DEFAULT ARGENTINO: A CRISE ENTRE O GOVERNO E OS

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1
Elias Couto e Almeida Junior
DEFAULT ARGENTINO: A CRISE ENTRE O GOVERNO E OS FUNDOS
DE INVESTIMENTO.
Monografia
apresentada,
como
requerimento parcial para obtenção do
título
de
Bacharel
Internacionais
pela
em
Relações
Universidade
Católica de Brasília.
Autor: Elias Couto e Almeida Junior
Supervisor:
Msc.
Carvalho de Souza
Creomar
Lima
2
DEDICATÓRIA
Dedico primeiramente a minha família
que me proporcionou momentos de
felicidade e tranquilidade para que eu
pudesse chegar até aqui. A um grande
professor, parceiro e amigo o Msc.
Creomar Lima Carvalho de Souza.
Por fim dou minha dedicatória exclusiva
a minha namorada, Gabriela Gomes de
Assis, por me apoiar em todos os
momentos de tensões e de medo.
3
EPÍGRAFE
“A criatividade dos jovens que mudará o
mundo“
4
RESUMO
A situação econômica e política da Argentina está vivendo um período muito
complexo, envolvendo dívidas passadas que retraem o crescimento do país e pode
coloca-lo uma vez mais em um calote internacional. Para evitar ou reduzir o impacto
deste problema a intervenção e atores internacionais e transnacionais se tornou
imprescindível. A presidente Cristina Kirchner se despede da política argentina
deixando um legado crítico para o seu sucessor.
Este trabalho objetiva a interpretação dos fatos ocorridos entre os anos de 2001
a 2014, período o qual tivemos no seu início uma crise deflagrada por um calote
internacional nos primeiros anos do século XXI e doze anos depois um novo default. A
transição do governo peronista para o Kirchnerismo faz parte da interpretação do caso
estudado, por tanto este assunto estará presente ao longo do trabalho desenhando o
panorama da Argentina. O estudo busca entender quais os motivos da crise, quem são
os atores envolvidos e qual o cenário atual.
Palavras Chaves: Argentina, Economia, Política, Nestor Kirchner, Cristina Kirchner,
Peronismo, Kirchnerismo, Default, Fundos de Investimento, Fundos Abutres, RUFO,
Negociação.
5
ABSTRACT
The economic and political situation in Argentina is going through a very complex
period, involving past debts that shrink the country's growth and can put it once more in
an international default. To avoid or reduce the impact of this problem the intervention of
international and transnational actors has become essential. President Cristina Kirchner
bids farewell to Argentine politics leaving a critical legacy for his successor.
This work aims to interpret the events that occurred between the years 20012014, a period, which we had at the bottom a crisis triggered by an international default
in the early years of the twenty-first century, and twelve years later a new default. The
transition from the Peronist government to Kirchnerism is part of the interpretation of the
case study; therefore this issue will be throughout the work drawing the panorama of
Argentina. The study seeks to understand the motives of the crisis, who are the
stakeholders and what the current situation.
Key Words: Argentina, Economy, Politics, Nestor Kirchner, Cristina Kirchner, Peronism,
Kirchnerism, Default, Investment Funds, Vultures Funds, RUFO and Trading.
6
LISTA DE FIGURAS
Tabela 1 – Lista de defaults Argentinos
Imagem 1 - Tomadores de decisões e seu poder de influência
Gráfico 1 – Crescimento econômico Argentino
Gráfico 2 – Índice de desemprego da Argentina
Gráfico 3 – Balança comercial da Argentina
Imagem 2 – Razão de Guidotti dos países do BRIC e Mercosul entre 2000 e 2009.*
Imagem 3 - Histórico de Classificações do Moody's sobre a Argentina
Imagem 4 - Explicação do significado das siglas utilizadas pelas agência de risco
7
LISTA DE SIGLAS
FMI – Fundo Monetário Internacional
RUFO – Rights Upon a Future Offers
INDEC - Instituto Nacional de Estatísticas e Censo
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................10
1.1 O Problema e sua Importância.................................................10
1.2 Hipótese....................................................................................13
1.3 Objetivo.....................................................................................13
1.3.1 Objetivos Gerais..............................................................13
1.3.2 Objetivos Específicos.....................................................13
1.4 Metodologia..............................................................................14
2. ABORDAGEM TEÓRICA..................................................................14
2.1 Revisão de Literatura................................................................15
2.2 Referência Teórica...................................................................16
3. DESENVOLVIMENTO.......................................................................18
3.1 O Kirchnerismo e a Degradação Institucional Argentina..........18
3.1.1 O Kirchnerismo................................................................18
3.1.2 A crise do modelo político Argentino..............................21
3.2 Hedge Funds conceito e relevância para a economia
internacional................................................................................27
3.2.1 Entendendo o Conceito de Fundos de Hedge................27
3.2.2 Influência dos Fundos de Hedge no cenário Político
Argentino ......................................................................................29
3.2.3 Cláusula RUFO e suas consequências políticas.............30
3.3 O passo a passo da Crise entre o Governo Argentino e os
Fundos de Hedge........................................................................32
3.3.1
A Negociação entre Governo Argentino e os Fundos..32
9
3.3.2
A ação dos Fundos de Hedge na Corte de Justiça de
Nova York...................................................................36
4. CONCLUSÃO....................................................................................38
5. REFERENCIAS ................................................................................39
6. ANEXO..............................................................................................42
6.1 Mapa de relacionamento entre o governo argentino...............43
10
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa busca descrever a crise da Argentina com os fundos de investimento.
Neste contexto é importante entender o que são os fundos de investimento e de onde
este montante é adquirido, para assim entender a motivação de reduzir o impacto nas
suas receitas. O propósito principal deste ensaio é apresentar as causas que levaram
os hedge funds entrarem contra o governo argentino na Corte de Justiça de Nova
Iorque. Interessante ressaltar que a crise está entre um ator público e outro privado.
Neste cenário, o trabalho a seguir é estruturado em problema e sua importância,
hipótese, objetivos e metodologia.
1.1.
O PROBLEMA E SUA IMPORTÂNCIA
O que são os Hedge Funds?
Os “hedge funds” são fundos de investimentos que usam várias modalidades de
aplicações financeiras, afim de garantir retorno absoluto do valor investido. 12 Os fundos
que serão tratados neste trabalho se referem aos que tem sua principal sede em Nova
Iorque nos Estados Unidos da América (EUA) e são eles o fundo NML, Aurelius e o EM.
O fundo NML Capital (fundo vinculado ao Elliot Management Corporation), foi
criado em 1977 nos Estados Unidos ( no estado de Nova Iorque), iniciando com um
capital de aproximadamente US$ 1 milhão, e que renderam até 2014 cerca de US$23
bilhões3 .
Outro fundo importante de ser ressaltado é o EM, que tem como seu proprietário
o Sr. Kenneth Dart, um magnata que teve aparições importantes no cenário latino
americano. Ganhou um julgamento contra o Brasil depois de comprar bônus “lixo” e foi
1
http://www.infomoney.com.br/educacao/guias/noticia/412945/hedge-funds-sem-misterios-entenda-quesao-como-funcionam
2 http://www.eurekahedge.com/database/faq.asp#1
3 http://www.efe.com/efe/noticias/brasil/economia/conhe-fundos-abutres-detentores-divida-que-espreitamargentina/3/2019/2352363
11
denunciado pelo Fisco argentino por supostos superfaturamentos e fuga de divisas por
sua empresa norte-americana de produção de copos térmicos com sede na Argentina4.
Não obstante, também está o fundo Aurelius, fundado por Mark Brodsky,
conhecido por “Exterminador”5 pelo jornal Independent do Reino Unido. Mark possui
este apelido por não dar flexibilidade à nenhum credor e também por praticar a compra
de empresas em crises e posteriormente revendê-las ao seus donos com um valor
acima do esperado.
Relação entre os Fundos de Investimento e o Governo Argentino
A Argentina passou por quarto grandes momentos de crise financeira6 (como é
possível ver na tabela a seguir). A crise de 2001/2002, foi o início da tensão que se
instaura no país até o presente momento7. A tabela abaixo mostra os momentos de
default na Argentina, e o presidente que fez a declaração ao longo da história deste
país.
Tabela 2: Lista de defaults Argentinos
4
Ano
Presidente
1827
Vicente López y Planes
1890
Julio Roca
1982
Leopoldo Galtieri
2001/2002
Adolfo Rodríguez Saa
http://www.bloomberg.com/news/2013-05-21/billionaire-dart-s-argentine-foam-cup-unit-raided-by-taxagents.html
5 http://www.independent.co.uk/news/business/news/coop-members-finding-out-the-harsh-reality-ofmutual-banking-8897589.html
6 http://www.cartafinanciera.com/tendencia-actual/historia-del-default-en-argentina/
7 “Argentina: Processo de Estabilização”. Secretaria de Finança e Ministério da Economia. Abril de 2003.
12
Produzido por: Elias Couto
Após 12 anos do pedido de moratória na Argentina8 (referente à crise de 2001),
encerra-se o prazo para que o governo se alinhasse com os Fundos de Investimentos
afim de realizar o pagamento dos títulos de dívida pública adquiridos durante a crise,
com o intuito de ajudar a reerguer o país. Durante esse período ocorreram negociações
para um acordo, que beneficiaria a todas as partes, pois o que foi previamente
acordado não poderia ser pago pela Casa Rosada9 no tempo determinado.
Alguns fundos de hegde aceitaram uma negociação para redução do valor
previamente acordado, aproximadamente 92% dos detentores dos papeis de dívida
pública. Entretanto a outra parte, 8%, não aceitou a negociação, e pediu algo acima do
oferecido, porém ainda abaixo do valor pré-acordado10.
Negociação com a atual presidente, Cristina Kirchner, não foi fácil, esta relutou
até o último momento sem aceitar os valores propostos pelos negociadores dos fundos.
A governante temia a cláusula Right Upon Future Offers (RUFO)11. A RUFO garante
que o direito sobre as oferta futuras de renegociação, deve ser aplicado a todos os
“holdouts” – partes que não estão diretamente envolvidas na negociação. Então caso
uma negociação vazasse a público, poderia constranger os outros atores a reivindicar
um aumento no valor a ser recebido.
Por fim o grupo de representantes argentinos, comandados pelo ministro Axel
Kicillof, Ministro da Economia, recusaram a proposta dos Fundos de investimentos NML
Capital e Aurelius Management 12 , que acabaram por acionar a Corte de Justiça de
Nova Iorque nos Estados Unidos da América, para receber os vencimentos que o
governo argentino se recusou a pagar.
8
http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/07/termina-nesta-quarta-prazo-para-argentina-evitar-novocalote.html
9http://www.foreignpolicy.com/articles/2014/08/25/argentina_default_bond_vulture_hedge_fund_sovereign
_debt_grenada
10http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/07/termina-nesta-quarta-prazo-para-argentina-evitar-novocalote.html
11 http://www.economist.com/blogs/americasview/2014/06/argentina-and-hold-outs
12 http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014-07/delegacao-ministerial-argentina-esta-emnova-iorque-para-negociar
13
A desavença entre as partes foi levada à Corte de Justiça de Nova Iorque, como
acordado no contrato assinado em 2001. Sob o comando de Thomas Griesa, o
julgamento parecia estar com um caminho certo desde o início das conversas sobre
acordos. Como forma de evitar de desaprovar a ação movida em Nova Iorque, Cristina
Kirchner solicitou apoio para países vizinho, e países com a mesma situação
econômica.
As informações até aqui levantadas somadas ao contexto do conflito entre as
autoridades argentinas e os hedge funds levam ao seguinte questionamento norteador:
O que levou os fundos reagirem desta forma ao cenário político da Argentina?
1.2.
HIPÓTESE
As oscilações da política interna argentina tornam este país um ator político
pouco confiável e isto leva os Fundos de Investimentos recorrerem à Corte de Justiça
de Nova Iorque.
1.3.
OBJETIVOS
1.3.1. Objetivos Gerais
Traçar um panorama da situação política argentina no período estudado e
suas consequências econômicas
1.3.2. Objetivos Específicos
1. Analisar a história econômica e política da Argentina;
2. Entender o que são os Hedge Funds e qual a sua relevância para a
política internacional;
14
3. Explicar o processo de desgaste no diálogo entre o Governo e os Fundos
de Investimento.
1.4.
METODOLOGIA
O significado de pesquisa deste projeto é baseado em dados coletados e
interpretados, obtidos em artigos de opinião, palestras, e leituras sobre a relação dos
fundos de investimentos e o governo argentino. As informações foram retiradas de
fontes do governo argentino e de leitura de análises de diversos analistas da politica
econômica internacional. Reúne dados retirados de fontes do governo e interpretações
da obra clássica de Carlos Escudé, que trata a respeito da teoria do realismo periférico.
Além disso, foram feitas leituras sobre o papel dos Fundos de Investimentos norteamericanos, a fim de configurar a importância destes no cenário político e econômico.
Portanto, este projeto é um ensaio baseado no método hipotético-dedutivo,
promovendo uma construção de cenários em cima das verdadeiras conjunturas do caso
estudado.
É importante destacar que, o tema que está sendo abordado neste ensaio é de
caráter atual e poderá sofrer alterações com o decorrer do período. Por isso está
definido que as informações que serão tratadas relativo a este assunto estarão
presentes no recorte histórico de janeiro de 2000 até agosto de 2014.
2. ABORDAGEM TEÓRICA
A
análise
teórico
conceitual
deste
caso
passa
necessariamente
pela
compreensão de conceitos fundamentais das relações internacionais, tais como:
Soberania,
Ingerência
e
Dependência. Nestes termos,
ganha
importância
o
pensamento que apresenta estes como países periféricos aos outros grandes
tomadores de decisão (ESCUDÉ, Carlos).
15
A soberania nacional é um conceito indicador de exercício exclusivo da
autoridade do Estado (BOBBIO, Norberto). Para que isso ocorra, a ingerência do
Estado não pode contribuir para o mal funcionamento da gestão da máquina pública, ou
seja, as ações erradas, tomadas pelos altos representantes do governo, impactam no
convívio da sociedade.
A dependência de outros atores internacionais, proporcionam divergências de
ideias e podem, por consequência, causar conflitos internos no país de por exemplo:
bater de frente com o outro ator e causar um constrangimento internacional; ou encarar
as críticas e vinda da população e enfrentar uma crise interna.
É possível entender a reação dos fundos perante a instabilidade política
argentina. A utilização de três principais atores e a divisão deles como agentes
primários (Argentina e os Fundos de Investimentos) e agentes secundários (Estados
Unidos da América e investidores do fundo) apresenta um quadro de interdependência.
2.1.
REVISÃO DE LITERATURA
Os fundos de investimentos surgiram como uma forma de encontrar alternativas
aos bancos internacionais. A necessidade de buscar organizações privadas para
resolver problemas da economia, pode ser benéfica mas também tem seus problemas.
A forma de organização dos fundos nos Estados Unidos da América, constitui
uma união de aplicações feitas desde aposentados da classe média, até os milionários
norte-americanos. Após o governo argentino declarar o default do século XXI, a
Argentina declarou que precisaria de investimentos externos para tentar reconstruir o
país. Para isso, houve uma aproximação das duas partes para que os Hegde Funds
fosse esse credor.
De acordo com escritor do livro Globalization and Austerity Politics in Latin
America,
a instabilidade política na região dificulta a prospecção de novos
investimentos externos (KAPLAN, Stephen B.). Isto significa que a imagem dos países
latino americanos, em especial a Argentina, está manchada com a marca de devedor e
“caloteiro”.
16
Após 13 anos da reestruturação, o custo foi muito caro para o governo, que teve
de renegociar com os chamados “Fundos Abutres” uma redução da tarifa a ser
repassada. 7% dos fundos não aprovaram a nova renegociação, e este foi o estopim do
que seria uma guerra de discursos. (REBOSSIO, Alejandro)
2.2.
REFERÊNCIA TEÓRICA
De acordo com a agência de classificação de risco Moody’s 13 , o governo
argentino é visto como um ator com descrédito na comunidade internacional. A partir da
guerra pela conquista da ilha das Malvinas sem sucesso, seguida de fraco desempenho
econômico e o seu afastamento das relações exteriores do período da década de 80,
Carlos Escudé apresenta o termo realismo periférico.
Este referencial teórico entende que a Argentina é um país que está na
“periferia” da tomada de decisão no cenário internacional. Para obter maiores
resultados na busca por decisões favoráveis ao seu entendimento, o governo argentino
deveria atrair maior apoio para fazer frente a um- ator mais influente.
13
https://www.moodys.com/research/Moodys-changes-Argentinas-outlook-to-negative-as-default-willhasten--PR_305436
17
Imagem 1 - Tomadores de decisões e seu poder de influência
Fonte: http://www.zazzle.com.br
A imagem 1 representa o nível de importância dos atores na tomada de
decisão (indicado pelo círculo vermelho). Quanto maior é o número da pontuação do
alvo, maior é sua influência no cenário internacional e consequentemente o menor
número representa atores sem expressão relevante. No caso apresentado por Escudé,
os Fundos de Investimento estariam na casa dos cinco ou seis pontos, enquanto a
Argentina poderia ser entendida na pontuação quatro ou três.
O realismo periférico explica que a tendência dos atores periféricos é
entender que os outros tem maior expressão na tomada de decisão. Portanto, para
alcançar seus objetivos, precisa buscar mais pontos - seja somando: por meio de
engrandecimento da dependência deste; ou agregando pontos de atores parceiros.
Esta análise reflete no objetivo da presidente Cristina Kirchner de atrair
apoio internacional de países que tem dívidas com os Fundos de Investimentos, para
“somar pontos” e ter mais força na disputa. Países como o Brasil apoiaram
publicamente a presidente argentina, mas isto não foi suficiente para pressionar os
fundos de investimento.
18
A negociação entre as partes não foi fácil. A justificativa apresentada pelo
autor é de que os beneficiários não estariam dispostos a abrir mão de seus interesses e
impostos prometidos ainda em 2001.(LABORDA, Fernando)
3. DESENVOLVIMENTO
3.1. O Kirchnerismo e a Degradação Institucional Argentina
3.1.1. O Kirchnerismo;
A ruptura do pensamento peronista14 nas eleições de 2003, alinhado com a crise
econômica instaurada em 2001, foi palco da inserção do casal Nestor e Cristina
Kirchner na Casa Rosada. Na política desde os anos setenta, os Kirchners lideraram o
movimento do peronismo combativo durante o período universitário de suas vidas,
integrando assim o grupo Juventude Peronista.
...si se tiene en cuenta que la rivalidad entre el peronismo combativo y el
"participacionista" se convertiría en el principal clivaje del movimiento. Con el
paso del tiempo, estos dos grupos cambiarían de nombre pero siempre,
manteniéndose dentro de una misma línea de oposición entre un peronismo de
lucha o revolucionario y la burocracia sindical o burguesía peronista. (ROJO)
O termo “Kirchnerismo” remete ao período ininterrupto, desde 2003, de eleição
de Néstor Kirchner, falecido em 2010, e de Cristina Kirchner. Este pensamento político
é decorrente de um movimento nascido do peronismo de esquerda caracterizado pelo
rompimento com o idealismo neoliberal do peronismo de direita. O aumento das taxas
de crescimento argentino foram reflexos dos esforços para consolidar uma classe
burguesa nacional, criar programas sociais voltados ao grupo menos favorecidos,
enfrentamento feroz com o patronato e a mídia privada.
14
Entende-se como período peronista os anos de 1946 a 2003, marcando seu fim com a saída de
Duhalde e a entrada de Nestor Kirchner
19
Em 2003 foi o primeiro ano da década que a Argentina pôde experimentar um
aumento na sua taxa de crescimento do PIB. As políticas econômicas adotadas por
Roberto Lavagna na época Ministro de Economia e Produção, surtiram efeito. Dentre
essas ações, estão a renegociação da dívida externa 15 com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e com os credores internacionais, tais como os Fundos de
Investimentos.
O Produto Interno Bruto da Argentina retoma seu crescimento no mesmo ano
em que Néstor Kirchner assume a presidência do país. O retorno do desenvolvimento
estável foi bem recebido pela população, aumentando os índices de popularidade do
kirchnerismo. Três pilares desenharam a retomada de crescimento do país: a
renegociação da dívida externa, a política econômica em geral e a política externa do
país. Com a adoção destas medidas o presidente eleito no segundo turno, sem
enfrentar nenhum candidato, superou as expectativas de qualquer analista.
A inflação foi balanceada com aumento do salário mínimo em 20%. Kirchner
chegou a obter 57,3% de aprovação popular. Com a aproximação a Luís Inácio Lula da
Silva, Michelle Bachelet e Hugo Chavez, o processo de renegociação das dívidas se
tornou mais sutil.
O ano de maior bonança para a Néstor Kirchenr foi 2006, quando o
crescimento econômico argentino acompanhou o índice de popularidade do governo. O
desemprego caiu de 17,3% em 2003, para 8,7% em 2006 e a balança comercial teve
um aumento de aproximadamente 68%.
O
Kirchnerismo em primeiro momento, se desviou da corrente de
pensamento do peronismo, criando um estilo próprio de socialdemocracia, nacionalista,
com políticas de “boa vizinhança”, porém deixando a desejar na tomada de decisões
democráticas.
A principal ressalva contra os Kirchners é a falta de respeito com as opiniões
adversas. O sentimento de mandar e ordenar cega, até o presente momento, a
possibilidade de negociação e tomadas de decisões democráticas. Esta forma de reagir
15
A moratória da dívida externa foi declarada pelo ex-presidente Rodríguez Saa, que sucedeu Antonio
De la Rúa e ficou menos de um mês no poder. O fugaz mandatário foi sucedido por Eduardo Duhalde.
20
a novas propostas ou questionamentos, gerou revolta dentro do partido Justicialista, ao
qual os Kirchners pertenciam, criando um sentimento peronista anti-k16.
Em 28 de outubro de 2007, Cristina toma posse como primeira mulher
presidente da Argentina. Eleita com 44,77% dos votos, mais do que seu marido quando
eleito em 2003, se propôs a manter o modelo econômico e político já estabelecido.
Porém, logo no primeiro período de governo, o crescimento econômico e
desenvolvimento avançado começa a se deteriorar. A gestão atual não estava
preparada para gerir uma situação grave de crise, como foi a “Grande Depressão”.
Em 2008, os governantes receberam fortes críticas na forma de gestão do
país, principalmente pelas decisões relacionadas ao campo econômico. A Presidenta
Kirchner não soube lidar com as greves agrárias e trabalhistas, gerando um impacto
negativo na situação econômica do país. Estes atos de rebeldia dos agricultores foram
uma resposta ao aumento da taxa de juros na produção de soja e girassóis. Em
resposta, medida do governo foi elevar a taxa de 35% para mais de 40%, deixando
vários pequenos e médios produtores sem margem de lucro. Neste ano houve uma
forte crise alimentícia, sintoma da situação crítica mundial.
Desde o início da era Kirchner, os governantes foram contra os princípios
das políticas neoliberais
compreendido
entre
17
2003
. As políticas econômicas desenvolvidas no período
e
2014
condizem
com
um
aprimoramento
do
desenvolvimentismo industrial. Dentro do cenário sul-americano, a Argentina tem
apoiado discursivamente o fortalecimento do Mercosul. Contudo, a sua obsessão pelo
autodesenvolvimento do bloco tornou-se um problema para os outros países membros.
O Brasil, maior interessado na conclusão do acordo entre União Europeia e Mercosul,
enfrenta dificuldades pelo fato do kirchnerismo pregar o desenvolvimento de políticas
protecionista de desenvolvimento econômico.18
16
Este termo se refere à palavra Anti-kirchnerista
Durante o período de recuperação econômica argentina, o desenvolvimento da indústria na região foi
prioridade do governo, crendo que a abertura para novos mercados poderiam quebrar as indústrias
nacionais, uma vez que o crescimento econômico do mundo estava acelerado.
18 O governo brasileiro é o principal mediador das conversas entre o Mercosul e a União Europeia, em
diversos discursos oficiais a vontade de finalizar um acordo com este bloco está explicita
17
21
3.1.2. A crise do modelo político Argentino
Para compreender o estado atual da crise política que vive a Argentina, é
necessário enumerar os principais motivadores desta situação. Dentre estes fatores
estão: O calote de 2001; restrições de compra de dólar; inflação alta e dados
maquiados; derrota política, doença e reforma; mudança do perfil de Cristina Kirchner;
sucessão ameaçada em 2015; protestos de policiais e saques; a 'guerra' contra o
Clarín; crise longa e futuro preocupante.
O megacalote de 2001
Em 2001, Adolfo Rodríguez Saá, presidente por 8 dias, anunciou um calote
da dívida pública argentina, que rondava os US$100 bilhões. Esta medida, e a
repentina mudança de governante poucos dias depois, abalaram a confiança dos
investidores,
afastando empresas estrangeiras e
dificultando negociações de
empréstimos internacionais. O único recurso de entrada de dólar no país eram as
exportações do agronegócio, com a ressalva de que a venda de grãos e carnes
também caiu.
Imagem 2 - Razão de Guidotti dos países do BRIC e Mercosul entre 2000 e 2009.*
Fonte: GOLLO, Romário de Souza; Análise do nível de reservas internacionais dos países
emergentes de 2000 a 2010.
Esta situação dificultou a possibilidade de financiar as suas contas externas,
com isso as reservas internacionais se mantiveram baixas até 2006. Neste ano o
22
governo conseguiu elevar a Razão de Guidotti19 a pelo menos um, que é considerado
um número baixo para um país que almeja maior representatividade no cenário
internacional. De acordo com dados do Banco Mundial, neste período as reservas que
protegeriam o país das fortes consequências de uma crise, caíram de US$43 bilhões
para US$30 bilhões em menos de um ano.
Néstor Kirchner tentou recuperar a credibilidade argentina em 2005,
oferecendo aos fundos prejudicados pelo calote, pagamentos com descontos acima de
70%, sendo repassados em 30 anos. Apenas 7% dos credores não aceitaram a
negociação, então o processo corre em instâncias jurídicas internacionais. Não se
poder retirar o mérito de uma estratégia argentina bem sucedida, portanto a crise
estourada em 2001 ainda não foi resolvida totalmente e o desenrolar desta situação
será detalhada neste trabalho.
Restrições de compra de dólar
A diminuição de entrada de recursos e investimentos externos no país
resultou em uma política de aumento tributário nas transações econômicas internas. O
objetivo desta medida era aumentar as reservas em moedas estrangeiras nos cofres
nacionais.
O governo argentino tentou bloquear, ou pelo menos reduzir, a saída de
dólares do país com medidas impopulares como: Aumento dos impostos sobre o cartão
de crédito no exterior, impôs restrições para o e-commerce e passou a exigir a
aprovação de compra de dólar para turismo do Banco Central Argentino. Com a falta de
dólares circulando na Argentina, o peso argentino bateu uma queda expressiva e 11%
em janeiro de 2002, com a cotação de oito pesos por dólar americano.
O mercado paralelo de venda de dólares chegou a cobrar 10 pesos por um
dólar, sendo chamado popularmente como “Dólar Messi” em referência a camisa de um
dos melhores jogadores de futebol do mundo e ídolo nacional. Esse cenário criou um
sentimento de insegurança em relação ao sistema financeiro do país. A resposta da
19
A Razão de Guidotti é o calculo que mede as reservas internacionais de um país, e é calculado pela
medida de liquidez reservas, dividida pela dívida externa de curto prazo
23
população para isso foi retirar do dinheiro das poupanças, juntar e guardar os dólares
em casa, o que fez disparar ainda mais o preço da moeda no país, batendo o preço de
13 pesos, para desespero do governo.
Outro grande afetado com estas medidas impopulares argentinas foram as
grandes empresas como a Fiat, que teve de interromper a sua fábrica por falta de peças
de automóveis. Com o intuito de manter a balança comercial positiva, o governo
obrigava as empresas a ter uma politica de compensação, ou seja, o quanto a empresa
importar, ela devia pelo menos exportar também.
Inflação em alta e dados maquiados
A pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec),
órgão similar ao Ipea no Brasil, afirmou que a inflação no país fechou em 10,9% em
2013. Porém, outros institutos particulares, suspeitam que os números estão sendo
maquiados para esconder informações da população. De acordo com estes institutos, a
inflação anual foi de pelo menos 28%. Fato que comprova esta informação é o aumento
cedido pelo governo aos caminhoneiros neste ano, de 25%. Até mesmo o próprio
governo assume que os 10,9% estão fora da realidade argentina atual.
De certa forma, a crise de 2001 nunca foi resolvida totalmente, pois parte dos
credores não aceitou o calote e foi para a Justiça, o que impede até hoje o país
de levantar fundos internacionais de ajuda. (TREVISAN)
Para ressalvar este fato, o Conselho Executivo do Fundo Monetário
Internacional (FMI) emitiu uma nota, declarando que este organismo internacional
censura as informações enviadas pelo governo argentino, por considerar que a
qualidade das informações são baixas.
O governo tentou segurar o crescimento da inflação congelando e tabelando
cerca de 500 produtos. A Argentina, que sempre foi uma das maiores exportadoras de
commodities, teve que importar tomates do Brasil afim de suprir o mercado em crise no
país, objetivando a contenção da alta de preços.
Derrota política, doença e reforma ministerial
24
Dentro do cenário político argentino, a primeira derrota significativa para o
Kirchnerismo foi a perda nas eleições legislativas em 2012 nos principais distritos,
apesar de garantir a maioria no Congresso. Com isso, a possibilidade de uma reforma
política durante o governo de Cristina Kirchner, ponto forte da reeleição da presidente
em 2011, se torna quase impossível.
O fato da presidente ter passado por uma cirurgia de drenagem de uma
hematoma cerebral, durante a campanha de 2011, e entendendo que este fato recebeu
apelo popular, é possível ligarmos a reeleição dela com o estado momentâneo de
saúde. A verdade é que neste período as incertezas políticas, econômicas e sociais
eram tão grandes, que em uma situação “sadia”, possivelmente Cristina não seria
reeleita.
Em resposta ao péssimo resultado nas urnas em 2013, a presidente
surpreendeu com o anúncio dos novos ministros da Economia, Axel Kicillof, e da
Agricultura, Carlos Casamiquela. Analistas políticos entenderam o sinal como uma
aproximação entre as pastas e a presidência, pois ambos novos ministros são ligados
diretamente à presidente, vide mapa apresentado como anexo I deste trabalho. Em
uma situação crítica para a política kirchnerista, a melhor estratégia foi trazer um dos
seus principais aliados para mais perto, protegendo assim outras influências na Casa
Rosada.
Mudança de perfil
Com o fim da reforma dos ministérios em 2013, Cristina se isolou por cerca
de um mês, fato que gerou estranheza para a população. A presidente sempre possuiu
um perfil mais próximo ao povo, com várias declarações para jornais e televisões, uma
personalidade midiática.
O “sumiço” foi encarado como um grande momento de autorreflexão do
modelo politico implementado. O ex-embaixador brasileiro na Argentina, Cristina
25
Kirchner percebeu que o projeto político, derivado da gestão kirchnerista, estava
esgotado.(AZAMBUJA, Marcos)20
"Ninguém acredita no que sai da boca dela [Cristina]. Há uma presunção de que
tudo é uma mentira. Agora ela se deu conta que tem menos tempo, menos
prestígio e menos pano de onde cortar. O que faz ela sobreviver é que na
Argentina não há alternativa ao peronismo". (AZAMBUJA)
As palavras da presidente argentina perderam valor no mercado após
mentiras sistemática dos números da economia para agentes internacionais. A reforma
ministerial, medida inesperada para o momento, foi um indicativo forte que Cristina tem
se preocupado cada vez mais com a manutenção do seu partido na “Casa Rosada”.
Descontinuação do Kirchnerismo
Os principais candidatos da oposição são Sergio Massa, ex-prefeito da província
de Tigre e atual deputado pela capital Buenos Aires, e Mauricio Macri, atual prefeito de
Buenos Aires. Apesar de hoje serem parte da oposição do governo, a pouco tempo os
presidenciáveis seguiam a mesma linha política e econômica da gestão kirchnerista.
Pelo fato da base governista não ter um candidato forte o suficiente que
possa assumir o posto de “sucessor de Cristina Kirchner” a oposição poderá ter uma
eleição fácil. Porém, ambos os candidatos não apresentam nada novo ao país, mais
mudanças no estilo de governar do que grandes reformas políticas.
"A ideia geral é que o kirchnerismo sai em 2015. Eles não têm um candidato
que seja viável eleitoralmente. Isso só seria possível se a situação estivesse
muito boa, como foi o caso de Lula e Dilma no Brasil em 2010. Para construir
um candidato viável, é preciso gerar melhoras. E esse ano vai ser um ano de
baixo crescimento" (AYERBE)
Complementando o discurso do professor Luis Fernando Ayerbe, o exembaixador Carlos Azambuja afirma que o peronismo “é uma grande ameba”, pois varia
entre um governo de esquerda e direita, dependendo da sua vontade, porém continua
20
Este foi o parecer apresentado pelo Emb. Azambuja em uma palestra para o IREL da UnB em 2014.
26
sendo a força motriz da Argentina. Segundo ele, a “ameba” se torna algo entre
nacionalismo, populismo e estadismo “com doses maciça de corrupção”.
Os anos de 2013 e 2014 foram anos complicados para o Kirchnerismo,
principalmente relebrando os protestos que ocorreram. Os desfechos dessas situações
afetaram a aprovação do governo. Dois grandes momentos foram marcantes no país,
primeiramente com a greve dos policiais e depois as “marchas do silencio”.
Logo após o retorno de Cristina Kirchner de sua licença por complicações
médicas, a situação política parecia estar se encaminhando a um momento de
desenvolvimento sem dificuldades. Foi justamente quando começou a greve dos
policiais em todo o país e aumentaram os índices de saques,. Portanto, aumentou
também o receio da população em sair de suas próprias casas na iminência de um
assalto.. Foram cerca de 40 horas de demasiado medo para os argentinos.
Em 2014, a grande marcha do silêncio marcou os protestos contra a morte
do promotor Alberto Nisman, cerca de 1 milhão de pessoas foram às ruas. Neste
momento marcante, todos os manifestantes, convocados pelos promotores de justiça,
caminharam em silêncio pelas grandes capitais argentinas. A morte de Nisman ocorreu
logo após a denúncia de que Cristina Kirchner acobertou iranianos no atentado contra
uma associação judaica em 1994, deixando 85 mortos e 300 feridos, sendo registrado
como o pior da história do país.
Os argentinos estão bastante insatisfeitos com a situação do país, que ruma
rapidamente para se tornar uma Venezuela, com produtos importados sumindo
das prateleiras e as pessoas impedidas de comprar dólares. Agora as empresas
também estão irritadas com a falta de dólares no Banco Central (BC), que já
avisou que não vai mais liberar divisas para as importações. (LANDIM, 2014,
Até quando Cristina Kirchner fica no poder? Folha de São Paulo)
Analisando estes e outros protestos, é possível ver sentimento de
descontentamento generalizado com a atual presidente, inclusive muitos analistas se
questionam como ela foi reeleita em 2011.
27
3.2. HEDGE FUNDS CONCEITO E RELEVÂNCIA PARA A ECONOMIA
INTERNACIONAL
3.2.1. Entendendo o Conceito de Fundos de Hedge;
Atualmente a riqueza privada mundial está, em sua maioria, investida em
ativos internacionais, vinculado à esfera financeira, que por sua vez é mobilizada
através de estratégias de curto prazo de variados atores. Dentre estes estão os
gestores dos fundos de hedge, fundos de pensão, bancos entre outros agentes
financeiros. A atração dos investimentos é condicionada à atração de influxos de
capitais, podendo ser aplicadas em atividades produtivas ou em políticas sociais.
Nestes termos surgem os hedge funds, ampliando os riscos sistêmicos e a
instabilidade do hipertrofiado sistema financeiro internacional. Os países latinoamericanos, como a Argentina e o Brasil nos anos de 1990, e do Caribe, como Jamaica
e Porto Rico na década de 2000, se debruçaram sobre a dependência estrutural dos
influxos de capitais voláteis com o intuito de financiar os seus esforços de crescimento.
O risco sistemático é o risco do mercado como um todo ou a um segmento
específico que não se pode diversificar. Todos os investidores e empresas
estão expostos ao risco sistemático, que pode advir de fatores externos não
controláveis, como decisões políticas, flutuação das taxas de juro, forças da
natureza, recessões e depressões económicas. (NOGUEIRA)
O risco sistêmico avalia o grau de probabilidade e consequências negativas
para o corpo maior. O termo “sistêmico” é comumente utilizado em discussões voltadas
ao cenário da crise econômica, como a crise das hipotecas subprime, em 2008. O risco
sistêmico de uma instituição financeira é a possibilidade de existir uma intervenção do
governo, uma vez que o cenário está altamente negativo para a economia. A
vulnerabilidade deste sistema altamente correlacionado entre o risco sistêmico e o
28
governo dos EUA, é uma preocupação e é vastamente debatido de forma a abordar
uma reforma regulamentar a estes serviços financeiros.
Os fundos de hedge são credores internacionais que, por meio de
modalidades diferenciadas de aplicações financeiras, garantem o sucesso do
investimento.2122 Os fundos tratados neste trabalho estão principalmente sediados no
estado de Nova York nos Estados Unidos da América (EUA) .
Os fundos de investimento tem uma função muito importante no cenário
econômico
mundial,
como
atores
internacionais
capazes
de
interferir
no
desenvolvimento dos países. Eles representam uma parcela do capital financeiro
mundial, contudo, a capacidade de ampliação do risco sistêmico deste grupo é
significante. Estes podem produzir abalos significativos na vulnerável configuração no
sistema financeiro internacional23.
Os fundos de investimentos apresentam uma forte tendência de ações no
mercado financeiro internacional, sinalizando os principais movimentos dos capitais.
Estes podem ser apresentados como potenciais desencadeadores de instabilidades de
pagamentos vinculados aos outros agentes financeiros.
O mercado de capitais pode perder sua estabilidade no momento em que os
hedge funds apresentam comportamento de manada, fazendo grandes movimentações
especulativas contra commodities, moedas e outros ativos. Também poderá afligir este
mercado caso aconteça uma falha na estratégia de gestão, que compromete o capital
dos credores destes fundos.
As operações feitas pelos fundos estão fora da lógica normal da Economia
Política Internacional de que o comércio, as finanças e as políticas estatais que
influenciam a economia. A atuação deste ator privado é feita por meio da oferta de
liquidez aos atores estatais e portanto também afeta significativamente o capital
financeiro.
21
http://www.infomoney.com.br/educacao/guias/noticia/412945/hedge-funds-sem-misterios-entenda-quesao-como-funcionam
22 http://www.eurekahedge.com/database/faq.asp#1
23 http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/senior/RESUMOS/resumo_559.html
29
3.2.2. Influência dos Fundos de Hedge no cenário Político Argentino
A Argentina é mais um país no mundo que é dependente do investimento do
capital estrangeiro para que seja possível melhorias na infraestrutura, principalmente.
Afim de garantir segurança aos investidores, foram criados alguns indicadores de
confiabilidade
dos
países,
como
por
exemplo
o
Standard
&
Poor's
Service, Moody's Investors Service e Fitch Ratings. Cada um destes possui sua forma
de calcular os riscos de investir nos países e tem sido grandes aliados dos grandes
investidores mundiais.
Como podemos ver na Figura 1, a classificação no período da crise de 2002,
foi a mais baixa na história da Argentina, ocasionada pela declaração do default
naquela época. O risco Ca, como está explicado na Figura 2, é a segunda pior
classificação que um Estado pode ter. É qualificado o país que tem alta possibilidade de
inadimplência e baixo interesse pelo retorno financeiro para o agente investidor.
Atualmente a Argentina se encontra em uma posição um pouco melhor do que em
2002, porém ainda abaixo do nível ideal de confiabilidade.
Após oito anos consecutivos mantendo um padrão B ( médio risco), em
2014, com o fim do prazo de pagamento dos vencimentos vinculados aos Fundos de
Investimentos dos Estados Unidos, o país volta ao status de padrão C ( alto risco).
O impacto deste mal desempenho foi amenizado com a tentativa de
pagamento aos fundos que aceitaram os valores da negociação. Em 2014, a Casa
Rosada emitiu o pagamento da dívida para parte dos credores, indo contra a indicação
do juiz Tomás Grieza, O juiz havia informado que, caso isto ocorresse, os valores
seriam congelados até que se chegasse a uma conclusão que agrade todos os
envolvidos. O depósito de US$ 832 milhões foi feito e como afirmado pelo Dr. Grieza,
os bens foram travados pela justiça de Nova York, NY. A atitude de tentativa de
pagamento foi vista com bons olhos pelo mercado, reduzindo o abalo na bolsa Merval
de Buenos Aires do Default.
Interessante ressaltar a falta de participação dos políticos argentinos na
questão. Pouco foi discutido pelos partidos, deixando que a articulação com os Fundos
30
fosse feita pela Presidente e por Axel Kicillof, Ministro da Economia. Como apresentado
no Anexo 1, a relação entre os dois atores é muito forte, o ministro é considerado o
braço direito de Kirchner. Com esta postura bem desenhada, podemos entender que o
governo está preocupado com os impactos imediatos da crise, portanto prefere seguir
em apoio ao manifesto popular.
Em vários momentos é possível ver a retaliação da população contra os
Fundos de hedge, em passeatas, manifestações em locais públicos e na principalmente
na internet. Este acabaram por receber a denominação de “Fundos Buitre”, traduzindo
ao português, Fundos Abutres. Esta denominação é justificada pelo fato dos fundos
investirem em empresas ou países a beira da falência, com o intuito de ressuscitá-los
no longo prazo.
3.2.3. Cláusula RUFO e suas consequências políticas
O problema analisado neste trabalho tem seu agravante na principal cláusula
do acordo entre os investidores e o governo argentino. A cláusula RUFO (Right Upon
Future Offers)24 tem o objetivo de garantir igualdades de tratamento entre os atores
envolvidos no contrato em caso de ofertas futuras de renegociação.
Neste caso, a aplicação da cláusula implica em garantir a proporcionalidade
do pagamento, com a mesma taxa de conversão. Uma vez que o valor pago é maior
para um credor, ele se torna obrigatório para os outros também. O valor oferecido para
os fundos foi de cerca de 20 centavos de dólar a cada US$1,00 investido na Argentina.
Aproximadamente 92,4% dos credores aceitaram a negociação, porém outros 7,6% não
se colocaram a disposição de perder mais de 75% do valor investido (o valor final não
foi divulgado ainda, pois devem ser somados os juros e impostos aplicados). De acordo
com as condições garantidas com a RUFO, se outro valor for acertado com a minoria
dos fundos credores, este valor passará a valer para todos os outros envolvidos na
situação.
24
http://www.economist.com/blogs/americasview/2014/06/argentina-and-hold-outs
31
A solução para esta situação está descrita no próprio acordo, a cláusula tem
um prazo de execução de até o dia 31 de dezembro de 2014, ou seja, caso não tenha
sido acordado nenhum valor diferente entre as partes, ao fim deste acordo, o governo
teria liberdade de negociar valores distintos para os investidores. Caso a Argentina
fosse obrigada a pagar 100% do valor para alguns dos fundos antes desse prazo, o
montante final seria de aproximadamente US$120 bilhões, quatro vezes mais do que as
reservas disponíveis do país, sendo assim impossível para o país honrar o custo de
débito.2526
A cláusula RUFO levantou uma grande discussão no cenário nacional,
aceitar o calote até esta cláusula vencer e ser taxado de um país “caloteiro” ou honrar
as dívidas e quebrar o país mais uma vez? A voz popular pouco se importou com a
repercussão internacional deste caso, a sua preferencia sempre foi pelo bem estar dos
cidadãos mesmo que isso ocasione em uma situação crítica internacional. Fato é que
no primeiro momento pouco influenciaria a nominação de “mal pagador”, a crise vem
logo em seguida, com escassez de dólares no país, fim dos investimentos em obras de
infraestrutura, entre outras situações agravadas pela crise internacional.
A solução encontrada pela Sra. Kirchner foi buscar novos parceiros
econômicos que poderiam se beneficiar de uma relação instável com os Estados
Unidos da América. Esta medida resultou no Convênio Complementar de Cooperação
de Infraestrutura com a China. A criação deste não foi digerido pela oposição do
governo, por ter sido aprovada em caráter de urgência pelo Parlamento Argentino, na
capital Buenos Aires, no mês de dezembro, dois dias antes da festa de réveillon. O
convênio teve sua aprovação sem debate prévio no Senado, na última sessão do ano.
A oposição alega que o governo entregou os principais setores da economia
para o país asiático, que terá prioridades em áreas essenciais como energia,
mineração, agricultura e desenvolvimento de parques industriais. Dois artigos deste
convênio foram arduamente criticados. Primeiramente a entrega de todas as obras de
25
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,argentina-nao-chega-a-acordo-com-fundos-e-mediadorfala-em-calote,1536381
26 http://www.economist.com/news/americas/21637438-argentina-may-spurn-chance-settle-its-creditorslets-not-make-deal
32
infraestruturas para a China, sem a necessidade de passar por licitações, segundo foi a
criação de facilidades trabalhistas e profissionais aos empregados chineses que serão
transferidos para a Argentina. O valor estipulado dos acordos entre Pequim e Buenos
Aires gira em torno de US$7,5 bilhões 27 , um montante que na atual conjuntura
econômica e política seria quase improvável.
Outro país que se beneficiou da situação crítica da economia argentina foi a
Rússia. Após o encontro da Cúpula dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul), Vladmir Putin, presidente da Federação Russa viajou para a Argentina, com o
intuito de assinar alguns tratados com este país. Cerca de vinte acordos foram feitos,
sendo eles comerciais, militares, de comunicações, energia e cooperação nuclear para
bens pacíficos. A intensificação da relação entre os países foi decorrente de uma série
de restrições alimentícias, importadas de mais de dez países, redirecionando o
mercado para os produtos argentinos.
Em abril de 2015 a presidente argentina visitou o Kremlin, em Moscou, para
assinar o que foi chamada pelo presidente russo de “associação estratégica global”. O
objetivo era selar novos acordos na área de cooperação em energia nuclear e
hidroelétrica, proteção do meio ambiente e na luta contra o tráfico de drogas. Duas
visitas em menos de oito meses, asseguram a aproximação dos dois países
aproveitando as portas fechadas dos europeus e norte-americanos.
3.3. O passo a passo da Crise entre o Governo Argentino e os Fundos de
Hedge
3.3.1. A Negociação entre Governo Argentino e os Fundos
Em 2005, quando os primeiros sinais da possibilidade de um calote
apareceram, frente aos Fundos de Investimentos, a reação foi de uma série de
conversas com a presidente Cristina Kirchner e seu ministro da economia. Com o intuito
de proteger a imagem pública dos fundos e do governo, a proposta era encontrar a
27
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-china-desembarca-na-argentina-imp-,1621423
33
melhor forma de resolução desta crise sem a participação da mídia e da Corte de Nova
York.
Entre 2005 e 2010 houve uma divisão de interesses entre os fundos,
separando-os em adeptos a renegociação, aceitando o desconto do pagamento de
cerca de 70% do valor a ser devolvido, e os contrários a uma renegociação
desvalorizada (cerca de 7% dos fundos). Entre os fundos que não aceitaram a
negociação estão o NML Capital e o Aurelius, que não emprestaram dinheiro ao
governo porém adquiriam títulos argentinos, que segundo o país, pode render até
1.600% do valor investido.
Durante esse período, o governo acreditava que seria viável diminuir o
retorno financeiro ao patamar que era desejável, pouca importância foi dada dentro do
cenário político-econômico do país. Partidos, deputados, senadores entre outras figuras
públicas importantes não se manifestaram sobre o assunto por bastante tempo. Para
eles a negativa era temporária, pois os fundos não queriam perder o seu status para
com os seus investidores, que acreditam no poder de influência destas instituições, no
cenário nacional e internacional.
A credibilidade destas instituições são o seu maior Soft Power. Para atrair
novos investidores a depositar sua confiança em um investimento de risco e de longo
prazo, os fundos devem demonstrar retornos cada vez mais seguros e reais. Ninguém
investiria em uma organização que não soubesse escolher o destino do dinheiro do
aplicador, por isso o enfrentamento a este desconto no pagamento é positivo para
mídia do credor.
Às atuais relações interpessoais demonstram que o que afeta o bolso do
investidor inicial, não é facilmente digerido por ele, até mesmo quando existe uma
apelação para que um país, no caso a Argentina, não entre em um colapso econômico,
afetando milhares de vidas, trazendo mais miséria e desordem.
En este libro desarrollo una teoría sistémica del ‘Estado
parasitario’, un nuevo tipo de Estado hasta ahora no identificado
que vive del resto del mundo a la vez que se consume así mismo.”
(ESCUDÉ, 2005)
34
É importante correlacionar a obra de Carlos Escudé, El Estado Parasitario,
com a situação econômica vivida na Argentina. De acordo com os Fundos de Hedge,
este país vive do apoio financeiro do resto do mundo acabando por nunca honrar seus
vencimentos de forma digna, como defende a teoria de Carlos Escudé. Por outro lado
temos o discurso do ministro da economia, Axel Kicillof, onde acusa os Fundos de
serem parasitas de países em necessidade e portanto não se preocupar com o impacto
que pode causar, focando somente na realização financeira.28
Por fim, quem parasita quem nesta situação? Os argentinos por se
aproveitarem do dinheiro dos investidores externos, ou os fundos de investimento por
se aproveitarem de uma oportunidade para aumentar sua rentabilidade?
Entre 2010 e 2013, o grupo de fundos que não aceitaram a renegociação
buscaram alternativas para contornar esta situação, afim de não levar esta questão
para a Corte de Justiça de Nova York. A sua primeira investida foi a aproximação de
importantes empresários na Argentina que poderiam exercer uma certa influência nas
decisões a serem tomadas pela presidente argentina. A tentativa foi em vão: Cristina
Kirchner não abriu uma possibilidade de nova renegociação dos valores, afirmando não
ter condições de assumir essa responsabilidade.
No segundo momento, os Fundos de Hedge tentaram uma abordagem ao
governo argentino por meio de um ator conhecido na região da América do Sul como
intermediário de situações conflituosas, a República Federativa do Brasil. Convencer a
presidente kirchnerista a ceder aos desejos dos nova-iorquinos era uma tarefa que
somente poderia ser alcançada por uma presidente que estava dentro do círculo de
amizade e confiança de Kirchner. Portanto, o próximo passo seria convencer Dilma
Rousseff a atuar como intermediadora de um conflito, que poderia causar impactos
importantes na economia da região.
Apesar da formação em economia e sua representatividade na América
Latina, a mandatária brasileira não seria facilmente convencida por um pedido de uma
instituição norte-americana. Era necessária uma aproximação mais estruturada, com o
28
http://www.infolatam.com/2015/04/30/argentina-califica-de-parasitos-especializados-a-los-fondosbuitres/
35
apoio de um ministério essencial para este tipo de conversa. O então ministro da
fazenda na época, Guido Mantega, foi o escolhido para ser a ponte entre os fundos e a
presidente brasileira.
Uma série e conversas foram estabelecidas com o ministro Mantega, até
que, baseando-se em uma argumentação que poderia afetar ainda mais a economia do
Brasil, uma vez que a Argentina é um grande comprador regional de produtos
brasileiros, chegou-se a um consenso de que o calote argentino traria piora para o
cenário instável daquele momento. Apesar de Mantega não ser o mais influente
interlocutor com a presidência, o assunto chegou aos conhecimentos de Dilma
Rousseff.
A dúvida para a tomada de decisão do Brasil é: vale a pena arriscar um
relacionamento próspero com a Argentina por uma negociação, uma vez que é sabido
que as possibilidades de avanço são mínimas e a resposta negativa da Casa Rosada é
a mais provável resposta que será obtida?
Mantendo a postura política de Dilma Rousseff perante o Mercosul e com
países vizinhos, a conversa entre as presidentes foi tradada por fora dos meios
convencionais e midiáticos. Apesar do aconselhamento brasileiro, Cristina Fernandez
Kirchner manteve seu posicionamento, e mais uma vez não aceitou a proposta de uma
rediscussão dos valores da dívida.
Daniel Pollack, um ator de importante destaque nesta negociação, mediou as
conversas entre os Fundos de Investimentos e o governo argentino. O advogado tem
em seu currículo diversas ações pró fundos de investimentos, o que garante ao litígio
uma inclinação à defesa do ator privado. De acordo com o mediador, a Argentina
escolheu em diversos momentos o déficit ao invés de “soluções criativas” para o caso,
por isso sofrerá fortes problemas econômicos nos próximos meses. Impossível analisar
quais soluções seriam estas, tendo em vista que a negociação foi secreta.
Até o momento, a estratégia do governo argentino foi aguardar os “fundos
abutres” acatarem o seu pedido de renegociação dos valores, entendo a
impossibilidade do Estado em cumprir com o acordo inicial. Contudo a condução das
negociações coordenadas pelo ministro da economia, acarretou em um sintoma
contrário do esperado. Tendo em vista que as tratativas eram inúteis, os credores
36
entraram com pedido na Corte de Justiça de Nova York para garantir seus direitos e
obter o seu retorno financeiro.
Na construção do contrato internacional entre as partes, a escolha da Corte
de Justiça de Nova York foi previamente acordada para que esta solucionasse qualquer
litígio que houvesse entre os signatários. Desde já podemos observar que o ambiente
não é propício para os argentinos, pois, a condução da negociação esta sendo feita por
um advogado americano que já defendeu causas a favor dos fundos de investimento, e
a legislação aplicável para qualquer problema é do mesmo país e estado, de onde são
provenientes os fundos de investimento, que por sua vez possui grande influência
política no órgão.
Os fundos possuem um trabalho de lobby forte no cenário político dos
Estados Unidos, os investimentos em infraestrutura são muito bem quistos pelo
congresso norte-americano, isto garante a eles, grande força política.
3.3.2. A ação dos Fundos de Hedge na Corte de Justiça de Nova York
No ano de 2012, os fundos de investimentos que não aceitaram a
renegociação da dívida, entraram com um processo na Justiça dos Estados Unidos da
América, afim de garantir o cumprimento do contrato. No mesmo ano, a decisão do
caso foi feita pelo juiz Thomas Griesa, que conduziu o processo até o fim do
julgamento. A palavra de ordem de Griesa era que a Argentina deveria pagar os US$
1,33 bilhão ao NML Capital e ao Aurelius.
Descontentes com a decisão do juiz, entendendo-a como uma ordem muito
prejudicial ao país, o governo argentino entrou com uma apelação no Tribunal de
Apelações de Nova York, buscando uma nova solução para o caso. Várias rodadas de
negociações foram abertas entre as partes, mas todas foram pouco produtivas. Em um
dos discursos de Axel Kicillof, ele retratou o momento como uma reunião com
terroristas, que não entendiam a dimensão dos valores pedidos e as consequências
que isto poderia trazer para um país democrático.
As tratativas foram em vão, já que nenhuma das partes aceitou ceder à
pressão da outra. Em 19 de maio de 2014, com o fim do prazo das negociações, outra
37
decisão foi tomada em favor dos Fundos de Hedge. Após chegar na instância máxima
da justiça norte-americana, a Argentina foi condenada a pagar pelos dividendos
integralmente até o dia 30 de junho de 2014.
Sem condições para fazer o pagamento desta dívida, outra preocupação
rodeou os representantes argentinos, a cláusula RUFO. Como já explicada
anteriormente, esta cláusula escrita nos contratos com todos os fundos, garante
pagamento igual todos aos fundos negociados naquele período, portanto se a Argentina
pagasse o valor integral para os dois fundos citados acima (NML Capital e Aurelius), os
outros 93% dos credores poderiam pedir o pagamento integral. Importante frisar que a
cláusula tem um período de validade até o primeiro dia de janeiro de 2015.
Como forma de tentar driblar este percalço, no dia 26 de junho de 2014, a
Argentina enviou um pagamento de US$ 832 milhões para os fundos que aceitaram
anteriormente a renegociação, por meio do Bank New York Mellon. O intuito era honrar
com seus débitos antes do prazo máximo de pagamento, e não ser taxado como um
novo calote. Porém, o pagamento foi retido pela justiça.
Thomas Griesa emitiu uma liminar no dia 27 de junho de 2014, afirmando
que o pagamento era ilegal e portanto bloqueou o repasse da verba para os cofres dos
entes privados. Segundo o entendimento do jurista, o país somente poderia fazer tal
pagamento quando honrar também os pagamentos dos que exigem receber o valor
sem descontos ou parcelas. Caso esta ação seja executada o governo argentino teria
que repassar cerca de US$166 bilhões, sendo que as reservas deste país são de
US$28 bilhões.
No dia primeiro de julho de 2014, a Justiça de Nova York declarou um calote
técnico. Este termo se refere ao fato de que a Argentina tem possibilidade de pagar o
que esta sendo exigido (não considerando que os outros atores pediriam a igualdade
dos valores pagos), porém não o faz com temor da aplicação da RUFO.
No dia 30 de setembro de 2014 o governo Argentino transferiu cerca de US$
161 milhões para o pagamento de um novo vencimento de dívida aos credores que
aceitaram a renegociação. Este, porém, não foi bloqueado pela Justiça de Nova York.
Isto é decorrente de um plano complexo criado pelo governo argentino, que conseguiu
38
a aprovação de uma lei no congresso, sancionada pela presidente Kirchner, para mudar
o interlocutor do pagamento de Nova York para Buenos Aires, ou seja, substituíram o
Bank New York Mellon pelo Banco La Nación. Uma vez que a Corte não tem jurisdição
para julgar atos fora do país, o pagamento foi feito para cumprir vencimentos de bônus
reestruturados em trocas de dívida de 2005 para 2010.
“A Argentina vai tentar protelar judicialmente a execução desta decisão e tentar
manobrar politicamente, inclusive em instâncias que não necessariamente tem a
ver com a corte americana, como a Organização das Nações Unidas (ONU). Ela
vai ter que falar que não tem dinheiro, mas que quer pagar e negociar. Esta é
única saída” (DE SOUZA)
A saída para o governo argentino agora, em relação aos fundos NML Capital
e Aurelius, é levar esta discussão a foros internacionais, como a Organização das
Nações Unidas, e para a Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda. Como
citado pelo professor José Maria de Souza Junior, Cristina Kirchner terá que apelar para
uma jogada emocional, afirmando que quer pagar, mas não tem condições caso estas
medidas sejam aplicadas.
4. CONCLUSÃO
O processo de negociação entre os Fundos de Hedge e a Argentina, é
certamente mais um caso complexo, que dificilmente terá uma resolução positiva para
as duas partes. As conversas chegaram a um estágio desgastado, as trocas de
acusações de ambas as partes tem prejudicado bastante o diálogo. Para o público que
assiste e acompanha este debate, a Argentina esta sendo taxada de mal pagadora e os
Fundos de Investimento como Fundos Abutres, referindo ao fato de se aproveitarem de
Estados falidos para ganhar dinheiro.
Seguindo a linha de raciocínio do professor José Niemeyer, o problema
macroeconômico que se vive terá uma solução diferente, uma vez que nenhum ator
nacional ou internacional pode forçar à Argentina a fazer o pagamento de suas dívidas.
Caso o calote seja confirmado, seguramente haverá sansões econômicas e
39
dependendo políticas, mas reaver o dinheiro investido não é uma situação de total
certeza.
Até o momento, poucos países se manifestaram contrários ou favoráveis às
ambições argentinas. Por isso, Cristina Fernandez Kirchner utilizou-se do discurso de
abertura da 69ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 2014 para
expor o caso e pedir a criação de um grupo de países, afim de legislar e criar acordos
para proteção dos Estados devedores.
A expectativa de Cristina Kirchner é a criação de um marco regulatório, que
possa se debruçar sobre a reestruturação de dívidas soberanas. Seu discurso foi
aplaudido veemente principalmente pelos países sul-americanos e africanos. Contudo
até o início de 2015 pouco foi tratado sobre o assunto e provavelmente será algo que
demorará bastante a ser concretizado.
Por fim, todo esse processo demorado é benéfico para a Argentina, que
pôde esperar o fim da obrigatoriedade da Cláusula RUFO (dia 31 de dezembro de
2014), e agora pode renegociar um valor mais alto com os 7% dos fundos e continuar a
pagar o valor previamente acordado com os outros 93%. O julgamento está na última
instância possível, a Corte Internacional de Justiça de Haia. Não existem previsões para
o fim deste imbróglio, porém, a Argentina ainda manterá o selo do calote de 2014 até
que se mude o status ou faça os pagamentos.
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6. ANEXO
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