Uma Ferramenta na Busca Pela Construção

Propaganda
1. INTRODUÇÃO
Devido aos anos de intenso desenvolvimento tecnológico onde as questões
ambientais foram sempre ignoradas, começamos agora a sofrer as conseqüências
deste longo período de irresponsabilidade ambiental. Questões como o efeito estufa,
chuvas ácidas, destruição da camada de ozônio, que hoje fazem parte de nosso
cotidiano são, de acordo com estudiosos, provas concretas da incapacidade da
natureza de recompor-se dos danos causados pela ação humana.
Diante
deste
quadro
surge
a
questão:
como
aliar
desenvolvimento
e
sustentabilidade? Impedir o desenvolvimento do país é inviável, no entanto, mantêlo com os atuais custos ambientais inviabilizará em pouco nossa própria existência.
Fica claro então que a única saída é alterar a formas de produção e consumo de
modo a minimizar os impactos sobre a natureza.
Dentro deste contexto, a construção civil, cuja essência é a transformação do
ambiente natural em ambiente construído, exerce papel de destaque. Consome de 15
a 50% de todos os recursos naturais (SJÖSTRÖM, 1992), produz mais resíduos que
as cidades propriamente ditas (lixo urbano) e os edifícios por ela produzidos
consomem mais de 45% do montante total de energia consumida pela sociedade
(LIPPIATT, 1998).
Desempenhando o papel de grande vilão ambiental é natural que a indústria da
construção civil seja também o setor mais cobrado para tornar-se sustentável.
Para a construção civil, sustentabilidade significa promover o bom uso e a economia
de recursos naturais finitos, a redução da poluição e o conforto do usuário, o que em
termos práticos significa minimizar o consumo de recursos e a produção de
resíduos, maximizar a reutilização de componentes e/ou materiais, optar pela
utilização de recursos renováveis e recicláveis, evitar o uso de materiais cuja
extração de matéria prima cause danos ambientais, aproveitar os recursos naturais
para iluminação e ventilação, reusar águas servidas, captar e utilizar águas
pluviais,etc.
9
Visando atingir os objetivos acima mencionados, uma série de metodologias de
produção estão sendo estudadas e aplicadas na indústria da construção, sendo
algumas já bastante conhecidas, como por exemplo, a Lean Construction ou
Construção Enxuta, e outras ainda muito recentes como a Desconstrução ou
demolição seletiva, que é o tema deste trabalho.
De forma resumida pode-se dizer que a desconstrução, ou demolição seletiva, é uma
metodologia de demolição voltada para a recuperação de materiais e componentes
para reuso e reciclagem e que, contribui para diminuir o volume de resíduos
produzidos e enviados para aterros, além de reduzir o consumo de matérias primas,
uma vez que prorroga a vida útil dos componentes.
O objetivo principal deste trabalho é fornecer informações sobre a prática da
desconstrução em alguns países e sobre programas de reuso de materiais,
objetivando destacar as questões técnicas, econômicas, ambientais, além das
relacionadas às políticas públicas, necessárias para transformar a desconstrução e o
reuso de materiais em uma opção viável para substituir a demolição tradicional.
O trabalho esta dividido em três partes. Inicialmente será apresentado um breve
histórico sobre desenvolvimento sustentável e suas principais implicações na
indústria da construção civil. O segundo capítulo tratará do tema desconstrução:
primeiramente será feita uma introdução da metodologia e em seguida serão
apresentados exemplos de países onde a mesma é praticada. No terceiro e último
capítulo o tema será abordado à nível nacional.
10
2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Este capítulo tratará de temas relativos ao desenvolvimento sustentável.
Inicialmente será apresentado um breve histórico sobre a evolução do modo de
produção e em seguida será discutido o papel da construção civil na busca pelo
desenvolvimento sustentável.
2.1 - A Evolução do Modo de Produção
A partir do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial, a sociedade e
principalmente a economia passaram por intensas modificações. Esse período da
história representa a transição final do feudalismo, onde predominavam o uso da
energia humana e o modo de produção doméstico, para o capitalismo, com suas
máquinas à vapor e adoção do sistema fabril de produção, tendo sido um período de
grande desenvolvimento tecnológico.
Nesta sociedade industrial, desenvolvimento econômico significava transformar a
natureza de forma a melhorar a qualidade de vida da população. No pensamento da
época ainda não havia espaço para preocupações com o meio ambiente. Na verdade,
a defesa do meio ambiente era vista como
anti-desenvolvimentista.
O modelo de produção característico do período era o modelo linear (CURWELL e
COOPER,1998), segundo o qual os bens são concebidos, projetados, construídos,
utilizados e após sua vida útil acumulados no meio ambiente. Analisando este
modelo de produção conclui-se que o pensamento da época era de que a quantidade
de recursos naturais disponíveis era infinita e que por sua vez a natureza era capaz
de absorver ilimitadas quantidades de resíduos (LIDDLE, 1994). A única
preocupação com preservação do meio ambiente estava associada à manutenção de
reservas de fauna e flora que permitisse à natureza recuperar-se e recompor-se.
A partir da percepção dos efeitos das mudanças do meio ambiente sobre o homem e
a natureza de forma geral, surge o que LIDDLE(1994) chamou de paradigma
11
Ecológico. Neste novo paradigma, a natureza passa a ser valorizada e estabelecemse limites para a poluição gerada pelo processo de produção.
Apesar de ser um período marcado pela crescente regulamentação ambiental, vale
mencionar que a preocupação maior estava em melhorar as técnicas de deposição de
resíduos e em nenhum momento a forma de produção foi questionada. Todos os
processos industriais eram aceitos desde que respeitassem o limite de poluição
aceitável.
Neste momento cabe destacar que a única forma de controle imposta dentro dos
canteiros de obra dizia respeito à produção de ruídos. Fora isso, esta nova forma de
enxergar a natureza representou para a construção civil, apenas novas possibilidades
de negócio, como por exemplo, a construção de aterros sanitários e estações de
tratamento.
No entanto, fatos como o enorme crescimento da economia mundial, o aumento
populacional e o grande desenvolvimento científico não demoraram a evidenciar
que tanto o modelo linear de produção como o paradigma ecológico não eram
sustentáveis.
A partir desta constatação, começam a surgir as primeiras preocupações e
questionamentos relativos ao efeito estufa e consequentemente o aumento do
consumo de energia, a destruição da camada de ozônio, a poluição do ar e as chuvas
ácidas, o consumo desmedido de matérias primas não-renováveis, a geração de
resíduos dentre outros. E é justamente a partir daí que surge o termo
desenvolvimento sustentável.
A formulação do conceito de desenvolvimento sustentável deve ser entendida como
o resultado de uma série de trabalhos internacionais coordenados pela Organização
das Nações Unidas (ONU), como por exemplo, o Clube de Roma em 1980 a
Conferência de Estocolmo em 1982 e a Conferência sobre Desenvolvimento e Meio
Ambiente das Nações Unidas (Rio 92).
Desta forma, desenvolvimento sustentável pode ser definido como aquele que
“permite atender às necessidades básicas de toda a população e garanta a todos a
oportunidade de satisfazer suas aspirações para uma vida melhor sem, no entanto,
12
comprometer a habilidade das gerações futuras atenderem suas próprias
necessidades.”(CHEIN e CHAMBERS, 1999).
Com relação ao desenvolvimento sustentável, a implicação mais imediata é a
necessidade de se produzir a maior quantidade de bens com a menor quantidade de
recursos naturais e a menor poluição, ou seja, o desenvolvimento econômico deverá
ser desvinculado da geração de impactos ambientais.
Para conseguir-se esta desvinculação são necessárias várias ações:
ƒ redução do consumo de matérias primas: que pode ser obtido pela redução e
reciclagem de resíduos, aperfeiçoamento de projetos, substituição dos
materiais tradicionais por outros mais eficientes e aumento da durabilidade
dos produtos;
ƒ redução do consumo de energia (especialmente a produzida pela queima de
combustíveis não renováveis);
ƒ redução global da poluição (incluindo resíduos).
Além destas ações, cabe destacar a importância da distribuição mais igualitária dos
benefícios do desenvolvimento.
Resumindo, pode-se dizer que os desafios do desenvolvimento sustentável são,
simultaneamente, o crescimento econômico com preservação da natureza e justiça
social.
Figura 2.1: Organograma da Sustentabilidade
13
Tendo-se em mente que a nova forma de produção exigida pelo desenvolvimento
sustentável questiona padrões de consumo e produção, fica evidente que o modelo
linear já não se enquadra. Surge então o chamado modelo cíclico.
Neste modelo o uso dos recursos é otimizado e a produção de resíduos reduzida a
um mínimo reciclável. Os produtos já não são projetados para serem enviados para
aterros ao final de sua vida útil. Devem sim, serem projetados para facilitar sua
reutilização e quando esta já não for possível serem reciclados minimizando desta
forma o envio de material para aterros e o consumo de matérias primas.
2.2 - O Desenvolvimento Sustentável e a Indústria da Construção Civil
Hoje a construção civil é a atividade humana com maior impacto sobre o meio
ambiente, consome entre 15 e 50% (SJÖSTRÖM, 1992) de todos os recursos
naturais extraídos e é responsável por cerca de 15% (FIESP, 1999) do PIB(produto
interno bruto) brasileiro gerando mais de 9 milhões de empregos diretos e indiretos.
É natural que tendo papel tão representativo na economia nacional, a construção
civil seja também um dos grandes vilões ambientais. É o maior consumidor de
matérias primas (consome entre 15 e 50% do total de recursos consumidos pela
sociedade), envolve processos com grande consumo de energia (cerca de 80% da
energia utilizada na produção de um edifício é consumida na produção e transporte
de materiais), gera poluição em quase todos seus processos (da extração de matérias
primas a produção de produtos como cimento e concreto), e até mesmo na fase de
uso dos edifícios os impactos ambientais são inúmeros (dados mostram que o
volume de recursos consumido na fase de manutenção da edificação é praticamente
igual ao consumido durante a construção).
Por outro lado, também vale destacar que a construção civil é um consumidor
potencial de resíduos de outras indústrias, sendo que atualmente já é um grande
reciclador de resíduos destas mesmas indústrias, contribuindo desta forma para a
minimização dos impactos ambientais.
14
Tendo em mente a grandiosidade da cadeia produtiva da indústria da construção
civil, fica claro que não é possível alcançar o desenvolvimento sustentável sem que
a indústria da construção também se torne sustentável.
Para
minimizar
os
impactos
ambientais
da
indústria
da
construção,
KILBERT(1995) propôs os seguintes princípios:
I. minimizar o consumo de recursos: gastar mais tempo na fase de
planejamento e projetos para otimizar a utilização de materiais e minimizar a
produção de resíduos;
II. maximizar a reutilização de recursos: reutilizar componentes que ainda
possam desempenhar a função para a qual foram produzidos, ou mesmo
serem utilizados em outra função;
III. usar recursos renováveis e recicláveis: optar por materiais recicláveis ou
cujas fontes de matéria prima sejam renováveis;
IV. proteger o meio ambiente: evitar o uso de materiais cuja extração de matéria
prima cause danos ambientais, aproveitar os recursos naturais para
iluminação e ventilação, reusar águas servidas, etc;
V. criar um ambiente saudável e não tóxico: evitar utilização de materiais que
podem causar danos tanto ao meio ambiente quanto aos usuários;
VI. buscar a qualidade na criação do ambiente construído: projetar utilizando
técnicas que permitam uma construção mais econômica, menos poluente e
que impacte menos agressivamente no meio ambiente.
Com base no que foi apresentado até aqui pode-se concluir que a sustentabilidade
da indústria da construção ainda é uma meta distante e difícil de ser alcançada. No
entanto, vale ressaltar que o primeiro passo rumo à sustentabilidade já foi dado, e
hoje grande parte dos envolvidos na cadeia produtiva já estão conscientes de que
mudanças são necessárias para que o objetivo de uma indústria da construção
sustentável seja alcançado.
O passo seguinte, e ainda mais importante que o primeiro, consistirá em uma
mudança de mentalidade dos envolvidos no processo produtivo da indústria da
15
construção. Ao invés de se voltar todas as atenções para a fase de produção, que
ainda é o que ocorre na maioria das obras, a ênfase deverá ser dada respectivamente
às fases de projeto e planejamento. Uma obra bem projetada e planejada evita
desperdícios e retrabalhos, o que consequentemente reduz o consumo de recursos
naturais e energia além de minimizar a geração de resíduos.
16
3. DESCONSTRUÇÃO
3.1 Conceitos
Como já mencionado no item que trata do desenvolvimento sustentável, os
princípios básicos da construção sustentável envolvem tanto questões relativas à
otimização do uso dos recursos naturais, como por exemplo a utilização de fontes
alternativas de energia, aproveitamento dos recursos naturais renováveis para
garantir conforto das edificações(iluminação e ventilação naturais), reuso da água,
aproveitamento da água de chuvas,etc; como também questões mais diretamente
ligadas às obras, como minimização do desperdício, redução do volume de resíduos
produzidos, incentivo ao reuso de elementos e componentes, destinação correta de
resíduos que não podem ser reutilizados ou reciclados e a própria reciclagem de
materiais.
Tendo em mente que a grande maioria dos recursos naturais utilizados na produção
dos materiais utilizados pela construção não são renováveis, fica evidente a
importância de prolongar-se a vida útil destes materiais.
Para que a vida útil dos materiais ou componentes seja prolongada duas questões
são importantes. A primeira questão está relacionada à qualidade dos materiais, que
deve ser a melhor possível para garantir que o produto em questão permaneça em
uso pelo maior tempo. A segunda questão diz respeito às técnicas e procedimentos
que devem ser adotados nas demolições para possibilitar a recuperação dos
referidos materiais e consequentemente seu reuso.
Apesar da relevância das duas questões mencionadas, este trabalho tratará
especificamente da obtenção, para reuso ou reciclagem, dos materiais e/ou
componentes nos sites de demolição através da utilização de uma ferramenta
chamada Desconstrução ou demolição seletiva.
Inicialmente será discutido o conceito de Desconstrução e posteriormente
apresentado como a ferramenta está sendo aplicada em alguns países com tradição
no reuso e reciclagem de materiais e componentes.
17
A demolição de edificações é atualmente responsável pela produção de uma parcela
significativa de todo o lixo gerado pelas cidades. E é nesse contexto que a
desconstrução vem surgindo como uma alternativa ambientalmente para a indústria
da construção civil.
Desconstrução pode ser entendida como a “desmontagem” sistêmica de uma
edificação com o objetivo de maximizar a recuperação de matérias e componentes
para reuso e reciclagem. Enquanto o processo de demolição geralmente acarreta a
mistura de diversos materiais e inevitavelmente a contaminação de componentes
que originalmente não representavam risco à saúde humana e ao meio-ambiente, a
desconstrução é na verdade a separação dos materiais.
Quando comparada à demolição tradicional a desconstrução apresenta diversas
vantagens, dentre as quais podemos citar: a diminuição do volume de resíduos
enviado para aterros e/ou botas-fora, o desenvolvimento econômico sustentável
através do reuso e da reciclagem, a reutilização de componentes, a maior facilidade
para a reciclagem de materiais além de colaborar com a proteção do meio-ambiente.
Vale destacar ainda que a desconstrução preserva a energia “virtual” ou Embodied
Energy (energia gasta em todo o processo de produção do material, desde a
obtenção da matéria prima até a manufatura do produto final, incluindo os gastos de
energia com transporte) contida nos materiais, através da prorrogação da vida útil
do material ou componente.
Apesar de todas estas vantagens, é importante mencionar que os desafios e as
dificuldades a serem superadas pela desconstrução também são inúmeros. Dentre as
dificuldades pode-se destacar: os edifícios existentes não foram projetados para
serem desmontados, os componentes também não foram projetados para serem
desmontados, a inexistência de ferramentas para desmontar edificações existentes, o
preço pago para utilização de aterros e/ou botas-fora é muito baixo, a desmontagem
de edifícios requer mais tempo que a simples demolição, os códigos de obra e os
materiais padrão geralmente não incentivam/estimulam o reuso de componentes, os
custos da desconstrução ainda não são bem conhecidos, ausência de indústrias com
práticas estandardizadas(padronizadas) e por último o fato dos benefícios
econômicos e ambientais da prática da desconstrução ainda não estarem bem claros.
18
De forma geral o maior problema enfrentado pela desconstrução é o fato de que até
recentemente a maioria dos arquitetos e construtores enxergava suas criações como
sendo permanentes, e desta forma não havia preocupação em prever sua futura
desconstrução. Para superar este empecilho, técnicas e ferramentas para a
desconstrução estão em fase de desenvolvimento, pesquisas para dar suporte a
desconstrução estão em andamento em todo o mundo, e o poder público está
começando a incentivar a prática da desconstrução através do aumento dos valores
pagos para utilização de aterros ou botas-fora, ou em alguns casos proibindo o
descarte de materiais reutilizáveis.
3.2 Desconstrução na Holanda
Segundo Dorsthorst te(2000) a produção de resíduos de construção e demolição
(RCD) na Holanda é de aproximadamente 21 milhões de toneladas/ano com
aumento anual de cerca de 2 milhões de toneladas.
Tendo em mente o custo ambiental do descarte de todo esse volume de resíduos e a
escassez cada vez maior de áreas que possam funcionar como aterros, no ano de
1990 o governo holandês fixou a meta de que até o ano 2000 90% de todo RCD
deveria ser reutilizado.
Atualmente grande parte do volume total de RCD produzido na Holanda é
re-aproveitado principalmente como sub-base para estradas e, devido a esta grande
demanda poucas pesquisas têm sido desenvolvidas com o objetivo de encontrar
outros usos para os RCD.
19
3.2.1 Técnicas e ferramentas para demolição e desconstrução
Nas universidades, engenheiros e arquitetos recebem grande quantidade de
informação sobre como construir, no entanto, quase nenhuma informação lhes é
passada a respeito do que acontece nas edificações durante sua vida útil e ao final da
mesma.
Se uma edificação deve ser demolida então o processo de demolição deve estar
voltado para a obtenção das taxas o mais altas possível de reuso dos materiais.
Por isso planejamento da demolição é essencial quando se opta por demolir uma
edificação.
Embora o planejamento da demolição represente gastos consideráveis de tempo e
dinheiro, representará também redução dos custos com aterros/bota-fora.
Vale mencionar ainda que com a venda dos materiais e componentes obtidos
durante a demolição o custo final será ainda menor.
3.2.1.1 Processo de demolição
Quanto ao processo de demolição propriamente dito, ele é iniciado com uma
investigação preliminar que indicará a presença ou não de materiais que contenham
alguma substância tóxica como, por exemplo, asbesto. Caso exista, um profissional
especializado é chamado para proceder a retirada do material em questão.
Depois de completada esta investigação preliminar, uma empresa especializada em
recuperação de componentes identifica na obra se existem componentes que podem
ser reutilizados em sua forma original (como estão na obra). Estes componentes
incluem: vidros, lareiras de mármore, madeiras nobres, centrais de aquecimento,
aquecedores de água e radiadores, etc. As empresas contratadas para executar a
demolição preferem que esses componentes sejam retirados no início porque
simplifica os serviços posteriores além de ser possível gerar algum lucro com a
venda dos mesmos.
Geralmente as edificações são divididas em três grupos:
20
ƒ edificações de alvenaria com pisos de madeira, estrutura do telhado também
em madeira, coberturas planas revestidas com betume ou telhas;
ƒ edificações com estrutura de concreto armado, que também pode incluir
concreto protendido;
ƒ edificações com estrutura metálica.
De forma genérica a demolição e executada na seguinte ordem: primeiramente são
retirados os componentes reutilizáveis como, por exemplo, vidros e louças. Em
seguida, os revestimentos de piso e teto (forros de gesso) são removidos. Materiais
que podem ser incinerados são separados daqueles que não podem. Os vidros são
retirados das esquadrias. As instalações são removidas. Metais e revestimentos são
removidos. A cobertura é retirada.
A desconstrução de edificações produz grande quantidade de entulho de diferentes
tipos. Esses resíduos são transportados para plantas onde são separados em
materiais incineráveis ou não, sendo os primeiros incinerados e os demais enviados
para aterros.
Os próximos passos são específicos para cada tipo de edificação.
ƒ edificação em alvenaria: quando restam apenas alvenaria e piso, a edificação
é demolida pavimento por pavimento. Vigas, terças e piso de madeira são
removidos com o auxílio de equipamentos. Os pregos são removidos com o
auxílio de uma ferramenta que empurra para baixo a madeira ao redor do
prego e depois extrai o prego. Esta madeira obtida é facilmente vendida no
mercado de materiais de segunda mão. A madeira que não pode ser vendida
é enviada para a Alemanha para ser empregada na fabricação de chapas de
compensado.
Em seguida, a alvenaria é cortada em seções e transportada para plantas
industriais onde será britada. Raros são os casos onde a alvenaria é
desconstruída. Normalmente quando isto ocorre é por se tratar de tipos raros
de tijolos.
21
ƒ edificações com estrutura de concreto: a cobertura, que geralmente é
revestida com material betuminoso, é o primeiro elemento a ser demolido. O
madeiramento do telhado é retirado e vendido no mercado de segunda mão.
Em seguida o concreto é cortado e enviado a plantas para ser britado.
Antigamente era comum que este concreto, ainda no canteiro de obras, fosse
quebrado em pedaços menores e tivesse o aço retirado. No entanto, hoje em
dia este tipo de atividade já não é mais executada no canteiro, uma vez que
as usinas possuem equipamentos que podem processar grandes seções e para
a empresa de demolição contratada é mais econômico não executá-la in loco.
Estruturas de concreto protendido representam um problema especial.
Comumente não é sabido previamente se a estrutura é ou não protendida. Se
existe a suspeita de que algum elemento seja protendido, então uma seção é
cortada para investigar-se. Caso confirme-se a suspeita, as terminações das
peças protendidas são cortadas em sua extremidade, o que geralmente causa
o colapso da estrutura.
ƒ edificações em estrutura metálica: caso os perfis possam ser reutilizados a
estrutura é desmontada. Ocasionalmente, estruturas como pontes são
vendidas como um todo.
Se uma edificação possui tanto estrutura em concreto quanto alvenaria, geralmente
estes materiais não são separados. No entanto, vale ressaltar que o agregado de
concreto é mais forte que o de alvenaria e consequentemente mais fácil de ser
vendido. Como resultado, as empresas que executam a britagem dos resíduos ficam
com o agregado de alvenaria para posteriormente misturar com agregado de
concreto e oferecer ao mercado agregado misto, muito usado como base para
estradas.
A demolição seletiva ou desconstrução, não é nenhuma novidade na indústria da
construção civil. Apenas no período entre 1970 e 1985 a demolição não foi seletiva
22
(Dorsthorst te,2000), devido a grande evolução das máquinas e a crença de que os
recursos naturais eram inexauríveis.
3.2.1.2 Técnicas, métodos e equipamentos para demolição
Aquela imagem clássica de uma edificação sendo demolida por uma gigantesca bola
metálica já não é mais vista na Holanda. A técnica caiu em desuso devido
principalmente aos grandes transtornos que a mesma provocada nos arredores
(vibrações, barulho e poeira), além da grande experiência necessária para se operar
o equipamento.
A demolição com utilização de explosivos só é executada quando há a necessidade
da edificação ser demolida rapidamente, como por exemplo, quando a edificação
fica próxima a uma estrada e não há espaço para se implantar o canteiro de
demolição. Geralmente a edificação só será demolida com explosivos por exigência
da autoridade local ou do proprietário. Vale ressaltar também o enorme trabalho
necessário para remover todo o entulho.
Atualmente, as empresas contratadas para demolir possuem grande variedade de
métodos para executar o serviço que vão desde a demolição manual à com
explosivos. Cabe a estas empresas definir qual método é o mais eficaz para cada
situação.
Depois que a edificação é demolida, os materiais devem ser britados e separados
para permitir a criação de materiais secundários.
Nas usinas, o material é peneirado para se fazer a separação por granulometria.
Após esta primeira peneiração o material então é inserido no pré-britador para
diminuir a granulometria e evitar que pedaços grandes de resíduo danifiquem o
britador principal.
Entre a primeira e a segunda passagem pelos britadores, o material passa por um
separador magnético onde os resíduos ferrosos são retirados; as partes maiores
voltam para o pré-britador e as menores são encaminhados para o britador principal.
Outros materiais como vidro, plástico, madeira, etc., são removidos através
23
processos que envolvem água, corrente de ar e separação manual. No final o
material é novamente peneirado com o objetivo de separar a fração que será
utilizada na construção de estradas e na indústria do concreto.
Com relação a desconstrução, a Holanda não dispõe de técnicas específicas.
Normalmente as técnicas utilizadas são as mesmas aplicadas nas demolições
tradicionais.
3.2.1.3 Treinamento de mão-de-obra e segurança
O treinamento da mão-de-obra que atua nas demolições e a segurança do processo
são questões que recebem atenção especial.
No caso da mão-de-obra, existem treinamentos especiais e específicos para os
trabalhadores deste setor. Na verdade estes cursos são pré-requisitos para quem
deseja atuar na área.
3.2.2 Design para reuso
Como exemplo de design para reuso será citado uma experiência na cidade de
Middelburg-Holanda, onde, como mostra a figura 3.1, um edifício de 11 andares
construído no ano de 1971 foi parcialmente desconstruído.
A razão para a desconstrução da edificação foi a existência de problemas sociais
associados às drogas, poluição, vandalismo e prostituição. Com condições de
moradias pouco atraentes todo ano cerca de 1/3 da população do edifício se mudava
ficando a taxa de ocupação entre 19 e 32%.
Para tentar solucionar problema foi sugerido a desconstrução parcial do prédio com
reuso dos elementos secundários obtidos durante o processo. A partir deste ponto
partiu-se para um estudo de viabilidade econômica do plano proposto e alguns anos
após deu-se início ao processo de demolição seletiva.
24
O plano era demolir seletivamente os sete últimos andares, reformar os restantes e
reutilizar os componentes obtidos durante a desconstrução para construir dois outros
edifícios de três e quatro andares respectivamente (ver croquis da figura 3.1)
Figura 3.1: Proposta de desconstrução de edificação na cidade de Middelburg-Holanda
A desconstrução foi tecnicamente possível devido a um sistema construtivo
chamado Delta BMB, utilizado no projeto original das torres, no qual as conexões
entre componentes de concreto eram conexões “secas”. O uso do graute foi evitado
ao máximo, sendo aplicado apenas nas conexões entre componentes do piso.
Durante o processo de demolição seletiva, as paredes eram erguidas e então as
conexões entre elementos do piso, executadas com graute, podiam ser rompidas
com o uso de um equipamento especialmente desenvolvido para este fim.
Logo após a retirada dos componentes a serem reutilizados, uma série de atividades
eram iniciadas visando preparar tais componentes para novo uso. Para facilitar o
reuso, todos os componentes eram identificados tão logo retirados da edificação
original.
25
Figura 3.2: Área de estoque dos componentes a serem reaproveitados
Após os serviços de reparos serem executados nos componentes, os mesmos eram
transportados para um depósito. Como mostra a figura 3.2, visando maximizar a
eficiência do processo, o local onde seriam construídos os novos edifícios foi
utilizado como depósito.
Quando todos os sete pavimentos já haviam sido desmontados e transportados para
o local de depósito, a construção dos novos edifícios foi iniciada.
Após a execução de todo o serviço, incluindo demolição e construção, o balanço
financeiro da operação mostrou que o custo foi cerca de 18,7% mais alto do que
seria a construção de uma edificação nova semelhante (Dorsthorst te,2003).
3.2.3 Melhorando a reciclabilidade dos materiais
3.2.3.1 Gerenciamento de resíduos
A grande quantidade de fontes geradoras de resíduos (sites de demolição),
associada ao fato dos resíduos de construção e demolição serem inertes dificulta
bastante o controle destes resíduos e ainda propicia o surgimento de inúmeros
aterros clandestinos.
26
Apesar do alto potencial de reciclagem dos RCD, cerca de 75% deste material é
enviado para aterros, ou seja, apenas 25% está sendo reutilizado (DORSTHOST ,
2003).
Em alguns Estados membros, resíduos perigosos como por exemplo asbestos e
metais pesados, nem sempre são separados do resto dos RCD. Apesar do volume
ser relativamente pequeno, a presença de tais substâncias pode contaminar parte dos
materiais reciclados ou até mesmo os aterros.
A composição do RCD difere de Estado para Estado (DORSTHOST , 2003), sendo
a mesma afetada por diversos fatores incluindo os materiais primários usados,
técnicas de arquitetura e práticas locais de construção e demolição. Os elementos
predominantes nos RCD são solos, concreto, asfalto, tijolos, cerâmica, gesso,
madeira, metais, papel e plástico.
Vale mencionar que a maioria dos países da Europa não possui leis regulamentando
as questões dos resíduos. No entanto, verificou-se que os países que introduziram
medidas para melhorar o gerenciamento de resíduos conseguiram atingir altos
níveis de reciclagem.
Dentre estas medidas pode-se destacar a iniciativa do governo holandês com um
plano com duração de 10 anos que visava banir o envio de resíduos recuperáveis de
construção e demolição para aterros. Atualmente 95% de todo RCD produzido na
Holanda é reutilizado ou reciclado. Desde o ano 2000 é proibido enviar resíduo
passível de reuso para aterros (DORSTHOST , 2003).
3.2.3.2 Hierarquia do gerenciamento de resíduos
A hierarquia mais simplificada do gerenciamento de resíduos dispõe de três níveis,
onde a prevenção é preferível à recuperação de resíduos, que por sua vez é melhor
que o envio de resíduos para aterros.
Alguns países da comunidade européia, a hierarquia possui mais níveis. O governo
holandês, por exemplo, introduziu uma hierarquia com sete (07) níveis chamada de
“Ladder of Lansink”, como mostrado abaixo:
27
1-Prevenção
5-Incineração com produção de energia
2-Reuso de elementos
6-Incineração
3-Reuso de materiais
7-Aterro
4-Aplicação útil
Uma desvantagem desta hierarquia é que a mesma é fixa. A primeira opção é
sempre melhor que a segunda e assim por diante.
Hoje em dia, já existem modelos mais sofisticados que calculam os melhores
resultados tanto a nível econômico quanto ecológico. Desta forma a hierarquia que
antes era fixa, agora se tornou flexível. O “Delf Ladder” é um exemplo de modelo
flexível que possui mais níveis hierárquicos, devido ao fato de novas formas de
tratamento de resíduos terem sido desenvolvidas. A ordem pode ser alterada graças
aos resultados do método de cálculo como, por exemplo, o da Análise do Ciclo de
vida (Life Cycle Analysis).
1- Prevenção;
2- reuso da construção;
7- imobilização;
3- reuso de elementos;
8- incineração
4- reuso de materiais;
energia;
5- aplicação útil;
6- imobilização
com
produção
de
9- incineração;
com
10- aterro.
aplicação útil;
3.2.3.3 Cadeia integral de gerenciamento
Com a cadeia integral de gerenciamento a indústria de reciclagem pode ser
modificada. A definição da cadeia integral de gerenciamento é: a manutenção de
produtos e processos de tal forma que todos os materiais da cadeia possam
desempenhar sua função pelo maior tempo possível, como pode ser observado na
28
figura 3.3. Para tal, o desgaste dos materiais deve ser mantida no nível o mais baixo
possível.
CICLO DE VIDA
DO MATERIAL
FASES DA
EDIFICACAO
RESIDUOS
MATERIAIS
SECUNDARIOS
PROCESSO
Figura 3.3: Cadeia Integral de Gerenciamento
Trazendo esta definição para a indústria da construção podemos dizer que todos os
envolvidos no processo, em todas as fases (iniciativa, projeto, construção, uso,
manutenção e demolição) devem fazer todo o possível para melhorar o uso das
construções e dos elementos e materiais das construções depois da fase de
demolição.
As questões mais importantes relativas à Cadeia Integral de Gerenciamento são:
ƒ nível do reuso(edificação, elementos e materiais da construção);
ƒ formas de reuso(reciclagem, downcycling e upcycling);
ƒ fases de construção.
Nível de reuso: existem três diferentes grupos de nível de reuso. O primeiro grupo é
a prevenção de resíduos, tanto qualitativo como quantitativo (reuso da edificação,
reuso de elementos). O segundo grupo é o reuso em uma aplicação útil (reuso de
materiais) e o terceiro grupo é a retirada definitiva da indústria da construção.
29
Formas de reuso: os resíduos de construção e demolição possuem uma
peculiaridade que é o fato do mesmo ao ser reciclado poder ser utilizado na mesma
função, em uma função diferente e menos nobre (downcycling, agregado misto
utilizado como base em pavimentações) ou em uma função diferente e mais
nobre(upcycling, cinzas utilizadas em cimento ou concreto).
Fases da construção: o reuso no mais alto nível só é possível quando todos os
envolvidos no ciclo de vida da edificação estão cientes de que os materiais
aplicados na obra deverão ser reutilizados após a demolição. Então em cada fase da
edificação, desde a iniciativa até a demolição, medidas devem ser tomadas para
melhorar as condições de reuso. No diagrama acima, as fases da edificação estão
casadas com o ciclo dos materiais. O lado direito do diagrama apresenta o ciclo de
vida da edificação e o lado esquerdo o ciclo de vida dos materiais. Todas as ações
no ciclo da direita têm efeito no fechamento do ciclo da esquerda.
Para atingir-se o reuso ótimo da construção, de seus elementos e materiais, existem
algumas pré-condições:
ƒ projeto voltado para a reciclagem: materiais difíceis de serem reciclados não
devem ser utilizados, ou devem ser fáceis de serem separados dos demais
elementos;
ƒ projeto voltado para a demolição seletiva: para que os componentes de uma
edificação sejam re-utilizáveis, a obra em questão deve ser projetada para tal
objetivo;
ƒ técnicas de montagem e desmontagem: para usar elementos ou componentes
pela segunda vez, os mesmos devem ser desmontados com cuidado para
evitar danos aos mesmos.
30
Vantagens da Cadeia Integral de Gerenciamento
ƒ menor produção de resíduos porque a maior parte dos materiais será utilizado
novamente após a demolição;
ƒ com o fechamento do ciclo de vida dos materiais, a necessidade por materiais
primários cai devido à utilização dos materiais secundários;
ƒ a utilização de materiais secundários diminui a necessidade por aterros.
Os efeitos da Cadeia Integral de Gerenciamento no meio-ambiente podem ser
positivos e negativos. A produção materiais secundários de boa qualidade a partir de
resíduos de construção e demolição requer o consumo de muita energia, transporte e
causa emissão de dióxido de carbono. Por outro lado, a produção de menos
materiais primários economiza energia, transporte e a emissão de dióxido de
carbono é menor. As vantagens e desvantagens ambientais da cadeia integral de
gerenciamento podem e devem ser calculadas por métodos especiais, de acordo com
a ISSO 14000. Ferramentas como SimaPro, Greencalc e EcoQuantum são
desenvolvidas especialmente para executar este tipo de cálculo.
3.2.3.4 Projetos voltados para a Desconstrução
3.2.3.4.1 Design para adaptabilidade
Projetos voltados para a adaptabilidade são úteis para edificações com vida útil
longa. Especialmente quando a edificação tem seu uso alterado, ou espera-se que
seja alterado, antes do fim de sua vida útil.
Um exemplo de uma edificação que foi projetada para adaptabilidade é uma escola
combinada com apartamentos localizada na cidade de Schijndel (ver figuras 3.4 a
3.6).
31
Figura 3.4: Vista externa
Figura 3.5: Vista interna do apartamento
Figura 3.6:Vista interna da sala de aula
A edificação em questão está localizada em um novo bairro onde a expectativa é de
que muitas crianças deverão freqüentar a escola primária na próxima década.
A escola fica localizada no térreo e também possui salas de aula no primeiro
pavimento. Vale mencionar as salas do primeiro pavimento podem ser adaptadas
para uso como apartamentos quando a demanda por salas de aula diminuir.
3.2.3.4.2 Design para a desconstrução
Este método de design opta pelo reuso de elementos inteiros. Então quando a
edificação é construída para o primeiro ciclo de vida deve-se saber como
desconstruir e como re-construir. Desta forma fica clara a importância dos detalhes
construtivos. Além disso, tamanhos, larguras e alturas devem ser padronizados.
32
Vale destacar que o design para a desconstrução é interessante quando a expectativa
de vida útil dos elementos da edificação é maior que a expectativa de vida da
edificação em si.
3.2.3.5 Políticas públicas e regulamentações
3.2.3.5.1 Políticas Públicas voltadas para a Desconstrução
As políticas públicas do governo holandês são voltadas principalmente para a
redução do volume de resíduos de construção e demolição. Além disso, existe ainda
a proibição de envio de materiais recicláveis ou incineráveis para aterros. Desta
forma o governo incentiva o reuso de elementos e componentes. Nos próprios
edifícios públicos, o governo tem procurado aplicar materiais reutilizados sempre
que possível.
3.2.3.5.2 Código de obras e edificações:
O código de obras e edificações da Holanda permite a utilização de todos os
materiais que tenham sido certificados. Com materiais reutilizados esta certificação
se torna um problema. Serão estes materiais tão bons quanto os novos?
Um outro problema que tem causado dificuldades para o reuso principalmente de
componentes, foi a recente revisão do código de obras. Um dos pontos principais da
revisão foi a alteração do pé-direito das edificações. Como reutilizar elementos,
com alturas pré-definidas em obras novas onde por lei o pé-direito deve ser mais
alto?
33
3.2.3.6 Barreiras
Um dos mais importantes empecilhos para a desconstrução e reuso é questão
financeira. A demanda por materiais secundários para a construção de estradas é tão
grande que praticamente todo o resíduo de construção e demolição é utilizado
como base de pavimentações. Sendo assim, não há necessidade de pesquisas para
identificar-se novas aplicações.
3.3 Desconstrução na Austrália
Assim como a maioria das nações industrializadas, a Austrália possui altos níveis de
consumo de materiais e consequentemente altos níveis de descarte de resíduos.
A indústria da construção ao mesmo tempo em que é o maior contribuinte para
produção de resíduos tem se configurado como o maior mercado potencial para o
reuso e reciclagem de materiais.
Visando reduzir o grande volume de resíduos produzidos no país, o governo tem
estimulado iniciativas voltadas para a implementação da prática da desconstrução e
do reuso, no entanto, tais tentativas tem tido alcance limitado e ainda sofrem com a
falta de maior coordenação para que os objetivos sejam alcançados.
No âmbito das construções residenciais, a reciclagem já se encontra bem enraizada
e altos índices de reuso são alcançados. No entanto, no âmbito comercial e
industrial a situação é bem diferente, sendo a transformação do concreto em
agregado a única reciclagem relevante.
Atualmente estão em andamento na Austrália diversas pesquisas relacionadas à
desconstrução. Estas pesquisas têm como tema o desenvolvimento de tecnologias
para reciclagem, energia investida (embodied energy) e design para a
desconstrução. No entanto, de forma geral tais pesquisas não estão em sintonia com
a indústria da construção.
34
A desconstrução, assim como outras questões relacionadas ao desenvolvimento
ambientalmente sustentável, é hoje um conceito interessante, mas que apresentam
falhas na sua disseminação e implementação.
3.3.1 Resíduos sólidos: quantidade e tipos
Como já mencionado anteriormente, a Austrália consome uma grande quantidade de
materiais e energia e consequentemente produz também grande quantidade de lixo e
poluição per capita, sendo a criação e a manutenção do ambiente construído os
responsáveis pela maior parte deste consumo e produção.
O papel que a demolição desempenha neste sistema de produção de resíduos é
incerto, assim como também são incertos os papéis da reciclagem e do reuso de
materiais. Será visto posteriormente que não existe um estudo mais amplo e
aprofundado sobre as quantidades e tipos de resíduos de demolição e reciclagem,
mas sim estudos esparsos e em escala reduzida.
A Austrália possui uma das mais altas taxas de produção de resíduos sólidos do
mundo. Aproximadamente uma tonelada de lixo sólido é enviada a aterros ou botafora por pessoas a cada ano, totalizando 14 milhões de toneladas por ano. Desta
quantidade, estima-se que entre 16 a 40% sejam provenientes da indústria da
construção (CROWTHER, 2003).
Com relação aos tipos de resíduos produzidos pela construção/demolição não existe
nenhuma pesquisa que defina esta tipologia. Existem, no entanto, trabalhos
isolados, como o desenvolvido em Melbourne (TUCKER,1993), que investigou os
tipos de resíduos de demolição e as quantidades de resíduos reciclados (ver tabela
3.1).
35
Tabela 3.1: Quantidade de lixo gerada por tipo de edificação
Tipo
de Quantidade
Quantidade máx.
construção
média de lixo t/m2 de lixo t/m2
Casas isoladas
0,5
2,3
1,2
6,3
Total residencial
0,7
6,3
Não residencial
0,6
2,0
Outros
tipos
de
residência
Em outro estudo realizado em 1988, a empresa EcoRecycle Victoria conduziu uma
série de levantamentos em aterros/botas-fora para identificar as quantidade e tipos
de resíduos sólidos da região metropolitana de Melbourne (ver tabela 3.2).
Tabela 3.2: Percentual do total de lixo sólido por tipo de material
Tipo de material
Porcentagem do total
de lixo sólido
Madeira
26
Concreto
14
Tijolo
6
Enquanto esta pesquisa nos apresenta a madeira como o maior contribuinte para o
total de lixo sólido, outras pesquisas sugerem que o concreto e as alvenarias
representam a maior parte do lixo proveniente de construção e demolição(algo em
torno de 75%). Como não existem dados mais gerais e amplos que representem toda
a Austrália, a visão geral sobre a quantidade e os tipo de resíduos provenientes da
demolição só pode ser estimada com base nestes estudos locais, de menor escala.
Como mostra a tabela 3.3, nestes levantamentos estimou-se ainda que os resíduos
gerados pela construção/demolição representam 40% do volume total de lixo
depositado nos aterros (EcoRecycle Victoria, 1998).
36
Tabela 3.3: Percentual de lixo por tipo de edificação
Tipo de edificação
% do total de lixo
Demolição
39,3
residencial
Demolição comercial 33,3
Construção
10,5
residencial
Construção comercial 4,9
Construção civil
Construção
4,0
de
estradas e urbanismo
Demolição
de
estradas e urbanismo
1,7
1,2
Demolição civil
0,8
outros
4,3
3.3.2 Volume de reciclagem:
Assim como no caso dos resíduos sólidos, não existem dados a nível nacional sobre
o volume de materiais reciclados ou reutilizados, apenas pesquisas locais. De forma
genérica pode-se dizer que o reuso e a reciclagem de materiais é muito maior em
obras residenciais que em comerciais e industriais, com a maioria dos Estados
possuindo um mercado para materiais e componentes de segunda mão
bem
estabelecido.
Como exemplo cita-se a cidade de Brisbane, onde as tradicionais casas de madeira
soltas do solo(ver figura 3.7) são bastante populares. Devido à tipologia destas
residências, existe na região um mercado já estabelecido para componentes de
segunda mão como portas, janelas, tábuas para piso, dentre outros, que serão
utilizados em restaurações, reformas e até mesmo em réplicas de residências
(CROWTHER, 2003).
37
Figura 3.7:Típica casa de madeira construída em 1920.
Vale ressaltar que a tecnologia construtiva usada nas referidas residências
(normalmente as casas possuem de 70 a 100 anos de idade) é extremamente
adequada à desconstrução. As casas são construídas com peças de madeira de
tamanhos padronizados, fixadas in loco, com poucos serviços “molhados” como,
por exemplo, o gesso, o concreto e o assentamento de alvenarias e acabamentos.
A tecnologia usada nas residências mais modernas, quando comparada com as
antigas, é menos adequada a desconstrução, principalmente devido ao uso das colas
e selantes e a maior confiança nos serviços considerados “molhados”.
Uma pesquisa desenvolvida em Melbourne mostrou altas taxas de reuso e
reciclagem de materiais em obras residenciais (ver figura 3.4). Esta pesquisa, apesar
da pequena amostra, mostra as percentagens de componentes e materiais que foram
recuperados para reuso por companhias de demolição (Tucker, 1993).
38
Tabela 3.4: Porcentagem de materiais por peso recuperado
de demolições residenciais
Tipo
de Percentual
Reutilizados Reciclados
material
recuperado
Tijolos
77
10/10
-
Madeira
79
10/10
-
Armação(aço) 78
3/5
2/5
Portas
71
11/11
-
Janelas
73
12/12
-
88
7/7
-
Piso
78
2/2
-
Telhas
50
1/1
-
Encanamentos 73
6/6
-
Estrutura
de
telhado
Assim como na reciclagem e no reuso de materiais de demolição, também existe um
grande mercado para re-locação de casas inteiras. Estas casas, predominantemente
de madeiras, são geralmente cortadas em partes para posteriormente serem
transportadas para novos sítios e assim serem re-utilizadas.
Pesquisas mostram que mais de 1000 casas são re-locadas por ano na cidade de
Melbourne, onde existe um total de 800.000 casas soltas do solo. Esta prática
certamente não é restrita a Melbourne, e índices similares podem ser encontrados
em outras áreas.
Esta mesma pesquisa mostra que as taxas de recuperação de materiais para reuso
são altas nas edificações residenciais e bem mais baixas nas comerciais
(Tucker,
1993). O estudo ainda mostra que a maioria dos materiais e componentes
recuperados em demolições residenciais são reutilizados no seu estado original,
enquanto a maioria dos materiais de demolições comerciais são reciclados ou reprocessados (ver tabela 3.5).
39
Tabela 3.5: Percentual de material, por peso, recuperado em demolições.
Tipo
de Percentual
Reutilizado
Reciclados
70
-
70
Tijolos
75
60
15
Armação
95
15
80
50
-
50
50
50
-
80
40
40
25
25
-
Bronze
90
-
90
Alumínio
90
-
90
Telas
80
20
60
Outros
5
1
4
Total
69
11
58
Material
recuperado
Concreto
Reforço
metálico
Madeira
e
derivados
Tubulações
de ferro
Blocos
de
Concreto
Também na cidade de Vitória, a EcoRecycle Victoria possui dados referentes a
quantidades e tipos de materiais reciclados no ano de 1996, como mostra a tabela
abaixo.
Tabela 3.6: Quantidade de material de construção
reciclado em Victoria no ano de 1996
Tipo de material
Quantidade reciclada
Concreto
748,000
Metal
630,000
Tijolos
102,000
Madeira
12,000
Gesso
10,000
40
Em Sidney, onde os resíduos de demolição representam aproximadamente 43% do
total de lixo sólido, 40% é reciclado, sendo a maior parte concreto britado (Lawson,
1998).
Tabela 3.7: Quantidade de materiais reciclados em Sidney
Tipo de material
Quantidade(ton)
Concreto
510,000
Outros
90,000
3.3.3 Reciclagem
A Austrália como um todo apresenta altas taxas de reuso e reciclagem de materiais
provenientes de demolições residenciais. De 50 a 80% dos materiais são
recuperados e a maioria destes re-utilizados sem nenhum tipo de
re-
processamento. As taxas de recuperação de materiais para edificações comerciais
são muito mais baixas, chegando no máximo a 69%, sendo que deste percentual a
maior parte é re-processada ou reciclada para a produção de novos materiais e
componentes. Grande parte deste material reciclado é concreto britado.
Aproximadamente de 70 a 80% de todo concreto demolido é recuperado para ser
britado e reutilizado como agregado. (CROWTHER, 2003)
Figura 3.8:Usina de reciclagem de concreto em Brisbane
41
3.3.4 Energia incorporada - Embodied Energy
Umas das questões mais importantes relacionadas ao reuso de materiais é a energia
incorporada ou Embodied Energy.
Embodied energy é a energia necessária para produzir ou manufaturar um produto,
estando incluída toda a energia diretamente usada nos processos de manufatura,
toda energia indireta necessária para a extração e transporte dos materiais naturais, e
a energia para produzir as máquinas e infra-estrutura
usadas nas atividades
produtivas.
O reuso de materiais pode reduzir significativamente, ou até mesmo anular, o
consumo da energia necessária para a produção de novos materiais, que por sua vez
produz correspondente redução nos danos ambientais como, por exemplo, a
diminuição na produção de dióxido de carbono.
Inúmeros pesquisadores têm apontado os benefícios do reuso de materiais e do
desenvolvimento de projetos adequados para a desconstrução, o que tornaria mais
fácil a recuperação de matérias para reuso.
O estudo da Embodied energy, ou energia incorporada, na Austrália não se encontra
muito desenvolvida devido a dois fatores principais: ausência de processos
confiáveis para análise de dados relativos a materiais de construção e equipamentos,
e ausência de consenso à respeito do sistema de medição.
Desta forma existem dados recentes sobre valores de embodied energy, no entanto a
validade destes valores tem sido questionada por muitos pesquisadores.
Apesar destes questionamentos, muitas pesquisas têm sido desenvolvidas sobre a
importância da embodied energy dentro do ciclo de energia no ambiente construído.
Estas pesquisas destacam a economia potencial de energia que poderia ser feita com
o reuso de materiais e componentes. Diferentes pesquisadores mostram que a
energia incorporada (embodied energy) representa de 30 a 50% do total da energia
no ciclo de vida (CROWTHER, 2003). Uma das razões para estes altos percentuais
de energia incorporada, é o baixo nível de energia operacional na Austrália se
comparado com outros países desenvolvidos. Isto acontece em conseqüência do
clima relativamente ameno da Austrália, que resulta em edificações que necessitam
42
muito menos de aquecimento ou resfriamento artificial do que aquelas localizadas
em climas mais severos.
Estes estudos mostram que enquanto pesquisas sobre a redução de energia
operacional ainda são muito importantes, as pesquisas sobre redução de energia
incorporada são necessárias.
Dentro desta situação, a desconstrução está emergindo como uma estratégia que tem
o potencial para reduzir significantemente a energia incorporada consumida pelas
construções.
A importância da embodied energy de diferentes partes de uma edificação também
tem sido investigada. Um estudo sobre a reforma de edifício de escritórios
(CROWTHER, 2003) mostrou que a estrutura e o piso mantidos representam
aproximadamente 60% do total da embodied energy( ver figura 3.9), enquanto a
cobertura e paredes internas removidas e os demais serviços representam
aproximadamente 40%. A energia economizada com a reutilização dos materiais e
componentes retirados da obra é muito alta. No caso da edificação estudada, os itens
removidos foram substituídos por novos materiais e componentes cuja energia
incorporada representa mais de 1,5 vezes a energia dos itens removidos.
Energia para
demolição
Energia para
construção
Energia de
materiais
estruturais
Energia de
outros
materiais
Refurbishment
materials
Energia para
operação durante
40 anos
Figura 3.9: Total de energia usada em uma casa típica com 40 anos de vida útil mostrando
a energia incorporada representando 30% da energia total dependida na edificação.
Pesquisa da Universidade de Deakin tem estudado os valores de energia
incorporada dos montantes de madeira, de metal e de metal reciclado. O estudo
43
mostra que os montantes de metal reciclado requerem metade da energia
incorporada média dos montantes de metal, mas também mostra que os métodos de
avaliação não são consistentes o suficiente para chegar-se a uma conclusão
definitiva.
Uma outra pesquisa coordenada pela CSIRO, entidade governamental para
pesquisas, demonstrou que para reciclar concreto proveniente de demolições, e
utilizá-lo como agregado consome-se 37% mais energia que com o uso de
agregados “novos”. Este grande consumo de energia é causado primeiramente pelo
aumento de gastos com transporte. Neste caso específico, o concreto ao invés de ser
transportado para aterros seria transportado para plantas onde seria feita a britagem
do mesmo.
Desta forma conclui-se que para a reciclagem do concreto ser vantajosa, o concreto
hipoteticamente teria que ser levado para um aterro a uma distância maior que 13
km do local da demolição, caso contrário não seria economicamente viável.
Vale ressaltar que este estudo prioriza as questões ligadas ao consumo de energia e
não as questões ambientais. Mas de qualquer maneira o estudo nos mostra que nem
sempre é razoável assumir que a reciclagem é a opção mais benéfica
ambientalmente e que uma avaliação mais ampla sempre se faz necessária.
3.3.5 Políticas públicas e regulamentações
A Austrália possui três níveis hierárquicos de governo: o nacional que representa
todo o país, os estados e territórios e por último os governos locais que se
equivalem as nossas prefeituras. Todos os níveis possuem responsabilidades nas
áreas ambientais, de minimização de resíduos, reciclagem e construção e demolição.
Para facilitar o entendimento, serão apresentadas abaixo as principais iniciativas em
cada uma das esferas da administração pública.
1- Governo Federal ou nacional: a Austrália é signatária da AGENDA 21 e desde
1992 está comprometida com a “Estratégia Nacional para o Desenvolvimento
44
Ecologicamente Sustentável”. Juntamente com a Nova Zelândia forma o Conselho
de Conservação Ambiental, cujo objetivo é reduzir em 50% o lixo enviado a aterros.
Uma das primeiras iniciativas do governo para atingir esta meta foi a criação do
Programa de gerenciamento do lixo – Waste Management Awareness Program –
que entre outras iniciativas, patrocina o programa Wastewise Construction Program
voltado para a construção civil e tendo como objetivo a redução dos resíduos nos
canteiros de obra.
A construção civil tem sido alvo constante dos programas de redução de resíduos
porque 40% de todo lixo enviado a aterros é gerado pela indústria da construção.
O Wastewise Construction Program foi iniciado em 1995 como um acordo entre as
cinco maiores construtoras do país e o Governo Federal, visando desenvolver
melhores práticas para a minimização de resíduos nas construções e demolições.
Outra iniciativa do Governo Federal foi o PATHE, Partenership Advancing The
Housing Environment, lançado em 1999 e cujo objetivo é produzir projetos
desenvolvidos para reduzir a quantidade de resíduos, encorajar a reciclagem e
melhorar a qualidade das práticas de gerenciamento ambiental da indústria em
questão.
Uma terceira iniciativa, ainda por ser implementada, é o Lifecycle Assestement in
Building and Cosntruction, que visa promover debates dentro com a indústria da
construção objetivando melhorar o entendimento
dos impactos causados por
materiais e construções e as oportunidades de reuso e reciclagem de matérias de
construção e componentes.
O governo Federal é responsável ainda por inúmeras questões relacionadas a
gerenciamento de resíduos e poluição, mas não assume oficialmente nenhuma
posição em relação às questões de resíduos de demolição.
Mesmo não assumindo oficialmente esta responsabilidade, o governo identificou as
principais barreiras para a minimização dos resíduos de forma geral e especialmente
para resíduos de demolição. Os principais empecilhos identificados foram:
ƒ ausência de um modelo padrão de abordagem, para a minimização de
resíduos, uniforme para todo país;
45
ƒ falta de informações sobre a extensão, tipos e quantidades de resíduos;
ƒ as taxas de lixo/resíduos cobradas pelo lixo enviado a aterros são: muito
baixas para incentivar a minimização de resíduos, incapazes de prover
fundos para custos ambientais dos aterros além de serem mal
estruturadas;
ƒ pouco interesse do setor privado em investir em tecnologias para o
gerenciamento de resíduos.
O governo Federal também é responsável pelo Building Code of Austrália(Código
de Obras). Este código é uma das primeiras formas de regulamentação que afeta os
projetos de edificações. No entanto, não possui referências, recomendações ou
restrições relacionadas a reuso, reciclagem ou materiais de segunda mão e muito
menos menciona as questões relacionadas a desconstrução.
Enquanto a Austrália procura melhorar as taxas de reuso e reciclagem,
principalmente na indústria da construção e demolição, as políticas públicas a nível
Federal são muito generalistas e sem iniciativas ou legislação específica sobre
desconstrução e reuso de materiais. De forma geral, o controle sobre as questões
relativas a demolição e construção fica sob a responsabilidade dos Estados,
Territórios e Municípios.
2- Estados e Territórios: tendo em vista o grande número de estados, citaremos
apenas aqueles com atuação mais destacada.
Capital Federal: em 1996 o governo da Capital Federal lançou o programa No
waste by 2010 Waste Management Strategy. Este programa visa à eliminação de
todo resíduo enviado para aterros até o ano de 2010. Nos últimos 5 anos ganhos
significativos foram alcançados na recuperação de recursos, particularmente com
resíduos de demolição, que agora representa 50% do total de resíduos reciclados ou
re-utilizados.
46
Com relação à legislação, diferentemente dos outros Estados que se utilizam da
legislação ambiental para por em prática as políticas de gerenciamento de resíduos,
a Capital Federal dispõe de leis específicas para construção e desenvolvimento.
Para exemplificar esta abordagem diferenciada suponhamos que uma pessoa dê
entrada no órgão competente com um pedido de autorização para demolir uma
determinada edificação. Juntamente com o pedido de autorização deve ser entregue
um plano de gerenciamento de resíduos que deverá identificar as propostas de
reuso, reciclagem e bota-fora de materiais e componentes.
Neste exemplo fica bem claro que a abordagem é muito mais direta e eficaz.
Outra iniciativa interessante da Capital Federal, no que diz respeito às questões de
reuso, é a Resource Exchange Network (plataforma na internet que permite a troca
de materiais e componentes reutilizáveis) e o Australian Reusable Resource
Network, que oferece um serviço onde pessoas e empresas podem listar os itens que
dispões para serem trocados ou aqueles que precisam ser adquiridos.
Ambas as iniciativas incluem materiais de construção e componentes. Os endereços
eletrônicos são:
www.tams.act.gov.au/live/recycling_and_waste
www.arrnetwork.com.au/workplace/sb_sab.main
New South Wales: o governo deste Estado introduziu o Waste Minimisation and
management Act (Lei de gerenciamento e minimização de resíduos) no ano de 1995,
e o Protection of Environment Operations Act (Lei de proteção das operações
ambientais) em 1997. Com este dois atos o governo estadual estabeleceu oito
conselhos regionais para gerenciar as questões relacionadas à resíduos e iniciou um
grande número de programas de gerenciamento de resíduos voltados para a
indústria da construção e demolição. Estas iniciativas incluem o desenvolvimento
de um catálogo com os nomes das empresas que transportam, reciclam e reusam
materiais de construção e componentes.
Com relação a aprovação de projetos, em todos os pedidos de aprovação deverão
estar identificados os materiais de segunda mão que serão utilizados. Isto acaba
47
forçando os arquitetos a tentar prever o uso de materiais reutilizáveis. Tanta
burocracia acaba por inibir os arquitetos e projetistas de aceitar o desafio de projetar
utilizando materiais de segunda mão ou reciclados, uma vez que utilizando
materiais novos nenhuma justificativa é necessária.
Também em todo pedido de licença para execução de serviços de demolição e
construção é necessário a apresentação de um plano de gerenciamento de resíduos
que identifique as quantidades e tipos de resíduos que serão gerados e qual
destinação final de cada um.
Assim como a maioria dos estados, NSW (New South Wales) introduziu a taxa de
lixo/resíduos para os materiais enviados para aterros, objetivando incentivar a
reciclagem e o reuso como alternativas. Atualmente esta taxa gira em torno de
$17,00 por tonelada.
Outra iniciativa deste Estado foi a criação de um incentivo para a indústria privada,
que pode chegar a $50.000, para o desenvolvimento de tecnologias e práticas
voltadas para a reciclagem e reuso. Dentre os temas de pesquisas podemos citar:
ƒ desenvolvimento de novos métodos de misturar alvenaria reciclada de forma
que esta passe a atender as especificações da engenharia como novos
produtos de construção;
ƒ desenvolvimento de um processo para extrair contaminantes leves como
papel, madeira e plástico dos resíduos pesados coletados nas áreas de
demolições;
ƒ suporte para o onSITE, que é um site na internet para a minimização de
resíduos provenientes de construções e demolições. Este site inclui um banco
de dados com contatos para troca de materiais usados.
www.onsite.rmit.edu.au
Nos demais estados o que se pratica é a cobrança de taxa para o envio de
lixo/resíduos para aterros sanitários e alguns programas para incentivar as práticas
de reuso e reciclagem.
De forma geral conclui-se que na Austrália a legislação e as políticas públicas tem
atuação praticamente nula nas questões relativas a demolição e desconstrução,
reciclagem e reuso de matérias de construção. Existem alguns programas de tentam
48
promover a reciclagem e o reuso, mas sua atuação é muito limitada. As iniciativas
que merecem destaque são:
ƒ o governo federal se comprometeu em reduzir em 50% a geração de resíduos
sólidos, com a indústria da construção e demolição sendo encarada como
principal contribuinte;
ƒ cobrança de taxas de bota-fora para desencorajar o envio de resíduos para
aterros;
ƒ disponibilização de verbas para o desenvolvimento de novas tecnologias de
reciclagem e reuso, principalmente reciclagem de concreto e agregados;
ƒ promoção e desenvolvimento de mercados para materiais reutilizáveis,
principalmente através da internet.
3.3.6 Práticas de design
O uso de materiais reciclados ou reutilizáveis em edificações novas é geralmente
controlado por uma grande variedade de documentos que são gerados antes e
durante a obra. Dentre estes documentos estão os contratos, especificações,
formulários oficiais, código de obras e formulários de aprovação de obras. Estes
documentos podem ter um peso importante na decisão de se utilizar ou não
materiais reciclados ou reutilizáveis.
Na Austrália existem modelos padrão para vários destes documentos exigidos, que
podem ser utilizados e adaptados para projetos individuais. Infelizmente, o modelo
padrão de alguns destes documentos, no seu formato atual, na verdade ajudam a
desencorajar a desconstrução criativa de edificações e o reuso de matérias de
segunda mão.
É interessante notar que, enquanto nenhum destes contratos cobre os aspectos
relacionados a desconstrução e reuso de materiais, muitos deles na verdade proíbem
a utilização de materiais de segunda mão através de cláusulas que determinam que
49
todo material aplicado deve ser novo, a não ser que no próprio contrato exista
cláusula determinando o contrário.
O efeito desta cláusula é obrigar a pessoa, normalmente o arquiteto, que está
preparando o contrato a definir previamente quais itens serão executados com
matérias reciclados ou de segunda mão.
Em grandes projetos esta tarefa além de muito difícil acaba sendo onerosa, e
qualquer mudança na especificação destes materiais durante o projeto requer a
notificação do contratante e a modificação do contrato original. Isto acaba levando
os arquitetos a simplesmente deixar esta questão (reuso e reciclagem) de lado e
deixar valer a cláusula dos contratos padrão.
No que diz respeito a caderno e encargos, existe também uma variedade de modelos
padrão, sendo o mais comum o chamado Natspec. Em obras de construção de
edificações novas o Natspec não faz nenhuma exigência de utilização de materiais
novos, mas também não oferece nenhuma diretriz para a especificação de materiais
reciclados ou reutilizados.
A EcoRecycle Victoria oferece diretrizes para a minimização de resíduos em
construções e demolições incluindo Tender Guidelines for Construction and
Demolition Projects( Diretrizes para projetos de construção e demolições).
Com relação ao código de obras da Austrália, é um dos principais instrumentos
legais no que diz respeito a projeto e construção, e consiste em recomendações e
padrões mínimos para questões estruturais, de saúde e segurança. Não faz qualquer
restrição ou exigências à desconstrução nem ao reuso ou reciclagem de materiais e
componentes.
Alguns estados exigem que no processo de aprovação de projeto esteja incluído o
memorial de especificações definindo se materiais reciclados ou de segunda mão
serão utilizados ou não.
Resumindo pode-se dizer que muitos dos documentos e mecanismo de controle de
projetos e obras encorajam a utilização de materiais novos ao invés dos de segunda
mão. Muitos contratos, memoriais e outros modelos padronizados de documentos
são baseados no uso de materiais novos com a idéia de que novo é melhor. Alguns
50
ignoram estas questões e nenhum outro além do EcoRecycle Victoria Tender
Guidelines promove e incentiva a utilização dos materiais de segunda mão.
3.3.7 Métodos de demolição
O método mais comum de demolição na Austrália, particularmente em edificações
comerciais e industriais, é a retirada passo a passo dos componentes possíveis de
serem retirados e depois a demolição propriamente dita, com a utilização de
equipamentos pesados. Em limitadas situações é permitido a demolição com
explosivos.
Já em edificações residenciais, como mencionado anteriormente, as demolições são
geralmente executadas com trabalho manual para facilitar a recuperação de grande
quantidade de materiais.
A lei australiana que rege as demolições permite o uso de ambos os métodos: o
destrutivo e o da desconstrução, e exige a apresentação de um plano de demolição
que inclua a descrição de como será a execução e do encaminhamento que será
dado aos resíduos.
3.3.8 Iniciativas de reciclagem de materiais
Como já mencionado anteriormente, na Austrália o nível de reciclagem de materiais
em obras residenciais é muito alto. Mais de 80% dos materiais e componentes
obtidos em desconstruções de residências podem e de fato são reutilizados ou
reciclados.
Na Austrália de 70 a 80% do concreto demolido (CROWTHER, 2003) é triturado
para ser utilizado como agregado para base de estradas. Aumentos recentes no
volume total de concreto britado ocasionaram uma alteração no quadro econômico
da disposição de resíduos. Há alguns anos atrás os recicladores de concreto
51
cobravam para retirar os resíduos dos canteiros de obra, agora a competição é tanta
que a retirada é gratuita.
O concreto é demolido com a utilização de equipamentos mecânicos e então as
armaduras são retiradas para serem recicladas. Depois o concreto é britado e o
restante de aço é retirado eletro-magneticamente antes da remoção manual dos
demais contaminantes.
Nos anos 90, o concreto britado vendido como agregado possuía valor de mercado
em torno de $15 por tonelada.
A organização federal para pesquisas, CSIRO e Alex Frase Recyclers Pty Ltda.
estão conduzindo pesquisas sobre o uso de concreto britado como agregado em
concretos novos. Estas pesquisas incluem testes com concreto usinado feito com
100% de agregado de concreto britado. Os testes normalmente são para uso em
aplicações não-estruturais como pavimentações e estradas.
Enquanto os benefícios ambientais e econômicos com o uso do concreto reciclado
são visíveis e indiscutíveis, a demanda energética para este processo ainda está
sendo estudada.
3.3.9 Iniciativas de desconstrução
Há séculos os australianos convivem dentro de suas próprias residências com
estruturas temporárias construídas com materiais de segunda mão. Mesmo nos
últimos 200 anos da colonização européia, muita coisa tem acontecido no que diz
respeito às questões do reuso de materiais e também do design para desconstrução.
Em 1788, junto com os colonizadores europeus chegou também a primeira
residência pré-fabricada portátil, com estrutura de madeira e telhados e paredes de
tecido. Esta casa foi projetada para ser desconstruída e re-locada.
Nas décadas seguintes muitos projetos similares para cabanas portáteis foram vistos
por todo o país.
52
O sucesso desta tecnologia era em parte devido a escassez de materiais possíveis de
serem utilizados em construções, além é claro da escassez de mão-de-obra
qualificada.
Sem dúvida a madeira era o material mais popular nestas construções, mas
definitivamente não era o único. Com o desenvolvimento das chapas de aço
corrugado nos anos de 1820, e da galvanização em 1837, cabanas portáteis feitas de
aço se tornaram uma boa solução para o problema de escassez de residências da
Austrália. As chapas de metais leves eram ideais por facilitar o transporte e também
o reuso.
No final do século XIX, o desenvolvimento das técnicas de painéis de madeira
assistiu a proliferação de tamanhos padronizados de elementos estruturais, painéis
de vedação e pisos, o que por sua vez acarretou o surgimento dos kits para casas,
uma versão mais permanente das cabanas portáteis.
A padronização dos componentes e materiais permitiu que estas casas fossem
facilmente adaptadas, ampliadas ou re-locadas.
Figura 3.10:Casa sendo deslocada
53
A continuidade histórica das altas taxas de reuso de materiais e componentes no
setor residencial, pode ser melhor ilustrada através de dois recentes avanços no setor
da construção residencial. O primeiro deles é o aproveitamento de casas
re-
locáveis ou de partes de residências, em projetos desenvolvidos por arquitetos, e o
segundo avanço é o surgimento de novos sistemas de edificações pré-fabricadas,
com a vantagem de serem desconstrutíveis para reuso e reciclagem.
Com relação à re-locação de residências inteiras ou partes das mesmas, vale
ressaltar as inúmeras possibilidades que se abrem para os arquitetos. Neste novo
tipo de projeto as partes podem ser re-locadas de formas diferentes do projeto
original(desmontado) objetivando tirar o melhor proveito das condições de
insolação, ventilação,iluminação e demais condicionantes técnicos. Desta maneira
partes inteiras de uma casa podem ser reutilizadas em sua forma praticamente
original.
Em todos os exemplos anteriormente mencionados, a natureza dos materiais, a
técnica para unir as partes e a padronização de dimensões permitiu o reuso de
componentes em larga escala e de forma criativa.
Com relação à pré-fabricação, esta não alcançou altos níveis na Austrália porque a
maior parte das residências é construída na forma de casas isoladas em grandes
condomínios ou conjuntos, sob o comando das grandes construtoras.
No entanto vale ressaltar que algumas empresas estão tentando quebrar este
monopólio oferecendo casas pré-fabricas com baixo custo de construção. Estas
empresas trabalham com várias tecnologias para desenvolver sistemas modulares
que facilitam não só a montagem como também futuras desmontagens. Esta
possibilidade de desmontagem é apresentada como uma vantagem para futuras
adaptações da casa á mudanças na estrutura da família.
Apesar do reuso de elementos ser limitado a uma mesma edificação ou a outra que
utilize o mesmo sistema, os benefícios ambientais e de gerenciamento de resíduos
com esta prática são relevantes.
O setor residencial é o com maiores índices da prática da desconstrução, no entanto
existem iniciativas interessantes em outras áreas como por exemplo o Estádio
Olímpico construído para as Olimpíadas de Sidney 2000, que embora não tenha
54
recebido nenhum material de segunda mão, é capaz de ter no futuro que 76% de sua
estrutura reciclada.
Outro exemplo foram as estruturas temporárias construídas para a World Exposition
de 1988 em Brisbane, Todas projetadas para serem desmontadas após o evento e
relocadas para reuso.
3.3.10 Pesquisas sobre design para a desconstrução
O Design para desconstrução possui uma história importante na Austrália. No
entanto, sua compreensão como estratégia para obter benefícios ambientais está
apenas começando. Alguns autores e pesquisadores têm destacado os benefícios
ambientais desta estratégia e conduzido pesquisas sobre o assunto.
Em uma pesquisa bastante interessante conduzida por uma universidade australiana,
utilizou-se um questionário aplicado a vários arquitetos e profissionais ligados ao
setor de construção para se definir diretrizes para o desenvolvimento de projetos
visando facilitar futura desconstrução da edificação.
Outra pesquisa, visando definir diretrizes para os projetos voltados para a
desconstrução, está sendo conduzida pela Queensland University of Technology.
Esta pesquisa analisou diretrizes para desconstrução aplicadas no desenvolvimento
de projetos industriais e também diretrizes tecnológicas voltadas para a arquitetura,
objetivando desenvolver uma lista de diretrizes para ajudar os projetistas a criar
edificações que sejam mais fáceis de serem desconstruídas. Estas diretrizes também
podem ser utilizadas para avaliar até que ponto uma edificação ou um projeto está
apto a ser desconstruído para recuperação de materiais e eventualmente serão
utilizadas em uma matriz de avaliação para identificar situações nas quais seja
necessária uma reavaliação e revisão do projeto para que se possam melhorar as
taxas de reuso de materiais e componentes.
As diretrizes definidas estão relacionadas a quatro possíveis cenários e serão
apresentadas em hierarquia onde reuso é preferível ao re-processamento ou
reciclagem.
55
Estratégia para reciclagem de materiais:
1-
Usar materiais recicláveis – o aumento no uso de materiais recicláveis
encorajará a indústria e o governo a investirem no desenvolvimento de
novas tecnologias para reciclagem, e a criação de grande rede de suporte
para reciclagem e reuso;
2-
Minimizar o número de diferentes tipos de materiais – isto simplificará o
processo de separação de materiais no canteiro e reduzir os gastos com
transportes para diferentes locais de re-processamento;
3-
Evitar materiais tóxicos – isto reduzirá o potencial de contaminação dos
materiais que estão sendo separados para reciclagem e também reduzirá
os riscos de danos à saúde humana durante a desconstrução;
4-
Tornar inseparáveis partes compostas por um mesmo material, isto
significa que grandes quantidades de um certo material não serão
contaminados por pequenas quantidades de um material diferente que não
pode ser separado;
5-
Evitar acabamentos ou recobrimentos secundários quando possível – este
cobrimento ou acabamento pode contaminar o material da base e tornar a
reciclagem menos prática e simples. Quando possível usar materiais que
já possuam superfície acabada ou cujo acabamento pode ser
mecanicamente retirado;
6-
Colocar identificações permanentes nos diversos tipos de materiais –
muitos materiais como plástico não são facilmente identificáveis e
deveriam ter algum tipo não removível e não contaminante de
identificação que facilitasse a separação futura dos mesmos.
Estratégia para re-processamento de componentes:
1. Minimizar o número de componentes diferentes – isto simplificará o processo de
separação no canteiro e tornar o potencial de re-processamento mais atrativo
devido a grandes quantidades do mesmo ou materiais semelhantes;
56
2. Usar o menor número possível de camadas de acabamento – isto reduzirá o
número de partes que devem ser removidas no processo de re-manufatura e
conseqüentemente tornar o re-processamento mais eficiente;
3. Usar fixação mecânica ao invés de química – isto permitirá a fácil separação dos
componentes e materiais, reduzirá a contaminação de materiais e danos a
componentes;
4. Tornar os pontos de união/fixação química mais fracos que as partes conectadas
– se os pontos de união/fixação são utilizados eles devem ser mais fracos que os
componentes que estão sendo unidos, pois assim durante a desconstrução
aqueles serão rompidos e não os componentes.Ex: a argamassa de assentamento
deve ser mais frágil que as lajotas ou blocos.
Estratégia para reuso de componentes:
1. Usar sistemas abertos – isto permitirá alterações no layout através da simples relocação de componentes;
2. Uso de tecnologias compatíveis com as práticas construtivas utilizadas –
tecnologias especiais dificultarão a desconstrução e talvez necessitem de mãode-obra especializada e equipamentos específicos, o que tornará a opção do
reuso menos atrativa;
3. Separar a estrutura da cobertura das paredes internas e das instalações – visando
permitir a desconstrução paralela onde algumas partes da edificação necessitam
ser removidas sem afetar outras partes;
4. Permitir acesso a todas as partes da edificação e a todos os componentes –
facilidade de acesso promove facilidade de desconstrução. O ideal é que os
componentes possam ser retirados sem o uso de equipamentos especiais;
5. Usar componentes dimensionados para se ajustar ao método de carregamento
escolhido – permite diversas opções de carregamento em todos estágios da
desconstrução, transporte, re-processamento e remontagem;
57
6. Definir um método de carregamento/transporte de componentes durante a
desconstrução – transporte durante a desconstrução pode requerer pontos de
conexão para equipamentos ou suportes temporários para sustentação;
7. Definir tolerâncias realistas para permitir;
8. Usar o menor número possível de conexões – padronização de conectores
tornará a desconstrução mais rápida e necessitará de menos ferramentas, mesmo
se isso resultar e super-dimensionamento de algumas conexões;
9. Usar uma hierarquia de desconstrução relacionada a expectativa de vida útil dos
componentes – componentes com vida útil pequena deverão ter acesso mais
rápido e imediato, enquanto componentes com vida útil mais longa deverão ser
menos acessíveis ou menos fáceis de serem desmontados/desconstruídos;
10. Utilizar identificação permanente para os tipos de componentes – similar a
identificação de materiais, podendo ser utilizada identificação eletrônica legível
como por exemplo códigos de barras.
Estratégias para re-locação de edificações:
1. Padronização das partes para permitir uma infinita gama de combinações e
variações do todo;
2. Usar malha estrutural padronizada – a dimensão da malha deve estar relacionada
aos materiais usados;
3. Usar o menor número de diferentes tipos de componentes – menor número de
tipos de componentes significa menor número de processos de desmontagem
que precisam ser conhecidos, aprendidos ou relembrados.
4. Uso de materiais e componentes mais leves – isto tornará o manuseio mais fácil,
rápido e barato;
5. Identificação permanente dos pontos de desmontagem – pontos de desmontagem
devem ser claramente identificáveis;
58
6. Manter todas as informações sobre a construção da edificação e seu processo de
montagem – medidas devem ser tomadas para assegurar a preservação de
informações como os projetos de “as built”, informações sobre o processo de
desmontagem, vida útil de materiais e componentes e manutenções necessárias.
Concluindo, pode-se dizer que os primeiros passos para compreendermos como
alcançar melhores condições para desconstrução através dos projetos já foram
dados. Vários pesquisadores já apresentaram diretrizes e estratégias para adequar os
projetos à desconstrução, no entanto vale mencionar que estas estratégias e
diretrizes são apenas o início de todo o processo. Como cada projeto é único, não
pode haver estratégias universais que poderão ser sempre aplicadas com sucesso, e
algumas destas estratégias podem ir de encontro a outras estratégias ambientalmente
sustentáveis.
Assim como todas as tentativas de melhorar nosso desempenho ambiental, o design
para a desconstrução deve ser considerado sob uma visão holística juntamente com
todos os outros fatores ambientais que possam afetar o projeto.
3.4 Desconstrução na Alemanha
Embora a reciclagem de materiais de construção seja uma prática tradicional na
Alemanha, o uso dos materiais reciclados ainda é restrito a aplicações menos
importantes ou nobres (SCHULTMANN, 2003). Um dos maiores obstáculos ao uso
de materiais reciclados é a heterogeneidade de sua composição e a contaminação
dos resíduos de construções e demolições.
Como o processo de melhoria da qualidade dos materiais reciclados é tecnicamente
limitado, esforços têm sido feitos para se melhorar a qualidade dos resíduos nos
locais de demolição. Enquanto a demolição geralmente causa a mistura e
contaminação de vários materiais, a desconstrução da edificação ajuda a preservar
os materiais permitindo assim o reuso dos mesmos.
As últimas mudanças na legislação alemã que trata dos resíduos buscam exatamente
incentivar a desconstrução.
59
Recentemente diversos projetos têm sido desenvolvidos para estudar a viabilidade
técnica e econômica de estratégias de desconstrução. Mesmo assim, na maior parte
dos casos o material divulgado sobre estes projetos não é muito detalhado e os
resultados das pesquisas, na maioria das vezes conduzidas por entidades privadas,
não chegam nem a serem publicadas.
3.4.1 Classificação e composição dos resíduos de demolição
Em geral os dados sobre a quantidade e a composição dos resíduos de demolições
são encontrados junto com os de resíduos de construções.
Vale ressaltar que o termo resíduo de construção e demolição engloba uma grande
variedade de materiais que inclui resíduos provenientes de:
ƒ demolições de edificações ou obras de infra-estrutura civil;
ƒ construções de edificações ou infra-estrutura civil;
ƒ solos, rochas e vegetação(terraplanagem);
ƒ manutenção de estradas.
Outra característica dos resíduos de demolição/construção é a heterogeneidade de
sua composição, variando com os diferentes tipos de edificações e com a grande
variedade de materiais e elementos utilizados na área de construção.
Apesar de ser do conhecimento geral que a contaminação cruzada e a mistura de
materiais devem ser evitadas durante a demolição, é isto o que predominantemente
continua acontecendo na Alemanha.
Quanto aos tipos, os resíduos podem ser classificados em:
ƒ concreto, tijolos, cerâmicas e gesso;
ƒ madeira, vidro e plástico;
ƒ metais;
ƒ asfalto;
60
ƒ solos e materiais provenientes de dragagens;
ƒ materiais isolantes(asbesto e outros);
ƒ resíduos misturados de demolições e construções.
Tendo em vista que ainda não existem dados oficiais sobre a composição e a
quantidade de resíduos de demolição e/ou construção de edificações, o Instituto
Franco-germânico para pesquisas ambientais têm conduzido pesquisas para obter
tais informações através da utilização de um modelo onde edificações existentes são
inicialmente classificadas por critérios de tamanho, idade e tipologia.. Baseado em
uma lista detalhada de materiais para as edificações tipo, a quantidade e composição
dos resíduos da demolição pode ser determinada.
3.4.2 Separação de resíduos
A separação dos resíduos de construção pode ser feita de diversas formas, sendo a
demolição seletiva a mais eficiente delas.
Partindo-se do pré-suposto de que todo e qualquer elemento da edificação pode ser
separado dos demais, a taxa de separação potencial dos materiais é altíssima. Por
outro lado, uma extensa demolição seletiva proporciona altos custos com mão-deobra e dependendo do valor das taxas de aterros/botas-fora e dos custos de
reciclagem na região da edificação em questão, estes gastos podem ser mais altos
que a economia feita com o envio de menores quantidades de resíduos para aterros.
Mais freqüente que a demolição seletiva, é a separação manual dos materiais depois
da demolição. Sobre esta forma de separação deve-se mencionar que não é tão
precisa quanto à obtida através da demolição seletiva, no entanto, por ter duração e
custos menores, o que a torna bastante atraente. Isto significa que quando os prérequisitos quanto a “pureza” dos materiais reciclados não são muito severos, a
separação manual é a preferida. Na verdade, para alguns elementos como
tubulações de água e cabos, localizados dentro das alvenarias ou pisos sua obtenção
pela separação manual é mais fácil que pela demolição seletiva.
61
Uma terceira forma para separar os resíduos minerais dos demais é o envio dos
mesmos para usina de reciclagem. A maior parte das usinas de reciclagem da
Alemanha dispõe de dois métodos para efetuar a separação dos resíduos, sendo um
baseado no fluxo de ar e outro com a utilização de água. Vale ressaltar que o mais
utilizado é o fluxo de ar e o mais eficiente o que utiliza água.
O método molhado utiliza-se da água para separar materiais leves dos pesados. Em
alguns casos substâncias são adicionadas à água para aumentar seu peso específico
e mudar o ponto onde os materiais leves flutuam. Também são utilizados jatos de
água suplementares para auxiliar na separação por diferença de densidade.
O método baseado no fluxo de ar, utiliza-se do mesmo para “soprar” os materiais
mais leves isolando assim os materiais não minerais dos minerais.
O principal atrativo deste método é o baixo custo de operação e a principal
desvantagem é que o resultado da separação é menos preciso.
Como pode-se observar na figura 3.11, existem quatro formas de executar-se este
tipo de separação: fluxo reverso, fluxo cruzado(básicos), exhaust of foreign matter,
e Zig Zag.
Para melhor entendimento dos métodos mencionados, serão apresentados abaixo o
esquema de funcionamento de cada um deles.
62
Fluxo Reverso
Fluxo Cruzado
Saida de ar
Entrada de residuos
Entrada
de residuos
Entrada de ar
Saida
de ar
Elemento
externo
Produto
Elemento externo
Entrada de ar
Produto
Exhaust
Zig-Zag
Saida de ar
Saida de ar
Entrada de
residuos
Entrada
de residuos
Entrada de ar
Produto Elemento
externo
Entrada de ar
Figura 3.11: Métodos de separação
3.4.3 Melhorando o potencial de reciclagem dos materiais
Para tornarem-se competitivos, os materiais de construção reciclados devem estar
disponíveis para uso com uma qualidade tal que atenda aos mesmos pré-requisitos
dos materiais de construção novos. Para que isso aconteça deve-se dar especial
atenção às questões ligadas à contaminação dos materiais, que pode ser intrínseca
ao material, ou seja estar na composição natural do material, ou ter sido causada
pela adição de substâncias durante sua industrialização.
Vale destacar que uma das causas mais comuns de contaminação dos materiais
recuperados é a aplicação de tratamentos de superfícies como, por exemplo, as
pinturas.
63
Para classificar os contaminantes de acordo com seu potencial de contaminação, foi
desenvolvido um modelo para ajudar no planejamento da desconstrução de
edificações com o objetivo de minimizar a contaminação dos materiais recuperados.
3.4.4 Reciclagem e reuso de materiais de construção
Na Alemanha existem aproximadamente 1600 aterros para resíduos de construções
e demolições (SCHULTMANN, 2003). No entanto, de acordo com a legislação
alemã, nenhum tipo de resíduo mineral não selecionado, de construção ou
demolição, pode ser enviado a aterros. Já o envio dos demais tipos de resíduos é
regulamentado pela lei de Gerenciamento de resíduos e reciclagem.
Deve-se mencionar que na Alemanha além de toda regulamentação relativa aos
resíduos, existe uma considerável capacidade de tratamento para resíduos de
construção. Existem mais de 650 empresas operando algo em torno de 1000
britadores, mas sua disponibilidade varia de região para região (SCHULTMANN,
1998).
É importante citar que na Alemanha existem os chamados outlets de materiais
usados, que são grandes centros comerciais vendendo produtos com preço abaixo
do valor de mercado.
3.4.5 Desconstrução como um método para melhorar a qualidade dos materiais
reciclados
Apesar da Alemanha já dispor de usinas de reciclagem bastante sofisticadas, a
reciclagem continua sendo problemática quando materiais misturados ou contendo
contaminantes são enviados às mesmas.
Com o objetivo de estudar a influência das técnicas de processamento dos resíduos
na qualidade final dos mesmos, foi desenvolvida uma pesquisa em duas usinas de
reciclagem, sendo uma móvel e a outra fixa.
64
Na pesquisa em questão buscou-se determinar para cada fração dos resíduos a
quantidade de contaminantes encontrados. O resultado demonstrou que nas frações
mais brutas, ou de granulometria maior, o índice de contaminantes era bem mais
baixo que o das frações mais finas. Daí conclui-se que retirando a parcela mais fina
dos resíduos reduzir-se-á drasticamente a quantidade de contaminantes nos
resíduos.
E é justamente neste ponto que reside a importância da desconstrução, uma vez que
através da prática da mesma componentes ou elementos contaminados podem ser
“desmontados”, tendo assim sua fração com maior quantidade de contaminantes
retirada e consequentemente um produto final de reciclagem de melhor qualidade.
3.4.6 Economia da desconstrução e marketing dos materiais de construção
usados
Na Alemanha, assim como em grande parte dos países mais desenvolvidos, existe
uma grande preocupação em diminuir a quantidade de lixo gerado pelas cidades e
para alcançar tais objetivos as iniciativas mais importantes são:
ƒ cobrança de taxas para o envio de resíduos para aterros;
ƒ imposição da Lei de reciclagem e gerenciamento de resíduos, que torna
obrigatória uma pré-seleção nos resíduos que serão enviados à aterros;
ƒ incentivo para que seja efetuada a separação e seleção dos materiais antes
dos mesmos serem enviados para aterros. A taxa varia de acordo com a
composição do resíduo e com a localização do aterro.
Vale mencionar que na Alemanha os custos de reciclagem e bota-fora são
equivalentes aos custos de demolições. Desta forma, passa a ser vantajoso
desmontar o maior número de elementos possível em uma edificação, uma vez que
isto reduzirá os gastos com reciclagem e bota-fora
65
3.4.7 Ferramentas para a desconstrução
O objetivo de uma desconstrução eficiente é reduzir o tempo e os custos da
desmontagem, melhorar as condições de trabalho além de assegurar a qualidade
necessária aos materiais.
Visando otimizar a desconstrução, o Instituto Franco-alemão de pesquisas
ambientais desenvolveu uma metodologia para desconstrução e gerenciamento de
reciclagem que é aplicada através de um software (SCHULTMANN, 1998).
O primeiro passo para planejar uma desconstrução e ao mesmo tempo garantir a
qualidade dos materiais que serão recuperados é a realização de uma espécie de
auditoria na edificação em questão. Esta auditoria consiste em uma descrição
detalhada da edificação e identificação dos materiais empregados.
Baseado nas informações obtidas em visitas à obra e em toda a documentação
disponível relativa à mesma, como por exemplo, projetos e memorial descritivo,
informações detalhadas sobre a composição da edificação devem ser obtidas e
analisadas.
Durante a auditoria devem ser coletadas e analisadas indicações de substâncias
contidas no edifício que podem influenciar a qualidade dos materiais assim como
possíveis fontes de contaminação e poluição.
O sistema de planejamento dá suporte à auditoria através da preparação da lista de
materiais que contém detalhes dos materiais, localização dos elementos na
edificação, fontes de contaminação/poluição, quantidade, densidade, se o material
está revestido ou não,etc (SCHULTMANN, 1999).
Tendo-se em mãos todas as informações sobre a obra combinadas com informações
sobre a estrutura disponível na região para o gerenciamento de resíduos, o
planejamento da desconstrução pode prosseguir.
Com base nas informações contidas na lista detalhada de materiais serão definidas
as técnicas adequadas para a desmontagem de cada um dos elementos. A definição
das atividades de desconstrução consiste na determinação do elemento construtivo
correspondente e da seleção dos recursos necessários.
66
Com relação ao planejamento do tempo a ser gasto, existem valores de referência
no banco de dados do software que podem ser escolhidos para cada tipo de
elemento dependendo das técnicas de desconstrução disponíveis.
Após determinar as atividades e as relações de dependência entre as mesmas, o
objetivo do planejamento é achar qual será a programação ótima dos trabalhos.
Quando os recursos são limitados (máquinas, mão-de-obra, orçamento,etc.) esta
questão se torna extremamente complexa.
O objetivo do planejamento da reciclagem é “projetar” a técnica ótima de
reciclagem, que permitirá transformar materiais e componentes recuperados em
materiais reutilizáveis. Para matérias como vidro, plástico e metais, as técnicas de
reciclagem já existem, desta forma o planejamento é apenas para coordenar as
operações.
A reciclagem é difícil quando os materiais estão misturados, quando existem
materiais compósitos ou quando poluentes como hidrocarbonetos ou asbestos estão
presentes. Para obter materiais com composição ideal para serem enviado para as
usinas de reciclagem, as técnicas de reciclagem disponíveis assim com a localização
das usinas devem ser consideradas durante o planejamento. Estudos de caso
mostram que o reuso direto de elementos pode alcançar altas taxas quando a
desconstrução é bem planejada.
3.4.8 Políticas públicas e regulamentações
Inicialmente é importante mencionar que a desconstrução, por ser um técnica
relativamente nova, não se enquadra perfeitamente na legislação alemã
convencional.
Como ainda não existe legislação específica para tratar das questões da
desconstrução, citaremos abaixo algumas leis que regulamentam assuntos direta ou
indiretamente ligados à mesma.
67
Gerenciamento de resíduos:
A primeira lei federal tratando de resíduos data de 1972 e regulamenta a prevenção
e o envio de resíduos para aterros. De acordo com esta lei o primeiro objetivo deve
ser evitar produzir o resíduo e quando isto não for possível,
deve-se buscar
melhorar a composição do mesmo de forma a permitir o reuso e a reciclagem.
Em 1994 a Lei de reciclagem e gerenciamento de resíduos foi aprovada pelo
parlamento. Esta lei trata de novos princípios para as questões relativas ao
gerenciamento de resíduos além de apresentar a novo hierarquia para o tratamento
de resíduos onde, evitar resíduos é melhor que reciclagem que por sua vez é
preferível ao bota-fora. O bota-fora ou envio de resíduos para aterros ou áreas
autorizadas, só é permitido quando a reciclagem é muito mais cara, impossível de
ser feita ou ainda quando o resíduo é inevitável.
Outra importante inovação desta lei foi que os produtores passaram a ser
responsáveis pelos resíduos advindos de seus produtos.
Outra forma de regulamentação que merece destaque na legislação alemã é a
Instrução Técnica para lixo/resíduo municipal, que define as questões relativas ao
tratamento e bota-fora de resíduos além de tratar dos assuntos ligados ao lixo
doméstico e resíduos de construções e demolições.
As metas desta Instrução são: reciclar os resíduos inevitáveis, reduzir a toxidade dos
resíduos e garantir que os tratamentos e botas-fora de resíduos não causem danos ao
meio-ambiente, além de determinar que os resíduos de construção e demolição
devem ser coletados e preparados para reaproveitamento separadamente e no local
onde são gerados e conter exigências relativas ao envio de resíduos para aterros,
como por exemplo, frações que não estão dentro das especificações definidas pela
legislação não podem ser descartadas até receberem tratamento que as torne apta
para tal.
Alguns Estados por possuírem legislação própria e mais específica sobre resíduos,
introduziram tópicos sobre a exigência de que demolições sejam executadas através
da “desmontagem” e sobre a separação de resíduos nos locais de geração ou em
locais especializados no serviço em questão.
68
Em alguns municípios já é obrigatório a apresentação de um planejamento contendo
as fases de preparação, os métodos de desconstrução ou demolição que serão
utilizados além de informações detalhadas sobre reciclagem dos materiais.
Exigências para a compatibilidade ambiental dos materiais reciclados:
Para que os materiais reciclados possam estar disponíveis no mercado para
utilização é necessário que os mesmos se equiparem aos materiais novos, podendo
competir com os mesmos em igualdade de condições.
Para que isto se torne possível existem inúmeras instruções e regulamentações
determinando padrões de qualidade para os materiais reciclados. A maior parte
destas normas está voltada para o uso dos reciclados em obras de estradas, mas
recentemente vêm surgindo novas aplicações, como por exemplo, o uso de
agregados reciclados em concreto.
É claro que aplicações mais sofisticadas, como no caso do concreto, requerem
informações mais detalhadas e precisas sobre as características físicas dos materiais
e padrões rígidos para a composição e produção dos mesmos.
Para atingir tal objetivo foram elaboradas normas técnicas para a avaliação de
resquícios minerais e resíduos, especialmente resíduos de construção. Nestas
normas foram definidos os parâmetros a serem examinados,os métodos de exame
além de classes de utilização contendo valores de referência para a avaliação dos
resíduos de construção(ver figura 3.12).
Vale mencionar que a definição deste valores de referência visa a preservação do
lençol freático além da minimização dos efeitos que uso de materiais reciclados
pode causar ao solo e subsolo (LANDERARBEITSGEMEINSCHAFT, 1998).
Limites de utilizacao
Z0
Z1
Z2
Z3
Utilizacao na area da construcao
Uso i limitado
Uso l imitado
Uso l imitado com
ado cao de
medidas tecnicas
de seguranca
Z4
Z5
Envio para aterros
Classe I
Classe II
Resi duos especiais
Figura 3.12: Classes de utilização com valores de referência relevantes
69
A utilização ilimitada (Z0) é permitida quando os materiais reciclados apresentam
níveis de poluentes/contaminantes similares aos encontrados no solo e nas rochas da
região em questão. Quando Z1 não é excedida, o uso é limitado dentro dos limites
pré-definidos.
Quando excedidos Z2 torna-se efetivo. Nesta classe o uso de
materiais reciclados é permitido desde que sejam tomadas medidas técnicas de
segurança que garantam a não transferência de substâncias nocivas para o solo e
lenço freático.
Quando Z2 é extrapolada, os critérios de referência para o disposição de resíduos de
definidos pela legislação específica tornam-se efetivos. No caso da extrapolação de
Z4, valem as regulamentações para depósito de resíduos especiais, definidas pela
Instrução Técnica para resíduos.
No caso de materiais minerais reciclados, existem regulamentações específica cujas
diretrizes contém valores limites para a presença de diferentes substâncias químicas
nos materiais.
Diretrizes e regulamentações para demolição e desconstrução:
Atualmente a Alemanha ainda não dispõe de regulamentações generalistas sobre
serviços de demolição, apesar da Lei de reciclagem e gerenciamento de resíduos
determinar que as autoridades federais são obrigadas a contribuir para que os
objetivos da mesma, já mencionados anteriormente, sejam alcançados. No entanto
merece destaque a publicação, pelo poder público, de inúmeras diretrizes voltadas
para as questões relacionadas à demolição e desconstrução.
O objetivo destas diretrizes é informar como a demolição e a desconstrução podem
acontecer de forma economicamente viável e sem negligenciar as questões
ambientais. Isto foi necessário porque, por um lado melhoramentos significantes na
qualidade dos resíduos podem ser alcançados através da aplicação das técnicas de
“desmontagem”. Por outro lado, a “desmontagem” das edificações requer mais
mão-de-obra e equipamentos que a demolição tradicional, o que contribui para o
aumento dos custos. Estes altos custos podem ser compensados em alguns casos
70
pelo menor custo do reuso, reciclagem ou descarte de materiais se a desconstrução e
reciclagem forem bem planejadas.
Dentre as diretrizes pode-se destacar:
ƒ Diretrizes para demolição de edificações residenciais e administrativas
ƒ Diretrizes para construção sustentável de edificações públicas
ƒ Desenvolvimento de metodologias para avaliação de contaminação de
materiais de construção antes da desconstrução
ƒ Diretrizes para determinação de massas e planos de reciclagem para
edificações a serem demolidas
ƒ Desconstrução e demolição de edificações
ƒ Diretrizes de reciclagem
ƒ Vantagens ambientais e tratamentos de baixo custo para resíduos de
demolição
No caso das diretrizes para demolição de edificações residenciais e administrativas,
é apresentada uma visão geral sobre todos os aspectos da desconstrução além de um
sumário com as leis relacionadas a demolição.
O documento explica as três principais técnicas de demolição(convencional,
desmontagem parcialmente seletiva e desmontagem seletiva), destaca as leis mais
importantes relacionadas a cada tópico(demolição, reciclagem e materiais
perigosos), informa sobre os componentes da edificação que podem conter
substâncias poluentes/contaminantes e quais as medidas que devem ser tomadas
antes da demolição da edificações que contém tais componentes,etc.
Resumindo, pode-se dizer que o objetivo principal destas diretrizes e dar suporte a
escolha da técnica adequada de demolição, mostrando as vantagens e desvantagens
das diferentes técnicas sob o ponto de vista econômico, técnico e ambiental.
Para finalizar o tópico sobre a desconstrução na Alemanha, vale mencionar um
trabalho desenvolvido na cidade de Mulhouse visando estabelecer uma comparação
entre demolição e desconstrução (SCHULTMANN, 1998).
71
Este trabalho consistiu em dividir-se uma edificação em duas partes iguais, sendo
uma das partes desconstruída ou demolida seletivamente e a outra tradicionalmente
demolida .
Durante a pesquisa, dados detalhados sobre composição da edificação, duração das
atividades de desconstrução e demolição, custos e opções de reciclagem foram
coletados e analisados (ver figura 3.12). O resultado mostra que a demolição
seletiva pode ser uma solução economicamente viável dependendo da tipologia da
edificação, das opções de reciclagem disponíveis e dos preços cobrados para o
descarte de resíduos misturados ou selecionados.
44.4
Reciclagem
bota-fora,trasnporte
Deconstrucao
ou demolicao
16.7
15.1
13.5
7.9
3.5
1.5
Desmontagem
seletiva
Fu ncao
Tipolo gia
Demolicao
convencion al
Hotel
Estrutura da madeira
Desmontagem
seletiva
Demolicao
convencion al
Residen cia
Alvenaria
Desmontagem
seletiva
Demolicao
convencion al
Industria
Alvenaria
Desmontagem
seletiva
Demolicao
convencion al
Escola
Alvenaria
Figura 3.13: Comparação entre demolição convencional e seletiva
72
4. A DESCONSTRUÇÃO NO BRASIL
Ao contrário da Europa e dos Estados Unidos, no Brasil as preocupações com as
questões relacionadas à produção de resíduos são bem recentes. Para exemplificar
esta afirmação basta mencionar que ainda não dispomos de legislação específica
para regulamentar o tema. No entanto, é importante ressaltar que houveram
avanços, principalmente relacionados à reciclagem de resíduos domiciliares e a
obrigatoriedade de recolhimento de pneus e baterias
(JONH, 2000).
No que diz respeito à construção civil, as discussões sobre resíduos são ainda mais
recentes, tendo surgido inicialmente a partir da intenção de se reduzir custos nas
obras além é claro das preocupações com as questões ambientais.
Segundo Pinto(1999), nas cidades brasileiras os resíduos da construção civil
representam de 41% a 70% do volume total de resíduos sólidos urbanos, sendo que
deste montante de 42% a 80% é produzido por atividades de manutenção, reformas
e principalmente demolições.
É importante destacar que, incluso no montante de resíduos produzidos pela
construção civil encontra-se uma grande quantidade de materiais e componentes em
plenas condições de serem reutilizados. Reutilização esta que estaria colaborando
com a sustentabilidade da cadeia de duas maneiras: reduzindo o volume final de
resíduos produzidos e simultaneamente evitando a extração de mais recursos
naturais para a produção de novos materiais e componentes.
E é a partir desta constatação que a desconstrução vem se apresentando como uma
ótima ferramenta na busca pela sustentabilidade da indústria da construção civil.
Com relação à prática da desconstrução no Brasil, pode-se dizer que a mesma
praticamente inexiste. O que ainda predomina são as práticas mais antigas e
tradicionais, onde não existe a preocupação com a reciclagem e reuso de materiais e
componentes. As edificações são simplesmente “destruídas” para que outra possa
ocupar seu espaço físico.
No entanto, é importante observar que este panorama está mudando. Diversas
pesquisas sobre reciclagem e reuso de materiais e componentes estão em andamento
73
em universidades espalhadas por todo país e as experiências práticas já são
inúmeras.
Para simplificar a abordagem do tema, inicialmente será apresentado o que está
sendo feito no país a nível de reciclagem e posteriormente serão apresentadas as
informações relativas à desconstrução propriamente dita.
4.1 Reciclagem de Resíduos de Construção e Demolição
Segundo JONH e AGOPYAN(2000), as possibilidades de reciclagem de resíduos
variam de acordo com a composição dos mesmos. A fração cerâmica pode ser
beneficiada como agregado, com diferentes aplicações dependendo de sua
composição específica. As frações compostas por concretos estruturais e rochas
naturais podem ser recicladas como agregados para uso em concretos estruturais; as
argamassas, produtos de cerâmica vermelha e de revestimento produzem o chamado
agregado misto, de menor resistência, tendo desta forma sua utilização limitada a
aplicações em concretos de menor resistência como, por exemplo, blocos de
concreto, contra-pisos, camadas drenantes além da produção de argamassa dentro
do próprio canteiro. Existem ainda as frações compostas de solo misturado com
materiais cerâmicos e baixos teores de gesso, reciclados para utilização em sub-base
e base para pavimentação.
É importante destacar que quanto mais minucioso e preciso é o processo de
separação dos resíduos a serem reciclados, mais nobres serão as aplicações dos
agregados a serem produzidos.
Atualmente nas usinas nacionais de reciclagem os procedimentos básicos adotados
podem ser esquematizados da seguinte forma:
I. uma ou mais etapas de classificação dos resíduos;
II. britagem por equipamento de martelo;
III. peneiramento para separação das frações de acordo com a granulometria.
Uma etapa importante, mas ainda não incluída nas centrais de reciclagem do Brasil
são as pilhas de homogeneização dos agregados, cujo objetivo é diminuir a
74
variabilidade natural do produto ao longo do processo e consequentemente melhorar
a qualidade dos agregados produzidos.
Com relação ao panorama atual da reciclagem de resíduos no Brasil, pode-se dizer
que a reciclagem de resíduos na sua forma tecnológica mais simples já se encontra
consolidada. Desde a década de 80 já se utiliza agregados mistos na produção de
pavimentação, o mesmo acontecendo com a produção de argamassas a partir dos
agregados nos canteiros de obra. Pode-se citar também algumas iniciativas no
emprego dos agregados reciclados na produção de blocos de pavimentação (pisos
inter-travados), meio-fios, blocos de alvenaria.
Para finalizar, é importante destacar que já estão em andamento diversas pesquisas
sobre a reciclagem de agregado para produção de concretos estruturais, o que sem
dúvida é a aplicação mais nobre a ser alcançada pelos agregados de resíduos
reciclados.
Desta forma conclui-se que, a reciclagem de resíduos, mesmo que em sua forma
mais simples, já está consolidada no Brasil. No entanto, sua utilização ainda é
dificultada pela variabilidade dos agregados produzidos, conseqüência da ausência
de um controle de qualidade sistemático. Logo, fica claro que os próximos passos
devem ser dados em busca da melhora da qualidade da matéria prima a ser utilizado
nas usinas, o que significa aprimoramento dos processos de reciclagem.
4.2 Reuso de Materiais e Componentes
Ao contrário da reciclagem, o reuso de materiais e componentes ainda não é prática
consolidada no Brasil. O que predominam são iniciativas individuais de
proprietários que, visando reduzir gastos com o transporte de resíduos provenientes
da demolição anunciam a demolição em jornais locais visando atrair compradores
para itens como telhados (incluindo telhas e madeiramento), esquadrias, pisos de
madeira, louças e metais. A pessoa que eventualmente adquirir os componentes será
responsável pela retirada e transporte dos mesmos.
75
Dentre as razões que podem nos ajudar a entender o porquê da não popularização
do reuso de materiais e componentes, pode-se destacar:
I. as obras não são projetas para serem desconstruídas;
II. os profissionais não possuem conhecimentos para por em prática o
reaproveitamento de materiais e componentes;
III. os custos para desconstruir são mais altos que os custos de demolições
tradicionais;
IV. existência da cultura de que novo é melhor que usado;
V. carência de pesquisas sobre o tema;
VI. antiga crença de que as matérias primas são inesgotáveis.
Devido ao fato do tema ser relativamente novo no Brasil, existe uma grande
carência por dados e experiências práticas. A única bibliografia encontrada, a nível
nacional, é um trabalho apresentado por ROCHA, FORMOSO E SATTLER, no
Simpósio Brasileiro de Gestão e Economia da Construção, realizado em Campinas
no ano de 2007.
No referido trabalho o objetivo do grupo foi caracterizar a cadeia de reuso e
apresentar sugestões para o aprimoramento e expansão da mesma.
A primeira etapa da pesquisa consistiu na realização de entrevistas com os agentes
envolvidos no processo de reuso, sendo 04 projetistas (que utilizam componentes
usados), 03 proprietários de demolidoras e revendedoras de componentes usados e
01 proprietário de demolidora, visando caracterizar preliminarmente a cadeia de
suprimentos de componentes usados, identificando os principais agentes e as etapas.
Na fase seguinte foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 02 projetistas
que trabalham com componentes usados, 02 demolidoras e com o engenheiro da
Prefeitura de Porto Alegre, responsável pela gestão dos aterros para resíduos de
construção e demolição. Também foi feito acompanhamento da demolição de duas
edificações, também objetivando identificar cada fase do processo e seus
respectivos agentes.
76
A partir das informações obtidas nas entrevistas o grupo montou o organograma da
cadeia de suprimentos de componentes usados e passou a estudar os fatores que
afetam o processo de reuso, para a partir destes dados apresentar sugestões de
melhorias objetivando a ampliação do reuso de componentes de edificações.
4.2.1 Caracterização da cadeia de suprimentos:
No processo de reuso, existem basicamente oito (08) agentes envolvidos:
contratantes da demolição, demolidoras, demolidoras e revendedoras de
componentes, projetistas e produtores de edificações, projetistas e produtores de
mobiliário (marceneiros), antiquários, transportadores e clientes finais (ver figura
4.1).
Na maioria dos casos o contratante da demolição é uma construtora que adquire o
terreno com a edificação e deseja removê-la para construir prédios.
Na prestação de serviços de demolição existem dois tipos de empresas: as
demolidoras e revendedoras de materiais usados e as empresas apenas demolidoras.
O primeiro grupo caracteriza-se como empresas de pequeno porte que não dispõe de
máquinas para demolições de grande escala. Realizam apenas demolições manuais
que permitem a recuperação de grande parte dos componentes da edificação.
Geralmente são contratadas para demolir casas ou pequenas estruturas edificadas
com técnicas construtivas tradicionais.
Já as empresas apenas demolidoras possuem máquinas para demolição
(retroescavadeiras, rompedores pneumáticos, compressores a ar, etc.). São
contratadas geralmente para executar a demolição de estruturas mais complexas e
de maior escala, onde a demolição manual não é viável por razões técnicas ou de
cronograma. Segundo os entrevistados este tipo de empresa via de regra não é
contratada para demolir edificações onde é economicamente e tecnicamente viável a
recuperação de materiais. No entanto quando isto ocorre, estas empresas
demolidoras trabalham em parceria com uma empresa demolidora revendedora.
77
O terceiro agente da cadeia de suprimento em estudo é o grupo dos transportadores,
que são contratados pelas demolidoras ou demolidoras/ revendedoras para remover
os resíduos ou entulho. A responsabilidade pela destinação dos resíduos é sempre
dos transportadores.
De acordo com a entrevista junto ao engenheiro da prefeitura de Porto Alegre,
grande parte dos resíduos de construção e demolição é depositada ilegalmente junto
a vias públicas ou em córregos, causando diversos prejuízos ambientais e
econômicos.
Geralmente o serviço de transporte é pago e o valor varia de acordo com o tamanho
do caminhão, à distância a ser percorrida e as características do entulho. Porém
existem situações onde a retirada de entulho ocorre sem custos para as
demolidoras/demolidoras revendedoras. Como exemplo pode-se citar a situação na
qual o transportador retira o entulho e vende para alguém interessado no material
para executar aterros.
Vale mencionar que na maioria das vezes o acordo entre as partes é verbal, o que
demonstra alto grau de confiança.
Após a remoção dos componentes da edificação, os mesmos são revendidos sendo
os principais clientes:
I. projetistas ou produtores de edificações: geralmente adquirem esquadrias de
ferro antigas ou em madeira de lei, gradis, tijolos maciços e guias e caibros
em madeira de lei. Normalmente estes componentes possuem preço mais
elevado que os similares novos. O interesse na aquisição de tais elementos é
devido ao caráter antigo e histórico dos mesmos e pela aparência de usado
apreciada por alguns clientes.
II. projetistas e produtores de mobiliário: adquirem peças em madeira de lei
para serem utilizada na confecção de mobiliário explorando o aspecto rústico
e antigo.
III. antiquários: procuram por esquadrias antigas;
IV. clientes finais: na maioria dos casos são pessoas de baixa renda que buscam
materiais usados por serem mais baratos. Os materiais mais procurados vão
78
desde esquadrias à tubulações hidráulicas. Existe ainda o grupo de clientes
finais que adquirem os componentes usados diretamente (em antiquários e
marceneiros) ou indiretamente (integrados em projetos arquitetônicos). São
geralmente pessoas de classe média e média alta.
DEMOLIDORAS
CONTRATANTES
TRANSPORTADORAS
BOTA-FORA
PROJETISTAS
CONSTRUTORES
DEMOLIDORAS
REVENDEDORAS
CLIENTES FINAIS
MARCENEIROS
CLIENTES FINAIS
(BAIXA RENDA)
Figura 4.1: Cadeia de suprimentos de componentes de usados
4.2.2 Identificação de fatores que afetam o processo de reuso
A cadeia de suprimentos de componentes usados é caracterizada pelo grande
número de agentes e pela predominância de vínculos informais entre os mesmos. A
maioria dos acordos é verbal e a venda de componentes é feita sem emissão de
notas fiscais. Segundo os entrevistados os acordos formais não são necessários
devido ao fato das partes se conhecerem e trabalharem juntas há bastante tempo.
No entanto, à medida que a cadeia se expandir obviamente a formalização destes
procedimentos será necessária.
Outro ponto importante em relação à cadeia de suprimentos de componentes usados
é que a mesma pode ser subdividida em duas outras cadeias: a de suprimentos do
serviço de demolição e de suprimentos de componentes usados propriamente dita. A
cadeia que desencadeia o processo de reuso é a cadeia de demolição. Já a cadeia dos
componentes usados é conseqüência da primeira. Ou seja, o produto da última
cadeia (componentes e materiais) surge a partir da demolição do edifício e não da
demanda dos clientes.
79
As empresas estudadas afirmaram ainda que, na maioria dos casos, o serviço mais
interessante economicamente é a realização apenas da demolição, sem ter
responsabilidade pela remoção (transporte) dos resíduos e componentes. No
entanto, este opção é rara. O mais comum é as empresas terem que deixar o terreno
em condições para que se iniciem as obras da nova edificação.
Como a remoção de todo material produzido pela demolição é obrigação das
contratadas, muitas vezes as empresas em questão optam pela venda de
componentes com o objetivo único de reduzir os gastos com transporte. Desta
forma fica claro que a cadeia de componentes usados existe primordialmente por
uma questão financeira (reduzir gastos com transporte) e que uma vez que não seja
economicamente vantajoso remover os componentes visando revendê-los, esse
mercado deixará de existir. Assim os serviços a serem prestados
resumir-se-ão
a demolição propriamente dita, sendo os materiais e componentes removidos na
forma de resíduos e encaminhados para aterros ou estações de bota-fora.
Fica evidente então a necessidade de se criar uma demanda contínua mínima que
garanta a sobrevivência da cadeia de usados independente da cadeia de demolição,
sendo que a melhor maneira de fazê-la é facilitando o acesso dos interessados aos
componentes, através de websites ou escritórios que centralizem todas as
informações sobre local das obras e tipos de componentes disponíveis.
De acordo com as entrevista, atualmente a estratégia comumente adotada pelos
profissionais que querem adquirir componentes usados, é a visita freqüente a sites
de demolição e aquisição prévia dos materiais para uso em projetos futuros.
Como os componentes obtidos durante a demolição já se encontram previamente
produzidos e suas características já não podem mais ser alteradas visando atender as
demandas dos clientes finais, deve-ser buscar melhorias relacionadas aos serviços
aos clientes e às atividades logísticas que agreguem valor, como por exemplo,
confiabilidade e consistência na entrega dos produtos adquiridos pelo cliente, apóio
pós-venda, facilidade de fazer negócio, ponto único de contato,etc.
Concluindo pode-se dizer que o reuso de materiais e componentes é uma atividade
ainda pouco consolidada cuja principal característica é a informalidade das relações
entre agentes. Merece destaque também o fato da cadeia de reuso não ser
80
independente e auto-suficiente, na verdade a mesma surge como alternativa
economicamente favorável para os produtos gerados pela cadeia de demolição. A
partir do momento que este benefício financeiro deixar de existir, a tendência é que
os componentes usados passem a ser tratados como resíduos. Logo fica claro que o
primeiro passo para a popularização do reuso de componentes é a consolidação de
uma demanda contínua e independente da cadeia de demolição.
Vale mencionar também que é de suma importância para a popularização do reuso
que os projetos das novas edificações sejam desenvolvidos tendo-se em mente que
no futuro as mesmas serão desconstruídas e seus componentes reaproveitados. A
partir do momento que os projetos sejam adequados à desconstrução a qualidade e
quantidade de elementos disponibilizados para o mercado de reuso serão muito
melhores e maiores.
81
5. CONCLUSÃO
Ao mesmo tempo em que vive uma fase de grande crescimento econômico, a
indústria da construção civil enfrenta simultaneamente seu maior desafio que é
tornar esse crescimento sustentável.
Como já vimos anteriormente, sustentabilidade na indústria da construção pode ser
traduzida por uma série de princípios como por exemplo: reaproveitamento de
águas servidas, aproveitamento das condições naturais de iluminação e ventilação
do sítio, racionalização da produção visando minimizar desperdícios, utilização de
materiais cujas fontes de matérias primas sejam renováveis, etc. E é neste contexto
que a desconstrução vem se consolidando como uma alternativa, ambientalmente
correta, à demolição tradicional.
A importância da desconstrução como ferramenta em prol da sustentabilidade pode
ser resumida em três aspectos:
ƒ prolonga a vida útil dos materiais e componentes evitando desta forma o
consumo desnecessário de matérias primas e energia para a fabricação de
novos materiais e/ou componentes;
ƒ contribui para diminuir o volume de resíduos produzidos e enviados para
aterros, uma vez que tudo que pode ser reaproveitado é retirado da edificação
antes da demolição propriamente dita;
ƒ contribui para melhorar a qualidade dos resíduos enviados para as usinas de
reciclagem uma vez que os mesmos saem dos sítios de demolição com
composição mais homogênea.
Apesar de todas as vantagens acima enumeradas, a prática da desconstrução à nível
nacional praticamente inexiste; e mesmo em países que já possuem vasta
experiência com a metodologia ainda há muito por fazer.
Um dos grandes entraves para a popularização da desconstrução é a crença,
principalmente por parte dos arquitetos e engenheiros, de que as edificações devem
ser executadas para durar eternamente; além da grande resistência por parte da
82
sociedade em utilizar materiais e/ou componentes usados por acreditar que o novo é
sempre melhor.
Para que a desconstrução se torne viável é necessário, além do envolvimento de
todo o setor e das autoridades, que todo o processo de projeto e construção seja
repensado e adequado à nova metodologia.
Visando viabilizar e estimular a prática da desconstrução seguem abaixo algumas
sugestões de iniciativas:
ƒ incentivar pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novas tecnologias
construtivas e ferramentas para a desconstrução;
ƒ desenvolver projetos tendo-se em mente que futuramente as edificações
poderão ser “desmontados” e “remontadas”, ou mesmo ter sua disposição
interna alterada por mudança de uso;
ƒ incentivar o surgimento de um mercado para materiais e componentes
usados;
ƒ aumento das taxas cobradas para o envio de material para aterros;
ƒ criação de legislação específica tornando obrigatório a apresentação de um
plano de manejo para resíduos, a ser aprovado previamente nos órgãos
responsáveis, visando obter autorização para proceder com os serviços de
demolição;
Concluindo, é importante dizer que popularização da desconstrução enquanto
metodologia de demolição, é uma iniciativa de médio e longo prazo e que para obter
êxito deverá contar com a participação de todos os envolvidos na indústria da
construção civil, desde os fornecedores de matérias primas, passando pelos
fabricantes de materiais e componentes, até os construtores.
83
6. BIBLIOGRAFIA
ÂNGULO, S.C.; ZORDAN, S.E.;JOHN,V.M. Desenvolvimento sustentável e a
reciclagem de resíduos na Construção Civil. São Paulo, 2001
CROWTHER, P. The State of Building Deconstruction in Australia, CIB TG39,
Florida, 2003.
DORSTHORST te, B.J.H., KOWALLEZYK, T., State of Deconstruction in the
Netherlands, CIB TG39, Florida, 2003.
JONH, V.;AGOPYAN,J. Reciclagem de resíduos da construção. In: Seminários
de Reciclagem de Resíduos Sólidos Domiciliares. Anais.... São Paulo, 2000.
JOHN, V.M.; CSSILAG, D. Análise das práticas para a construção sustentável
na América Latina. In: XI Encontro Nacional de Tecnologia no Ambiente
Construídos. Florianópolis, 2006
ROCHA,C.;
FORMOSO,C.;
SATTLER,M.
Cadeia
de
Suprimentos
de
Componentes de Edificações Usados: Caracterização e Sugestões de Melhorias.
In: Simpósio Brasileiro de Gestão e Economia da Construção. Campinas, 2007.
SHULTMANN, F. Deconstruction in Germany, CIB TG39, Florida, 2003.
84
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÂNGULO, S.C. Caracterização de agregados de resíduos de construção e
demolição reciclados e a influência de suas características no comportamento
de concretos. São Paulo, 2005. Tese (doutorado) – Escola Politécnica,
Universidade de São Paulo, 167p.
CHEN,J.J.;CHAMBERS,D. Sustainability and the impact of Chinese policy
initiatives upon construction. J Construction Management and Economics. Nº17,
p.679-687, 1999
CURWELL, S.;COOPER,I. The implication of urban sustainability. Building
Research and information. V. 26, nº1, 1998 p.17-28
DORSTHORST te, B.J.H., KOWALLEZYK, T., DIJK van, K. and BOEDIANTO,
P., State of the art, Deconstruction in the Netherlands, CIB TG39, Warford,
2000.
ECORECYCLE VICTORIA Construction and demolition Waste Survey.
EcoRecycle Victoria, Melbourne, 1998.
DORSTHORST te, B.J.H. and KOWALLEZYK, T. Design for recycling, CIB
TG39 Deconstruction, Gainesville, 2003.
FIESP Construbusiness 1999 – Habitação, Infra-estrutura e empregos.
São Paulo: FIESP, 3º Sem Brasileiro da Indústria da Construção. 1999 26p.
JOHN, V.M.; CSSILAG, D. Análise das práticas para a construção sustentável
na América Latina. In: XI Encontro Nacional de Tecnologia no Ambiente
Construídos. Florianópolis, 2006
85
KILBERT,C. Establishing principles and a model for sustainable construction. In:
CIB TG 16 Sustainable construction. Proceeding. Tampa, Flórida, November 69, 1994 p.3-12
LÄNDERARBEITSGEMEINSCHAFT ABDFALL (LAGA). Anforderung and
die stoffliche Verwertung von mineralischen Reststoffen/Abfällen, Technische
Regeln, Stand Novemember 1998.
LAWSON, B. Embodied Energy of Building Materials. The Enviromnmental
design Guide, Pro 2, Royal Australian Institute of Architects, Canberra, 1999.
LIDDLE, B.T. Construction for sustainability and sustainability of the
construction industry. In: CIB TG 16 Sustainable construction. Proceeding.
Tampa, Flórida, November 6-9, 1994 p.47-56
LIPPIATT, B.
BEES 1.0 – Building for environmental and Economic
Sustainability – Technical Manual and User Guide. Gaithersbourgh: NIST 1998.
SHULTMANN, F. Kreislaufführung von Baustoffen – Stoffflußbasiertes
Projektmanagement für die operative Demontage- und Recyclingplanung von
Gebäuden, Erich Schmidt Verlag, Berlin, 1998.
SHULTMAN, F.;RENTZ, O. Material flow based deconstruction and recycling
management for building. Proceedings of the R’99 International Congress
Recovery, Recycling, Reintegration, Geneva, 1999.
SJÖSTRÖM, Ch. Durability and sustainable use of building materials.
In: Sustainable use of materials. J.W. Llewellyn & H. Davies editors.
[London
BRE/RILEM, 1992]
86
TUCKER, S.N., SALOMONSSON, G.D., TRELOAR, G.J., MACSPORRAN, C.
and FLOOD, J. The environmental Impact of Energy Embodied in
Construction. Main report for the Research Institute of Innovative Technology
for the Earth, Kyoto, (DBCE DOC 93/39M), CSIRO, Highett, 1993.
87
Download