Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 Polígonos Alguns dos geómetras mais conhecidos e proeminentes (Coxeter, Cromwell, Dedo) defendem que se inicie o trabalho com polígonos sem dar qualquer definição de polígono e explorando e construindo muitas figuras. Uma destas geómetras, afirma mesmo que “não é simples dar uma definição elementar de polígono, que seja simultaneamente correcta e não excessivamente pesada, e convida o leitor, antes de continuar a leitura, a experimentar dar uma ou mais definições elementares, procurando dar-se conta, para qualquer delas, de que figuras verificam as condições da definição, e quais não verificam.” (Dedo, p. 23). Vamos definir polígono (p-gon) como um circuito de p segmentos de recta A1A2, A2A3, …, ApA1, definidos por p pares de pontos consecutivos, A1, A2, …, Ap, não colineares três a três. Não aceitamos que os segmentos se cruzem. Os segmentos chamam-se lados e os pontos vértices. Esta definição é um pouco formal e embora se possa construi-la de forma elementar é preciso adaptar e simplificar a linguagem. Uma definição possível que nos parece acessível de construir com o recurso a barras articuladas é a seguinte: Circuito plano fechado, de segmentos ligados 2 a 2 pelos suas extremidades, sem haver dois segmentos em linha recta e sem haver cruzamentos entre os segmentos. As barras utilizadas, segmentos, são os lados do polígono, as ligações são os vértices. É importante notar que podemos considerar, ou não, que os lados se cruzem. Este aspecto deve ser assumido e pode evoluir ao longo do tempo. No caso de não aceitarmos a possibilidade dos lados se cruzarem estamos a excluir uma família importante de polígonos, os polígonos estrelados. Também os pontos que definem o polígono podem não ser complanares. Segundo Coxeter, no primeiro caso temos um polígono plano, no segundo um skew polygon. Um polígono decompõe o plano em duas regiões, uma delas é chamada o interior e é limitada. Geralmente é conveniente encarar o polígono como sendo formado pelo interior bem como pelos lados e pelos vértices. À linha poligonal que define o polígono podemos chamar fronteira do polígono. 1 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 (a) (d) (b) (c) (e) (f) (a) exemplo mais comum de um polígono (b) exemplo em que os lados se cruzam, pode ser ou não considerado como polígono (c) de acordo com a definição proposta não é um polígono porque a linha poligonal não é fechada (d) de acordo com a definição proposta não é um polígono porque de um dos pontos saem 4 segmentos (e) não é uma figura plana, não vamos considerar como polígono (f) situação que combina características de (c) e de (d) É habitual ilustrar a apresentação de polígonos por figuras representativas. Neste caso será sempre desejável discutir os que são e os que não são, de acordo com a definição estabelecida. Uma definição não deve ser apresentada à priori, como algo estranho às pessoas que vão usá-la. Será sempre desejável que a definição seja construída e que esta actividade sirva também para mostrar e vivenciar a natureza flexível do conhecimento matemático. Por exemplo, se considerarmos determinada definição, teremos que aceitar como polígonos alguns e outros não. Se partirmos de outra definição, a classificação entre os que são e os que não são poderá já não ser igual. A definição de polígono pode evoluir á medida que os conhecimentos matemáticos aumentam. Uma definição rigorosa de polígono exige conhecimentos matemáticos 2 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 muito sofisticados. Uma definição elementar de polígono não poderá ser tão rigorosa, mas terá de ser operacional. O importante, a nível elementar, é que uma comunidade saiba, quando fala de polígonos, que figuras é que deve ou não assumir como tal, e além, disso, que tenha a flexibilidade necessária para refazer a definição quando fôr caso disso. A problemática da definição é uma questão central no conhecimento matemático. O episódio seguinte ilustra muito bem este facto. A liberdade de construir definições Há cerca de cinco anos acompanhei de muito perto o trabalho de uma professora do 1º ciclo com os seus alunos do 3º ano. Inicialmente a ideia desta professora era trabalhar os polígonos, mas à medida que a preparação do trabalho foi avançado o âmbito do trabalho alargou-se muito tendo também o estudo dos poliedros tido um lugar muito destacado entre as actividades realizadas pelas crianças. Mas uma das situações mais significativas para esta discussão foi a construção do conceito de polígono. Uma das primeiras actividades realizadas pelas crianças foi a construção física de polígono. Esta actividade foi realizada no espaço da Educação Física e em grande grupo. A professora usou um grande elástico, para dentro do qual as crianças iam entrando, mantendo-se o elástico sempre esticado. De cada vez que entrava uma criança, em conjunto contavam o número de lados da figura e o número de vértices, isto é, o número de crianças que já estavam dentro do elástico. As crianças foram assim tirando conclusões gerais: — de cada vez que entra mais uma criança, acrescenta-se um lado à figura — podemos acrescentar quantos vértices quisermos, indefinidamente — o número de lados é igual ao número de vértices. Para estas crianças, uma característica importante de um polígono era esta, uma figura em que o número de lados é igual ao número de vértices. De uma forma natural, e sem imposição da professora, elas construiram uma definição de polígono. O mais interessante, é o episódio que aconteceu tempos mais tarde, numa actividade com papel e lápis, em que tinham de desenhar polígonos com determinados números de lados. Uma aluna nova, que tinha passado a integrar a turma e que não tinha vivido o episódio inicial do elástico apresentou o seguinte desenho: Os colegas reagiram a esta figura, argumentando que aquele não era polígono porque não verificava a definição deles de poligono, o número de lados era seis, e o número de vértices era cinco. Naturalmente estas crianças viveram a actividade matemática na sua forma mais pura e livre. Elas construiram uma definição, com sentido para elas, e que souberam usar autonomamente quando tal foi necessário. Um definição é uma caracterização de uma classe ou conjunto de objectos, aceite por todos, compreensível e utilizável, que permite construir novas ideias sobre esses objectos. 3 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 Polígonos regulares Um polígono é regular se tem todos os lados congruentes entre si e todos os ângulos também congruentes entre si. Isto quer dizer que há polígonos com os lados todos iguais, equiláteros, que não têm os ângulos todos iguais, por exemplo, o losango. E há polígonos com os ângulos todos iguais que não têm os lados todos iguais, por exemplo, o rectângulo. Só no caso dos triângulos é que se os lados são todos iguais entre si os ângulos também são todos iguais entre si. Para todo o polígono regular existe sempre e uma circunferência circunscrita que contém todos os vértices do polígono. Existe também uma circunferência inscrita que contém os pontos médios dos lados do polígono. Os centros destas duas circunferências coincidem e habitualmente este ponto é chamado centro do polígono. Só iremos falar em centro de um polígono para os polígonos regulares. A construção de um polígono regular pode ser feita a partir de: — rotações sucessivas com centro no centro polígono e medida 360°/n — rotações sucessivas com centro num vértice do polígono e medida 180°-360º/n 180° - 360 ° n 360° n O hexágono regular tem a particularidade de a medida do lado ser igual à medida do raio da circunferência circunscrita. É interessante fazer a demonstração deste facto. 4 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 A construção de polígonos regulares por diversos processos sempre interessou os matemáticos, artistas e arquitectos. Actualmente, com o recurso a programas de geometria dinâmica, a construção de polígonos regulares pode ser feita de modo muito mais automático, mas estas construções continuam a ser actividades matemáticas muito ricas do ponto de vista da aprendizagem. Polígonos Convexos e Polígonos Concâvos Um polígono que não é intersectado pelo prolongamento de qualquer dos seus lados é um polígono convexo. Dito de outro modo, polígono convexo é um polígono que fica todo num dos semi-planos definidos pelo prolongamento de qualquer dos seus lados. Um polígono é convexo se contém o segmento definido por quaisquer dois dos seus pontos. Esta definição é equivalente à anterior. O conceito de convexidade só é utilizado para polígonos em que a linha fechada que o define são se intersecta a si própria. Um polígono que é intersectado pelo prolongamento de pelo menos um dos seus lados é um polígono côncavo. Dito de outro modo, num polígono côncavo há pelo menos um lado cujo prolongamento define dois semiplanos que contêm ambos uma parte do polígono. Um polígono é côncavo se existem pelo menos dois pontos que definem um segmento não totalmente contido no polígono. O conceito de concavidade só é utilizado para polígonos em que a linha fechada que o define não se intersecta a si própria. (baseado na CRC Concise Encyclopedia of Mathematics, 1999, Eric W. Weisstein, Chapman & Hall/CRC, Washington, D.C.) 5 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 Polígonos estrelados A definição de polígono estrelado que se apresenta não é única. Ela foi escolhida por permitir realizar investigações matemáticas interessantes que fazem conexão entre conhecimentos geométricos e numéricos. Um polígono estrelado {p/q} em que p e q são números inteiros positivos, é uma figura que se obtém ligando por segmentos de recta p pontos igualmente espaçados situados numa circunferência. Estes pontos são ligados seguindo uma regularidade q, isto é, de q em q pontos. {5/2} {6/2} {8/2} {8/3} {10/4} {7/2} {9/2} {11/5} {7/3} {9/3} {9/4} {15/7} Em algumas das figuras apresentadas, não se obteve um polígono. O código, permite identificar as características do polígono a partir de relações entre os números que o compõem. A definição usual exige que p e q sejam números primos entre si. De acordo com esta definição, a linha que define o polígono estrelado pode ser percorrida sem levantar o lápis. Porém, esta ideia de polígono estrelado pode ser generalizado a uma figura estrelada, polígono estrelado impróprio, em que p e q têm um divisor comum. No caso do polígono estrelado impróprio não é possíve percorrer a linah que o define sem levantar o lápis. Thomas Bradwardine foi o primeiro matemático que estudou sistematicamente estes polígonos. 6 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 Outras características importantes de estudar num polígono O número de ângulos de um polígono é sempre igual ao número de lado. Esta relação, embora muito simples pode não ser imediatamente evidente. Ela é muito útil para o estabelecimento de outras relações pois assim podemos falar indiferentemente do número de lados e do número de ângulos de um polígono sem receio de haver enganos. Soma dos ângulos internos Num polígono qualquer a soma dos ângulos internos está relacionada com o número de lados do polígono. Isto significa que há uma fórmula matemática que permite calcular o valor desta soma a partir do número de lados. Um processo para obter essa fórmula pode ser a partir da análise de alguns casos particulares (processo indutivo), demonstrando depois a sua validade. nº lados soma 3 4 5 6 7 8 180º 360º 540º 720º 900º .. n (n –2) x 180º Para demonstrar esta fórmula parte-se do facto de que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º. E divide-se cada polígono em triângulos, de modo que todos os ângulos destes triângulos equivalem à soma dos ângulos internos do polígono. Constatamos que o número de triângulos possível de obter para um polígono qualquer é igual ao número de lados menos 2. Desta conclusão tiramos imediatamente a fórmula multiplicando por 180º. Uma outra maneira de expressar o valor desta soma é estabelecer o número de ângulos rectos a que é equivalente. nº lados 3 4 5 6 7 valor em ângulos rectos 2 4 6 8 10 7 8 .. n (n –2) x 2 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 Para um polígono regular, o facto de sabermos qual é a soma dos seus ângulos internos permite obter a medida de cada um deles, visto que são todos iguais. A medida do ângulo interno de um polígono regular é igual a (n-2)x180º/n. Soma dos ângulos extermos Num polígono qualquer, a soma dos ângulos externos tem uma característica muito interessante, é sempre 360º. Isto significa que se percorremos a fronteira do polígono, a partir de um vértice qualquer e de modo que o polígono fique sempre à nossa esquerda (ou à nossa direita), ao voltar ao vértice inicial demos exactamente uma volta completa de 360º. Os ângulos extermos obtêm-se a partir dos prolongamentos dos lados do polígono, sempre com a mesma orientação. O ângulo externo é sempre o suplementar (o que falta para completar um ângulo raso) de um ângulo interno. Num polígono regular os ângulos externos são todos iguais e a sua medida é 360º/n. Para o caso particuilar dos polígonos regulares, este é outro processo para obter a medida do ângulo interno. Como é evidente os dois processos levam ao mesmo valor. soma dos ângulos externos 360º medida de cada ângulo externo 360ª/n medida de cada ângulo interno 180º - 360º/n soma dos ângulos internos n (180º - 360º/n) = 180ºn – 360º = 180º (n-2) A preocupação de chegar ao mesmo resultado por processos diferentes tem três vantagens muito importantes. Por um lado, mostra a corerência e as ligações entre os vários conhecimentos e raciocínios, por outro, ilustra que raciocínios matemáticos diferentes conduzem aos mesmos resultados, Além disso, pode ajudar quem sinta alguma insegurança num raciocínio a validar resultados que obteve recorrendo a um outro processo. Diagonais de um polígono Um segmento que une dois vértices não consecutivos de um polígono é uma diagonal. 8 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 Um triângulo não tem diagonais, porque nenhum vértice tem vértices que não sejam consecutivos. Analogamente ao que foi feito para os ângulos, é possível obter uma relação entre o número de lados e o número de diagonais de um polígono. Recorrendo a uma análise e registo de alguns casos podemos chegar a esta relação. nº lados 3 4 5 6 7 nº diagonais 0 2 5 9 14 … n n (n-3)/2 Nos quadriláteros e nos polígonos regulares em geral também é interessante estudar as diagonais de outros pontos de vista, nomeadamente sobre as suas dimensões e posições relativas. No caso dos quadriláteros isso será feito no tema Quadriláteros. Sobre as diagonais dos polígonos regulares é interessante estudar a relação entre as suas dimensões. 2 diagonais iguais 5 diagonais iguais 6 diagonais menores 3 diagonais maiores quadrado — 2 diagonais iguais pentágono regular — 5 diagonais iguais hexágono regular — 6 diagonais menores e 3 diagonais maiores (2 tamanhos) p-regular 7 lados — 7 diagonais menores e 7 diagonais menores (2 tamanhos) p-regular 8 lados — 3 tamanhos p-regular 9 lados — … 9 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 Segmentos e pontos Esta é outra situação que também permite obter uma relação matemática interessante. Quantos segmentos definem 5 pontos não colineares? Qual é a relação entre o número de pontos e o número de segmentos definidos, considerando em cada caso que nunca há mais de 2 pontos colineares? Uma das maneiras mais directas de resolver o problema é através de um esquema. 5 pontos 10 segmentos Este processo revela-se pouco eficaz quando se amplia o problema para mais pontos ou quando se procura uma generalização. Mesmo assim pode ser feito um esquema para cada número de pontos, traçar todos os segmentos e fazer a contagem um a um. nº pontos 1 2 3 4 5 6 7 8 nº segmentos 0 1 3 6 10 15 21 28 Para melhorar o processo de contagem, pode voltar-se à figura inicial procurando observá-la com esta preocupação. Constata-se que cada ponto se liga com outros 4 pontos, como são 5 pontos, contam-se 20 segmentos. Mas cada segmento está a ser contado 2 vezes porque está a ser contado para cada 2 pontos. Recorrendo ao princípio do pastor conclui-se que são 10 segmentos. Igualmente se podería pensar para qualquer número de pontos procurando chegar a uma relação geral: 10 pontos 45 segmentos (10 x 9)/2 = 45 20 pontos 190 segmentos (20x19)/2 = 190 n pontos n (n-1) /2 A validade desta fórmula pode demonstrar-se pensando que: — cada ponto se liga com todas os outros, mas não consigo próprio, o que dá um número total de ligações que pode ser expresso por n x (n —1); 10 Texto Apoio :: Polígonos Versão 2 :: Outubro 2005 — mas ao fazer a contagem deste modo contam-se duas vezes cada um dos segmentos visto que cada um é contado para cada um dos pontos que definem um segmento; — basta então dividir por dois, visto que se sabe que a contagem foi feita a dobrar, daí a fórmula escrita. Neste problema também se podería ter usado uma outra estratégia de contagem que está relacionada com o tipo de regularidade numérica que estes números apresentam. nº pontos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 nº segmentos 0 1 3 6 10 15 21 28 36 45 +1 +2 +3 +4 +5 +6 +7 +8 +9 O padrão é sempre adicionar o número inteiro seguinte ao que foi somado. Obtêm-se os números triangulares já conhecidos de outros problemas e investigações. Vale a pena reforçar que esta regularidade recorrente não é tão potente quanto a fórmula geral obtida pelo primeiro processo. No caso da recorrência é preciso recorrer, como a própria designação sugere, ao valor anterior. No caso da fórmula geral obtém-se directamente o número de segmentos a partir do número de pontos. O recurso a uma tabela de dupla entrada também é útil e ilustra a demonstração desta fórmula geral. A A B C D E F B x C x x D x x x E x x x x F x x x x x Estas relações sobre ângulos e diagonais, embora quantitativas, são específicas das Geometria. Outros aspectos quantitativos, como área e perímetro, são estudados em temas de Grandezas e Medidas. No âmbito da Geometria, os polígonos também podem ser estudados sobre a sua simetria, mas isso será feito no tema Simetria. Referências Coxeter, H. S. M. 1973. Regular Polytopes. Dover Publications, New York. Dedo, Maria. 1999. Forme – simmetria e topologia. Zanichelli editore, Bolonha, Itália. 11