integralidade do cuidado, que é desenvolvida pela equipe multidisciplinar com a colaboração do cuidador, entre outras interfaces. Ressalta-se ainda que a identificação e validação dos procedimentos/intervenções desenvolvidos no cotidiano poderão subsidiar o dimensionamento de pessoal e consequentemente um melhor planejaActa Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. 33 Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal mento de recursos humanos, que possam garantir a qualidade da atenção, aliada à sua capacitação. O objetivo deste estudo analisar o tempo gasto por equipe multiprofissional de saúde no cuidado aos pacientes em atenção domiciliar, a fim de oferecer subsídios para refletir sobre o dimensionamento de pessoal no serviço. Métodos Trata-se de estudo descritivo e exploratório, desenvolvido em cinco Núcleos Regionais do Programa de Internação Domiciliar do Distrito Federal, Brasília, implantado desde 1994. Na primeira etapa do estudo foram realizadas oficinas de trabalho com profissionais especialistas da atenção domiciliar para discutir os procedimentos requeridos pelos pacientes, a fim de obter a validade consensual e de conteúdo dos mesmos, tendo havido a consulta a alguns dispositivos validados como o Theurapeutic Intervention Score Sistem (TISS), entre outros. O instrumento elaborado para mensurar o tempo gasto na atenção domiciliar (Anexo), foi composto pelos principais procedimentos/intervenções desenvolvidos na assistência direta (em domicílio) pela equipe multiprofissional, aqui considerada por: médico, pessoal de enfermagem, nutricionista e fisioterapeuta. Além desses, incluíram-se os procedimentos que fazem parte da assistência indireta como: deslocamento da equipe - tempo gasto da saída do serviço até a chegada ao domicílio do paciente e da saída do domicílio à chegada a outro domicílio (se houver) e/ou ao retorno ao serviço; e orientação ao cuidador, família e/ou paciente. Na segunda etapa do estudo foi realizado observação dos cuidados prestados aos pacientes, utilizando-se o instrumento criado na primeira etapa do estudo. Foram selecionados dois observadores externos para a cronometragem do tempo das atividades das equipes multidisciplinares de atenção domiciliar, que obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: pertencer a uma das categorias profissionais constituintes da equipe de saúde; ter referência quanto à responsabilidade e compromisso; possuir 34 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. perfil e disponibilidade de tempo para a realização do trabalho. O treinamento dos observadores ocorreu por meio de várias reuniões, enfocando o correto preenchimento do instrumento e a possibilidade de registros extras para aperfeiçoamento do mesmo. A população para mensuração dos procedimentos foi constituída pelos pacientes ativos do Programa de Internação Domiciliar do Distrito Federal, Serviço de Atenção Domiciliar (Brasília-DF), Atenção Básica, no período de 2009 e 2010, sendo o estudo realizado por amostra aleatória sistemática. Os critérios de inclusão dos participantes do estudo foram os de admissão ao Programa: portadores de doenças crônico-degenerativas agudizadas, sequelados e com comorbidades; em cuidados paliativos; com incapacidade funcional para atividades de vida diária, provisória ou permanente e em estabilidade clínica, perfil em que há a prevalência de pessoas idosas. Já os critérios de exclusão consistiram em: pacientes com necessidade de ventilação mecânica invasiva, em monitorização contínua, com enfermagem intensiva e propedêutica complementar com demanda potencial de realização de procedimentos diagnósticos em seqüência com urgência; em uso de medicação complexa com efeitos colaterais potencialmente graves, ou de difícil administração; em tratamento cirúrgico em caráter de urgência e que não tivessem cuidador contínuo identificado. As variáveis do estudo foram representadas pelo número e tempo médio gasto dos procedimentos realizados no domicílio para a assistência direta e pelo número de orientações e tempo real gasto nos deslocamentos das equipes multiprofissionais para a assistência indireta. Os possíveis vieses de aferição e de mensuração foram minimizados pela padronização do instrumento de coleta de dados e do uso de cronômetro, bem como o treinamento de observadores credenciados. O cálculo do tamanho da amostra foi realizado em função da população alvo de 1019 pacientes ativos do Programa em outubro de 2009 (nível de significância: 5%; poder estatístico: 80%), resultando em 282 pacientes. Villas Bôas ML, Shimizu HE Os dados foram armazenados em planilhas do tipo Excel e a análise foi realizada por elementos de estatística descritiva, sendo utilizado o software estatístico SPSS versão 17.0. O estudo desenvolveu-se em dois períodos: o primeiro ocorreu durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2009, nas Regionais de Saúde de Sobradinho, Planaltina, Gama, Guará e Asa Norte, quando foram realizadas 66 visitas domiciliares; e o segundo foi realizado durante os meses de julho, agosto e setembro de 2010 (179 visitas, totalizando 245 visitas domiciliares), para complementar o número de visitas da primeira amostra, a fim de se obter o quantitativo necessário para a amostra representativa de pacientes do Programa. A pesquisa alcançou o percentual de 86,8 do total da aplicação do instrumento para a amostra calculada (214 de 282 pacientes). O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Observou-se que a equipe de enfermagem despende maior tempo no Programa de Internação Domiciliar do Distrito Federal. Os principais procedimentos realizados encontram-se na tabela 1. Os que demandaram maior tempo médio de realização foram: “curativo/desbridamento” - 25,1; “curativos múltiplos” - 15,6; “curativo de úlcera de pressão grau III” - 11,7 minutos e “curativo de úlcera de pressão grau II” - 10,2 minutos; “consultas de enfermagem” - 21,6 minutos (primeira) e 12,3 minutos (subsequente); “instalação de soroterapia” - 16,9 minutos; e “cuidados e orientações para pacientes com ostomias” - 15,8 minutos. O tempo gasto nesses procedimentos evidenciam a complexidade assistencial dos pacientes cuidados pelo programa. De modo análogo, estão dispostos, na tabela 2, os dados correspondentes aos principais procedimentos sistematizados realizados pelo fisioterapeuta, nutricionista e médico, no mesmo local e período, com as especificidades de cada categoria profissional. O fisioterapeuta evidenciou maior número Tabela 1. Número de procedimentos e média da duração (em minutos) realizados no domicílio pela equipe de enfermagem na primeira e na segunda etapa do estudo Procedimentos de enfermagem Média (minutos) n(295) DP Curativo / desbridamento 1 25,1 0 1ª Consulta de enfermagem (domiciliar) 8 21,6 20,5 Instalação de soroterapia 1 16,9 0 Cuidados e orientações para pacientes com ostomias 5 15,8 13,9 Curativos múltiplos 4 15,6 15,5 Consulta subsequente de enfermagem (domiciliar) 26 12,3 14,9 Curativo de úlcera de pressão grau III 15 11,7 21,8 Curativo de úlcera de pressão grau II 18 10,2 7,1 Passagem de sonda vesical nasogástrica / nasoenteral 7 9,6 6,9 Curativo de úlcera de pressão grau IV 10 8,5 12,5 Passagem de sonda vesical de demora 8 8,2 7 Aplicação de medicação por via endovenosa 5 7,1 8 Passagem de sonda vesical para coleta de exame 6 6,5 3,9 Coleta de sangue para exame 35 6,2 13,5 Retirada de soroterapia 1 3,3 0 Mensuração / avaliação e registro de sinais vitais 59 3,1 12,3 Aplicação de medicação por via muscular / subcutânea 2 3,1 2,8 Avaliação de glicemia 8 1,7 1,7 Mensuração de oximetria 27 0,9 7,4 Registro e ciência do cuidador na ficha de visita domiciliar 49 0,8 5 n – número de procedimentos realizados; DP – Desvio Padrão de procedimentos (42), seguido pelo nutricionista (29) e pelo médico (25). A atividade que demandou maior tempo para realização foi “primeira consulta médica domiciliar” (média de 54,3minutos), seguida por “avaliação/adaptação de ambiente residencial” do fisioterapeuta (média de 35,5 minutos) e “primeira consulta domiciliar com nutricionista”, que durou 23,5 minutos em média. Tabela 2. Número e duração média de procedimentos domiciliares (em minutos) realizados pelo fisioterapeuta, nutricionista e médico Categoria profissional Procedimentos Fisioterapeuta Avaliação / adaptação de ambiente residencial Médico Média (minutos) DP 3 35,5 7 16 21,2 40,5 1ª Consulta com fisioterapeuta (domiciliar) 6 16,4 10,3 Consulta subsequente do fisioterapeuta (domiciliar) 17 10 27,3 1ª Consulta com nutricionista (domiciliar) 15 23,5 12,7 Consulta subsequente do nutricionista (domiciliar) 14 15,2 22,6 1ª Consulta médica (domiciliar) 3 54,3 10,6 Consulta subsequente do médico (domiciliar) 22 17 18,4 Sessão de fisioterapia (respiratória, motora, neurológica e/ou traumatológica) / orientação ao cuidador e/ou paciente Nutricionista n(96) n - Número de procedimentos realizados; M - Média; DP – Desvio Padrão As variáveis da assistência direta (procedimentos dos profissionais) e as da assistência indireta (tempo Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. 35 Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal de deslocamento e orientação ao cuidador, família e/ou paciente) estão elencadas na tabela 3. Tabela 3. Variáveis da assistência direta e indireta, segundo número de procedimentos realizados, média em horas com os respectivos percentuais e tempo de deslocamento e de orientação geral, segundo tempo real em horas e percentual Assistência direta (procedimentos dos profissionais) n(%) Média horas (%) Enfermagem 295(75,5) 30,2(50) Fisioterapeuta 42(10,7) 11,9(19,7) Nutricionista 29(7,4) 9,4(15,6) Médico 25(6,4) 8,9(14,7) 391(100) 60,4(100) Tempo real (horas) (%) 92 58,5 Tempo de deslocamento da equipe (T deslocamento = T saída do serviço ao domicílio + T entre domicílios + T retorno ao serviço) 65,3 41,5 Tempo de orientação geral (T orientação = T visita – T procedimentos) 20,3 13 Tempo total (T total = T visita + T deslocamento) 157,3 100 Total Assistência indireta Tempo de duração da visita (T visita = T chegada domicílio - T saída domicílio) n(%) – Número/Percentual de procedimentos; M(%) Média horas/Percentual do tempo despendido (Σn x Mmin/60); T-Tempo Para a assistência direta a média do tempo gasto foi calculada pelo somatório de procedimentos de cada profissional multiplicado pela sua respectiva média de duração em minutos (Tabelas 1 e 2) e dividido por 60, para se obter o dado em horas. Observou-se que 75,5% do total de procedimentos realizados pela equipe multiprofissional foram desenvolvidos pela equipe de enfermagem (295), correspondendo a 50% do total da média de tempo despendido em assistência domiciliar. O tempo gasto na assistência indireta que inclui a duração da visita (orientação geral + realização de procedimentos) e o deslocamento da equipe foram assim cronometrados: Tempo Total = 157,3 horas, das quais, 92 horas foram de duração da visita (58,5%) e 65,3 horas foi o tempo de deslocamento (41,5%). O tempo de orientação foi de 20,3 horas: portanto, o tempo real de procedimentos foi de 71,7 horas (92 - 20,3= 71,7), correspondendo a 13% e 45,5% do tempo total de assistência domiciliar, respectivamente. As perdas ocorridas durante o período de pesquisa foram representadas por visitas perdidas (agendadas e não realizadas): 09; visitas não registradas: 05; procedimentos não registrados: 07; tempo registra- 36 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. do incompatível: 02, cujos percentuais estão abaixo de 1% em relação ao total. Discussão Verificou-se que a atenção domiciliar desenvolve diversos procedimentos/intervenções executados por equipe multiprofissional, visando prover a qualidade de assistência, que consiste em atender às especificidades desses pacientes que apresentam perfil diferenciado. Considerando os procedimentos de enfermagem, constatou-se que a realização de curativos de úlceras por pressão de graus variados foi uma das atividades mais freqüentes e a que mais demandou tempo desses profissionais. Este fato coaduna-se com o perfil clínico dos pacientes que têm sido atendidos no Programa de Internação Domiciliar do Distrito Federal, uma vez que a incidência de úlcera por pressão no acompanhamento domiciliar é frequente, acometendo pacientes com restrições dos movimentos e da sensibilidade, cujos principais fatores de risco são a pressão de contato, a força de cisalhamento, anemia, desnutrição e doenças crônicas.(6,7) Ao se comparar o quantitativo e a duração dos procedimentos realizados de enfermagem em relação ao dos demais profissionais participantes da equipe, observou-se que aqueles atingiram um patamar bem superior, donde se depreende o peso da equipe de enfermagem na rotina do Serviço de Atenção Domiciliar, caracterizando-a como lócus privilegiado da enfermagem, no qual suas competências são desenvolvidas em sua plenitude, seja nas áreas assistencial, administrativa, educativa e principalmente na de pesquisa, pela preponderante produção científica em atenção domiciliar, bem como na de gestão de casos.(8) Há de se pontuar, contudo, que diferentemente de outras categorias profissionais, os procedimentos de enfermagem estão bem específicos e parametrizados, ou seja, são na maioria das vezes, perfeitamente distinguíveis e “cronometráveis”, o que não acontece, pelo menos quando a abordagem é clinica, na medicina, nutrição e fisioterapia, devido a escassez de estudos sobre mensuração de tempo de procedimentos. Villas Bôas ML, Shimizu HE Nos dados correspondentes aos procedimentos realizados por fisioterapeuta, nutricionista e médico, ficou evidenciado que o fisioterapeuta realizou maior número de procedimentos comparando-se ao nutricionista e ao médico. Ressalta-se que a fisioterapeuta despende tempo significativo para avaliação das condições do domicílio, o que revela cuidado com a segurança do paciente e, consequentemente, maior garantia do seguimento do cuidado ao mesmo. A fisioterapia domiciliar é ocasionada principalmente pelas doenças crônicas, sendo que os pacientes que mais demandam esta terapia estão restritos ao leito e se concentram na faixa etária acima dos 65 anos. O principal objetivo é a reabilitação motora para tratar as principais seqüelas do acidente vascular encefálico, bem como as da artrose e fratura de quadril. Esse perfil é encontrado nos pacientes do Programa do Distrito Federal e em pesquisa realizada em um Centro de Reabilitação Distrital norueguês, cuja reabilitação coordenada e multidisciplinar propiciou melhoras significativas e persistentes aos pacientes atendidos, dos quais 74% necessitaram se serviços de assistência domiciliar.(9) O tempo despendido na primeira consulta de todos os profissionais de uma forma geral foi superior ao tempo gasto nas consultas de seguimento (Tabelas 1 e 2), provavelmente devido ao desconhecimento do quadro clínico do paciente, com necessidade de despender maior tempo em sua propedêutica e no contato com o cuidador e a família. Além disso, sugere-se que o tempo gasto nas consultas revela um cuidado, sobretudo voltado para a orientação do cuidador, que permanece o tempo todo com o paciente. Nesse aspecto, a atividade que demandou maior tempo para realização foi a primeira consulta médica domiciliar, fato compartilhado pelo Programa de Internação Domiciliar cubano, que é desenvolvido por médicos de família, que gastam 22 minutos por visita, e contam com apoio de especialistas. A média de tempo gasto com pacientes é comparável com a de enfermeiras de família, pois as visitas domiciliares são organizadas, na maioria das vezes, conjuntamente, englobando as visitas para ações preventivas e curativas.(10) Já o número de consultas subseqüentes da maioria dos profissionais da equipe foi bem superior ao número de primeiras consultas registradas (Tabelas 1 e 2), caracterizando a longitudinalidade do cuidado, que exprime o vínculo a partir de estreitas relações entre profissional e paciente, cuidador e família, pautadas na humanização das relações, confiança, coparticipação e em ações que consideram a integralidade desse paciente, suas necessidades concretas e a resolução destas.(11) Em relação ao tempo gasto na assistência indireta, o tempo de orientação geral realizado por todos os membros da equipe multiprofissional durou 20,3 horas de um total de 92 horas despendidas na visita domiciliar propriamente dita (22%), o que traduz e reafirma, junto à longitudinalidade do cuidado, a implicação e a vinculação da equipe profissional ao paciente e à família, tornando-se o diferencial da atenção domiciliar, na utilização preponderante das tecnologias leves, caracterizadas pelo desenvolvimento de relações humanas. Esse contexto propicia uma fonte inesgotável para educação permanente e de novas formas de integrar os diferentes olhares para a transformação de práticas de saúde. Esse fato coaduna-se ao encontrado em outros estudos, nos quais o tempo gasto por equipe de enfermagem em atividades em nursing homes, foi significativamente maior para a comunicação, dentre todas as atividades realizadas naqueles estabelecimentos, concluindo que atividades de comunicação/orientação tem tido lugar de destaque em serviços que atendem idosos pela influência positiva das relações de interação social com o bem estar desses pacientes.(12,13) Já o tempo gasto pelo deslocamento da equipe (assistência indireta), demandou 65,3h do total de 157,3h cronometradas de assistência domiciliar. Ressalta-se que a infraestrutura do serviço, especialmente relacionada ao transporte para deslocamento dos profissionais, necessita ser revisto. O tempo de deslocamento da equipe consumiu 41,5% do período total de assistência domiciliar, o que impactou negativamente na produtividade do serviço. O tempo médio de duração de cada visita domiciliar foi de aproximadamente 55 minutos. Os limites dos resultados deste estudo estão relacionados com o delineamento exploratório que Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. 37 Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal não permite o estabelecimento de associação entre causa e efeito e às dificuldades operacionais encontradas na coleta de dados, que espelharam a estrutura logística dos serviços da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, na qual muitas vezes não havia disponibilidade de carros e motoristas suficientes para prover de forma adequada o deslocamento das equipes para visita domiciliar. Também se reconhece que as atividades aqui elencadas são apenas as identificadas como principais e mais prevalentes no serviço, não tendo sido computadas outras atividades afins como a realização de reuniões da equipe multidisciplinar, que comprovadamente melhoram a comunicação entre os profissionais de saúde e otimizam o atendimento ao paciente, principalmente na melhoria da prescrição em lares, além de toda a logística que é desenvolvida no serviço para o planejamento administrativo e assistencial, tanto antes quanto depois da visita domiciliar.(14) Conclusão Este estudo permitiu conhecer os principais procedimentos/intervenções realizados por equipe multiprofissional em serviço de atenção domiciliar, cuja análise do tempo gasto poderá subsidiar o dimensionamento adequado de profissionais de saúde e a infraestrutura necessária para atender às especificidades do serviço, e de um modo geral, o planejamento e organização do serviço. Agradecimentos À Fundação de Ensino de Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – FEPECS/SES-DF, pelo financiamento de pesquisa aprovada sob o número 392/2008. Colaborações Villas Bôas MLC e Shimizu HE declaram que contribuíram com a concepção e projeto, revisão crítica 38 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1.Genet N, Boerma WGW, Kringos DS, Bouman A, Francke AL, Fagerström C, et al. Home care in Europe: a systematic literature review. BMC Health Serv Res. 2011; 11:207. 2. Shepperd S, Doll H, Angus RM , Clarke MJ, Iliffe S, Kalra L, et al. Avoiding hospital admission through provision of hospital care at home: a systematic review and meta-analysis of individual patient data CMAJ. 2009; 180(2):175-82. 3. Unwin,BK, Porvaznik M. Nursing home care: Part I. Principles and pitfalls of practice. Am Fam Physician. 2010; 81(10):1219-27. 4. 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Age Ageing. 2011; 40(2):150-2. Villas Bôas ML, Shimizu HE Anexo Instrumento para dimensionamento de tempo necessário para realização de procedimentos em visita domiciliar Programa de internação domiciliar da SES-DF Categoria profissional Procedimento Enfermagem 1ª Consulta de enfermagem (domiciliar)¹ Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Média de tempo Observação Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Média de Tempo Observação Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Média de Tempo Observação ND ND ND ND DD DD DD DD DN DN DN DN Consulta subseqüente de enfermagem (domiciliar) Aplicação de medicação por via muscular / subcutânea ² Aplicação de medicação por via endovenosa ² Instalação de soroterapia ³ Retirada de soroterapia ³ Passagem de sonda vesical para coleta de exame ³ Passagem de sonda vesical de demora ³ Passagem de sonda nasogástrica / nasoenteral ³ Coleta de sangue para exame ³ Curativo de úlcera de pressão grau II ³ Curativo de úlcera de pressão grau III ³ Curativo de úlcera de pressão grau IV ³ Curativo / desbridamento ³ Curativos múltiplos Orientação ao cuidador Orientação ao paciente Avaliação de glicemia Cuidados e orientações para pacientes com ostomias 4 Retirada de pontos de sutura 5 Mensuração de oximetria 5 Mensuração / avaliação e registro de sinais vitais 5 Registro e ciência do cuidador na ficha de visita domiciliar 6 Categoria profissional Médico Procedimento 1ª Consulta médica (domiciliar) 7 Consulta subseqüente do médico (domiciliar) Orientação ao cuidador Orientação ao paciente Nutricionista 1a Consulta com nutricionista (domiciliar) 8 Consulta subseqüente do nutricionista (domiciliar) Orientação ao cuidador / paciente Fisioterapeuta 1ª Consulta com fisioterapeuta (domiciliar) 9 Consulta subseqüente do fisioterapeuta (domiciliar) Sessão de fisioterapia (respiratória, motora, neurológica e/ou traumatológica) / orientação ao cuidador e/ou paciente.10 Avaliação/adaptação de ambiente residencial Tempo de deslocamento Tempo de deslocamento do veículo da Unidade de Saúde para a residência e retorno à Unidade. Hora de chegada ao domicílio Hora de saída do domicílio ND - viagem entre o NRAD eo Domicílio DD - viagem entre Domicílios DN - viagem entre o domicílio eo NRAD ( Núcleo Regional de Atenção Domiciliar / Centro Regional de Home Care ) Nome do observador Local / Data Matrícula Assinatura Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. 39 Tempo gasto por equipe multiprofissional em assistência domiciliar: subsídio para dimensionar pessoal ORIENTAÇÕES GERAIS O objetivo deste instrumento é aferir o tempo despendido em cada procedimento realizado em domicílio e em deslocamento do profissional, por meio de cronômetro. Os procedimentos estão divididos por categoria profissional. Deve ser preenchido por observador treinado, isento de qualquer avaliação crítica do procedimento ou do profissional que está realizando a atividade. Cada aferição de tempo deve ser feita individualmente, ou seja, cronometrar um procedimento de cada vez, para não desviar a atenção. O mesmo procedimento realizado para um paciente poderá ser aferido em visitas domiciliares diferentes. Na tabela anexa há as colunas específicas por categoria profissional, por procedimento, por Tempos despendidos para a realização do procedimento e de deslocamento, Média de Tempo e Observações. No Tempo1, registrar o tempo necessário para o procedimento avaliado. Numa segunda visita domiciliar, será determinado o tempo despendido para aquele mesmo procedimento, e anotado no espaço Tempo 2 e assim sucessivamente. O tempo será marcado em horas, minutos e segundos ex.: 00h00min00seg. Qualquer procedimento que não conste atualmente neste instrumento, poderá ser listado nos espaços em branco ou no item “Observações”. O profissional que irá realizar o procedimento deverá sinalizar ao observador o momento de início e fim de cada atividade; por exemplo: “Aplicação de medicação por via subcutânea” - começar a contar tempo desde o momento de posicionamento do paciente para tal procedimento até o registro. O mesmo ocorre para as outras ações. A média de tempo equivale à soma dos Tempos 1, 2 e 3, dividido por 3 (exemplo). Tempo de deslocamento: significa o tempo de deslocamento do veículo do NRAD ao local da visita no domicílio (ND), entre domicílios (DD) e do domicílio ao NRAD (DN). A rotina da equipe não deve ser modificada durante a aplicação do instrumento. ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS 1. De acordo com o Relatório de Avaliação de Enfermagem para Pacientes em Internação Domiciliar que consta noProjeto de Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal. 2. Inclui preparo da medicação, aplicação e registro. 3. Inclui preparo do material e do paciente, procedimento técnico, organização do local e preenchimento de dados / registro. Para coleta de material para exame, excluir o tempo de deslocamento e entrega no laboratório. Nos casos de curativo de úlcera de pressão, considerar o tempo que demanda o curativo de somente uma úlcera. O profissional que irá fazer o curativo deverá informar ao observador o grau de complexidade da úlcera. 4. Inclui os cuidados e orientações exclusivamente relacionadas à ostomia. 5. Inclui preparo do paciente, procedimento técnico e organização do local. 6. Inclui preenchimento da ficha de visita domiciliar, leitura pelo cuidador e assinatura do cuidador. 7. Segundo o Relatório de Avaliação Médica para Pacientes em Internação Domiciliar do Projeto de Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal - 2007. Inclui avaliação e registro. 8. Segundo Plano de Avaliação Nutricional para Pacientes em Atendimento Domiciliar do Projeto de Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal - 2007. Inclui avaliação e registro. 9. De acordo com o Relatório de Avaliação Fisioterápica do Projeto de Implantação do Programa de Internação Domiciliar no Distrito Federal - 2007. Inclui avaliação e registro. 10. Considerar procedimento fisioterápico (fisioterapia motora, neurológica, respiratória e/ou traumatológica), juntamente com a orientação que vai sendo fornecida ao cuidador e/ou paciente, durante a atividade desenvolvida. 40 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):32-40. Artigo Original Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros Treatment adherence in patients with heart failure receiving nurse-assisted home visits Vanessa Monteiro Mantovani1 Karen Brasil Ruschel1 Emiliane Nogueira de Souza1 Claudia Mussi1 Eneida Rejane Rabelo-Silva1 Descritores Adesão do paciente; Cuidados de enfermagem; Enfermagem prática; Insuficiência cardíaca; Visita domiciliar Keywords Patient compliance; Nursing care; Nursing, practical; Heart failure; Home visit Submetido 01 de setembro de 2014 Aceito 15 de setembro de 2014 Autor correspondente Eneida Rejane Rabelo-Silva Rua São Manoel, 963, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90620-110 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500008 Resumo Objetivo: Verificar a adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiras após alta hospitalar. Método: Estudo tipo antes-depois realizado com pacientes recentemente internados por insuficiência cardíaca descompensada. Três visitas domiciliares foram realizadas após alta em um intervalo de 45 dias. Avaliou-se a adesão na primeira e terceira visitas através de um questionário validado (10 questões, ponto de corte 18 pontos=70%=adesão satisfatória). Durante a primeira e segunda visitas, os pacientes receberam educação quanto à doença, adesão e autocuidado. Resultados: Foram incluídos 32 pacientes, idade média 65±16 anos, 18(58%) masculinos. Os 32 pacientes receberam um total de 96 visitas domiciliares. Os escores de adesão foram 16±2.6 vs 20.4±2.7 na primeira e terceira visitas, respectivamente (p=0,001). Questões como peso e restrição hídrica aumentaram significativamente após a intervenção. Conclusão: A intervenção de educação no domicílio melhorou significativamente a adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca e internação recente. Abstract Objective: To assess treatment adherence in patients with heart failure receiving nurse-led home visits after hospital discharge. Methods: This was a before-and-after study involving patients who had been recently hospitalized for decompensated heart failure. Three home visits were conducted within 45 days of hospital discharge. Treatment adherence was assessed in the first and third visits through a 10-item questionnaire (cutoff point: 18 = 70% adherence). In the first and second visits, patients were educated as to their condition, treatment adherence and self-care. Results: There were 32 patients included, mean age 65±16 years, 18(58%) male. The 32 patients received a total of 96 home visits. Treatment adherence scores were of 16±2.6 vs 20.4±2.7 in the first and third visits, respectively (p=0,001). Weight monitoring and liquid restriction behaviors improved significantly following the intervention. Conclusion: The in-home educational intervention led to significant improvements in the treatment adherence of recently-hospitalized patients with heart failure. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflito de interesse a declarar. 1 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7. 41 Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros Introdução O manejo não farmacológico no acompanhamento de pacientes com insuficiência cardíaca vem demonstrando, ao longo das duas últimas décadas, benefícios na redução de readmissões hospitalares, melhora da sobrevida e, principalmente, da qualidade de vida.(1,2) Essa estratégia é baseada em educação para saúde no que se refere ao conhecimento dessa síndrome e ao autocuidado, envolvendo orientações como restrição hidrossalina, atividade física, verificação diária de peso, reconhecimento precoce de sinais e sintomas de descompensação, entre outras medidas.(3) No entanto, apesar da implementação dessas estratégias aliadas ao tratamento farmacológico otimizado, as taxas de readmissão hospitalar após a alta hospitalar por insuficiência cardíaca continuam elevadas.(4) Por conseguinte, já foi constatado que as principais causas de re-hospitalizações relacionamse à má adesão ao tratamento ou à incapacidade do paciente de identificar sinais e sintomas preditivos de descompensação da doença.(5-7) No contexto de estratégias utilizadas para melhorar a adesão de pacientes com insuficiência cardíaca ao tratamento, tanto a monitorização por telefone como a visita domiciliar já foram testadas com benefícios comprovados tanto na adesão como no autocuidado.(1,2,8) Na perspectiva da visita domiciliar, essa é uma estratégia que comprovadamente facilita a abordagem dos pacientes e de suas famílias a respeito de orientações sobre a insuficiência cardíaca e também em relação ao autocuidado. Inclui o reforço e o acompanhamento de orientações previamente fornecidas em internações hospitalares e a avaliação sistemática da adesão ao tratamento e ao reconhecimento de sinais e sintomas de descompensação.(9,10) Diante dessas evidências de que a visita domiciliar traz benefícios na adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca e internação recente por descompensação que o presente estudo foi desenvolvido. Nosso objetivo foi verificar a adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiras após a alta hospitalar, com abordagem 42 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7. de educação sobre a insuficiência cardíaca e tratamento. Este estudo torna-se relevante uma vez que a adesão pode se relacionar ao alcance e à manutenção da estabilidade clínica e a menos crises de descompensação. Métodos Trata-se de um estudo experimental antes-depois realizado com pacientes que estiveram internados por descompensação da insuficiência cardíaca em duas instituições de referência no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A intervenção de enfermagem e a avaliação da adesão ocorreram no domicílio dos pacientes, após a alta hospitalar, com a realização de três visitas domiciliares por enfermeiras especialistas em um intervalo de 45 dias. A primeira visita domiciliar ocorreu entre sete a dez dias após a alta hospitalar, enquanto a segunda visita ocorreu entre 15 e 20 dias após a primeira, e a terceira visita domiciliar ocorreu de 15 a 20 dias após a segunda visita. Incluíram-se no estudo, por meio de uma amostra de conveniência, pacientes internados por descompensação da insuficiência cardíaca de ambos os sexos, idade igual ou superior a 18 anos, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 45%, que residiam a uma distância de até 25 km das instituições. Excluíram-se pacientes com barreiras de comunicação e portadores de doenças neurológicas degenerativas. O tamanho da amostra foi calculado com base no estudo que desenvolveu o questionário de adesão ao tratamento mencionado anteriormente.(2) Os cálculos sugeriram que uma amostra de 32 pacientes recebendo duas visitas cada (num total de 64 visitas) seria necessária para detectar os resultados com 5% de significância e 80% de poder. Para os pacientes que preencheram os critérios de inclusão e aceitaram participar do estudo, foram coletados dados de identificação, dados clínicos (antropométricos, história da doença atual, pregressa, comorbidades, dados ecocardiográficos, tratamento farmacológico) e dados demográficos (sexo, idade, situação socioeconômica, escolaridade). Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EN, Mussi C, Rabelo-Silva ER Em relação à adesão, foi aplicado um questionário de adesão previamente adaptado e validado para uso no Brasil.(2) Trata-se de um instrumento com dez questões relacionadas ao uso dos medicamentos prescritos, verificação diária do peso, ingesta de sal, ingesta hídrica e comparecimento a consultas e exames marcados. Cada questão possuía de três a quatro alternativas; nas questões com quatro alternativas o escore variava de zero a quatro pontos, e nas questões com três alternativas, o escore variava de zero a três pontos. Dessa maneira, o escore geral de adesão poderia variar de zero a 26 pontos. Um escore mínimo de 18 pontos foi considerado como ponto de corte para os pacientes aderentes ao tratamento, correspondendo a 70% de adesão. Após a aplicação do instrumento na primeira visita domiciliar, foi realizado o exame físico em busca de sinais clínicos de descompensação da insuficiência cardíaca. Também foi avaliada a classe funcional de acordo com a New York Heart Association, classificando o paciente de I a IV, sendo I o paciente assintomático e IV o paciente com sintomas de insuficiência cardíaca em repouso.(11) Após, foram fornecidas orientações sobre a insuficiência cardíaca e o tratamento, como: restrição hídrica e salina adequada ao paciente, controle efetivo do peso diário, identificação de sinais e sintomas de descompensação da insuficiência cardíaca, ação e efeitos colaterais dos medicamentos prescritos e vacinação contra a gripe e a pneumonia. Ao final da visita domiciliar, foram verificadas e sanadas as dúvidas do paciente e/ou familiar. A segunda visita domiciliar ocorreu duas semanas após a primeira. Nessa visita, foi realizado o exame físico e avaliada a classe funcional, da mesma forma foram verificadas as dúvidas do paciente e/ou familiar com relação ao tratamento e novamente foram reforçadas as orientações quanto ao tratamento e autocuidado. A terceira visita domiciliar ocorreu duas semanas após a segunda visita. Nessa visita, foi aplicado o mesmo instrumento de avaliação de adesão aplicado na primeira visita, com objetivo de avaliar se houve melhora da adesão com a realização das visitas domiciliares. Também foi realizado o exame físico com avaliação da classe funcional. Depois disso, foram novamente reforçadas as mesmas orientações das visitas anteriores. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão para aquelas com distribuição normal; as categóricas com frequências absolutas e percentuais. Os escores de adesão foram comparados pelo teste t pareado e um p < 0,05 foi considerado significativo. A realização do estudo seguiu padrões éticos nacionais e internacionais de pesquisa com seres humanos. Resultados Foram incluídos no estudo 32 pacientes, com idade média de 65±16 anos, 18(58%) do sexo masculino. A maioria dos pacientes residia com dois ou mais membros da família. Cinquenta por cento tinha até seis anos de estudo e ganhavam até três salários mínimos. A etiologia mais prevalente da insuficiência cardíaca foi a isquêmica, e a fração de ejeção média da amostra foi de 30±7%. Em relação às medicações em uso, foi constatado que os pacientes utilizavam em média sete classes diferentes de medicamentos. No que se refere às internações prévias, 21(67%) pacientes estiveram internados pelo menos uma vez devido à insuficiência cardíaca descompensada nos últimos 12 meses. Dentre as comorbidades apresentadas pelos pacientes, a hipertensão arterial sistêmica e o diabete mellitus estiveram presentes em 62,5% e 37,5% da amostra, respectivamente. O número de pacientes nas classes funcionais I e II, que representam pacientes assintomáticos ou com sintomas ao esforço intenso, aumentou entre a primeira visita domiciliar (58%) e a terceira visita domiciliar (75%). Estas e as demais características estão demonstradas na tabela 1. Os 32 pacientes receberam um total de 96 visitas domiciliares. Em relação ao escore geral de adesão, os pacientes apresentaram aumento com diferença estatisticamente significativa no escore na comparação dos dados da primeira visita domiciliar para a terceira. Conforme ilustra a figura 1, na primeira visita, o escore foi igual a 16,0±2,6 pontos e, na terceira visita, foi igual a 20,4±2,7 pontos (p = 0,001). Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7. 43 Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros Tabela 1. Características clínicas e demográficas dos pacientes com insuficiência cardíaca Características Média±dp Idade (anos) * 8 n(%) 65 ± 16 Gênero (masculino) † 18(58) Cor (branca) 21(71) 6 6±3 Status profissional (aposentados) 18(58) Moram com dois ou mais membros da família Renda familiar (salários mínimos) * 26(83) 3±1 Etiologia da insuficiência cardíaca Isquêmica Frequência Tempo de estudo (anos) * 4 12(37,5) Hipertensiva 8(25) Fração de ejeção do ventrículo esquerdo* 30 ± 7 Número de medicações em uso 7±2 * Internações prévias 2 21(67) Comorbidades presentes Hipertensão arterial sistêmica 20(62,5) Diabetes mellitus 12(37,5) Dislipidemia 11(33,3) Classe Funcional I-II na visita domiciliar 1 18(58) Classe Funcional I-II na visita domiciliar 3 24(75) 0 10.00 12.00 14.00 16.00 18.00 10.00 22.00 Visita domiciliar 1 6 *Variáveis contínuas são expressas como média ± desvio padrão; n = 32 5 24 P = 0.001* 4 Frequência 22 Escore de adesão 20 18 3 2 16 14 1 12 0 10 15.00 Visita domiciliar 1 44 Visita domiciliar 3 17.50 20.00 22.50 25.00 Visita domiciliar 3 Figura 1. Comparação do escore de adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca; Teste t pareado Figura 2. Comparação entre o escore de acertos na primeira e na terceira visita domiciliar; Teste Qui-Quadrado Foi observada significativa melhora da adesão ao tratamento entre a primeira e a segunda visita, conforme a figura 2. Na primeira visita, houve um escore mínimo de 11 pontos, e máximo de 22 pontos. Já na terceira visita o escore mínimo foi igual a 15 pontos e o máximo foi de 25 pontos. Em relação ao ponto de corte para adesão, na primeira visita 53,1% dos pacientes atingiram o escore mínimo de 18 pontos, enquanto na terceira visita 81,3% dos pacientes obtiveram a pontuação mínima. Essa diferença foi estatisticamente significativa (p = 0,001). Na tabela 2 estão listadas as questões do questionário de adesão ao tratamento na primeira visita e na terceira visita. Observa-se que nenhuma questão apresentou decréscimo no percentual de adesão entre a primeira e a terceira visita, contudo, determinadas questões apresentaram aumento no percentual, como o uso correto dos medicamentos prescritos, o controle da ingesta salina e o comparecimento às consultas e aos exames agendados. As questões que apresentaram maior diferença no percentual de adesão foram aquelas relacionadas à verificação diária do peso, que aumentou de zero Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7. Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EN, Mussi C, Rabelo-Silva ER Tabela 2. Percentual de adesão ao tratamento por questões respondidas na primeira e terceira visitas domiciliares Questões Visita 1 n(%) Visita 3 n(%) 1. Usou os medicamentos nos últimos 15 dias, de acordo com a prescrição médica? 20(62,5) 22(68,8) 2. Você verifica o seu peso todos os dias? 0 8(25) 3. Você não utiliza sal nos seus alimentos? 31(96,9) 31(96,9) 4. Você não adiciona especiarias, molhos e outros alimentos fabricados com sal nas suas refeições? 32(100) 32(100) 5. Você não faz refeições ou come alimentos fora de casa, sem restrição de sal? 23(71,9) 24(75) 6. Você faz as refeições com ingestão de sopas, sorvete, gelatina, geléia, suco, leite, chá, café, de bebidas não alcoólicas, etc, não considerando a quantidade de líquido? 5(15,6) 17(53,1) 7. Você diminuiu a ingestão de líquidos de acordo com a instrução do seu médico ou enfermeiro? 13(40,6) 23(71,9) 8. Você come frutas com maiores quantidades de líquidos, sem considerar o líquido, tais como laranjas, melão, melancia, abacaxi, água de coco, etc? 19(59,4) 27(84,4) 9. Você não ingere bebida alcoólica? 27(84,4) 29(90,6) 10. Você compareceu a todas as consultas médicas ou exames agendados? 26(81,3) 31(96,9) para 25%, e as questões relacionadas ao controle da ingesta hídrica. Discussão Os resultados deste estudo identificaram que as orientações realizadas pelas enfermeiras foram efetivas em melhorar a adesão por parte dos pacientes. Observou-se que as questões como verificação diária do peso e controle da ingesta hídrica foram as que apresentaram maior melhora de desempenho durante o estudo. A ingestão descontrolada de líquidos em pacientes com insuficiência cardíaca refletese no aumento do peso e, consequentemente, nos sinais de descompensação da doença. As ações relacionadas ao autocuidado, como redução da ingesta hídrica e a necessidade do controle de peso diário, possuem influência visível na piora da doença e foram as mais bem absorvidas pelos pacientes. Em relação à classe funcional, as classes I-II também foram mais prevalentes na terceira visita, o que demonstra que houve uma melhora no aspecto clínico dos pacientes. A adesão ao tratamento em pacientes com insuficiência cardíaca é considerada um ponto crítico. Sabe-se que pacientes que utilizam medicações para doenças crônicas normalmente possuem conhecimento baixo sobre seus efeitos, fatores que podem afetar a adesão ao tratamento e a segurança dos medicamentos.(7,12) Sabe-se também que a adequada adesão ao tratamento é essencial para evitar crises de descompensação. No entanto, isto tem sido uma importante limitação para alguns pacientes, e por conta disso, as taxas de readmissões por insuficiência cardíaca continuam elevadas.(4) Nesse contex- to, a má adesão ao tratamento configura-se entre os principais fatores precipitantes de descompensação da doença que leva à readmissão hospitalar.(5) Em relação à baixa adesão ao tratamento, esta pode estar relacionada a fatores de risco como escolaridade e distúrbios psicológicos (como depressão),(13) somados às características da doença e à complexidade do tratamento.(14) Além disso, os custos, a quantidade de medicações e seus efeitos, as comorbidades que o paciente apresenta e o relacionamento entre profissional de saúde e paciente também influenciam na adesão ao tratamento.(11) No nosso estudo, o número de medicações diferentes utilizadas pelos pacientes variou de quatro a dez por conta de outras comorbidades. No entanto, ainda é considerado difícil traçar o perfil do paciente não aderente. Os resultados de uma revisão sistemática publicada recentemente demonstraram relação entre hospitalizações prévias e maiores taxas de adesão, provavelmente devido ao fato do paciente estar com sintomas exacerbados na internação, recebendo maior orientação da equipe de saúde e com medo de descompensar novamente. Outros determinantes presumidos, como condições socioeconômicas, comorbidades, medicamentos prescritos, foram considerados inconsistentes. O nível educacional do paciente e o número de profissionais de saúde que o acompanham também não indicaram maiores taxas de adesão. Devido à falta de evidências, os autores não conseguiram elaborar um plano de recomendações para futuras intervenções.(15) Em relação à visita domiciliar, poucos estudos analisaram o seu impacto na adesão ao tratamento da insuficiência cardíaca, provavelmente devido à Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7. 45 Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros escassez de instrumentos para avaliar tal questão. No primeiro estudo de intervenção multidisciplinar em insuficiência cardíaca, foi demonstrado que o acompanhamento de pacientes por equipe especializada para educação sobre a doença, autocuidado e adesão ao tratamento resultou em melhora significativa da qualidade de vida e da adesão nos pacientes do grupo intervenção.(16) Seguindo essa mesma linha, um estudo de 2012 avaliou, através de um ensaio clínico randomizado, a efetividade de um programa de intervenção de enfermagem, realizando encontros, telefonemas e visitas domiciliares, no aumento do autocuidado em pacientes com insuficiência cardíaca. Foram incluídos 66 pacientes, com período de seguimento de nove meses. No grupo intervenção, o percentual de autocuidado teve um aumento de 66% versus 26% de aumento no grupo controle, com diferença estatisticamente significativa (p<0.001). Concluiu-se que a intervenção educativa traz benefícios no aumento do autocuidado em pacientes com insuficiência cardíaca.(8) Um estudo piloto publicado em 2010 teve como objetivo desenvolver, implementar e testar a eficácia inicial de um programa de intervenção baseado em visitas domiciliares guiadas por enfermeiras. Foram incluídos 24 pacientes nessa primeira etapa. O grupo intervenção apresentou melhora significativa nos índices de qualidade de vida e diminuição de sintomas de depressão, também significativos quando comparados ao grupo controle. Houve também menores taxas de hospitalização no grupo intervenção, mas sem diferença estatisticamente significativa.(17) Dessa maneira, a visita domiciliar também foi identificada como uma estratégia eficaz, pois promove o aumento do autocuidado, que, por conseguinte auxilia no aumento da adesão e colabora na redução das readmissões hospitalares e morte. Uma recente revisão sistemática demonstrou que intervenções multidisciplinares em pacientes com insuficiência cardíaca incluem consultas em clínicas com médicos, enfermeiros, nutricionistas ou assistentes sociais, além de visitas domiciliares, monitorização por telefone, vídeos educativos, e intervenções realizadas durante internação hospitalar. Os resultados dessa revisão demonstraram que as estratégias que envolvem manejo multi- 46 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7. disciplinar reduzem os índices de readmissão por insuficiência cardíaca descompensada, colaboram na diminuição nas taxas de mortalidade e evidenciaram que as intervenções realizadas em ambiente domiciliar foram as mais efetivas.(1) A visita domiciliar destaca-se por buscar, principalmente em relação às pessoas idosas, a recuperação de sua autonomia e independência, ajudando a reduzir a ansiedade e a depressão, além de melhorar a qualidade de vida.(18) As visitas domiciliares também contribuem para a interação entre enfermeiras, familiares e pacientes, ajudando a estabelecer uma forte aliança terapêutica, o que provavelmente resultará em melhorias no autocuidado e na autoeficiência dos pacientes com insuficiência cardíaca.(19) Sabe-se que a insuficiência cardíaca é uma doença que provoca uma sensível perda na qualidade de vida, resultando muitas vezes, em aposentadorias precoces e altos custos socioeconômicos para os sistemas de saúde. O maior desafio da equipe de saúde está em prevenir a descompensação da insuficiência cardíaca, por isso é importante concentrar investimentos na difusão das informações e na educação popular.(11) O sucesso do tratamento não farmacológico requer esforços continuados e frequentes, objetivando manter a aproximação da equipe junto aos pacientes e seus cuidadores, reforçando dessa forma as orientações sobre a doença e o autocuidado.(3) Um estudo recente demonstrou que o monitoramento dos sintomas, especialmente do peso e do edema dos membros inferiores, é o primeiro passo para a realização do manejo adequado do autocuidado, o que poderia ajudar os pacientes com insuficiência cardíaca a evitar a re-hospitalizações.(20) Por isso, o atendimento multidisciplinar a pacientes com insuficiência cardíaca deve estar voltado para os fatores que podem exacerbar a doença, estando atento às respostas que o paciente apresenta ao esforço físico, além de observar manifestações de sinais e sintomas de descompensação. O sucesso do plano terapêutico para pacientes com insuficiência cardíaca depende principalmente da participação ativa do paciente e da adesão, associado à escolha adequada do tratamento pela equipe de saúde. Além disso, é necessário identificar os fatores que dificultam a adesão para que a equipe de saúde e Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EN, Mussi C, Rabelo-Silva ER o paciente pensem em conjunto estratégias para alcançar os melhores resultados.(3) Conclusão As orientações realizadas pelos enfermeiros quanto aos cuidados farmacológicos e não farmacológicos em cada visita promoveram o aumento no escore de adesão ao tratamento, principalmente nas questões relacionadas à verificação diária de peso e restrição da ingesta hídrica. Agradecimentos Ao Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Pesquisa para o SUS-PPSUS 2008-2009). Colaborações Mantovani VM, Ruschel KB, Souza EM Mussi C e Rabelo ERS declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Lambrinou E, Kalogirou F, Lamnisos D, Sourtzi P. Effectiveness of heart failure management programmes with nurse-led discharge planning in reducing re-admissions: a systematic review and meta-analysis. Int J Nurs Stud. 2012;49(5):610-24. 2. Bocchi EA, Cruz F, Guimarães G, Moreira LFP, Issa VS, Ferreira SMA, et al. A Long-term Prospective Randomized Controlled Study Using Repetitive Education at Six-Month Intervals and Monitoring for Adherence in Heart Failure Outpatients: The REMADHE Study Trial. Circ Heart Fail. 2008;1:115-24. 3. Francis GS, Greenberg BH, Hsu DT, Jaski BE, Jessup M, LeWinter MM, et al. 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J Cardiovasc Nurs. 2014;17. [Epub ahead of print] doi: 10.1097/JCN.0000000000000128. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7. 47 Artigo Original Qualidade de vida e adesão à medicação antirretroviral em pessoas com HIV Quality of life and adherence to antiretroviral medication in people with HIV Marli Teresinha Gimeniz Galvão1 Larisse Lima Soares2 Samyla Citó Pedrosa1 Maria Luciana Teles Fiuza1 Larissa de Araújo Lemos1 Descritores Cuidados de enfermagem; Adesão à medicação; HIV; Infecções por HIV; Qualidade de vida Keywords Nursing care; Medication adherence; HIV; HIV infections; Quality of life Submetido 29 de Setembro de 2014 Aceito 3 de Novembro de 2014 Autor correspondente Larissa de Araújo Lemos Rua Alexandre Baraúna, 1115, Rodolfo Teófilo, Fortaleza, CE, Brasil. CEP: 60.430-160 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500009 48 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53. Resumo Objetivo: Avaliar e correlacionar a qualidade de vida e a adesão à terapia antirretroviral em pessoas com HIV. Métodos: Estudo transversal, desenvolvido com 45 pessoas com HIV em tratamento ambulatorial. Os instrumentos utilizados foram: questionário para avaliação da adesão ao tratamento antirretroviral (CEAT-VIH) e escala para avaliação da qualidade de vida em pessoas com HIV (HAT-QoL). Foi realizada análise descritiva e empregado o teste de correlação linear de Spearman. Resultados: A qualidade de vida mostrou-se comprometida nos domínios relacionados às atividades gerais; sexuais; preocupação com a saúde, com o sigilo, com questões financeiras; e conscientização sobre o HIV. Houve predomínio da adesão inadequada em 51,3% dos participantes. A correlação entre os escores das escalas mostrou significância estatística nos domínios relacionados à medicação e confiança no profissional. Conclusão: A qualidade de vida apresentou comprometimento em seis domínios da escala e a adesão encontrou-se inadequada na maioria das pessoas com HIV. Abstract Objective: To assess and correlate the quality of life and adherence to antiretroviral therapy in people with HIV. Methods: A cross-sectional study was performed with 45 outpatients with HIV. The instruments used were: a questionnaire to assess adherence to antiretroviral therapy (CEAT- HIV), and a scale for assessing quality of life in people with HIV (HAT-QoL). A descriptive analysis was performed and the Spearman’s linear correlation test was used. Results: Quality of life was compromised in the dimensions related to overall function; sexual function; health, disclosure and financial worries; and HIV mastery. Poor adherence prevailed in 51.3% of participants. The correlation between the scores of the scales was statistically significant in the dimensions of medication concerns and provider trust. Conclusion: The quality of life was compromised in six dimensions of the scale and adherence scale was inadequate in most people with HIV. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. Secretaria de Saúde de Madalena, Madalena, CE, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Galvão MT, Soares LL, Pedrosa SC, Fiuza ML, Lemos LA Introdução Métodos Na década de 1990, o Brasil adotou a política de acesso universal à terapia antirretroviral, de distribuição gratuita para todas as pessoas vivendo com HIV, cujas estratégias eram voltadas para a prevenção de novos casos da infecção e para o controle dos agravos da epidemia, o que implicou na redução da morbidade e mortalidade associada à infecção pelo HIV e da ocorrência de internações, proporcionando o aumento na expectativa de vida.(1) A Aids tornou-se uma doença crônica devido ao avanço na terapêutica, caracterizada pela elevação significativa na expectativa de vida, implicando na necessidade de avaliação da qualidade de vida das pessoas acometidas. Com o aumento da sobrevida das pessoas que vivem com HIV ocasionado pelos avanços terapêuticos na área, as preocupações voltaram-se para a qualidade de vida, o que a torna um importante critério para avaliação da efetividade dos tratamentos e das intervenções na área da saúde.(2) A compreensão da qualidade de vida dessas pessoas se configura de maneira fundamental, considerando a evolução crônica da infecção pelo HIV, a possibilidade de tratamento, maior sobrevida, o convívio com uma condição estigmatizante e o fato de ser incurável até o momento, com inúmeras consequências biopsicossociais que repercutem na qualidade de vida.(3) Os avanços tecnológicos e a redução do número de comprimidos diários da terapia antirretroviral, a exemplo da associação de medicamentos, ocasionaram a facilitação da adesão ao tratamento. Os horários de administração dos medicamentos e os efeitos adversos ocasionados por eles podem ser levados em consideração ao avaliar a adesão, pois existe dificuldade de manutenção dessas rotinas por longos períodos, o que pode influenciar no sucesso do tratamento. Ainda, as alterações na qualidade de vida podem estar relacionadas à medida que se prolonga o tempo de tratamento com os antirretrovirais.(4) Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade de vida e a adesão ao tratamento antirretroviral em pessoas com HIV em acompanhamento ambulatorial, e correlacionar os escores das escalas de qualidade de vida e de adesão. Trata-se de um estudo transversal, exploratório, com abordagem quantitativa, desenvolvido no ambulatório de infectologia do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará, com pessoas ingressantes no serviço que obedeciam aos seguintes critérios de inclusão: ter diagnóstico confirmado de HIV registrado formalmente no prontuário; idade igual ou superior a 18 anos e ter iniciado acompanhamento ambulatorial em um período inferior a um ano. Foram critérios de exclusão: indivíduos em situação de privação de liberdade, com dificuldade cognitiva e em estado gestacional. Os participantes foram recrutados a partir de amostragem por conveniência, à medida que compareciam ao serviço para atendimento. O período da coleta de dados compreendeu os meses entre setembro de 2011 e abril de 2012. Os dados foram captados quando as pessoas que vivem com HIV compareciam às consultas médicas, em local privativo, antes do início da consulta. De acordo com os dados fornecidos pelo hospital, em 2012, ingressaram 65 pessoas para acompanhamento em saúde. O número incluído no estudo foi de 45 pessoas com HIV, com prescrição de terapia antirretroviral, representando aproximadamente 70% do total de atendidos no período delimitado para o estudo. Duas pessoas recusaram participar do estudo. Foram utilizados, para coleta de dados, o questionário para avaliação sociodemográfica e clínica, o questionário para avaliação da adesão ao tratamento antirretroviral (CEAT-VIH),(5) e a escala para avaliação da qualidade de vida em pessoas com HIV (HAT-QoL).(6) O instrumento sociodemográfico e clínico contém variáveis relacionadas à identificação pessoal, condição econômica, social, educacional, dados clínicos e epidemiológicos sobre a doença, como exames laboratoriais e duração do tratamento. O CEAT-VIH é um instrumento validado no Brasil que possui 20 itens com função de identificar o grau de adesão ao tratamento antirretroviral em pessoas com infecção pelo HIV.(5) Para a análise, agruparam-se os escores obtidos em dois gruActa Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53. 49 Qualidade de vida e adesão à medicação antirretroviral em pessoas com HIV pos classificados em adesão boa/adequada e estrita (escore bruto ≥75) e inadequada baixa/insuficiente (escore bruto ≤74). A HAT-QoL é uma escala validada para o Brasil que possui 42 itens divididos em nove domínios, a saber: atividades gerais, atividades sexuais, preocupação com o sigilo, preocupação com a saúde, preocupações financeiras, conscientização sobre o HIV, satisfação com a vida, questões relativas à medicação e confiança no profissional. A soma dos escores obtidos em cada domínio foi estudada em uma escala análoga de zero a 100 pontos. Valores aproximados ou igual a zero correspondem a pior qualidade de vida, e números próximos a 100 indicam melhor qualidade de vida.(6) O ponto de corte utilizado neste estudo foi de 75 pontos. As variáveis sociodemográficas e clínicas relacionadas ao HIV foram apresentadas mediante uso de distribuições de frequências univariadas e medidas descritivas. Para descrever os índices dos domínios da HAT-QoL, utilizou-se média, desvio padrão e percentis. A escala CEAT-VIH foi sintetizada no indicador desfecho do estudo em adesão adequada e inadequada. Foi utilizado o teste de correlação linear de Spearman para verificar as correlações entre os escores das escalas. O nível de significância adotado em todas as análises estatísticas foi de 5% (p≤0,05). O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. esquema fosse readequado. Assim, avaliou-se a qualidade de vida de 45 pessoas e a adesão à terapia antirretroviral de 39 pessoas. Houve predomínio de pessoas do sexo masculino (66,6%), com idades entre 18 e 39 anos (62,3%), solteiras (73,3%), com escolaridade igual ou superior a dez anos de estudo (73,3%), e empregadas (66,6%). Quanto à condição econômica, 62,2% informaram renda igual ou inferior a dois salários mínimos (na época do estudo, o salário mínimo vigente era de R$622,00, equivalente a US$311,00). Entre aqueles que utilizavam a terapia antirretroviral no momento da entrevista (n=39), 77,8% faziam uso de até três comprimidos por dia. Em relação à contagem de linfócitos T CD4+, 51,1% tinham resultados superiores a 500 células/mm³ (Tabela 1). Tabela 1. Características sociodemográficas e clínicas das 45 pessoas vivendo com HIV Característica n(%) Grupo etário (em anos) 18-39 28(62,3) ≥40 17(37,7) Gênero Masculino 30(66,6) Feminino 15(33,4) Escolaridade (em anos) ≤9 12(26,7) ≥10 33(73,3) Estado civil Casados/união consensual 12(26,7) Solteiros/viúvos 33(73,3) Renda familiar (em salários mínimos*) Resultados ≤2 28(62,2) >2 17(37,8) Situação ocupacional Durante o desenvolvimento do estudo, ao ser aplicada a avaliação da adesão à medicação, do total de 45 participantes, seis não estavam em uso dos antirretrovirais em virtude de abandono do tratamento ou não adequação aos medicamentos. Desse modo, foram avaliadas 39 pessoas que, de fato, estavam em uso da terapia antirretroviral. Entretanto, julgou-se necessário incluí-las na avaliação da qualidade de vida, tendo em vista que elas retornariam ao tratamento tão logo reconhecessem a importância do uso ininterrupto dos medicamentos ou quando o 50 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53. Empregado 30(66,6) Desempregado 15(33,4) Categoria de exposição Sexual 40(88,9) Sanguínea 5(11,1) Número de comprimidos por dia ≤3 35(77,8) ≥4 10(22,2) CD4+ (cel/mm³) ≤500 22(48,9) >500 23(51,1) *Na época do estudo, o salário mínimo vigente era de R$622,00, equivalente a US$311,00 Galvão MT, Soares LL, Pedrosa SC, Fiuza ML, Lemos LA Tabela 2. Medidas descritivas dos domínios da escala para avaliação da qualidade de vida (HAT-QoL) Itens n Média (± DP) P50 Máximo Mínimo P25 P75 P75-P25 Atividades gerais Domínios 7 45 70,9(±22,7) 75,0 100 7,1 53,6 89,3 35,7 Atividades sexuais 3 45 68,1(±22,8) 62,7 100 0,0 58,3 83,3 25,0 Preocupação com o sigilo 5 45 38,8(±26,3) 35,0 100 0,0 20,0 55,0 35,0 Preocupação com a saúde 5 45 62,7(±26,0) 65,0 100 5,0 45,0 85,0 40,0 Preocupações financeiras 4 45 55,3(±29,6) 56,3 100 0,0 31,3 75,0 43,8 Conscientização sobre o HIV 3 45 71,1(±23,1) 75,0 100 16,7 40,0 91,7 41,7 Satisfação com a vida 8 45 79,1(±21,9) 81,3 100 0,0 68,8 93,8 25,0 Questões relativas à medicação 4 39 79,8(±20,0) 87,5 100 37,5 68,8 100 31,2 Confiança no profissional 3 45 91,3(±17,4) 100,0 100 0 83,3 100 16,7 DP – desvio-padrão; P50 – percentil 50; P25 – percentil 25; P75 – percentil 75 Em relação à avaliação da adesão aos medicamentos através da CEAT-VIH, 51,3% apresentaram grau de adesão inadequado ao tratamento, indicando uso incorreto e/ou descontínuo das medicações. No tocante à avaliação da qualidade de vida pela HAT-QoL, dos nove domínios, seis apresentaram a média de escores com valor inferior a 75 pontos, demonstrando comprometimento na qualidade de vida, a saber: atividades gerais (70,9), atividades sexuais (68,1), preocupação com o sigilo (38,8), preocupação com a saúde (62,7), preocupações financeiras (55,3) e conscientização sobre o HIV (71,1) (Tabela 2). As correlações entre os escores dos domínios da HAT-QoL e a pontuação do CEAT-VIH foram fracas e estatisticamente significantes entre os domínios sobre questões relativas à medicação (p=0,0056) e confiança no profissional (p=0,0278), indicando que as pessoas com melhor qualidade de vida nesses domínios também apresentaram adesão adequada ao uso dos antirretrovirais (Tabela 3). Tabela 3. Correlações das pontuações da escala para avaliação da qualidade de vida (HAT-QoL) e questionário para avaliação da adesão ao tratamento antirretroviral (CEAT-VIH) Domínios do HAT-QoL Correlação com pontuação da CEAT-VIH* Atividades gerais (r=0,0680; p=0,6808) Atividades sexuais (r=-0,0106; p=0,9490) Preocupação com o sigilo (r=-0,1420; p=0,3884) Preocupação com a saúde (r=-0,1953; p=0,2335) Preocupações financeiras (r=0,1518; p=0,3562) Conscientização sobre o HIV (r=-0,0235; p=0,8869) Satisfação com a vida (r=0,2869; p=0,0766) Questões relativas à medicação (r=0,4354; p=0,0056) Confiança no profissional (r=0,3523; p=0,0278) * Correlação linear de Spearman. Discussão A limitação do estudo deu-se pelo tamanho amostral, tendo em vista que, para contemplar um dos critérios de inclusão, o participante deveria ter ingressado para acompanhamento ambulatorial em saúde em um período inferior a um ano, de modo que os demais pacientes que estavam em seguimento a mais de um ano não foram inclusos na pesquisa, situação que culminou em um número reduzido de sujeitos na amostra. Em relação à contribuição dos resultados deste estudo, pode-se afirmar que o conhecimento produzido acerca da qualidade de vida prejudicada e da adesão inadequada aos antirretrovirais possibilita traçar estratégias baseadas nas necessidades desses pacientes, visando melhorar a adesão e a qualidade de vida, e estabelecer cuidados direcionados a essas pessoas que vivem com HIV, contribuindo para a melhoria da prática assistencial e do acompanhamento em saúde. Neste estudo, houve o predomínio de pessoas do sexo masculino e da faixa etária de 18 a 39 anos. A diferença do papel social entre homens e mulheres promove influências negativas na qualidade de vida principalmente das mulheres portadoras do vírus. O acometimento do HIV na faixa etária correspondente à idade fértil pode produzir perdas significativas tanto na área social quanto na econômica.(7) A prevalência de participantes do gênero masculino na presente pesquisa corrobora com diversos estudos realizados ao longo do tempo.(3,7-9) Em relação à escolaridade, no presente estudo, observou-se parcela significativa de pessoas que concluíram o Ensino Médio, diferente do enconActa Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53. 51 Qualidade de vida e adesão à medicação antirretroviral em pessoas com HIV trado na literatura que aponta escolaridade inferior, predominando o Ensino Fundamental incompleto. (4) As pessoas com Ensino Médio ou escolaridade superior podem ter maior acesso às informações referentes à infecção pelo HIV e, com isso, melhores recursos internos e externos para conviverem com sua condição sorológica. Estudo demonstra que parcela significativa das pessoas que vivem com HIV encontra-se em condição indicativa de vulnerabilidade social, vivendo em situações de pobreza, com renda e escolaridade baixas.(4) Considera-se que a baixa renda familiar tenha impacto para mostrar situações de extrema pobreza, uma vez que essa condição traz dificuldades de acesso ao tratamento, o que pode ocasionar prejuízo para se viver com HIV, repercutindo negativamente na qualidade de vida.(7) Embora a renda dos participantes deste estudo tenha se apresentado um pouco superior ao disposto na literatura, apreendeu-se que os indivíduos ainda encontravam-se em situação de limitações financeiras. Pessoas vivendo com HIV e que convivem com parceiros demonstram melhores índices de qualidade de vida relacionados ao apoio social satisfatório. (7) No entanto, o predomínio de pessoas solteiras neste estudo pode justificar o nível de qualidade de vida abaixo da média no tocante ao domínio conscientização sobre o HIV. Uma pior condição do sistema imunológico, representada por uma baixa contagem de células T CD4+, níveis de carga viral elevados e a instalação da Aids não esteve associado a uma pior qualidade de vida. O uso dos antirretrovirais esteve melhor associado ao bem-estar físico, tanto em homens quanto em mulheres, o que evidencia sua influência positiva na qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV.(10) No tocante a adesão aos antirretrovirais, estudo realizado no Chile evidenciou que a maioria das pessoas que vivem com HIV em uso de antirretrovirais apresentou níveis de adesão inadequados, ou seja, 68,0% dos estudados foram considerados não aderentes a terapia,(11) corroborando com o achado do presente estudo. Entretanto, o tempo de tratamento pode ocasionar diferenças nos níveis de adesão. Como advertem pesquisadores, pessoas vi- 52 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53. vendo com HIV em tratamento há menos tempo têm maiores chances de não aderirem ao tratamento quando comparadas àquelas que se tratam há mais tempo,(4) conforme observado no presente estudo, em que o tratamento recente demonstrou ser fator predisponente para a adesão inadequada aos antirretrovirais. Em estudo realizado na Tailândia, observou-se que 31,4% dos sujeitos analisados tiveram adesão inadequada ao tratamento, devido principalmente ao esquecimento da tomada dos antirretrovirais, pelo medo do estigma e da possibilidade de revelar sua condição sorológica mediante o uso de tais medicamentos,(12) situação esta também revelada no presente estudo, quando se verificou que o domínio da qualidade de vida que obteve maior comprometimento foi o relacionado à preocupação do sigilo sobre a doença. Estudo aponta a natureza multidimensional que interfere na qualidade de vida, como as condições de trabalho e renda, a satisfação com a vida, o sigilo sobre a doença e o apoio social, e que situações de estresse emocional, ocasionadas pela doença, como discriminação e pobreza, representam um impacto negativo para a qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV.(13) Tais achados, em sua maioria, encontram-se prejudicados neste estudo, ratificando-se, assim, os prejuízos na qualidade de vida desta população. No Brasil, estudos em diferentes regiões, que utilizaram a HAT-QoL, demonstraram comprometimentos semelhantes nos domínios de qualidade de vida, como as atividades gerais, sexuais, financeiras e com o sigilo, sugerindo que as pessoas que vivem com HIV possuem preocupações semelhantes independentemente da localização geográfica,(6,14) corroborando os achados desse estudo. Nesse aspecto, independentemente do local em que o indivíduo se encontra, observou-se que as repercussões na qualidade de vida são semelhantes, ocasionando sentimentos de preocupação com a saúde, preocupações financeiras, com o sigilo da doença e em relação aos aspectos gerais da vida, retratados pelos baixos índices encontrados referentes a esses domínios, o que pode estar relacionado com o impacto causado pelo diagnóstico, com a Galvão MT, Soares LL, Pedrosa SC, Fiuza ML, Lemos LA preocupação sobre o adoecer e com a adaptação a uma nova realidade. 2. Benjamin H. Balderson, Lou Grothaus, Robert G. Harrison, Katryna McCoy, Christine Mahoney and Sheryl Catz. Chronic illness burden and quality of life in an aging HIV population. AIDS Care. 2013; 25(4): 4518. Conclusão 3. Herrmann S, McKinnon E, Hyland NB, Lalanne C, Mallal S, Nolan D, Chassany O, Duracinsky M. HIV-related stigma and physical symptoms have a persistent influence on health-related quality of life in Australians with HIV infection. Health Qual Life Outcomes. 2013: 11:56. Pessoas vivendo com HIV com o início do tratamento recente apresentaram níveis de adesão aos medicamentos antirretrovirais inadequados, demonstrando uso incorreto ou descontínuo dos mesmos. A qualidade de vida apresentou comprometimento relacionado a seis domínios da escala em estudo. É possível que as pessoas vivendo com HIV no primeiro ano de tratamento tenham apresentado prejuízos na qualidade de vida e na adesão por estarem se adaptando a uma nova condição de vida. 4. Mûnene E, Ekman B. Does duration on antiretroviral therapy determine health-related quality of life in people living with HIV? A cross-sectional study in a regional referral hospital in Kenya. Glob Health Action. 2014; 7: 23554. 5. Remor E, Moskovics JM, Preussler G. [Brazilian adaptation of the “Assessment of Adherence to Antiretroviral Therapy Questionnaire”]. Rev Saúde Pública. 2007; 41(5):685-94. Portuguese. 6. Galvão MT, Cerqueira AT, Machado JM. [Evaluation of quality of life among women with HIV/AIDS using HAT- QoL]. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):430-7. Portuguese. 7. Mutabazi-Mwesigire D, Seeley J, Martin F, Katamba A. Perceptions of quality of life among Ugandan patients living with HIV: a qualitative study. BMC Public Health. 2014; 14:343. Agradecimentos Pesquisa realizada com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo: 507068/2010-6. 8. Tran BX, Ohinmaa A, Nguyen LT. Quality of life profile and psychometric properties of the EQ-5D-5L in HIV/AIDS patients. Health Qual Life Outcomes. 2012; 10:132. Colaborações Galvão MTG; Fiuza MLT e Lemos LA contribuíram com a concepção do projeto, execução da pesquisa, redação do artigo científico e aprovação final da versão a ser publicada. Soares LL e Pedrosa SC contribuíram com a execução da pesquisa e redação do artigo. 10. Francolino C, Galzerano J, Mansilla M, Dapueto J, Llado M, Deque B. [Evaluation of quality of life questionnaire regarding health: functional assessment of HIV infection in patients carriers of HIV]. Rev Méd Urug. 2010; 26:129-37. Spanish. 9. Balderson BH, Grothaus L, Harrison RG, McCoy K, Mahoney C, Catz S. Chronic illness burden and quality of life in an aging HIV population. AIDS Care. 2013; 25(4): 451-8. 11.Varela M, Galdames S. [Depression and HAART adherence in HIV infected patients attending Hospital San Pablo of Coquimbo, Chile]. Rev Chilena Infect. 2014; 31(3):323-8. Spanish. 12. Li L, Lee S, Wen Y, Lin C, Wan D, Jiraphongsa C. Antiretroviral therapy adherence among patients living with HIV/AIDS in Thailand. Nurs Health Sci. 2010; 12(2):212-20. Referências 13. Mutabazi-Mwesigire D, Seeley J, Martin F, Katamba A. Perceptions of quality of life among Ugandan patients living with HIV: a qualitative study. BMC Public Health. 2014; 14:343. 1. Grangeiro A, Escuder MM, Cassanote AJF, Souza RA, Kalichman AO, et al. The HIV-Brazil Cohort Study: Design, Methods and Participant Characteristics. PLoS ONE. 2014; 9(5): e95673. 14. Soares GBS, Garbin CAS, Rovida TAS, Garbin AJI. Oral health associated with quality of life of people living with HIV/AIDS in Brazil. Health Qual Life Outcomes. 2014: 12:28. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53. 53 Artigo Original Prevalência das várias formas de violência entre escolares Prevalence of various forms of violence among school students Iglê Moura Paz Ribeiro1 Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro1 Riccardo Pratesi1 Lenora Gandolfi1 Descritores Violência; Criança; Adolescente; Prevalência; Violência doméstica; Instituições acadêmicas Keywords Violence; Child; Adolescent; Prevalence; Domestic violence; Schools Submetido 5 de Outubro de 2014 Aceito 3 de Novembro de 2014 Resumo Objetivo: Estimar a prevalência de eventos violentos na vivência de escolares entre 11 e 15 anos de idade, frequentadores de escolas públicas. Métodos: Estudo transversal com amostra aleatória de grupo de crianças provenientes de escolas públicas. Foi aplicado o questionário Child Abuse Screening Tool Childrens Version (ICAST-C) a 288 crianças entre 11 e 15 anos aleatoriamente selecionadas. As modalidades de violência analisadas foram abusos físicos, psicológicos e sexuais. Resultados: Houve frequente fragmentação do núcleo familiar, com menos de 50% das crianças morando com ambos os genitores; frequente sentimento de insegurança nas escolas, associado a alta prevalência de violência física (85,4%) e à violência psicológica (62,5%); e violência de cunho sexual (34,7%). Conclusão: Houve prevalência alta das várias formas de violências no ambiente familiar e escolar dessas crianças. Abstract Objective: Estimating the prevalence of violent events in the experience of students aged between 11 and 15 years regularly attending public schools. Methods: A cross-sectional study with a random sample group of children from public schools. The questionnaire called Child Abuse Screening Tool Version (ICAST-C) was administered to 288 children aged between 11 and 15 years randomly selected. The types of violence analyzed were abuses of physical, psychological and sexual nature. Results: The fragmentation of the nuclear family was frequent, with less than 50% of children living with both parents; frequent feelings of insecurity in schools, associated with a high prevalence of physical violence (85.4%), psychological (62.5%); and violence of a sexual nature (34.7%). Conclusion: There was high prevalence of various forms of violence in the family and school environment of these children. Autor correspondente Iglê Moura Paz Ribeiro Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília, DF, Brasil. CEP: 70910-900 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500010 54 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9. Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Ribeiro IM, Ribeiro AS, Pratesi R, Gandolfi L Introdução Apesar do abuso de crianças ter recebido crescente atenção durante as últimas décadas por sua grande importância social, a prevalência dos vários tipos de violência contra crianças e adolescentes permanece basicamente desconhecida em boa parte dos países. No entanto, existem numerosas evidências de que abusos físicos e sexuais estão aumentando exponencialmente em todo o mundo.(1) Os grupos sociais compostos por crianças, adolescentes e jovens são identificados como os de maior risco, em relação à violência e aos maus tratos. A Organização Mundial da Saúde (OMS)(2) descreve a violência como “toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento” da criança e do adolescente. As principais preocupações, ao se avaliarem crianças ou adolescentes submetidos à violência, são suas consequências imediatas, geralmente traduzidas por um nível aumentado de ansiedade, depressão, mau desempenho escolar e pelo possível surgimento de reações agressivas. Adicionalmente, pesquisas recentes apontam para a necessidade de uma ainda maior preocupação com os efeitos deletérios tardios da exposição à violência sobre o desenvolvimento e à saúde física e mental da criança. Ambiente adverso na infância pode ser causa de anormalidades biológicas na idade adulta estando comprovadamente associado a um risco aumentado de cardiopatias, doenças metabólicas e autoimunes, acidentes vasculares cerebrais e até mesmo demência.(3-5) Apesar de a exposição a episódios extremamente violentos poder ser relativamente baixa na infância, maus tratos por parte dos pais, de colegas de escola ou pelo ambiente social que a criança habita, ou mesmo a repetida observação, pela criança, de comportamento agressivo e violento entre os cônjuges, violência na vizinhança, na escola ou na comunidade podem ter efeito cumulativo, tanto imediato como futuro, sobre a saúde física e mental da criança.(6) Recente pesquisa populacional por amostragem efetuada nos Estados Unidos mostrou que costumeiramente 86% dos jovens assistem shows televisivos violentos, 65% jogam videogames violentos, 57% ouvem música violenta, 43% veem violência simulada na televisão ou na internet e 15% observam violência real na internet.(7) Esses achados que, com poucas modificações seriam provavelmente replicados no Brasil, suportam a constatação de que a violência é onipresente na vida quotidiana das crianças e adolescentes. Uma forma de violência a qual o escolar se encontra frequentemente exposto é o comportamento agressivo entre estudantes, conhecido com bullying, que se caracteriza por atos repetidos e intencionais de opressão, humilhação, discriminação, tirania, agressão e dominação de pessoas ou grupo sobre outras pessoas ou grupos. Esse comportamento pode ser considerado importante fator de risco para a futura adoção de comportamentos violentos mais graves, tanto pelos agressores como pelos agredidos.(8) Aspecto ainda mais grave da violência contra a criança e o adolescente, que está progressivamente tomando proporções epidêmicas, é o do abuso sexual. Levantamento efetuado nos Estados Unidos em 2006 constatou que cerca de 80 mil crianças americanas sofreram abuso sexual. Esse número torna-se ainda mais impressionante, levando-se em consideração que estudos retrospectivos em adultos constataram que somente 1 em cada 20 casos de abuso sexual é identificado ou comunicado às autoridades.(9) Apesar da violência contra crianças ser, por lei, de notificação compulsória no Brasil, não existem dados abrangentes em nível nacional cobrindo a prevalência desses eventos, que é, no entanto, considerada alta. No intuito de avaliar a prevalência das várias formas violência, especialistas da Sociedade Internacional para a Prevenção da Negligência e Abuso da Criança (International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect – ISPCAN) elaboraram o questionário ISPCAN Child Abuse and Neglect Screening Tool-Child (ICAST-C).(10) Esse questionário, que já foi traduzido para várias línguas, incluindo o português, foi internacionalmente validado e utilizado em 40 países e permite, de forma anônima, o autorrelato de exposição a diferentes formas de violência, seja em casa, pelas mãos de pais, parentes ou cuidadores, seja na escola.(2-11) Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9. 55 Prevalência das várias formas de violência entre escolares O presente estudo objetivou estimar, por meio da aplicação do questionário ICAST-C, a prevalência de eventos violentos na vivência de escolares entre 11 e 15 anos de idade, frequentadores de escolas públicas da cidade. Métodos Pesquisa de delineamento transversal, com amostra aleatória de grupo de crianças provenientes de quatro escolas públicas localizadas na região administrativa do Recanto das Emas, em Brasília (DF). Essa comunidade é predominantemente constituída por populações de baixa renda e caracterizada por marcante desigualdade social. Tanto os pais ou responsáveis, como as crianças e adolescentes entrevistados, foram informados sobre a privacidade, a confidencialidade e o carácter voluntário da pesquisa. Os dados foram coletados durante o período de março a dezembro de 2012. A pesquisa compreendeu um total de 288 crianças entre 11 e 15 anos. O questionário ICAST-C foi utilizado como base da pesquisa. Após ampla explanação sobre a importância das perguntas, o anonimato das respostas e a importância do completo preenchimento, o questionário foi distribuído às crianças, que o leram e responderam sem demonstrar dificuldades quanto à compreensão das questões. Todas as respostas oferecidas foram consideradas compatíveis. Os dados obtidos foram organizados a partir do cálculo do tamanho da amostra, considerando-se os cálculos de porcentagens e técnicas de estatística inferenciais. As técnicas inferenciais empregadas foram os testes qui quadrado para independência e correlação de Pearson, ambos considerando o nível de significância de p<0,05. As categorias apresentadas foram: física, psicológica e sexual. Elas foram submetidas à análise quantitativa, a partir da qual foram nomeadas segundo o conteúdo que revelaram. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. 56 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9. Resultados Entre os 288 entrevistados, 159 eram meninos (55,2%) e a média da idade entre eles foi de 14 anos; dentre as 129 meninas (44,8%), a média da idade foi de 13,3 anos. Destes, 140 alunos (48,7%) moravam com ambos os genitores, 126 (43,6%) moravam somente com a mãe, 17 (6,2%) moravam apenas com o pai e cinco (1,7%) moravam com parentes (tios). O grupo religioso preponderante foi o cristão, composto por 118 (41%) evangélicos e 109 (37,8%) católicos. Quanto à etnia, a maioria dos alunos respondeu ser pardo (30,9%) ou afrodescendente (25,7%). Os brancos constituíram 20,1% do grupo e outras etnias (ameríndios ou asiáticos) foram responsáveis pelos restantes 11,3%. Os demais 4,5% não responderam esse quesito. Dentre as crianças entrevistadas, 130 (45,1%) declararam que às vezes ou frequentemente sentiam-se inseguras na escola; 93 crianças (32,3%) declararam que eventualmente ou sempre gostavam de frequentar a escola; e 65 crianças (22,5%) deixaram essa pergunta em branco. As tabelas 1 a 3 apresentam os resultados obtidos nos três campos de violência avaliados. Tabela 1. Violência física Evento Não n(%) Sim n(%) Feriu-o ou causou-lhe dor 217(75,5) 71(24,5) Bateu com a mão no rosto ou na cabeça 234(81,2) 54(18,8) Bateu com a mão no braço ou mão 202(70,2) 86(29,8) Puxou a orelha 236(82,1) 52(17,9) Puxou o cabelo 256(87,7) 35(12,3) 252(87) 36(12,6) Bateu com a mão fechada Chutou-lhe 226(78,5) 62(21,5) Esmagou os dedos ou a mão 278(96,7) 10(3,3) Lavou a boca com pimenta ou sabão 282(97,9) 6(2,1) Ficou ajoelhado 236(82,1) 52(17,9) Foi colocado no frio ou no calor 284(98,5) 5(1,5) Foi queimado 283(98,2) 5(1,8) Foi colocado na água quente ou fria 278(96,6) 10(3,4) Deixado sem alimento 278(96,4) 10(3,6) Forçado a fazer algo perigoso 267(92,8) 21(7,2) Foi abafado 276(95,9) 12(4,1) Foi amarrado com cinto ou corda 282(97,8) 6(2,2) Foi cortado com objeto pontiagudo 279(96,7) 9(3,3) Fonte: Relatório Prevenção da Negligência e Abuso da Criança – International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect, 2011. Ribeiro IM, Ribeiro AS, Pratesi R, Gandolfi L Tabela 2. Violência psicológica Evento Não n(%) Sim n(%) Ameaçado 227(78,8) 61(21,2) Insultado 212(73,6) 76(26,4) Constrangido ou humilhado xingado 194(67,4) 94(32,6) Xingado 157(54,5) 131(45,5) Feito se sentir estúpido ou idiota 218(75,7) 70(24,3) Sofrer preconceito racial/religioso/cultural 228(79,1) 60(20,9) Sofrer preconceito por problemas de saúde 253(78,8) 35(12,2) Isolado 235(81,5) 53(18,5) Fonte: Relatório Prevenção da Negligência e Abuso da Criança – International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect, 2011. puxou a orelha, colocou ajoelhado como punição e ameaçou pelas más notas obtidas. Os adultos apareceram também com significativa presença ainda nos seguintes casos: bater com a mão no rosto ou cabeça; manter alguém isolado; tocar o corpo de uma maneira sexual ou de forma que deixa desconfortável; tocar seus seios. Discussão Tabela 3. Violência sexual Evento Não n(%) Sim n(%) Tocado sexualmente de maneira desconfortável 244(87,7) 33(11,3) Mostrou-lhe pornografia 243(84,6) 44(15,4) Fez tirar a roupa 271(94) 17(6) Tirou-lhe a roupa 266(92,3) 22(7,7) Teve relações sexuais 268(93,2) 20(6,8) Tocou as partes íntimas 267(92,7) 21(7,3) Tocou os seus seios 265(91,9) 23(8,1) Deu-lhe dinheiro para ter relações sexuais 271(83) 17(6,2) Envolveu-o na tomada de imagens sexuais ou vídeos 258(89,7) 30(10,3) Beijou-lhe quando não queria 238(82,7) 50(17,3) Fonte: Relatório Prevenção da Negligência e Abuso da Criança – International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect, 2011. A prevalência de violência física foi a mais detectada, apresentando índice de 85,4%. A violência psicológica também se apresentou com alta incidência nessas crianças e adolescentes, chegando a 62,5%. No caso da violência sexual, a prevalência, embora menor em relação às outras, apresentou-se com um quantitativo expressivo de 34,7%. Para os três blocos estudados, quando relacionados à idade ou ao sexo, o p-value calculado pelos testes estatísticos foi >5% (>0,05), não havendo evidências para afirmar que, à medida que os jovens estudados envelheciam, eles eram submetidos a um grau de violência (física, psicológica e sexual) maior. A mesma conclusão pode ser inferida para o sexo, ou seja, segundo os dados da pesquisa, o sexo não influenciou o maior ou menor grau de violência a que estavam submetidos. No que concerne à autoria dos praticantes de atos de violência contra crianças e adolescentes, dentre as respostas possíveis, ou seja, adulto, outra criança e/ou adolescente ou ambos, os adultos surgiram como maiores autores nas seguintes situações: As limitações dos resultados se referiram principalmente a pequena participação de adolescentes entre 16 e 18 anos, pois muitos optaram voluntariamente por não participarem da pesquisa. Além disso, alguns respondentes deram informações sobre violência sofrida em outros espaços, que não aqueles perguntados. Como em todo questionário preenchido de forma anônima, sempre pode existir algum grau de viés quanto à veracidade das informações fornecidas. Em análise de dados autorrelatados, a confiabilidade das informações é limitada pela capacidade do participante de relembrar os acontecimentos violentos, sendo limitada por sua vontade de divulgar esses eventos. Adicionalmente, a seleção aleatória dos participantes foi efetuada apenas com as crianças presentes na escola por ocasião da entrevista, não levando em conta o absenteísmo ou a evasão escolar que, por si, podem estar relacionadas ao fator em estudo. Avaliação mais sistematizada referente à violência, em suas diferentes formas, contra crianças e adolescentes, iniciou-se no Brasil na década de 1990, quando o Sistema Único de Saúde (SUS) recebeu o mandato específico do Estatuto da Criança e do Adolescente para promover o direito à vida e à saúde dessa população, o que resultou na obrigatoriedade de notificação de violência doméstica, sexual e outras formas de violência contra as crianças e adolescentes às autoridades competentes. Não obstante o inegável benefício advindo da adoção dessa política, essa medida, sendo dependente de notificação geralmente efetuada por terceiros, tende a subestimar a verdadeira prevalência de casos de negligência, e abuso contra menores de Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9. 57 Prevalência das várias formas de violência entre escolares idade. Consequentemente, a comunidade científica continua tentando aperfeiçoar os métodos para avaliar e entender a frequência e as causas de maus tratos contra as crianças e adolescentes. Nesse sentido, a utilização do questionário ICAST-C em crianças que, protegidas pelo anonimato, permitem-se relatar com mais liberdade suas experiências objetivas ou subjetivas de violências sofridas, apesar de não isento de vieses, torna-se instrumento bastante fidedigno de avaliação da prevalência de abusos em nosso meio. Os resultados obtidos no presente estudo são bastante significativos e deixam transparecer uma situação excepcionalmente preocupante, tanto em relação à situação atual quanto ao desenvolvimento dessas crianças já afetadas por um ambiente socioeconômico desprivilegiado. Alta percentagem (85,4%) dessas crianças sofreu algum tipo de abuso físico, sendo notável que a maior parte, senão a totalidade desses atos violentos, nunca chegará a engrossar os dados oficiais sobre a frequência de violência em nosso país. Quase a metade dessas crianças sentia-se insegura na escola e 62,5% sofreram pressões psicológicas e emocionais, em detrimento de sua própria imagem. No caso específico de violência sexual, apesar da prevalência ter sido menor, os resultados evidenciam que mais de um terço das crianças sofreu algum tipo de violência sexual, o que é extremamente grave, diante dos efeitos deletérios que esse tipo de violência pode ter sobre o desenvolvimento do indivíduo. Os efeitos tardios da violência sexual podem gerar, no futuro adulto, um sentimento de impotência e de falta de controle sobre seu ambiente, sendo que as formas de enfrentamento dessa situação variam entre os sexos. Em geral, as mulheres tendem a se fecharem em si mesmas com propensão a ideações suicidas e transtornos alimentares (bulimia, obesidade e anorexia), enquanto que os homens demonstram maior tendência a exteriorização de comportamentos antissociais (delinquência e alcoolismo, por exemplo).(12,13) Com os resultados obtidos, pode-se inferir que a prevalência das várias formas de violência foi alta no ambiente dessas crianças e adolescentes; e que medidas puramente repressivas, ainda que necessárias, não solucionam o proble- 58 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9. ma. Não é possível, a curto prazo, modificar um sistema social que convive habitualmente com a violência. Mais estudos tornam-se necessários para estabelecer medidas preventivas e, concomitantemente, instaurar meios para ajudar essas crianças a lidarem com esse grave problema. Conclusão Houve um nível considerável de prevalência de violência sofrida em crianças e adolescentes de 11 a 15 anos, sendo a mais prevalente a violência física. Colaborações Ribeiro IMP contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo. Ribeiro AST colaborou com a análise e interpretação dos dados e revisão do artigo. Pratesi R e Gandolfi L contribuíram para a revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Schwartz KA, Preer G, McKeag H, Newton AW. Child maltreatment: a review of key literature in 2013. Curr Opin Pediatr. 2014; 26(3):396404. 2. World Health Organization (WHO). The world health report 2000 - Health systems improving performance [Internet]. Genebra: WHO; 2000[cited 2014 Jun 26]. Available from: http://www.who.int/whr/2000/en. 3. Miller GE, Chen E, Parker KJ. 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Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):54-9. 59 Artigo Original Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas pela família em unidade de terapia intensiva Nursing visit and doubts expressed by families in the intensive care unit Bruno Bordin Pelazza1 Rosemary Cristina Marques Simoni2 Ercilhana Gonçalves Batista Freitas3 Beatriz Regina da Silva3 Maria Júlia Paes da Silva2 Descritores Família; Unidades de terapia intensiva; Relações profissional-família; Comunicação; Questionários Keywords Family; Intensive care units; Professional-family relations; Communication; Questionnaires Submetido 22 de Setembro de 2014 Aceito 15 de Outubro de 2014 Resumo Objetivo: Conhecer as dúvidas dos familiares de pacientes internados na unidade de terapia intensiva, há mais de 24 horas, e manifestadas durante as visitas de enfermagem. Métodos: Estudo transversal prospectivo que incluiu 115 famíliares de pacientes internados há mais de 24 horas em unidade de terapia intensiva. O instrumento de pesquisa foi um questionário aplicado em três visitas de enfermagem. Resultados: A dúvida mais apresentada foi sobre o estado clínico e a diferença média entre as dúvidas da primeira e segunda visita foi estatisticamente significante (p=0,047). A média de dúvidas da primeira visita foi significante, quando comparada com a terceira (p<0,001). Conclusão: As dúvidas manifestadas por familiares foram sobre o estado de saúde, condições clínicas e sobre o cuidado realizado. O número médio de dúvidas foi menor na terceira visita de enfermagem. Abstract Objective: Understanding the doubts expressed by relatives of patients hospitalized in the intensive care unit for more than 24 hours during nursing visits. Methods: A prospective cross-sectional study that included 115 family members of patients hospitalized for more than 24 hours in the intensive care unit. The research instrument was a questionnaire applied in three nursing visits. Results: The most frequent doubt was about the clinical status, and the average difference between the doubts of the first and the second visit was statistically significant (p = 0.047). The average number of doubts in the first visit was significant when compared with the third (p<0.001). Conclusion: The doubts expressed by family members were about the health status, medical conditions and the care provided. The average number of questions was lower in the third nursing visit. Autor correspondente Bruno Bordin Pelazza Rua Manoel Serralha, 1075, Uberlândia, MG, Brasil. CEP: 38408-246 [email protected] Universidade Federal de Goiás, Jataí, GO, Brasil. Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 3 Centro Universitário do Triângulo, Uberlândia, MG, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500011 60 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5. 2 Pelazza BB, Simoni RC, Freitas EG, Silva BR, Silva MJ Introdução A satisfação dos familiares dos pacientes é um aspecto importante na avaliação da qualidade do cuidado oferecido nas instituições de saúde, sendo parte essencial das responsabilidades dos profissionais de saúde que atuam em unidade de terapia intensiva. Os sentimentos desses familiares são os mais variados possíveis: apresentam-se sozinhos, angustiados, em estado de choque e com medo, recebendo pouca ou nenhuma atenção dos profissionais de saúde.(1,2) Muitos enfermeiros que atuam nessas unidades concordam sobre a necessidade de dispensar assistência de enfermagem também aos familiares dos pacientes, mas continuam a ocupar-se quase exclusivamente com o cuidado dos pacientes, alegando sobrecarga de serviço e falta de preparo específico para lidar com os familiares.(3-5) O acolhimento aos usuários das instituições, tanto públicas quanto particulares, incluindo a família dos pacientes, é parte indispensável do processo de humanização da assistência e requer dos profissionais da saúde disponibilidade para identificar e atender seus anseios.(4,5) O tratamento e o cuidado prestados nas unidades de terapia intensiva podem vistos como agressivos e invasivos. Esse cenário poderia ser diferente, tanto para o paciente quanto para sua família, com a assistência humanizada, com a interação entre todos os envolvidos e diálogo entre quem cuida e quem é cuidado. É importante que a equipe de enfermagem seja o elo entre paciente e a famíilia, favorecendo a interação entre estes e, ao mesmo tempo, cuidando de ambos.(6-9) A habilidade de comunicar-se com o outro é uma das qualidades importantes e a equipe de enfermagem deve demonstrar sensibilidade à comunicação não verbal, capacidade para ouvir, e usar linguagem clara e acessível. Essa clareza diminui dúvidas e ansiedade.(10-12) As famílias estão inseguras quanto a diagnósticos, a tratamentos ou à equipe multidisciplinar. Podem estar vivenciando situações dramáticas, assim como o paciente. Portanto, se o profissional quer transmitir a ideia de que não há nada a esconder, deve facilitar as visitas familiares.(13-17) Resultados de estudos realizados em unidades de terapia intensiva evidencia- ram que a im­plementação da visita de enfermagem beneficiou o relacionamento entre a equipe de enfermagem e familiares dos pacientes internados, ou seja, o enfermeiro pode proporcionar informações e acolhimento para os familiares durante os horários de visita, respondendo às suas questões sobre o cuidado de enfermagem prestado para o paciente, diminuindo as dúvidas e ansiedades dos familiares(15,18) Por outro lado os familia­res aceitam as informações do enfermeiro. Isso indica que parece ser possível obter um grau de satisfação da família, mesmo com pouco tempo de contato entre o profissional e o familiar, pois o que importa não é a quantidade do tempo gasto com o contato, mas, sim, a maneira como essa comunicação é realizada.(19-21) O termo Visita de Enfermagem está sendo usado para nomear uma forma de comunicação estruturada com a família de pacientes em unidades de terapia intensiva, o que vem sendo apontado como uma estratégia que aumenta a satisfação da família e atende as suas necessidades.(16-18)O objetivo deste trabalho foi conhecer as dúvidas dos familiares de pacientes internados na unidade de terapia intensiva há mais de 24 horas e manifestadas durante as visitas de enfermagem. Métodos Estudo transversal e prospectivo realizado na Uni­dade de Terapia Intensiva Adulto de um hospital privado na cidade de Uberlândia, estado de Minas Gerais, região sudeste do Brasil. A população do estudo foi constituída por 115 familiares de pa­cientes internados há mais de 24 horas na unidade de terapia intensiva, no período de setembro a dezembro de 2013. O instrumento de pesquisa foi um questionário elaborado com as variáveis selecionadas para o estudo (sóciodemográficas e dúvidas manifestadas). A coleta de dados foi realizada pelo mesmo entrevistador, em três visitas de enfermagem. A estatística descritiva avaliou frequência, média e desvio-padrão das variáveis de interesse. Os dados quantitativos foram apresentados na forma de média ± desvio-padrão. As respostas obtidas com as questões abertas foram objetivas e apresentadas na Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5. 61 Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas pela família em unidade de terapia intensiva forma de frequência e porcentagem de ocorrência de cada categoria. Para a comparação do número médio de dúvidas entre os dias de visitas, foi utilizado ANOVA de medidas repetidas e, para nível de comparação entre as datas, utilizou-se o teste t pareado. Foram considerados valores estatisticamente significantes quando p<0,05. Na análise estatística, foi utilizado o software Prism 6 for Windows - versão 6. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Na figura 2 está a distribuição das profissões dos familiares. A maioria dos familiares apresentou como profissão a atividade do lar n=24 (21%). 25 21% 20 15 13% 14% 12% 10 6% 5 5% 3% 3% 3% 3% 3% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 0 Ap os Do e la Em nta r pr da(o e Pr sár ) ofe ia( o Ve ssor ) n a Ad ded (o) m or ini a(o s ) Ad trad vo ora ga da Mo (o) Ca toris be ta ler ei Au ra x Ba iliar n Cu cári Fu ida a nc ion Es dor ár tud a ia Pú ante bli Se ca(o cr ) etá r Té ia cn An ico ali st Ou a tra s Resultados Em relação à caracterização dos pacientes, verificouse que 63 pacientes (54,7%) eram do sexo masculino e 52 (45,3%) do sexo feminino; 89 (77,4%) foram internados por patologias clínicas, tanto gerais quanto cardiológicas, e os outros 26 pacientes (22,61%) foram internados por patologias cirúrgicas. Em relação à idade, a média foi de 66,21 anos e o tempo de internação na UTI apresentou a média de 9,4 dias. Quanto à caracterização do gênero dos familiares, verificou-se que, dos 115 familiares estudados, 85 (73,9%) eram do sexo feminino e 30 (26,1%) do sexo masculino. A média da idade dos familiares foi de 49 anos ± 14,1. O familiar mais jovem que se apresentou para a visita tinha 23 anos (neta) e o mais velho, 82 anos (esposo). A figura 1 apresenta a distribuição do grau de paren­tesco com os internados, por ordem decrescente: 40 filhos (35%), 37 cônjuges (32%) e irmãos (12%). Figura 2. Distribuição da profissão dos familiares (em porcentagem) A figura 3 apresenta a distribuição da escolaridade dos familiares. A maioria dos familiares do sexo feminino (n=34) pos­sui o ensino superior; sexo masculino, em que apenas 12 familiares do sexo masculino possuem o ensino superior. 35 34 30 30 25 20 15 10 10 5 0 3 2 Ensino Fundamental Incompleto 10 8 3 12 3 Ensino Fundamental Ensino Médio Incompleto Feminino Ensino Médio Ensino Superior Masculino 40 Figura 3. Distribuição da escolaridade dos familiares por sexo 35% 35 32% 30 25 20 15 12% 10 3% Pa i 3% 2% 2% a a ad nh No r Cu Am e Mã Ne ta ã(o ) sa (o) Irm Fil h Es po a(o ) 0 1% 1% Tia So br inh a 3% (o) iga (o) 6% 5 Figura 1. Distribuição dos familiares por grau de parentesco (em porcentagem) 62 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5. Todos os familia­res quiseram receber informações do Enfermeiro nas três visitas realizadas com cada família. Na primeira visita de enfermagem que teve um tempo mé­dio de 9min50s com cada família, 110 familiares (96%) apresentaram as seguintes dúvidas: 64 familiares (56%) sobre o es­tado clínico; 20 familiares (17%) sobre o prognóstico; 10 familiares (9%) sobre os resultados de exames; nove familiares (8%) sobre o diagnóstico do paciente; cinco familiares (4%) sobre o equipamento monitor; e dois fa- Pelazza BB, Simoni RC, Freitas EG, Silva BR, Silva MJ miliares (2%) sobre a medicação. No item “outros” as dúvidas foram: 14 familiares (12%) sobre a alta e sete (6%) sobre o tipo de cirurgia realizada. A segunda visita de enfermagem foi realizada com 69 famílias (60%), sendo necessário um tempo médio de 9,12 minutos com cada família. As dúvidas foram: 39 familiares (34%) sobre o estado clínico; 13 familiares (11%) sobre o prognóstico; 10 (9%) sobre resultados de exames; sete familiares (6%) sobre o diagnóstico. Para o item “outros” do formulário, 16 (14%) quiseram saber sobre a previsão de alta e 3% sobre agitação. A terceira visita de enfermagem foi realizada com 38 fa­mílias (33%), com duração média de nove minutos para cada família. As dúvidas foram: 17 familiares (15%) sobre o estado clínico; 11 (10%) so­ bre o prognóstico; seis familiares (5%) sobre a medicação; quatro familiares (3%) sobre os resultados dos exames. Para o item “outros” do formulário, 10 (9%) quiseram saber sobre a previsão de alta e 3% sobre a presença de agitação, com n=4 (3%). Na tabela 1, pode-se visualizar a estatística descritiva do número de dúvidas para cada dia de visita. Foi utilizado o teste ANOVA de medidas repetidas para verificar se existe diferença entre o número médio de dúvidas para os dias de visitas. Podemos observar que o número médio de dúvidas diminui com o passar das visitas (p<0,05). Tabela 1. Número de dúvidas para cada dia de visita Média ± DP Mediana Visita 1 Visita 2 Visita 3 0,94 ± 0,09 0,79 ± 0,07 0,57 ± 0,07 1 1 1 Mínimo - Máximo 0-3 0-3 0-3 Total 110 69 38 *Estatisticamente significante Para efeito de comparação entre os dias de visita, foi realizado o teste t pareado. Os resultados são apresenta­dos na tabela 2. Observa-se, na tabela 2, que a diferença média entre as dúvidas do primeiro e o segundo dia de visita foi estatisticamente significante (p=0,047). A média de dúvidas do primeiro dia de visita é estatisticamente maior, quando comparada com a do terceiro dia (p<0,001). E, por último, o número médio de dúvidas do segundo dia é estatisticamente maior quando comparado com a terceira visita de enfermagem (p=0,042). Tabela 2. Teste t pareado comparando as dúvidas dos familiares a cada Visita de Enfermagem Dúvidas p-value Visita 1 vs Visita 2 0,047* Visita 1 vs Visita 3 <0,001* Visita 2 vs Visita 3 0,042* *Estatisticamente significante Discussão As limitações dos resultados do estudo são inerentes ao delineamento transversal, não se podendo estabelecer relações de causa e efeito. Encontramos estudos que também foram desenvolvidos em uma unidade de terapia intensiva, com resultados semelhantes.(3,9,12) A contribuição dos resultados é na melhoria da qualidade da assistência de enfermagem nas unidades de terapia intensiva, reforçando a eficácia da visita de enfermagem junto aos familiares. Caracterizamos os pacientes como sendo na sua maioria homens com faixa etária média de 57 anos, permanecendo aproximadamente nove dias internados por pato­logias clínicas e cardiológicas. Os familiares eram, na maioria, do sexo feminino, com grau de parentesco filha, na faixa de 50 anos, donas de casa, com ensino superior. O enfermeiro foi um dos primeiros integrantes da equipe multiprofissional a se relacionar com os familiares. Neste setor, o familiar apresentou ao enfermeiro várias indagações sobre o estado de saúde, condições clínicas e sobre os cuidados realizados, mesmo quando o prognóstico não era favorável. Estar preparado para lidar com situações em que as notícias difíceis são comuns é, portanto, fundamental também para esse profissional.(22) O tempo médio das três visitas de enfermagem com cada família foi de 9min21s. Esse dado indica que, em pouco tempo, é possível que os familiares manifestem dúvidas e recebam atenção. O tema de maior dúvida entre os familiares, nas três visitas de enfermagem, foi sobre o estado clínico. Ao compararmos as dúvidas levantadas nas três visitas de enfermagem, verificamos que o seu núme­ ro médio diminuiu, ou seja, o número médio de dúvidas do primeiro dia foi es­tatisticamente maior, quando comparado tanto com o segundo quanto com o terceiro dia de visita (p=0,047/p<0,001). Em Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5. 63 Visita de Enfermagem e dúvidas manifestadas pela família em unidade de terapia intensiva relação ao número médio de dúvidas do segundo dia de visita, também observamos significância ao compararmos com o terceiro dia (p=0,042). Esses resultados podem indicar que a família está passando pela situação de ter um de seus membros hos­pitalizado pela primeira vez em uma unidade de terapia intensiva, o que pode causar medo sobre o es­tado do paciente e sobre o cenário que será vivenciado. Os familiares porque não conhecem os procedimentos e protocolos desse setor e permanecem aflitos para conversar com a equipe, a fim de obter informações sobre o paciente, esclare­cer dúvidas, receber atenção e acolhimento.(23,24) As visitas de enfermagem, realizadas em três momen­tos consecutivos, possibili­taram trabalhar com as principais dúvidas da família, detectar e prevenir sintomas de ansiedade, depressão e estresse vivenciados pelos familiares, o que também é corroborado pelos resultados de outros autores.(14,24-26) A redução das dúvidas e ansiedades dos familiares durante as visitas de enfermagem, enfatiza a necessidade desse contato entre enfermeiros e familiares. Além disso, revisão sistemática recente demonstrou que as informações impressas em forma de folhetos ou cartilhas ajudam os familiares a compreender os cuidados e o ambiente da unidade de terapia intensiva, assim como a comunicação regular e es­truturada da equipe de enfermagem com a família auxilia na redução do estresse e na compreensão do tratamento realizado.(27) Uma estratégia potencializa a outra. Conclusão As dúvidas dos familiares de pacientes internados na unidade de terapia intensiva, há mais de 24 horas, e manifestadas durante as visitas de enfermagem foram sobre o estado de saúde, condições clínicas e sobre o cuidado realizado. O número médio de dúvidas foi menor na terceira visita de enfermagem. Colaborações Pelazza BB contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo. Simoni RCM e Silva MJP colaboraram com a concepção do 64 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):60-5. projeto, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Freitas EGB e Silva BR colaboraram com a execução da pesquisa. Referências 1. Latour JM, Haines C. Families in the ICU: do we truly consider their needs, experiences and satisfaction? Nurs Crit Care. 2007; 12(4):1734. 2. Azoulay E, Sprung CL: Family-physician interactions in the intensive care unit. Crit Care Med. 2004; 32(11):2323-8. 3. Fox S, Jeffrey J. The role of the nurse with families of patients in ICU: the nurses’ perspective. Can J Cardiovasc Nurs. 1997; 8(1):17-23. 4. Hardicre J. Meeting the needs of families of patients in Intensive Care Units. Nurs Times. 2003;99(27):26-7. 5. Gay EB, Pronovost PJ, Bassett RD, Nelson JE. The intensive care unit family meeting: making it happen. J Crit Care. 2009; 24(4):629,e1e12. 6. Robichaux CM, Clark AP. 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CEP: 14040-902 [email protected] Resumo Objetivo: Analisar os fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia. Métodos: Estudo transversal, prospectivo, conduzido em hospital de nível terciário com 85 neurocirurgias eletivas e limpas, tendo como desfecho a infecção até 30 dias após o procedimento cirúrgico. Resultados: A ocorrência de infecção de sítio cirúrgico foi de 9,4% (n=8). Na análise bivariada observou-se que os fatores de risco: tempo total de internação, Índice de Massa Corporal, porte cirúrgico e transfusão sanguínea foram associados com a presença de infecção. Após ajuste no modelo de regressão logística binária, apenas o tempo total de internação mostrou relação estatisticamente significativa com a presença de infecção. Conclusão: A ocorrência de infecção de sítio cirúrgico em neurocirurgia na instituição estudada foi maior do que o preconizado na literatura científica. Os resultados apontaram que o acompanhamento ambulatorial do paciente cirúrgico após a alta hospitalar pode reduzir a subnotificação dos casos de infecção. Abstract Objective: To analyze risk factors for surgery site infection in neurosurgery. Methods: A prospective cross-sectional study conducted in a tertiary hospital analyzing 85 elective and clean neurosurgeries with an outcome of infection within 30 days after surgery. Results: Surgical site infection occurred in 9.4% (n=8) of cases. Bivariate analysis revealed that the following risk factors were associated with the presence of infection: total length of hospital stay, Body Mass Index, surgical size and blood transfusion. After running binary logistic regression adjustments, only the total length of hospital stay was significantly related to the presence of infection. Conclusion: The occurrence of surgical site infection in neurosurgery in the studied institution was higher than recommended by the scientific literature. The results show that outpatient follow up of patients who undergo surgery after hospital discharge may reduce the underreporting of infection cases. Universidade de Franca, São Paulo, SP, Brasil. Fundação Santa Casa de Misericórdia de Franca, São Paulo, SP, Brasil. 3 Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 4 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500012 66 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. Bellusse GC, Ribeiro JC, Campos FR, Poveda VB, Galvão CM Introdução A infecção de sítio cirúrgico (ISC) é a complicação mais frequente do paciente operado e, em sua essência, pode ser classificada como hospitalar, por decorrer de cirurgias ou de procedimentos invasivos intra-hospitalares e está associada a diferentes níveis de gravidade, desde o acometimento do local da incisão até coleções intracavitárias e infecções relacionadas a próteses, aumentando o risco de septicemia e reabordagem cirúrgica. Este tipo de infecção apresenta morbidade significativa que prolonga o tempo de internação, aumenta o risco de readmissão hospitalar, admissão em unidade de terapia intensiva e óbito.(1) Em neurocirurgia, estudo conduzido sobre a avaliação de 390 casos de craniectomia, cranioplastia e craniotomia durante o seguimento de dois anos, os resultados indicaram que 30 pacientes desenvolveram ISC, com incidência média de 7,7%, sendo que houve associação estatisticamente significante entre este tipo de infecção e os fatores de risco escore da American Society of Anesthesiology (ASA), ASA II e cirurgia potencialmente contaminada. Outros fatores como, tipo e duração da cirurgia e experiência do cirurgião não foram associados à problemática. O tempo médio entre a cirurgia e o início da infecção foi de 11,8 a 21,8 dias.(2) A incidência de ISC em cirurgia de coluna pode chegar a 15% dependendo do diagnóstico, da abordagem cirúrgica, da região a ser operada, do número de níveis intervertebrais envolvidos no procedimento e a utilização de instrumentação (órtese/prótese). (3) De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention, as taxas de infecção após laminectomias ou outros procedimentos de fusão espinhal estão entre 0,72 e 4,1%.(4) Dentre os fatores de risco em cirurgia de coluna destacam-se: período prolongado de hospitalização pré-operatória, extensão da incisão cirúrgica, cirurgia prolongada, ressecção de tumor, número elevado de pessoas envolvidas no ato cirúrgico, estágio do procedimento e revisão do procedimento cirúrgico.(5) A morbidade associada à ISC neste tipo de cirurgia inclui o prolongamento da utilização de antibióticos intravenosos, múl- tiplas readmissões e reoperações, desbridamentos cirúrgicos, aumento da permanência hospitalar, aumento nas taxas de pseudoartrose, além do fracasso da instrumentação.(6) Frente ao exposto, salienta-se a importância de estudos sobre a ocorrência e os fatores de risco de ISC em neurocirurgia, principalmente no Brasil, uma vez que os dados disponíveis desta problemática são escassos na literatura nacional. O presente estudo foi conduzido para contribuir com evidências que possam permitir a reflexão da prática atual, implementação de medidas de prevenção e controle, e também ampliar o conhecimento referente ao tema investigado. Assim, a pesquisa teve como objetivo geral analisar os fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia. Métodos Estudo transversal prospectivo conduzido em hospital de nível terciário, do estado de São Paulo (Brasil). O tipo de amostra foi de conveniência com a participação de 85 pacientes adultos submetidos à neurocirurgia, eletiva e limpa (potencial de contaminação do sítio cirúrgico), incluindo aqueles pacientes que se submeteram a procedimentos neurocirúrgicos com instrumentação (órtese/prótese), no período de junho de 2012 até abril de 2013. Ressalta-se que no estudo delimitou-se analisar o desfecho infecção até 30 dias após o procedimento cirúrgico, apesar dos casos de implante, onde a infecção poderá se manifestar em até um ano após o procedimento cirúrgico.(7) Os dados foram obtidos por meio do emprego de instrumento elaborado e submetido à validação de face e de conteúdo por estudiosos da temática. Esse instrumento é composto por duas partes, na primeira, os dados são relativos à caracterização do paciente e à identificação dos fatores de risco ao desenvolvimento de infecção (fatores relacionados ao paciente, ao procedimento cirúrgico e ao ambiente). A segunda parte contempla os dados relacionados aos critérios diagnósticos de ISC, segundo os critérios do Centers for Disease Control and Prevention, vigilância durante o período em Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. 67 Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia que o paciente permanece hospitalizado e após a sua alta. Os dados coletados foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 e os resultados foram apresentados segundo distribuições de frequências e medidas estatísticas descritivas tais como: média aritmética, desvio-padrão, mediana, valores mínimo e máximo para as variáveis quantitativas. A análise bivariada foi adotada para analisar a associação entre as variáveis categóricas (transfusão sanguínea, presença de doença crônica, classificação ASA, porte cirúrgico, antibioticoprofilaxia) e a infecção, por meio do teste exato de Fisher. Em relação às variáveis contínuas (idade, IMC, duração da cirurgia, duração da anestesia, tempo total de internação), procedeu-se o teste de Mann-Whitney. Posteriormente, foram incluídas no modelo de regressão logística binária as variáveis que apresentaram valor de p menor que 0,05 para os testes de associação ou de comparação com a variável resposta ISC, ajustou-se o modelo de regressão logística binária com intervalo de confiança de 95%. O nível de significância delimitado foi de α= 0,05. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Dos 85 pacientes participantes do estudo (N=85), 77 não apresentaram ISC (90,6%), e oito desenvolveram esse tipo de infecção, ou seja, a ocorrência foi de 9,4%. A média de idade da amostra foi de 53,3 anos (DP=14,16), com variação de 21 a 86 anos, sendo a faixa etária mais frequente de 60 a 70 anos com 21 sujeitos (24,7%). A maioria dos pacientes era do sexo masculino, representando 57,6% da amostra investigada. Dos oito sujeitos com ISC, quatro (50%) eram da faixa etária de 60 a 70 anos, sendo seis (75%) do sexo feminino, e dois (25%) do sexo masculino. Em relação à classificação ASA, os resultados evidenciaram que 33 (38,8%) pacientes da amostra 68 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. foram classificados como ASA I (paciente saudável), no entanto, desses participantes, três (9%) desenvolveram ISC. Observou-se também, que a maioria da amostra, ou seja, 51 (60%) pacientes foram classificados como ASA II (paciente com doença sistêmica leve ou moderada, sem limitação funcional) e desses, cinco (9,8%) foram acometidos de infecção. Dos sujeitos estudados apenas um (1,2%) foi classificado como ASA III (paciente com doença sistêmica grave, com limitação funcional, mas não incapacitante) e não desenvolveu este tipo de infecção (Tabela 1). Dos 85 pacientes estudados, 40 (47,1%) não apresentavam doença crônica, porém, três (3,5%) desenvolveram ISC. Dos 45 (52,9%) pacientes com doença crônica, quatro (8,9%) tinham diabetes, três (6,75) tinham diabetes e obesidade (um paciente apresentou infecção), 36 (80%) apresentavam diabetes e hipertensão arterial (quatro pacientes desenvolveram infecção) e, dois (4,4%) outras comorbidades. Na amostra, o IMC médio foi de 26,18 Kg/ 2 m (DP=4,7) com variação de 18,37 a 47,03 Kg/ m2. Dos 85 pacientes, 40 (47%) apresentavam peso normal, sendo a categoria mais frequente; entretanto, ao considerar o número de sujeitos nas categorias sobrepeso e obeso, os resultados indicam frequência semelhante com 44 (51,8%) pacientes. Ressaltase que dos oito pacientes com ISC, quatro (50%) estavam na categoria sobrepeso e três (37,5%) na categoria obesidade. Em relação às variáveis relativas ao procedimento, a média de duração da anestesia foi de 185,81 minutos, variando de dez a 440 minutos. A média de duração da cirurgia foi de 154,35 minutos com variação de 15 a 400 minutos. A média do tempo total de internação da amostra (período perioperatório) foi de 11,48 dias (DP=13,15) com variação de dois a 80 dias. A ISC ocorreu com frequência maior nos pacientes que permaneceram de sete a nove dias internados (2 casos; 25%) e naqueles internados em período ≥ 22 dias (2 casos; 25%). Todos os sujeitos do estudo receberam antibiótico profilático (cefuroxima). Em relação ao momento de aplicação, em 100% dos pacientes a medica- Bellusse GC, Ribeiro JC, Campos FR, Poveda VB, Galvão CM Tabela 1. Distribuição dos pacientes submetidos a neurocirurgias (n=85), segundo as variáveis investigadas Infecção Variáveis Sim n(%) Não n(%) I 3(37,5) 30(39,0) II 5(62,5) 46(59,7) III - 1(1,3) Sim 4(50,0) 11(14,3) Não 4(50,0) 66(85,7) 4(50,0) 43(55,8) II (> 2 a 4) 0 25(32,5) III (> 4 a 6) 3(37,5) 8(10,4) IV (> 6) 1(12,5) 1(1,3) 0 4(5,2) p-value* ASA 1,000 Transfusão sanguínea 0,030 Porte (horas) 0,016 I (até 2) Doença crônica 0,520 Diabetes mellitus (DM) DM + obesidade 1(12,5) 2(2,6) DM + HA 4(50,0) 32(41,6) Outras Nenhuma Variáveis * Média 0 2(2,6) 3(37,5) 37(48,1) DP Mediana Média DP Mediana p-value** Duração cirurgia (minutos) 196,88 120,88 180,00 149,94 88,56 150,00 0,262 Duração anestesia (minutos) 228,13 123,92 215,00 179,08 95,03 170,00 0,313 Tempo total internação (dias) 30,57 24,66 28,50 9,74 10,20 7,00 0,001 Idade (anos) 57,88 10,80 59,50 52,86 14,44 54,00 0,302 IMC (kg/m2) 29,12 3,58 29,23 25,87 4,72 24,76 0,022 Teste exato de Fischer; HA – hipertensão arterial; DP – desvio padrão; **Teste de Mann-Whitney ção foi administrada antes da incisão cirúrgica e por via endovenosa. Dos 85 pacientes estudados, 47 (55,3%) foram submetidos à cirurgia de porte I, 25 pacientes (29,4%) cirurgias de porte II, 11 pacientes (12,9%) cirurgias de porte III e apenas dois pacientes (2,4%) foram submetidos à cirurgia de porte IV. Dos oito pacientes que desenvolveram ISC, quatro (50%) foram submetidos à cirurgia de porte I, três pacientes (37,5%) cirurgia de porte III e apenas um paciente (12,5%) submetido à cirurgia de porte IV. Em relação à transfusão sanguínea, do total da amostra estudada (n=85), 15 pacientes (17,6%) receberam transfusão e quatro (26,7%) desenvolveram ISC. Nas análises estatísticas empregadas, observou-se que as variáveis tempo total de internação (p=0,001), IMC (p=0,022), porte cirúrgico (p=0,016) e transfusão sanguínea (p=0,030) foram associadas com a presença de ISC (diferença estatisticamente significante) (Tabela 1). Conforme já apontado, a regressão logística binária foi aplicada considerando-se as variáveis com p inferior a 0,05 (tempo total de internação, IMC, porte cirúrgico e transfusão sanguínea), assim permaneceu no modelo como associada à presença de ISC apenas a variável tempo total de internação (p<0,001). Discussão A condução de estudo transversal pode acarretar limitações ao investigar condições de baixa ocorrência (ISC em cirurgia limpa) o que implicaria uma amostra maior. Ressalta-se que o desfecho ISC foi avaliado até 30 dias após a cirurgia do paciente, apesar do conhecimento dos pesquisadores que em caso de implante, este tipo de infecção poderá se manifestar em até um ano após o procedimento cirúrgico. Outro aspecto refere-se à conduta dos profissionais de saúde, uma vez que se observou a intensificação de cuidados para a redução dos índices de infecção na sala de cirurgia, devido a presença de um dos pesquisadores que também era membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da instituição selecionada para a condução do estudo. Os resultados deste estudo fornecem subsídios para a compreensão da problemática na realidade Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. 69 Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia brasileira. O acompanhamento ambulatorial do paciente cirúrgico após a alta hospitalar pode reduzir a subnotificação dos casos de infecção. Além deste aspecto, o estudo traz evidências que podem direcionar a condução de novas pesquisas sobre intervenções para a prática clínica que possam minimizar a ocorrência de ISC em neurocirurgia e, consequentemente a melhoria da qualidade da assistência prestada ao paciente cirúrgico. No estudo, a média de idade da amostra foi de 53,3 anos, dado semelhante aos resultados de pesquisa conduzida também em neurocirurgia (média de idade foi de 57,7 anos).(8) No grupo com infecção (n=8), quatro (50%) pacientes eram da faixa etária de 60 a 70 anos. Na literatura, a idade é apontada como fator de risco para o desenvolvimento de ISC, sendo os extremos de idade (recém-nascido e idoso) os principais grupos etários.(9) A classificação ASA é um dos métodos mais utilizados para a avaliação clínica pré-operatória do paciente e na literatura apresenta-se como fator de risco para a ocorrência de ISC, ou seja, quanto mais grave a condição clínica do paciente, provavelmente maior será a taxa de infecção.(9,10) No estudo, dos oito pacientes que desenvolveram ISC, cinco (62,5%) foram classificados como ASA II. Esse dado é semelhante aos resultados de pesquisa realizada no período de junho de 2007 a maio de 2009, na qual os autores avaliaram prospectivamente 390 pacientes submetidos à neurocirurgia. A classificação ASA II e o potencial de contaminação da ferida (cirurgia potencialmente contaminada) foram fatores de risco para ISC, quando testadas associações.(2) Em relação ao IMC, dos oito pacientes com infecção, quatro (50%) foram classificados com sobrepeso e três pacientes (37,5%) como obesos, na análise bivariada esta variável foi associada com ISC (p=0,022). Em estudo retrospectivo cujo objetivo foi avaliar a incidência de ISC, a amostra foi composta por 363 pacientes adultos submetidos a cirurgias de coluna. Os resultados demonstraram que a obesidade foi fator de risco independente para o desenvolvimento de infecção.(11) Por outro lado, em outra pesquisa também retrospectiva, com o objetivo de avaliar o efeito do peso corporal 70 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. sobre as complicações pós-operatórias (n=63 pacientes, sendo 24 com peso normal, 25 obesos e 14 obesos mórbidos submetidos à artrodese de coluna lombar), os resultados evidenciaram taxa baixa de ISC, sendo que somente um paciente no grupo de obesos, e um no de obesos mórbidos apresentaram este tipo de infecção.(12) Nessa pesquisa, 52,9% dos pacientes (n=45) apresentavam algum tipo de comorbidade. A literatura indica o diabetes mellitus como fator de risco, devido às complicações fisiopatológicas que ocorrem no processo de cicatrização, decorrentes da fragilidade do sistema de defesa, e da vasculopatia, comuns nas pessoas com diabetes.(7) No presente estudo, todos os pacientes receberam antibioticoprofilaxia de acordo com protocolo da instituição, sendo a cefuroxima o medicamento de escolha e, mesmo com o emprego da medida, detectou-se a ocorrência de oito casos de ISC, provavelmente, devido à presença de outros fatores de risco na amostra estudada. Observou-se que a presença do pesquisador pode ter contribuído para a implementação da antibioticoprofilaxia de forma adequada, uma vez que a equipe cirúrgica tinha conhecimento que esse profissional era membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da instituição e, por esse motivo, alguns questionamentos foram feitos em relação ao medicamento de escolha e dosagem. A administração de antibioticoprofilaxia correta requer a utilização do antibiótico adequado, com início de 30 a 60 minutos antes da incisão cirúrgica e a duração não deve ultrapassar 24 horas do procedimento cirúrgico, sendo a conduta recomendada pelo Centers for Disease Control and Prevention.(7,13) Na literatura há evidências que a duração da anestesia e da cirurgia apresenta associação com o risco de ocorrência de ISC.(7) Em estudo conduzido com pacientes submetidos a procedimentos neurocirúrgicos, os resultados evidenciaram que a duração da cirurgia foi fator de risco independente para a ocorrência de ISC, devido ao tempo prolongado de exposição da ferida operatória ao ambiente; complicações intraoperatórias, como perda sanguínea maior; queda nos mecanismos de defesa do paciente; dor pós-operatória, devido ao tempo longo na Bellusse GC, Ribeiro JC, Campos FR, Poveda VB, Galvão CM mesma posição cirúrgica; arritmias cardíacas e outras infecções pós-operatórias, como por exemplo, a pneumonia.(14) Em estudo de coorte retrospectivo, com a participação de 4.588 pacientes submetidos à fusão lombar, a duração da cirurgia foi fator de risco independente para as complicações pós-operatórias, inclusive infecção de sítio cirúrgico superficial, sendo que a duração de cinco horas ou mais de cirurgia foi associada ao aumento do risco de reoperação, infecção de sítio cirúrgico de órgão/espaço, sepse deiscência da ferida e trombose venosa profunda.(15) Dos oito casos de ISC detectados, quatro (50%) foram em procedimentos de porte I e, os outros quatro casos (50%) foram em procedimentos de porte III e IV, sendo que esta variável foi associada com ISC (p=0,016) na análise bivariada. Esses dados são semelhantes aos resultados de outra pesquisa, na qual o tempo cirúrgico superior a 150 minutos foi indicado como fator de risco para o desenvolvimento de complicações após cirurgia de coluna.(16) Nessa pesquisa, o tempo total de internação foi variável de interesse e constatou-se na análise bivariada associação com a ISC (p=0,001), bem como na regressão logística binária empregada (p<0,001). Em estudo recente,(17) esta variável também mostrou relação estatisticamente significativa com a presença de infecção. No presente estudo, dos 15 pacientes que necessitaram de transfusão sanguínea, quatro (26,7%) desenvolveram ISC, sendo que na análise bivariada, esta variável foi associada com ISC (p=0,030). Esse resultado é corroborado com outra pesquisa, na qual a hemotransfusão foi fator de risco para o desenvolvimento deste tipo de infecção (diferença estatisticamente significante).(18) Conforme já apontado, na amostra investigada, a ocorrência de ISC foi de 9,4%. Esse resultado mostra-se elevado, uma vez que a taxa de infecção recomendada para as cirurgias limpas é de 1% a 5%, conforme parâmetros estabelecidos pelo Centers for Disease Control and Prevention.(7) O número de casos esperados para essa amostra de 85 pacientes seria de um a no máximo, quatro casos, entretanto, foram oito casos deste tipo de infecção. Na literatura, alguns estudos evidenciaram resultados semelhantes ao da presente pesquisa. Em uma pesquisa, as taxas variaram de 2,1% a 8,5% após cirurgias de coluna com instrumentação (implante)(19) e em outra,(20) os resultados demonstraram que as taxas de infecção dependem da natureza do procedimento, ou seja, após discectomia, a taxa de infecção é de aproximadamente 1% podendo ser superior a 9%, em caso de cirurgia com instrumentação. No estudo, dos oito casos de infecção, quatro foram em cirurgia de artrodese com instrumentação (implante). Esse resultado pode modificar-se, uma vez que os pacientes foram avaliados até o 30º dia após a cirurgia e, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention, em caso de implante de prótese, a infecção poderá ser diagnosticada em até um ano após o procedimento cirúrgico. Em pesquisa conduzida com o objetivo de analisar a incidência de ISC após procedimentos neurocirúrgicos e identificar os pacientes com risco alto para desenvolver esse tipo de infecção, os autores analisaram prospectivamente 390 pacientes, durante dois anos, sendo que os resultados demonstraram incidência média de 7,7%,(2) dado semelhante com os resultados do presente estudo. Em revisão sistemática conduzida com o objetivo de comparar a incidência de ISC após artrodese de coluna utilizando a técnica cirúrgica aberta e minimamente invasiva, além de determinar os custos hospitalares relacionados ao tratamento, os resultados indicaram a redução na incidência de infecção após utilização de técnica minimamente invasiva, sendo 0,6% e 4% (cirurgia aberta). Esse dado pode reforçar a hipótese de que quanto maior a incisão cirúrgica, maior o risco de ocorrência de ISC.(21) Na literatura, também se detectou pesquisas recentes, cujos resultados apresentaram índices menores de ISC quando comparados aos dados do presente estudo. O objetivo de estudo descritivo retrospectivo foi avaliar a incidência e os fatores de risco de pacientes submetidos à cirurgia de coluna com doença degenerativa, no período de 1993-2010. A amostra foi composta de 817 participantes, sendo que 37 desenvolveram infecção, ou seja, a incidênActa Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. 71 Fatores de risco de infecção da ferida operatória em neurocirurgia cia foi de 4,5%.(17) Em estudo descritivo prospectivo, a amostra foi composta de 1.110 pacientes submetidos a neurocirurgia (cirurgia eletiva), sendo que 41 desenvolveram ISC, assim a incidência foi de 3,47%. Ressalta-se que dos 41 casos de infecção, 34 foram diagnosticados durante a hospitalização e sete após a alta hospitalar.(22) Em estudo de coorte prospectivo com a participação de 502 pacientes submetidos à craniotomia, a taxa de ISC foi de 5,6%.(23) A vigilância pós-alta trata-se de estratégia necessária, considerando que 12% a 84% das ISC são diagnosticadas nesse período, e, sendo assim, torna-se imprescindível para a obtenção de indicadores acurados.(7) No presente estudo, a vigilância pós-alta foi realizada por meio do retorno do paciente na sala de curativos (30º dia após a cirurgia) para delimitar-se de forma fidedigna, o perfil epidemiológico dos egressos da neurocirurgia, uma vez que até o momento, os procedimentos neurocirúrgicos realizados na instituição selecionada para a condução da pesquisa, somente foram avaliados por meio de busca ativa durante a internação do paciente. Assim, dos oito casos de ISC diagnosticados, um foi na sala de curativos durante o retorno do paciente, na data agendada pelo pesquisador. Esse dado corrobora com a literatura quando afirma que as taxas de infecção aumentam com a adoção da estratégia de busca pós- alta. Em pesquisa recente também em neurocirurgia, os resultados evidenciaram que 70% dos casos de ISC foram identificados após a alta hospitalar do paciente.(24) Conclusão A ocorrência de infecção do sítio cirúrgico em neurocirurgia na instituição estudada foi maior do que o preconizado na literatura científica. Nas análises estatísticas empregadas, observou-se que os fatores de risco: tempo total de internação, IMC, porte cirúrgico e transfusão sanguínea foram associados com a presença de ISC (diferença estatisticamente significante). No entanto, 72 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. no modelo de regressão logística binária apenas o tempo total de internação mostrou relação estatisticamente significativa com a presença de infecção. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq; bolsa de produtividade em pesquisa nível 2 para Galvão CM). Colaborações Belusse GC participou da concepção do projeto, coleta de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final do manuscrito. Ribeiro JC colaborou com a concepção do projeto, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação da versão final do manuscrito. Campos FR contribuiu com a coleta de dados, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação da versão final do manuscrito. Poveda VB cooperou com a análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final do manuscrito. Galvão CM participou da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final do manuscrito. Referências 1. Deverick JA. Surgical site infections. Infect Dis Clin North Am. 2011; 25(1):135-53. 2. Buang SS, Haspani MS. Risk factors for neurosurgical site infections after a neurosurgical procedure: a prospective observational study at hospital Kuala Lumpur. Med J Malaysia. 2011; 67(4):393-8. 3. O’Neill KR, Smith JG, Abtahi AM, Archer KR, Spengler DM, McGirt MJ, et al. Reduced surgical site infections in patients undergoing posterior spinal stabilization of traumatic injuries using vancomycin powder. Spine J. 2011; 11(7):641-6. 4. Edwards JR, Peterson KD, Mu Y, Banerjee S, Allen-Bridson K, Morrell G, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report: data summary for 2006 through 2008, issued December 2009. Am J Infect Control. 2009; 37(10):785-805. 5. Schwender JD, Casnellie MT, Perra JH, Transfeldt EE, Pinto MR, Denis F, et al. 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Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):66-73. 73 Artigo Original Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores Identification of thermal burns as work-related injury in welders Marta Regina Cezar-Vaz1 Clarice Alves Bonow2 Cynthia Fontella Sant’Anna2 Leticia Silveira Cardoso2 Marlise Capa Verde de Almeida3 Descritores Queimaduras; Indústria metalúrgica; Enfermagem do trabalho; Enfermagem em saúde pública; Riscos ocupacionais Keywords Burns; Metalmechanic industry; Occupational health nursing; Public health nursing; Occupational risks Submetido 30 de Setembro de 2014 Aceito 30 de Outubro de 2014 Resumo Objetivo: Avaliar a identificação de queimaduras em soldadores como injúria relacionada ao trabalho, antes e depois da ação clínica comunicativa de Enfermagem. Métodos: Estudo transversal com 161 soldadores em processo de formação. Utilizou-se modelo de julgamento e decisão clínica, adaptado na perspectiva da Enfermagem em saúde pública. Para a coleta de dados, foi aplicado questionário antes e depois da ação clínica comunicativa de Enfermagem. Resultados: Para os soldadores que não referiram queimaduras durante atividade de solda, houve diferença estatística significativa (p=0,02) para a variável queimadura por fagulha nos olhos. Conclusão: A ação clínica comunicativa pode modificar o conhecimento de indivíduos sobre a ocorrência de queimaduras como injúria relacionada ao trabalho. Abstract Objective: Assess identification of burns in welders as work-related injury before and after communicative clinical action. Methods: Cross-sectional study conducted with 161 welders in the formation process. A model of clinic judgment and decision was used and adapted to the public health nursing. For data collection, a questionnaire was administered before and after communicative clinical action. Results: For welders who did not report burns during the welding activity, a statistically significant difference (p=0.02) was observed in relation to the spark-caused eye burn variable. Conclusion: Communicative clinical actions can modify individuals’ knowledge about occurrence of burns as [being] work-related injuries. Autor correspondente Marta Regina Cezar-Vaz Rua General Osório, s/nº, Rio Grande, RS, Brasil. CEP: 96200-190 [email protected] Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil. Universidade Federal do Pampa, Uruguaiana, RS, Brasil. 3 Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500013 74 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80. 2 Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Sant’Anna CF, Cardoso LS, Almeida MC Introdução Mundialmente, as queimaduras são consideradas um problema de saúde pública.(1) Constituem lesões na pele ou em outro tecido orgânico,(1) podendo ser causadas por agentes térmicos, elétricos ou químicos.(2) Especificamente as queimaduras térmicas e químicas, abordadas neste estudo, podem ser conceituadas da seguinte forma: as primeiras ocorrem devido ao calor produzido por explosões, chama, radiação e contato direto com superfícies quentes; as segundas, quando há reação do tecido biológico (tegumento) com materiais químicos.(2) Os diversos agentes causadores de queimaduras térmicas e químicas possuem potencial para deflagrar essa injúria em qualquer adulto ou criança. No presente texto, o foco dirigiu-se à ocorrência de queimaduras no trabalho relacionadas à saúde pública de adultos em ambiente laboral. Tal injúria é fato cotidiano, que exige o aprofundamento do conhecimento clínico para aprimorar o planejamento da ação comunicativa do enfermeiro em ambientes potenciais da ocorrência das mesmas. A Enfermagem utiliza esse conhecimento clínico por meio de intervenções coletivas com estudantes do Ensino Fundamental para prevenção de incêndios,(3) conhecimento da reabilitação para pacientes queimados, por meio do toque/massagem terapêutica,(4,5) e organização de serviço para o atendimento a pacientes queimados leves.(6) Os soldadores configuram coletivo de alto risco para queimaduras de pele e ocular em virtude da manipulação de objetos quentes e da radiação ultravioleta, o que pode ocasionar diferentes distúrbios clínicos. O câncer de pele, por exemplo, pode surgir devido à queimadura por metal quente ou por respingos de solda.(7) Nos olhos, opacidade das córneas, depósitos pigmentares maculares e até mesmo cegueira, devido à exposição à radiação ultravioleta, durante atividade de solda, foram identificados em estudo na Nigéria.(8) O risco de catarata em soldadores aumenta não somente devido à exposição à radiação ultravioleta, mas pelas frequentes lesões oculares sofridas por eles.(9) O conhecimento clínico acerca da ocorrência de queimaduras durante a atividade de solda é importante para auxiliar os enfermeiros a avaliar as queimadu- ras, traçar estratégias para minimizar sua ocorrência e desenvolver a ação clínica comunicativa. Entendese que essa ação é importante para que os soldadores compreendam que a queimadura não é natural ao seu trabalho e pode ser evitada. O objetivo deste estudo foi avaliar a identificação de queimaduras em soldadores como injúria relacionada ao trabalho, antes e depois da ação clínica comunicativa de Enfermagem. Métodos Estudo transversal realizado em uma instituição privada de ensino profissional e tecnológico da Região Sul do Brasil. O tamanho amostral foi obtido por meio da ferramenta StatCalc do software EpiInfo versão 6.04, estimando-se uma proporção referente à população de interesse para um nível de significância de 5% e poder amostral de 90%. O tamanho amostral foi de 166 soldadores em formação profissional, representados por onze turmas em formação de solda. O estudo foi realizado em duas fases. Na primeira fase, a amostra intencional foi composta por 161 soldadores em formação, devido a desistência de soldadores constituintes das turmas selecionadas para o período de estudo e, na segunda fase, todos os 161 soldadores foram convidados a participar do estudo, com adesão de 86 soldadores. Utilizou-se um modelo de julgamento e decisão clínica, adaptado da perspectiva da Enfermagem em saúde pública, com este coletivo de indivíduos expostos à ocorrência de queimaduras na atividade de solda. O julgamento realizado durante o estudo representa as avaliações feitas com o coletivo. No caso dos soldadores, avaliou-se a ocorrência de queimaduras durante atividade de solda. A tomada de decisão clínica representa a escolha entre as alternativas. Ela resulta em uma ação clínica comunicativa, como, por exemplo, a decisão de quando será desenvolvida a intervenção ou a decisão de inação, ou seja, uma espera cuidadosa pelo momento para desenvolver a intervenção.(10) Foi realizado um conjunto de julgamentos e decisões para o desenvolvimento do trabalho clínico, por meio da ação comunicativa. Na aplicação da ação comunicativa, Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80. 75 Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores utilizou-se um conjunto de elementos de julgamento e tomada de decisão clínica adaptado do modelo proposto por Thompson & Dowding (Figura 1),(10) constituindo-se em ação clínica comunicativa na perspectiva da Enfermagem de saúde pública, conforme referido anteriormente. A coleta de dados foi realizada em 2012. Na primeira fase, o questionário estruturado foi aplicado aos 161 soldadores em formação profissional, incluindo as variáveis caracterização dos sujeitos e ocorrência de queimaduras (o momento – se durante atividade de formação ou atividade remunerada; local do corpo de ocorrência da queimadura – se na pele e/ou nos olhos). As onze turmas selecionadas foram incluídas devido a estarem em atividade práticas de solda durante o período de coleta de dados. Tal condição se justifica para que todos apresentassem experiência da prática de solda como condição para o risco da queimadura. Na segunda fase todos os 161 soldadores foram convidados a participar da ação clínica comunicativa de Enfermagem, participaram dela 86 soldadores, conforme referido anteriormente. A tomada de deciJulgamento ou decisão são não utilizou a ocorrência das queimaduras para selecionar os sujeitos da ação; ao contrário, identificou-se que tanto os que sofreram quanto os que não sofreram queimaduras deveriam ser incluídos, por se entender que a ação clínica comunicativa potencializa a mudança de comportamento do indivíduo e, consequentemente, do coletivo, por meio da comunicação dos potenciais clínicos e preventivos da injúria no ambiente de trabalho. Dessa forma, os participantes da ação clínica comunicativa foram 29 sujeitos que autorreferiram a ocorrência de queimaduras (Subgrupo I) e 57 (Subgrupo II) que não as autorreferiram. A ação clínica comunicativa foi desenvolvida com base no conceito de comunicação de risco.(11,12) A mensagem a ser comunicada aos soldadores foi desenvolvida apoiada em revisão de literatura acerca das características clínicas de queimaduras (reação da pele em contato com metal – queimadura química; contato da pele com objetos quentes – queimadura térmica; radiação ultravioleta na pele e nos olhos, e presença de fagulha nos olhos – queimaduras térmicas e químicas).(2) Apresentaram-se aos soldadores as características anatomofisiológicas da pele e dos Raciocínio clínico e crítico O diagnóstico foi realizado por meio de questionário estruturado A partir do diagnóstico, buscou-se a descrição da queimadura pela indicação do ambiente em que ela ocorreu (remunerado ou de formação) e do local (pele e olhos) 1a fase Julgamento (diagnóstico, descrição, avaliação e predição) A avaliação foi baseada no julgamento de que a ocorrência de queimaduras deveria ser comunicada aos soldadores que, apesar de estrarem em formação profissional, sofreram-nas A predição ocorreu por meio da hipótese segundo a qual os soldadores que sofreram queimaduras durante a formação profissional irão sofrê-la no trabalho: uma decisão, portanto, deve ser tomada via ação clínica comunicativa - intensificação de estratégias para evitar que, no futuro, os soldadores apresentem queimaduras A intervenção ocorreu com a intensificação da comunicação da prevenção de queimaduras como consequência do trabalho - ação clínica comunicativa - em uma tentativa de modificar o conhecimento dos sujeitos acerca das queimaduras 2a fase Decisão (intervenção, alvo, tempo, comunicação) O alvo foram soldadores que referiram queimaduras e os que não as referiram A escolha do tempo foi determinada pela experiência dos sujeitos; assim, a ação clínica comunicativa foi realizada após o início das atividades práticas de solda, durante a formação A comunicação aconteceu pro explanação dialogada e demonstrações interativas que expressavam a relação de queimadura como uma injúria que, mesmo potencializada pelas características da atividade de solda, pode ser minimizada, evitando as consequências à saúde. Aplicação de um questionário estruturado, idêntico ao anteriormente aplicado, como procedimento para fixação do conteúdo comunicado Figura 1. Apresentação dos julgamentos ou decisões balizadores do trabalho clínico relacionado a queimaduras com soldadores em formação profissional 76 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80. Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Sant’Anna CF, Cardoso LS, Almeida MC olhos, os riscos na atividade de solda que favorecem a ocorrência de queimaduras (objetos quentes, radiação ultravioleta e presença de fagulhas) e as recomendações para prevenção de queimaduras na relação com a especificidade da atividade laboral. Antes e depois da ação clínica comunicativa, aplicaram-se questionários pré-teste e pós-teste, compostos por quatro variáveis relacionadas à ocorrência de queimaduras térmicas e químicas. As respostas eram dadas em uma escala tipo Likert de cinco pontos (zero = nunca apresentei; 1 = quase nunca apresentei; 2 = algumas vezes apresentei; 3 = quase sempre apresentei; 4 = sempre apresentei). Para análise dos resultados, foi utilizado o software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 19.0, e foi realizada análise descritiva (média, desvio padrão, frequência e porcentagem) dos dados. Para comparações pareadas, foi utilizado teste de Wilcoxon. Foi considerado estatisticamente significativo se p-value <0,05. A correlação de Spearman foi utilizada para analisar a intensidade da relação entre as variáveis idade, ocorrência de queimaduras durante atividade de formação ou em atividade remunerada, e a média dos resultados antes e depois da ação clínica comunicativa. Para avaliação da confiabilidade dos questionários aplicados para realização do estudo, utilizou-se a análise da consistência interna do coeficiente alfa de Cronbach. O coeficiente para o questionário aplicado na primeira fase apresentou valor 0,63, e o coeficiente para o questionário préteste e pós-teste apresentou valor 0,77, comprovando a fidedignidade dos questionários aplicados. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Na primeira fase (julgamento clínico de Enfermagem), participaram 161 soldadores em processo de formação profissional. Pela aplicação do questionário estruturado, foi possível diagnosticar que 65 (40,3%) soldadores sofreram queimaduras durante a atividade de solda. A partir do diagnóstico, realizou-se a descrição das queimaduras, identificando-se que 21 (32,3%) referiram-na durante atividade remunerada e 40 (61,5%) durante a atividade de formação. A maioria dos soldadores referiu queimaduras na pele (n=56; 86,2%), enquanto 19 (29,2%) referiram queimadura ocular. A partir dos diferentes componentes do julgamento (primeira fase), a tomada de decisão para operar a ação clínica comunicativa (segunda fase, de intervenção) foi com 86 soldadores (53,41%), ou seja, os alvos, sendo que 29 (33,72%) sujeitos autorreferiram a ocorrência de queimaduras e 57 (66,28%) que não as referiram durante atividade de solda (Figura 2). No tocante aos participantes da ação clínica comunicativa, dos 29 sujeitos que referiram a ocorrência de queimaduras, a maioria (n=23; 79,3%) era do sexo masculino; 14 (48,3%) de etnia branca; 20 (69%) solteiros e 13 (44,8%) possuíam Ensino Médio completo. A faixa etária oscilou entre 19 e 37 anos, com média de 23,81 anos (±5,92). Já os 57 sujeitos que participaram da ação clínica comunicativa e não referiram ocorrência de queimaduras também eram, na maioria, do sexo masculino (n=44; 77,2%); 33 (57,9%) eram de etnia branca; 27 (n=47,4%) eram casados; 33 (57,9%) possuíam Ensino Médio completo e a faixa etária deles variou entre 18 e 44 anos, com média de 29,37 (±7,06). Apresentar ou não a ocorrência de queimaduras traria uma contribuição para o estudo, pois seria possível identificar se a ocorrência prévia (em atividade remunerada, anterior à formação profissional) de queimaduras interferiu na percepção de que esse acontecimento é algo relacionado ao trabalho, minimizando sua ocorrência. Tais etapas afirmam que os soldadores estavam expostos às queimaduras devido às características da atividade que desenvolvem e, ao reconhecê-las, é possível interferir positivamente nas condições de saúde do adulto exposto à atividade de solda, justificando a necessidade de comunicação dos riscos. O teste Wilcoxon apontou diferença estatística significativa (p=0,02) para a variável queimadura por fagulha nos olhos (térmica e química) para o Subgrupo II, isto é, o grupo que não referiu a ocorrência de queimaduras durante a atividade de solda. Embora esse subgrupo não tenha sofrido queimaduras, entende-se que ele ampliou seu conhecimento acerca Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80. 77 Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores Julgamento clínico de enfermagem Diagnóstico 161 soldadores em processo de formação Descrição Avaliação 65 soldadores referiram queirmaduras 96 soldadores não referiram queirmaduras Ação comunicativa 29 soldadores referiram queirmaduras 1a fase Predição Intervenção 57 soldadores não referiram queirmaduras 86 soldadores em processo de formação Alvo Tempo 2a fase Comunicação Subgrupo I Subgrupo II Avaliação clínica de enfermagem Figura 2. Diagrama do desenvolvimento de julgamento clínico e tomada de decisão de Enfermagem com soldadores em processo de formação Tabela 1. Comparação antes e depois da ação clínica comunicativa sobre a ocorrência de queimaduras durante atividade de solda Subgrupo I (n=29) Queimaduras (tipo) Reação da pele ao contato com metal (química) Contato da pele com objetos quentes (térmica) Radiação ultravioleta na pele (térmica) Radiação ultravioleta nos olhos (térmica) Fagulha nos olhos (térmica e química) Média (desvio padrão) Rank médio* Antes 0,86 (1,12) 7,75 Depois 1,21 (0,95) 7,40 Antes 1,31 (1,00) 6,80 Depois 1,57 (0,87) 7,89 Antes 0,38 (0,90) 5,20 Depois 0,39 (0,83) 5,80 Antes 0,79 (0,94) 6,80 Depois 0,54 (0,69) 7,67 Antes 0,76 (0,83) 6,36 Depois 0,71 (1,08) 6,70 Subgrupo II (n=57) p-value* 0,16 0,23 0,87 0,09 0,66 Média (desvio padrão) Rank médio* 0,47 (0,81) 7,71 0,56 (0,88) 8,25 0,75 (0,87) 11,25 0,90 (0,94) 14,17 0,35 (0,75) 6,64 0,24 (0,55) 4,88 0,25 (0,60) 5,67 0,24 (0,62) 3,80 0,21 (0,53) 5,00 0,41 (0,75) 7,60 p-value* 0,72 0,16 0,21 0,88 0,02 *Teste de Wilcoxon. da queimadura por fagulha nos olhos por meio da comunicação de risco expressa na decisão clínica da Enfermagem (ação clínica comunicativa) (Tabela 1). Houve correlação negativa entre a idade e a ocorrência de queimadura durante atividade de formação (p<0,05), e entre a idade e a ocorrência de queimaduras na pele (p<0,01). Tais resultados apontam que os mais jovens indicaram a maior ocorrência de queimaduras na pele e durante o processo de formação. Houve correlação negativa com a média dos resultados antes da ação para a queimadura com reação da pele ao contato com metal (química) (p<0,05), queimadura ocular (p<0,05) e fagulha nos olhos (térmica e química) (p<0,05). Depois da ação, a idade apresentou correlação negativa com a queimadura por radiação ultravioleta nos olhos (térmica e química) (p<0,05). Os resultados indicam que, quanto mais jovens os soldadores, mais foram identificadas essas variáveis. 78 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80. A análise estatística permitiu a avaliação da identificação de queimaduras autorreferidas por soldadores como injúria relacionada ao trabalho, antes e depois da ação clínica comunicativa de Enfermagem. Sublinha-se que, durante tal ação, foi recomendado o uso de protetor solar na atividade de solda e na exposição à radiação solar, bem como a utilização de luvas de raspa na atividade de solda, com posterior e adequada lavagem das mãos, a fim de minimizar o contato com os metais. Discussão Um dos limites deste estudo transversal esteve relacionado ao método utilizado, que não permitiu generalizar os resultados obtidos. No entanto, entende-se que tal método pode ser replicado em outros ambientes de formação, a fim de aprofundar o conheci- Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Sant’Anna CF, Cardoso LS, Almeida MC mento da Enfermagem clínica na ação comunicativa. Outra limitação é que, em se tratando de um estudo exploratório, não foram coletadas informações da extensão da queimadura, das partes do corpo em que ocorreram e da possibilidade de queimaduras respiratórias. Da mesma forma, a ocorrência das queimaduras foi autorreferida, em vez de ser observada. A escolha se deveu aos riscos de manter múltiplos observadores nesse ambiente. No entanto, mesmo com as limitações apontadas, conhecer mais sobre uma atividade ainda pouco explorada pela Enfermagem, como a dos soldadores, amplia sua área de trabalho. Diferentes estudos, que abordam as queimaduras térmicas(2,9,13,14) e químicas,(2,9) apontam que a atividade de soldadores é considerada de risco para a ocorrência de queimaduras. As queimaduras térmicas identificadas pelos soldadores neste estudo – contato da pele com objetos quentes, radiação ultravioleta na pele para o grupo que referiu a ocorrência de queimaduras e fagulha nos olhos para o grupo que não referiu queimaduras –, embora não tenham sido significativas, apresentaram aumento da média depois da ação clínica comunicativa. Isso porque os soldadores identificaram, após a ação, essas situações como queimaduras; antes banalizavam-na, referindo que se queimar é algo que faz parte da profissão. As queimaduras térmicas provenientes da exposição excessiva à radiação ultravioleta são evidenciadas na pele e nos olhos.(13,14) Na pele, a radiação absorvida promove queimaduras observadas por eritemas (rubor). Após o eritema, a pele aumenta a pigmentação, conferindo uma proteção maior contra a radiação ultravioleta.(13) No entanto, a repetição da exposição a altos níveis de radiação ultravioleta pode resultar em alterações celulares, como o câncer de pele.(13,14) Nos olhos, a radiação absorvida pode causar inflamações nas córneas e conjuntivas, além de danos à retina.(13) Uma queimadura ocular frequente para os soldadores ocorre devido a uma irritação ocular em virtude da queimadura por radiação ultravioleta, conhecida como “flash do soldador”. Ela causa desconforto (sensação de areia nos olhos), edema ocular, secreção de fluidos e, até mesmo, cegueira temporária.(15) Esse tipo de queimadura é bastante comum. No Irã, estudo realizado com 390 soldadores identifi- cou que 80,5% usaram anestésico ocular pelo menos uma vez durante o trabalho.(16) Isso acontece porque, devido ao tempo de exposição à radiação, a queimadura ocular provoca dor. Estudo realizado com o objetivo de quantificar o risco da radiação ultravioleta emitida durante a atividade de solda mostrou que a exposição máxima aceitável, sem proteção, é de 0,47 a 4,36 segundos. (17) Por isso, é importante que soldadores evitem a exposição direta à luz ao iniciarem a soldagem e que utilizem equipamentos de proteção individual para os olhos apropriados ao tipo de soldagem. Entende-se que a exposição à radiação ultravioleta traz benefícios à saúde, como, por exemplo, a síntese de vitamina D.(18) Mas, para que a exposição seja segura, é necessária a atenção quanto aos seus níveis. Os efeitos da exposição, tanto para a pele quanto para os olhos, sofrerão influência do quanto de radiação foi absorvido pelo organismo e de propriedades biológicas dos tecidos expostos, a exemplo do tipo de pele do indivíduo em função da sensibilidade a queimaduras por radiação ultravioleta. Indivíduos melano-comprometidos possuem elevada suscetibilidade a queimaduras por radiação ultravioleta, enquanto indivíduos melano-protegidos apresentam suscetibilidade muito fraca ou extremamente baixa.(19) Além da radiação ultravioleta, o risco de lesões na pele e nos olhos, temporárias e permanentes, ocorre devido à frequência com que as queimaduras acontecem. Em estudo caso-controle, realizado com 105 soldadores e 117 controles não soldadores na Nigéria, houve indicação de aumento do risco de catarata nos soldadores, quando comparados aos não soldadores.(9) A sequência da investigação apontou que o risco maior para o soldador, em se tratando da catarata, não está na radiação ultravioleta, mas nas frequentes lesões oculares ocorridas durante a atividade, como é o caso da ocorrência de queimaduras por fagulhas nos olhos. Isso implica em uma queimadura térmica pelo calor, proveniente da fagulha, e química, por se tratar de uma porção do metal (componente químico) em contato com os olhos.(2) Essa queimadura apresentou significância no presente estudo para o Subgrupo II, que não referiu queimaduras durante atividade de solda. Isso significa que, embora o Subgrupo II não tenha reActa Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80. 79 Identificação de queimaduras térmicas como injúria relacionada ao trabalho de soldadores conhecido, em um primeiro momento, a ocorrência de queimaduras, após a ação clínica comunicativa, foi o que mais a identificou. Outro resultado importante é que, a partir da ação clínica comunicativa (segunda fase), foram os mais jovens que indicaram maior ocorrência de queimaduras. O fato de eles apresentarem uma condição maior de apreensão de conhecimento pode contribuir para o resultado. Da mesma forma, os soldadores com mais idade podem apresentar maior dificuldade de modificação de um conhecimento já estabelecido. No entanto, entende-se que essas são características alteráveis, à medida que a ação clínica comunicativa se estabeleça de forma contínua. Nesse conteúdo operativo do julgamento e decisão clínica (modelo adaptado), foi possível explorar um objeto de conhecimento clínico – queimaduras autorreferidas por soldadores e operar uma ação coletiva –, ou seja, a comunicação de risco no contexto da saúde pública. Conclusão A ação clínica comunicativa apresentada neste estudo mostrou maior percepção dos soldadores que autorreferiram não sofrer queimaduras do que dos soldadores que a autorreferiram, evidenciando não ser necessário sofrê-la para aprender a se prevenir na atividade de solda. Sugere-se que os enfermeiros invistam nessa estratégia, a fim de multiplicar conhecimentos de saúde pública. Colaborações Cezar-Vaz MR contribui com a concepção e orientação do projeto, execução da pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Bonow CA colaborou com a coleta, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Sant’Anna CF e Cardoso LS contribuíram com a interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Almeida MCV cooperou com a análise da versão final a ser publicada. 80 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):74-80. Referências 1. World Health Organization (WHO). Burn prevention: sucess stories and lessons learned [Internet]. Geneva; 2011[cited 2014 Jul 15]. Available from: http://whqlibdoc.who.int/publications/2011/9789241501187_ eng.pdf?ua=1. 2. Mirmohammadi SJ, Mehrparvar AH, Kazemeini K, Mostaghaci M. Epidemiologic characteristics of occupational burns in Yazd, Iran. Int J Prev Med. 2013; 4(6):723-7. 3. 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Artigo Original Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes Prevalence of arterial hypertension and risk factors in adolescents Ionara Holanda de Moura1 Eduardo Emanuel Sátiro Vieira1 Grazielle Roberta Freitas da Silva1 Rumão Batista Nunes de Carvalho1 Ana Roberta Vilarouca da Silva1 Descritores Hipertensão; Prevalência; Adolescente; Fatores de risco; Instituições acadêmicas; Enfermagem pediátrica Keywords Hypertension; Prevalence; Adolescent; Risk factors; Schools; Pediatric nursing Submetido 29 de Setembro de 2014 Aceito 30 de Outubro de 2014 Resumo Objetivo: Avaliar a prevalência de hipertensão arterial e fatores de risco associados entre adolescentes. Métodos: Estudo transversal realizado com 211 adolescentes escolares. Foi avaliada a prevalência de hipertensão arterial e verificada a relação desta com o excesso de peso, atividade física e glicemia capilar. Resultados: A prevalência de hipertensão arterial foi de 13,7%. Não foram observadas associações da pressão arterial elevada com o excesso de peso e níveis de atividade física. Os adolescentes com glicemia capilar elevada apresentaram maiores chances de desenvolver a hipertensão arterial. Conclusão: Os adolescentes apresentaram elevada prevalência de hipertensão arterial. Os casos de hipertensão foram associados apenas com a glicemia capilar elevada. Abstract Objective: To assess the prevalence of arterial hypertension and the risk factors associated with it among adolescents. Methods: Cross-sectional study developed with 211 adolescent students. The prevalence of arterial hypertension was assessed and its relationship with weight excess, physical activity and capillary glucose was verified. Results: The prevalence of arterial hypertension was 13.7%. No association was found between high blood pressure and weight excess and levels of physical activity. Adolescents with high capillary glucose presented greater chances of developing arterial hypertension. Conclusion: The studied adolescents presented a high prevalence of arterial hypertension. The cases of hypertension were only associated with high capillary glucose. Autor correspondente Ana Roberta Vilarouca da Silva Rua Cícero Eduardo, 905, Picos, PI, Brasil. CEP: 64600-000 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500014 Universidade Federal do Piauí, Picos, PI, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6. 81 Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes Introdução A hipertensão arterial sistêmica é considerada um problema de saúde pública global, causando 9,4 milhões de mortes a cada ano em todo o mundo. (1) Essa desordem apresenta etiologia multifatorial, caracterizada pela elevação persistente da pressão arterial e por alterações metabólicas, levando ao risco de complicações cardiovasculares.(2) A prevalência de hipertensão arterial sistêmica vem aumentando em países em desenvolvimento, devido ser uma doença assintomática em suas fases iniciais. Aliado a isso, a falta de informação, por parte da população, contribui para seu baixo controle,(3) acometendo não somente os idosos, mas indivíduos em faixas etárias cada vez mais precoce. Na adolescência, alterações da pressão arterial constitui um importante fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão arterial nessa fase.(4) Além disso, jovens que manifestam níveis pressóricos elevados tendem a manterem esse quadro quando adultos. Deste modo, destaca-se a necessidade de se avaliarem os fatores que contribuem para essa situação e promover subsídios para intervenções.(5) A investigação de fatores de risco para doenças cardiovasculares não envolvendo análises laboratoriais, pode representar um método útil, principalmente como alternativa para locais com poucos recursos.(6) Neste contexto, a identificação precoce de níveis pressóricos alterados apresenta-se como uma ferramenta indispensável na redução do desenvolvimento dessas doenças. Assim, esse estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de riscos entre adolescentes escolares. Métodos Pesquisa de desenho transversal realizada em duas escolas públicas, localizadas na Região Nordeste do Brasil. A população foi composta por 500 alunos do Ensino Fundamental e no programa de aceleração Educação de Jovens e Adultos nas referidas escolas. O tamanho amostral foi calculado por meio de fórmula para populações finitas, considerando o nível de con- 82 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6. fiança de 95%, o erro amostral de 5%, o tamanho da população e a prevalência. A amostra foi constituída de 211 escolares de ambos os sexos. A seleção dos participantes foi realizada por conveniência, obedecendo aos critérios de elegibilidade estabelecidos. Os critérios de inclusão foram: matrícula em uma das referidas escolas; estar compreendido na faixa etária entre 12 a 18 anos. Foram excluídos os alunos que possuía diagnóstico confirmando de doenças crônicas ou de outras patologias que interferissem diretamente no valor da pressão arterial ou na obtenção das medidas antropométricas. O instrumento utilizado foi um questionário semiestruturado envolvendo as características sociodemográficas (sexo, idade, modalidade de ensino), dados antropométricos (peso, altura, índice de massa corporal, circunferência abdominal) e medidas de pressão arterial e glicemia capilar. A pressão arterial foi avaliada por meio do método auscultatório, utilizando esfigmomanômetro aneróide devidamente calibrado e estetoscópio biauricular. Para escolha do manguito apropriado foi considerado a circunferência do braço de cada participante.(7) O procedimento de medição da pressão arterial foi realizado com o indivíduo na posição sentada após três a cinco minutos de repouso, e com o manguito ao nível do coração.(7) Foram tomadas três medições com intervalo de um minuto entre cada verificação, e considerou-se a média obtida das duas últimas. A pressão arterial foi classificada observando-se o sexo, a idade e o percentil de estatura. Os adolescentes que atingiram valores de pressão arterial sistólica e de pressão arterial diastólica ≥ percentil 95 foram considerados com hipertensão arterial.(8) Para os participantes com 18 anos, a hipertensão arterial foi definida quando os valores de pressão arterial sistólica ≥140mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥90mmHg.(9) No referente às variáveis antropométricas, o peso foi obtido com o indivíduo descalço e usando roupas leves, utilizando-se balança portátil, com precisão de 0,1kg e capacidade para 150kg. A altura foi avaliada com uso de fita métrica, com precisão de 0,5cm, fixada verticalmente em uma parede lisa. A partir do peso e altura, foi calculado o índice de massa corporal e a classificação foi realizada de acordo com a Moura IH, Vieira EE, Silva GR, Carvalho RB, Silva AR Tabela 1. Características das variáveis estudadas em adolescentes, segundo o sexo Masculino Variável Feminino Média Desvio padrão Média Desvio padrão p-value* Idade (anos) 14,3 1,7 14,4 1,9 0,628 Índice de massa corporal (kg/m²) 19,3 2,8 20,1 3,4 0,080 Circunferência abdominal (cm) 71,5 8,0 72,9 8,8 0,254 Pressão arterial sistólica (mmHg) 109,8 10,8 107,3 9,9 0,091 Pressão arterial diastólica (mmHg) 72,1 10,2 71,2 8,2 0,502 Glicemia capilar (mg/dl) 104,0 14,0 99,2 12,7 0,012 *Teste t de Student para amostras independentes. A prevalência de hipertensão arterial em todo o grupo foi de 13,7% (intervalo de confiança de 95%: 9,1-18,4) (Figura 1). 100,0 90,9% 86,3% 80,0 81,6% 60,0 95% CI idade e o sexo dos participantes.(10) A circunferência abdominal foi medida utilizando fita métrica flexível e inelástica, com escala de 0,5cm, colocada sem fazer pressão, entre a porção inferior da última costela e a crista ilíaca do participante, e classificada segundo os pontos de corte específicos para adolescentes.(11) A glicemia capilar foi realizada ao acaso utilizando glicosímetros da marca OnCall Plus® devidamente calibrados, e os valores interpretados segundo os critérios da American Diabetes Association.(12) Quanto à prática de atividade física, foi considerado ativo o estudante que se exercitava durante 30 minutos, ao menos três vezes por semana. (13) O processamento dos dados e a análise estatística foram realizados por meio do programa Statistical Package for the Social Science®, versão 18.0. As variáveis quantitativas foram apresentadas por meio de estatística descritiva (média e desvio padrão) e as qualitativas por meio de proporção e intervalo de confiança 95%. Primeiramente foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a normalidade das variáveis quantitativas. Para analisar diferença entre as médias, utilizou-se teste t Student para amostras independentes e, para verificar associação entre as variáveis, foi aplicado o teste qui quadrado de Pearson e medido seu efeito por meio da razão de chance, considerando nível de significância de p<0,05. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. 40,0 18,4% 20,0 13,7% 9,1% 0,0 Pressão arterial normal Hipertensão arterial Resultados Foram avaliados 211 adolescentes de ambos os sexos, sendo que 59,7% eram do sexo feminino. Os participantes tinham idade compreendida entre 12 a 18 anos, com uma média de 14,4 anos (±1,85). Quanto à classificação dos alunos por modalidade de ensino, 78,8% cursavam o Ensino Fundamental. As características da população do estudo para as variáveis analisadas estão descritas na tabela 1. Os adolescentes do sexo masculino tiveram maiores níveis de glicemia capilar quando comparados ao sexo feminino (p<0,05). Figura 1. Prevalência de hipertensão arterial na população estudada A tabela 2 apresenta a análise da associação entre os casos de hipertensão arterial sistêmica com as variáveis independentes. Não foram observadas associações da pressão arterial elevada com o excesso de peso e níveis de atividade física (p>0,05). No entanto, os adolescentes com glicemia capilar elevada apresentaram maiores chances (razão de chance: 4,6; intervalo de confiança de 95%: 1,6-12,7) de desenvolver a hipertensão arterial sistêmica. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6. 83 Prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de risco em adolescentes Tabela 2. Hipertensão arterial sistêmica e sua associação com as variáveis estudadas Pressão arterial normal n(%) Hipertensão arterial n(%) Masculino 71(39,0) 14(48,3) Feminino 111(61,0) 15(51,7) Normal 159(87,4) 26(89,7) Excesso de peso 23(12,6) 3(10,3) Variáveis Razão de chance (Intervalo de confiança de 95%) Gênero p-value* 0,345 1,5 (0,7-3,2) Índice de massa corporal 0,727 0,8 (0,2-2,9) Circunferência abdominal 0,484 Normal 147(80,8) 25(86,2) Elevada 35(19,2) 4(13,8) Normal 170(93,4) 22(75,9) Elevada 12(6,6) 7(24,1) Ativo 91(50,0) 15(51,7) Sedentário 91(50,0) 14(48,3) 0,7 (0,2-2,1) Glicemia 0,002 4,6 (1,6-12,7) Atividade física 0,863 1,1 (0,5-2,5) *Teste qui quadrado de Pearson Discussão Os limites dos resultados deste estudo estão relacionados ao delineamento transversal, que não permite determinar relações de causa e efeito entre as variáveis estudadas. Os resultados apresentados contribuem para revelar a prevalência e identificação de fatores de risco associados à hipertensão arterial no grupo estudado. Esses dados embasam o planejamento de intervenções, na prática dos enfermeiros, direcionadas ao controle dos fatores que contribuem para o desenvolvimento da hipertensão arterial em grupos jovens. A prevalência de hipertensão arterial sistêmica encontrada (13,74%) neste estudo foi considerada elevada quando comparada ao esperado para adolescentes.(14,15) De forma geral, pesquisas realizados com esse grupo têm relevado prevalências divergentes. Em um estudo de base populacional, apenas 6,3% dos adolescentes foram classificados com hipertensão arterial.(16) Em contrapartida, outra investigação atingiu um percentual de 26,4%.(17) As variações nesses dados podem estar relacionadas às diferenças nas faixas etárias dos indivíduos e aos critérios utilizados para definição da hipertensão arterial. Conforme observado, o índice de massa corporal elevado não apresentou associação com a hipertensão arterial sistêmica nos adolescentes do presente estudo. Embora na literatura sejam conhecidos mecanismos 84 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):81-6. para apoiar a relação da obesidade com o aumento dos níveis pressóricos,(18) outros estudos também não evidenciaram associação dessa variável com as chances de desenvolver hipertensão arterial sistêmica nesse grupo.(19,20) Além disso, em indivíduos com hipertensão arterial sistêmica e outras doenças cardiovasculares, o excesso de peso parece apresentar um efeito paradoxal, como protetor nas condições de morbidade e de mortalidade nesses pacientes.(21,22) Quanto ao estilo de vida dos adolescentes, não foi encontrada relação dos níveis de atividade física com os casos de hipertensão arterial sistêmica. Corroborando esse dado, pesquisa de base populacional realizada com indivíduos de 15 a 19 anos não demonstrou associação dessa variável com a hipertensão arterial sistêmica, para ambos os sexos.(20) No entanto, considerando a existência de diferentes métodos para avaliar a prática de atividade física, esses dados devem ser interpretados com ponderação. No presente estudo, os casos de hipertensão arterial sistêmica mostraram-se significativamente associados com alterações da glicemia capilar nos adolescentes. Em uma pesquisa em adultos com hipertensão arterial sistêmica, o grupo classificado com hipertensão apresentou maiores médias de glicemia quando comparado ao controle (101,62mg/ dL vs 82,46mg/dL).(23) De forma geral, pacientes com hipertensão arterial sistêmica apresentam risco para desenvolvimento de comorbidades, como Moura IH, Vieira EE, Silva GR, Carvalho RB, Silva AR o diabetes. Em particular, no caso de jovens, a alteração da pressão arterial está fortemente relacionada com a resistência à insulina,(24) fato este que pode ter contribuído para a alteração da glicemia no nosso estudo. Conclusão Os adolescentes do presente estudo apresentaram elevada prevalência de hipertensão arterial. O excesso de peso e os níveis de atividade física não tiveram associação com alterações da pressão arterial. Os adolescentes com glicemia capilar elevada apresentaram maiores chances de desenvolver a hipertensão arterial sistêmica. Colaborações Moura IH e Silva ARV contribuíram com a concepção do projeto, análise e interpretação dos dados. Vieira EES; Silva GRF; Carvalho RBN e Silva ARV colaboraram com a redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Moura IH; Vieira EES e Silva ARV cooperaram com a aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Lim SS, Vos T, Flaxman AD, Danaei G, Shibuya K, Adair-Rohani H, AlMazroa MA, et al. 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Artigo Original Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice Assessment of the attitudes toward aging among children who live with the elderly Nathalia Alves de Oliveira1 Bruna Moretti Luchesi2 Keika Inouye1 Elizabeth Joan Barham1 Sofia Cristina Iost Pavarini1 Descritores Criança; Atitude; Enfermagem de atenção primária; Idoso; Enfermagem geriátrica Keywords Child; Attitude; Primary care nursing; Aged; Geriatric nursing Submetido 5 de Outubro de 2014 Aceito 30 de Outubro de 2014 Resumo Objetivo: Avaliar a atitude em relação à velhice de crianças que residem com idosos com doenças crônicas não transmissíveis e as variáveis sociodemográficas relacionadas. Métodos: Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido com 48 crianças entre sete e dez anos de idade. Foram utilizados: questionário sociodemográfico e a Escala de Atitudes em Relação à Velhice para Crianças, que avalia as atitudes em relação à velhice em uma escala de 1 (atitude mais positiva) a 3 (atitude mais negativa) e possui quatro domínios. Resultados: A pontuação média foi 1,79±0,19 e entre os domínios, a menor média foi no Persona (1,70±0,33) e a maior foi na Agência (1,84±0,40). Variáveis que apresentaram relação (p<0,05) com as atitudes foram renda familiar, grau de parentesco e tempo diário de convivência com o idoso e tipo de doença crônica não transmissível do idoso. Conclusão: As crianças apresentaram atitudes mais positivas do que negativas em relação à velhice. Abstract Objective: To evaluate the attitude of children who live with seniors with non-transmissible chronic diseases toward aging and the related sociodemographic variables. Methods: This cross-sectional study included 48 children aged seven to ten years. We used the following instruments: sociodemographic questionnaire and attitude scale for children in relation to aging. This instrument includes four domains and evaluates the attitude toward aging on a scale ranging from 1 (more positive attitude) to 3 (more negative attitude). Results: Mean score was 1.79±0.19. Between domains, the domain showing the lowest mean value was the Persona domain (1.70±0.33). The highest value was seen in the Agency domain (1.84±0.40). Variables that showed a relation (p<0.05) with attitudes were family income, degree of kinship and time of contact daily with senior and the type of non-transmissible chronic disease of the elderly. Conclusion: Children had more positive than negative attitudes toward aging. Autor correspondente Nathalia Alves de Oliveira Rodovia Washington Luís, Km 235, São Carlos, SP, Brasil. CEP: 13565-905 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500015 Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. 87 Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice Introdução Alterações nos perfis demográfico e epidemiológico da população e maior vulnerabilidade dos idosos ao desenvolvimento de doenças podem ser observadas, mundialmente, com o envelhecimento populacional.(1) Entre as patologias que mais acometem os idosos estão as doenças crônicas não transmissíveis, que constituem um novo e importante desafio para a saúde pública.(2) Caracterizadas por serem permanentes e irreversíveis, as doenças crônicas não transmissíveis podem ocasionar situações de incapacidade e dependência, e estas podem gerar impactos negativos na vida do indivíduo e interferir no modo como este interage com as pessoas de seu convívio.(3) Somado a estas alterações, outro fato que tem chamado a atenção dos pesquisadores, são as configurações familiares, sendo que o aumento da expectativa de vida tem sido o fator motivador de relações intergeracionais mais duradouras, em que crianças passam a conviver por mais tempo com os avós.(4) Estas novas formas de integração familiar, levam a necessidade de adaptação simultânea dos membros que compõem a família, e as crianças podem não compreender a heterogeneidade presente no envelhecimento. Neste contexto, um modelo que tem se destacado é a promoção da solidariedade intergeracional que envolve aspectos ambivalentes; positivos e negativos que variam de acordo com o ambiente familiar, as experiências individuais de cada um, e a ligação estabelecida entre as gerações.(5) Um estudo se propôs a avaliar se os avós têm seus netos adultos como contato frequente em sua rede de apoio, e se esta frequência está relacionada à intensidade do contato que os netos mantinham no período na infância com os avós. Foi encontrado que netos adultos que possuíam uma intensa relação com os avós no período da infância, estavam mais presentes em sua rede de apoio na vida adulta. Os pesquisadores concluíram que crianças que mantém intensa relação 88 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. com os avós, têm maior probabilidade a manterem uma relação positiva com os avós na vida adulta e tornarem-se fontes importantes no apoio ao cuidado com os avós.(5) Estudos que investigam as relações intergeracionais têm demonstrado que é no período da infância que a relação entre avós e netos se estabelece, uma vez que é nesta fase da vida que as crianças passam mais tempo com os avós.(5,6) Na Alemanha uma pesquisa investigou a relação entre avós e netos no contexto familiar e demonstrou que a relação estabelecida entre ambos recebe a influência de diferentes variáveis, como recursos sociais, pessoais, atitudes e valores apresentados pelos membros que compõem a família.(4) As atitudes apresentam componentes cognitivos e emocionais, positivos e negativos, que guiam à tendência a ação. Estas se iniciam na infância, por meio das experiências vivenciadas e recebem a influência do meio no qual as crianças estão inseridas, e desenvolvem-se gradativamente.(5-7) A literatura tem chamado a atenção para o fato de que a maioria dos estudos sobre relações intergeracionais se preocupa em investigar a visão de avós, pais adultos e netos adolescentes, não se atentando para grupos geracionais mais jovens, como as crianças, que também merecem atenção e integram as relações intergeracionais.(5-8) Neste sentido, avaliar as atitudes em relação à velhice de crianças que residem com os idosos e analisar condições que afetam a convivência com o idoso e podem levar a diferenças nestas atitudes, revela-se como uma importante ferramenta para conhecer os que as crianças pensam a respeito do envelhecimento, o que poderá gerar resultados que oportunizem subsidiar o planejamento de intervenções que promovam a solidariedade intergeracional no ambiente familiar. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar as atitudes em relação à velhice, por parte de crianças que residem com idosos com doenças crônicas não transmissíveis, e analisar variáveis sociodemográficas que podem estar relacionadas ao desenvolvimento dessas atitudes. Oliveira NA, Luchesi BM, Inouye K, Barham EJ, Pavarini SCI Métodos Trata-se de um estudo transversal desenvolvido com 48 crianças que residiam com idosos cadastrados nas Unidades de Saúde da Família da área urbana de um município do Estado de São Paulo, região Sudeste do Brasil. Participaram da pesquisa crianças com idade entre sete e dez anos, que residiam com pelo menos uma pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, portador de uma doença crônica não transmissível. Foram identificadas 75 crianças, e 27 foram excluídas pelos seguintes motivos: mudou para a região fora da área de abrangência da Unidade de Saúde da Família (n=2); não encontrada na residência após duas visitas em horários distintos (n=9); idoso havia falecido e a criança não residia mais com idosos (n=2) e não autorização da participação pelos responsáveis (n=14). No final, foram entrevistadas 48 crianças, que representavam a totalidade dos sujeitos. Para a coleta de informações foi elaborada uma ficha de caracterização sociodemográfica contendo informações como: nome da criança, endereço, sexo, idade, escolaridade, número de integrantes na casa, crença religiosa, raça, plano de saúde, renda mensal familiar, grau de parentesco com o idoso com quem residia, tempo de convivência e tempo diário de convivência com o idoso. Durante as análises, os dados foram agrupados da seguinte forma: renda familiar passou por três divisões (Até 1 salário mínimo; 1 a 3 salários mínimos; >3 salários mínimos); no tempo diário de convivência considerou-se ≥5 horas diárias e <5 horas diárias; e para o tempo de moradia considerou-se ≥5 anos e <5 anos. Os dados referentes aos idosos que residiam com as crianças foram extraídos dos prontuários das Unidades de Saúde da Família e compreenderam: nome, sexo, idade, tipo, tempo e quantidade de doenças crônicas não transmissíveis. Para análise dos dados dos idosos, a idade foi dividida em cinco faixas etárias (60-64 anos, 65-69 anos, 70-74 anos, 75-79 anos e 80 anos ou mais). O tipo de doença crônica foi agrupado em idosos que apresentavam doença crônica não transmissível no aparelho circulatório, e idosos que apresentavam doenças crônicas não transmissíveis em outros sistemas. Com relação ao tempo de doença crônica não transmissível apresentada, considerou-se tempo inferior a um ano, e entre cinco e dez anos; e a quantidade de doença crônica foi agrupada em três níveis (uma doença; duas doenças; e três ou mais doenças). Para a avaliação das atitudes em relação à velhice foi aplicada a Escala Todaro para Avaliação de Atitudes de Crianças em Relação a Idosos. A escala é composta por 14 itens bipolares, nos quais as crianças devem escolher qual a melhor opção para “Os idosos são:”. A escala é dividida em quatro domínios, descritos a seguir: -- Cognição: refere-se à capacidade de solucionar problemas, informações e agilidade; -- Agência: refere-se à autonomia e ao bem-estar dos idosos; -- Persona: reflete a imagem social dos idosos; -- Relações sociais: reproduz a integração social do idoso. A pontuação máxima que pode ser obtida na escala é três pontos, representando a atitude mais negativa em relação à velhice. Os escores para análise são: um ponto atitude mais positiva, dois pontos atitude neutra, três pontos atitude mais negativa. Itens da escala cujos polos positivos não estavam localizados corretamente em um ponto, foram ajustados conforme orientação da autora. A escolha do instrumento se deu em função de ter apresentado boa consistência interna quando aplicado em crianças nesta faixa etária, e fácil manuseio e aplicação para avaliação das atitudes em relação à velhice por parte de crianças. Os dados foram tabulados em planilha do Excel, e em seguida transportados para o programa Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 11.5. Para o tratamento dos dados optou-se pela análise de estatísticas descritivas (frequência simples), medida de tendência central (média), de variabilidade (desvio padrão - dp), e para as correlações entre as variáveis, foram utilizados testes não paramétricos, de Kruskal-Wallis para análise entre três ou mais grupos independentes e Mann-WhitActa Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. 89 Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice ney para análise entre dois grupos independentes. Em todos os testes foi utilizado nível de significância de 5% (p<0,05). O desenvolvimento deste estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Com relação à caracterização dos sujeitos, as crianças estavam igualmente distribuídas em relação ao sexo (50% feminino, n=24; 50% masculino, n=24). A maioria tinha sete ou nove anos de idade (29%; n=14 cada) e 37% (n=18) frequentavam a 3º série do ensino fundamental. As crianças residiam, em média, com cinco pessoas por domicílio e a renda familiar média era de 2,6 salários mínimos (xmín.=0,5; xmáx.=9) por família. A crença religiosa predominante era católica (58%; n=28). A maioria dos sujeitos declarou não possuir plano de saúde particular (81%; n=38). O grau de parentesco predominante da criança com o idoso foi de neto-avô (90%; n=43). As crianças declararam passar mais de cinco horas diárias junto com o avô (81%; n=39) e residiam com o idoso há mais de cinco anos (87,5%; n=42). Dos idosos que residiam com as crianças, 82% (n=37) eram do sexo feminino, com maior concentração na faixa etária entre 60-64 anos (36%; n=16), apresentando dois tipos de doença crônica não transmissível (47%; n=21), e tempo de diagnóstico superior a dez anos (42%; n=19). Com relação ao tipo de doença crônica, foi adotada a Classificação Internacional de Doenças (CID10) para sistematizar as doenças apresentadas pelos idosos. A maior prevalência encontrada foi de doença crônica não transmissível no Aparelho Circulatório (35,2%; n=25) e no Sistema osteomuscular e tecido conjuntivo (21%; n=15). Na avaliação da atitude em relação à velhice, por meio da Escala Todaro, em uma pontuação possível de um ponto (atitude mais positiva) a três pontos (atitude mais negativa), a pontuação média das crianças foi de 1,79 pontos (±0,19; xmín.=1,4; xmáx.=2,2). 90 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. Dentre os domínios da escala, o que apresentou menor média foi o domínio Persona (1,70±0,33) e a maior média foi no domínio Agência (1,84±0,40). Os domínios Relações Sociais e Cognição apresentaram média de 1,80±0,38 e 1,83±0,31, respectivamente. Dos itens que compõem os domínios da Escala, os que obtiveram menor pontuação foram: “Legais/ Chatos” (1,2±0,53) e “Valorizados/Maltratados (1,35±0,55), e os com maior pontuação foram os itens: “Mãos abertas/Pães duros” (2,39±0,66) e “Seguros/Inseguros” (2,38±0,73). As médias apresentadas pelas crianças na Escala, de acordo com as variáveis sociodemográficas, demonstraram média significativa para as seguintes variáveis; idade e domínio relacionamento social (p=0,05), em que crianças de sete anos de idade apresentaram atitudes mais negativas. O número de pessoas na casa apresentou relação significativa com o domínio Persona (p=0,03), sendo que crianças que residiam com até cinco pessoas apresentaram atitude mais negativa. Correlação significativa também foi encontrada entre o domínio renda familiar e relacionamento social (p=0,03), sendo que crianças onde a família apresentou renda mensal de até um salário mínimo tiveram atitude mais negativa em relação à velhice, conforme é demostrado na tabela 1. Na análise das médias das crianças na Escala, com os dados de identificação do idoso que residia com a criança, valores significativos foram identificados na comparação entre a escala geral e o tempo diário que a criança passa com o idoso. Crianças que passavam mais que cinco horas diárias com os idosos apresentaram atitudes mais negativas (p=0,01). Atitudes mais negativas, na escala geral, também foram identificadas na variável idade do idoso (p=0,04), em que crianças que residiam com idosos na faixa etária de 70-74 anos de idade obtiveram atitudes mais negativas. A variável grau de parentesco apresentou correlação significativa (p=0,02) com o domínio Cognição, onde foram constatadas atitudes mais negativas em crianças que eram bisnetas dos idosos, conforme demonstrado na tabela 2. Quando correlacionadas a atitude das crianças e as doenças crônicas não transmissíveis identificadas nos idosos, não foram encontrados dados significa- Oliveira NA, Luchesi BM, Inouye K, Barham EJ, Pavarini SCI Tabela 1. Pontuação média e comparação da Escala Todaro para Avaliação de Atitudes de Crianças à velhice, de acordo com as variáveis sociodemográficas das crianças Variável Escala Média Gênero Masculino 1,81 Feminino 1,79 Idade 7 anos 1,80 8 anos 1,81 9 anos 1,79 10 anos 1,73 Série frequentada na escola 1º e 2º série 1,80 3º série 1,81 4º série 1,80 5º série 1,73 Nº pessoas na casa 2a3 1,81 4a5 1,81 6a7 1,79 8a9 1,68 10 a 11 1,75 Renda Familiar Até 1 S. M 1,81 1 a 3 S. M 1,82 >3 S. M 1,76 Crença religiosa Católica 1,81 Evangélica 1,73 Espiritualista 1,93 Nenhuma/Não especificou 1,93 Etnia Branca 1,83 Negra 1,68 Parda 1,78 Plano de saúde particular Possui 1,76 Não Possui 1,80 p-value Cognição p-value Agência p-value Persona p-value Relacionamento social p-value 0,39 0,36 0,08 0,19 0,31 0,87 0,52 0,42 0,11 0,05* 0,95 0,52 0,92 0,21 0,10 0,12 0,13 0,14 0,03* 0,13 0,79 0,20 0,12 0,44 0,03* 0,25 0,46 0,3 0,19 0,30 0,09 0,17 0,96 0,38 0,43 0,24 0,42 0,45 0,41 0,15 *nível de significância de 95% (p<0,05) tivos para as variáveis tempo e quantidade de doenças crônicas não transmissíveis. Para a correlação entre as atitudes das crianças em relação à velhice e o tipo de doença crônica não transmissível identificado no idoso, as crianças foram divididas em dois grupos: Grupo 1: composto por crianças que residiam com idosos com doença crônica não transmissível no Aparelho Circulatório, uma vez que este foi o sistema onde houve maior número de doença crônica não transmissível entre os idosos; Grupo 2: composto por crianças que residiam com idosos com doença crônica não transmissível em outros sistemas. As crianças do Grupo 1 tiveram média de 1,80 pontos, e as crianças do Grupo 2 de 1,78 pontos. Porém, quando comparadas as médias, não foram encontrados resultados significativos. A tabela 3 mostra o resultado dessa comparação, bem como da comparação entre os dois grupos para os quatro domínios da escala. Dentre os domínios da escala, houve correlação significativa para as crianças do Grupo 2, que apresentaram resultados mais negativos para o domínio Cognição, quando comparado ao Grupo 1 (p=0,03). Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. 91 Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice Tabela 2. Pontuação média e comparação da Escala Todaro para Avaliação de Atitudes de Crianças à velhice, de acordo com os dados da identificação dos idosos Variável Escala Média Sexo do idoso Masculino 1,67 Feminino 1,85 Ambos 1,74 Grau de parentesco com o idoso que reside Netas 1,79 Bisnetas 1,80 Tempo de moradia com o idoso < 5 anos 1,75 ≥ 5 anos 1,80 Tempo diário de convivência < 5 anos 1,70 ≥ 5 anos 1,83 Idade do idoso com quem reside 60-64 1,79 65-69 1,75 70-74 1,95 75-79 1,72 80 ou mais 1,93 Tempo de doença crônica do idoso < 1 ano Entre 5 e 10 anos p-value Cognição p-value Agência p-value Persona p-value Relacionamento social p-value 0,15 0,24 0,30 0,02* 0,16 0,44 0,02* 0,49 0,37 0,24 0,22 0,34 0,42 0,26 0,08 0,01* 0,13 0,34 0,08 0,10 0,04* 0,51 0,49 0,02* 0,17 0,26 0,34 0,63 0,31 0,51 0,18 0,20 0,51 0,54 0,09 1,73 1,82 Quantidade de doenças crônicas 1 1,77 2 1,78 3 ou mais 1,87 *nível de significância de 95% (p<0,05) Tabela 3. Resultado das comparações (Mann-Whitney) entre os resultados da Escala de Atitudes em Relação à Velhice para crianças e seus domínios para os Grupos 1 e 2 Escala Cognição Agência Persona Teste Mann-Whitney U 266 198,5 252 219 Relacionamento social 279 p-value 0,34 0,03* 0,23 0,07 0,44 *nível de significância de 95% (p<0,05) Discussão Uma limitação deste estudo foi o número reduzido de sujeitos, ou seja, apenas 48 crianças. Os resultados não podem ser generalizados, uma vez que as entrevistas foram realizadas apenas com as crianças da área de abrangência do Programa Saúde da Família do município estudado e com crianças na faixa etária entre sete e dez anos de idade. Entretanto, os resultados mostram que é importante conhecer as atitudes em relação à velhice de pessoas em outras faixas etárias. 92 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. Investigar as atitudes de crianças em relação à velhice possibilita ampliar o conhecimento sobre o que as gerações mais jovens pensam a respeito do envelhecimento e, desse modo, fortalecer parcerias entre profissionais da saúde e da educação infantil, para que possam desenvolver atividades educacionais que busquem desmistificar estereótipos negativos em relação à velhice e promover a educação gerontológica com métodos que estimulem a solidariedade entre gerações no ambiente familiar, levando em consideração as especificidades de cada fase da vida. Oliveira NA, Luchesi BM, Inouye K, Barham EJ, Pavarini SCI A caracterização das crianças mostrou que em sua maioria, as crianças passam mais de cinco horas diárias com os idosos e residem junto com eles há mais de cinco anos. Este dado pode refletir a importância dos avós na vida dos netos, que passam a exercer um papel importante da educação das crianças, e condiz com dados obtidos em um estudo longitudinal que avaliou os fatores associados à prestação de ajuda dos avós aos netos, e identificou que os avós possuem intensa relação com seus netos, destacando que a convivência entre os avós e os netos influi de modo positivo na saúde mental dos idosos.(9) A partir das informações obtidas na identificação dos idosos, verificou-se que a maioria era do sexo feminino e estava na faixa etária considerada de idosos jovens. Estes dados evidenciam a feminilização da velhice, pactuando com estudos, que também encontraram prevalência do sexo feminino na população sênior.(10,11) Na literatura os estudos apontam para a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis entre a população idosa, com predomínio no sexo feminino.(12-14) No presente estudo, a maioria dos idosos foi identificada com dois tipos de doenças crônicas não transmissíveis associadas (47%), há mais de dez anos. Tais dados apontam para a necessidade de ações de prevenção de patologias crônicas na população de diferentes faixas etárias, uma vez que este estudo compreendeu idosos na faixa etária considerada jovem, e com um tempo de doença crônica não transmissível que evidencia que estas se desenvolveram ainda na fase adulta. Assim, as ações devem proporcionar melhor qualidade de vida à população, uma vez que as doenças crônicas não transmissíveis podem levar à dependência funcional e cognitiva. Os dados deste estudo estão em consonância com a literatura científica que também encontra prevalência de doenças crônicas não transmissíveis provenientes do aparelho circulatório, com destaque para a hipertensão arterial na população idosa, em especial entre as mulheres.(15-17) Com relação à atitude em relação à velhice, por parte de crianças que residem com idosos com patologias crônicas, a média na pontuação geral da escala foi de 1,79, representando atitudes mais positivas em relação à velhice. Entre os domínios da escola foi encontrada atitude mais negativa para o domínio Agên- cia, que avalia itens sobre a saúde física dos idosos e a atitude mais positiva foi apresentada no domínio Persona que reflete a imagem social dos idosos. Um estudo de revisão da literatura sobre intervenções intergeracionais com objetivo de reduzir o preconceito etário mostrou em um dos estudos analisados que as crianças descreviam os idosos como; feios, cansados e doentes, apresentando desconforto quando questionados sobre seu próprio crescimento. Esta pesquisa também chama a atenção para importância de se conhecer o que as crianças pensam sobre o idoso, para que possa se planejar intervenções que tenham como meta a mudança de atitudes negativas ligadas à velhice e destaca a importância do contato entre crianças e idosos como ponto de partida para tais mudanças.(6) No presente estudo, foram identificadas atitudes mais negativas entre as crianças que convivem com idosos com doenças crônicas não transmissíveis em outros sistemas. Este dado é importante no planejamento de intervenções educacionais, visto que evidencia que as atitudes em relação à velhice, construídas na infância, estão sendo influenciadas por diferentes contextos em que as crianças estão inseridas. Cabe ressaltar que somente para o domínio Cognição as crianças do Grupo 2 obtiveram atitudes mais negativas quando comparadas ao Grupo 1. É importante destacar que, apesar de terem sido encontradas diferenças significativas quando comparada a variável tipo de doença crônica do idoso que mora com a criança, outras variáveis podem ter influenciado este dado, como entre as crianças que residiam com mais de um idoso na mesma casa. Na análise do tempo diário de convivência entre as crianças e os idosos, foi verificado que as crianças que passavam mais tempo com o idoso apresentaram também atitudes mais negativas em relação à velhice. Apesar disso, nos domicílios onde, as havia mais pessoas residindo junto, as atitudes das crianças foram mais positivas. Residir com várias pessoas parece favorecer relações entre crianças e avós, porém, quando o tempo de convivência diária com o idoso é maior que cinco horas a visão das crianças pode se tornar negativa. Pesquisas mostram que, nas relações intergeracionais entre avós e netos, mais significativa do que a frequência e quantidade do contato entre crianças e avós, é a qualidade das relações intergeracionais que estão Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. 93 Avaliação da atitude das crianças que residem com idosos em relação à velhice sendo estabelecidas e em que contexto estas ocorre, uma vez que podem cooperar de modo positivo ou negativo para o desenvolvimento das atitudes em relação à velhice que as crianças estão desenvolvendo, e fortificar os laços e a solidariedade intergeracional.(5-7) Desta forma, pesquisas futuras, com diferentes públicos, que levem à ampliação dos conhecimentos sobre as variáveis que interferem no desenvolvimento das atitudes em relação à velhice, poderão melhorar a qualidade das relações intergeracionais e beneficiar diferentes áreas de pesquisa e de atuação profissional, dado o aumento da expectativa de vida e a intensificação do tempo de convivência entre avós e netos no ambiente familiar. Conclusão A atitude em relação à velhice, apresentada pelas crianças, foi mais positiva do que negativa. A atitude mais negativa foi no domínio Agência e a mais positiva no domínio Persona. Características sociodemográficas que apresentaram correlação significativa com a escala de Atitudes em relação à velhice, para crianças, foram: renda familiar e domínio Relacional social; grau de parentesco com o idoso e o domínio Cognição; tempo diário de convivência e idade do idoso com a pontuação geral da Escala. Quanto às características das doenças crônicas não transmissíveis apresentadas pelos idosos, foi constatado que crianças que conviviam com idosos com doenças crônicas em outros sistemas apresentaram atitude mais negativa no domínio Cognição. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq; bolsa de Iniciação Científica para Oliveira NA). Colaborações Oliveira NA; Luchesi BM e Pavarini SCI contribuíram com a concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Inouye K e Barham EJ colaboraram com a concepção do projeto, revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação da versão final. 94 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):87-94. Referências 1. Clegg A, Young J, Lliffe S, Rikkert MO, Rockwood K. Frailty in elderly people. Lancet. 2013; 381(9868):752-62. 2. Beaglehole R, Bonita R, Horton R, Adams C, Alleyne G, Asaria P, et al. Priority actions for the non-communicable disease crisis. Lancet. 2011; 377(9775):1438-47. 3. Weiss, CO. Frailty and chronic diseases in older adults. Clin Geriatr Med. 2011; 27(1):39-52. 4. Becker OA, Steinbach A. Relations between grandparents and grandchildren in the context of the family system. 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Artigo Original Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis Prevalence of signs and symptoms and knowledge about sexually transmitted diseases Paulie Marcelly Ribeiro dos Santos Carvalho1 Rafael Alves Guimarães1 Paula Ávila Moraes2 Sheila Araujo Teles1 Marcos André de Matos1 Descritores Sinais e sintomas; Doenças sexualmente transmissíveis/ epidemiologia; Prevalência; Enfermagem em saúde comunitária; Comunidades vulneráveis Keywords Signs and symptoms; Sexually transmitted diseases/epidemiology; Prevalence; Community health nursing; Vulnerable groups Submetido 29 de Setembro de 2014 Aceito 3 de Novembro de 2014 Resumo Objetivo: Estimar a prevalência de sinais e sintomas de doenças sexualmente transmissíveis e verificar o conhecimento para essas infecções em adolescentes e jovens de um assentamento urbano. Métodos: Estudo de corte transversal realizado em 105 assentados de 12 a 24 anos. Os dados foram coletados por meio de entrevista e analisados pelo Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0. Resultados: Do total de participantes que responderam sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis, 20,6% relataram algum sinal e/ou sintoma, com maior proporção em indivíduos do sexo feminino, que possuíam piercing e/ou tatuagem e consumiam álcool antes ou durante a relação sexual (p < 0,05). Também, muitos participantes apresentaram desconhecimento quanto os sinais e sintomas de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Conclusão: A presença de sinais e/ou sintomas de doenças sexualmente transmissíveis foi associado a fatores relacionados à vulnerabilidade individual dos adolescentes e jovens do assentamento. Abstract Objective: To estimate the prevalence of signs and symptoms of sexually transmitted diseases and to verify the knowledge of adolescents and young people of an urban settlement about these infections. Methods: This was a cross-sectional study conducted among 105 settlers aged 12-24 years old. Data were collected through interviews and analyzed using the Statistical Package for the Social Sciences, version 17.0. Results: Of the participants who responded regarding sexually transmitted diseases, 20.6% reported signs and/or symptoms, with a higher proportion in females, those who had a piercing and/or tattoo, and who consumed alcohol before or during sexual intercourse (p <0.05). Also, many participants showed ignorance about the signs and symptoms of sexually transmitted diseases. Conclusion: The presence of signs and/or symptoms of sexually transmitted diseases were associated with factors related to individual vulnerability of adolescents and young people of the settlement. Autor correspondente Marcos André de Matos; Rua 227, Quadra 68, SN, Goiânia, GO, Brasil. CEP: 74605-080 [email protected] DOI http://dx.doi.org/10.1590/19820194201500016 Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil. Pontifícia Universidade Católica, Goiânia, Goiás, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100. 95 Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis 96 Introdução Métodos As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) constituem um importante problema de saúde pública. Estima-se que a cada ano, 340 milhões de pessoas adquiram alguma DST curável, como clamídia, gonorreia, sífilis ou tricomoníase, sendo de 10 a 12 milhões no Brasil.(1) Essas infecções podem permanecer de forma assintomática ou manifestar-se, principalmente, por meio de sinais e sintomas como corrimento uretral e/ou vaginal, úlceras genitais, linfadenopatia inguinal e dor abdominal(2) e encontram-se associadas com infertilidade, incapacidades, complicações gestacionais e morte.(3) Ainda, potencializam o risco de aquisição e transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).(1,4) Adolescentes e jovens são considerados grupos vulneráveis as DST. Muitos apresentam comportamentos de risco, como iniciação precoce da atividade sexual,(5) uso inconsistente do preservativo, múltiplos parceiros sexuais,(6) consumo de álcool e outras drogas, entre outros.(7) Ainda, a fase da adolescência é constituída por transformações anatômicas, cognitivas, emocionais, sociais, econômicas e comportamentais,(8) o que pode contribuir para o aumento dos comportamentos de risco para DST. Essas mudanças se intensificam quando esses indivíduos estão expostos e em situações de vulnerabilidade, como os adolescentes e jovens que residem em assentamentos urbanos. Apesar desses locais assegurarem o direito a terra e moradia, ainda apresentam condições habitacionais precárias e, sobretudo são desprovidos de usufruto dos direitos sociais, principalmente relacionados à assistência à saúde, o que pode contribuir para o aumento dos determinantes sociais, institucionais e individuais de vulnerabilidade para as DST. Neste contexto, os objetivos desse estudo foram estimar a prevalência de sinais e sintomas de Doenças Sexualmente Transmissíveis e verificar o conhecimento para essas infecções em adolescentes e adultos jovens de um assentamento urbano de uma cidade de grande porte da Região Central do Brasil. Estudo de corte transversal, realizado entre agosto de 2012 e julho de 2013, em adolescentes e adultos jovens residentes de um assentamento urbano da Região Centro-Oeste do Brasil. Foram elegíveis indivíduos com idade de 12 a 24 anos, residentes do assentamento há pelo menos 12 meses e que entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo responsável legal no caso de indivíduos menores de 18 anos. A coleta de dados foi realizada em locais privativos nas dependências da instituição de ensino local e unidade básica de saúde do assentamento. Todos os candidatos elegíveis foram convidados a participar do estudo e orientados sobre a natureza, objetivos, metodologia, riscos e benefícios. Após consentimento dos indivíduos maiores de 18 anos e dos responsáveis dos assentados menores de 18 anos, todos foram entrevistados face a face, por meio de um roteiro estruturado, sobre características sociodemográficas (sexo, faixa etária, escolaridade, renda familiar, estado civil, religião e tempo de assentamento), relato e conhecimento de sinais e sintomas de DST e fatores de risco para essas infecções (consumo de álcool e outras drogas, presença de piercing e/ou tatuagem, uso de preservativo nas relações sexuais, histórico de rompimento do preservativo, relação sexual sob efeito de álcool e número de parceiros sexuais). Definiu-se como variável de desfecho a presença, nos últimos 12 meses, de sinais e sintomas de DST (corrimento uretral ou vaginal e/ou úlcera genital), conforme relato. Os dados foram analisados no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0. Para as variáveis contínuas foram calculadas médias e desvio-padrão. Prevalências para sinais e sintomas de DST foram calculadas com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Os testes de quiquadrado (x2) e exato de Fisher foram utilizados para testar a significância das diferenças entre as proporções e valores com p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa com seres humanos. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100. Carvalho PM, Guimarães RA, Moraes PA, Teles SA, Matos MA Resultados Participaram do estudo 105 adolescentes e jovens do assentamento. Observou-se o predomínio de indivíduos entre 12-18 anos (73,3%), com renda familiar até três salários mínimos (81,0%), com até oito anos de escolaridade (64,8%) e que residiam no assentamento há mais de dois anos (66,7%). Quanto ao sexo, 58,1% dos entrevistados eram do sexo masculino e 41,9% do sexo feminino. Em relação à religião, mais da metade (56,2%) se declararam evangélicos e 21,0% católicos (Tabela 1). Tabela 1. Características sociodemográficas de 105 adolescentes e adultos jovens de um assentamento urbano Variáveis Média+DP n(%) Gênero 61(58,1) Masculino 44(41,9) Feminino Faixa etária (anos) 16,2+3,32 77(73,3) 12-18 28(26,7) 19-24 Escolaridade (anos de estudo) 7,76+1,75 <6 28(26,7) 7-8 40(38,1) >8 37(35,2) Tabela 2. Fatores associados à presença de sinais e sintomas de doenças sexualmente transmissíveis de 102 adolescentes e jovens de um assentamento urbano Variáveis n Sinal e/ou Sintoma de DST* Sim (%) Não (%) p-value† Gênero Feminino 42 14(33,3) 28(66,7) Masculino 60 7(11,7) 53(88,3) 12-18 74 16(21,6) 58(78,4) 19-24 28 5(17,9) 23(82,1) < 0,01 Idade (anos) 0,67 Renda familiar (salários mínimos) <1 42 7(16,7) 35(83,3) 2-3 41 11(26,8) 30(73,2) >3 19 3(15,8) 16(84,2) 0,44 Tempo de assentamento (anos) Renda familiar mensal (salários mínimos) <1 43(41,0) 2-3 42(40,0) >3 20(19,0) Religião Evangélica 59(56,2) Católica 22(21,0) Outra 4(3,8) Sem religião Tempo de assentamento (anos) A tabela 2 demonstra os fatores associados à presença de sinais/sintomas de DST nos assentados. Verificou-se uma proporção maior de sinais e sintomas de DST em indivíduos do sexo feminino (p < 0,01), que apresentavam piercing e/ou tatuagem (p < 0,01) e que consumiam bebida alcoólica antes ou durante a relação sexual (p=0,02). 20(19,0) 2,73+0,94 <2 35(33,3) >2 70(66,7) DP - desvio padrão Do total de participantes, 102 (97,1%) responderam alguns sinais e sintomas de DST. Desses, 19,6% (IC 95%: 13,1-28,4) e 4,9% (IC 95%: 2,1-11,0) referiram corrimento uretral/vaginal e úlcera genital, respectivamente. Considerando a presença de pelo menos uma dessas condições, a prevalência global de sinais e sintomas de DST nos assentados foi de 20,6% (IC 95%: 13,9-29,4). Ainda, sete indivíduos que relataram sinais e/ou sintomas de DST relataram que não tinham iniciado a vida sexual. <2 34 5(14,7) 29(85,3) >2 68 16(23,5) 52(76,5) 0,30 Consumo de álcool Nunca 46 8(17,4) 38(82,6) Às vezes/sempre 56 13(23,2) 43(76,8) 0,47 Consumo de drogas ilícitas Sim 28 9(32,1) 19(67,9) Não 74 12(16,2) 62(83,8) Sim 51 17(33,3) 34(66,7) Não 51 4(7,8) 47(92,2) Sempre 37 7(18,9) 30(81,1) Eventualmente/nunca 24 7(29,2) 17(70,8) Sim 16 6(37,5) 10(62,5) Não 41 6(14,6) 35(85,4) Sim 23 9(39,1) 14(60,9) Não 38 5(13,2) 33(86,8) <3 26 8(30,8) 18(69,2) >3 35 6(17,1) 29(82,9) 0,08 Uso de piercing e/ou tatuagem < 0,01 Uso de preservativo nas relações sexuais (n=61) 0,40 Histórico de rompimento de preservativo (n=57) 0,06 Consumo de bebida alcoólica antes ou durante a relação sexual (n=61) 0,02 Número de parceiros sexuais na vida (n=61) 0,21 *DST - Doença Sexualmente Transmissível; †Teste de qui-quadrado ou exato de Fisher Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100. 97 Prevalência de sinais e sintomas e conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis O conhecimento sobre sinais e sintomas de DST dos assentados está demonstrado na tabela 3. Verificou-se que 27,6%, 22,8%, 31,4%, 34,3%, 37,1%, 57,1% dos entrevistados, não reconheceram úlcera genital, corrimento, linfadenopatia inguinal, dor/ardência ao urinar, coceira na genitália e dor abdominal como sinal e sintoma de DST, respectivamente. Tabela 3. Conhecimento sobre sinais e sintomas de doenças sexualmente transmissíveis de 105 adolescentes e adultos jovens de um assentamento urbano Variáveis n(%) IC 95%* Sim 74(70,5) 61,2-78,4 Não 28(27,6) 19,1-35,9 2(1,9) 0,5-6,7 Sim 78(74,3) 65,2-81,7 Não 24(22,8) 15,9-31,8 3(2,9) 0,1-8,1 Sim 68(64,8) 55,3-73,2 Não 33(31,4) 23,3-40,8 4(3,8) 1,5-9,4 Sim 67(63,8) 54,3-72,4 Não 36(34,3) 25,9-43,8 2(1,9) 0,5-6,7 Sim 64(61,0) 51,4-69,7 Não 39(37,1) 28,5-46,7 2(1,9) 0,5-6,7 Sim 38(36,2) 27,6-45,7 Não 60(57,1) 47,6-66,2 7(6,7) 3,3-13,1 Úlcera genital Não sabe Corrimento genital Não sabe Linfadenopatia inguinal Não sabe Dor/ardência ao urinar Não sabe Coceira genital Não sabe Dor abdominal Não sabe *IC 95% - Intervalo de Confiança de 95% Discussão As limitações deste estudo incluem a natureza da coleta de dados, uma vez que foi baseada no relato verbal de sinais/sintomas de DST, podendo a prevalência estar sub ou superestimada. Também, há as limitações dos estudos transversais, uma vez que não permitem o estabelecimento de relações de causa e efeito. Ainda são poucos os estudos que retratam a saúde de indivíduos residentes em áreas de assen- 98 Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):95-100. tamentos urbanos e a maioria foram conduzidos em assentamentos informais.(9-11) No Brasil, para o nosso conhecimento, não foi identificado nenhum estudo com esse grupo social emergente. Identificar os fatores relacionados à vulnerabilidade dessa população para DST pode auxiliar os profissionais de saúde na elaboração de intervenções de prevenção e controle dessas infecções junto a este segmento populacional que fica, em função de sua condição de dispersão e segregação urbana, às margens dos serviços públicos de saúde. Também, poderá colaborar para a formulação, implantação e avaliação de políticas públicas de saúde voltadas para a prevenção, identificação e tratamento das DST nos assentados. A presença de sinais e/ou sintomas de DST encontra-se associados à infecção pelo HIV.(12) A prevalência global de sinais e sintomas de DST dos participantes foi de 20,6% (IC 95%: 13,9-29,4). Esse índice foi sete vezes superior ao encontrado em um estudo no sudeste da Ásia em adolescentes de 14 a 19 anos (3,0%; IC 95%: 1,7-4,8).(13) Corrimento uretral/vaginal e úlceras genitais foram reportados por 19,6% (IC 95%: 13,1-28,4) e 4,9% (IC 95%: 2,1-11,0) dos assentados, respectivamente.(12) Na África, uma investigação em jovens de 15-24 anos estimou uma prevalência para corrimento genital de 9,2% (IC 95%: 8,3-10,2) e 19,1% (IC 95%: 18,020,5) em homens e mulheres, respectivamente.(12) O mesmo estudo encontrou uma prevalência de 5,9% (IC 95%: 5,2-6,7) e 6,9% (IC 95%: 6,1-7,7) para úlceras/feridas genitais em indivíduos do sexo masculino e feminino, respectivamente.(12) Diferenças entre as prevalências dos estudos pode refletir as variações nos comportamentos de risco dos adolescentes e jovens em diferentes contextos. A identificação de sinais e sintomas das DST, por meio da Abordagem Sindrômica, constitui um método bastante recomendável para populações vulneráveis e de difícil acesso aos serviços de saúde, como adolescentes residentes em áreas de assentamento. Essa metodologia possibilita rápida detecção das síndromes, tratamento precoce, baixo custo terapêutico e não necessita de grandes investimentos laboratoriais.(2) Para essa população, observou-se uma proporção maior de relato de sinais e sintomas de DST Carvalho PM, Guimarães RA, Moraes PA, Teles SA, Matos MA em indivíduos do sexo feminino, que consumiam álcool antes ou durante a relação sexual e que apresentavam piercing e/ou tatuagem. Mulheres, principalmente adolescentes e jovens, apresentam maior vulnerabilidade às DST que a população masculina, devido a fatores biológicos, sociais e de gênero.(14-17) Diferenças entre os comportamentos sexuais de homens e mulheres devem ser considerados nos planejamentos de políticas de prevenção e controle de DST. No presente estudo, consumo de álcool antes ou durante a relação sexual foi associado ao relato de sinais/sintomas de DST. Também, consumo de drogas ilícitas mostrou-se marginal (p = 0,08). O uso de álcool encontra-se associado com DST e múltiplos comportamentos de risco que potencializam a aquisição dessas infecções.(6,18-20) O uso de piercing e/ou tatuagem pode configurar como um indicador de comportamentos de risco para aquisição de DST, tais como, iniciação precoce da atividade sexual, uso inconsistente do preservativo, uso de álcool e drogas ilícitas, entre outros,(21,22) podendo servir assim como uma variável preditora para presença de DST. Essa variável deve ser considerada em estudos epidemiológicos, uma vez que possibilita a mensuração de comportamentos de risco para DST em grupos populacionais de maior vulnerabilidade. Histórico de rompimento do preservativo mostrou-se marginal a prevalência de sinais/sintomas de DST. Embora essa variável ainda seja pouco explorada nos estudos epidemiológicos, esse dado sugere a necessidade premente de aprofundar essa discussão nos estudos com essa clientela, bem como de expandir os programas preventivos de educação sexual, abordando a temática da colocação correta do preservativo por adolescentes e jovens. Verificou-se, mesmo com inúmeros meios de divulgação, um conhecimento insuficiente ou insatisfatório sobre os sinais e sintomas de DST em grande parte dos assentados. Esse dado aponta à necessidade de investimentos em intervenções educativas, visando empoderar a população de assentados quanto à identificação de sinais e sintomas de DST, contribuindo, assim, para o diagnóstico precoce, melhor prognóstico e interrupção da cadeia de transmissão. Nesse contexto, é essencial que os profissionais de saúde, em especial enfermeiros, juntamente com a rede social destes indivíduos, como instituições de ensino, trabalhem de forma interdisciplinar, promovendo discussões com o intuito de orientá-los quanto à vulnerabilidade a que estão expostos e fornecendo informações que visem à assistência integral, equânime e humanizada da população jovem assentada. Conclusão A prevalência global para sinais e sintomas de DST foi alta. Observou-se que fatores de vulnerabilidade individual (sexo feminino, consumo de álcool antes ou durante a relação sexual e uso de piercing e/ou tatuagem) foram associados à presença de sinais e sintomas de DST. Também, identificou-se um conhecimento inadequado ou insatisfatório sobre sinais e sintomas de DST em grande parte dos assentados. Colaborações Carvalho PMRS; Guimarães RA; Moraes PA; Teles SA e Matos MA contribuíram com a redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual. Guimarães RA foi responsável pela análise e interpretação dos dados. Matos MA contribuiu para concepção e projeto e aprovou a versão final a ser publicada. Referências 1. World Health Organization (WHO). Global prevalence and Incidence of selected curable Sexually transmitted infections: Overview and estimates [Internet]. Geneva: WHO; 2001 [cited 2014 Mai 29]. Available from: 2001.http://www.who.int/hiv/pub/sti/who_hiv_aids_2001.02. pdf2001. 2. World Health Organization (WHO). Guideline for the management of sexually transmitted infections [Internet]. Geneva: WHO; 2003 [cited 2014 Mai 29]. Available from: http://applications.emro.who.int/aiecf/ web79.pdf. 3. Rompalo A. 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