UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN CAMPUS AVANÇADO PROF.ª “MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM LETRAS – PPGL MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO DISCURSO E DO TEXTO LINHA DE PESQUISA: TEXTO, ENSINO E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS. OS USOS DOS VERBOS VENDER E ALUGAR EM ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE JORNAL IMPRESSO Ana Alice de Freitas Neta Araújo Pau dos Ferros/RN 2012 ANA ALICE DE FREITAS NETA ARAÚJO OS USOS DOS VERBOS VENDER E ALUGAR EM ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE JORNAL IMPRESSO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Maria Bessa Vidal Pau dos Ferros/RN 2012 Catalogação da Publicação na Fonte. Araújo, Ana Alice de Freitas Neta. Os usos dos verbos vender e alugar em anúncios classificados de jornal impresso. / Ana Alice de Freitas Neta Araújo. – Pau dos Ferros, RN, 2012. 108 f. Orientador (a): Prof.ª Dra. Rosângela Maria Bessa Vidal. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Departamento de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras. Área de Concentração: Estudos do Discurso e do Texto. 1. Funcionalismo – Linguística – Dissertação. 2. Gramática – Dissertação. 3. Flexão Verbal – Dissertação. 4. Vender – Verbo – Dissertação. 5. Alugar – Verbo – Dissertação. I. Vidal, Rosângela Maria Bessa. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.Título. UERN/BC Bibliotecário: Tiago Emanuel Maia Freire / CRB - 15/449 CDD 401.41 ANA ALICE DE FREITAS NETA ARAÚJO OS USOS DOS VERBOS VENDER E ALUGAR EM ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE JORNAL IMPRESSO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Mestre em Letras pela: _______________________________________ Profa. Dra. Rosângela Maria Bessa Vidal - UERN Presidente da Banca __________________________________ Prof. Dr. Edvaldo Balduino Bispo – UFRN Examinador Externo _____________________________________ Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes - UERN Examinador ________________________________________________ Profa. Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa - UERN Suplente Pau dos Ferros/RN 2012 Dedicatória A Bianca, que vivencia o mundo da linguagem de forma encantadora, mágica. Desejo que a “magia dessa linguagem” jamais deixe de inundar sua alma. AGRADECIMENTOS Mesmo sendo o ato de produzir um trabalho acadêmico uma atividade solitária, sua tessitura exige esforços, apoio de outras pessoas e instituições. Nesse sentido, meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que contribuíram para a realização desse trabalho. À Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN/CAMEAM/PPGL. Aos companheiros do PPGL, que mesmo sem perceberem deram grandes contribuições com seus conhecimentos durante as aulas. À acolhida, compreensão e grande paciência da minha orientadora Dra. Rosângela Maria Bessa Vidal. Ao Setor administrativo do PPGL, através do trabalho de Marília e Ricardo, pelo tratamento gentil e por todas as providências tomadas que me beneficiaram. Ao professor Nilson Barros que, mesmo em meio às atividades do seu Doutorado, aceitou fazer a revisão do Abstract. Ao meu esposo Miguel Arcanjo (in memoriam). Aos meus pais Claudionor Medeiros de Carvalho (in memoriam) e Francisca das Chagas de Freitas Carvalho. À minha filha Bianca (razão maior de minha perseverança). Aos meus irmãos: Sales, Dimas, Elias, Zé Edmilson, Antonio, Celina, Nila e Raimundo. Aos meus “filhos de coração”: Ruth e Júnior. Aos meus sobrinhos, pelo convívio carinhoso. Um agradecimento especial ao apoio que tive de minha amiga Francimeire, colega de curso. Aos amigos que construí durante esses dois anos de estudo, bem como aos que conservo de épocas anteriores. À Escola Municipal Elisiário Dias e à Secretaria de Educação do Município de São Miguel, por minha liberação do trabalho durante o período em estudo. LISTA DE TABELAS E FIGURAS. TABELAS Tabela 01 – Ocorrências do item linguístico vender no jornal Gazeta do Oeste (p.86) Tabela 02 – Ocorrências do item linguístico alugar no jornal Gazeta do Oeste (p.88) Tabela 03 – Concordância verbal do item linguístico vender + clítico se (p.97) Tabela 04 – Concordância verbal do item linguístico alugar + clítico se (p.97) FIGURAS Figura 01: Item linguístico vender/alugar verbo – 3ª pessoa (p.89) Figura 02: Item linguístico vender/alugar verbo – 1ª pessoa (p.90) Figura 03 – Classificados – verbo vender/alugar. (p.96). QUADRO Quadro 01: Parâmetros da transitividade (p. 35) Quadro 02: Sentença contendo a clítico se (p. 78) RESUMO A presente pesquisa tem como propósito compreender o uso dos verbos vender e alugar, a partir de textos reais – gênero anúncio classificado – em um jornal impresso, veiculado, diariamente, na seção de classificados. O estudo foi feito à luz da linguística funcional norte-americana, como concebido por Hopper (1980; 1991); Givón (2001); Neves (1997; 2006); Furtado da Cunha, Tavares (2007); Furtado da Cunha (2008); Wilson; Martelotta e Cezario (2006); Martelotta (2008; 2011), entre outros, adotando, assim, os paradigmas e métodos de abordagem que caracterizam esse campo de investigação. Trata-se de uma pesquisa explicativa que adota o método indutivo de investigação. Procuramos elucidar que aspectos têm contribuído para que haja escolhas no uso dos itens vender e alugar em anúncios classificados de jornais impressos. Partirmos de um levantamento do conteúdo apresentado sob a ótica da gramática normativa, da linguística para confrontá-los com os textos reais: anúncios classificados de um jornal impresso: Gazeta do Oeste, veiculado, diariamente no Estado do Rio Grande do Norte. Os resultados apontam para uma tendência de variação no uso dos vender e alugar por meio da flexão – 1ª, 3ª pessoa, infinitivo, bem como no que diz respeito às ocorrências desses verbos em 3ª pessoa quando, seguidos do clítico se, cujo sintagma nominal ora aparece no singular, ora no plural, o que se constitui um indicativo de variação no trato da concordância verbal, com relação à voz passiva sintética. PALAVRAS-CHAVE: Funcionalismo. Gramática. Flexão verbal. Vender. Alugar. Clítico se. ABSTRACT This research aims to understand the use of the verbs vender (to sell) and alugar (to rent) in authentic texts - genre classified ad - in a newspaper aired daily in the classified section. The study has the theoritical support of American Functional Linguistics, as conceived by Hopper (1980, 1991), Givón (2001), Neves (1997, 2006); Furtado da Cunha (2007, 2008); Martelotta, Oliveira, Cezário et . al. (2008); Martelotta (2008, 2011), among others, adopting thus the paradigms and methods of approaches that characterizes this field of research. It is an explanatory research that adopts the inductive method of investigation. We seek to elucidate what aspects have contributed to the choices of the forms vender and alugar in printed newspaper classified ads. We started, therefore, from a survey of the presented content under the perspective of normative grammar and linguistic, in order to confront them with real texts: classified ads of Gazeta do Oeste newspaper, aired daily on Rio Grande do Norte State. The results point to a tendency of variation in the use of the verbal forms vender and alugar through the flexion – 1st, 3rd person, infinitive, as well as in respect to the occurrences of these verbs in the 3 rd person when followed by the clitic se, whose nominal syntagma appears sometimes in the singular, sometimes in the plural, what is an indicative of variation in the way of managing the verbal concordance, with relation to the synthetic passive voice. KEYWORDS: Functionalism. Grammar. Verbal flexion. Vender (to sell). Alugar (to rent). Clitic se. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 1 A LINGUÍSTICA FUNCIONAL NORTE-AMERICANA ......................................... 16 1.1 O FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO NORTE-AMERICANO............................... 17 1.2 LINGUAGEM, LÍNGUA, TEXTO, GRAMÁTICA E SINTAXE NA ÓTICA FUNCIONALISTA...................................................................................................... 21 1.2.1 LINGUAGEM, LÍNGUA E TEXTO .................................................................... 21 1.2.2 GRAMÁTICA E SINTAXE ................................................................................ 29 2 O CLÍTICO SE: DA ABORDAGEM TRADICIONAL À LINGUÍSTICA...................51 2.1 SAID ALI ([1908] 2008) ....................................................................................... 52 2.2 ROCHA LIMA ([1985]1999) ................................................................................. 54 2.3 ALMEIDA (1999) ................................................................................................. 55 2.4 A CONCORDÂNCIA VERBAL: VERBO + CLÍTICO SE À LUZ DA LINGUÍSTICA .................................................................................................................................. 64 2.4.1 LADEIRA (1986) ............................................................................................... 65 2.2.2 SCHERRE (2005)..............................................................................................70 2.4.3 CASTILHO (2010).............................................................................................72 2.4.4 OLIVEIRA (2010)...............................................................................................76 2.4.5 BAGNO (2011)..................................................................................................81 3 OS USOS DOS VERBOS VENDER E ALUGAR EM ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE JORNAL IMPRESSO: ANÁLISE E DISCUSSÃO ................ 83 3.1 VENDER E ALUGAR EM ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DO JORNAL IMPRESSO GAZETA DO OESTE ............................................................................. 84 3.2 ASPECTOS DA CONCORDÂNCIA VERBAL DAS FORMAS PROTOTÍPICAS VENDER E ALUGAR ................................................................................................ 93 3.2.1 VERBOS VENDER E ALUGAR: ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE JORNAIS VS. GRAMÁTICA NORMATIVA ................................................................................. 93 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 101 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 105 11 INTRODUÇÃO A manifestação da língua em uso tem sido objeto de investigação de muitos estudiosos, nos últimos anos, principalmente, no que se refere à influência que passa a ter sobre as práticas pedagógicas de Língua Materna, alvo de uma constante preocupação, uma vez que são muitas as dificuldades dos alunos no que diz respeito à aprendizagem nessa área de conhecimento. A verdade é que muitos dos resultados das pesquisas não romperam ainda os muros escolares da Educação Básica, resultando, portanto, em um quadro insatisfatório de aprendizagem. Pode ser que um dos fatores que contribuam para essa realidade seja a formação do profissional de Língua Materna que vive o dualismo: ensinar utilizando a tradição da gramática normativa ou aderir à proposta de ensino baseada na linguística. A primeira alternativa ainda é bastante adotada pelas escolas do Brasil. Entretanto, não podemos esquecer de que é papel da escola como um todo tornar nossos alunos capazes de utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem, sabendo fazer uso de informações contidas nos textos, bem como conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores, sem preconceitos de classe, credo, gênero etnia, entre outros. Partindo do pressuposto de que a língua é um sistema centrado na interação que se faz por meio de textos ou discursos falados ou escritos – ação linguística entre sujeitos –, uma proposta de ensino de língua precisa priorizar o uso desta em diferentes situações ou contextos sociais, com suas múltiplas funções e sua variedade de estilos. Assim sendo, nosso trabalho se justifica pelo fato de tratar da língua em funcionamento, em tempo real, com suas especificidades. Nesse sentido, a perspectiva funcionalista vem ganhando espaço, uma vez que dá um tratamento textual-discursivo à gramática. Trata, pois, a língua atentando para as condições de produção, ou seja, para as manifestações que ocorrem em situações reais de comunicação, a língua em sua pluralidade, de caráter heterogêneo, com múltiplas variações. Na visão de Neves (2006), para dominar bem uma língua não basta conhecer as estruturas frasais, mas combinar as unidades sintáticas em situações comunicativas de modo eficiente, sendo capaz de usar os enunciados conforme os propósitos comunicativos. 12 Considerando esse contexto e com base na vivência como professora de Língua Portuguesa, nossa pesquisa pretende investigar os usos dos verbos vender e alugar em anúncios classificados de jornal impresso. Para realizar a presente pesquisa, contamos com as contribuições da teoria funcionalista, de inspiração givoniana. Na verdade, o ensino de língua já é objeto de discussão (e de severas críticas), principalmente, quando se trata da língua em uso que, por sua vez, é objeto de preconceito. Basta observar o fato recentemente posto em pauta, pela mídia televisiva global, sobre o livro didático que aborda a língua em uso – o português brasileiro – considerado por ela como disseminador de “erros”. Por incrível que pareça, o trecho gerador de tantas polêmicas é sobre concordância e faz parte do capítulo “Escrever é diferente de falar”, aspecto que discutimos quando envolve nosso objeto de estudo – verbos vender e alugar + clítico se. No tópico intitulado como “concordância entre palavras”, os autores discutem a existência de variedades do português falado, as quais fazem uso do substantivo e adjetivo não flexionados quando concorda com o artigo no plural1. Mediante tais discussões, vimos a necessidade de uma análise, que priorize o uso, fazendo-nos refletir sobre as diferentes possibilidades de emprego da língua. Portanto, a nossa pesquisa, pretendeu responder à seguinte questão: Como acontecem os usos de construções com as formas verbais vender e alugar em anúncios classificados de jornal impresso, com ênfase nos procedimentos linguístico-discursivos? Para obter resposta à pergunta de partida, buscamos, em nossos objetivos específicos, identificar as formas verbais vender e alugar apresentadas pelas gramáticas normativas e pela linguística; investigar como são empregadas as formas dos verbos vender e alugar em anúncios classificados do jornal impresso Gazeta do Oeste; comparar o uso regras de concordância quando há o emprego do clítico se – pronomes átonos, monossílabos átonos – que dependem, quanto à acentuação, das palavras que seguem, precedem ou intercalam-nos junto aos verbos vender e alugar apresentadas em anúncios classificados de jornal impresso. 1 Para maiores detalhes sobre a discussão, cf. http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5137669EI8425,00-Aceitam+tudo.html; http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/marcos-bagno-discussaosobre-livro-didatico-so-revela-ignorancia-da-grande-imprensa.html 13 Para compreender os usos dos verbos vender e alugar, partirmos, portanto, de um levantamento do conteúdo apresentado sob a ótica da gramática normativa, da linguística para confrontá-los na análise com os textos reais, no gênero anúncio classificado do jornal impresso Gazeta do Oeste, veiculado, diariamente no Estado do Rio Grande do Norte. Para essa investigação adotamos os estudos da linguística funcional. Trata-se de uma pesquisa explicativa que adota o método indutivo de investigação. Considera-se explicativa porque “É a pesquisa que busca esclarecer que fatores contribuem de alguma forma para a ocorrência de algum fenômeno” (COSTA; COSTA, 2011, p.36). No nosso caso, procuramos elucidar que aspectos têm contribuído para que haja escolhas no uso dos itens verbais vender e alugar (e suas variantes) em anúncios classificados de jornais impressos. Utiliza o método indutivo porque parte da observação dos dados particulares, com base nos quais será possível fornecer respostas mais generalizadas sobre a realidade em questão, apoiando-se nas discussões teóricas levantadas. Além disso, é adotado o paradigma qualitativo, haja vista o objeto de estudo ser uma atividade de uso da linguagem, sendo necessária a realização de um trabalho interpretativo acerca dos significados do fenômeno que envolve o uso dos referidos verbos, considerando toda a sua complexidade, a fim de fornecer explicações eficazes e abrangentes. Como sabemos, uma das características que constitui os estudos qualitativos é a maneira como direcionamos nossa investigação. Nesse sentido, nossas reflexões se voltam para a análise das construções que empregam os itens vender e alugar. Além de apontar as escolhas no uso dos verbos vender e alugar (e suas variantes), observamos se o fenômeno da concordância verbal ocorre (ou não ocorre), ou seja, a maneira, o propósito, o porquê da (não) concordância entre os verbos vender e alugar + o clítico se. Nessa perspectiva, investigamos o discurso escrito do jornal, com base nos usos dos itens vender/alugar, para observação de como ocorre ou não o processo de concordância, já que o conhecimento não se reduz pura e simplesmente aos dados de forma isolada. É o olhar do observador que atribui um significado aos fenômenos que o mesmo interpreta. Na fase de coleta de dados, cerca de três meses, obtivemos informações acerca das práticas de produções dos textos veiculados como, efetivamente, acontecem. Nesse sentido, os dados se constituem a partir de descrições discursivas: textos publicados no jornal, analisando aspectos 14 relacionados à escolha no uso desses verbos (e suas variantes), o uso de construções com o clítico se junto às formas vender e alugar modificadas pelas pressões de uso. Para seleção do material empírico, utilizamos como critérios a questão do acesso ao jornal e a composição do gênero anúncio classificado. O primeiro critério ocorre em razão do jornal circular diariamente na região do Alto-Oeste potiguar, local em que a pesquisa foi realizada. O segundo, por sua vez, relaciona-se à composição dos textos que fazem parte do corpus – anúncios classificados –, os quais apresentam semelhança em sua estrutura e propósito comunicativo, bem como exibem os itens a serem investigados, ou seja, os verbos vender e alugar + clítico se. Além dessa introdução, momento em que expomos informações acerca da investigação, de um ponto de vista global, justificando e especificando os objetivos do estudo, dividimos a dissertação em três capítulos. No primeiro, apresentamos a teoria que norteia nossa pesquisa: o funcionalismo linguístico contemporâneo. Delimitando um pouco nosso trabalho, priorizamos o funcionalismo “norte-americano”, perspectiva de Givón, sem desmerecer, portanto, o mérito das vertentes europeias. Neste capítulo, discorremos também sobre os conceitos de linguagem, língua, texto, gramática e sintaxe na visão funcionalista. Apresentamos ainda o anúncio classificado, uma vez que é nesse gênero que se concentra o nosso objeto de investigação: os itens vender e alugar. No segundo capítulo, direcionamos nosso olhar para a concordância verbal, à luz da gramática tradicional sob as perspectivas de Said Ali ([1908]2008), Rocha Lima (1985/1999), bem como a de Almeida (1999), com ênfase no emprego do clítico se. Além de discutir o uso do clítico se na visão tradicional de gramática, demonstramos seu uso também na perspectiva da linguística, do ponto de vista de Ladeira (1986), Scherre (2005), Castilho (2010), Oliveira (2010). No terceiro capítulo, trazemos a análise dos dados, partindo da busca de ocorrências dos usos dos verbos vender e alugar, do clítico se nos anúncios classificados, presentes no jornal Gazeta do Oeste – nosso corpus. Além da quantificação dos dados, neste capítulo, tratamos também da análise dos aspectos qualitativos, buscando descrever e analisar a regularidade da construção com os verbos vender e alugar em seu uso interativo. 15 Nas considerações finais, fazemos comentários sobre os achados da pesquisa. Dessa forma, os resultados obtidos, durante a investigação, permitem inferir alguns usos emergentes da língua. Ressaltamos, ainda, que tanto a pesquisa em si, quanto a compreensão dos seus resultados, serão úteis para a descrição da língua portuguesa na perspectiva do uso, por consequência, para a formação do professor. Em linhas gerais, esse é o delineamento da pesquisa realizada. A LINGUÍSTICA FUNCIONAL NORTE-AMERICANA 17 1 A LINGUÍSTICA FUNCIONAL NORTE-AMERICANA Nesse capítulo, apresentamos a teoria que norteia nossa pesquisa: o funcionalismo linguístico norte-americano. Num primeiro momento, abordamos as considerações gerais sobre a linguística funcionalista, especificamente a “norteamericana”, perspectiva de Givón, cuja abordagem advoga uma linguística baseada no uso, tendo como tendência principal observar a língua do ponto d]e vista do contexto linguístico e da situação extralinguística. Num segundo momento, tratamos das concepções de linguagem, língua, texto, gramática e sintaxe sob a ótica funcionalista, enfatizando o anúncio classificado, uma vez que é nesse gênero que se concentra o nosso objeto de investigação: os itens vender e alugar. 1.1 O Funcionalismo linguístico norte-americano Para compreender os fenômenos da linguagem, por meio de análise linguística, devemos eleger um dos paradigmas teóricos correspondentes ao nosso propósito de estudo, ou seja, procurar o que melhor se adapta para analisar o que queremos. O que não falta, na Linguística, são discussões acerca de qual paradigma teórico utilizar, já que cada estudioso (linguista) acredita ser o seu o melhor método de análise. Diante desse embate, surge como alternativa a criação de novos paradigmas teóricos, o que leva outros pesquisadores a continuarem investigando, (re)criando o conhecimento a partir do que já dispõe em termos de conhecimentos sobre o fenômeno linguístico. Seria ingenuidade nossa atribuirmos a Saussure, bem como a Chomsky, Givón, Dik entre outros estudiosos da ciência linguística um caráter totalmente inédito. Em outras palavras, parece ser comum em qualquer ciência partirmos das ideias anteriores para a expansão e propagação de outras mais modernas. Isso faz com que a ciência da linguagem seja considerada como um campo vasto e propenso a incontáveis pesquisas, cujo entusiasmo criador está centrado em seu caráter efêmero por natureza, provisório em essência. Cabe a nós, portanto, enquanto pesquisadores, estarmos cautelosos às pressões de uso da linguagem e preparados para investigá-las com cientificidade. 18 Como nosso propósito é estudar o fenômeno linguístico, levando em conta aspectos comunicativos sociais e cognitivos, decidimos eleger como paradigma teórico o Funcionalismo Linguístico, mais especificamente, o norte-americano, já que, sob esta ótica, a língua é um sistema produtor de significados. Essa perspectiva leva em consideração um conjunto de situações comunicativas nas quais ocorre um processo linguístico quando estudamos a linguagem. Nesse conjunto de situações comunicativas, estão inscritos os interlocutores, as condições de produção, enfim, a própria dinâmica do ato comunicativo. A linguística funcionalista norte-americana se fortaleceu a partir da década de 1970, cuja maior expressão está nos trabalhos de linguistas como: Sandra Thompson, Paul Hopper e Talm Givón, os quais “[...] passaram a advogar uma linguística baseada no uso, cuja tendência principal é observar a língua do ponto de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística” Martelotta; Areas (2003, p.23). Partindo desse pressuposto, assumimos o postulado de que duas propostas básicas caracterizam o modelo funcionalista de análise linguística, a saber: “a) a língua desempenha funções que são externas ao sistema linguístico em si; b) as funções externas influenciam a organização interna do sistema linguístico” Furtado da Cunha (2008, p.158). Dessa forma, a língua não se apresenta como um sistema autônomo, dissociada do convívio social, mas está, intrinsecamente, a ele relacionada, fazendo com que o falante se adapte às diferentes situações comunicativas. Assim, a situação social imediata determina nossas enunciações. Em outras palavras, a teoria funcionalista trata o fenômeno linguístico tomando por base o uso real da língua, e a gramática é analisada como resultado da interação dos usuários (Cf. VIDAL, 2009). Nesse sentido, a linguística funcional propõe novas maneiras de abordar a linguagem, fornecendo alternativas de reflexão sobre a complexidade revelada pela língua. Segundo Neves, (2006, p.17), “o funcionalismo é uma teoria que se liga, acima de tudo, aos fins a que servem as unidades linguísticas, o que é o mesmo que dizer que o funcionalismo se ocupa, certamente, das funções dos meios linguísticos de expressão”. A reflexão se direciona para os itens sob uma ótica multifuncional, ou seja, referindo-se aos parâmetros cognitivos e comunicativos, processamento da mente, interação entre os interlocutores (sua cultura), mudança e variação, aquisição e evolução (Cf. GIVÓN, 1995). 19 Os estudos gramaticais, segundo o pensamento funcionalista, não devem se limitar à análise de frases ou períodos isolados, mas aos atos enunciativos dos diferentes tipos de discursos, pois “quando falamos, criamos frases, que, juntas formam um texto coeso e coerente com a situação em que é empregado. O processamento desse texto é o discurso” Martelotta (2006, p. 234). Há, pois, uma identificação entre o termo discurso e o uso real da língua, já que nossas escolhas feitas, na produção do discurso, não se dão aleatoriamente, mas decorrem das condições de produção desse discurso. Assim sendo, os defensores dessa perspectiva teórica procuram observar as regularidades do uso da língua e analisar as condições discursivas que refletem em seu emprego. Assim, o objeto de análise dos funcionalistas são os enunciados e os textos, efetivamente realizados, os quais estão relacionados ao desenvolvimento da comunicação interpessoal, isto é, a corrente funcionalista trabalha com os dados reais da fala ou escrita retirados de determinados contextos de comunicação. O funcionalismo linguístico contemporâneo diverge das abordagens formalistas: estruturalismo e gerativismo por dois motivos: [...] primeiro por conceber a linguagem como um instrumento de interação social e segundo porque seu interesse de investigação linguística vai além da estrutura gramatical, buscando no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua. A abordagem funcionalista procura explicar as regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as situações discursivas em que se verifica esse uso (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p.29). Conforme essa abordagem, uma característica que marca o processo linguístico do funcionalismo é o conjunto complexo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas, integradas ao enunciador ou produtor do enunciado. Na verdade, se levarmos em conta que a língua é um sistema produtor de significados, estaremos abordando-a numa perspectiva funcionalista. Perspectiva essa que leva em consideração um conjunto de situações comunicativas nas quais ocorre um processo linguístico quando estudamos a linguagem. Diante disso, percebemos que a língua não formula um conhecimento individual, independente, mas reflete várias maneiras de o falante interpretá-la em diferentes situações comunicativas. Assim, o funcionalismo constitui-se como uma corrente linguística baseada no uso da língua, cuja tendência principal é observar a língua desde seu contexto linguístico até a situação extralinguística. 20 Conforme Martelotta; Areas (2003), a teoria funcionalista da Linguística caracteriza-se pela concepção que tem da língua como um instrumento de comunicação, não podendo ser analisada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura sujeita a mudanças em suas diferentes situações de uso as quais ajudam a determinar a estrutura gramatical. A fim de resumir a concepção funcionalista da linguagem, citamos nove premissas fundamentais que a norteiam: a linguagem é uma atividade sociocultural; a estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas; a estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica; mudança e variação estão sempre presentes; o sentido é contextualmente dependente e não-atômico; as categorias não são discretas; a estrutura é maleável e não rígida; as gramáticas são emergentes; as regras de gramática permitem algumas exceções (GIVÓN, 1995 apud MARTELOTTA; ÁREAS, 2003, p. 28). De acordo com as premissas apresentadas, percebemos que a proposta de Givón (1995) postula a não autonomia do sistema linguístico, cuja estruturação interna da gramática é concebida como “[...] um organismo que unifica sintaxe, semântica e pragmática (sendo a sintaxe a codificação dos domínios funcionais que são: a semântica, proposicional; a pragmática, discursiva) e nos aspectos icônicos da gramática” Neves (2006, p.19). Assim como Givón (1995), acreditamos que a língua não pode ser considerada um sistema autônomo, uma vez que a gramática não pode ser compreendida por si mesma; precisa tomar por referências aspectos como cognição, comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução. É tanto que Givón assegura: The grammatical code is probably the latest evolutionary addition to the arsenal of human communication (Givón 1979a, 1995; Lieberman 1984; Bickerton 1981, 1990). While the evolutionary argument remains conjectural, it is supported by a coherent body of suggestive evidence GIVÓN, 2001, 2 p.10) Em síntese, o funcionalismo linguístico é um modelo de análise que se contrapõe ao formalismo. Enquanto este concebe a língua como um sistema autônomo, limitando-se ao estudo das formas linguísticas, aquele a concebe como um sistema não-autônomo, o qual se insere em um contexto de interação social, ou 2 O código gramatical é, provavelmente, a mais recente adição ao arsenal evolutivo da comunicação humana (Givon 1979a, 1995; Lieberman 1984; Bickerton 1981, 1990). Embora o argumento evolucionário permaneça conjectural, é apoiada por um corpo coerente de evidências sugestivas (tradução livre). 21 seja, as formas linguísticas são estudadas levando em consideração o seu uso, sua significação em atos comunicativos. Notamos, portanto, que ambos os modelos tratam do mesmo fenômeno: a língua. Entretanto, o que os diferencia é a forma com que os mesmos a observam. Isso pressupõe o uso de métodos diferentes para o estudo desse fenômeno. Dessa forma, não faz sentido dizer que um paradigma é melhor do que outro, ou que o uso de um exclui o outro. Pensar dessa maneira implica limitar os estudos linguísticos, uma vez que a escolha de um paradigma teórico depende do tratamento que pretendemos dar ao nosso objeto de investigação. Como nosso objeto de análise é a língua em funcionamento, optamos pelo paradigma funcional, cujo pensamento foi justificado no início desse tópico. Salientamos, no entanto, que nos deteremos à corrente funcionalista norte-americana, modelo instituído por Givón. 1.2 Linguagem, língua, texto, gramática e sintaxe na ótica funcionalista 1.2.1 Linguagem, língua e texto A linguagem surgiu nos primórdios de nossa existência e se relaciona, totalmente, à evolução de todos os indivíduos tanto quanto o seu modo de relacionamento. Ela é, pois, um dos instrumentos mais importantes conquistados pelo humano ao longo da história, a qual o permite se desenvolver e aprender sobre si mesmo e o mundo que o cerca. A linguagem está ligada à sociedade de forma inquestionável. Ninguém se atreve a pôr em dúvida essa relação, não devendo, pois, estar distante das reflexões sobre o fenômeno linguístico. (Cf. ALKMIM, 2005). O homem tem se dedicado a estudar a linguagem desde a Antiguidade e, pelo que observamos, não tem data prevista para deixar de fazer suas investigações, devido à complexidade da mesma. O termo “linguagem” apresenta múltiplos sentidos. Geralmente, o empregamos para nos referir aos processos comunicativos: a linguagem dos animais, a linguagem corporal, a linguagem das artes e assim por diante. Nesse sentido, as línguas naturais – idiomas – são formas de linguagem, uma vez que constituem instrumentos, os quais permitem o processo comunicativo entre os membros de determinada comunidade. No entanto, 22 [...] os linguistas – cientistas que se dedicam à linguística – costumam estabelecer uma relação diferente entre os conceitos de linguagem e língua. Entendendo linguagem como habilidade, os linguistas definem o termo como a capacidade que apenas os seres humanos possuem de se comunicar por meio da língua. Por sua vez, o termo “língua” é normalmente definido como um sistema de signos vocais [...] utilizado como meio de comunicação entre os membros de um grupo social ou de uma comunidade linguística. (FURTADO DA CUNHA, COSTA; MARTELLOTTA, 2008, p. 16). Ao dizermos que os linguistas estudam a linguagem, pressupomos que, apesar de observarem as línguas naturais, eles não estão interessados em estudá-la somente em sua estrutura particular, mas nos processos baseados em sua utilização como formas de comunicação. Diferentes correntes teóricas constituem a linguística. Apesar de todas estudarem o fenômeno da linguagem, elas diferem na maneira de compreendê-lo. Segundo Martelotta (2006, p. 29), “a linguística está relacionada, desde sua origem, aos estudos filosóficos, gramaticais e filológicos [...], porém deles se desvincula, a partir de Saussure, ganhando autonomia teórica e metodológica.” No entanto, permaneceu incluindo em suas investigações tanto fenômenos de natureza gramatical e filológica quanto filosófica, dependendo da forma como o fenômeno linguístico era analisado, uma vez que se interessa pelos fenômenos da linguagem. Para compreendermos melhor como as correntes linguísticas abordam os estudos da linguagem, necessitamos antes compreender essa capacidade de que o homem dispõe e que implica um conjunto de características. Algumas das características propostas sobre a capacidade da linguagem são: uma técnica articulatória complexa; uma base neurológica que se compõe de centros nervosos, que utilizamos na comunicação verbal; uma base cognitiva, que rege as relações entre o homem e o mundo biossocial e, em consequência, a simbolização desse mundo em termos linguísticos; uma base sociocultural que atribui à linguagem humana os aspectos variáveis que ela apresenta no tempo e no espaço; uma base comunicativa que fornece os dados reguladores da interação entre os falantes (Cf. FURTADO DA CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2008). Todas as características citadas são imprescindíveis para que os falantes sejam capazes de utilizem a linguagem. Caso haja alterações orgânicas (de natureza genética ou danosa) nas áreas de linguagem – regiões do cérebro que respondem por aspectos específicos do uso da linguagem – do indivíduo, ele poderá 23 ficar impossibilitado de se comunicar de forma eficiente por meio da linguagem, ou seja, esse indivíduo apresentará incapacidade linguística. Na o entraremos, pois, em detalhes aqui sobre a incapacidade linguística, já que não é este o propósito do referido trabalho. O foco é apresentar a concepção que os funcionalistas têm acerca da linguagem. Na linguística funcional norte-americana, a linguagem deve ser vista como um instrumento de interação social, tendo como tendências, em sua análise, a relação entre linguagem e sociedade. Por isso, em seus estudos, são investigados os aspectos e os elementos que formam a linguística, indo além da estrutura gramatical, levando em consideração suas intenções e o contexto, ou seja, são investigados tanto a questão social como a linguística. A língua é usada com a finalidade prática de comunicação, formulando um conhecimento individual, independente, mas reflete várias maneiras de o falante interpretá-la em diferentes situações comunicativas. Daí dizer que o funcionalismo constitui-se como uma corrente linguística baseada no uso da língua, cuja tendência principal é observar a língua tanto dentro do seu contexto linguístico quanto na situação extralinguística. Sob o ponto de vista funcional, tanto a língua quanto o falante são compreendidos como historicamente situados. Nesse sentido, “[...] a noção de ideal é substituída pela de real, pois a língua é manifestação concreta de atos linguísticos, produzidos por um falante real em diversos contextos comunicativos nas múltiplas variedades que a sua língua abriga” Wilson (2006, p. 57-58). Assim sendo, os funcionalistas concebem a língua como uma atividade que envolve fatores sociocognitivos e culturais situados, cujos frutos advêm das interações de comunicação, pressupondo, pois, a ideia de que as línguas são heterogêneas e evoluem de acordo com a interação dos indivíduos com a realidade social a que pertencem. Se os estudos funcionalistas privilegiam o uso linguístico, acatando a ideia de ser o texto objeto de análise da língua, é válido explicitarmos aqui tanto a noção de texto como a de gênero textual, já que os textos circulam socialmente por meio de gêneros em contextos diversos de interação verbal, e o nosso objeto de estudo é analisado a partir do gênero anúncio classificado. Caracterizamos, pois, o texto como manifestação verbal. Em outras palavras, a noção de texto apresentada aqui é aquela marcada por completude semântico-sintática – um todo de sentido e forma. 24 A noção de gênero (textual ou discursivo), atualmente, vem sendo tratada pelos estudiosos da linguagem. Muitos pesquisadores têm recorrido a tal conceito para compreender as interações sociais nas múltiplas esferas em que agem através da linguagem. Nesse sentido, o conceito de gênero que foi, tradicionalmente, teorizado pela Literatura e Retórica, passa a assumir, especialmente, a partir dos estudos de Mikhail Bakhtin, um elo entre o uso da língua na sua forma espontânea e as práticas de linguagem em sala de aula. Bakhtin compreende a linguagem como uma atividade humana situada cultural e historicamente, não como uma coisa morta em que cada palavra representa algo definitivamente. Nesse sentido, a concepção dialógica de Bakhtin é sua contribuição maior para as mudanças que se desenvolvem, atualmente, nos diversos domínios de estudo da linguagem, inclusive no que diz respeito aos estudos de gêneros do discurso realizados no Brasil. Entretanto, o que observamos é uma grande diversidade de conceitos e terminologias em pesquisas, cujo alicerce é a análise dos gêneros. Isto pode estar atrelado a uma concepção não hegemônica de tal conceito, cuja origem pertence a correntes teóricas diversas. Outro fator que pode estar envolvido é a questão das diferentes interpretações e apropriação dessa noção pelos estudiosos da temática. Além disso, pode ser considerado também o enfoque do estudo. Por exemplo, os antropólogos e os linguistas têm motivações que divergem em relação às pesquisas que envolvem o assunto. Na verdade, os gêneros vão se modificando em consequência do momento histórico em que se inserem. Toda situação social dá origem a um gênero, cujas suas características lhe são peculiares. Percebemos em nosso meio uma infinidade de gêneros. Eles existem em número ilimitado porque também é ilimitado o número de situações comunicativas e que todas elas só são possíveis graças à utilização da língua. Em outras palavras, a formação de novos gêneros está associada ao aparecimento de novas esferas de atividade humana, cujas finalidades discursivas são específicas (Cf. BAKHTIN, 2003). Nesse sentido, não agimos sem ser por meio da linguagem, fora do processo de interação. O que se diz se diz no agir que, por sua vez, produz certos tipos relativamente estáveis de enunciados, o que pressupõe a criação de tipos relativamente estáveis de enunciados dentro das esferas de atividade. Nesse sentido, os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados, que se 25 caracterizam por apresentar um conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo. São eles que estabelecem a conexão entre linguagem e a vida social, refletindo, pois, as condições específicas de cada uma delas. (Cf. FIORIN, 2008). Se o que pretendemos é analisar a linguagem em funcionamento, não devemos priorizar o sistema da língua, pois apenas o conhecimento desse sistema é insuficiente para entender determinados fatos linguísticos que ocorrem numa situação concreta de comunicação/interação. É preciso conhecer, portanto, a linguagem em seu contexto, envolvendo fatores internos e externos a ela. O estudo da linguagem em funcionamento também é necessário porque, na troca verbal, informamos muito mais do que as palavras realmente significam. “Quando alguém diz a outro, que está se aprontando para sair, São oito horas, ele não está fazendo uma simples constatação sobre o que marca o relógio, mas dizendo Apresse-se, vamos chegar atrasados” Fiorin (2010, p.166). Seguindo a concepção de linguagem enquanto instrumento de interação social, passamos a acreditar que a língua se constitui muito mais do que de uma gramática. Pensando assim, em nossas práticas pedagógicas, certamente levaremos em conta questões relativas ao léxico, questões relativas à sua realização em textos, bem como questões relativas às condições sociais da produção e da circulação desses textos. E dizendo de outro modo, em qualquer estudo que se faça a respeito da língua, o aprofundamento das modalidades dos gêneros, se constitui um ponto imprescindível, pois os gêneros, a linguagem em uso, representam a língua viva. Considerando a língua como algo dinâmico, maleável devemos pensar a análise gramatical atrelada à textual, considerando que os usos linguísticos combinam estratégias mais regulares e sistemáticas, indispensáveis à interlocução social, de caráter geral e coletivo, passando a usos de âmbito mais individual, relativos a estruturas mais criativas e pessoais de apropriação da língua. Isso quer dizer que há uma relação entre discurso e gramática, e as práticas linguísticas, manifestadas nas produções textuais, configuram-se, como atividades em que se mesclam usos mais rotineiros ou gramaticais e expressões mais criativas ou discursivas. É por isso que Beaugrande (1997) apud Neves (2006, p.31) afirma que “o trabalho com textos mudaria a paisagem teórica e prática da linguística [...]”. A autora acrescenta que mudaria, sem dúvida, também a visão de gramática. 26 Ao nos referirmos a questões textuais – gêneros –, não podemos deixar de mencionar Marcuschi (2008). O autor ressalta que o estudo dos gêneros é bastante antigo e concentrava-se na literatura, cuja expressão está presente nos trabalhos de Platão (tradição poética) e Aristóteles (tradição retórica). Ao sair das fronteiras literárias, vem para a linguística, de forma especial, para as perspectivas discursivas. Marcuschi ressalta a importância da propagação de publicações que se voltam para o assunto bem como para as várias perspectivas de abordagem do tema. Ele destaca como influência teórica para o seu trabalho alguns autores, como Bakhtin, Schneuwly/Dolz, Bronckart, Swales, Bhatia, Halliday, Adam, Bazerman, Miller, Fairclough e Kress. Uma observação importante que deve ser ressaltada em relação ao estudo dos gêneros textuais “[...] é que uma fértil área interdisciplinar, com atenção especial para o funcionamento da língua e para as atividades culturais e sociais [...]” Marcuschi (2008, p.155-156). Outra discussão que o autor traz à tona é a diferenciação entre gênero textual, tipo textual e domínio discursivo, cuja complementação se dá pela reflexão em torno da noção ainda inacabada de ‘suporte’. Marcuschi sugere a divisão entre suportes de tipo convencional – os que foram elaborados tendo em vista a sua função de portarem ou fixarem textos: livro, jornal – e incidental – suportes ocasionais ou eventuais. No entanto, ressalta que esses conceitos ainda não estão suficientemente claros. São apresentados gráficos e tabelas que exemplificam a distribuição de gêneros textuais escritos e orais dentro do contínuo fala/escrita e em domínios discursivos distintos. Dentre os inúmeros domínios discursivos de circulação existentes, escolhemos o jornalístico impresso, mais especificamente, o gênero anúncio classificado, visto que é o que melhor atende o nosso propósito: analisar como acontecem os usos dos verbos vender e alugar, bem como as ocorrências em que o clítico se aparece junto a esses verbos, a fim de investigar o processo de concordância verbal quando há construções com o referido clítico. Como nosso objetivo é analisar o gênero anúncio classificado, faz-se necessário conhecermos um pouco sobre esse gênero, tão recorrente em nosso dia a dia e (acreditamos) ainda analisado como produto, tornando, muitas vezes, essa análise normativa, tal qual acontecia (ou ainda acontece) com a gramática quando se levamos em conta apenas os aspectos formais. A análise acerca de um gênero vai depender da orientação teórica que adotamos, podendo, ser estabelecidos 27 parâmetros de natureza formal ou funcional para essa análise. Nesse sentido, podemos postular que os gêneros textuais podem, num primeiro momento, ser compreendidos como modos de organização da informação ou de estruturação discursiva e, num segundo momento, como unidades de uso dessas estruturas discursivas em situações comunicativas específicas. Por levar em conta outros aspectos, além dos formais, partimos da definição de “gênero do discurso”, proposta por Bakhtin (2003), para compreender a noção de gênero textual, já que o autor se refere às formas “relativamente estáveis” – os enunciados – sejam eles orais ou escritos, cuja utilização concreta e individual da língua linguagem acontece pelos integrantes de determinada esfera da atividade humana. A noção de discurso atrelada à noção de enunciado por Bakhtin é, portanto, o que justifica o uso do termo gênero do discurso. “Esse autor não pensa os gêneros em si, isto é, não os toma apenas pelo viés estático das formas do produto, mas os focaliza, sobretudo, pelo viés dinâmico da produção” Cabral (2011, p. 333). Bakhtin observa o processo, a conexão viva entre os gêneros – enunciados – e a atividade humana; entre os tipos de enunciados e suas respectivas funções no processo socioverbal pelo qual os participantes interagem. Costumamos dizer que o gênero apresenta, basicamente, três elementos que o caracterizam: a) o conteúdo temático – o que se pode dizer em determinado gênero; b) a construção composicional – que se refere à estrutura particular, cujo gênero pertence; c) o estilo – a seleção de recursos disponíveis na língua, os quais orientam o produtor do texto através da posição enunciativa. Além desses elementos, Marcuschi (2008) já mencionara dois outros: a finalidade e suporte. Assim com Marcuschi (2008), Figueiredo-Gomes (2011) sugere que seja levado em consideração: o objetivo que se refere à finalidade do texto – o “para que” e acrescenta o destinatário – “para quem” é produzido o texto. Por exemplo, “[...] uma monografia é produzida para obter uma nota, uma publicidade serve para promover a venda de um produto, uma receita culinária orienta na confecção de comida etc.” Marcuschi (2008, p. 150). Todo gênero tem, portanto, um objetivo definido que o determina, oferecendo-lhe uma esfera de circulação. Nesse sentido, consideramos viável a nossa escolha, pois os anúncios classificados, apesar de serem gêneros pouco utilizados (ainda) como material didático-pedagógico (e nas pesquisas), atende às exigências enquanto gêneros, já 28 que cumprem suas funções sociocomunicativas (Cf. MARCUSCHI, 2008). São, portanto, gêneros “[...] que objetivam convencer os consumidores da necessidade de obter um produto/serviço, e divulgam, por meio da escrita, a oferta ou procura de bens (compra, venda ou aluguel), utilidades públicas e serviços profissionais em seções específicas de jornais” Figueiredo-Gomes (2011, p. 49). Podemos considerar o anúncio classificado como ato sócio-histórico, cuja construção e definição se dão conforme as condições específicas e as finalidades de determinada esfera social (Cf. BAKHTIN, 2003). Em outros termos, os gêneros podem, num primeiro momento, ser compreendidos como modos de organização da informação ou de estruturação discursiva e, num segundo momento, como unidades de uso dessas estruturas discursivas em situações comunicativas específicas. Dizer que os gêneros são históricos pressupõe a ideia de que não são estanques nem possuem estruturas rígidas (Cf. MARCUSCHI, 2008). Surgiram, pois, em um determinado momento da história da humanidade. E, se os gêneros são entidades dinâmicas, não estáticas, os anúncios classificados estão sujeitos a mudanças que decorrem das transformações sociais, inclusive das novas atividades, valores, propósitos e função dos participantes, sem esquecer das novas tecnologias que acarretam tanto adaptações, adequações, como transformações nos modelos dos gêneros (Cf. FIGUEIREDO-GOMES, 2011). Para constatar a relativa estabilidade dos gêneros, conforme a proposta de Bakhtin (2003), Figueiredo-Gomes descreve “Annúncios” do século XIX, comparando-os aos anúncios classificados do século XXI. Para tanto, leva em consideração a situação de produção dos textos tanto em seus aspectos temporais quanto espaciais. O estudo feito por Figueiredo-Gomes (2011) comprova a concepção de que os gêneros são “relativamente estáveis” conforme propôs Bakhtin (2003), uma vez que os anúncios classificados do século XXI conservam características dos “annúncios” do século XIX, como, por exemplo, o objetivo – que se refere à oferta e à procura de bem de consumos – os constituintes – que dizem respeito à apresentação e ajuste/contato – e o suporte – o jornal (Cf. FIGUEIREDO-GOMES, 2011). Assim sendo, a análise do gênero se torna imprescindível pelo fato de tratar a língua em funcionamento – a língua enquanto interação social –, em tempo real, com suas especificidades. 29 1.2.2 Gramática e sintaxe A concepção de linguagem enquanto instrumento de interação social contraria, também, a concepção proposta pelas gramáticas prescritivas, cujo modelo trabalhado é único, a norma padrão, deixando de lado as variedades linguísticas. Martelotta descreve um modelo teórico, cujo propósito é analisar não somente a estrutura gramatical, mas também a situação de comunicação inteira: a Gramática Cognitivo-funcional. Este modelo de gramática associa-se às bases teóricas como o Funcionalismo linguístico, mais precisamente, o de origem norte-americana, cuja concepção, defendida por Givón e seus seguidores, é a de língua enquanto atividade social, não autônoma, sujeita às pressões de uso. O próprio Martelotta (2008) justifica a escolha do termo “cognitivo funcional” retirado de Tomasello (1998, 2003), que tem como propósito nomear um conjunto de sugestões de ordem teórico-metodológicas que caracterizam determinadas escolas de caráter relativamente distinto, os quais, ao adotar princípios diferentes dos que caracterizam o formalismo gerativista, apresentam pontos comuns, a saber: Observam o uso da língua, considerando-o, fundamental para a compreensão da natureza da linguagem; Observam não apenas o nível da frase, analisando, sobretudo, o texto e o diálogo; Têm uma visão da dinâmica das línguas, ou seja, focalizam a criatividade do falante para adaptar as estruturas linguísticas aos diferentes contextos de comunicação; Consideram que a linguagem reflete um conjunto completo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas, integradas com o resto da psicologia humana, isto é, sua estrutura é conseqüente de processos gerais de pensamento que os indivíduos elaboram ao criarem significados em situações de interação com outros indivíduos (MARTELOTTA, 2008, p.62). Essas características são adaptadas a escolas como o Funcionalismo – norte americano e europeu –, a Linguística Sociocognitiva, a Linguística Textual, a Sociolinguística, a Linguística Sociointerativa, etc. Cada uma delas analisa o fenômeno linguístico a sua maneira, com peculiaridades próprias, seja adotando alguma dessas características, seja adotando todas elas. Segundo essa concepção, portanto, a situação comunicativa motiva a estrutura gramatical, o que pressupõe pensar que uma abordagem estrutural ou formal não é apenas limitada a dados artificiais, mas inadequada como análise estrutural. “[...] nos termos funcionalistas, a gramática não pode ser vista como 30 independente do uso concreto da língua, ou seja, do discurso [...]” (Op. cit. p.63). Em outras palavras, ao falarmos, produzimos frases, que, ao se juntarem, compõem um texto coeso e coerente com a situação na qual esse discurso é empregado; o discurso é, pois, o processamento desse texto. Dois tipos de habilidades, essencialmente, humanas regulam a atividade verbal, os quais estão relacionados à gramática das línguas. “O primeiro deles tem natureza sociointerativa e se relaciona com a nossa habilidade de compartilhar informações com nossos semelhantes e de nos engajarmos em atividades compartilhadas, cuja compreensão é fundamental para o processo comunicativo” Martelotta (2008, p. 63-64). Pensemos a seguinte situação: um cliente retorna a uma loja de eletrodomésticos, onde comprara uma televisão e dialoga com o vendedor: (01) Cliente: – Esta televisão não está funcionando. Vendedor: – Não há problema, senhor. Vamos providenciar a troca do aparelho. (MARTELOTTA, 2008, p.64). Analisando a situação comunicativa por inteiro, pressupomos que o vendedor não irá compreender a frase proferida pelo cliente como uma simples informação, mas como um pedido de troca do aparelho por outro, já que se trata de um contexto específico de interação, não podendo, pois ser entendida de outra forma. Isso nos autoriza atestar que a estrutura gramatical deve ser estudada atrelada à semântica e à pragmática, uma vez que o “conhecimento do sistema da língua é insuficiente para entender certos fatos linguísticos utilizados numa situação concreta de fala [...]” Fiorin (2002, p. 166). O segundo tipo de habilidade a que o autor se refere está relacionado a aspectos do funcionamento mental, os quais “[...] interferem no modo como processamos as informações – e, consequentemente, o discurso. Nossa capacidade de ver e interpretar o mundo [...]” Martelotta (2008, p. 64). (02) O tempo fechou. Isso vai me fazer usar o guarda-chuva (MARTELOTTA, 2008, p. 64) A utilização do pronome isso, que, em sua forma original, funciona como um dêitico, isto é, localiza os objetos no espaço físico, cuja referência é a localização dos participantes da situação comunicativa, passa a fazer referência, no excerto 31 mencionado, a uma informação citada no interior do texto: “o tempo fechou”. O que ocorre aqui, portanto, é uma expansão da dêixis “espacial” para a dêixis “textual”, processo extremamente produtivo nas línguas naturais, ou seja, a organização de espaço/tempo do mundo físico é empregada de forma análoga, caracterizando, assim, o universo mais abstrato do texto (Cf. MARTELOTTA, 2008). Partindo desse valor anafórico, a expressão pode desenvolver papel de conjunção. Fato que pode ocorrer quando o isso se associa à preposição por, para funcionar como conjunção conclusiva, como exposto em (03). (03) O tempo fechou, por isso usei o guarda-chuva (MARTELOTTA, 2008, p. 64). Procedimentos como esses são bastante produtivos nas línguas, e os linguistas, cuja perspectiva de trabalho é a linguística cognitivo-funcional “[...] associam-no a um fenômeno mais geral segundo o qual a experiência humana mais básica, que estabelece a partir do corpo, fornece as bases de nossos sistemas conceptuais” Martelotta (2008, p.64). Isso nos mostra que não nos expressamos numa língua apenas denominando o modo de estruturar suas frases, mas sabendo combinar essas unidades sintáticas em situações comunicativas eficientes. Para tanto, necessitamos conhecer, não somente, as regras semânticas, sintáticas, morfológicas, fonológicas, mas também as pragmáticas. Regras essas, certificadas por Neves (2006), as quais estão integradas aos pontos considerados centrais numa teoria funcionalista, a saber: o uso da língua em relação a todo o sistema, o significado em relação às formas linguísticas e o social em relação às escolhas individuais do falante. Assim sendo, a maneira de produzir o discurso do falante se constitui como uma intrincada interação linguística, na qual se envolvem diferentes fatores como: o contexto, as informações pragmáticas – tanto do falante, como as que ele julga que o ouvinte possui –, o planejamento, entre outros, sendo, portanto, as variações e desvios da gramática normativa imprescindíveis no ato comunicativo. Neves (2006) entende, portanto, a gramática da língua como funcional, ou seja, uma gramática do uso que busca, essencialmente, verificar como a comunicação é processada em uma determinada língua, e, para isso, não elege como tarefa descrever a língua enquanto sistema autônomo. Não desvincula, 32 portanto, as peças desse sistema das funções que elas preenchem. Furtado da cunha (2007), por sua vez, seguindo o pensamento de Hopper (1987) considera a gramática como emergente. Segundo a autora: A gramática na ótica emergente não abriga apenas as palavras ou construções tradicionalmente consideradas como pertinentes ao âmbito gramatical, mas também quaisquer porções linguísticas recorrentes, como expressões idiomáticas, provérbios, clichês, fórmulas, sintagmas especializados, transições, aberturas, fechamentos. Tais elementos tendem à rotinização e à fixação, e são sujeitos às pressões contextuais, como todas as formas gramaticais [...] (FURTADO DA CUNHA, 2007, p.18). Ora, se consideramos que a língua se constitui muito mais do que de uma gramática e que esta não é a chave (ou a fonte) da intercompreensão, certamente, podemos considerar essa a gramática como um produto da atividade verbal. Em outras palavras, uma gramática constituída nos usos discursivos, correspondendo, assim, a uma organização cognitiva aperfeiçoada a partir de experiências passadas de ativação discursiva individuais de cada sujeito falante. Nesse sentido, aquilo que os participantes do ato comunicativo acionam cognitivamente quando falam é fruto de experiências passadas, de uso de certas construções, a que acrescenta a avaliação do contexto interativo, cujo enfoque está na imagem do interlocutor, não num conjunto fixo de postulados. Sua capacidade cognitiva, enquanto falantes, permite-lhes, portanto, a partir dos eventos discursivos, categorizar e classificar semelhanças e diferenças. Isso pressupõe a ideia de acreditar que a gramática, tal como o discurso, é vista como um fenômeno social e se partirmos da ideia que a “[...] gramática é constituída nos contextos específicos de uso da língua, para compreendê-la é preciso levar em conta a perspectiva discursivo-textual. Buscamos, portanto, explicar a forma da língua a partir das funções que ela desempenha na comunicação” Furtado da Cunha (2007, p. 19). O que podemos depreender, a partir da visão (ou visões) apresentada(s) de gramática a partir da ótica funcionalista, é que a língua/gramática não é vista como um sistema estático e imutável, com regras a serem seguidas, e os desvios considerados como “erros”. O que deve ser enfatizado, portanto, é uma língua/gramática dinâmica, maleável, que depende do uso que se faz dela passando a ser determinada pelas situações comunicativas, motivadas pelas circunstâncias e pelos contextos específicos de uso. Isso nos autoriza a atestar que a corrente 33 funcionalista pode ser uma perspectiva para reflexões acerca do ensino de língua, representando, assim, uma tentativa de mudar velhos paradigmas seguidos há séculos (Cf. OLIVEIRA; COELHO, 2003). No entanto, isso, de fato, só poderá acontecer, quando os resultados das pesquisas ultrapassarem os muros escolares, fazendo com que os que ali estiverem, adotem uma nova concepção de língua(gem), de gramática e de ensino. Mediante os pressupostos aqui discutidos, podemos postular que, com os avanços teóricos nos estudos linguísticos, a forma de conceber os fenômenos associados à gramática das línguas mudou significativamente. As concepções aperfeiçoaram-se, algumas abandonadas ou mesmo retomadas devido às descobertas das ciências. Martelotta (2008) admite, pois, a existência de duas grandes tendências linguísticas atualmente: a gerativista e a cognitivo-funcional. A primeira concebe a linguagem como função biológica, cujos aspectos formais da língua são objetos privilegiados de abordagem. A segunda, por sua vez, procura compreender a estrutura das línguas partindo do uso, estabelecendo, portanto, uma relação entre biologia e cultura. Que concepção teremos, no futuro, somente os estudos e pesquisas (que não poucos) acerca do fenômeno linguístico poderão dizer. A sintaxe, segundo a concepção dos autores funcionalistas, “é uma estrutura em constante mutação em consequência das vicissitudes do discurso” Martelotta e Areas (2003, p.23). Nesse sentido, o “fenômeno sintático” para ser compreendido, necessitaria de um estudo da língua que levasse em consideração seu uso, situações específicas, uma vez que a gramática é constituída em espaços como esses. Nesse sentido, o estudo do fenômeno sintático deveria considerar a língua em uso em seus contextos discursivos particulares, uma vez que é em espaços como estes que a gramática se constitui. Com o avanço da teoria funcionalista, percebemos que as ideias, por ela instituídas, contribuem para que os teóricos desta corrente possam focalizar os mecanismos que geram a mudança nos fatores comunicativos; que a linguagem é uma atividade sociocultural; as gramáticas são emergentes; e a estrutura das sentenças é sempre maleável. Os princípios instituídos por Hopper comprovam tais proposições. Ao tratar da gramaticalização, 34 Hopper (1991) afirma que a gramática de uma língua é sempre emergente, ou seja, estão sempre surgindo novas funções/valores/usos para formas já existentes e, nesse processo de emergência, verificável a partir de padrões fluidos da linguagem, é possível reconhecer graus variados de gramaticalização que uma forma vem a assumir nas novas funções que passa a executar, tornando-se imperioso, então, contar com recursos que permitam identificar os primeiros estágios de processo de mudança (GONÇALVES; CARVALHO, 2007, p. 79). Para dar sequência aos estudos dos princípios funcionalistas, Talmy Givón publica From Discouse to Syntax em 1979. Essa produção, de caráter antigerativista, afirma que “a sintaxe existe para desempenhar uma certa função, e é essa função que determina sua maneira de ser” Furtado da Cunha (2008, p.164). Nessa perspectiva, a pragmática do discurso desempenha um papel determinante na explicação da sintaxe da linguagem, o que pressupõe dizer que, para Givón, a sintaxe é uma entidade dependente, funcionalmente motivada por processos comunicativos e cognitivos. Assim, a modalidade comunicativa é postulada por dois polos extremos: o pragmático e o sintático, cujas propriedades estruturais podem ser caracterizadas tendo em vista parâmetros funcionais. Além dos trabalhos de Givón, a produção de Thompson é considerada marcante na análise funcionalista. Em coautoria com Paul Hopper, publicaram Transitivity in grammar and discours (1980), obra em que revolucionaram a concepção de transitividade, extraindo-a do âmbito do verbo e colocando-a no discurso. Nesse sentido, Thompson e Hopper consideram o contexto discursivo como motivador para os fatos da língua. Defendem que a transitividade está relacionada aos planos do discurso. Os autores concebem como um complexo de dez parâmetros sintáticosemânticos focalizadores de diferentes ângulos da transferência da ação em uma parte distinta da oração. Mesmo que sejam independentes, os dez traços da transitividade trabalham em parceria, de modo a articularem-se na língua, pressupondo a ideia de união dos mesmos para que a transitividade aconteça. Furtado da Cunha; Costa e Cezário (2003, p.37); Furtado da Cunha e Souza (2007, p.37) disponibilizam um quadro com esses dez parâmetros para mostrarem que a transitividade não se manifesta apenas no verbo, mas no todo da oração, que emerge das relações estabelecidas entre os elementos que a compõem. Vejamos. 35 Quadro 01: Parâmetros da transitividade PARÂMETROS TRANSITIVIDADE TRANSITIVIDADE ALTA BAIXA 1. Participantes dois ou mais um 2. Cinese ação não ação 3. Aspecto do verbo perfectivo não perfectivo 4. Pontualidade do verbo pontual não pontual 5. Intencionalidade do sujeito intencional não intencional 6. Polaridade do sujeito afirmativa negativa 7. Modalidade da oração modo realis modo irealis 8. Agentividade do sujeito agentivo não agentivo 9. Afetamento do objeto afetado não afetado 10. Individuação do objeto individuado não individuado Citando a proposta de Hopper e Thompson (1980), Furtado da Cunha e Souza (2007) ressaltam que uma faceta distinta da intensidade com que uma ação é transferida de um participante para outro é envolvida por cada componente da transitividade. Os componentes da transitividade são, portanto, caracterizados a partir dos parâmetros: a) Participantes: não há transferência a não ser que dois participantes estejam envolvidos. b) Cinese: pode haver transferências de ações de um participante para outro; estados não. Nesse sentido, em (04) Eu abracei Sally (p. 37)3, alguma coisa acontece com Sally, mas em (05) Eu admiro Sally (p.37), nada acontece. c) Aspecto: uma ação vista do seu ponto final, ou seja, uma ação télica – terminada – é transferida de forma mais eficaz para um paciente do que uma ação não terminada. Na oração télica (06) Eu comi sanduíche (p. 37), a atividade é vista como completa, e a transferência é completamente realizada; porém, na oração atélica, (07) Eu estou comendo o sanduíche (p.37), a transferência é realizada apenas de forma parcial. 3 Os exemplos citados nos 10 parâmetros pertencem a Furtado da Cunha e Souza (2007), mas renumerados por nós, por questões didático-metodológicas. 36 d) Pontualidade: ações que se realizam sem nenhuma fase de transição evidente entre o início e o fim têm um efeito mais marcado sobre seus pacientes do que ações que são inerentemente contínuas. Por exemplo: o verbo (08) chutar é pontual quando contraposto ao verbo (09) carregar, que é não-pontual. Nesse caso, devemos levar em consideração tanto o contexto quanto o significado do verbo. e) Intencionalidade: o efeito sobre o paciente é tipicamente mais aparente quando a ação do agente é apresentada como proposital. Por exemplo, (10) Eu escrevi seu nome (intencional), em contraposição com (11) Eu esqueci seu nome (não intencional) (p. 38). f) Polaridade: as orações afirmativas (ações que aconteceram) podem ser transferidas. Por exemplo: (12) Eu entreguei o livro à professora (p. 38). As negativas (ações que não aconteceram) não podem. Por exemplo: (13) O menino não comeu o sanduíche (p. 38). f) Modalidade: refere-se à distinção entre a codificação “realis” e “irrealis” de eventos. Uma ação que não aconteceu, ou que é apresentada como tendo acontecido em um mundo irreal, hipotético, ou que expressa um evento incerto é, obviamente, menos efetiva do que aquela cuja ocorrência é de fato asseverada como correspondendo a um evento real. Por exemplo: (14) Maria vai comprar um vestido novo (p. 38), o verbo está no futuro. Isso pressupõe que a ação de comprar ainda não aconteceu, ficando, portanto, a oração marcada com irrealis. g) Agentividade: participantes cuja agentividade é alta podem efetuar a transferência de uma ação de um modo que participantes com baixa agentividade não podem. Nesse sentido, quando interpretamos a frase de maneira normal (15) João me assustou (p.38) é de um evento perceptível com consequências perceptíveis, mas (16) O filme me assustou (p. 38) poderia ser apenas uma questão de estado interno. g) Afetamento: o grau em que uma ação é transferida para um paciente é uma função de quão completamente esse paciente é afetado. Por exemplo, o afetamento é mais efetivo em (17) Eu bebi o leite todo do que em (18) Eu bebi um pouco do leite (p. 38). h) Individuação: esse componente se refere tanto ao fato de o paciente ser distinto do agente quanto à distinção entre o paciente e o fundo em que ele se encontra. Desse modo, os referentes dos substantivos com propriedades de substantivo próprio, humano e animado, concreto, singular, contável e referencial ou definido 37 são mais altamente individuados do que aqueles com substantivos que contêm propriedades contrárias às referidas acima4. Conforme Hopper e Thompson (1980) apud Furtado da Cunha e Souza (2007, p. 39.), “uma ação pode ser mais eficazmente transferida para um paciente que é individuado do que para um que não é; desta forma, um objeto definido é considerado como mais completamente afetado do que um objeto indefinido [...]”. Por exemplo: em (19) Pedro bebeu a cerveja, existe uma provável implicação de que ele tomou toda a cerveja disponível, mas quando dizemos que (20) Pedro bebeu um pouco da cerveja, não há essa implicação, a menos que, na situação do evento, havia somente a cerveja correspondente ao que bebeu. A mesma coisa acontece com pacientes animados e inanimados: em (21) Eu me choquei com Pedro, há, provavelmente, um foco de atenção no efeito do evento em Pedro, ou quem sabe em ambos participantes – eu e Pedro – porém, em (22) Eu me choquei com a mesa, é menos provável que alguma coisa tenha acontecido com a mesa, e mais provável que o efeito sobre o agente esteja sendo ressaltado. Confirmando a eficácia da proposta de Hopper e Thompson (1980), Furtado da Cunha e Sousa (2007) ressaltam que cada um desses parâmetros contribui para a ordenação de orações em uma escala de transitividade. Assim sendo, são mais transitivas as orações que apresentam mais parâmetros da escala da alta transitividade – parâmetros marcados positivamente – e menos transitivas as orações que possuem menos parâmetros da alta transitividade, conforme apresentado no quadro 1 e nos exemplos analisados. Comprovando que os funcionalistas veem a transitividade como uma propriedade escalar que focaliza diferentes ângulos da transferência da ação de um agente para um paciente em diferentes porções da oração, trazemos para análise mais exemplos. Vejamos: (23) Batman derrubou o Pinguim com um soco. (24) A mulher Gato não gostava do Batman. (25) Esse rio tem uma forte correnteza. (26) Então o Pinguim chegou na festa. (HOPPER e THOMPSON apud FURTADO DA CUNHA, 2008, p.171). 4 As propriedades da individuação podem ser conferidas em Furtado da Cunha e Souza (quadro 2) (2007, p.39). 38 De acordo com a gramática tradicional, os três primeiros exemplos são transitivos, uma vez que apresentam um objeto como complemento do verbo. Conforme o pensamento de Hopper e Thompson (ressaltado quando tratamos dos parâmetros da transitividade), o exemplo que ocupa lugar mais alto na escala de transitividade é o (23), acompanhado de (26) e (24) e, finalmente, (25), levando-se em conta aspectos como dinamicidade do verbo, agentividade do sujeito e a afetação do objeto (Cf. FURTADO DA CUNHA, 2008). A gramática tradicional sempre gozou de grande prestígio social. No entanto, com o avanço dos estudos linguísticos, o conceito de transitividade apresentado nela suscitou várias críticas entre os estudiosos, principalmente, pelos funcionalistas norte-americanos que apresentam uma alternativa de análise para esse fenômeno linguístico completamente diferente daquele exposto nos compêndios gramaticais, seguidos até os dias atuais. Os estudiosos dessa corrente teórica compreendem a transitividade [...] não como uma propriedade categórica do verbo, como defende a gramática tradicional, mas como uma propriedade contínua, escalar (ou gradiente), da oração como um todo. É na oração que se podem observar as relações entre o verbo e seu(s) argumento (s) – a gramática da oração (FURTADO DA CUNHA; SOUSA, 2007, p.29). Diante do exposto, o que se propõe, na verdade, é que a análise da transitividade seja realizada, não exclusivamente, em relação ao verbo, mas à sentença toda, ao contexto discursivo. Na verdade, “Quanto às classificações tradicionais da transitividade verbal, elas se referem, como sabemos, ao tipo de complemento que é acionado pela semântica do verbo, ou no caso dos intransitivos, pela necessidade de complemento. No entanto, como sempre, é o contexto discursivo que vai determinar o caráter transitivo e/ou intransitivo de um verbo” (BAGNO, 2011, p.516) Consoante Hopper e Thompson (1980), o fenômeno da transitividade se constitui por um componente semântico e um componente sintático. Um evento descrito por uma oração transitiva deve envolver pelo menos dois participantes: um agente – responsável pela ação – ao qual atribuímos a codificação de sujeito, e um paciente – o que é afetado por essa ação – a quem nos referimos como objeto direto. Esses participantes são chamados de argumentos do verbo. Levando-se em conta o ponto de vista semântico, o evento transitivo prototípico, conforme nos 39 atestam Furtado da Cunha e Souza (2007) se define pelas propriedades de agente, do paciente e do verbo, os quais envolvem a oração codificada por esse evento. Delimitar as propriedades desses três elementos é, em princípio, uma questão de grau. Quando consideradas do ponto de vista sintático, todas as orações (e verbos), cujos objetos são diretos são transitivas; as que não apresentam objetos diretos, porém, são intransitivas. Dessa forma, [...] se uma oração codifica um evento semanticamente transitivo, o agente do verbo é o sujeito da oração e o paciente do evento é o objeto direto da oração. Contudo, a manifestação discursiva de um verbo potencialmente transitivo depende de fatores pragmáticos, como a perspectiva a partir da qual o falante interpreta e comunica o evento narrado [...] (FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2007, p.29-30). Retomamos aqui dois exemplos citados pelas autoras, demonstrando, pois que um evento pode ser transmitido tanto da perspectiva do agente responsável pela ação, exemplo (27), quanto do ponto de vista do objeto por ela afetado, exemplo (28): (27) O menino quebrou a vidraça. (28) A vidraça foi quebrada pelo menino. (FURTADO DA CUNHA; SOUZA 2007, p.30). Analisando, portanto, as orações partindo da proposta de Hopper e Thompson (1980), notamos que ambas as construções apresentam transitividade alta, pois contêm mais traços positivos do que negativos no complexo: dois participantes (menino e vidraça); verbo de ação (quebrou/foi quebrada); aspecto perfectivo (verbos no passado); verbo pontual (ação completa); sujeito intencional; oração afirmativa; oração realis (modo indicativo); sujeito agente: menino/paciente: vidraça); objeto afetado e individuado (vidraça). O fato expresso por essas orações é o mesmo, contudo, visto de maneiras diferentes, recebendo foco diferente em cada uma das construções. Retornando às noções sobre o conceito e o processo de transitividade, tomamos consciência de que não se restringem a situações prototípicas, cujas propriedades são específicas, limitadas. Pelo contrário são dinâmicas, variando de acordo com a função exercida em determinadas situações. Nota-se, portanto, que estabelecer classificações para os verbos fora de uma análise contextual descritiva é, sem dúvida, limitar o ensino/estudo da transitividade. 40 Trabalhar a transitividade seguindo a proposta apresentada por Furtado da Cunha; Sousa (2007) é bastante diferente de trabalhar seguindo o ponto de vista tradicional. A proposta a que as autoras funcionalistas se referem trata da transitividade como sendo característica de toda a sentença. A proposta apresentada pela visão tradicional se refere à transitividade como uma característica restrita aos verbos, o que limita a análise da língua enquanto interação social já que nessa concepção analisamos tanto os aspectos linguísticos quanto os extralinguísticos. Isso pode ser constatado, na linguagem jornalística investigada, quando analisamos os verbos vender e alugar, em que aparecem construções com esses verbos e levamos em consideração a transitividade como sendo característica de toda a sentença. No que concerne às questões de mudança linguística, gramaticalização e empréstimo seguindo um modelo semelhante aos dos linguistas americanos, há um grupo de funcionalistas europeus, na Alemanha, reunido por Bernd Heine, na universidade de Colônia, Tânia Kuteva em Dusseldorf, entre outros (Cf. FURTADO DA CUNHA, 2008). Como podemos perceber, a corrente funcionalista contemporânea difere das abordagens formalistas – estruturalismo e gerativismo –, por considerar a linguagem como instrumento de interação social, buscando explicar as regularidades observadas no contexto discursivo. Nesse sentido, fica evidente que a situação comunicativa motiva, explica e determina a estrutura gramatical, pressupondo considerar que as construções gramaticais se moldam por motivações de ordem semântico-pragmática. Para os teóricos e estudiosos do funcionalismo, conforme já mencionamos, a linguagem é vista como um instrumento de interação social e tendo como tendências, em sua análise, a relação entre linguagem e sociedade. Por isso, em seus estudos, pretende investigar os aspectos e os elementos que formam a linguística que vai além da estrutura gramatical, suas intenções e o contexto. Dentre as categorias que compõem a abordagem funcionalista, estão a informatividade, a iconicidade, a marcação, a transitividade e plano discursivo, e a gramaticalização (...). Esses pressupostos teóricos contribuem para que a linguagem seja concebida a partir da interação social e buscam explicar os fenômenos linguísticos pela verificação do uso da língua que está além da estrutura gramatical. 41 Nesta pesquisa, apesar de não fazer uma análise profunda envolvendo os dados coletados, lançamos mão da categoria transitividade para explicar o porquê de priorizar a língua em uso. A categoria da informatividade consiste em estudar o compartilhamento de informações pelos interlocutores, nos processos de interação verbal. Esse princípio tem como objeto de aplicação o exame do status informacional dos referentes nominais que, por sua vez, podem ser classificados como dado, novo, velho, disponível e inferível (Cf. FURTADO DA CUNHA, 2008). “Tradicionalmente, a parte da cláusula que apresenta a informação velha é denominada tema, enquanto a parte que apresenta a informação nova é denominada rema” (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZÁRIO, 2003, p. 29). Nesse sentido, podemos dizer que um referente é dado ou velho, quando este já tem advindo textualmente – referente dado no texto – ou se o mesmo se encontrar disponível no contexto da fala – referente dado na situação. Para que possamos compreender melhor a informatividade, alguns exemplos citados em Furtado da Cunha (2008) são retomados aqui: (29) a) aí o mecânico falou que... (Ø) não sabia qual o homem que tinha apertado aquilo ((riso)) b) E: e: agora eu queria que você me... me dissesse... alguma coisa que você sabe fazer... ou que você... goste de fazer... e como é que se faz isso... (FURTADO DA CUNHA, 2008, p.166). Face ao exposto por Furtado da Cunha (2008), damo-nos conta de que o sujeito do verbo “saber”, no exemplo (29a) – que está marcado com o símbolo (Ø), indicando a omissão do mesmo – foi citado na primeira declaração, constitui-se, um caso de referente antes dado (ou tema): “o mecânico”, não necessitando, portanto, se repetir posteriormente. No exemplo (29b), por sua vez, o entrevistador pede para o informante lhe dizer alguma coisa que sabe fazer, mesmo havendo a ambiguidade da palavra você, que pode estar se referindo tanto ao interlocutor quanto a outra pessoa, o contexto permite ao interlocutor – entrevistado – inferir que é a ele que o falante pretende se referir. Quanto ao sentido do termo, temos um caso de referente situacionalmente dado, já que, em ocorrências como estas, a situação contextual é esclarecedora. Quando um referente é introduzido pela primeira vez, no discurso, ele é caracterizado como novo – exemplo (29c). Contudo, se o ouvinte já dispuser dele 42 em sua mente, sendo ele um referente único – em determinado contexto caracteriza-se como disponível. “Construções como: “a lua”, “o sol”, Pelé”, ou “Petrópolis” – exemplo (29d): (29) c) aí quando chegou... ali na:: decida/ porque é... Barra... Tijuca... né? quando estava quase chegando a... Tijuca... vinha... um ônibus na:: direção deles... e tinha um caminhão... parado aqui... (Informante 12, Diário, Discurso & Gramática, RJ) d) ... mas ... eu fui a Petrópolis com uma amiga... que nunca tinha subido a serra (FURTADO DA CUNHA, 2008, p.166) Caracteriza-se como inferível, um referente, cuja indicação é feita por meio de uma técnica de inferência, como no excerto (29e) através de outros elementos dados. Comumente, as construções inferíveis trazem como código um artigo definido. (29) e)... quando ela viu o ônibus passar ... mas o ônibus já estava indo... e ela começou a gritar e todo o ponto de ônibus assim lotado... né? ela começou a gritar pro motorista... mas ela estava um pouco longe... (FURTADO DA CUNHA, 2008, p.166). No caso citado, a informante não fez menção ao referente “o motorista”, o que não se constitui informação dada – ou velha. Todavia, quando falamos que um ônibus passava em um ponto (parada) pressupomos que nele ia um motorista. Dessa forma, não há problemas para que o ouvinte identifique tal informação, visto que, por si só, ela não pode ser considerada como nova. Assim, incluímos esse caso nos exemplos dos referentes inferíveis. Retornando ao que afirma Furtado da Cunha sobre o status informacional dos elementos linguísticos, observamos que ele é importante no sentido de interferir na organização de tais elementos na cláusula, por exemplo, informações que serão discutidas no princípio da iconicidade tratado a seguir. A iconicidade, como atestam os funcionalistas, estuda a correlação natural e motivada existente entre o código linguístico, correspondente à expressão e seu significado, correspondente ao conteúdo, isto é, entre forma e função. Os estudos funcionalistas defendem a ideia de que a estrutura da experiência é refletida pela estrutura da língua. “Como a linguagem é uma faculdade humana, a suposição geral 43 é a de que a estrutura linguística revela o funcionamento da mente, bem como as propriedades da conceituação humana do mundo” Furtado da Cunha (2008, p.167). No entanto, a versão original do princípio da iconicidade que postulava uma relação isomórfica de um para um entre forma e conteúdo foi reformulada a partir dos estudos sobre variação e mudança, donde houve a constatação da existência de duas ou mais formas alternativas para proferir “a mesma coisa”. Neves (2006, p.23) certifica que deve ser descartada a hipótese de um “[...] isomorfismo, ou relação biunívoca, nas relações entre forma e significação, já que nada justifica defender que um signo seja imagem de seu referente, concepção que levaria a que se deixasse de admitir sinonímia ou homonímia nas línguas”. Convém lembrarmos, a essa altura, que na língua usada, em nosso dia-a-dia, de modo particular na modalidade escrita, há, certamente, inúmeras ocorrências, cuja relação não é clara, óbvia, entre expressão e conteúdo. Isso nos leva a pensar que há uma aparente arbitrariedade na relação forma vs. significado, já que o significado original do componente linguístico se perdeu de forma total ou parcial, como também a motivação para sua criação (FURTADO DA CUNHA, 2008). A título de ilustração, citamos o caso do item entretanto: (ex.: “Estudou muito, entretanto, não passou”) que, hoje, é usado como conjunção adversativa, cuja origem está na antiga expressão entre tanto, que, segundo Said Ali (1971 apud Martelotta, 2003, p.67), “desempenhava função de circunstanciador temporal com valor de entrementes, enquanto isso sucede”. O uso, atualmente, adotado é totalmente diferente do seu significado original presente em textos arcaicos do português – advérbio de tempo – com o valor de “enquanto isso”, “ao mesmo tempo” “entre tantos acontecimentos”, ideia essa que, segundo a autora, permanece no item “entre” encontrado em construções como: “entre” + “tanto” presentes nos dados do Grupo de Estudos Discurso & Gramática, formado por professores da UFRJ, UFF e da UFRN. Segundo Furtado da Cunha (2008), três subprincípios constituem o princípio da iconicidade, a saber: o subprincípio da quantidade que corresponde à quantidade de informação, uma vez que sendo maior a quantidade de informação será maior a quantidade de forma, equivalendo, portanto, a construção gramatical e a estrutura do conceito expresso. Podemos exemplificar esse subprincípio a partir das palavras derivadas, cujas formas ganham comprimento em relação às palavras primitivas que as originaram: 44 (30) BELO > BELEZA > EMBELEZAR > EMBELEZAMENTO (FURTADO DA CUNHA, 2008, p.168). O subprincípio da integração, por sua vez, presume que quanto mais próximos estiverem os conteúdos cognitivos, mas próximos, também, estarão as formas no nível da codificação. Mente e sintaxe se relacionam mutuamente. Podemos notar isso nos exemplos seguintes: (31) - Maria ordenou: fique aqui. (32) - Maria fez a filha ficar ali. (33) - A filha não queria ficar ali. (FURTADO DA CUNHA, 2008, p. 169). Observando os exemplos, podemos perceber que quanto menor a integração entre o verbo da oração principal e o verbo da oração subordinada, maior a probabilidade de separação entre os dois eventos, seja por meio de elementos da subordinação, seja por meio de pausa. No exemplo (31), existem dois eventos separados, o ato de dizer algo e o ato de ficar ali. Além do mais, os verbos – núcleos da oração – referem-se a diferentes sujeitos, apresentando, assim, codificação modo-temporal diferentes. No exemplo (32), a integração semântica e sintática é maior, não ficando tão fácil afirmar que se trata de dois eventos separados e que não existe um elemento implícito separando as duas orações, uma vez que o objeto da primeira é o sujeito da segunda. No exemplo (33), semântica e sintaxe se fundem de forma mais evidente, não ficando nítida, também, a distinção entre os eventos distintos, uma vez que o sujeito de “querer” é o mesmo de “ficar” e, de modo obrigatório, o sujeito desse segundo verbo apaga-se. O subprincípio da ordenação sequencial se refere ao modo de ordenar os elementos na cadeia sintática como também à ordenação das orações de acordo com a realidade em que elas ocorrem, conforme uma sequência temporal. Desse modo, podemos construir uma sequência como esta: “sabe como é bom um estrogonofe... compra o camarão:: limpa o camarão... põe o camarão... boto cebola... pimentão... tomate... cozinho ele... deixo ele cozinhar um pouquinho assim...” Furtado da Cunha (2008, p. 169). As orações estão postas de acordo com a ordem de ocorrência na realidade: primeiro compra os ingredientes, para depois fazer o strogonof. Caso invertêssemos a ordem das orações, a sequência dos fatos também mudaria. A marcação, que distingue por oposição binária um termo marcado de outro não marcado, foi introduzida na linguística pela Escola de Praga. Nesse sentido, um 45 entre dois elementos opostos considera-se marcado ao apresentar uma propriedade ausente no outro membro não marcado. As formas não marcadas apresentam várias características, a saber: (34) a) maior frequência de ocorrência nas línguas em geral e em uma língua particular; b) contexto de ocorrência mais amplo; c) forma mais simples ou menor; d) aquisição mais precoce pelas crianças (FURTADO DA CUNHA, 2008, p.170). Analisemos o conceito de marcação no nível sintático e vejamos as consequências apresentadas no uso da língua a partir dos exemplos abaixo: (35) Eu uso esta roupa (36) Esta roupa eu uso. (FURTADO DA CUNHA, 2008, p. 171). O exemplo da construção em 36 é mais marcado, uma vez que ordenamos com maior frequência construções como a apresentada em 35: SVO – sujeito (Eu), verbo (uso), objeto (esta roupa). Quando refletimos acerca da expressividade dessas estruturas, percebemos implicações interessantes. Se perguntássemos qual das duas frases seria a mais expressiva, certamente a resposta recairia na construção 36, uma vez que “[...] expressa algum tipo de força argumentativa associada à ideia de que aquela roupa é de um tipo que agrada mais ao falante do que alguma outra” Furtado da Cunha (2008, p.170); coisa que não acontece no primeiro exemplo, já que temos uma simples afirmação, não apresentando, de forma necessária, qualquer argumento dessa natureza. Em se tratando das categorias transitividade5 e plano discursivo, já tratamos quando discutimos sobre sintaxe. Quanto à gramaticalização – contínuo "fazer-se" da gramática, uma gramática sempre emergente, na visão hopperiana (Cf. GONÇALVES; LIMA-HERNANDES; CASSEB-GALVÃO; CARVALHO, 2007) – salientamos que, dentre os vários processos de mudança linguística, ele é considerado um dos mais comuns, 5 Transitividade (do latim transitivus = que vai além, que se transmite), em seu sentido original, denota a transferência de uma atividade de um agente para um paciente (FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2007, p.25). 46 observando-se as línguas de modo geral, constituindo-se, portanto, como objeto privilegiado de investigação na perspectiva funcionalista. Isso porque procura explicar o processo de variação/mudança pelas quais um item lexical ou construções passam, assumindo outros sentidos e funções. Outro trabalho a que sempre se faz referência em apresentações sobre esse princípio, ainda segundo Neves (2006), é a proposta de Givón (1971), cujo aforismo a identifica dizendo que ‘a morfologia de hoje é a sintaxe de ontem’. Proposta essa adotada por Furtado da Cunha (2008). Para Hopper; Traugott (1993, p. 173) a “[...] gramaticalização designa um processo unidirecional, segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais”. O comum é que o processo aconteça com itens e expressões muito frequentes, fazendo com que o termo normalmente se desgaste foneticamente e perca sua expressividade. Com isso, o elemento não faz mais referência ao mundo biossocial, pois assume funções de caráter gramatical, tais como: ligar elementos textuais, sugerir categorias gramaticais, como o tempo de um verbo ou o gênero de um nome, entre outros. Quanto às causas da gramaticalização, Neves (2006) assegura que a investigação direciona-se às relações existentes entre gramática e cognição. Certificando sua posição, a autora cita Givón (1991), para quem a gramaticalização pode ser vista sob a perspectiva diacrônica, porém do ponto de vista da cognição ela é um processo instantâneo envolvendo, pois, “um ato mental pelo qual uma relação de similaridade é reconhecida e explorada: por exemplo, pode-se dar a um item primitivamente lexical um uso gramatical em um novo contexto, e nesse mesmo momento ele se gramaticaliza” (GIVÓN, 1991 apud NEVES, 2006, p.21). Sob esse prisma do processo de gramaticalização, há uma distinção entre a semântica e a pragmática – na extensão funcional – e a fonologia e a morfologia – no ajustamento linguístico. Para que compreendamos, portanto, o processo de gramaticalização, recorremos a Martelotta (2011, p.117) que o define como “[...] um processo de características translinguísticas que prevê o desenvolvimento de elementos gramaticais nas línguas naturais. É um processo unidirecional motivado essencialmente por fatores cognitivos e comunicativos”. Não se pode esquecer a distinção entre léxico e gramática sugerida por Martelotta (2006), pois ele acredita ser fundamental tal distinção que se faz em linguística. Vejamos: 47 . Léxico: é composto por elementos linguísticos que fazem referência a dados do mundo biossocial, ou seja, termos que designam basicamente entidades (substantivos), ações/processos (verbos) e qualidades (adjetivos). . Gramática: é composta por elementos linguísticos que têm a função de expressar noções gramaticais (os verbos auxiliares, os afixos e as desinências,) ou de organizar as palavras do léxico na frase ou as frases no discurso (os verbos de ligação, os advérbios, os pronomes, os artigos, as preposições e as conjunções) (MARTELOTTA, 2006, p.257). Mediante a distinção, o autor adverte que não se deve tomar como categórica, já que há termos prototipicamente lexicais – os substantivos e os verbos de ação e de processo – e termos prototipicamente gramaticais – as preposições e as conjunções. Contudo, há elementos, cujas características assumem um papel intermediário, fazendo com que haja diferentes pontos de vista acerca de sua classificação no campo lexical ou gramatical. Por exemplo, os pronomes e advérbios que são assumidos como mais gramaticais do que os substantivos e menos gramaticais do que as conjunções. Citamos mais uma vez Furtado da Cunha (2008, p. 174), cujos exemplos ilustram o processo de gramaticalização de forma substancial. Vejamos: a) A trajetória de substantivo e verbos para conjunções. O verbo querer pode passar a ser usado como conjunção, como é o caso dessa construção: (37) “Quer chova quer faça sol, estarei lá”, bem como o elemento logo, cujo valor, no português arcaico era o de substantivo e, hoje, pode ser usado como conjunção conclusiva em exemplos como: (38) “Penso, logo existo”. b) A trajetória de nomes e verbos para morfemas. É o que ocorre com as construções, cuja expressão “tranquila mente” (“intelecto”) passa a ser utilizado como sufixo formador de advérbio: “tranquilamente”. Processo que pode também ocorrer com a locução “amar hei”, cuja forma do verbo “haver” – hei – é incorporada ao verbo, fazendo-o funcionar como desinência de futuro: “amarei”. Esses são apenas alguns exemplos. No entanto, nos estudos sobre o processo de gramaticalização, encontram-se muitas pesquisas acerca do nível lexical e para além do nível lexical, pressupondo, assim, a renovação constante do sistema linguístico, cuja percepção se dá por meio do surgimento de novas funções para formas que já existem, assim como de novas formas para funções que já existem, certificam Gonçalves e Carvalho (2007), para os quais tal renovação traz a 48 noção de “gramática emergente”, concepção essa assumida por muitos estudiosos do processo. No esboço teórico dos autores citados há pouco, um dos pontos discutidos que chamou nossa atenção e que poderá contribuir para compreensão do fenômeno que investigamos, neste trabalho, é o estudo dos princípios de Hopper (1991), os quais servem de parâmetros para acentuar o caráter gradual do processo de variação, não discriminando, pois, os procedimentos de mudança, os quais resultam em gramaticalização, bem como os que não resultam. Ao analisar os princípios de Lehmann (1982), Hopper (1991) assegura que eles são muito valiosos, porém não são aplicáveis às formas que se encontrem no início de um processo de gramaticalização, apenas aos processos já adiantados. Nesse sentido, para analisar as formas não contempladas por Lehmann, Hopper sugere cinco princípios: estratificação, divergência, especialização, persistência e descategorização. Conforme o primeiro princípio (estratificação), quando ocorre o processo de gramaticalização, novas formas surgem dentro do sistema linguístico e coexistem com as formas antigas, interagindo com elas, já que as formas originais não desaparecem de forma imediata do sistema. É o caso da expressão a gente que, no PB, passou a competir, em alguns contextos, com as formas de 1ª pessoa: eu e nós; e mais frequente ainda com a forma nós. Tais formas estão convivendo lado a lado, uma vez que do ponto de vista da estratificação as novas formas surgem não para eliminar as antigas ou substituí-las, mas para acumular maneiras diferentes (outras expressões) de dizer obtendo, pois, a mesma informação. Vejamos ocorrências retiradas do estudo de Omena & Braga comprovando a opções de uso da forma nós e a gente, às quais renumeramos aqui ilustrando o referido princípio. (39) F: Porque a única coisa que não vai bem é o seguinte: que nós temos aqui uma dificuldade muito grande de colocar a documentação do bar em dia. (40) F: Então, a gente tem condições de fazer uma documentação certa que eles não tenham o direito de interferir no nosso movimento, entendeu? (OMENA; BRAGA, 1996, p. 78-79). 49 Observando os exemplos, percebemos que a expressão indefinida adentrou no quadro dos pronomes pessoais e funciona de forma básica tanto na primeira pessoa do plural – nós, quanto na primeira pessoa do singular – eu. Na seleção de uma ou de outra forma, têm sido apontadas diferenças discursivas: “[...] nas sentenças que funcionam como figura* das narrativas, isto é, em seu nó dramático central, predomina nós; nas sentenças de fundo*(= atividades, comportamento, costumes, opiniões e generalizações), predomina a gente” (CASTILHO, 2010, p. 478). O princípio da divergência assinala que também há uma coexistência entre as formas novas e as originais. No entanto, a forma lexical original é um elemento independente, sujeito às mesmas mudanças que qualquer outro elemento. Para exemplificar tal conceito, basta observar a existência paralelamente da construção a gente, cujo item – substantivo – permanece no sistema da língua como forma autônoma, sem nenhuma alteração fonológica, como podemos perceber nas ocorrências (38), retiradas dos inquéritos do Projeto NURC. (41) a. realmente deve ser uma delícia ter uma família gran/bem grande com bastante gente... (NURC/SP). b. é... é preciso marcar uma reunião pra gravar com essa gente (NURC/REC). c. Nós estamos numa interpretação, está claro até aí? Essa gente tá quieta por quê? (NURC/POA). (GONÇALVES E CARVALHO, 2007, p. 81). O que percebemos, portanto, é que a alteração se dá em virtude da forma gramaticalizada ter tornado cristalizada a relação determinante-determinado, não mais podendo ser analisada como a junção de um artigo a um substantivo, não aceitando, entre eles, nenhum modificador. Dessa forma, passa a coexistir, num mesmo recorte de tempo, tanto a “forma-fonte” como apresentada em (41) quanto à forma gramaticalizada, como apresentada em (40). O princípio da especialização rege que, quando acontece o processo de gramaticalização, a variedade de escolhas diminui, e as formas selecionadas assumem uma dimensão maior e mais abrangente no que se refere ao seu significado. Como consequência, aumenta-se a frequência de uso da forma, cujo processo de gramaticalização esteja mais avançado. Isso pode ser constatado na preferência pela forma a gente em detrimento do pronome nós no PB. 50 Quanto ao princípio da persistência, Hopper (1991) afirma que esse ocorre quando a nova forma permanece com traços do significado da forma original, podendo, pois, pressupor a ideia de restrição no uso da forma gramaticalizada em termos sintáticos. No caso do substantivo gente, a ideia de coletividade é retirada na forma gramaticalizada a gente, contribuindo, portanto, para sua referência indeterminadora. Entretanto, mesmo mudando e assumindo novos significados, alguns resquícios de um uso anterior permanecem. Em se tratando do princípio da descategorização, é postulada a ideia de que este princípio refere-se à redução ou perda do estatuto categorial dos itens em processo de gramaticalização. Podemos citar como exemplo os nomes que deixam de identificar os participantes no discurso, bem como os verbos, de reproduzir novos eventos. Dito de outra maneira, a forma em processo de gramaticalização tende a perder ou neutralizar os traços morfológicos e os direitos sintáticos, caracterizadores das categorias plenas como nomes e verbos, passando a assumir atributos próprios de categorias secundárias – mais gramaticalizadas – como advérbios, pronomes, preposições, entre outros. Isso pode ser comprovado nos procedimentos morfossintáticos que afetam o substantivo gente, caso que não acontece com a forma gramaticalizada a gente. 51 O CLÍTICO SE: DA ABORDAGEM TRADICIONAL À LINGUÍSTICA 52 2 O CLÍTICO SE: DA ABORDAGEM TRADICIONAL À LINGUÍSTICA Neste capítulo, procuramos discorrer sobre as estruturas verbais acompanhadas do clítico se, especialmente, no que diz respeito ao comportamento desse clítico no processo de concordância verbal. Para tanto, apresentamos a visão tradicional da gramática sob os pontos de vista de Said Ali ([1908]2008), Rocha Lima (1985/1999), bem como o de Almeida (1999). Além de apresentar o tratamento do clítico se sob a ótica tradicional da gramática, demonstramos seu uso também na perspectiva linguística, do ponto de vista de Ladeira (1986), Scherre (2005), Perini (2010), Castilho (2010), Oliveira (2010). 2.1 Said Ali ([1908] 2008) No que se refere ao tratamento dado à clítico se, tida como apassivadora, Said Ali ([1908] 2008) escreve um capítulo inteiro no livro Dificuldades da língua portuguesa, sobre o assunto, defendendo a tese de que as orações em análise são de valor ativo, e o se substitui o sujeito, indicando-lhe a indeterminação. A ideia de apassivamento por meio desse pronome, segundo ele, é contrariada pelo uso no dia a dia, pois as duas formas não se substituem de forma recíproca. Nesse sentido, ele pergunta: Como se devem analisar estas orações de português castiço: compra-se o palácio, morre-se de fome? Decerto não posso admitir como sujeito da primeira frase o palácio, quando na segunda brigaria com a gramática o sujeito de fome, forçando-me a uma série de subterfúgios. A incongruência seria flagrante. (SAID ALI, 2008, p.105). Seguindo o pensamento de Said Ali, o pronome se ocuparia a posição de sujeito, caso fizéssemos abstração da gramática e procedêssemos a uma análise psicológica. Em nossa consciência, perpassa a ideia, sugerida pelo pronome se, de que “alguém compra”, de que “alguém morre”, entretanto, desconhecemos ou preferimos omitir informações a seu respeito. Em nota, o autor acrescenta que “[...] essa função psicológica de agente indeterminado é inegável na língua portuguesa, onde empregamos o pronome se junto de todo e qualquer verbo” Said Ali (2008, p.106); o que não acontece em outros idiomas, como nas línguas eslavas, em que o 53 reflexivo unido ao verbo é empregado para indicar um foco, um estado, sem se cogitar o causador. Said Ali (2008) acrescenta que se podia admitir o se como sujeito, pondo fim a uma longa discussão. No entanto, o português é classificado de forma tipológica como uma língua SVO: essa ordem é aceita pela maioria dos gramáticos como a ordem direta. Nesse sentido, segundo essa, ordem o que vem depois do verbo é objeto e não sujeito. Muitas vezes, o sentido das palavras se dá em virtude da construção. Na frase, “Os japoneses derrotaram os Russos, a simples colocação indica qual o sujeito e qual o objeto. Inverta-se a ordem, conservando-se as palavras e obter-se-á o sentido contrário.” Said Ali (2008, p.108). Essa posição revela que a ordem das palavras dentro da frase, em português, é altamente relevante para a interpretação das funções que essas palavras exercem. Para o autor, não há igualdade de forma nem de sentido nas sentenças (01a) Aluga-se esta casa e (01b) Esta casa é alugada (p.115). O autor sugere um meio bastante simples de se verificar sua hipótese. “Coloque-se na frente de um prédio um escrito com a primeira das frases, na frente de outro ponha-se o escrito contendo os dizeres esta casa é alugada” (p.115). Certamente, os que pretendem alugar uma casa encaminham-se para uma única casa, pressupondo a ideia de que a outra já se encontra ocupada. Mediante o exposto, postulamos que Said Ali, quando trata da problemática do clítico se, nega o caráter de "partícula apassivadora”. Dessa forma, aponta incoerências na análise tradicional do se como apassivador, cuja concordância deve acontecer. Ele ressalta: “Consequência natural da transformação do sujeito em objeto é a desnecessidade de concordância; o verbo quer intransitivo, quer transitivo, tenderá a ser usado uniformemente no singular, ainda quando o nome esteja no plural” Said Ali (2008, p.111). O autor dá exemplos em idiomas como o fracês, o italiano, o espanhol, para confirmar tal possibilidade. Conforme Said Ali (1970), a concordância, como parecerá, à primeira vista, não é uma necessidade determinada pela lógica. Repetir, num termo determinante ou informativo, o gênero, número ou pessoa já marcados, no termo determinado de que se fala, é ser redundante. Diante desse pensamento, poderíamos perguntar: Por que a concordância destaca- se entre as preocupações com o ensino de língua portuguesa? A essa pergunta, poderíamos dar como resposta: concordância verbal 54 é um mecanismo importante de expressividade, que ajuda a compor a maneira (o estilo) de o falante se expressar. Nesse sentido, tais como as demais regras da gramática, as de concordância verbal devem ser conhecidas, já que são realizações a que o falante aspira, por estarem incluídas no ideal linguístico da comunidade. A maneira de o falante/escritor/escrevente se expressar pressupõe uma escolha e depende da intenção do emissor, a qual é manifestada no discurso. Embora a gramática normativa tenha seu lugar de destaque na sociedade, e a ponto de seu ensino ainda ser privilegiado na escola, não podemos conceber, nos dias atuais, uniformizar todos os falantes, em todas as situações. Todas as normas linguísticas, todos os níveis de fala ou registros devem ser conhecidos pelos falantes, que deverão saber usá-los onde, quando e como convier. A língua é dinâmica e incorpora, embora de forma lenta, na modalidade escrita, as “regularidades” da modalidade oral, as quais, com o passar do tempo, são legitimadas pelos gramáticos. Isso vem acontecendo com a concordância verbal que envolve o clítico se, fenômeno que Said Ali ([1908] 2008) trata diferente de Almeida (1999) e Rocha Lima ([1985] 1999). 2.2 Rocha Lima ([1985]1999) Rocha Lima ([1985]1999) aborda o assunto concordância verbal partindo dos casos gerais. Segundo ele, as regras gerais de concordância se reduzem a duas: 1 Quando há somente um núcleo – sujeito simples – o verbo concorda com ele em número e pessoa: (02) “Eu ouço o canto do Brasil.” (Ronaldo de Carvalho) (03) “Os caboclos levantaram-se em alvoroço.” (Coelho Neto) 2 Quando há mais de um núcleo – sujeito composto – o verbo vai para o plural e para a pessoa que tiver primazia, na escala seguinte: A) A 1ª pessoa prefere todas as demais; B) Quando não figura a 1ª pessoa, a precedência cabe à 2ª; C) Quando uma e outra estão ausentes, o verbo assume a forma da 3ª pessoa. Vejamos alguns exemplos: 55 (04) “Eu e o papai querermos aproveitá-lo, para conversar” (Cyro dos Anjos) (05) “Roberto e o milagreiro chegaram logo.” (Raquel e Queiroz) No que diz respeito ao item 2B, o autor adverte que é difícil “documentar a sintaxe canônica (isto é: tu + ele ou eles = vós) na linguagem contemporânea do Brasil” (ROCHA LIMA 1985, p.354). Outro caso apontado por Rocha Lima, não na edição em foco, mas na de 1999, o que pode pressupor a ideia de evolução nos seus estudos, é a concordância do verbo acompanhado da partícula “se”, aspecto que, segundo ele, merece uma atenção especial. O autor nos dá como exemplo: (06) Venderam-se todos os bilhetes (p.390). Neste caso, “Este substantivo, representado (geralmente) por um ser inanimado, é sujeito da frase –, razão pela qual com ele há de concordar o verbo” (p.391). O autor evidencia que “A índole da língua portuguesa inclina para a posposição desse sujeito ao verbo; aponta-se menos comum sua presença antes do verbo, assim como vir ele representado por um ser animado” (p.391). No exemplo citado, típico da língua padrão, é exigido que o verbo concorde com o termo tradicionalmente apontado como sujeito “todos os bilhetes”, ou seja, verbo na dita voz passiva pronominal (formada com o verbo acompanhado do pronome oblíquo se, chamado, no caso, pronome apassivador). Na verdade, nosso interesse em trazer para discussão o uso dos verbos vender e alugar + clítico se, nesta pesquisa, se deve ao fato de esse clítico fazer parte da estrutura gramatical do português denominada, tradicionalmente, como voz passiva sintética, isto é, uma forma cujo sistema gramatical dispõe para representar um processo em que é mencionado o paciente e omitido o agente, empregada em anúncios classificados para oferta de produtos e serviços, como exemplo, “aluga-se casas”. Nesse sentido, além das questões de ordem formal, procuramos levar em conta o modo de produção desses textos, correlacionando-se as propriedades funcionais dessa estrutura, ou seja, seu emprego em anúncios classificados encontrados no jornal impresso Gazeta do Oeste. 2.3 Almeida (1999) Almeida (1999) aborda o conceito de concordância verbal de forma semelhante a Rocha Lima. Manifesta seu pensamento, começando a discorrer sobre o sujeito simples. Para tanto, parte de uma “Regra Geral”, assegurando que o verbo 56 deve concordar com o sujeito em número e pessoa. Isso pressupõe a ideia de que o verbo deverá estar na mesma pessoa e número que o sujeito estiver. Ele assegura que “[...] é o verbo que deve concordar com o sujeito e não o sujeito concordar com o verbo, porque o verbo é que depende do sujeito e não o contrário”. (ALMEIDA, 1999, p. 441). Ex.: (07) “Eu 1ª pessoa do singular (08) Os meninos 3ª pess. pl. quero 1ª pessoa do singular fugiram 3ª pess. pl Tu não 2ª pessoa do singular sabes isso 2ª pessoa do singular Vendem-se 3ª pess. pl casas 3ª pess. pl Em nota, o autor cita um exemplo. Vejamos: (09) “Ouvem-se de vozes”, cuja preposição de traz ideia de partitivo, não impedindo, contudo, a concordância do verbo com o sujeito. Além desses, o autor acrescenta exemplos, tais como: (10) Que horas são? (É uma hora); (São duas horas); (Hoje são vinte); (Hoje são três); (Eram treze de maio); (Eram perto das seis horas) (Cf. ALMEIDA, 1999). Após tecer considerações sobre a concordância do sujeito simples – regra geral –, Almeida (1999) apresenta “regras especiais” de concordância, as quais são nomeadas da seguinte forma: coletivo geral; coletivo partitivo; palavra tomada materialmente; preço, quantidade, porção; nome próprio plural; quais (interrogativo), aqueles, quantos, alguns, nenhuns, muitos, poucos, seguidos de pronomes como complemento; cada um; mais de um; quem; que (pronome relativo) e quanto; o que, aquele que; um dos que; um que; isto de. Chamamos atenção para o exemplo (11) “Vendem-se casas” sobre o qual convidamos a refletir com Almeida (1999), quando, na mesma obra, trata da voz passiva mediante o clítico se, denominado de pronome apassivador. Neste caso, “[...] o sujeito é ente inanimado, conseguintemente incapaz de praticar a ação verbal, ou quando o sentido da oração mostra que o sujeito é apenas paciente” (p.210). É comum, portanto, que o sujeito venha posposto ao verbo, não sendo frequente a forma contrária: sujeito + verbo. O autor explicita o fenômeno com um exemplo similar, cujo verbo é alugar: “Alugam-se casas”. Ele assevera que a palavra casas não pratica a ação verbal, mas recebe essa ação, pressupondo ideia de que casas é o paciente da ação verbal, não é o agente. Dessa forma, o verbo se constitui como passivo, cuja 57 passividade acontece em virtude da presença do pronome se. A sentença (12) “Alugam-se casas” é, segundo o autor, semelhante a “Casas são alugadas”. O sujeito de ambas as sentenças é casas que, devido estar no plural, exige igualmente o plural para o verbo; falar “Aluga-se casas” considera-se um erro, tal qual falar “Casas é alugada”. Almeida ressalta que se constituem, consequentemente, erros inomináveis construções como: (13) “Aluga-se livros usados”; (14) “Conserta-se relógios”; (15) “Reforma-se chapéus”. Tal pensamento pressupõe a ideia de que o falante deve conhecer (e usar) bem essas “regras”. Não dispor dessa competência “gramatical” pode torná-lo alvo de preconceito linguístico. Apesar de essa ser apenas uma amostragem do tratamento dado à concordância verbal pelos gramáticos, já é suficiente para pressupor que ponto de vista os gramáticos defendem (o tradicional) – o de que ainda existe passiva sintética no português brasileiro. Claro que existem exceções como Said Ali ([1908] 2008), conforme já apresentamos, nesta pesquisa, que já considerava aspectos funcionais quando analisava a língua, expressando sua convicção de que a estrutura passiva sintética não equivalia à passiva analítica. Para ele, essa estrutura estava morta, sobrevivendo apenas no mundo fictício. Isso nos faz questionar esse fenômeno quando observamos os usos, cujas construções não correspondem às explicações dos gramáticos normativos. No item seguinte, serão apresentadas observações em que contrapomos a visão tradicional com a perspectiva linguística leva conta outros aspectos além dos formais. É curioso observar o texto inicial com que Almeida aborda o estudo do clítico “se”. Assim discorre o autor: “Se ponto existe escabroso em português, em que tombam com muita frequência os descurados do nosso idioma, é este do pronome se. Pode esse pronome exercer diversas funções na oração [...]” (ALMEIDA, 1999, p. 214). Vejamos, agora, as várias funções que o pronome "se" pode desempenhar segundo Almeida (1999): 1) Reflexibilidade pronunciada a) reflexibilidade de ação é a primeira função de se. Nela, o sujeito tanto é agente quanto recipiente da ação verbal. Geralmente o pronome “se” complementa verbo 58 transitivo direto; ambos os termos: verbo e pronome são reflexivos. Com verbos, a reflexibilidade é pronunciada, visto que a ação necessita atingir um objeto, ou seja, o próprio sujeito. Outros pronomes oblíquos átonos – me, te, nos, vos - também podem ser reflexivos: “eu me firo” – “Tu te feres” – “Nós nos ferimos” – “Vós vos feríeis”. b) Variante: além da função apresentada, o se tem valor reflexivo em construções como a seguinte: (16a) “Ele se arroga o direito” – tal função é diferente da anterior. Assim, o objeto direto é “o direito”. O se, por sua vez, passa a exercer agora a função classificada como dativa, ou seja, de objeto indireto. Desse modo, teríamos como oração equivalente: (16b) Ele arroga o direito v. transitivo a si (= para si) obj. direto obj. indireto O autor nos adverte, entretanto, para o fato de a ação verbal ter “caráter reflexo apreciável”, pressupondo a imposição de um cuidado: não poder dizer: (17) “Ele se comprou uma casa”; (18) “Ele se abriu uma conta no banco”; (19) “Eu me construí um prédio”; (20) “Nós nos arranjamos um lugar”; (21) “Vós devereis reservar-vos uma cadeira no teatro”; (22) “Tu te traçaste boas normas de vida”. Essas construções não têm validade na língua portuguesa. O uso do se com função dativa é restrito a alguns verbos, cujos casos já são usuais e consagrados, como: reservar-se, dar-se pressa, dar-se importância, dar-se ares de importante, atribuir-se importância, propor-se a fazer, propor-se a esclarecer, impor-se o dever. 2) Reflexibilidade atenuada a) a reflexibilidade dos verbos pronominais acidentais – verbos transitivos diretos, acompanhados do pronome se, cuja função é indicar reflexibilidade – é muito mais pronunciada do que a dos pronominais essenciais – verbos que sempre estão acompanhados de pronome oblíquo. Isso pressupõe afirmar que, com os pronominais – poucos em nossa língua – queixar-se, arrepender-se, orgulhar-se, 59 etc., o se perde o valor real de objeto direto, função que passa a ser exercida de maneira aparente, fictícia. b) variante: Há uma aproximação entre os verbos pronominais essenciais e os verbos intransitivos, em que a ação expressa não pode passar para um objeto, razão pela qual certos verbos intransitivos podem vir acompanhados do reflexivo se, indicando, desse modo, reflexibilidade atenuada de ação. Isso mostra, de certa maneira, espontaneidade de ação por parte do sujeito (Cf. ALMEIDA, 1999). É diferente, portanto, dizer: (23) “Ele morre de tristeza”, (24) “Ele se morre de tristeza”. No exemplo (24), a palavra se indica que o sujeito morre de tristeza de forma espontânea, ou seja, por conta própria. O exemplo (23), por sua vez, indica contrariedade por parte do sujeito. (25) “Ele se foi” é outro exemplo. Construções como essas, entretanto, são raramente usadas em nossas interações diárias. 3) Reciprocidade Essa função pode ser explicada a partir do seguinte exemplo: (26) “Pedro e Paulo feriram-se”, em que o emprego da palavra “se” proporciona a presença de três sentidos para oração. O sentido se dá pela passividade do verbo, o que equivale a dizer a oração dessa forma: (27) “Pedro e Paulo foram feridos”. O segundo sentido é atribuído quando o verbo for considerado reflexivo, cuja oração passa a significar: (28) “Pedro e Paulo se feriram a si próprios”. O terceiro sentido, por sua vez, acontece quando a frase é interpretada, levando em conta a reciprocidade da ação do pronome, fazendo a frase significar: Pedro feriu a Paulo e Paulo feriu a Pedro, ou seja, (29) “Pedro e Paulo feriram-se reciprocamente”. Aquele que não conhecer as funções do pronome se pode ser induzido a não compreender tais construções. Para evitar sentido ambíguo, o ideal, nesses casos, é empregar expressões como “reciprocamente, um ao outro, uns aos outros, nas orações em que o se indica reciprocidade, empregar a si próprio nos casos de reflexibilidade de ação, e deixar a oração sem nenhum especificativo quando de sentido passivo claro” (ALMEIDA, 1999, p.211). 60 4) Passividade Quando se trata do se partícula apassivadora, Almeida (1999) aponta que “erros” como os que se seguem não devem ser cometidos. Vejamos: “Prevê-se muitas coisas” em vez de: (30) “Prevêem-se muitas coisas” Verbo plural sujeito plural Quando, além de apresentarem verbo principal, as orações dispuserem de mais infinitivo, a função de apassivador do se, bem como a concordância verbal são objetos de cuidado. Vejamos: (31) “Devem-se transformar as leis” e “Deve-se transformar as leis”. “Há quem diga estarem ambas as orações certas, afirmando que na primeira o sujeito é leis, (As leis devem ser respeitadas) e que na segunda o sujeito é o infinitivo, como se esta fosse a sentença: “Transformar as leis é necessário” (ALMEIDA, 1999, p.216). O autor observa que a primeira construção parece apresentar maior clareza e segurança gramatical que a outra, já que a segunda pode pressupor uma interpretação do se como sujeito, assim como acontece com o on francês. Entretanto, notamos evidência do infinitivo sujeito em orações como: (32) “Procura-se anular as nomeações (verbo passivo) sujeito Quanto à sentença – (31) “Devem-se transformar as leis” – temos capacidade para, resolver, claramente, a sentença em: “As leis devem ser transformadas”. Não podemos fazer com a segunda construção, da mesma forma, já que não se pode desdobrá-la assim: “Nomeações procurem ser anuladas”, haja vista tais nomeações não poderem praticar a ação de procurar. Geralmente, quando os verbos indicam intenções, declaração de vontade, o sujeito é o infinitivo: intenta-se fazer grandes coisas”; (33) “Pretende-se reerguer as 61 colunas”; (34) “Proíbe-se afixar cartazes” (35) “Quer-se demolir esses muros”; (36) “Não se conseguiu obter informações”. Em se tratando dos verbos “ver” e “ouvir”, ou os verbos principais ou o infinitivo podem concordar com o sujeito. Vejamos: (37) “Viram-se relampaguear as armas” ou “Viu-se relampaguearem as armas” (p.217). Mais exemplos: (38) “Ouvemse os sinos tocar a rebate”; (39) “Viu-se ao longe resplandecerem as cumeadas das montanhas” (p.217). Em sentenças como: (40) “Sabe-se que ele é falso”, o se permanece sendo “apassivante”, como se a construção estivesse escrita da seguinte forma: (41) “Que ele é falso Sujeito oracional é sabido” verbo passivo Ampliando a função do se apassivador, Almeida (1999), em notas, acrescenta que, quando o sujeito é formado por ente capaz de desempenhar ações, o pronome perde seu valor passivo, assumindo, pois, força reflexiva como nessa construção: (42) “Essas pessoas se vendem caro”, podendo ser, pois, construções ambíguas, conforme já foi mencionado quando tratávamos da reflexibilidade pronunciada. Embora de forma rara, as formas oblíquas me, te, se, nos e vos, podem também exercer função apassivante. É o caso de construções como: (43) “Eu me batizei” (= fui batizado); (44) “Tu te chamas Antonio” (= Tu és chamado Antonio) (p.217). 5) Impessoalidade a) A voz passiva era empregada, no latim, tanto com verbos intransitivos quanto com os transitivos indiretos a fim de indicar impessoalidade, ou seja, indeterminar o sujeito do verbo, cuja forma seria unicamente o singular. “É passagem muito conhecida esta de Virgílio: “Sic itur ad Astra” – que forçosamente se traduz por “Assim se vai aos céus”, com o auxílio do pronome se, indeterminante do sujeito; é construção passiva impessoal; nela há um sujeito passivo sem um sujeito determinado” (ALMEIDA, 1999, p.218) Seguem outros exemplos com verbos intransitivos e verbos transitivos indiretos, cujo emprego do se indica indeterminação do sujeito. Verbos intransitivos: (45) “No rio de Janeiro passeia-se muito” – “Quanto mais se sobe mais se desce” (p. 218). 62 Verbos transitivos indiretos (46) “Precisa-se de costureiras”; (47) “Trata-se de caso incurável”; (48) “Entretanto, procedeu-se ao inventário dos objetos” (p. 218). b) Variante: o se sugere ação impessoal com os próprios verbos transitivos diretos. Vejamos os exemplos: (49) “Louva-se aos juízes” – (50) “Previne-se às pessoas presentes” (p.218). Nas sentenças, juízes e pessoas presentes funcionam como objetos indiretos, devido à presença da preposição. Caso tais preposições não fizessem parte da constituição das frases, as palavras grifadas passariam, portanto, a funcionar como sujeitos, cuja concordância seria indispensável: “Louvam-se os juízes”; “Previnem-se às pessoas presentes”. Isso, no entanto, mudaria o sentido dessas expressões, passando a ter, portanto, força reflexiva ou passiva Almeida (1999) adverte-nos que são necessárias duas condições para que os verbos transitivos sejam objetos de impessoalidade, a saber: a expressão deve ter sentido próprio, distinto da construção passivo; o objeto direto deve ser constituído de pessoa. Esse pensamento pressupõe a ideias de que a primeira condição tem justificativa em si própria. A segunda justifica pelo fato de, quando se trata de coisas, não há perigo de ambiguidade, havendo, pois, a imposição da construção pessoal. Construções como: (51) “É muito justo que se respeite aos dotes”, devem ser construídas de forma pessoal: “É muito justo que se respeitem os dotes” (p. 219). v. passivo sujeito Além das funções citadas, Almeida (1999) ainda apresenta outra “função”, denominada: função francesa que questiona sobre o (não) uso do pronome se combinando com o pronome oblíquo o. No entanto, tal construção foi usada, tornando-se necessária a concordância do verbo. O próprio autor mostra o porquê de tal construção acontecer. Nas palavras dele, isso acontece Porque o se, em português, não exerce função de sujeito (função subjetiva); a combinação se o e a não concordância verbal nas construções passivas pessoais dariam ao se função de sujeito, como se em lugar do se estivesse escrito alguém, a gente, certa pessoa, tornando-se forçada esta analise [...] (ALMEIDA, 1999, p.219) O autor exemplifica assim: 63 (52) Sempre se o vê Louva- Sujeito de vê v. tr. dir. v. tr. dir. Obj. dir. de vê se os juízes suj.de obj. dir. de louva louva O autor assegura que tais construções com suas respectivas análises, por um lado, vão de encontro à tradição da língua, e, por outro, o próprio étimo – lat. se – do nosso se não as justifica, uma vez que não há em latim a forma reta – caso nominativo, índice da função subjetiva – de tal pronome. Essas construções constituem “[...] puro francesismos; nelas o se está exercendo a função do on francês (palavra que nessa língua exerce a função de sujeito [...]” Almeida (1999, p. 220), caso que não convém tratar em detalhes aqui. Para concluir o estudo das funções do se, o autor apresenta sua visão sobre as variantes reflexivas desse pronome, a saber: si, consigo. Como se trata de variantes reflexivas tais formas oblíquas devem se referir ao verbo. (53) Pedro Suj. de fala (54) fala consigo pronome reflexivo (refere-se ao sujeito) Pedro e Paulo discutiram o caso entre si Suj. de discutiram reflexivo (refere-se ao sujeito) (p. 222). Dessa forma, construções como as seguintes: (55) “Vejo em si uma ótima pessoa” (p. 222); (56) “Onde poderei encontrar-me consigo” (p. 222) são incorretas, já que se referem à pessoa com quem se fala e não ao sujeito, contrariando, assim, a natureza reflexiva desses pronomes que, por sua vez, devem se referir sempre ao sujeito do verbo. Nesses casos, devemos dizer: “Vejo no senhor (ou em você, em V. Exª, etc.)”; “Onde poderei encontrar-me com o senhor” (com V. Exª, com você, etc.) (p. 222). 64 Resumindo as funções do pronome se, segundo Almeida (1999): 1 – Reflexibilidade pronunciada Ele se feriu Ele se arroga o direito 2 – Reflexibilidade atenuada Ele se arrependeu Ele se foi embora 3 – Reciprocidade – Ele e ela amam-se ardorosamente 4 – Passividade – Alugam-se casas 5 – Impessoalidade Assim se vai ao céu Louva-se aos juízes É-se inclinado a acreditar – Está-se bem aqui Apesar de apresentar todas as funções tratadas por Almeida 1999 quanto ao clítico se, nos restringimos a usar, nas análises, questões relativas à passividade, já que nosso objeto de estudo envolve o uso desse clítico junto aos verbos vender e alugar em anúncios classificados de jornal impresso. A análise contempla propriedades funcionais dessa estrutura. Nesse sentido, ressaltamos a importância de refletir sobre a língua em situações de usos em que o propósito comunicativo é que determina a organização das estruturas gramaticais, contrariando, portanto o rigor terminológico utilizado pelos gramáticos normativos. 2.4 A concordância verbal: verbo + clítico se à luz da linguística Na abordagem tradicional da gramática, conforme foi visto, a concordância verbal, quando envolve o clítico se, pode ser assim sintetizada: verbo + se + complemento direto plural (o quê? quem?) > verbo plural; verbo agregado ao pronome se pedindo complemento indireto (preposição) ou oracional (que), deve-se sempre flexionar o verbo no singular. No entanto, quando levamos em conta a língua em uso, o fato não é tão simples como sugerem os gramáticos normativos. Podemos constatar tais afirmações quando analisamos a concordância verbal sob a ótica da 65 linguística. Para tanto, tomamos por base o pensamento de Ladeira (1986); Scherre (2005); Oliveira (2010) e Castilho (2010). 2.4.1 Ladeira (1986) Ladeira (1986) põe em discussão as funções do SE, partindo de um questionamento: “SE indeterminação do sujeito ou SE sujeito?” e, para obter uma resposta a esse questionamento, o autor retoma as origens dos estudos que envolvem esse pronome. Nesse sentido, afirma que nossas gramáticas se referem ao “SE sujeito” apenas no caso de acusativo com infinitivo (ACI). Retomamos aqui dois exemplos do autor, os quais renumeramos. Essa numeração, porém, serve para fins de leitura/compreensão/retomada. (57) Pedro deixou-se ficar ao relento (58) O herói fez-se imolar em praça pública (LADEIRA, 1986, p.45). O pronome ao nível do nominativo – sujeito – não existia no latim, e os SEs pronomes chegados ao português possuem duas origens etimológicas: um continua tal qual o SE acusativo; o outro, cuja função desempenhada é de ‘objetos indireto’, evoluiu de “sibi” (dativo), chegando ao SI e SE. Vejamos: (59) mihi> mi> mim e me; tibi> ti e te (LADEIRA, 1986, p.45). Enquanto a forma sui – genitivo – nada produziu em português e sumiu, o se ablativo (seguido do cum) tornou-se sigo por meio da sonorização do (K) quando posto de forma intervocálica como em: (60) “me+cum> migo, te + cum> tigo; mas: nos+ cum> nosco, vos+cum> vosco e, posteriormente, esquecida a noção de que sigo (como migo, tigo, nosco e vosco)” contendo cum, tornou-se a usar cum+sigo, cuja forma consigo, em sentido diacrônico, é redundante como em (61) comigo, contigo, conosco e convosco. (Cf. LADEIRA, 1986). O autor assegura que nossas gramáticas, por sua vez, falam em SE índice de indeterminação de sujeito com: a) Verbo intransitivo (62) Vive-se bem em Fortaleza (63) É preciso que se espere um pouco. b) Verbo transitivo indireto (64) Necessita-se de dinheiro emprestado. 66 (65) Precisa-se de dinheiro emprestado. c) Verbo de ligação (66) Não se é Ministro; está-se ministro. (67) É preciso que se fique atento. Ladeira acrescenta a estes ainda: d) Verbo transitivo direto (68) Procura-se dinheiro emprestado. (p.45- 46) Nesse caso, o SE – com verbo transitivo direto – que as gramáticas tradicionais chamam de pronome apassivador (estaria na ‘voz passiva sintética’, e o sintagma posto seria chamado de sujeito), Ladeira (1986) admite chamá-lo de índice de indeterminação do sujeito, já que, para ele, não existe passiva sintética em português. Ao contrário, no Latim, existia a voz passiva sintética, ou seja, “[...] a ideia de passiva era ‘sintetizada’ num único vocábulo mórfico, no infectum. Já no perfetum, a passiva era analítica, isto é, a noção de ‘passiva’ era dada em ‘separado’ através do auxiliar” (LADEIRA, 1986, p.47). Diante do ponto de vista exposto por Ladeira (1986), podemos postular que a voz passiva sintética tal como a apresentada no latim, não existe em português. Isso pressupõe a ideia de que se tal voz existisse seria outro tipo de voz passiva sintética. Examinemos, pois, os dois grupos de frases proposto por Ladeira (1986, p. 47): GRUPO 1 GRUPO 2 (69) Recauchutam-se pneus = [Pneus são recauchutados]? (70) Consertam-se bicicletas = [Bicicletas são consertadas]? (71) Cobrem-se botões = [Botões são cobertos]? (72) Cosem-se camisas = [Camisas são cosidas]? (73) Aluga-se esta casa = [Esta casa é alugada]? O fato de termos “dois vocábulos mórficos” nas formas do primeiro grupo: “recauchutam-se”, “consertam-se”, “cobrem-se”, “aluga-se” pressupõe não existir o caso de síntese em português. Por outro lado, não podemos admitir “pneus”, “bicicletas”, “botões” e 67 “camisas” como sujeito, porque seria um caso único, em português, cujo sujeito não poderia ocupar a posição de sujeito. (74) Pneus recauchutam-se (75) Bicicletas consertam-se (76) Botões cobrem-se (77) Camisas cosem-se (LADEIRA, 1986, p 47). Quando lemos a frase “Esta casa aluga-se”, somos induzidos à seguinte interpretação: Esta casa é alugável. Observando os dois grupos de frases, percebemos que não há correspondência semântica entre as formas do grupo 1 e do grupo 2. Enquanto, no primeiro grupo, aparecem as construções (78) “Recauchuta pneus”; (79) “Conserta bicicletas”; (80) “Cobre botões”; (81); “Cose camisas”; (82) “Aluga esta casa”, sem a identificação de um agente; no segundo, há um esclarecimento – posto entre colchetes – de que “[...] “pneus são recauchutados” (e não consertados); “bicicletas são consertadas” (e não recauchutadas); “botões são cobertos” (e não cosidos); “camisas são cosidas” (e não cobertas); “esta casa é alugada (e não de minha propriedade)” (LADEIRA, 1986, p 48). Se quiséssemos colocar em destaque o ponto de vista, cujo indivíduo exercesse a função de ‘recauchutar’, ‘consertar’, ‘cobrir’, ‘coser’ ou ‘alugar’ escolheríamos os dizeres do primeiro grupo. Os dizeres do segundo grupo, por sua vez, se restringiriam a explicações. Em (01a) “Aluga-se esta casa”, por exemplo, se posto na frente de uma casa que estivesse para alugar, faria sentido. Sentido esse, que não corresponderia a (01b) “Esta casa é alugada”. Pressupomos, na segunda frase, a ideia de que o morador da casa não é, pois, o respectivo dono. Assim, percebemos que, no primeiro grupo, não há voz passiva, já que os verbos apresentam-se de forma ativa, cujo agente – +humano – pratica a ação de “recauchutar”, “consertar”, “cobrir”, “coser”, “alugar”. Os termos “pneus”, “bicicletas”, “botões”, “camisas” e “esta casa” são, portanto, analisados como objetos diretos. Segundo Said Ali (2008), o verbo flexiona no plural para concordar com o objeto “pelo contágio”. Assim, não há distinção quando se analisa o SE em: (83) Precisa-se de dinheiro emprestado. (84) Procura-se dinheiro emprestado. Pressupomos, nos exemplos dados, a presença de um agente indefinido, em que os sentidos dos termos “precisando” e “procurando”, são, respectivamente, 68 objeto indireto no primeiro e objeto direto no segundo. O mesmo não pode se dá com agente [-humano] como em: (85) Late-se muito em Fortaleza. (86) Rumina-se o alimento (LADEIRA, 1986, p 48). Ladeira (1986) acrescenta que com as outras manifestações do SE – reflexivo como sujeito, reflexivo como objeto direto, recíproco como objeto direto, expletivo, fossilizado – não haveria problema. O autor se questiona sobre a possibilidade desse SE, inderminação do sujeito, poder ser sujeito, como acontece com os indefinidos. Por exemplo: (87) Devagar alguém vai ao longe (88) Devagar se vai ao longe (89) Devagar se recauchutam pneus (p.49). No entanto, o autor adverte que o SE tem características distintas dos pronomes indefinidos sob alguns aspectos. Estes “indefinem” outros termos da oração, além do sujeito, como em: (90) Vi alguém debaixo da cama. [objeto direto] (91) Dou muita importância a alguém... [objeto indireto] (92) Você não é ninguém! [predicativo] (93) Não tenho medo de ninguém... [complemento nominal] (94) O receio da gente era a polícia chegar. [adjunto adnominal] (95) O trabalho foi feito por você, pô... [agente da passiva] (LADEIRA, 2008, p. 50). O SE, por sua vez, não permite tal ocorrência: (96) Vi se debaixo da cama. (97) Dou muita importância a se. Além do mais, enquanto os indefinidos alguém e ninguém são de terceira pessoa, a gente contém, de forma forçosa, a primeira pessoa, não impedindo de conter, também, a segunda e a terceira como em: (98) A gente ‘dá um duro danado’ e vocês .... e eles nada fazem” (+1ª, -2ª; 3ª) (99) A gente podia ir, não acha? (+1ª, +2ª) (100) A gente vai; você quer acompanhar-nos? (+1ª, -2ª; +3ª) (101) Devagar a gente vai ao longe. (+1ª, +2ª; +3ª) (LADEIRA, 2008, p. 5051). 69 O SE, por sua vez, pode conter a primeira, a segunda ou a terceira pessoa, não sendo obrigatório conter uma delas de forma específica como em: (102) Precisa-se de operários (+1ª, -2ª; +3ª) (103) Veja-se como o Otto Lara Rezende sofre... (+1ª, +2ª; -3ª) (104) Ouviu-se o discurso. E daí? (+1ª, +2ª; +3ª) (105) Ouviu-se o discurso. Enquanto você dormia. (+1ª, -2ª) (106) Ouviu-se o discurso. Enquanto eu e tu dormíamos. (-1ª, -2ª; +3ª) (LADEIRA, 2008, p. 51). Mediante o que se apresenta, quando verbo está no imperativo a 1ª pessoa é levada a fazer parte do enunciado verbal por meio do SE. A ausência do SE, por sua vez, tende a a restringir o enunciado à segunda pessoa como em (107) “[...] Veja como o Otto Lara Rezende sofre” e observe que com o verbo no imperativo, o SE... “já em “Veja-se” e “Observe-se” vislumbramos respectivamente “vejamos” e “observemos” [...]” (LADEIRA, 2008, p. 51). Nesse sentido, pressupomos a ideia de que o SE poderia indicar uma única pessoa somente quando as demais fossem excluídas do contexto. Como em (106) “Ouviu-se o discurso. Enquanto eu e tu dormíamos” (p.51). Disso decorre compreender mal construídas frases como: (108) ?Construíram-se as muralhas da China dois séculos antes de Cristo. (109) ?Assassinou-se o Presidente ontem à noite. (p.51). Na primeira frase, não poderiam fazer parte do “agente” nem a primeira pessoa nem a segunda, uma vez que não estavam próximas no tempo; na segunda seria inconveniente à primeira pessoa o seu comprometimento, preferindo-se, pois, as seguintes construções: (110) As muralhas da China foram construídas dois séculos antes de Cristo. (111) O Presidente foi assassinado ontem à noite. (p.51). Em textos, cuja construção há a presença da 1ª pessoa participando como “agente”, cabe o uso do SE: (112) No presente livro, estudam-se a botânica e a cultura de feijão-comum [...] (LADEIRA, 2008, p. 58). Os outros indefinidos coocorrem com SE “reflexivo/sujeito”, “reflexivo/objeto”, “recíproco/objeto”, “expletivo”, “fossilizado”. Isso, porém, não é possível ocorrer com o SE, cujo enfoque é ressaltado por Ladeira (1986): (113) Alguém deixou-se ficar ao relento. [reflexivo/sujeito], 70 (114) Ninguém se feriu [reflexivo/objeto] (115) A gente se cumprimentou apenas. [recíproco/objeto] (116) A gente se foi. [expletivo] (117) Você se queixa da polícia, pô... [fossilizado] Mas: *Se se deixou ficar ao relento Etc. (LADEIRA, 2008, p. 58). Ladeira (1986, p.52) procura justificar as diferenças afirmando que, em primeiro lugar, “[...] a impossibilidade de SE ocorrer como ‘outro termos da oração’ se prende a sua distribuição em relação aos outros pronomes oblíquos – o (s), a(s), lhe(s) –, cabendo-lhe, no caso, apenas a função de reflexivo” como em: (118) Ele se viu debaixo da cama. (119) Ele se dá muita importância (p.52) Em segundo lugar, por apresentarem “pessoas” diferentes de alguém e ninguém, por um lado, ou a gente, por exemplo, por outro, não afasta do grupo heterogêneo dos indefinidos. E, por último, quando não ocorre com outro SE seria explicado pela não ocorrência, na frase, do mesmo vocábulo de classe gramatical idêntica, mesmo não sendo coreferente, como em: (120) O herói deixou o herói imolar-se em praça pública. (121) Pedro feriu Pedro. (p. 58). O autor chega, pois, à conclusão de que o SE deve ser entendido como sujeito “formalmente expresso” na oração, não sendo necessário esclarecer sobre a identidade do agente, assim como acontece com alguém, ninguém e a gente – “indicadores materiais” de um agente não definido. 2.4.2 Scherre (2005) O pronome "se", sob a perspectiva normativa de gramática tem, entre outras, a função de pronome apassivador. Nessa função, liga-se a verbos transitivos, indicando que o sujeito é paciente. Dessa forma, o verbo deve concordar normalmente com o sujeito, certo? Levando-se em conta a língua em uso, atualmente, observamos que essa “verdade” está sendo questionada. A concordância verbal, em orações que usam o “dito” pronome apassivador se, 71 geralmente, provoca dúvidas. Dúvidas essas que estão provocando variações (regularidades) nas formas de usar tais pronomes. Assim sendo, trazemos aqui textos retirados do Jornal português Diário de Notícias conforme Scherre (2005), cujas construções podem ser conferidas em (10) e (11): (122) VENDE-SE Magníficas instalações Loja com armazém (p.54, coluna1) (123) ALUGA-SE ESCRITÓRIOS LARANJEIRAS Área até 150 M2. (p. 8c-C, coluna 4) (SCHERRE, 2005, p. 86). Nas construções (122) e (123), conforme a visão tradicional de gramática, “Magníficas instalações Lojas com armazém” é sujeito (paciente) do verbo vender e “Escritórios Laranjeiras” é sujeito (paciente) do verbo alugar. Portanto, os sujeitos (Magníficas instalações Lojas com armazém e Escritórios Laranjeiras) devem concordar com os verbos vendem-se e alugam-se. Assim, o correto seria dizer como em (123) e (124): (123) VENDEM-SE Magníficas instalações Loja com armazém (p.54, coluna1) (124) ALUGAM-SE ESCRITÓRIOS LARANJEIRAS Área até 150 M2. (p. 8c-C, coluna 4) Levando em conta a língua em uso, é o correspondente aos exemplos 122 e 123 regularidade de construção gramatical equivalente ao uso espontâneo da língua, cuja eficiência comunicativa é evidente. Essa forma já é aceita socialmente, 72 embora gramaticalmente continue inaceitável. Na gramática normativa, o que se prescreve é que o verbo aí vá para o plural para concordar com seu sujeito, que é: “Magníficas instalações Lojas com armazém” no caso de (123); “Escritórios Laranjeiras” em (124). No entanto, a pesquisa de Carvalho (1990) apud Scherre (2005, p.85) revela que, “[...] de Camões a Vinícius de Moraes, passando por Vieira, João de Barros e Machado de Assis, a concordância variável nas construções classificadas como passiva sintética se evidencia, indiscutivelmente”. Scherre (2005) ilustra a variação na concordância, verbal com o sujeito posposto, inovando a forma de abordar o processo a partir do título de sua obra: doa-se lindos filhotes de poodle, o qual é justificado na própria obra. Segundo a autora, “[...] a ausência de verbo plural em doa-se filhotes ocorre pelo fato de o falante/escritor nativo não interpretar filhotes como sujeito e sim como objeto direto. Pelo que se sabe até o momento, o objeto direto não rege a concordância em português” (SHERRE, 2005, p.97). Assim, a autora julga inadequada a matéria do Correio Brasiliense quando diz que não fazemos concordância em Vende-se carros porque também não a fazemos em nós era ou em eles era, cujos pronomes, quando anteposto ao verbo, são de forma inequívoca sujeitos das construções. Naro e Scherre comprovam que características morfossintáticas e fonológicas do português brasileiro, que são, muitas vezes, estigmatizadas, dando margem a preconceito social, são, na verdade, heranças românicas e portuguesas arcaicas e clássicas, e não modificações contemporâneas advindas das línguas africanas, ou das línguas dos povos ameríndios. Não seriam também resultante de processos de simplificação ou outras modificações naturais causadas pelo contato, durante o processo da transmissão não tradicional da língua. (Cf. NARO e SCHERRE, 2007). 2.4.3 Castilho (2010) A ideia de que o verbo concorda com o sujeito nem sempre se aplica, mesmo pela elite bem formada no idioma. Conforme Castilho (2010) há variações. O autor assegura que a questão das variações, nas regras de concordância verbal, depende de um conjunto de fatores, a saber: saliência morfológica; proximidade/distância entre o verbo e o sujeito; posição do sujeito na sentença; paralelismo linguístico; nível social dos falantes. 73 Quando trata da saliência morfológica, Castilho (2010) assegura que uma condição precisa para se observar a concordância é a gramática do falante dispor de um verbo rico na marcação da pessoa. Fato esse que levou o verbo a simplificar sua morfologia, cuja consequência, fará a concordância verbo-sujeito perder sua importância nesse “canal”. Ao contrário, no PB escrito, a concordância ostenta maior importância. Vejamos os exemplos dados por Castilho, os quais foram por nós renumerados: (125) a) Esses meninos são muito desobedientes. b) Eles fala que eles faz o que eles quer. (CASTILHO, 2010, p. 412). A concordância que se observa em (125a) se faz em razão da distância entre a forma singular é e a forma plural são. A ausência de concordância em (125b) se faz em razão da proximidade mórfica entre as formas singular fala, faz e quer e as formas falam, fazem querem. Naro (1981) apud Castilho (2010) afirma que tal proximidade mórfica foi acentuada com a perda da nasalização na P6, cujas formas têm mudado no seguinte ritmo: C1: falam >fálaum > falu C2: pedem > pédim > pédi C3: partem > patim > párti Os achados da pesquisa de Naro (1981) apontam características ascendentes do português arcaico, cujo PB é uma sequência. Assim, “A perda da nasalização identificou ele pede a eles perde, ele parte a eles parte, restando uma pequena diferença entre ele fala e eles fálu. Tudo isso levou à perda da concordância nessa pessoa gramatical” (CASTILHO, 2010, p.412). No que se refere à proximidade/distância entre o verbo e o sujeito, pressupõese a ideia de que quanto mais próximo o sujeito do verbo, há maior probabilidade de ambos concordarem. Isso pode ser comprovado no exemplo (04): (126) a) As contas pesaram muito na minha decisão de fazer mais economia. b) As contas deste ano, sobretudo depois que eu tive um pequeno aumento salarial, pesou muito na minha decisão de fazer mais economia. (CASTILHO, 2010, p.413). 74 Quanto à posição do sujeito na sentença, podemos pressupor que, quando anteposto ao verbo, favorece a concordância. Entretanto, quando posposto, desfavorece a concordância. Vejamos: (127) a) As roupas que você encomendou já chegaram, depois de muita espera. b) Chegou, depois de muita espera, as roupas que você encomendou. (CASTILHO, 2010, p.413). Quando se trata do paralelismo linguístico, Castilho (2010) retoma o trabalho de Scherre (1988). Essa fez análise do PB à luz do referido princípio e descobriu que a presença de um sintagma verbal marcado no plural sugere novos sintagmas verbais no plural. Isso significa marcas conduzem a marcas. O inverso acontece quando há um sintagma verbal no singular, cuja tendência é levar a outros sintagmas no singular – zeros conduzem a zeros – como pode se ver em: (128) Marcas conduzem a marcas a) Eles ficavam lá os dois, mas nunca se faláru assim. b) Então essas pessoas me conhecem, também acham que eu sou uma católica. (129) Zeros conduzem a zeros a) A – Então você acha que as pessoas do Rio, São Paulo, fala diferente de você? B – Fala, fala muito diferente. a) Tem outros que fala demais e não e num diz nada que se aproveite. (CASTILHO, 2010, p.413) Em se tratando do nível social dos falantes, Castilho ressalta que pesquisas acerca do PB já mostraram que há relação entre o poder econômico e domínio das regras de concordância: as classes socioculturais mais altas dispõem de mais regras do que as classes mais baixas. “[...] Mas daí sinonimizar nível baixo com ignorância gramatical vai a uma enorme distância, pois no PB popular há uma sofisticada relação entre concordar e não concordar o verbo com o sujeito na dependência da complexidade maior ou menor da morfologia verbal” (CASTILHO, 2010, p.413), como mostrado quando tratamos da saliência morfológica. Tais regras podem, portanto, variar tanto entre os brasileiros cultos quanto entre os brasileiros não escolarizados. O que vai tornar diferente essas classes é a seleção do fator a ser utilizado para determinar a “regra”. 75 Quando se remete à voz passiva sintética no PB, Castilho (2010) afirma que não existe (mais). Daí poder justificar o uso de construções como "Vende-se picolés", "Conserta-se sapatos” "Aluga-se apartamentos” entre outras. Na verdade, “Todos nós já sofremos com a celeuma do problema do pronome se apassivador (e da voz passiva pronominal) em nossas gramáticas. Afinal, o verbo concorda ou não concorda com o substantivo no plural [...]” (CASTILHO, 2010, p.481) em exemplos como: “Vende-se casas com uma boa vista, só que à vista”? O autor assegura que tais sofrimentos estão perto de acabar. Já é hora de realizar estudos diacrônicos sobre o surgimento do se apassivador, como também para saber o porquê do desaparecimento da concordância do verbo seguido de se e desse pronome. Nada melhor que a diacronia para entender esses fatos. O latim vulgar agregou novas funções ao se reflexivo, entre elas a de apassivador. Nessa multiplicidade de funções, o se ocorria: (1) Na indicação de reciprocidade, com verbos transitivos, como um inter se amant. (2) Na indicação da espontaneidade, com verbos intransitivos, sem sentido semelhante ao da voz média indo-europeia, como em vadit se unusquisque in ospitium suum, “cada um vai para o seu alojamento”. A voz média indoeuropeia era usada para indicar que o sujeito praticava uma ação em seu próprio interesse, sem ser forçado a isso. No exemplo anterior, retirado da peregrinatio ad locca sancta, célebre fonte do latim vulgar se quer dizer que cada um se vai porque assim o quer. (3) Na indicação da passividade derivada da noção de espontaneidade: afinal, se alguém pratica uma ação de seu interesse, obviamente sofre as consequências. Segundo Maurer Jr., já na linguagem popular latina se encontrava esse se apassivador, em construções como Myrina, quae Sebastopolim se vacat, “Myrina, que se chama (= é chamada) Sebastopol”, em que se vocat está no singular da forma passiva vocatur (MAURER JR. (1915b) apud CASTILHO, 2010, p.481). Nas situações sintáticas de (3), consuma-se o valor passivo da construção enunciando-se o agente da ação. A passiva pronominal vinha seguida do complemento agente, de fato, durante essa fase da língua, como se pode ver na ilustre passagem de Os lusíadas: “Por ele o mar remoto navegamos/Que só dos feios focas se navega”. Camões registrou a sintaxe que faltava, com suas focas masculinas, consumando, portanto, a voz passiva pronominal. Quando o pronome reflexivo se “[...] entra na dança dos outros pronomes pessoais da P3, começa a alterar as propriedades examinadas nos itens 1 a 3 [...]” (CASTILHO, 2010, p.481). Várias alterações surgiram, na estrutura da passiva pronominal, a partir da perda de traços do pronome se, culminando com seu 76 desaparecimento – grau final da gramaticalização –, a saber: “(i) seu sentido passivo ficou comprometido, surgindo em seu lugar o sentido de indeterminação do sujeito; (ii) desapareceu a concordância do verbo com o sujeito passivo, agora reanalisado como objeto direto [...]” (CASTILHO, 2010, p.481); essa concordância era importante porque sugeria que flores (130) era o sujeito passivo da oração. Isso acontece nos exemplos (130) e (131) (130) “Vende-se flores”. (= alguém (ativo) vende flores) (131) ”Cortou-se os meninos”. (= alguém (ativo) cortou os meninos) No PB, encontramos situações como essa, cuja interpretação passiva – concordância entre o verbo e o sintagma nominal plural – é mantida apenas no estilo formal. Em outras palavras, o se passivo, cuja concordância é modificada pelas pressões de uso da linguagem, está desaparecendo completamente. Emerge, pois, a ideia de que, no PB, as ditas construções passivas sintéticas são ativas. Dessa forma, o argumento interno é analisado como objeto direto. Já que a gramática não gera sentenças, cujo objeto direto esteja anteposto, “[...] exceto nos casos de topicalização, este fica sempre à esquerda do predicador e cabe ao sujeito ocupar a posição à direita do mesmo, conforme ocorre nas passivas analíticas e nas sentenças com “se” reflexivo” (MELO, 2010, p.3). Defendemos, pois, o ponto de vista – discursivo – de Castilho por levar em conta outros fatores além do formal, inclusive a inserção do falante, aspecto não abordado na visão tradicional. 2.4.4. Oliveira (2010) Quando lemos Oliveira (2010), temos a impressão de que este livro foi escrito para cada um de nós professores de língua, já que o autor procura analisar gramáticas normativas e livros teóricos sobre o ensino de português e de gramática a fim de descobrir o que ainda não foi dito aos professores de português, ou seja, ele procura diminuir a distância entre teoria e prática. Segundo o pensamento apresentado, percebemos que o livro foi direcionado à leitura e à escrita pelo fato de a língua só ter sua existência materializada por meio de textos. 77 Nesse sentido, o autor sugere um trabalho pragmático de leitura, escrita, literatura, vocabulário e gramática, o que tornaria o ensino mais significativo tanto para o aluno quanto para o professor. Um ponto que chama atenção é o cuidado que devemos ter para com a nomenclatura gramatical, principalmente, no que diz respeito à definição de termos (o sujeito) já que existem diferentes gramáticas faladas pelos brasileiros. No caso da concordância entre o verbo e o nome, por exemplo, há variações. Ele apresenta como exemplo a frase: “Pode deixar que nós fala” (p.251), à qual a definição sintática de sujeito não pode se aplicar. Quando trata do clítico se, vista frequentemente em placas e cartazes afixados às paredes de casas e lojas Oliveira traz como exemplo: (12) Conserta-se fogões (p.253), cujas gramáticas normativas e livros didáticos costumar considerar como incorretas, dizendo que o verbo deveria estar no plural porquê o “fogões” é o sujeito do verbo “consertam”, portanto, a frase deveria ficar Consertam-se fogões (p. 253). Analisando as partes da sentença, Oliveira assegura que não faz sentido. Vejamos por quê: (132) Consertam- se fogões Verbo ??? sujeito Oliveira se questiona sobre a função sintática do se. Cunha e Cintra (1985, p. 373) apud Oliveira (2010, p. 253) “dão uma pista para resolvermos o mistério quando se referem a esse se como pronome apassivador em vez de partícula apassivadora. Ora, sendo um pronome, ele só pode exercer a função de sujeito ou a função de objeto de verbo ou de preposição”. Se fogões tem o papel semântico de paciente da ação expressa pelo verbo, seria o sujeito do referido verbo, como sugere as gramáticas tradicionais, e o pronome se não teria nenhuma função sintática. Não seria, portanto, “sujeito”, nem “objeto”, “verbo”, “adjunto” ou “complemento”. Isso não tem sentido, pois qualquer palavra quando posta numa sentença, em português, deve desempenhar alguma função sintática. Explicação que não procede no caso citado. O se, nessa sentença e segundo as explicações tradicionais, não desempenha função sintática nenhuma: está exercendo a função de partícula apassivadora, que não se constitui uma função sintática. Oliveira chega à conclusão de que as explicações em torno do se como partícula apassivadora não tem procedência. Para ele, “[...] é pronome e está 78 exercendo a função de sujeito do verbo. Portanto, para usar um adjetivo da tradição prescritiva, a sentença correta é “Concerta-se fogões.” (OLIVEIRA, 2010, p. 253). O autor ressalta que quem não concordar com sua explicação terá que dizer a função sintática do se. O que percebemos é que o debate teórico entre linguistas e gramáticos não chegou ainda a um denominador comum. Retomamos aqui quatro ocorrências retiradas de Lancastre (2003) apud Oliveira (2010, p. 254) que apontam para uma indecisão acerca das explicações do se. Vejamos os trechos no Quadro 02. Quadro 02: Sentença contendo a clítico se PÁGINA SENTENÇA CONTENDO A PARTÍCULA APASSIVADORA 11 Num primeiro ponto deste capítulo apresentam-se os principais modelos e teorias subjacentes à compreensão de textos. 19 Nessas investigações manipula-se variáveis do tipo linguístico 97 Num primeiro ponto deste capítulo apresenta-se os principais factos implicados na compreensão de textos. 107 [...] utiliza-se técnicas [...] Fonte: Oliveira (2010) O que podemos ver acerca da concordância apresentada nos trechos, é que a mesma varia, ora apresentado no singular, ora no plural, embora o suposto sujeito sendo plural. Isso pressupõe a ideia de que a autora e os revisores não perceberam tais ocorrências ou aceitam como corretas, provando, portanto, que há confusões terminológicas na nomenclatura gramatical. Em frases como essas, frequentemente, encontradas, no dia-a-dia: "consertase fogões, “aluga-se apartamentos”, “faz-se unhas”, “lava-se roupas", “vende-se picolés”, o propósito dos locutores parece fazer as pessoas (os interlocutores) sentirem as construções como ativa, cujo sujeito seja ativo – alguém faz, a gente faz –, e não com um sujeito passivo, caso este que, para se descobrir que o sujeito de vender é casas ou picolés, é preciso pensar a frase na voz passiva com auxiliar + particípio: casas são vendidas, fogões são consertados, apartamentos são alugados, etc. Em outras palavras, é isso que é repassado para os estudantes quando se ensina vozes verbais, ou seja, para se obter uma sentença passiva apenas 79 transformamos uma ativa, assegurando que ambas tem o mesmo significado. Assim sendo, os estudantes recebem as seguintes informações: o objeto direto da ativa passa a ser o sujeito da passiva; o verbo principal da ativa toma a forma de particípio passado, formando uma locução com o verbo TER, conjugado no tempo verbal em que o verbo principal da ativa se encontra; o sujeito da ativa passa a ser o agente da passiva e vem depois da locução verbal precedido pela preposição por (OLIVEIRA, 2010, p. 244 destaque do autor). Trabalhando nessa perspectiva, pressupomos que os estudantes aprendem (ou supõem que aprendem) as transformações citadas e memorizam os termos sujeito-paciente e agente da passiva. Entretanto, existe um impasse: não obtemos a voz passiva simplesmente transformando a voz ativa. “Embora sejam estruturas que, na maioria dos casos, estão semanticamente aproximadas, elas são independentes uma da outra no que diz respeito a suas origens” (OLIVEIRA, 2010, p. 244). Tais transformações, portanto, não passam de recursos; na verdade, não são os falantes ou escritores quem as constroem, mas muitos gramáticos e professores. O que pode ser depreendido pela explicitação de Oliveira é que diante de duas frases como: (133) “O gato está debaixo do cobertor” e (134) “O cobertor está em cima do gato”, o fato passa ser o mesmo, o que muda, porém, é o enfoque recebido por cada construção. Definindo, pois a voz passiva, na perspectiva apresentada, podemos dizer que se trata de um fenômeno gramatical que topicaliza um sintagma nominal que, por sua vez, tem o papel temático de paciente. Segundo o autor, a voz passiva “[...] tira o agente do foco. Isso abre caminho para uma característica fundamental das sentenças passivas: A ausência de agente. Na verdade, a grande maioria das sentenças passivas não possui agente pelo fato de o paciente ser o foco da sentença passiva” (OLIVEIRA, 2010, p. 245). Existem sentenças ativas, quando transformadas segundo a gramática normativa, mudam totalmente o significado. Retomamos aqui dois exemplos citados por Oliveira (2010) para confirmar tal hipótese. Vejamos: (135) Todos os capixabas frequentam uma praia. Uma praia é frequentada por todos os capixabas. (136) Três alunos de minha turma falam duas línguas. 80 Duas línguas são faladas por três alunos de minha turma (p. 246). Partindo do pensamento do autor, observamos que os pares de construções citadas podem ilustrar o caso de frases que apresentam dois quantificadores na voz ativa, cuja posição é mudada na voz passiva. Assim, o sentido é alterado por essa mudança em cada par. “E esse caso derruba definitivamente a história segundo a qual a voz passiva e a voz ativa têm os mesmos significados, história já enfraquecida pelas diferenças de foco entre sentenças passivas e sentenças ativas” (OLIVEIRA, 2010, p. 246). Apesar de Oliveira ser um grande estudioso da língua, o que ele assegura como definitivamente pode ainda não ser o ponto de vista adotado de forma unânime. Isto porque não há conceitos absolutos na língua, e a heterogeneidade da língua parece ser a manifestação mais permanente. Pode-se, assim, dizer que o fenômeno linguístico, de modo geral, não apresenta caráter categórico e definitivo. Ao contrário, na língua o mais comum e mais presente é a sua variabilidade. Conforme o pensamento de Oliveira (2010), no ensino de Língua Portuguesa, os professores detêm-se a tratar da voz ativa em sua dimensão formal, as famosas transformações como já explicitamos. No entanto, essa dimensão não causa problemas de compreensão se levada em conta a teoria estabelecida pela gramática normativa. O que causa dúvidas, no que se refere à voz passiva, é a dimensão pragmática. Mesmo alunos que já terminaram o ensino médio e professores de português têm dificuldades de falar sobre o porquê de usar a voz passiva. Isso se deve ao fato de não usarmos (ou pouco usarmos), na prática, tais construções gramaticais. Habituamo-nos a expressar, de forma passiva, usando outros recursos linguísticos. Quando o autor afirma que é o pragmático que causa dúvidas no que se refere ao uso da voz passiva, ele reforça a ideia de uma análise gramatical que leve em conta, não somente do ponto de vista formal, mas também o funcional que nada mais é que estudar a língua em seu uso potencial, isto é, observando o modo como o falante seleciona as estratégias para organizar funcionalmente seu texto para um ouvinte específico e em uma situação de comunicação também específica. Analisando a língua sob o viés pragmático podemos, portanto, entender por que o verbo permanece no singular, seguido de sintagma nominal plural em construções 81 que envolvem o clítico se, contrariando a prescrição da gramática normativa como acontece nos anúncios classificados investigados nesse trabalho. 2.4.5. Bagno (2011) Para tratar do clítico se Bagno (2011) retoma o trabalho do filólogo Said Ali, cuja análise do problema de classificação desse clítico é considerada, pelo linguista, como impecável, visto que o filólogo, em seus estudos, atribuiu a função de sujeito ao se nas orações chamadas “passivas sintéticas” ou “passivas pronominais”. Nesse caso, Bagno (2011) afirma que é preciso levar em conta fatores pragmáticos para realizar análise desse tipo, coisa que a gramática tradicional despreza. Retomamos aqui dois exemplos de Bagno (2011) para justificar o seu ponto de vista. (136) Na casa de Ivone se come demais (BAGNO, 2011, p.806). (137) Na casa de Ivone se come carne demais (BAGNO, 2011, p.806). Se analisarmos as sentenças levando em conta a tradição gramatical, dizemos que em (136) o se é índice de indeterminação do sujeito, enquanto que em (137) o se é uma partícula apassivadora, cujo sujeito da oração é carne. Quanto à classificação da gramática tradicional, podemos pensar que, em (136) caso, a tradição gramatical atua com um critério semântico, uma vez que o se é explicado de forma a se referir a alguém sobre quem omitimos informações, não querendo mencionar. Já em (137), o critério utilizado é o sintático: a transitividade verbal. A dupla explicação para o mesmo fenômeno linguístico causa, portanto, paradoxo. O que diferencia entre os enunciados é a transitividade verbal: em (136), o verbo é transitivo; em é intransitivo (137). Em ambos o se está funcionando como sujeito indeterminado. Em (137), temos carne como objeto direto de comer (Cf. BAGNO, 2011). A tradição gramatical despreza o aspecto semântico, uma vez que, em orações como essas, os verbos apresentados são praticados sempre por um sujeito cujo traço semântico é [+animado] e/ou [+humano]. Isso quer dizer que “[...] somente seres animados e/ou humanos podem comer carne, assim como aluga-se salas, joga-se búzios, vende-se ovos, avia-se receitas, 82 amola-se facas, etc. todos os verbos exigem (além de um óbvio objeto direto) um sujeito [+humano]. E é essa poderosa evidência semântica que leva os falantes a manter o verbo no singular, fazendo concordar com o sujeito indeterminado, expresso no comunicado pelo expresso clítico se” (BAGNO, 2011,p 807). Desde os estudos de Said Ali até os dias atuais, as pesquisas científicas têm mostrado que a interpretação em torno do se em orações como essas precisa de mais atenção, visto que é um recurso disposto na língua para indicar a indeterminação do sujeito, e tradição gramatical insiste em classificar esse se como pronome apassivador. Nesse sentido, o autor defende a ideia de que, no português brasileiro, não há as orações denominadas “passivas sintéticas” ou “passivas pronominais”. Em sua opinião, elas não passam de um mito. Por isso as nomeia de pseudopassivas. Bagno (2011, p.807) acrescenta que “O caráter marcadamente nominativo do se, ou seja, sua propriedade de ser sujeito, é tão forte no PB que os falantes só admitem como acusativo (isto é como objeto direto) construções na voz reflexiva [...]”. Essa reflexibilidade, por sua vez, tende a ser reconhecida apenas quando se tratar de sujeito cujo traço semântico seja [+animado]. As considerações de Bagno, em torno do clítico se, podem estimular a reflexão sobre a análise da língua materna que apresenta muitos problemas como, por exemplo, quando insistimos em fazer análise gramatical ignorando o fato de que ela é o pressuposto de qualquer ato de fala. Daí o significado do ato de pesquisar. Ele consiste na busca do conhecimento a partir de fontes diversificadas, analisadas sob diferentes aspectos. A partir dos estudos de Bagno (2011) somo levados a refletir que ele esclarecem muitas dúvidas que, certamente, acompanham não apenas os professores, mas sobretudo os estudantes do Curso de Letras. Nessa perspectiva, estudos renovadores como esses se tornam essenciais no progresso e na reformulação de muitos conceitos relacionados à análise da língua, além de garantir a compreensão dos processos que permeiam a atividade de pesquisa. 83 OS USOS DOS VERBOS VENDER E ALUGAR EM ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE JORNAL IMPRESSO: ANÁLISE E DISCUSSÃO 84 3 OS USOS DOS VERBOS VENDER E ALUGAR EM ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE JORNAL IMPRESSO: ANÁLISE E DISCUSSÃO Neste capítulo, procuramos expor os dados coletados, bem como os resultados a que chegamos com a investigação acerca dos verbos: vender e alugar em anúncios classificados do Jornal Gazeta do Oeste. Além disso, buscamos descrever e analisar a regularidade da construção com os verbos vender e alugar em seu uso interativo, dando ênfase aos aspectos da concordância desses verbos quando seguidos do clítico se. 3.1 Verbos vender e alugar em anúncios classificados do jornal impresso Gazeta do Oeste Conforme ressaltamos, neste trabalho, o corpus se constitui dos anúncios classificados de um jornal norte-rio-grandense: Gazeta do Oeste. O referido jornal obedece a um regime diário de publicação, exceto a segunda-feira. Para nossa análise, recorremos a anúncios publicados na seção de classificados nas edições de 08 de abril a 08 de maio de 2011. A título de esclarecimento, salientamos que, apesar de descrever todas as ocorrências dos verbos vender e alugar, trouxemos para análise exemplos que nos chamaram mais atenção, ou seja, os mais relevantes às discussões, às análises empreendidas. Desse modo, os recortes não obedecem a uma sequência temporal – ordem de edições publicadas –, mas constituem os textos que apresentam as formas verbais vender e alugar. Para que possamos compreender melhor a dinâmica do trabalho e, particularmente, a procedência dos dados, detalhamos, no parágrafo seguinte, a fonte de onde se origina o corpus, ou seja, o jornal escolhido para a pesquisa. Apesar da ideia de criação do Jornal Gazeta do Oeste já ser pensada antes de abril de 1977, sua primeira edição só foi às ruas em setembro do mesmo ano. Seu idealizador foi o jovem idealista: Canindé Queiroz, “nascido em Pau dos Ferros, distante da cidade que adotou como sua “urbe amada”, Mossoró” (GERSON, 2005, p.17). O periódico semanário, num primeiro momento, ia às bancas aos sábados. Devido a dificuldades de equipamentos, eram impressos em torno de 500 jornais por edições. Primeiro foi impresso em papel branco e, somente depois – uma segunda 85 etapa –, passou a ser impresso em papel jornal. Foi o primeiro jornal tabloide do Rio Grande do Norte. O Diário de Natal e a Tribuna eram tamanho standard. O desejo de crescer aliado a uma linha de inovação, na década de 90, foi criado o caderno Classificados – o foco de nosso objeto de investigação. Os Classificados que antes eram impressos na parte interna do jornal, passaram a ser publicados em caderno independente, ou seja, à parte da edição normal. Era construído de apenas duas páginas. Hoje, entretanto, todas as empresas que trabalham no ramo imobiliário anunciam nos Classificados do Jornal, cuja veiculação corresponde a 17 páginas. São divididos em Classificados (páginas em cores e preto e branco) e Classificados 2 (páginas apenas em preto e branco). Como estamos tratando de textos de uma situação discursiva concreta – anúncios classificados de jornais –, procuramos entrar em contato com a redação do jornal (por e-mail) para checar informações pertinentes (escrita e publicação dos textos) sobre o referido gênero. De acordo com informações obtidas, descobrimos que, o cliente usa os termos conforme o seu grau de instrução. A linguagem utilizada, nos anúncios é, realmente, a dele. Às vezes, a redação é obrigada a fazer correções, devido ao uso de termos completamente inadequados para publicação. Já houve casos de mudarem o texto para “melhorá-lo” e, no dia seguinte, o cliente ir até o jornal reclamar, dizendo que o texto não saiu como ele havia escrito. Nesse caso, não resta alternativa ao jornal a não ser reproduzir o texto tal qual o original. Alguns clientes são irredutíveis e não aceitam argumentação do jornal sobre o motivo da alteração no texto. Dessa forma, não há nada mais a fazer, justiçando-se, portanto, a existência do termo: “O cliente tem sempre razão”. Isso reforça a pressão do uso da língua, fazendo com que esta esteja presente no texto jornalístico. Nesse caso, o cliente, ao produzir o texto – anúncio classificado –, nem sempre aceita uma revisão de seu texto. A redação do jornal se posiciona dando a entender que tal fato não devia acontecer nos textos jornalísticos. No entanto, por respeito àquele que paga para que o jornal seja veiculado, aceita fazer a vontade do cliente. Na verdade, deixamos claro para a redação do jornal que nossa preocupação não é saber se a linguagem dos textos deve se apresentar de uma ou de outra forma, sem desvios da norma padrão. O que, de fato, nos inquieta é saber se a linguagem em uso, do dia a dia, está presente no texto jornalístico – anúncio – 86 e como é apresentada a construção com os verbos vender e alugar, inclusive as construções que envolvem o clítico se. Diante do ponto de vista da redação do jornal, pressupomos a ideia de que há certa justificativa do redator quanto à linguagem veiculada nos textos – anúncios classificados – produzidos, ou seja, o jornal dá abertura para que os anunciantes produzam os textos da maneira que melhor atendam os seus propósitos. Nesse sentido, o produtor utiliza estratégias criativas, para organizar seu texto, de forma a torná-lo compreensível por um determinado leitor em uma determinada situação comunicativa. Utilizar a língua requer expressividade. Expressividade essa, que o falante procura alcançar manifestando-se de modo criativo suas impressões pessoais em relação ao conteúdo transmitido e sua inquietação com a receptividade que ouvinte terá desse conteúdo. Isso justifica a abordagem do gênero do discurso na perspectiva de Bakhtin (2003). Para ele esses gêneros resultam em formas-padrão “relativamente estáveis” de um enunciado, determinadas sócio-historicamente, já que só nos comunicamos, falamos e escrevemos, por meio de gêneros do discurso. É por isso que, no anúncio classificado, a imagem do sujeito é recuperada, pelo leitor, por meio do contexto, pois locutor constrói seu texto em função do interlocutor, que tem um papel ativo, constitutivo na formulação desse texto. De forma visível, é o outro (interlocutor) quem condiciona o que o locutor diz e, desse modo, ambos são colocados no mesmo plano. As escolhas feitas, por sua vez, são determinadas em relação à esfera pela qual o discurso transitará, por seu conteúdo temático, pelas condições de produção e pela composição dos participantes. Isso pode ser constatado, por exemplo, quando observamos a Tabela 01, cujos verbos escritos 22 em terceira e primeira pessoa, respectivamente, são os que prevalecem. 87 Tabela 01 – Ocorrências do item linguístico vender no jornal Gazeta do Oeste Item Linguístico Número de ocorrências Valor em % Vende 1365 46,1 Vendo 1133 38,2 Vende-se 451 15,2 Vender 15 0,5 2964 100 Total Fonte: Jornal Gazeta do Oeste, abril/maio/2011. O levantamento feito, no corpus desta pesquisa, nos deu oportunidade de constatar que os usos linguísticos estão presentes no jornal Gazeta do Oeste, quer se trate da forma vender (e variantes: vende, vendo, vender), quer se trate da forma alugar (e variantes; aluga, alugo, alugam-se alugar, alugamos). Analisando as amostras retiradas desse jornal, as quais constituem um total de um mês de publicação (edição de 08 de abril e 08 de maio de 2011), obtivemos o seguinte resultado: 1.365 ocorrências da construção vende (verbo na 3ª pessoa do singular); 1.133 da construção vendo (verbo na 1ª pessoa do singular); 451 da construção vende-se (verbo na 3ª pessoa do singular + o clítico se); e 15 ocorrências da construção vender (verbo no infinitivo), conforme apresentado na Tabela 01. Observando os dados pudemos verificar que se determinada estrutura gramatical: vende, foi empregada com maior recorrência. Isso se deve ao(s) significado(s) que tal estrutura permitia articular para o que o objetivo fosse atingido, ou seja, a venda de produto/oferta de serviço em anúncios classificados do jornal impresso investigado. A repetição desse verbo numa mesma edição conforme acontece se dá em virtude de, histórica e socialmente, originar e estabilizar o significado da estrutura, tornando-a, portanto, usual, isto é, gramatical. O estudo realizado caracterizou, portanto, que as estruturas gramaticais são determinadas pelas situações comunicativas das quais participamos enquanto sujeito. Desse modo, podemos afirmar que a estrutura não é estática, varia de acordo com o uso da língua em nosso dia-a-dia, ou seja, por motivações discursivas, não da sentença em si. Um exemplo disso é a estratégia utilizada pelo produtor do 88 anúncio classificado ao escolher como usar o verbo do melhor modo que atenda o seu propósito comunicativo. Quanto ao verbo alugar, coletamos o seguinte resultado, como demonstra a Tabela 02: Tabela 02 – Ocorrências do item linguístico alugar no jornal Gazeta do Oeste Item Linguístico Número de ocorrências Valor em % Aluga 998 58,7 Alugo 385 22,7 Aluga-se 262 15,4 Alugamos 26 1,5 Alugar 26 1,5 Alugam-se 2 0,1 1699 100 Total Fonte: Jornal Gazeta do Oeste, abril/maio/2011. Observando a tabela 02 – item alugar – contatamos, tal como a forma vender que a 3ª pessoa é predominante. Na leitura da Tabela 02, temos: 998 ocorrências da construção aluga (verbo na 3ª pessoa do singular); 385 da construção alugo (verbo na 1ª pessoa do singular); 262 ocorrências da construção aluga-se (verbo na 3ª pessoa do singular + o clítico se); 26 ocorrências da construção alugamos (verbo na 1ª pessoa do plural) e 26 ocorrências da construção alugar (verbo no infinitivo). Com o verbo predominante, em ambos os itens investigados, aparece o nome (com logomarca) do anunciante, seguido dos verbos em destaque (verbos em cor branca e fundo preto), deixando claro quem vende/aluga. Embora o sujeito esteja exterior ao enunciado (o anúncio propriamente dito), o contexto faz este sujeito inserir-se na enunciação. Essa compreensão só é considerada a partir de análise pragmática do contexto discursivo, fundamentada por princípios funcionalistas, ou seja, é preciso atentar para tudo que envolve os anúncios classificados: o locutor, o interlocutor, o ambiente social, entre outros fatores inerentes ao campo da pragmática. Assim, para dar ênfase ao anunciante (colocado em destaque, inclusive suas credenciais) e ao que se quer anunciar, o produtor do texto repete os verbos na 3ª pessoa (...) vende ou aluga, itens que concorrem com os prescritos pela 89 gramática tradicional: vende(m)-se/aluga(m)-se, típicas da linguagem culta, especialmente escrita, conforme podemos constatar na Figura 01. Figura 01: Item linguístico vender/alugar verbo – 3ª pessoa Fonte: Jornal Gazeta do Oeste, abril/2011, p.6. Além dos verbos escritos em terceira pessoa, a ênfase dada ao anunciante é reforçada pelo uso do enunciado: VISITE NOSSO SITE www.otavionetoimobiliario.com.br, no qual se insere o pronome possessivo “nosso”, grafado em letras maiúsculas, negrito, centralizado, logo abaixo dos anúncios, estendendo o sentido – ideia de pertencimento – ao interlocutor. Isso, porém, não acontece na tradição gramatical como constatamos no conteúdo abordado no capítulo II – ponto de vista de Rocha Lima ([1985]1999) e Almeida (1999) quando tratavam do verbo vender/alugar. Suas análises se restringiam a questões de ordem formal, sem levar em conta o modo de produção de textos, ou seja, são análises realizadas a partir de frases soltas descontextualizadas, sem levar em consideração as propriedades funcionais desses verbos, principalmente, quando seguidos do clítico se. De maneira semelhante (excetuando o enunciado para visita ao site), acontece com o verbo escrito na 1ª pessoa: vendo e alugo. Podemos visualizar na Figura 02 90 Figura 02: Item linguístico vender/alugar verbo – 1ª pessoa Fonte: Jornal Gazeta do Oeste, abril/2011, p.6. abril/2011, p.6) Segundo os dados coletados, essa é a 2ª forma mais recorrente. Isso pode se dá pelo fato de o cliente preencher o formulário com o texto – anúncio – e ter o poder de decidir como esse texto será publicado (como já mencionamos neste trabalho). Esse comportamento do anunciante significa a exploração do aspecto discursivo-pragmático da linguagem, evidenciando a aproximação do contexto sóciodiscursivo com o linguístico. Nesse sentido, prevalecem as formas cujos anunciantes estão presentes, ficando claro que o anunciante tem algo para vender ou alugar e que é o próprio agente responsável pela ação, ou seja, o verbo na 1ª pessoa do singular. O que percebemos, portanto, é que o jornal Gazeta do Oeste apresenta-se de forma dinâmica, é aberto à população, feito para anunciar os fatos da região, acatando a escrita com a língua em uso, não se prendendo às formas eleitas pelas gramaticas tradicionais – vende(m)-se/aluga(m)-se. No caso dos verbos dos 91 anúncios, o uso canônico ainda é privilegiado em outros jornais6. Isso pressupõe que esses veículos não levam em consideração fatores discursivos, se restringem aos gramaticais. O fato de o texto ser escrito em 1ª pessoa, entretanto, não o desclassifica enquanto texto – anúncio –, já que faz referência objetiva ao que está sendo anunciado, de modo a facilitar o entendimento do leitor, levando-o a encontrar o que deseja. É como se reforçasse o anúncio classificado “eu (implícito no enunciado) vendo”, deixando mais marcadas, para o leitor, as referências enunciativas de venda, através de recursos sintáticos “emergentes” para o gênero, ao contrário da forma padrão que talvez dificulte a noção de referência. Salientamos que, nesse gênero, há ausência de artigos e preposições, pois, quando usados, contam como palavras, tornando o anúncio mais caro. Nesse caso, essa ausência vale também para o pronome pessoal (eu) oculto, o que barateia o anúncio sem deixar de incluir o sujeito-anunciante. Em outras palavras, quando o verbo vender/alugar vem na primeira pessoa do singular, notamos o envolvimento direto do anunciante. Ele compartilha o seu desejo de vender aquele móvel/imóvel ou serviço, dividindo com o leitor a sua satisfação caso esse adquira seja persuadido. Assim, a sua vontade passa a ser também a vontade do cliente. Em anúncios classificados como esses, ocorre uma aproximação maior com o leitor. Além de explicitar seus sentimentos, o anunciante convida esse leitor a uma participação ativa quando escreve “vendo”. Esse envolvimento faz com que o texto flua melhor. Nesse sentido, concorrem com as formas prototípicas (vende(m)-se/aluga(m)se), essas outras formas variantes de vender: vende, vendo, venda, vendas, vender; de alugar: aluga, alugo, aluguel, aluguéis, alugam-se, alugar, alugamos, conforme apresentado nas tabelas 01 e 02, as quais estão sendo incorporadas no gênero, em análise, devido às pressões de uso da linguagem. A manifestação dessas novas formas revela o caráter dinâmico da língua, caracterizando-se como uma possível mudança linguística que acontece por meio do processo da gramaticalização na linguística funcionalista. Segundo os estudiosos dessa corrente teórica, as formas linguísticas se renovam constantemente, já que o discurso comporta formas pré- 6 O Diário de Natal, por exemplo, privilegia a forma (prototípica) vende(m)-se. 92 estabelecidas que, em razão dessas circunstâncias discursivas, variam e mudam. Nessa perspectiva, vão aparecendo novas funções, num movimento contínuo. Quanto às mudanças ocorridas numa língua, devem ser compreendidas como movimentos iniciados a partir do momento em que um sujeito produz seu discurso para um determinado interlocutor em situação comunicativa particular (Cf. MARTELOTTA, 2003). Assim, se a gramática da língua com suas restrições, limita a produção discursiva por um lado, por outro, pode constituir um processo criativo no qual o falante pode recriar formas, estendendo sentidos segundo as restrições de sua cognição, bem como as necessidades que o contexto impõe. Essas restrições podem constituir-se como situações de mudanças, caso sejam percebidas, apreciadas e adotadas, ou seja, permanecerem. Em outras palavras, as formas mais novas estão associadas a forças extralinguísticas de caráter inovador, tais como propósito comunicativo, contexto, modalidade do gênero textual. Vale observar que mesmo a forma canônica sendo ainda muito frequente, a presença das demais se constitui como uma manifestação da linguagem em uso no texto do jornal investigado. Isso reforça a ideia de que a gramática da língua originase do discurso tal como aponta Givón (2001). Como podemos ver, a língua é dinâmica, transforma-se a cada dia. O contexto é que propõe tais mudanças. E é neste contexto (de mudanças) que as análises linguísticas de orientação funcionalista ganham sentido, pois trabalham de forma direta sobre o postulado básico de que a língua é uma estrutura maleável, sujeita às pressões do uso e que se constitui um código parcialmente arbitrário. A partir das orientações de Givón, Hopper, Traugott, Haiman e Thompson, entre outros, o modelo de análise funcionalista procura explicar a forma da língua a partir das funções que ela desempenha na interação. Assim sendo, a língua não se organiza de forma autônoma. Dependente do comportamento social, adaptando-se às diferentes situações comunicativas e necessidades do falante. (Cf. FURTADO DA CUNHA, 2008). Mediante o exposto, somos levados a inferir que a ocorrência da estrutura comumente mais utilizada pela gramática tradicional a vende-se aparecer em 3ª posição e aluga-se em 4ª, se dá pelo fato de o Jornal Gazeta do Oeste prestigiar a organização dos seus textos, tal como proposto pelo cliente, ou seja, segue a forma dinâmica (variável) da língua, já que o corpus apresentou outros usos – várias formas para a mesma função. Isto porque as pressões de uso dessa língua estão 93 fazendo esse veículo de informação adaptar-se ao contexto vigente que vai penetrando na língua através das outras formas nele inseridas como vimos. Dito de outra forma, a tendência de a gramática adaptar-se às pressões de uso encontra-se manifestada em dados do jornal Gazeta do Oeste. 3.2 Aspectos da concordância verbal dos itens linguísticos vender e alugar Quanto ao processo de concordância verbal entre a construção vendese/aluga-se e o termo a que se refere, há uma predominância de uso da estrutura formal vende-se (verbo singular) concordando com o termo também no singular. Quando o verbo aparece no plural, o termo a que se refere também aparece no plural. Entretanto, aparecem alguns anúncios classificados, cuja concordância difere da forma adotada pela gramática normativa, isto é, o verbo aparece no singular seguido do clítico se, e o termo seguinte vem no plural. 3.2.1 Vender e alugar: anúncios classificados de jornais vs. gramática normativa Seguindo a visão tradicional de gramática, como se apresenta na revisão de literatura dessa pesquisa, somos induzidos a acreditar na existência de regras prontas, cujo fim se dá por si mesmo. Basta analisarmos o exemplo (06-Cap. II) Venderam-se todos os bilhetes (ROCHA LIMA, 1999, p.390), cujo autor, seguindo o rigor terminológico da língua padrão sugere que o verbo concorde com o termo (tradicionalmente) apontado como sujeito “todos os bilhetes”, isto é, verbo na dita voz passiva pronominal (formada com o verbo acompanhado do pronome oblíquo se, chamado, nesse caso, de pronome apassivador). Segundo essa visão de gramática tradicional, os verbos transitivos diretos (aqueles verbos que se ligam diretamente ao seu complemento), quando seguidos do clítico se, estão na voz passiva [v ende-se = é vendido] e apenas frases que apresentem esse tipo de verbo podem ser transformada em voz passiva. Dessa forma, o complemento (o objeto direto) se converte em sujeito da voz passiva construída com o verbo auxiliar ser + particípio. O sujeito da voz ativa, por sua vez, se converte em agente da passiva, 94 ficando, portanto, o exemplo de Rocha Lima (1999) da seguinte forma: (06) Todos os bilhetes foram vendidos. (voz passiva analítica). Entretanto, se levarmos em consideração fatores semântico-pragmáticos, os quais envolvem tanto o contexto linguístico quanto o extralinguístico, observamos lacunas na visão tradicional de gramática, já que são cada vez mais frequentes construções (impessoais) com verbos transitivos diretos – vende-se/aluga-se casas – em nosso dia a dia, pondo em discussão as visões das gramáticas normativas e de muitos livros didáticos que desprezam os usos linguísticos e a evolução da língua. Quanto ao processo de concordância verbal entre a construção vendese/aluga-se e o termo a que se refere, há uma predominância de uso da estrutura formal vende-se (verbo singular) concordando com o termo também no singular tal como acontece nas gramáticas normativas. Quando o verbo aparece no plural, o termo a que se refere também aparece no plural. Entretanto, aparecem alguns anúncios classificados, cuja concordância difere da forma adotada pela gramática normativa, isto é, o verbo aparece no singular seguido do clítico se, e o termo seguinte vem no plural. Transcrevemos aqui dois anúncios classificados com os verbos vender e alugar, respectivamente, na íntegra: ALAMEDA DO SOL – Vende-se os lotes 03 e 04 da quadra 06, medindo 800m 2. R$ 110.000,00 (GAZETA DO OESTE, 8 de abril de 2011, p.3). Além da forma apresentada, aparece outra construção: vende-se casas avulsas... na edição de 20 de abril e repete-se em 15 edições posteriores. Vale ressaltar que na última edição pesquisada aparece na última página e em letras maiores, apesar de em todas estarem em maiúsculo e, em edições, aparecerem duas vezes na mesma edição. O texto segue, na íntegra, abaixo: CASAS AVULSAS VENDE-SE CASAS AVULSAS NO RESIDENCIAL CIDADE JARDIM (ALTO SUMARÉ) COM 02 QUARTOS (57,01M2) E 3 QUARTOS (115, 86M2) VÁRIAS OPÇÕES DE PLANTAS, ENTREGA COM 5 MESES, TODAS AS CASAS COM 95 PROJETO PARA EXPANSÃO. ÓTIMA LOCALIZAÇÃO. LOTES DE 2002 (10X20) FINANCIADO EM ATÉ 100% CASAS A PARTIR DE R$ 84.900,00. (GAZETA DO OESTE, 20 de abril de 2011, p.7). De forma semelhante, acontece com o verbo alugar, vejamos o exemplo ALUGA-SE APARTAMENTOS Apto RESIDENCIAL ALAIDE ESCOSSIA no 18º andar com 03 suítes. (...) CASAS Casas no Residencial João Figueiredo na Nova Betânia com 02 quartos sendo 01 suíte, banheiro social, garagem, cozinha e dispensa. (GAZETA DO OESTE, 20 de abril de 2011, p.7). Comparando, portanto, os exemplos retirados do jornal: Gazeta do Oeste com a forma prototípica da gramática tradicional, exemplo (05), percebemos que a tendência em usar a forma singular vai aos poucos se generalizando. Quando se diz: Vende-se casas avulsas..., fica subtendido que alguém tem casas para vender, isto é, há um agente responsável pela ação, mesmo que não apareça no enunciado. Por outro lado, haveria incoerências na análise tradicional do se como apassivador, como propõe Rocha Lima, já que a concordância não iria acontecer, caso transformássemos a frase da voz ativa para a passiva sintética pronominal como ele sugere. A tão famosa transposição nem sempre é possível, uma vez que nem sempre há igualdade de sentido quando mudamos a ordem das palavras dentro da frase. Na verdade, em se tratando da problemática do clítico se, o próprio gramático Said Ali ([1908] 2008) já negava o caráter de "partícula apassivadora”. Segundo esse autor, não haveria necessidade de concordância entre o verbo (singular) seja intransitivo, seja transitivo e nome (plural). A seguir, vemos que, embora com a forma escrita diferente (verbo vender e alugar seguidos de dois pontos), aparecem mais três anúncios classificados (verbo vender) e um (verbo alugar), cuja concordância difere da forma canônica apresentada na gramática tradicional. Vejamos como aparecem os textos, da figura 03 retirada do respectivo jornal: 96 Ramon Imóveis – vendas e aluguéis Figura 03 – Anúncios classificados – verbo vender/alugar. Fonte: Jornal Gazeta do Oeste, abril/2011, p.10. abril/2011, p.6) Esses anúncios classificados se repetem em 13 edições posteriores. Ao lado desses, porém, há outros exemplos, cujos termos posteriores aos dois pontos estão no singular conforme figura. Isto pressupõe a ideia de que há variações, maneiras diferentes de manifestar o mesmo pensamento. Nesse sentido, postulamos que, no jornal Gazeta do Oeste, a língua em uso, no que se refere à concordância verbal, se manifesta com grande expressividade, pois a forma prototípica vende-se concorre com outras, conforme já ressaltamos neste trabalho. Assim, quando analisamos as construções com verbo transitivo direto: vender/alugar na 3.ª pessoa do singular + pronome se, observamos a presença da não concordância verbal entre esses itens e o sintagma nominal que o procede. Visualizemos os números correspondestes a cada item linguístico Aspectos da concordância verbal dos itens linguísticos vender e alugar 97 Tabela 03 – Concordância verbal do item linguístico vender + clítico se Item Linguístico Número de ocorrências Vende-se+ sint. 362 Nom. singular Valor em % 80 Vende-se + sint. Nom. plural 89 20 Total 451 100 Tabela 04 – Concordância verbal do item linguístico alugar + clítico se Item Linguístico Número de ocorrências Valor em % Aluga-se + sint. Nom. singular 220 84 Aluga-se + sint. Nom. plural 42 16 Total 262 100 Diante dos números apresentados, notamos que a linguagem em uso que buscamos abordar nessas observações (variação da forma verbal vender/alugar) está presente nos anúncios classificados do jornal investigado, ou seja, os verbos vender e alugar, quando usados nos anúncios classificados de jornais apresentam uma diversidade de usos (vende, vendo/aluga, alugo, etc.), além do sentido preconizado nas gramáticas normativas: vende-se/vendem-se e aluga-se/alugam-se. Esse fato pode ser explicado pela teoria funcionalista, por meio do processo de gramaticalização, mais especificamente pelo princípio da estratificação instituído por Hopper (1991), princípio esse que não aparece para eliminar as formas antigas, substituindo-as pelas formas novas, mas pelo “amontoamento”, num próprio domínio funcional, de formas sutilmente distintas que possuem, aproximadamente, o mesmo significado (Cf. GONÇALVES; CARVALHO, 2007). Quanto ao processo de concordância verbal, observamos, portanto, nos anúncios classificados do jornal Gazeta do Oeste, que há uma incidência de construções com o clítico se, em sentenças com verbo transitivo direto, cujos sintagmas nominais pospostos a estas construções ora se apresentam no singular, 98 ora no plural, conforme observamos nas tabelas 03 e 04, respectivamente: 23% no que se refere ao item vender e 13% ao item alugar. Isso nos leva a pressupor que, mesmo que alguns estudos linguísticos tenham buscado sistematizar os aspectos gramaticais, inerentes à utilização das línguas, formando um conjunto de regras permanentes, as quais poderiam ser aplicáveis para formar frases em diferentes contextos, as línguas naturais insistem em provar seu caráter não estático. As línguas parecem ser sensíveis a diferentes comportamentos dos usuários que as falam. Por um lado, apresentam formas que variam de natureza individual, social, regional, entre outras, convivendo simultaneamente; por outro, mudanças que se manifestam com sua evolução histórica, o que nos autoriza a afirmar que a gramática deve ser trabalhada na escola além do ponto de vista formal, ou seja, deve considerar também suas dimensões semântica e pragmática, visto que a variação da língua (a língua em uso) já penetra também nos meios de comunicação, devendo, portanto, ser inserida no contexto da sala de aula, para fins de análise pelos alunos. Isso pressupõe a ideia de não se estabelecer uma diferença entre o uso da língua e as regras gramaticais, as quais estão na sua base, uma vez que as regras se modificam, e as modificações são manifestadas no uso e motivadas por ele (Cf. MARTELOTTA, 2011). Com a evolução da língua, sensível aos comportamentos dos indivíduos, não é de admirar que, no nosso corpus, apareçam anúncios sem o uso do verbo vender. Outros elementos descritivo-argumentativos são suficientes para sabermos que se trata de um anúncio de classificado. Como todo gênero, o classificado é produzido a partir de uma estrutura: em geral, é um texto pequeno, conciso, objetivo, não contando com recursos visuais. O que se exige do leitor, nesse gênero, é que entre em contato com quem anuncia, por isso traz um número de telefone, um endereço ou outro meio de contato. Isso tudo leva em conta o propósito comunicativo de quem o produz, adequando-o à situação e ao contexto em que se insere a prática do mesmo. Assim, quem escreve o jornal pensa nos interlocutores potenciais. Esse pensar leva ao uso de estratégias criativas, valendo-se de aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos a fim de persuadir seus leitores a aderir ao ponto de vista do jornal. Daí a manifestação da linguagem em uso no texto jornalístico. Há boas justificativas para isso. Uma delas é o fato de o texto jornalístico ser um dos textos 99 mais lido, mais consumido, provavelmente, o que tem maior alcance nos diferentes setores da sociedade. Os resultados quantitativos obtidos, nesta análise, mostram que a escrita jornalística, apesar de mais formal, mais sujeita à normatização, não está isenta de mudança: a presença da língua em uso – uso das formas vender e alugar (e variações) sem o clítico se em anúncios classificados de jornais evidencia um processo de disputa também na escrita. Parece que o se tem perdido seu território, a julgar pelos resultados encontrados no jornal Gazeta do Oeste. Quanto aos resultados qualitativos, cuja análise se fundamenta nos princípios funcionalistas, constatamos que a linguagem jornalística, apresentada nos anúncios classificados favorece a interpretação do clítico se como sujeito, não como agente da passiva em construções ditas (tradicionalmente) passivas sintéticas, ou seja, a ideia sugerida pelo clítico se, é de que “alguém vende”, de que “alguém aluga”, no entanto, desconhecemos ou preferimos omitir informações a seu respeito. Por razões semântico-pragmáticas, os produtores dos tesxtos são induzidos a fazer o verbo vender não concordar com o termo a que se refere (o que é anunciado); em vez de vendem-se, escrevem "vende-se casas avulsas", assim mesmo, com o verbo no singular, como pudemos observar. Na verdade, o produtor do anúncio utiliza tanto o seu ponto de vista, quanto à consciência sobre a presença do interlocutor, o leitor do jornal. Para o leitor, não faz diferença se o verbo concorda ou não com o elemento a que se refere. O que vale é o seu significado: aluga-se, vende-se. O próprio suporte – o jornal – caracteriza esse significado, não necessitando que o leitor entenda casas avulsas como sujeito da frase citada. Isto porque, conforme, mencionamos nesse trabalho, muitos lingüistas brasileiros já consideram a passiva sintética como pura ficção. No entanto, a gramática tradicional, insiste em difundir o contrário. Apesar de as análises morfossintáticas serem de grande utilidade para entendermos o fenômeno da concordância verbal, não podemos esquecer o processamento cognitivo, já que é nele que observamos a sintonia entre sintaxe, semântica e pragmática. Concordamos com Bagno (2011, p. 649) quando afirma: “Com isso, a tese que postulamos aqui é a de que a concordância verbal se faz com algo que não está visível na materialidade do texto, mas que decerto participou do processamento cognitivo do falante/escrevente no momento de falar/ escrever”. Uma das maiores autoridades sobre o fenômeno da concordância é Maria Marta Pereira 100 Scherre. O seu trabalho, Scherre (2005), conforme tratamos, nesta pesquisa, é um exemplo claro da variação da concordância no português brasileiro, fato inerente tanto ao nosso sistema linguístico quanto ao de outros países. 101 CONCLUSÃO Neste trabalho, buscamos discutir sobre as contribuições do funcionalismo linguístico para o ensino de língua materna, de modo especial, para o trabalho com o uso das formas vender e alugar quando aparece em anúncios classificados de jornais impressos. O motivo de dar ênfase a esse aspecto, nesta pesquisa, dar-se em função da necessidade de discutir sobre as construções (impessoais) com verbos transitivos diretos - vende-se/aluga-se casas – estarem cada vez mais recorrentes em nosso dia a dia, e as gramáticas e livros didáticos insistirem em considerá-las como erros de concordância, já que consideram esse clítico como apassivador. A verdade é que tais construções estão presentes, não apenas no uso oral e coloquial, mas também no escrito e formal, como é o caso da pesquisa realizada no jornal Gazeta do Oeste, cujo registro de não concordância também acontece com certa recorrência. Na investigação feita, obtivemos um total de 2.964 dados referentes ao verbo vender, sendo que 1.365 ocorrências são da construção vende (verbo na 3ª pessoa do singular); 1.133 da construção vendo (verbo na 1ª pessoa do singular); 451 da construção vende-se (verbo na 3ª pessoa do singular + clítico se); e 15 ocorrências da construção vender (verbo no infinitivo). Quanto ao verbo alugar, coletamos um total de 1.699 dados, dos quais: 998 ocorrências são da construção aluga (verbo na 3ª pessoa do singular); 385 da construção alugo (verbo na 1ª pessoa do singular); 262 ocorrências da construção aluga-se (verbo na 3ª pessoa do singular + clítico se); 26 ocorrências da construção alugamos (verbo na 1ª pessoa do plural) e 26 ocorrências da construção alugar (verbo no infinitivo). Além dessa quantificação dos dados, tratamos também da análise de aspectos qualitativos que esses números representam. Em outras palavras, o que buscamos descrever e analisar foi a regularidade da construção com verbos vender/alugar observando seu uso interativo, levando em conta as condições discursivas desse uso. Como observamos, no decorrer das análises, há variação na forma de apresentar os verbos vender e alugar nos textos veiculados do jornal investigado: Gazeta do Oeste; essas formas foram introduzidas ao longo do tempo e podem ser associadas ao processo de gramaticalização: a inserção de novas formas que convivem com as canônicas: vende-se/aluga-se. Isso leva a pressupor que a língua não é estática, mas maleável, adaptando-se às situações de comunicações 102 concretas. Daí a justificativa do uso de construções impessoais com verbo transitivo direto (vende-se/aluga-se casas) que são, cada dia, mais correntes, não só no uso oral e coloquial, mas também no escrito e formal, como constatamos nos registros (vende-se os lotes.../casas avulsas...) de não concordância no Jornal Gazeta do Oeste – nosso objeto de investigação. Esse se tende a desempenhar a função de sujeito, não de pronome apassivador em construções consideradas pela gramática tradicional como passivas sintéticas. A ideia sugerida pelo clítico se, é de que “alguém vende”, de que “alguém aluga”, no entanto, desconhecemos ou preferimos omitir informações a seu respeito. Os achados da pesquisa mostram, portanto, variação no uso da linguagem, apresentando uma nova perspectiva para as atividades realizadas com a gramática; gramática esta, vista (após estudo da teoria e análise realizada) como componente mutável em consequência das vicissitudes discursivas a que se molda. O ponto de vista da linguística discursiva apresentado, neste trabalho, pressupõe a ideia de que não há correspondência na estrutura semântico-sintática das orações em forma passiva analítica e passiva sintética (tal qual afirmam os gramáticos normativos) quando essas pertencerem ao gênero anúncio classificado de jornais. O contexto discursivo, no qual os anúncios estão inseridos, é que dão garantia a essa análise. A constatação do se indeterminador em construções como vende-se os lotes.../casas avulsas... aluga-se salas... só é possível quando a análise leva em conta fatores semântico-pragmáticos, cuja função dêitica é reconhecida. O gênero textual (como também o suporte) pode ser o responsável por esta função indeterminadora, já que tais gêneros são afixados em locais a serem comercializados, fazendo com que os leitores percebam o local em que estão afixados como objeto de venda e que há alguém por trás daquela ação, um sujeito indeterminado qualquer, cuja intenção comunicativa é apresentar à comunidade o objeto a ser vendido ou alugado. Isso pressupõe que a forma a ser utilizada para anunciar o imóvel ou produto a ser vendido, vai depender, exclusivamente, das estratégias usadas pelos locutores na produção dos textos que, por sua vez, é motivado por pressões de uso da linguagem. Acreditamos que essas estratégias repercutem, também, no processo de compreensão por parte dos interlocutores. 103 Acreditamos que a partir das discussões teóricas abordadas, no decorrer do trabalho, bem como das análises realizadas, possamos analisar a gramática além do ponto de vista formal, ou seja, considerar também suas dimensões semântica e pragmática como sugerem os pesquisadores da corrente funcionalista. Devem nessas análises estar incluídos: o sujeito, o uso linguístico, a história, a heterogeneidade da língua. Daí a relevância de pesquisas que priorizem esses aspectos. Assim sendo, configuramos essa pesquisa como uma contribuição para os estudos funcionalistas. Mediante o mencionado, o que propomos para a análise da concordância verbal quando envolver o clítico se é estudá-la a partir de textos completos para que, a partir deles, possamos extrair as regras de funcionamento. Os anúncios classificados de jornais impressos podem se constituírem objetos de análise nesse sentido. Para tanto, além da dimensão formal, que não causa problemas de compreensão se levada em conta a teoria estabelecida pela gramática normativa, devemos trabalhar a dimensão pragmática, que é a que causa mais dificuldade na hora de escrever. Isto porque a concordância verbal é mais restrita no PB do que no português escrito. É preciso bastante atenção para o fato de haver variação quanto ao fenômeno em questão. No entanto, todas as variações dispõem de uma concordância, já que nenhum falante explicando diz: “eu alugou” ou “ele vendi”, etc. Quanto à leitura do anúncio classificado é preciso fazer uma ressalva: o texto impresso funciona sob a forma de tópicos (ou categorias), os quais são denominados, pela esfera jornalística como "seções" e "segmentos" e, de acordo com a empresa jornalística, ainda podem apresentar uma hierarquia esquemática dividida por subseções e subsegmentos. Tal organização é condição necessária para que o anúncio classificado se realize; caso contrário, não pode receber a respectiva nomeação, podendo, portanto, ser chamado apenas de anúncio publicitário. Assim sendo, a leitura desse gênero textual perpassa por duas etapas: a primeira, na qual percebemos que, antes de começar a ler o texto propriamente dito, somos induzidos a ler o seu suporte (jornal/caderno). Esse primeiro momento de leitura não deve ser rejeitado, já será por meio dela que o leitor compreenderá a ordenação/categorização a qual pertence o anúncio classificado; a segunda etapa, por sua vez, ocorre no momento em que o leitor penetra no próprio gênero e interpretando as abreviaturas que apresentam no texto. 104 O que podemos notar, a partir das leituras e reflexões efetuadas, é que a abordagem funcionalista tem muito a contribuir para repensarmos as análises que fazemos da Língua e, consequentemente, de sua gramática. A compreensão de seus aspectos mais relevantes, entre os quais destacamos a capacidade adaptativa da linguagem, a funcionalidade revelada de maneira parcial pelas formas da língua, como também a abordagem dos usos linguísticos em situação real de comunicação. De posse dos conhecimentos acerca do funcionalismo, passamos a ver a gramática como um conjunto dos procedimentos parcialmente maleável/motivado e parcialmente arbitrário/convencional, cuja natureza das estruturas linguísticas deve ser vista sempre estando, nunca sendo. Ressaltamos ainda a relevância das pesquisas de orientação funcionalista, como é o caso das motivações discursivas da voz passiva, tema abordado por alguns pesquisadores brasileiros, cujo processo insere o objeto de estudo – uso das formas vender e alugar (e variantes), com ênfase no processo de concordância verbal das formas mais recorrentes: vendese/aluga-se + sintagma nominal em anúncios classificados do jornal impresso Gazeta do Oeste – aqui investigado. Na verdade, um estudo, sucessivamente, leva a outro(s), principalmente, quando se trata das pesquisas funcionalistas, cuja proposta de análise se constitui de maneira vasta, já que abrange o uso linguístico que contempla múltiplas possibilidades de investigação. Em síntese, a partir da pesquisa realizada, somos levados a repensar os conceitos gramaticais como, por exemplo, o de transitividade, que a gramática tradicional trata como uma característica restrita aos verbos, e os pressupostos funcionalistas tratam como uma característica de toda a sentença. 105 REFERÊNCIAS ALKIMIM T. M. Sociolingüística. In: MUSSALIN, Fernanda.; BENTES, Anna. Cristina. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2005, ALI, M. S. Gramática Secundária da Língua Portuguesa. 10ª edição. São Paulo: Melhoramentos, 1970. ALI, M. S. Dificuldades da língua portuguesa. 7. ed. – Rio de Janeiro: ABL: Biblioteca Nacional, 2008. 260 p. (Coleção Antônio de Morais Silva, v. 7). 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