O IMPERATIVO EM SEGUNDA PESSOA por ROGÉRIO BRAGA BANDEIRA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 2º semestre de 2003. O IMPERATIVO EM SEGUNDA PESSOA Trabalho elaborado sob a orientação da Professora Doutora Darcília Marindir P. Simões, do Departamento de Língua Portuguesa, pelo aluno Rogério Braga Bandeira, do curso de Bacharelado em Português-Latim, 8º período. RIO DE JANEIRO, 2°semestre de 2003. A minha família, esposa Marla e filho Mateus, pela compreensão na minha ausência durante a graduação. A Deus, minha gratidão pela sua misericórdia; agradeço aos meus professores que bastante ajudaram para a minha formação; a minha orientadora, agradeço por sua estimada colaboração e por sua paciência e incentivo. Venite ad me, omnes qui laboratis et onoratis est, et ego reficiam vos. Mt 11,28 SUMÁRIO Introdução........................................................................................................... 6 1- O Modo Imperativo...................................................................................... 7 1.1- A origem do Imperativo: o Latim..................................................... 8 1.2- A Gramática Histórica...................................................................... 10 1.3- O Imperativo pela Gramática Tradicional........................................ 12 2- As Pessoas Gramaticais e o Imperativo........................................................ 17 2.1- Os Pronomes.................................................................................... 17 2.2- Tu ou Você....................................................................................... 19 3- Textos Publicitários: Ecos da Fala Cotidiana............................................... 21 4- O Imperativo Por Excelência........................................................................ 23 5- Conclusão..................................................................................................... 25 6- Referências Bibliográficas............................................................................ 26 5 INTRODUÇÃO O ensino da conjugação do modo imperativo nas gramáticas contemporâneas fica restrito, na maioria das vezes, às apresentações de suas desinências modais, não explicitando de maneira mais objetiva suas aplicações na língua formal e coloquial, donde parte a necessidade de não haver apenas a segunda pessoa, como veremos no estudo mais adiante, mas também de uma primeira pessoa, no plural, e as terceiras pessoas, singular e plural. Um estudo da gramática latina de Ernesto Faria nos fará compreender algumas das lacunas deixadas por nossos gramáticos acerca do ensino do modo imperativo. Há, para o sucesso deste trabalho, a necessidade de se fundamentar em textos teóricos de gramáticos de renome em língua portuguesa, como Said Ali, Souza da Silveira, Manoel Rodrigues Lapa, Evanildo Bechara, Celso Cunha, para que possamos te uma idéia de como estes senhores teorizaram a respeito da conjugação do Modo Imperativo. Precisaremos, também, para estudar este Modo, que façamos uma reflexão acerca do uso dos pronomes pessoais do caso reto tu e vós e do pronome de tratamento você, tanto diacrônica como sincronicamente. Partindo então destas pesquisas, o estudo será enriquecido e o texto fluirá para uma conclusão dentro do que se possa considerar aceitável em língua portuguesa. 6 1- O MODO IMPERATIVO É certo afirmar que o Imperativo é por primazia o modo da ordem, da súplica, da determinação da vontade do enunciador, como prova sua raiz, a palavra latina imperator, imperatoris- donde vem o verbo imperare que possui o significado de ordenar, tomar providências; mas o Imperativo é muito mais usado com o “intuito de exortar o nosso interlocutor a cumprir a ação indicada pelo verbo” (Celso Cunha, 1985:465) do que propriamente o que evoca o significado de imperare, prestando-se mais para sugerir um convite, um pedido. É usado o imperativo para referir-se a um pedido ou uma ordem que o enunciador deseja que a execução seja imediata, sendo que, para casos em que deva se aguardar um certo intervalo de tempo para a execução, usa-se de uma oração subordinada, adverbial temporal (comumente), anteposta à oração principal em que figurará o verbo no imperativo. Joaquim Mattoso Câmara Jr. aponta no Imperativo um caráter único entre os modos verbais, a não subordinação sintática, além de deixar claro o caráter subjetivo deste modo. “O subjuntivo, incluindo o imperativo, assinala uma tomada de posição subjetiva do falante em relação ao processo verbal comunicado. No indicativo não há essa “assinalização”, mas não se afirma a sua inexistência. Por outro lado, o subjuntivo tem a característica sintática de ser uma forma verbal dependente de uma palavra que o domina, seja o advérbio talvez, preposto, seja um verbo de oração principal. O imperativo tem a “assinalização” subjetiva, mas não a subordinação sintática. Já o indicativo 7 não tem nenhuma dessas duas “assinalizações”, embora possa possuir, pelo critério de Jakobson, um caráter subjetivo e uma subordinação sintática.” (Câmara Jr., 1986:99) O professor José Carlos de Azeredo diz, a respeito do Imperativo, que este modo não varia quanto ao tempo e é o único dos três modos que se dedica de forma exclusiva à função conativa da linguagem, porque o enunciador dirige-se explicitamente ao interlocutor e o nomeia (Azeredo, 2000:131). Quando não houver esta intenção de nomear o interlocutor, o Imperativo passa a ser impessoal, e para tal construção usamos do Infinitivo Impessoal, como veremos adiante, chamando a atenção para a ordem e destituindo o interlocutor da importância que possui quando expresso no imperativo pessoal. 1.1 A Origem do Imperativo: O Latim O Imperativo latino possuía formação própria e dividia-se em duas formas: presente e futuro. O Imperativo português originou-se do Imperativo presente ativo (segundo Ernesto Faria, “como em português, o Imperativo não pode ser conjugado na voz passiva. Entretanto, como em latim os verbos depoentes têm significado ativo”, deve-se explicitar se tal conjugação é ativa ou passiva) que só possuía as segundas pessoas, formando a segunda pessoa do singular com o tema do verbo, sem sufixo nem desinências pessoais, e para formar a do plural, adicionava-se ao radical do infectum a desinência -te, como demonstrado na tabela abaixo: 1ª conj. 2ª conj. 3ª conj. 4ª conj. lauda mone lege audi lauda-te mone-te legi-te audi-te.(Ernesto Faria,1958:163) 8 Em latim, mesmo no Imperativo futuro, caso que não nos interessa neste estudo, não havia indicação alguma da existência de uma formação própria para o Imperativo negativo, fato que se explica devia à origem da língua latina, que seria o indo-europeu, como nos explica o professor Ernesto Faria: Primitivamente, no indo-europeu, o imperativo era usado apenas para exprimir uma ordem ou súplica, e não para a proibição, de sorte que não havia um imperativo negativo. O latim, assim, emprega várias formas para suprir essa deficiência, como antepor uma partícula negativa (geralmente o ne) ao imperativo positivo, empregar o infinitivo presente precedido do imperativo do verbo nolo, e principalmente preceder de uma negação o imperfeito do subjuntivo, construção esta preferida no período clássico. (Ernesto Faria, 1958:382) Exemplifica-se o dito com ne timete (T. Lív., 3,2,9) “não temais”, noli uxori credere (Plaut., Cas., 387) “não creiais na esposa”. O uso na língua portuguesa do subjuntivo para suprir as necessidades do imperativo positivo em outras pessoas que não as segundas, como também no negativo, explica-se ainda pela gramática latina, onde o subjuntivo presente poderia ser empregado para dar uma ordem na terceira pessoa do imperativo positivo ou negativo, e ainda na segunda pessoa quando do uso no negativo, como em sequere illos, ne morere (Plaut., M. Glor., 1361) “segue-os, não te demores”. Sabemos, então, que o imperativo presente latino possuía formas próprias e que para dar uma ordem negativa usava-se de vários artifícios, sendo que o principal seria o uso do subjuntivo, em latim o subjuntivo jussivo ou proibitivo, e, ainda que raramente, usava-se com valor de imperativo atenuado nas segundas e terceiras pessoas do singular e plural no imperativo positivo 9 (Ernesto Faria, 1958:383), como em cautus sis, mi Tiro (Cíc., Fam., 16,9,4) “tenhas cautela, meu caro Tiro”. 1.2 A Gramática Histórica Uma pesquisa histórica leva-nos a tomar parte da evolução de uma língua, dos usos e desusos de expressões, pronomes, vocábulos em geral, e até mesmo de seus costumes . Foi necessário, então, recorrer a alguns estudiosos em língua para que pudéssemos entender o caminho percorrido diacronicamente pela conjugação do Imperativo até as nossas gramáticas. Um dos autores de maior destaque na pesquisa histórica e no ensino de língua portuguesa foi o professor Manuel Said Ali, onde em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa deixou-nos lições acerca da morfologia e do emprego deste modo verbal em estudo. Comprova que as formas próprias do imperativo são as segundas pessoas, singular e plural, e que não possuem desinências próprias, tomando-se as referidas formas pessoais do presente do indicativo, eliminando-lhes o s final. Said Ali ratifica o uso pela língua portuguesa do mesmo artifício apontado por Ernesto Faria na Gramática Superior da Língua Latina, usar-se do presente do subjuntivo (conjuntivo) para suprir a falta de formas próprias para as outras pessoas, como você, o Senhor, tanto nas frases positivas como nas negativas. Said Ali descreve três tipos de Imperativo, o categórico, que ocorre quando: exprime ordem cujo cumprimento se exige, ordem que dimanará ou de homem consciente de sua superioridade em relação a outro, ou de Ser supremo, como nesses passos bíblicos: Toma a Isaac, teu filho único a quem amas...(Gên. 22,2)- ...Faze também sair todos os animais (ib.8,16-17). (Said Ali, 2001,236), 10 há ainda o imperativo rogativo, que indica pedido, invocação, imprecação, como em “Senhor, valei-me aqui” (Barros, Déc. 9), e o imperativo exortativo, aquele que “é usado para induzir alguém a fazer alguma coisa no seu próprio interesse” (Said Ali, 2001, 237), como demonstra Gil Vicente(1,155) em “...comprai aqui pannos, mudai os vestidos, buscai as çamarras dos outros primeiro”. Sousa da Silveira, em Lições de Português, na 9ª edição preparada por Maximiano de Carvalho e Silva, 1983, apresenta os quadros das terminações do imperativo português e do imperativo latino em suas formas do presente, demonstrando a grande semelhança entre ambas, posto que apenas há a mudança entre as linguodentais do latim, a surda t, para o português, a sonora d, além de três terminações distintas para a segunda pessoa do plural. Verifiquemos o quadro: I Conjugação II Conjugação II Conjugação Português Latim popular -a -a -ade, -ai -ate -e -e -ede, -ei -ete -e -i -ide, -i -ite (Sousa da Silveira, 1983:130) Segundo M. Rodrigues Lapa (1982), a língua portuguesa mantém as características das antigas línguas que usavam modos diferentes para transmitir os desejos e atitudes do enunciador, e diz que sendo o imperativo negativo expresso pelo presente do subjuntivo, “compreende-se que a ordem proibitiva seja mais atenuada do 11 que a positiva, em que se manifesta fortemente a vontade do ordenante” (Lapa, 153). Lapa aponta uma “tendência inversa” para “atenuar a dureza do imperativo categórico”, quando se emprega o presente do subjuntivo, como em “Sejas bem-vindo, meu querido amigo”, em que a forma sejas denota uma afetividade que não se encontraria se usássemos a forma apropriada na segunda pessoa do singular do imperativo, sê. “É a isto que se chama o conjuntivo optativo, por traduzir um desejo da pessoa que fala” (154). Aponta também o uso do infinitivo impessoal com a intenção de “diminuir a importância da pessoa a quem se fala, pois o mais importante no enunciado era demonstrar a importância da ordem em si, como em “Falar ao motorista somente o indispensável”. 1.3 O Imperativo pela Gramática Tradicional Importante se faz, para um estudo sério deste modo verbal, recorrer a fontes reconhecidas e esgotar seus ensinamentos; portanto, torna-se imprescindível tomar para este trabalho as explicações de Celso Cunha acerca do Imperativo e seus substitutos, para que possamos entender melhor a falta do uso deste modo pelos falantes da língua portuguesa, principalmente no Brasil. É importante ressaltar que o uso da terceira pessoa, plural e singular, seria impossível no modo imperativo se não houvesse a substituição do pronome ele(s) por você(s), o senhor, Vossa Senhoria, pois “só admite este modo as pessoas que indicam a aquele a quem se fala” (Cunha, 1985:465), sendo que a terceira pessoa indica a aquele de quem se fala. Toma-se, então, para o paradigma do Imperativo Afirmativo as segundas pessoas do presente do Indicativo subtraindo-lhes o s final, e as demais pessoas, excetuando a primeira do singular, caso em que se torna impossível conforme a lógica, toma-se de empréstimo do presente do Subjuntivo, sem acrescentar-lhes ou subtrair-lhes 12 nada; para o Imperativo Negativo, é usado todo o presente do Subjuntivo, exceto a primeira pessoa do singular, acrescentando-lhes a partícula negativa não. Para exemplificar, tomamos o verbo amar: Afirmativo Negativo ama tu não ames tu ame você não ame você amemos nós não amemos nós amai vós não ameis vós amem vocês não amem vocês É válido exemplificar os resquícios que a língua latina deixou no Português moderno, quando se emprega, retomando Ernesto Faria, exemplificado anteriormente em Latim, uma partícula negativa anteposta ao Imperativo Afirmativo, caso muito usado no Português que aqui exemplificamos com trechos retirados de canções de dois dos mais brilhantes compositores da língua portuguesa: (...) Me larga, não enche Me deixa cantar, me deixa cantar, me deixa cantar, me deixa cantar (...) (Não enche, Caetano Veloso) (...) Mas não sê tão ingrata, Não esquece quem te amou E em tua densa mata Se perdeu e se encontrou(...) (Fado tropical, Chico Buarque) 13 Emprega-se o modo imperativo, segundo C. Cunha, para exprimir vários sentidos, entre os apontados, verifiquemos alguns: a) para expressar uma ordem: (...) Levantai-vos dessas mesas, saí das vossas molduras, vede que masmorras negras (...) (Dos Ilustres Assassinos, Cecília Meireles) b) para exprimir uma exortação: Alma! Que tu não chores e não gemas, teu amor voltou agora, Ei-lo que chega das mansões extremas, lá onde a loucura mora!(...) (Ressurreição, Cruz e Sousa) c) para fazer um convite: Georges! anda ver meu país de romarias e procissões! (Só, A. Nobre) d) para exprimir uma súplica: Jesus, valha-me Nossa Senhora . (Clépsidra, Camilo Pessanha) e) também é usado quando em substituição de “asserções condicionadas expressa por se + Futuro do Subjuntivo”, sugerindo uma hipótese: Leia este livro, e conhecerá o Brasil, em lugar de Se ler este livro, conhecerá o Brasil. 14 Há de se enaltecer a riqueza da língua portuguesa que nos oferece substitutos vários para o imperativo em suas diversas gradações. Abaixo encontraremos alguns destes: a) frases nominais e interjeições que “perdem o seu valor próprio” para transmitir a idéia de ordem praticada pelo enunciador, como em Fogo!, equivalente a Atire! Faça fogo!, e Mãos ao alto!, equivalente a Ponha as mãos ao alto!. b) com o presente do indicativo no intuito de aliviar a aspereza de uma frase no imperativo; para Traga-me o dinheiro amanhã há O senhor me traz o dinheiro amanhã. c) para construções como Não mates, reforça-se a ordem com o Futuro do Presente: Não matarás. d) o Infinitivo Pessoal pode ser usado para exprimir uma característica impessoal do imperativo, com valor de proibição, como em Não fumar, e com valor de imperativo categórico como nos versos abaixo: Lua, luar, Não confundamos: Estou mandando A Lua luar. Luar é verbo, Quase não é substantivo.(...) (A Lua de Ouro Preto, Murilo Mendes) 15 e) “Ressalta sobremaneira o sentido do verbo a perífrase formada de ir (no Imperativo) e do verbo principal no Infinitivo”. (Cunha, 1985:469): - Não vá se afogar, moço.(João Ternura, A. M. Machado) É de suma importância entender que quando usamos da fala para expressar uma ordem necessitamos, conforme a quem a ordem é direcionada e também conforme o efeito que esperamos obter, de subsídios reforçadores ou atenuadores para que o desejo do enunciador seja expresso com eficácia, e, além destes, contamos com o poder de que tem o enunciador de controlar seu tom de voz, o que pode fazer com que uma frase torne-se “rude e seca, ou mesmo insolente, com a simples mudança de entonação” (Cunha,1985:471). Para efeito de reforço, Celso Cunha recomenda que usemos de formas verbais repetidas, “Calai-vos! Pela Virgem! Calai-vos!” (Obras Completas, M. de Assis), de um advérbio e imprecações, “Escreva por amor de Deus imediatamente para Barcelona!...” (Cartas a Fernando Pessoa, M. de Sá-Carneiro). Expressões que denotam cortesia, educação são de bom grado quando se deseja amenizar a rudeza de uma ordem, além do já citado bom uso do tom de voz, que pode tornar inútil o uso de expressões como por favor, por obséquio, tenha a bondade etc.. É relevante dizer que foram escolhidas as definições da Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, pois, das mais recentes publicações, é a que trata de maneira mais abrangente o Modo Imperativo, ressaltando que também foram consultadas as obras de Evanildo Bechara e Manoel Pinto Ribeiro, sendo que não seria produtivo acrescentar neste trabalho definições que tornariam a leitura em uma ação repetitiva. 16 2- AS PESSOAS GRAMATICAIS E O IMPERATIVO Para compreender a ocorrência das três pessoas - excluindo a primeira singularna conjugação do Imperativo, é necessário que se faça uma introdução nos estudos dos pronomes pessoais retos e nos chamados pronomes de tratamento. 2.1 Os Pronomes Os pronomes pessoais do caso reto são aqueles que denotam as três pessoas gramaticais numa conversação, em que a pessoa que fala é expressa pelo pronome eu nós no plural-; a pessoa a quem se fala, pelo pronome tu - vós no plural-; finalmente, ele(ela) -singular- e eles(elas) -plural- são as de quem se fala. No português, a pessoa com quem se fala é naturalmente expressa por um pronome de tratamento, contanto que se use o verbo na terceira pessoa. Segundo Celso Cunha (1985: 282), são os pronomes de tratamento “certas palavras e locuções que valem por verdadeiros pronomes pessoais, como: você, o senhor, Vossa Excelência.”, designando a pessoa com quem se fala, mas com o verbo figurando na 3ª pessoa. Há muito no Brasil não se usava o pronome tu para, numa conversação, designar a pessoa a quem se fala, preferindo-se a aquele o pronome vós para manter certo afastamento de ordem hierárquica entre as pessoas; logo, então, passou-se a serem usados os pronomes de tratamento que, segundo Said Ali, tinha um fim especial: Outro modo de tratamento indireto consistiu em fingir que se dirigia a palavra a um atributo ou qualidade eminente da pessoa de categoria superior, e não a ela própria. Assim, aproximavam-se os vassalos de seu rei com o tratamento de vossa mercê, vossa senhoria,...(Said Ali, 2001:74-75) 17 Ainda segundo Said Ali, “do uso e abuso da fórmula vossa mercê nasceu em boca do povo a variante você” (2001:75), que serviria para aplicar, então, a indivíduos de qualidade e condição iguais ou inferiores à pessoa que fala. Em capítulo cujo título é “Um pronome perdido: vós”, Manuel Rodrigues Lapa (1982: 115-116) relata já praticamente inexistente no português corrente o pronome vós, que ainda resiste em alguns bretões de Portugal, e menos ainda no Brasil, preferindo-se o uso da 3ª pessoa do plural, sendo que quando a situação merece um tratamento cerimonioso, ou então por forma escrita, é preferível o uso de vós. Atualmente, para um tratamento em que não há familiaridade alguma, ou pouca, entre os interlocutores, usase a forma o Senhor e, em casos de maior cerimônia, os pronomes de tratamento Vossa Excelência, Vossa Senhoria, e outros do gênero. Já para momentos em que há familiaridade entre os interlocutores, no Brasil, prefere-se em geral o uso de você (Vossa Mercê>vossemecê>vosmecê>você), o que em Portugal “é considerado pouco respeitoso...e substituído por vossemecê,” que é a mesma coisa. Segundo de Lapa, não seria recomendado, apesar da substituição de vós por formas pronominais de 3ª pessoa, mesclar estas com o verbo no plural, o que verificamos ao perceber o uso pelos falantes da forma você no imperativo, caso que será abrangido mais adiante. Houve, então, a necessidade de acomodar o uso do imperativo à fala do usuário do português, mesmo aquele de Portugal, em que as formas próprias desta conjugação, as segundas pessoas, estão em desuso. Conjugam-se, então, as terceiras pessoas, não com pronomes pessoais retos, mas, exclusivamente no imperativo, é usado o pronome 18 de tratamento você (vocês) no paradigma da conjugação, sem nenhuma explicação ao estudante que também não questiona este uso e, simplesmente, aceita tal arbítrio. 2.2 Tu ou Você Principalmente no imperativo positivo, que é o imperativo por excelência, ocorre o cruzamento entre o número da pessoa gramatical com formas verbais não correspondentes. Pesquisando o uso do Imperativo entre falantes de diversas idades e grau de instrução, foi observado a ocorrência daquele cruzamento quando, pedindo que os entrevistados formassem frases com teor de ordem a uma segunda pessoa, fornecendo verbos regulares das três conjugações, notou-se: a) Quando foi pedido que usassem os verbos cantar, enxugar, chamar, pedir, vender, repetir notou-se que: - nas frases formuladas em que se usou o pronome você, o verbo aparece na segunda pessoa, conforme os exemplos: “Canta aquela música que você gosta”, “Enxuga a água que você derramou, por favor”, “Chama você mesmo quem quiser”, “Repete o que você disse”, “Pede tudo o que você quiser”, “Vende esse carro que você comprou”. Note-se que foram transcritas aqui somente as frases em que ocorreram as mesclas que foram objeto da pesquisa, e, também, que as frases são apenas amostragem daquelas obtidas na pesquisa. É importante dizer que quando as pessoas usaram pronomes possessivos, concordaram, na maioria, o verbo com o pronome, como em “Enxuga o teu braço”, “Chama teu filho”, etc. b) Quando foi pedido que fizesse uma frase com um verbo qualquer, houve, quase sempre, as mesmas ocorrências, provando que a 19 incitação a usar verbos já selecionados não foi uma maneira de fazer uma pesquisa tendenciosa. No capítulo de nome Casa dos Pronomes, do livro Emília no País da Gramática (1998), de Monteiro Lobato, lê-se um fato interessante acerca da troca de tu por você que vale ressaltar: notou-se que havia uma “rivalidade” entre estes dois pronomes, e Eu, que fazia as honras da casa, logo tentou explicar o que acontecia: “-...No começo havia o tratamento Vossa Mercê, dado aos reis unicamente. Depois passou a ser dado aos fidalgos e foi mudando de forma. Ficou uns tempos Vossemecê e depois passou a vosmecê e finalmente como está hoje Você, entrando a ser aplicado em vez de Tu... No andar em que vai, creio que acabará expulsando o Tu para o bairro das palavras arcaicas, porque já no Brasil muito pouca gente emprega o Tu.” (1998: 23) Vê-se que a oposição tu/você não é tão recente, e que o falante apenas usa da forma mais habitual para construir os enunciados que denotam ordem, súplica, aplicando, também, as formas verbais que mais lhe convenham. 20 3- TEXTOS PUBLICITÁRIOS: ECOS DA FALA COTIDIANA A redação publicitária tem como objetivo principal atingir seu público-alvo sem que haja interferências na comunicação, ou mesmo falha, para que torne explícita a mensagem a ser transmitida. Valem-se, então, os redatores deste tipo de mensagem da célebre frase que ficou conhecida através do professor Evanildo Bechara, que diz que um falante deve ser um “poliglota” dentro de sua própria língua, adequando, assim, suas redações publicitárias à língua que é habitualmente usada por aqueles que estão inseridos no conjunto que contém o seu público-alvo. O texto publicitário tem, na sua maioria, uma característica apelativa, apresentase muito comumente com verbos no Imperativo, apelando para que o ouvinte, ou leitor, da mensagem aceite o que lhe é apresentado. Em textos veiculados atualmente em anúncios de televisão e rádio, percebemos aquela mescla já citada de pronomes com formas verbais não condizentes, segundo a gramática, como em um texto em que o intuito é vender terrenos na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, e o locutor, num determinado momento diz “aproveita hoje mesmo e faça a sua reserva”, mesclando verbo no imperativo nas 2ª e 3ª pessoas e pronome possessivo da 3ª pessoa; num anúncio muito veiculado ultimamente pela televisão, o ator pergunta a um segundo “- E você, já experimentou? Experimenta!”, mesclando o uso do pronome você mais o verbo na 3ª pessoa na primeira oração e a exortação a experimentar o produto em questão na 2ª pessoa. Recorramos, também, a um anúncio que já foi veiculado há bastante tempo, e perceberemos que não é de hoje tal mesclagem, quando o locutor dizia “Vem pra Caixa 21 você também!” estava se apropriando da forma da segunda pessoa do verbo Vir no Imperativo e usando-a juntamente com o pronome de tratamento você. Em outro texto veiculado por rádio e televisão atualmente, a atriz do filme exorta o consumidor com a frase “Faz um 21”, o que gramaticalmente é um erro grosseiro, pois usa da forma verbal de 3ª pessoa do presente do indicativo do verbo fazer ao invés da 3ª do presente do subjuntivo ou da 2ª do imperativo, mas serve para exemplificar o que usualmente ocorre no falar cotidiano, e que, não só com o Imperativo, ocorrem erros com o uso indevido em vários tempos verbais e modos; são erros não freqüentes, mas mostram o quão preocupado está o texto publicitário com a fluidez da mensagem no caminho até o receptor. 22 4- O IMPERATIVO POR EXCELÊNCIA Sabe-se, então, que o Imperativo Afirmativo português, em sua origem, o Imperativo Presente Ativo latino, possuía formas apenas para as segundas pessoas; é, pois, este imperativo em questão o modo da ordem ou da súplica. O uso do pronome de tratamento você como sujeito do Imperativo não pode ser evitado posto que é freqüente e de mais aceitabilidade pelo falante esta forma do que os próprios pronomes pessoais do caso reto- tu e vós -, mas o que pode ser contestado é a normatização deste uso, quando se coloca o você como parte da conjugação, como se fosse um pronome pessoal reto, mesmo porque se percebe o uso desta forma pronominal, você, com os verbos na segunda pessoa do singular; aceitar-se-ia, então, que o falante substituísse o tu por você, mais o verbo na segunda pessoa, no uso coloquial. Ainda, vê-se que o uso da forma vocês no Imperativo é pouco usual e que para uma ordem a ser dada a um grupo de pessoas, tende-se a construir períodos subordinados em que apareçam verbos como querer, desejar, seguidos de orações com verbos no subjuntivo, já que esse é o modo da subordinação (E. Faria, 1958: 159). Estas ocorrências dão margem a que se pense na inutilidade de tornar a conjugação do Imperativo menos defectiva acrescentado-lhe formas do presente do subjuntivo para as terceiras pessoas, e, ainda, para a primeira pessoa do plural, quando, incluindo-se no conjunto, o falante proferiria não uma ordem, mas uma incitação, uma volição. Para todos estes casos em que o falante expressa claramente desejo, volição, há 23 o Modo Subjuntivo, não necessitando que translade formas deste para o Imperativo: basta que se use o Subjuntivo. Logo, para uma ordem proibitiva, colocar-se-ia uma partícula negativa à frente das formas do Imperativo Positivo, como usualmente ocorria em Latim, e como faz alguns escritores. Mas, segundo M. Rodrigues Lapa, o empréstimo das formas do subjuntivo para conjugar o Imperativo Negativo ocorre pelo fato de a ordem proibitiva ser mais atenuada do que a ordem positiva. Lapa diz (texto já citado aqui) que a língua portuguesa possui uma primitiva diferenciação que seria traduzir em modos diferentes as diferentes atitudes de quem fala; partindo desse conceito, supõe-se, então, que o Imperativo Negativo deveria, pois, continuar inexistente como em Latim, quando se usava de várias formas, de acordo com a atitude do falante, para expressar uma ordem ou desejo do enunciador, já que, para outros modos, quando queremos negar alguma ação, não necessitamos de um paradigma próprio e arbitrário. 24 5- CONCLUSÃO Tomou-se neste trabalho as definições de teóricos respeitados no domínio da língua portuguesa acerca do uso do Modo Imperativo e de assuntos afins, para que fosse discutido ensino do Imperativo como ele é apresentado aos estudantes atualmente. Verificando aqueles ensinamentos, vimos as várias aplicações deste modo verbal, como também os usos de outros modos e tempos verbais que são usados para substituí-lo e para atenuar a rudeza da ordem. Percebemos, através de um estudo sobre os pronomes, o desaparecimento das formas tu e vós, no uso pelo falante de língua portuguesa, principalmente no Brasil, e sua gradativa substituição pelo pronome de tratamento você (>vosmecê>vossemecê>Vossa Mercê), o que acarretou no uso desta forma na conjugação do Modo Imperativo como substituto da 3ª pessoa. Para tornar atraente o estudo de língua portuguesa, as gramáticas deveriam explicar aos alunos o porquê de certas normas como a de ter que se tomar emprestado de um outro modo formas para completar a conjugação do Imperativo. Conclui-se, então, que este modelo atual é falho e inconsistente de acordo com as definições estudadas. Volta-se pois o Imperativo a ser apenas Imperativo, com suas formas para as segunda pessoa do singular e segunda pessoa do plural, como o modo do imperare, da ordem, de tomar providências. 25 6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALI, M. Said. Gramática Histórica da Língua Portuguesa. 8 ed. revisada e atualizada. 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