O IMPERATIVO EM SEGUNDA PESSOA

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O IMPERATIVO EM SEGUNDA PESSOA
por
ROGÉRIO BRAGA BANDEIRA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
2º semestre de 2003.
O IMPERATIVO EM SEGUNDA PESSOA
Trabalho elaborado sob a
orientação da Professora Doutora
Darcília Marindir P. Simões, do
Departamento
de
Língua
Portuguesa, pelo aluno Rogério
Braga Bandeira, do curso de
Bacharelado em Português-Latim, 8º
período.
RIO DE JANEIRO, 2°semestre de 2003.
A
minha família, esposa Marla e
filho Mateus, pela compreensão na
minha
ausência
durante
a
graduação.
A Deus, minha gratidão pela sua
misericórdia; agradeço aos meus
professores que bastante ajudaram
para a minha formação; a minha
orientadora, agradeço por sua
estimada colaboração e por sua
paciência e incentivo.
Venite ad me, omnes qui laboratis et
onoratis est, et ego reficiam vos.
Mt 11,28
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................... 6
1- O Modo Imperativo...................................................................................... 7
1.1-
A origem do Imperativo: o Latim..................................................... 8
1.2-
A Gramática Histórica...................................................................... 10
1.3-
O Imperativo pela Gramática Tradicional........................................ 12
2- As Pessoas Gramaticais e o Imperativo........................................................ 17
2.1-
Os Pronomes.................................................................................... 17
2.2-
Tu ou Você....................................................................................... 19
3- Textos Publicitários: Ecos da Fala Cotidiana............................................... 21
4- O Imperativo Por Excelência........................................................................ 23
5- Conclusão..................................................................................................... 25
6- Referências Bibliográficas............................................................................ 26
5
INTRODUÇÃO
O ensino da conjugação do modo imperativo nas gramáticas contemporâneas
fica restrito, na maioria das vezes, às apresentações de suas desinências modais, não
explicitando de maneira mais objetiva suas aplicações na língua formal e coloquial,
donde parte a necessidade de não haver apenas a segunda pessoa, como veremos no
estudo mais adiante, mas também de uma primeira pessoa, no plural, e as terceiras
pessoas, singular e plural. Um estudo da gramática latina de Ernesto Faria nos fará
compreender algumas das lacunas deixadas por nossos gramáticos acerca do ensino do
modo imperativo.
Há, para o sucesso deste trabalho, a necessidade de se fundamentar em textos
teóricos de gramáticos de renome em língua portuguesa, como Said Ali, Souza da
Silveira, Manoel Rodrigues Lapa, Evanildo Bechara, Celso Cunha, para que possamos
te uma idéia de como estes senhores teorizaram a respeito da conjugação do Modo
Imperativo. Precisaremos, também, para estudar este Modo, que façamos uma reflexão
acerca do uso dos pronomes pessoais do caso reto tu e vós e do pronome de tratamento
você, tanto diacrônica como sincronicamente.
Partindo então destas pesquisas, o estudo será enriquecido e o texto fluirá para
uma conclusão dentro do que se possa considerar aceitável em língua portuguesa.
6
1- O MODO IMPERATIVO
É certo afirmar que o Imperativo é por primazia o modo da ordem, da súplica, da
determinação da vontade do enunciador, como prova sua raiz, a palavra latina
imperator, imperatoris- donde vem o verbo imperare que possui o significado de
ordenar, tomar providências; mas o Imperativo é muito mais usado com o “intuito de
exortar o nosso interlocutor a cumprir a ação indicada pelo verbo” (Celso Cunha,
1985:465) do que propriamente o que evoca o significado de imperare, prestando-se
mais para sugerir um convite, um pedido. É usado o imperativo para referir-se a um
pedido ou uma ordem que o enunciador deseja que a execução seja imediata, sendo que,
para casos em que deva se aguardar um certo intervalo de tempo para a execução, usa-se
de uma oração subordinada, adverbial temporal (comumente), anteposta à oração
principal em que figurará o verbo no imperativo.
Joaquim Mattoso Câmara Jr. aponta no Imperativo um caráter único entre os
modos verbais, a não subordinação sintática, além de deixar claro o caráter subjetivo
deste modo.
“O subjuntivo, incluindo o imperativo, assinala uma tomada de posição
subjetiva do falante em relação ao processo verbal comunicado. No
indicativo não há essa “assinalização”, mas não se afirma a sua inexistência.
Por outro lado, o subjuntivo tem a característica sintática de ser uma forma
verbal dependente de uma palavra que o domina, seja o advérbio talvez,
preposto,
seja um verbo de oração principal. O imperativo tem a
“assinalização” subjetiva, mas não a subordinação sintática. Já o indicativo
7
não tem nenhuma dessas duas “assinalizações”, embora possa possuir, pelo
critério de Jakobson, um caráter subjetivo e uma subordinação sintática.”
(Câmara Jr., 1986:99)
O professor José Carlos de Azeredo diz, a respeito do Imperativo, que este modo
não varia quanto ao tempo e é o único dos três modos que se dedica de forma exclusiva
à função conativa da linguagem, porque o enunciador dirige-se explicitamente ao
interlocutor e o nomeia (Azeredo, 2000:131). Quando não houver esta intenção de
nomear o interlocutor, o Imperativo passa a ser impessoal, e para tal construção usamos
do Infinitivo Impessoal, como veremos adiante, chamando a atenção para a ordem e
destituindo o interlocutor da importância que possui quando expresso no imperativo
pessoal.
1.1 A Origem do Imperativo: O Latim
O Imperativo latino possuía formação própria e dividia-se em duas formas:
presente e futuro. O Imperativo português originou-se do Imperativo presente ativo
(segundo Ernesto Faria, “como em português, o Imperativo não pode ser conjugado na
voz passiva. Entretanto, como em latim os verbos depoentes têm significado ativo”,
deve-se explicitar se tal conjugação é ativa ou passiva) que só possuía as segundas
pessoas, formando a segunda pessoa do singular com o tema do verbo, sem sufixo nem
desinências pessoais, e para formar a do plural, adicionava-se ao radical do infectum a
desinência -te, como demonstrado na tabela abaixo:
1ª conj.
2ª conj.
3ª conj.
4ª conj.
lauda
mone
lege
audi
lauda-te
mone-te
legi-te
audi-te.(Ernesto Faria,1958:163)
8
Em latim, mesmo no Imperativo futuro, caso que não nos interessa neste estudo,
não havia indicação alguma da existência de uma formação própria para o Imperativo
negativo, fato que se explica devia à origem da língua latina, que seria o indo-europeu,
como nos explica o professor Ernesto Faria:
Primitivamente, no indo-europeu, o imperativo era usado apenas para
exprimir uma ordem ou súplica, e não para a proibição, de sorte que não
havia um imperativo negativo. O latim, assim, emprega várias formas para
suprir essa deficiência, como antepor uma partícula negativa (geralmente o
ne) ao imperativo positivo, empregar o infinitivo presente precedido do
imperativo do verbo nolo, e principalmente preceder de uma negação o
imperfeito do subjuntivo, construção esta preferida no período clássico.
(Ernesto Faria, 1958:382)
Exemplifica-se o dito com ne timete (T. Lív., 3,2,9) “não temais”, noli uxori credere
(Plaut., Cas., 387) “não creiais na esposa”.
O uso na língua portuguesa do subjuntivo para suprir as necessidades do
imperativo positivo em outras pessoas que não as segundas, como também no negativo,
explica-se ainda pela gramática latina, onde o subjuntivo presente poderia ser
empregado para dar uma ordem na terceira pessoa do imperativo positivo ou negativo, e
ainda na segunda pessoa quando do uso no negativo, como em sequere illos, ne morere
(Plaut., M. Glor., 1361) “segue-os, não te demores”. Sabemos, então, que o imperativo
presente latino possuía formas próprias e que para dar uma ordem negativa usava-se de
vários artifícios, sendo que o principal seria o uso do subjuntivo, em latim o subjuntivo
jussivo ou proibitivo, e, ainda que raramente, usava-se com valor de imperativo
atenuado nas segundas e terceiras pessoas do singular e plural no imperativo positivo
9
(Ernesto Faria, 1958:383), como em cautus sis, mi Tiro (Cíc., Fam., 16,9,4) “tenhas
cautela, meu caro Tiro”.
1.2 A Gramática Histórica
Uma pesquisa histórica leva-nos a tomar parte da evolução de uma língua, dos
usos e desusos de expressões, pronomes, vocábulos em geral, e até mesmo de seus
costumes . Foi necessário, então, recorrer a alguns estudiosos em língua para que
pudéssemos entender o caminho percorrido diacronicamente pela conjugação do
Imperativo até as nossas gramáticas.
Um dos autores de maior destaque na pesquisa histórica e no ensino de língua
portuguesa foi o professor Manuel Said Ali, onde em sua Gramática Histórica da Língua
Portuguesa deixou-nos lições acerca da morfologia e do emprego deste modo verbal em
estudo. Comprova que as formas próprias do imperativo são as segundas pessoas,
singular e plural, e que não possuem desinências próprias, tomando-se as referidas
formas pessoais do presente do indicativo, eliminando-lhes o s final. Said Ali ratifica o
uso pela língua portuguesa do mesmo artifício apontado por Ernesto Faria na Gramática
Superior da Língua Latina, usar-se do presente do subjuntivo (conjuntivo) para suprir a
falta de formas próprias para as outras pessoas, como você, o Senhor, tanto nas frases
positivas como nas negativas.
Said Ali descreve três tipos de Imperativo, o categórico, que ocorre quando:
exprime ordem cujo cumprimento se exige, ordem que dimanará ou de
homem consciente de sua superioridade em relação a outro, ou de Ser
supremo, como nesses passos bíblicos: Toma a Isaac, teu filho único a quem
amas...(Gên. 22,2)- ...Faze também sair todos os animais (ib.8,16-17). (Said
Ali, 2001,236),
10
há ainda o imperativo rogativo, que indica pedido, invocação, imprecação, como em
“Senhor, valei-me aqui” (Barros, Déc. 9), e o imperativo exortativo, aquele que “é usado
para induzir alguém a fazer alguma coisa no seu próprio interesse” (Said Ali, 2001,
237), como demonstra Gil Vicente(1,155) em “...comprai aqui pannos,
mudai os
vestidos, buscai as çamarras dos outros primeiro”.
Sousa da Silveira, em Lições de Português, na 9ª edição preparada por
Maximiano de Carvalho e Silva, 1983, apresenta os quadros das terminações do
imperativo português e do imperativo latino em suas formas do presente, demonstrando
a grande semelhança entre ambas, posto que apenas há a mudança entre as linguodentais
do latim, a surda t, para o português, a sonora d, além de três terminações distintas para
a segunda pessoa do plural. Verifiquemos o quadro:
I Conjugação
II Conjugação
II Conjugação
Português
Latim popular
-a
-a
-ade, -ai
-ate
-e
-e
-ede, -ei
-ete
-e
-i
-ide, -i
-ite
(Sousa da Silveira, 1983:130)
Segundo M. Rodrigues Lapa (1982), a língua portuguesa mantém as
características das antigas línguas que usavam modos diferentes para transmitir os
desejos e atitudes do enunciador, e diz que sendo o imperativo negativo expresso pelo
presente do subjuntivo, “compreende-se que a ordem proibitiva seja mais atenuada do
11
que a positiva, em que se manifesta fortemente a vontade do ordenante” (Lapa, 153).
Lapa aponta
uma “tendência inversa”
para “atenuar a dureza do imperativo
categórico”, quando se emprega o presente do subjuntivo, como em “Sejas bem-vindo,
meu querido amigo”, em que a forma sejas denota uma afetividade que não se
encontraria se usássemos a forma apropriada na segunda pessoa do singular do
imperativo, sê. “É a isto que se chama o conjuntivo optativo, por traduzir um desejo da
pessoa que fala” (154). Aponta também o uso do infinitivo impessoal com a intenção de
“diminuir a importância da pessoa a quem se fala, pois o mais importante no enunciado
era demonstrar a importância da ordem em si, como em “Falar ao motorista somente o
indispensável”.
1.3 O Imperativo pela Gramática Tradicional
Importante se faz, para um estudo sério deste modo verbal, recorrer a fontes
reconhecidas e esgotar seus ensinamentos; portanto, torna-se imprescindível tomar para
este trabalho as explicações de Celso Cunha acerca do Imperativo e seus substitutos,
para que possamos entender melhor a falta do uso deste modo pelos falantes da língua
portuguesa, principalmente no Brasil. É importante ressaltar que o uso da terceira
pessoa, plural e singular, seria impossível no modo imperativo se não houvesse a
substituição do pronome ele(s) por você(s), o senhor, Vossa Senhoria, pois “só admite
este modo as pessoas que indicam a aquele a quem se fala” (Cunha, 1985:465), sendo
que a terceira pessoa indica a aquele de quem se fala.
Toma-se, então, para o paradigma do Imperativo Afirmativo as segundas
pessoas do presente do Indicativo subtraindo-lhes o s final, e as demais pessoas,
excetuando a primeira do singular, caso em que se torna impossível conforme a lógica,
toma-se de empréstimo do presente do Subjuntivo, sem acrescentar-lhes ou subtrair-lhes
12
nada; para o Imperativo Negativo, é usado todo o presente do Subjuntivo, exceto a
primeira pessoa do singular, acrescentando-lhes a partícula negativa não. Para
exemplificar, tomamos o verbo amar:
Afirmativo
Negativo
ama tu
não ames tu
ame você
não ame você
amemos nós
não amemos nós
amai vós
não ameis vós
amem vocês
não amem vocês
É válido exemplificar os resquícios que a língua latina deixou no Português
moderno, quando se emprega, retomando Ernesto Faria, exemplificado anteriormente
em Latim, uma partícula negativa anteposta ao Imperativo Afirmativo, caso muito
usado no Português que aqui exemplificamos com trechos retirados de canções de dois
dos mais brilhantes compositores da língua portuguesa:
(...)
Me larga, não enche
Me deixa cantar, me deixa cantar,
me deixa cantar, me deixa cantar (...)
(Não enche, Caetano Veloso)
(...)
Mas não sê tão ingrata,
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou(...)
(Fado tropical, Chico Buarque)
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Emprega-se o modo imperativo, segundo C. Cunha, para exprimir vários
sentidos, entre os apontados, verifiquemos alguns:
a) para expressar uma ordem:
(...) Levantai-vos dessas mesas,
saí das vossas molduras,
vede que masmorras negras (...)
(Dos Ilustres Assassinos, Cecília Meireles)
b) para exprimir uma exortação:
Alma! Que tu não chores e não gemas,
teu amor voltou agora,
Ei-lo que chega das mansões extremas,
lá onde a loucura mora!(...)
(Ressurreição, Cruz e Sousa)
c) para fazer um convite:
Georges! anda ver meu país de romarias e procissões!
(Só, A. Nobre)
d) para exprimir uma súplica:
Jesus, valha-me Nossa Senhora .
(Clépsidra, Camilo Pessanha)
e) também é usado quando em substituição de “asserções condicionadas
expressa por se + Futuro do Subjuntivo”, sugerindo uma hipótese:
Leia este livro, e conhecerá o Brasil, em lugar de Se ler este livro,
conhecerá o Brasil.
14
Há de se enaltecer a riqueza da língua portuguesa que nos oferece substitutos
vários para o imperativo em suas diversas gradações. Abaixo encontraremos alguns
destes:
a) frases nominais e interjeições que “perdem o seu valor próprio” para
transmitir a idéia de ordem praticada pelo enunciador, como em
Fogo!, equivalente a Atire! Faça fogo!, e Mãos ao alto!, equivalente
a Ponha as mãos ao alto!.
b) com o presente do indicativo no intuito de aliviar a aspereza de uma
frase no imperativo; para Traga-me o dinheiro amanhã há O senhor
me traz o dinheiro amanhã.
c) para construções como Não mates, reforça-se a ordem com o Futuro
do Presente: Não matarás.
d) o Infinitivo Pessoal pode ser usado para exprimir uma característica
impessoal do imperativo, com valor de proibição, como em Não
fumar, e com valor de imperativo categórico como
nos versos
abaixo:
Lua, luar,
Não confundamos:
Estou mandando
A Lua luar.
Luar é verbo,
Quase não é
substantivo.(...)
(A Lua de Ouro Preto, Murilo Mendes)
15
e) “Ressalta sobremaneira o sentido do verbo a perífrase formada de ir
(no Imperativo) e do verbo principal no Infinitivo”. (Cunha,
1985:469):
- Não vá se afogar, moço.(João Ternura, A. M. Machado)
É de suma importância entender que quando usamos da fala para expressar uma ordem
necessitamos, conforme a quem a ordem é direcionada e também conforme o efeito que
esperamos obter, de subsídios reforçadores ou atenuadores para que o desejo do
enunciador seja expresso com eficácia, e, além destes, contamos com o poder de que
tem o enunciador de controlar seu tom de voz, o que pode fazer com que uma frase
torne-se “rude e seca, ou mesmo insolente, com a simples mudança de entonação”
(Cunha,1985:471). Para efeito de reforço, Celso Cunha recomenda que usemos de
formas verbais repetidas, “Calai-vos! Pela Virgem! Calai-vos!” (Obras Completas, M.
de Assis), de um advérbio e imprecações, “Escreva por amor de Deus imediatamente
para Barcelona!...” (Cartas a Fernando Pessoa, M. de Sá-Carneiro). Expressões que
denotam cortesia, educação são de bom grado quando se deseja amenizar a rudeza de
uma ordem, além do já citado bom uso do tom de voz, que pode tornar inútil o uso de
expressões como por favor, por obséquio, tenha a bondade etc..
É relevante dizer que foram escolhidas as definições da Nova Gramática do
Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, pois, das mais recentes
publicações, é a que trata de maneira mais abrangente o Modo Imperativo, ressaltando
que também foram consultadas as obras de Evanildo Bechara e Manoel Pinto Ribeiro,
sendo que não seria produtivo acrescentar neste trabalho definições que tornariam a
leitura em uma ação repetitiva.
16
2- AS PESSOAS GRAMATICAIS E O IMPERATIVO
Para compreender a ocorrência das três pessoas - excluindo a primeira singularna conjugação do Imperativo, é necessário que se faça uma introdução nos estudos dos
pronomes pessoais retos e nos chamados pronomes de tratamento.
2.1 Os Pronomes
Os pronomes pessoais do caso reto são aqueles que denotam as três pessoas
gramaticais numa conversação, em que a pessoa que fala é expressa pelo pronome eu nós no plural-; a pessoa a quem se fala, pelo pronome tu - vós no plural-; finalmente,
ele(ela) -singular- e eles(elas) -plural- são as de quem se fala. No português, a pessoa
com quem se fala é naturalmente expressa por um pronome de tratamento, contanto que
se use o verbo na terceira pessoa. Segundo Celso Cunha (1985: 282), são os pronomes
de tratamento “certas palavras e locuções que valem por verdadeiros pronomes pessoais,
como: você, o senhor, Vossa Excelência.”, designando a pessoa com quem se fala, mas
com o verbo figurando na 3ª pessoa.
Há muito no Brasil não se usava o pronome tu para, numa conversação, designar
a pessoa a quem se fala, preferindo-se a aquele o pronome vós para manter certo
afastamento de ordem hierárquica entre as pessoas; logo, então, passou-se a serem
usados os pronomes de tratamento que, segundo Said Ali, tinha um fim especial:
Outro modo de tratamento indireto consistiu em fingir que se dirigia a
palavra a um atributo ou qualidade eminente da pessoa de categoria superior, e
não a ela própria. Assim, aproximavam-se os vassalos de seu rei com o
tratamento de vossa mercê, vossa senhoria,...(Said Ali, 2001:74-75)
17
Ainda segundo Said Ali, “do uso e abuso da fórmula vossa mercê nasceu em boca do
povo a variante você” (2001:75), que serviria para aplicar, então, a indivíduos de
qualidade e condição iguais ou inferiores à pessoa que fala.
Em capítulo cujo título é “Um pronome perdido: vós”, Manuel Rodrigues Lapa
(1982: 115-116) relata já praticamente inexistente no português corrente o pronome vós,
que ainda resiste em alguns bretões de Portugal, e menos ainda no Brasil, preferindo-se
o uso da 3ª pessoa do plural, sendo que quando a situação merece um tratamento
cerimonioso, ou então por forma escrita, é preferível o uso de vós. Atualmente, para um
tratamento em que não há familiaridade alguma, ou pouca, entre os interlocutores, usase a forma o Senhor e, em casos de maior cerimônia, os pronomes de tratamento Vossa
Excelência, Vossa Senhoria, e outros do gênero. Já para momentos em que há
familiaridade entre os interlocutores, no Brasil, prefere-se em geral o uso de você
(Vossa Mercê>vossemecê>vosmecê>você), o que em Portugal “é considerado pouco
respeitoso...e substituído por vossemecê,” que é a mesma coisa.
Segundo de Lapa, não seria recomendado, apesar da substituição de vós por
formas pronominais de 3ª pessoa, mesclar estas com o verbo no plural, o que
verificamos ao perceber o uso pelos falantes da forma você no imperativo, caso que será
abrangido mais adiante.
Houve, então, a necessidade de acomodar o uso do imperativo à fala do usuário
do português, mesmo aquele de Portugal, em que as formas próprias desta conjugação,
as segundas pessoas, estão em desuso. Conjugam-se, então, as terceiras pessoas, não
com pronomes pessoais retos, mas, exclusivamente no imperativo, é usado o pronome
18
de tratamento você (vocês) no paradigma da conjugação, sem nenhuma explicação ao
estudante que também não questiona este uso e, simplesmente, aceita tal arbítrio.
2.2 Tu ou Você
Principalmente no imperativo positivo, que é o imperativo por excelência, ocorre
o cruzamento entre o número da pessoa gramatical com formas verbais não
correspondentes. Pesquisando o uso do Imperativo entre falantes de diversas idades e
grau de instrução, foi observado a ocorrência daquele cruzamento quando, pedindo que
os entrevistados formassem frases com teor de ordem a uma segunda pessoa,
fornecendo verbos regulares das três conjugações, notou-se:
a) Quando foi pedido que usassem os verbos cantar, enxugar, chamar,
pedir, vender, repetir notou-se que:
-
nas frases formuladas em que se usou o pronome você, o verbo
aparece na segunda pessoa, conforme os exemplos: “Canta aquela
música que você gosta”, “Enxuga a água que você derramou, por
favor”, “Chama você mesmo quem quiser”, “Repete o que você
disse”, “Pede tudo o que você quiser”, “Vende esse carro que você
comprou”. Note-se que foram transcritas aqui somente as frases em
que ocorreram as mesclas que foram objeto da pesquisa, e, também,
que as frases são apenas amostragem daquelas obtidas na pesquisa. É
importante dizer que quando as pessoas usaram pronomes
possessivos, concordaram, na maioria, o verbo com o pronome, como
em “Enxuga o teu braço”, “Chama teu filho”, etc.
b) Quando foi pedido que fizesse uma frase com um verbo qualquer,
houve, quase sempre, as mesmas ocorrências, provando que a
19
incitação a usar verbos já selecionados não foi uma maneira de fazer
uma pesquisa tendenciosa.
No capítulo de nome Casa dos Pronomes, do livro Emília no País da Gramática
(1998), de Monteiro Lobato, lê-se um fato interessante acerca da troca de tu por você
que vale ressaltar: notou-se que havia uma “rivalidade” entre estes dois pronomes, e Eu,
que fazia as honras da casa, logo tentou explicar o que acontecia:
“-...No começo havia o tratamento Vossa Mercê, dado aos reis unicamente.
Depois passou a ser dado aos fidalgos e foi mudando de forma. Ficou uns
tempos Vossemecê e depois passou a vosmecê e finalmente como está hoje Você, entrando a ser aplicado em vez de Tu... No andar em que vai, creio que
acabará expulsando o Tu para o bairro das palavras arcaicas, porque já no Brasil
muito pouca gente emprega o Tu.” (1998: 23)
Vê-se que a oposição tu/você não é tão recente, e que o falante apenas usa da forma
mais habitual para construir os enunciados que denotam ordem, súplica, aplicando,
também, as formas verbais que mais lhe convenham.
20
3- TEXTOS PUBLICITÁRIOS: ECOS DA FALA COTIDIANA
A redação publicitária tem como objetivo principal atingir seu público-alvo sem
que haja interferências na comunicação, ou mesmo falha, para que torne explícita a
mensagem a ser transmitida. Valem-se, então, os redatores deste tipo de mensagem da
célebre frase que ficou conhecida através do professor Evanildo Bechara, que diz que
um falante deve ser um “poliglota” dentro de sua própria língua, adequando, assim, suas
redações publicitárias à língua que é habitualmente usada por aqueles que estão
inseridos no conjunto que contém o seu público-alvo.
O texto publicitário tem, na sua maioria, uma característica apelativa, apresentase muito comumente com verbos no Imperativo, apelando para que o ouvinte, ou leitor,
da mensagem aceite o que lhe é apresentado. Em textos veiculados atualmente em
anúncios de televisão e rádio, percebemos aquela mescla já citada de pronomes com
formas verbais não condizentes, segundo a gramática, como em um texto em que o
intuito é vender terrenos na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, e o locutor, num
determinado momento diz “aproveita hoje mesmo e faça a sua reserva”, mesclando
verbo no imperativo nas 2ª e 3ª pessoas e pronome possessivo da 3ª pessoa; num
anúncio muito veiculado ultimamente pela televisão, o ator pergunta a um segundo “- E
você, já experimentou? Experimenta!”, mesclando o uso do pronome você mais o verbo
na 3ª pessoa na primeira oração e a exortação a experimentar o produto em questão na
2ª pessoa. Recorramos, também, a um anúncio que já foi veiculado há bastante tempo, e
perceberemos que não é de hoje tal mesclagem, quando o locutor dizia “Vem pra Caixa
21
você também!” estava se apropriando da forma da segunda pessoa do verbo Vir no
Imperativo e usando-a juntamente com o pronome de tratamento você.
Em outro texto veiculado por rádio e televisão atualmente, a atriz do filme
exorta o consumidor com a frase “Faz um 21”, o que gramaticalmente é um erro
grosseiro, pois usa da forma verbal de 3ª pessoa do presente do indicativo do verbo
fazer ao invés da 3ª do presente do subjuntivo ou da 2ª do imperativo, mas serve para
exemplificar o que usualmente ocorre no falar cotidiano, e que, não só com o
Imperativo, ocorrem erros com o uso indevido em vários tempos verbais e modos; são
erros não freqüentes, mas mostram o quão preocupado está o texto publicitário com a
fluidez da mensagem no caminho até o receptor.
22
4- O IMPERATIVO POR EXCELÊNCIA
Sabe-se, então, que o Imperativo Afirmativo português, em sua origem, o
Imperativo Presente Ativo latino, possuía formas apenas para as segundas pessoas; é,
pois, este imperativo em questão o modo da ordem ou da súplica. O uso do pronome de
tratamento você como sujeito do Imperativo não pode ser evitado posto que é freqüente
e de mais aceitabilidade pelo falante esta forma do que os próprios pronomes pessoais
do caso reto- tu e vós -, mas o que pode ser contestado é a normatização deste uso,
quando se coloca o você como parte da conjugação, como se fosse um pronome pessoal
reto, mesmo porque se percebe o uso desta forma pronominal, você, com os verbos na
segunda pessoa do singular; aceitar-se-ia, então, que o falante substituísse o tu por você,
mais o verbo na segunda pessoa, no uso coloquial. Ainda, vê-se que o uso da forma
vocês no Imperativo é pouco usual e que para uma ordem a ser dada a um grupo de
pessoas, tende-se a construir períodos subordinados em que apareçam verbos como
querer, desejar, seguidos de orações com verbos no subjuntivo, já que esse é o modo da
subordinação (E. Faria, 1958: 159).
Estas ocorrências dão margem a que se pense na inutilidade de tornar
a
conjugação do Imperativo menos defectiva acrescentado-lhe formas do presente do
subjuntivo para as terceiras pessoas, e, ainda, para a primeira pessoa do plural, quando,
incluindo-se no conjunto, o falante proferiria não uma ordem, mas uma incitação, uma
volição. Para todos estes casos em que o falante expressa claramente desejo, volição, há
23
o Modo Subjuntivo, não necessitando que translade formas deste para o Imperativo:
basta que se use o Subjuntivo.
Logo, para uma ordem proibitiva, colocar-se-ia uma partícula negativa à frente
das formas do Imperativo Positivo, como usualmente ocorria em Latim, e como faz
alguns escritores. Mas, segundo M. Rodrigues Lapa, o empréstimo das formas do
subjuntivo para conjugar o Imperativo Negativo ocorre pelo fato de a ordem proibitiva
ser mais atenuada do que a ordem positiva. Lapa diz (texto já citado aqui) que a língua
portuguesa possui uma primitiva diferenciação que seria traduzir em modos diferentes
as diferentes atitudes de quem fala; partindo desse conceito, supõe-se, então, que o
Imperativo Negativo deveria, pois, continuar inexistente como em Latim, quando se
usava de várias formas, de acordo com a atitude do falante, para expressar uma ordem
ou desejo do enunciador, já que, para outros modos, quando queremos negar alguma
ação, não necessitamos de um paradigma próprio e arbitrário.
24
5- CONCLUSÃO
Tomou-se neste trabalho as definições de teóricos respeitados no domínio da
língua portuguesa acerca do uso do Modo Imperativo e de assuntos afins, para que fosse
discutido ensino do Imperativo como ele é apresentado aos estudantes atualmente.
Verificando aqueles ensinamentos, vimos as várias aplicações deste modo
verbal, como também os usos de outros modos e tempos verbais que são usados para
substituí-lo e para atenuar a rudeza da ordem. Percebemos, através de um estudo sobre
os pronomes, o desaparecimento das formas tu e vós, no uso pelo falante de língua
portuguesa, principalmente no Brasil, e sua gradativa substituição pelo pronome de
tratamento você (>vosmecê>vossemecê>Vossa Mercê), o que acarretou no uso desta
forma na conjugação do Modo Imperativo como substituto da 3ª pessoa.
Para tornar atraente o estudo de língua portuguesa, as gramáticas deveriam
explicar aos alunos o porquê de certas normas como a de ter que se tomar emprestado
de um outro modo formas para completar a conjugação do Imperativo. Conclui-se,
então, que este modelo atual é falho e inconsistente de acordo com as definições
estudadas.
Volta-se pois o Imperativo a ser apenas Imperativo, com suas formas para as
segunda pessoa do singular e segunda pessoa do plural, como o modo do imperare, da
ordem, de tomar providências.
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6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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