Artigo Original Fraturas da cabeça da mandíbula Fractures of the head of mandible Laurindo Moacir Sassi1 José Luis Dissenha2 Maria Isabela Guebur3 Cícero Bezeruska4 Verginia Hepp4 Ricardo Luiz Radaelli5 Orlando Oliva Júnior6 Onivaldo Cervantes7 RESUMO ABSTRACT Introdução: Quando a região mentoniana recebe um impacto, a força é transmitida do mento ao longo do corpo para a cabeça da mandíbula, freqüentemente causando fratura. Objetivo: Demonstrar a prevalência de fraturas de cabeça de mandíbula. Métodos: Foi pesquisado o registro médico do Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR (HMSJP) de pacientes com diagnóstico de fratura da cabeça da mandíbula, considerando idade, gênero e etiologia. Resultados: Durante o período de cinco anos (janeiro de 1998 a janeiro de 2003), 214.041 pacientes deram entrada no HMSJP, sendo 13 com fratura de cabeça e mandíbula (prevalência: 0,006%) e sendo 11 do gênero masculino e dois do feminino; idade entre sete a 39 anos; dois acidentes automobilísticos; três quedas de nível; três agressões; um acidente de esporte; e quatro causa desconhecida. Em 11 pacientes, foi realizado um tratamento conservador e duas fixações rígidas. Conclusão: A consolidação óssea foi satisfatória, sendo restabelecida a função e a estética nas duas técnicas utilizadas. Descritores: Mandíbula. Fraturas Mandibulares. Fixação Interna de Fraturas. Técnicas de Fixação da Mandíbula. Estudos Retrospectivos. Resultado de Tratamento. INTRODUÇÃO Quando a região mentoniana recebe um impacto, a força é transmitida do mento ao longo da mandíbula para o côndilo, freqüentemente, causando uma fratura. As fraturas de côndilo são comuns e engoblam cerca de 9 a 45% de todos os casos de fraturas mandibulares1,2. As fraturas do processo condilar são encontradas com mais freqüência em crianças e adolescentes, porém, em adultos, a idade varia entre 21 e 45 anos3-6. Em relação à prevalência por gênero, encontra-se maior predisposição pelo masculino4,5,7. A etiologia das fraturas condilares pode ser classificada em acidentes de tráfego (incluindo automobilístico, ciclístico e atropelamentos), quedas de altura e em nível do chão, violência física, esportes, acidentes de trabalho e outros, baseadas na Classificação Internacional de Doenças. Os acidentes de tráfego são as causas mais comuns (50%), Introduction: When the chin area receives some sort of impact, the force is transmitted through the bone to the head of mandible, often resulting in fractures. Objective: To analyze the occurrence of fractures of the head of mandible. Methods: We examined the medical records of Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR, Brazil (HMSJP), searching patients with fractures of the head of mandible. Results: Within a five-year period (from January 1998 to January 2003), 214,041 patients were admitted into the HMSJP, 13 of whom presenting fractures of the head of mandible (0.006%). Amongst these 13 patients, 11 were men and 2 were women, aged between 7 and 39; 2 suffered car accidents, 3 falls, 3 physical aggressions, 1 sport accident and 4 unknown causes. Eleven patients were treated with more conservative techniques, whereas 2 underwent rigid fixation. Conclusion: Bone healing was satisfactory in all cases, leading to the reestablishment of fully functional and aesthetically normal mandibles. Key words: Mandible. Mandibular Fractures. Fracture Fixation, Internal. Jaw Fixation Techniques. Retrospective Studies. Treatment Outcome. seguidos das quedas (32,5%) e agressões (12,5%)8. Esses traumas podem levar a alteração não somente no desenvolvimento facial, como na oclusão dentária e na movimentação da articulação têmporo-mandibular (ATM). Assim, o diagnóstico das fraturas e a indicação do tratamento devem ser precisos para evitarem-se as disfunções têmporomandibulares ou ainda seqüelas mais graves que alterem o crescimento da face e da mandíbula, levando a deformidades mandibulares assimétricas, distúrbios funcionais, necrose condilar ou impossibilitem a abertura satisfatória da boca, como as anquiloses têmporo-mandibulares3,8,9. Além disso, a anquilose da ATM é uma condição que pode causar problemas na mastigação, digestão, fala, estética e higiene, o que também pode levar a problemas psicológicos10. Apesar de a mandíbula ser um dos locais mais atingidos por traumas faciais, as fraturas do processo condilar muitas vezes não são diagnosticadas, em especial nas regiões do colo e da 1) Cirurgião Dentista. Professor Curso de Pós-Graduação em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Medicina pelo Curso de PósGraduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP. Chefe do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR. Aluno do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP – Escola Paulista de Medicina, São Paulo.. 2) Cirurgião Dentista; Cirurgião e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR. 3) Mestre em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP. Professora Adjunta das Disciplinas de Anatomia Humana e Pesquisa em Alimentação e Nutrição das Faculdades Integradas Espírita/FACIBEM, Curitiba/PR. 4) Cirurgião Dentista. Estagiário do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR. 5) Cirurgião Dentista. Cirurgião e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR. 6) Cirurgião Dentista. Cirurgião e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR. 7) Professor Livre Docente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP – Escola Paulista de Medicina, São Paulo. Instituição: Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR. Correspondência: Laurindo Moacir Sassi, Av. 7 de setembro, 4698 sala 1805 – 80240-000 Curitiba/PR, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 10/06/2008; aceito para publicação em: 25/07/2008; publicado on-line em: 15/09/2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma 160 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 3, p. 160 -162, julho / agosto / setembro 2008 cabeça condilar8. O diagnóstico deve basear-se no histórico médico, odontológico, na etiologia da fratura, no exame clínico (extra e intra-bucal) e radiográfico11,12. O exame clínico pode não revelar anormalidade evidente de oclusão, mas o paciente pode observar que os dentes não ocluem como anteriormente à fratura e pode sentir dor à mastigação. Com exames mais detalhados, pode-se notar sensibilidade à pressão sobre a pele ou mucosa e equimose11. Além disso, os exames radiográficos e a ressonância magnética podem confirmar a presença da fratura e o nível da mesma12. Muitos são os fatores que influenciam na indicação e no prognóstico do tratamento das fraturas da cabeça da mandíbula e estes devem ser considerados antes da eleição final do tipo de tratamento, como: o grau de deslocamento do fragmento, idade do paciente, localização da fratura, direção do deslocamento, estado físico, fraturas associadas no terço médio da face, presença e condições da dentição, possibilidade de realizar oclusão adequada, presença de corpos estranhos na ATM e trauma com lesão exposta13. Existem dois tipos de tratamento que podem ser indicados no caso de fraturas de cabeça de mandíbula, o aberto e o fechado. O tratamento aberto é indicado nos casos de desvio do côndilo maiores que aproximadamente 45o, a cabeça da mandíbula fora da cavidade articular, fraturas cominutivas, fragmentos de corpos estranhos intra-articulares e bloqueio à movimentação da ATM8. Entretanto, esse tipo de tratamento com acesso préauricular, retromandibular ou submandibular pode resultar em injúria ao nervo facial e na criação de cicatrizes visíveis1. O tratamento fechado é recomendado para pacientes com desvio do fragmento menor que aproximadamente 45o, quando a cabeça da mandíbula permanece dentro da cavidade glenóide, quando o paciente apresenta elementos dentários suficientes para o bloqueio maxilo-mandibular ou quando na ausência dos dentes existe a possibilidade da utilização de próteses5,8. Esse estudo tem como objetivo demonstrar a prevalência de fraturas de cabeça de mandíbula e sua terapêutica, durante um período de cinco anos, no Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR (HMSJP). MÉTODOS Pesquisaram-se os registros médico-hospitalares dos pacientes atendidos no Hospital e Maternidade de São José dos Pinhais/PR (HMSJP), com diagnóstico de fraturas de cabeça de mandíbula, em um período de cinco anos, de janeiro de 1998 a janeiro de 2003. Todos os prontuários avaliados estavam devidamente registrados no HMSJP, sendo que os dados encontrados foram armazenados e catalogados, objetivando extrair o máximo de informações. RESULTADOS Durante o período da pesquisa, 214.041 pacientes deram entrada no HMSJP, sendo 13 pacientes com fraturas de cabeça de mandíbula, ou seja, uma prevalência de 0,006% de fraturas de cabeça de mandíbula. Dos 13 pacientes avaliados, 11 eram do gênero masculino (84,6%) e dois do feminino (15,4%). A idade variou de 7 a 39 anos. As etiologias das fraturas de côndilo foram classificadas em acidentes de tráfego, queda de nível, agressão, esporte e causas desconhecidas. Os acidentes por causas desconhecidas foram os mais comuns, perfazendo um total de quatro pacientes (30,77%), seguidos de três acidentes por queda de nível e três por agressão (23,08% cada). Além destes, ocorreram duas fraturas de cabeça de mandíbula por acidente de tráfego (15,4%) e uma por esporte (7,7%). Foi utilizado como tratamento para as fraturas de cabeça de mandíbula a técnica de redução fechada das fraturas e fisioterapia apropriada em 11 casos (84,6%), como proposto13. Os pacientes que receberam o tratamento com redução fechada das fraturas permaneceram por quatro semanas com bloqueio maxilo-mandibular e, após esse período, realizaram fisioterapia. Os 11 pacientes somente retornaram ao serviço até o momento da remoção do bloqueio maxilo-mandibular, onde todos apresentaram evolução satisfatória. Nos outros dois casos (15,4%), os pacientes foram tratados com a técnica aberta. Um dos pacientes recebeu tratamento através de fixação bilateral e não apresentou nenhuma seqüela, com evolução satisfatória e sem alteração oclusal. O outro paciente com sete anos de idade apresentou fratura de cabeça de mandíbula direita, alta, com deslocamento para medial e trismo. A conduta preconizada foi a redução cruenta da fratura com fixação rígida. Um ano após o acidente, o paciente apresentou reabsorção da cabeça da mandíbula, com laterognatismo para a direita e realizou-se então cirurgia de enxerto ósseo removido da clavícula. Um ano após a cirurgia, o paciente já apresentava abertura bucal de 2,7cm e não mais compareceu à fisioterapia do hospital, sendo esta sua última visita. DISCUSSÃO Apesar de ser o mais pesado e forte osso da face, a mandíbula está propensa a fraturas por alguns motivos particulares: é um arco aberto; está localizado na região inferior da face; mecanismo de hiperextensão e hiperflexão da cabeça em acidentes de trânsito; atrofia-se com a idade15. O local de acometimento da fratura de mandíbula é variável na dependência das várias causas dessa fratura e as fraturas de cabeça de mandibula acometem 22,2%. Entretanto, as fraturas do processo da cabeça da mandíbula muitas vezes não são diagnosticadas, em especial quando são atingidos o colo e a cabeça da mandíbula8,15. Os dados relacionados ao gênero demonstram predominância masculina sobre a feminina de 5:1, o que é coincidente com a literatura4,5,7,15. Relatou-se que a faixa etária de 20 a 29 anos é, com freqüência, a mais acometida. A predominância do gênero masculino nessa faixa etária ocorre principalmente por tratar-se de um grupo em que ocorre um maior numero de acidentes de trânsito e violência, normalmente associados ao uso de bebida alcoólica15. Apesar de a literatura relatar que os acidentes de tráfego são a principal causa das fraturas de cabeça de mandíbula, é importante ressaltar que no presente estudo a etiologia mais encontrada foi a por causas desconhecidas, seguida de pela queda de nível e agressão, acidentes de tráfego e esportes8,15. O tratamento conservador deve ser empregado nos casos de deslocamento da cabeça da mandíbula para a fossa craniana média, impossibilidade de obter oclusão adequada, deslocamento lateral extra-capsular da cabeça da mandíbula, invasão por corpo estranho e tais indicações podem ser aplicadas em crianças e adultos13. No presente estudo, 11 pacientes foram tratados dessa maneira apresentando resultados satisfatórios. Contudo, quando as fraturas apresentassem ângulo inferior à 45o, indica-se tratamento conservador e, quando as mesmas apresentassem ângulo superior a 45o, o tratamento aberto deve ser o indicado, o que foi aplicado em dois casos com resultados igualmente satisfatórios14. CONCLUSÃO A incidência de fraturas de cabeça de mandíbula foi de 13 pacientes ou 0,006%, com a prevalência para o gênero masculino. O tratamento conservador foi o empregado na maioria dos casos, no entanto, os dois tipos de tratamento mostraram resultados satisfatórios. REFERÊNCIAS 1. 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